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INTRODUÇÃO À MULTIMODALIDADE

Contribuições da Gramática Sistêmico-Funcional


Análise de Discurso Crítica
Semiótica Social
CONSELHO EDITORIAL

André Lúcio Bento (UnB)


Angela B. Kleiman (Unicamp)
Célia Magalhães (UFMG)
Claudia Gomes Paiva (Cefor - Câmara dos Deputados)
Dina Maria Martins Ferreira (UECE)
Edna Cristina Muniz da Silva (UnB)
Josenia Antunes Vieira (UnB)
Maria Carminda Bernardes Silvestre (ESTG-IP Leiria-Portugal)
Maria José Coracini (Unicamp)
Milton Chamarelli Filho (UFAC)
Pedro Henrique Lima Praxedes Filho (UECE)
Regina Celan (PUC/SP)
Regina Célia Pagliuchi da Silveira (PUC/SP)
Josenia Vieira e Carminda Silvestre

INTRODUÇÃO À MULTIMODALIDADE
Contribuições da Gramática Sistêmico-Funcional
Análise de Discurso Crítica
Semiótica Social

2015
Copyright © Josenia Vieira e Carminda Silvestre

Revisão
Carmen Lucia Prata da Costa
Denise Silva Macedo

Projeto Gráfico e Editoração Eletrônica


Elizabete Nepomuceno Raiol Lopes

Design da capa
Newton Scheufler

Imagem da capa
Paul Klee Revisitado (arte digital de Newton Scheufler)

Apoio
Centro de Pesquisas em Análise de Discurso Crítica
da Universidade de Brasília – CEPADIC

Catalogação na Publicação (CIP)


_____________________________________________________
V657i Vieira, Josenia.
Introdução à Multimodalidade: Contribuições da
Gramática Sistêmico-Funcional, Análise de Discurso
Crítica, Semiótica Social/ Josenia Vieira e Carminda
Silvestre. – Brasília, DF: J. Antunes Vieira, 2015.
170 p. ; 21 cm
ISBN: 978-85-9093183-6

1. Linguística. 2. Análise de Discurso. I. Vieira,


Josenia. II. Silvestre, Carminda. III. Título.
CDD 410
_____________________________________________________
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 7

1ª PARTE – GLOBALIZAÇÃO, TECNOLOGIAS E


LINGUAGENS (Josenia Vieira)
1. Globalização e tecnologias: uma perspectiva multimodal da
linguagem 15
1.1 A questão da representação do significado 16
1.2 Discurso e globalização 22
1.3 A construção híbrida do discurso 30
Conclusões 38

2ª PARTE – MULTIMODALIDADE E EVENTOS DE


LETRAMENTO (Josenia Vieira)
2. A multimodalidade nos eventos de letramento 43
2.1 A análise multimodal em ação 45
2.2 Escala de detalhes 48
2.3 A ação dos elementos tipográficos na construção do
sentido 50
2.4 O Valor multimodal da impressão 56
2.5 O Discurso das cores e a questão cultural 58
2.6 A representação multimodal dos atores sociais 62
2.7 A sintaxe visual: dando forma à composição 66
Conclusões 71

3ª PARTE – DISCURSO E METÁFORAS VISUAIS


(Josenia Vieira)
3. O papel das metáforas visuais no discurso 75
3.1 A imagem da palavra 78
3.2 A construção de metáforas visuais no discurso 79
3.3 Metáforas visuais: os novos agentes multimodais 81
3.4 Multimodalidade ─ como trabalhar essas semioses?
E para que fim? 84

4ª PARTE – MULTIMODALIDADE E LITERACIA


(Carminda Silvestre)
4. Literacia multimodal 95

5ª PARTE – MULTIMODALIDADE: CONTRIBUTO PARA


UMA LITERACIA MULTIMODAL
(Carminda Silvestre)
5. Contributos para uma literacia multimodal 113
5.1 A localização das entidades no espaço 116
5.2 O mapeamento das emoções nos sistemas semióticos
verbal e visual 124
5.3 Linguagem verbal e visual: relações de complementaridade dos
sistemas semióticos 131

6ª PARTE – GÉNERO E MULTIMODALIDADE


(Carminda Silvestre)
6. O género como elemento multimodal da actividade
humana 141
6.1 Narrativa visual: o interplay entre modo e estruturas
esquemáticas 143
6.2 O Interplay entre modo e estruturas esquemáticas: o caso
do filme de animação “O dia em que o Sr. Raposo...” 145
Conclusões 160

