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Texto do guia temático para professores África: culturas e sociedades, da série Formas de
Humanidade, do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo.Escrito em
janeiro de 1999 e revisto e adaptado em julho de 2005 para publicação neste site.
Por isso, a história da África, pelo menos antes do contato com o mundo
ocidental, em particular antes da colonização, não pode ser compreendida
tomando-se como referência a organização dominante adotada pelas
sociedades ocidentais. Normalmente fica no esquecimento, dado ao fato
colonial, que não existe uma África anterior, a que se convencionou
chamar África tradicional, diversa e independente, com suas
particularidades sociais, econômicas e culturais.
Confira uma terracota de ifé cuja réplica já foi exposta no Brasil clicando
aqui). Da arte de Benin e arte luba confira as FIG 1 e 2, a sobre a arte
kuba veja uma de suas estátuas mais célebres clicando aqui).
O fato de não terem escrito sua história anteriormente, não quer dizer
que os africanos, bem como os povos autóctones das Américas e da
Oceania, não tinham história, muito menos que não tinham escrita.
Objetos de arte considerados apenas decorativos estão plenos de
mensagens codificadas por signos e símbolos que podem ser "traduzidos",
ou interpretados verbalmente, como é o caso de muitos objetos
proverbiais (FIG 3).
A mudança social provocada pelo fato colonial faz parte dessa história,
mesmo que a intenção da colonização era acabar com ela. O período
colonial africano é recente, durando de 1883-1885 até pouco mais da
metade do século XX. Nesse período, os governos europeus dividiram e
reagruparam as sociedades tradicionais da África em colônias, cujas
fronteiras não correspondiam aos seus territórios originais.
As artes plásticas da África que vemos nos livros e coleções são produtos
desenvolvidos ao longo de séculos. Sejam esculpidos, fundidos,
modelados, pintados, trançados ou tecidos, os objetos da África nos
mostram a diversidade de técnicas artísticas que eram usadas nesse
continente imenso, e nos dão a dimensão da quantidade de estilos
criados pelos povos africanos.
Tais estilos são a marca da origem dos objetos, isto é, cada estilo ou
grupo de estilos corresponde a um produtor (sociedade, ateliê, artista) e
localidade (região, reino, aldeia). Mesmo assim, devemos lembrar que os
grupos sociais não podem ser considerados no seu isolamento, e,
portanto, é natural que a estética de cada sociedade africana compreenda
elementos de contato. Além disso, cada objeto é apenas uma parte da
manifestação estética a que pertence, constituída por um conjunto de
atitudes (gestos, palavras), danças e músicas. Isso pode determinar as
diferenças entre a arte de um grupo e de outro, tendo-se em vista
também o lugar e a época ou período em que o objeto estético-artístico
era visto ou usado, de acordo com a sua função.
Assim, o material nem sempre era usado por sua abundância ecológica e
a escolha do material não era arbitrária: como o objeto que iria ser
produzido, o material tinha um valor simbólico em cada centro de
produção. Algumas máscaras e estátuas deveriam ser esculpidas em
madeira de árvores determinadas; a confecção de adornos implicava no
uso de determinadas fibras e sementes, e, em alguns casos, de tipos
diferentes de contas, se não de um tipo de liga metálica, de marfim e
outros materiais de origem inorgânica e animal.
Dizem que os africanos não tinham Deus, ou que tinham vários deuses, o
que não parece ser muito preciso. Em quase todas as populações da
África foram registrados depoimentos da criação do mundo, em que existe
apenas um único "Deus". Trata-se de uma força primordial, um Criador
que criou o Mundo e os Homens, colocou-os na Terra, e deixou-os ao seu
Destino (FIG 10).
FIGURA 10: Topo de máscara, arte senufo, Costa do Marfim, acervo MAE-
USP.
Uma das diferenças dessas idéias com relação às idéias de mundo cristãs
é a consciência de que cada ser que está presente no mundo tem seu
papel, e que a força dos Homens é humana, e não divina. Daí a
necessidade de uma relação constante com os antepassados, visando às
futuras gerações. Esse pode ser apontado como um significado
substantivo das várias formas de culto de ancestrais.
É por isso que a vida dos povos africanos é tida como muito mais
ritualizada que no mundo cristão. O mundo material e o espiritual são
concebidos juntos, quase que inseparáveis, o que implica em modelos de
culto e religião completamente diferentes do que se adotou no Ocidente,
que por sua vez serviu de modelo para outros povos formados na
modernidade, como é o caso brasileiro.
Mas, numa aproximação ainda que a grosso modo, eles teriam uma
estrutura de panteão, como a das religiões grega e cristã. Isso quer dizer
que existe um Criador e uma porção de outras divindades articuladas em
camadas subalternas. Os cultos tradicionais da África, por sua vez,
voltavam-se, em linhas gerais, aos antepassados ou a divindades da
Natureza. Neste último caso, poderia ser enquadrado o Culto de Orixás -
apelação dada às divindades de origem ioruba ou nagô (os voduns,
inquices e caboclos são divindades de povos africanos de outras origens)
-, em que se baseiam a maioria dos candomblés, muito embora muitas
dessas divindades celebram chefes políticos sacralizados, com uma
qualidade divina, de uma localidade (ou reino) determinado, onde são
considerados como antepassados.
Para concluir, grande parte da escultura antropomórfica seja da África
ocidental, seja da central, é uma "presentificação" desses personagens
míticos ou mesmo conhecidos em vida - antepassados fundadores de
territórios, chefes de linhagem ou chefes eleitos renomados por feitos
realizados durante seus governos. Em peças desse tipo transparece a
grande relação entre política e religião, motivo pelo qual estátuas, bustos
e cabeças, tendo uma força acumulada de vários níveis, não podiam ser
vistas por todas as pessoas, se não os altos iniciados nos cultos, ou seja,
aqueles que tinham status social e religioso, sendo que em muitas
sociedades, o chefe político era também o sacerdote supremo.
Bibliografia