REFERÊNCIAS 163

SOBRE AS AUTORAS 170


APRESENTAÇÃO

Sabemos hoje que a centralidade da linguagem reside


fundamentalmente no fato de que o conhecimento passa pelo uso
da linguagem. Reside também no pressuposto de que o conteúdo
do conhecimento não pode ser dissociado da linguagem por
meio da qual este é veiculado, bem como da forma como é
construído. Assim, forma e função não podem ser separadas. O
que pretendemos realçar é que a significação não reside apenas
no âmbito do linguístico, mas também na maneira como a
usamos em contexto. Com o advento da sociedade visual da qual
fazemos parte, esse conhecimento é construído não só pela
linguagem verbal (oral ou escrita), mas também pelas linguagens
nos seus diferentes modos.
Ao longo da história social, cultural e política têm sido
produzidos recursos semióticos por meio dos quais atribuímos
sentido às realidades interior e circundante, interagimos e
criamos os nossos textos. As necessidades sociais, culturais e
políticas têm levado o homem a procurar novas formas e
tecnologias de comunicação, bem como novas teorias de
linguagem.
No campo das teorias de linguagem, o entendimento da
linguagem distancia-se do preconizado no início do século XX.
Esse entendimento se inscreve em quadro teórico sustentado por
uma visão funcional da linguagem que considera que o sistema
linguístico é modelado pelas funções a que serve. A linguagem
verbal (no seu modo oral ou escrito), em particular, é um sistema
de significação que interage com outros sistemas de significação
como, por exemplo, a linguagem corporal, o espaço (como
sistema de significação) e a linguagem visual. Nessa relação, a
linguagem verbal constrói significados em contextos de situação
e de cultura específicos. Em suma: multimodalidade é a
designação para definir a combinação desses diferentes modos
semióticos na construção do artefato ou evento comunicativo.
Neste livro, a Gramática Sistêmico-Funcional, a
Semiótica Social e a Análise de Discurso Crítica,
enquadramentos teóricos aqui usados para o estudo da
Multimodalidade, partilham entre si uma perspectiva de
linguagem como constructo social, em que linguagem e
sociedade se modelam de formas bidirecionais, ou seja, a
linguagem modela a sociedade e é modelada por esta.
A Análise de Discurso Crítica, como abordagem
linguística, transporta para o domínio social e político questões
de desigualdade, identificando estruturas de dominação e
promovendo o questionamento da materialização do poder e
como esse é exercido, mantido e reproduzido discursivamente
nas organizações sociais. Por outro ângulo, a Semiótica Social
muda o enfoque linguístico para o recurso semiótico para
descrever, interpretar e explicar como as pessoas produzem
artefactos ou eventos comunicativos e como os interpretam em
contextos de situações e/ou práticas específicas. Em vez de
analisar os diferentes modos semióticos per se, devido às
características intrínsecas de cada um dos sistemas, devido às
suas sistematicidades ou regras, essa abordagem integra os
modos pesquisando os recursos semióticos dos diferentes
sistemas organizados e instanciados em textos multimodais. O
espectro teórico das abordagens acima enunciadas é amplo,
devido a influências várias de autores canônicos de áreas
diversas. No entanto, há um autor que é um marco fundamental

8 Introdução à Multimodalidade
para as duas abordagens ─ Halliday ─ pela perspectiva semiótica
social que introduziu no entendimento de linguagem (1978). A
Gramática Sistêmico-Funcional (1994) é partilhada pelas duas
abordagens mercê do enquadramento teórico que esta possibilita
no estudo da linguagem (que excede o estudo da linguagem
verbal) e, fundamentalmente, da sua relação com outros recursos
semióticos que são simultaneamente usados na construção de
significados.
Cabe registro ainda que a ideia do presente volume
surgiu de um pós-doutoramento realizado entre 2008 e 2009, na
Escola Superior de Tecnologia e Gestão, do Instituto Politécnico
de Leiria, em Portugal, pela Doutora Josenia Vieira, da
Universidade de Brasília (UnB), pós-doutoramento
acompanhado pela Doutora Carminda Silvestre, da instituição
portuguesa. Do trabalho realizado pelas autoras, foi selecionada
a parte cujo fio condutor possibilitasse uma unidade para o
estudo da multimodalidade, objeto de estudo pouco
desenvolvido em Língua Portuguesa e com publicação exígua
nesse idioma. Dessa constatação e do trabalho conjunto resultou
a obra, escrita em Português do Brasil (PB) e em Português
Europeu (PE), coexistência propositada de forma a ficar
marcado o respeito pelas duas variedades de língua, suprimindo,
desse modo, qualquer possibilidade de colonização linguística de
uma das variedades.
Quer por essa razão, quer pelos seus títulos, quer ainda
pelos seus conteúdos, as seis partes do livro podem parecer uma
colectânea de ensaios sobre tópicos vagamente relacionados
entre si. No entanto, a estrutura do livro é bastante intricada, com
duas vias de investigação, uma que começa no primeiro capítulo
com enfoque na pesquisa da multimodalidade na publicidade e a
outra que começa no capítulo quatro com a pesquisa em literacia

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 9


(letramento) multimodal aplicada às artes em geral, aqui
apresentada por meio da literatura infanto-juvenil e do filme de
animação.
A parte 1 começa por focar questões teóricas sobre
multimodalidade ─ globalização e tecnologias: uma perspectiva
multimodal da linguagem ─, resultante das mudanças sociais,
políticas e econômicas, e evidencia como essas transformações
afetam a linguagem. A parte 2 ─ a multimodalidade nos eventos
de letramento ─ insere estudos multimodais voltados aos eventos
de letramento e apresenta possibilidades para proceder à análise
multimodal. A parte 3 ─ o papel das metáforas visuais no
discurso ─ explora a metáfora visual aplicada a textos artísticos
e publicitários, mostrando as potencialidades desse recurso
discursivo na construção e na manutenção das ideologias. Na
parte 4 ─ literacia multimodal ─ é equacionado o conceito de
literacia na perspectiva tradicional, trazendo para a discussão
vários conceitos que estão reconfigurados à luz da realidade
presente. A parte 5 ─ contributos para uma literacia multimodal
─ articula a teoria e a prática pela apresentação de excertos com
análise de sintaxe visual, análise semântica de metáforas
conceptuais e de relações de complementaridade dos modos
semióticos verbal e visual. Na parte 6 ─ o gênero como
elemento multimodal da atividade humana ─, exploramos o
gênero textual como outra categoria analítica relacionada com o
modo. A análise é feita com base em uma narrativa visual
mediada por um filme de animação. Desenvolvemos a análise de
forma a mostrar que o gênero nunca é formalmente independente
das tecnologias ou dos processos de mediação, e dos modos que
constituem o gênero.
As partes constituem o todo, que traz à evidência o
objetivo geral do livro: a necessidade do estudo da

10 Introdução à Multimodalidade
multimodalidade e da literacia multimodal pelas diferentes áreas
(da educação às artes, dos contextos acadêmicos às profissões) e
do seu uso como ferramenta fundamental para a criação e para a
interpretação dos textos multimodais da contemporaneidade.
Não menos interessante, vale ressaltar o outro objetivo, o
contributo para a maior consciência do papel central que o
discurso desempenha nas transformações políticas, econômicas e
culturais da sociedade e as implicações que essas acarretam no
quotidiano das diferentes áreas da vida em sociedade.

As autoras

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 11


1ª PARTE

GLOBALIZAÇÃO,
TECNOLOGIAS E LINGUAGENS
1. GLOBALIZAÇÃO E TECNOLOGIAS: UMA
PERSPECTIVA MULTIMODAL DA LINGUAGEM

Josenia Vieira

Esta parte, sob o título “Globalização e tecnologias: uma


perspectiva multimodal da linguagem”, tem como principal
intuito discutir a linguagem no universo da globalização sob a
influência das novas tecnologias, cuja interferência é diretamente
visível na reorganização das práticas sociais e dos gêneros
discursivos. Tal fato enseja relevantes mudanças, assinaladas
pelo surgimento de textos multimodais, marcados pela presença
de múltiplas semioses em sua composição.
A mudança da linguagem frente às tecnologias e à
globalização é tratada como reconfiguração em Vieira (2004, p.
7) e em Ormundo (2007, p. 116) e como multissemióticos em
Vieira (2007, p. 3). Mas foi Poster (1995, 1996, 2000) quem
inicialmente percebeu características no discurso capazes de
provocar a reconfiguração da linguagem. Para isso, centrou sua
discussão no modo de organizar a informação. Poster (2000)
defende que os sistemas de comunicação eletrônica sejam
tratados como linguagens que determinam a vida social de todos
os indivíduos nos eventos sociais, econômicos, políticos e
culturais. A sua tese geral concentra-se na forma como a
informação circula e a ela atribui a responsabilidade pela
reconfiguração da linguagem.
Atualmente, os sistemas de comunicação eletrônica são
considerados linguagens determinantes na vida dos sujeitos e dos

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 15


grupos sociais e, segundo Poster, os meios e as formas de
comunicação determinam as relações de poder e de dominação
nas sociedades contemporâneas. Daí a tese de Poster (1996)
recair sobre o modo de informação como sendo o principal
responsável pelas mudanças e pela reconfiguração da linguagem,
fato que estabelece estreita ligação entre linguagem e
globalização, ambas sujeitas a profundas alterações motivadas
pelas tecnologias da comunicação. Em face disso, o propósito
deste capítulo é examinar como a globalização, juntamente com
o advento da sociedade da informação e da sociedade em rede,
usuárias de ferramentas tecnológicas, reconfiguram a linguagem,
agregando-lhe múltiplas formas multimodais para a
representação do significado no discurso.

1.1 A QUESTÃO DA REPRESENTAÇÃO DO


SIGNIFICADO
A discussão da representação do significado ancora-se
em alguns princípios teóricos da Análise de Discurso Crítica
(ADC) (FAIRCLOUGH, 1989, 1992, 2003a, 2006;
CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 1999) e pela Teoria
Multimodal do Discurso, (TMD) (KRESS e VAN LEEUWEN,
2001, 2006 [1996]) e (VAN LEEUWEN, 2005). Para a
abordagem do tema “Globalização e tecnologias: uma
perspectiva multimodal da linguagem”, colocamos em destaque
a questão da representação no discurso. Chouliaraki e Fairclough
(1999, p. 42) atribuem a mudança de significado à interação
midiática, motivada pela natureza textualmente mediada da vida
social contemporânea. Nessa perspectiva, esses linguistas
consideram o discurso escrito como um discurso mediado
porque, segundo eles, contribui para aumentar o distanciamento
espaço-temporal entre os agentes do discurso. Acresce dizer

16 Introdução à Multimodalidade
ainda que um evento discursivo que migra de um domínio social
para outro carrega o caráter simbólico da primeira representação
e, ao ser reutilizado em outro contexto social, em outro espaço,
terá a seu dispor um leque de possibilidades para a nova
simbolização agora midiatizada.
Por essa razão, o evento discursivo escrito já não
representa exatamente o fato real, pois já se tornou uma
representação de outro discurso anteriormente representado,
tornando-se assim uma segunda ordem de representação mais
complexa do que a primeira. Então, cada vez que certo evento
discursivo é mediado por diferentes tecnologias é, do mesmo
modo, objeto de nova representação, ao que denominamos
reconfiguração ou recontextualização do discurso, fato que
agrega cada vez mais complexidade a essas representações. Caso
semelhante repete-se com o discurso multimodal, pois
acreditamos que as múltiplas semioses desempenham relevante
papel na construção dessas camadas de reconfiguração da
linguagem, tendo em vista que as representações realizadas por
meio das imagens e das cores, por exemplo, aproximam mais o
discurso representado da realidade.
Particularmente Fairclough (2003a), para explicar como é
construída a representação do significado, emprega a palavra
mediação com o propósito de marcar o movimento do
significado de uma prática social a outra, assim como de um
evento a outro ou de um texto a outro, o que forma um processo
discursivo complexo. Esses processos, por sua vez, ocorrem em
redes de textos, sujeitas a transformações em seus contextos
sociais e culturais, podendo também se tornarem agentes de
mudanças nas diferentes redes ou domínios sociais da
linguagem.

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 17


Já a respeito da representação multimodal do significado
no discurso, Kress e van Leeuwen (2006 [1996], p. 2) afirmam
que a representação sígnica é sempre múltipla, negando-lhe, por
esse princípio, a existência fixa e unívoca do signo. Acreditam
que os significados são construídos por agentes do discurso de
modo intencional e não arbitrário e por meio de multissignos,
que enfeixam uma gama variada de semioses. Desse modo, a
defesa da Linguística tradicional (que primeiramente se
identificou com Saussure no século passado, defensor de uma
Linguística como parte da Semiologia (a ciência geral dos
signos) seria impossível segundo a proposta de Kress e van
Leeuwen, pois esses teóricos se alinham com os princípios da
Sistêmica Funcional de Halliday, marco inspirador da Teoria
Multimodal. Vejamos no original o que Kress e van Leeuwen
(2006 [1996]) declaram a respeito da Gramática Sistêmico-
Funcional, desenvolvida por Michael Halliday. Assim dizem:
É o caso em que nosso ponto de partida tem sido a
gramática sistêmico-funcional do Inglês,
desenvolvida por Michael Halliday, embora
atentássemos para o uso dos aspectos semióticos
gerais em vez de suas especificidades linguísticas
como a base para a nossa gramática. Como
Ferdinand de Saussure havia feito no início do
século passado, vemos a linguística como parte da
semiótica, mas não vemos a linguística como a
disciplina que pode fornecer um modelo pré-
fabricado para a descrição dos modos semióticos
além da linguagem. (KRESS e VAN LEEUWEN,
2006 [1996], p. 1)1 (tradução nossa).

1
It is the case that our starting point has been the systemic functional
grammar of English developed by Michael Halliday, though we had and
have attempted to use its general semiotic aspects rather than its specific

18 Introdução à Multimodalidade
Logo, com as revolucionárias transformações nos
gêneros discursivos, provocadas pelas tecnologias e pela
multimodalidade, as práticas discursivas multiplicaram-se e
passaram a cooperar também para a feição reconfigurada desse
novo discurso, que se apoiou em muitos aspectos na Sistêmica
Funcional. Nesse sentido, vale ainda mencionar a incorporação
aos estudos do discurso do conceito de gramática, capturado da
Teoria Sistêmico-Funcional em substituição aos conceitos
tradicionais. A esse respeito, assim se posiciona Halliday:
A gramática vai além de regras de correção. É um
meio de representar padrões de experiência...
Possibilita aos seres humanos construírem uma
imagem mental da realidade para dar sentido a sua
experiência sobre o que está acontecendo ao seu
redor e dentro deles (HALLIDAY, 1985, p. 101) 2
(tradução nossa).

Concordamos plenamente com Halliday, quando defende


a gramática de uma língua como sendo mais do que regras de
correção, devendo ser o meio de representar os padrões culturais
de experiência, possibilitando ao sujeito do discurso retratar a
realidade e, sobretudo, atribuir sentido às experiências que
ocorrem ao seu derredor e também em seu interior.

linguistically focused features as the grounding for our grammar. As


Ferdinand de Saussure had done at the beginning of the last century, we
see linguistics as a part of semiotics; but we do not see linguistic as the
discipline that can furnish a ready-made model for the description of
semiotic modes other than language (KRESS e VAN LEEUWEN, 2006
[1996], p. 1).
2
Grammar goes beyond formal rules of correctness. It is a means of
representing patterns of experience… It enables human beings to build a
mental picture of reality to make sense of their experience of what goes on
around them and inside them (HALLIDAY, 1985 p. 101).

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 19


De posse dessa posição teórica, agregamos ainda a
proposta de Kress e van Leeuwen, a Teoria Multimodal do
Discurso, cujo principal alicerce se fundamenta na gramática do
design visual, apresentada na obra Reading images (KRESS e
VAN LEEUWEN, 2006 [1996]). Desse modo, acreditamos que
a Teoria Multimodal do Discurso é capaz de incorporar e de dar
conta das mudanças na linguagem, provocadas pela globalização
e pelas novas tecnologias, permitindo-nos tratar do discurso por
essa perspectiva, conforme as palavras de seus mentores:
O mesmo ocorre com a gramática do design visual.
Como as estruturas linguísticas, as estruturas visuais
apontam para interpretações particulares das formas de
experiência de interação social. Até certo ponto, estas
também podem ser expressas linguisticamente. Os
significados pertencem à cultura, em vez de
pertencerem a modos semióticos específicos. (KRESS
e VAN LEEUWEN, 2006 [1996], p.2)3 (tradução
nossa).

Entendemos que os discursos nas diferentes línguas são


constituídos em culturas particulares. Logo, só uma abrangente
imersão cultural permitirá a leitura significativa desses discursos.
Assim, quando Kress e van Leeuwen dizem que os significados
pertencem à cultura e não a um modo semiótico específico,
concordamos plenamente, pois, se no discurso verbal já acontece
isso, quanto mais quando tratamos de significados construídos
visualmente. Desse modo, só será possível realizar uma leitura
produtiva em diferentes modos semióticos se conseguirmos,

3
The same is true for the grammar of visual design. Like linguistic
structures, visual structures point to particular interpretations of experience
forms of social interaction. To some degree these can also be expressed
linguistically. Meanings belong to culture, rather than to especific semiotic
modes (KRESS e VAN LEEUWEN, 2006 [1996], p. 2).

20 Introdução à Multimodalidade
efetivamente, realizar uma leitura multimodal completa por meio
de uma abordagem que contemple tanto a cultura local quanto a
global.
Desse ângulo, a Análise de Discurso Crítica, defendida
principalmente por Fairclough (1992, 2003a, 2006), para quem a
linguagem é resultado da prática social de um contexto
globalizado, e pela Teoria Multimodal do Discurso de Kress e
van Leeuwen (2006 [1996]) e de van Leeuwen (2005), que
acreditam ser o significado da linguagem representado por outras
semioses de cunho multimodal, recebemos as condições teóricas
e práticas para lidar adequadamente com os textos multimodais
da atualidade, fruto das mudanças provocadas pelas tecnologias
e pela globalização.
Para o exame do discurso em uma perspectiva semiótica,
discutida inicialmente em Fairclough (1992, 2003a, 2003b) e em
Chouliaraki e Fairclough (1999), encontramos a defesa de que o
discurso é o reflexo contínuo de práticas sociais e discursivas,
sujeito permanentemente às mudanças sociais, desempenhando o
papel de agente duplo de mudança, porque, ao mesmo tempo em
que é mudado pelo social, também age como agente modificador
desse mesmo social e, além disso, o discurso está
simultaneamente sujeito às influências das múltiplas semioses,
presentes nos demais discursos multimodais que nos circundam.
Portanto, ao examinarmos o discurso por meio dessa vertente
crítica, temos acesso aos princípios teóricos e às categorias que
nos permitem analisar o discurso representado nesses múltiplos
processos e também nas relações estabelecidas com outras redes
discursivas.
Desse modo, o conceito de prática discursiva introduzido
por Fairclough (1992, 1995, 1996, 2006) permite-nos vincular a

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 21


análise diretamente às formas de produção, de distribuição e de
consumo de textos e, no caso da globalização e dos modernos
produtos tecnológicos, podemos ligá-los às novas práticas
discursivas, que culminam nos discursos multimodais (KRESS e
VAN LEEUWEN, 2001, 2006 [1996]), cujos aspectos devem
também, em última instância, ser considerados na Análise de
Discurso Crítica.

1.2 DISCURSO E GLOBALIZAÇÃO


Para dar conta de discutir “Discurso e globalização”,
temos de apreciar ainda a posição de Fairclough (2000, 2002,
2006) com relação a discurso e à globalização. Para ele, discurso
é um dos componentes da globalização, mais do que isso,
considera-o como parte dela, pois Fairclough considera a
globalização um processo discursivo extremamente objetivo para
tratar do mundo real, o qual é descrito nas ciências sociais por
meio de um discurso com retórica específica, altamente
representativo da globalização, que costuma ser amplamente
usado para legitimar as ações e as políticas dos poderes
hegemônicos e, para isso, emprega argumentos carregados de
ideologia que contribuem para marcar os limites do domínio e os
contornos do mapa do poder, sustentados por práticas
discursivas específicas, compartilhadas por membros das
comunidades discursivas.
Consideramos também que Fairclough (2006), ao trazer a
globalização para o centro da discussão, defende a ideia de que o
discurso representa a globalização porquanto contribui com
informações para a sua melhor compreensão. Chama-nos
atenção também para o fato de que o discurso pode, muitas
vezes, ser enganoso e mascarar a globalização, o que pode
confundir e criar errôneas impressões sobre ela. Ademais, a

22 Introdução à Multimodalidade
retórica do discurso empregada pela globalização pode construir
uma visão que pode justificar e também legitimar ações
particulares tanto de agências sociais como de seus agentes.
Então, com o advento da globalização, cada vez mais se
fortalece uma inovadora prática discursiva ─ a
recontextualização do discurso ─, denominação atribuída por
Fairclough (2006) ao processo discursivo pelo qual textos
específicos incorporam outros textos ou agregam seletivamente
práticas sociais, discursos, gêneros e estilos que com eles se
relacionam por meio da (de)locação e da (re)locação. Com suas
pesquisas, Fairclough (2006) concluiu que as mudanças nas
práticas discursivas ocorrem principalmente por meio da
recontextualização, que se expressa por intermédio de um
hibridismo intertextual e interdiscursivo, presente em elementos
recontextualizados que estabelecem novas articulações
discursivas, às quais adjungem outros elementos de discursos já
existentes. Esses, por sua vez, transformam-se em novos modos
discursivos, agregados aos novos gêneros e estilos do discurso.
Após esse recorte sobre discurso e globalização,
retomamos novamente ao ponto de vista de Poster (1996), que
defende que a linguagem, para se reconfigurar em quaisquer
práticas discursivas, deve refletir as mudanças decorrentes dos
usos dos media na comunicação, os quais contribuem para
estabelecer, divulgar e reproduzir ideologias, capazes de
sustentar ou de manter desigualdades e injustiças sociais, além
de revelar as relações de poder presentes no discurso, aspecto
também defendido por Fairclough (1989).
Por esse motivo, enquanto Fairclough (2006) acredita que
a recontextualização ou a delocação do discurso constitui a
principal fonte de mudança da linguagem, Poster defende que a

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 23


linguagem está sujeita à reconfiguração no momento que
determinado evento discursivo é mediado por outro meio, como
por exemplo, quando um discurso é proferido diante das câmeras
da TV e depois esse mesmo discurso é colocado na internet ou
publicado nos jornais do país, ou é caricaturado. A esses casos,
Poster denomina reconfiguração, mudança a que o discurso está
sujeito por trocar de mídia para ser distribuído (nessas situações,
entram em ação outros gêneros discursivos, incluindo-se a
participação da multimodalidade por meio de múltiplas
semioses) e Fairclough, por seu turno, trata esse mesmo processo
─ como delocação ou recontextualização do discurso.
Decerto qualquer mudança dos media para difundir certo
evento discursivo pode ser considerada um agente de
reconfiguração da linguagem, segundo a perspectiva de Poster
e, ao falarmos em globalização e em mudanças provocadas por
esse discurso, entramos em sintonia com o proposto por
Fairclough (2006), que nomeia esses mesmos processos como
delocação ou recontextualização. Além dessas duas posições,
vale mencionar o ponto de vista de Iedema (2003), que considera
esses mesmos fatores de mudança da linguagem como uma
ressemiotização do discurso, responsável, em última instância,
pelas combinações híbridas dos textos contemporâneos. Esse
conceito será examinado mais adiante na 5ª parte do presente
volume.
Logo, com as mudanças proporcionadas pela
globalização, pelas mídias impressas e pela publicidade,
juntamente com o advento das novas tecnologias para mediar a
produção do discurso on-line, abriram-se novas possibilidades,
como a variação e o tamanho dos tipos gráficos, os modernos
programas para desenho, sem falar dos potentes computadores
que revolucionaram a escrita não só nos meios eletrônicos, mas

24 Introdução à Multimodalidade
também na adesão às novas semioses para a produção do
sentido. Todo esse sofisticado aparato tecnológico motivou a
construção de arrojados designs gráficos, e de fotocomposições
cada vez mais comuns nos e-books e nos fotolivros, que, com o
elevado número de usuários, tornaram-se cada vez mais
acessíveis às grandes massas.
Por tudo isso, as novas tecnologias, associadas aos
avanços da sociedade da informação, à sociedade em rede
(CASTELLS, 2003) provocam mudanças aceleradas na
recontextualização do discurso. E, embora muitos teóricos
tratem dessas duas sociedades como apenas uma, Cardoso
(2006) distingue a sociedade de informação da sociedade em
rede. Vejamos:
Sociedade de Informação e Sociedade em Rede são
designações para realidades diferentes e mesmo a sua
formulação trabalhada num contexto institucional e
político com objetivos claros de mobilização
estratégica das sociedades e cidadãos, procurando
valorizar uma dimensão comum a diversas esferas da
actividade social. Já a segunda tem por objectivo
distinguir um modelo de organização social a partir da
investigação e análise das nossas sociedades nas suas
dimensões económicas, políticas e culturais
(CARDOSO, 2006, p. 53).

Concordamos com Cardoso quando declara que essas


duas sociedades têm raízes diferentes, sendo a sociedade de
informação um produto institucional e a sociedade em rede
resultado de um modelo social de organização, mas para o
propósito para o qual estamos trazendo estes conceitos, cabe
reforçar que ambas as sociedades desempenham relevante papel
para a realização dos novos desenhos do discurso
contemporâneo.

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 25


Em face disso, o desenvolvimento dessas duas sociedades
ensejou saudável discussão sobre o modo como a sociedade se
adequou às novas práticas de discurso, principalmente após o
advento da World Wide Web (www), pois o rápido avanço das
tecnologias passaram a oferecer aos sujeitos e às instituições
acesso imediato, em tempo real, a páginas on-line, aos softwares
e a toda sorte de dados, motivando transformações no modo de
viver das sociedades, cujas práticas e gêneros discursivos
tiveram de passar por profunda revisão para acompanhar os
novos tempos.
Portanto, com a globalização, a revolução tecnológica
acelerou-se, fazendo com que o mundo globalizado
reconfigurasse, recontextualizasse não só as relações sociais,
como também as práticas discursivas que, agora, têm de ser
capazes de estabelecer comunicação em diferentes mundos com
diferentes sujeitos, agora organizados em redes, e muitos com
uma espécie de second life (segunda vida) extremamente ativa
em mundos digitais. Todas essas mudanças estabeleceram novas
perspectivas discursivas que já estão em uso em diferentes
instâncias da linguagem.
Ademais, devemos mencionar as práticas discursivas
alimentadas pela internet, considerada uma ferramenta
contemporânea poderosa tanto para o trabalho, como para o lazer
e para o estímulo às relações sociais, embora haja muitos críticos
à internet que a consideram a responsável pelo enfraquecimento
dos laços afetivos nos relacionamentos humanos, uma vez que
sujeitos raramente constroem relações pessoais duradouras.
Conforme Castells (2003, p. 108), os sujeitos ligam-se e
desligam-se da rede, podendo mudar rapidamente de interesses,
além de poder esconder ou omitir sua verdadeira identidade,
todavia, mesmo com esse caráter efêmero da comunicação

26 Introdução à Multimodalidade
digital, Castells (2003) defende o ciberespaço como um espaço
fortalecedor dos laços familiares a distância. Particularmente,
chamamos a atenção para o fortalecimento dos laços familiares,
que, graças às conversas virtuais, aos e-mails e às inúmeras
possibilidades de falar gratuitamente via computador, membros
de uma mesma família podem compartilhar alegrias e pesares de
seu dia a dia em todos os espaços globais.
Tem sido prática frequente famílias inteiras iniciarem-se
nas práticas digitais e reformularem as suas práticas discursivas
e, então, serem incluídas no mundo da informação e da
tecnologia. Às novas práticas discursivas, portanto, deve-se
imputar o fortalecimento das relações familiares, as quais
gradativamente tornam-se mais comuns graças ao uso diário de
ferramentas digitais, fazendo com que vasta gama de sujeitos
iletrados digitalmente, agora, possam usá-las. Sendo, em
consequência, grande fator de fortalecimento dos laços a
distância quer pela prática do uso de e-mails, quer pelo uso das
redes sociais, com “presença” marcante, apesar da separação
geográfica. Também Castells (2003), ao analisar um dos efeitos
da interatividade virtual, chama-nos a atenção para o surgimento
de novos suportes tecnológicos voltados à sociabilidade,
traduzido como comunidades virtuais, as quais Castells (2003)
define como redes de laços interpessoais que proporcionam
sociabilidade, apoio, informação, senso de integração e
identidade social.
Ao fim e ao cabo, todas essas vertiginosas mudanças,
favoreceram a estabilização dessa linguagem híbrida, construída
por combinação de palavras, de imagens, de cores, de sons e até
de movimentos, tudo isso sob a batuta de uma nova geração de
designers gráficos, cuja mobilidade e facilidade criadora para
lidar com essas múltiplas semioses multiplicaram cada vez mais

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 27


o uso dessa linguagem multimodal, que tende a se tornar
dominante (KRESS eVAN LEEUWEN, 2006 [1996]).
Esses novos fazedores de signos, ou melhor, esses
agentes ativos da construção de significados, tornaram-se os
novos responsáveis pelo sentido e, como bem declaram Halliday
e Hasan (1989), um texto não é construído de palavras e de
sentenças, mas de significados, pois se não fosse pelo abundante
uso da escrita e da imagem, a fala estaria ainda restrita aos
contextos interacionais face a face. Semelhante hibridismo ao
que ocorre nas relações entre texto escrito e imagem
encontramos na linguagem do cinema e da televisão e,
consequentemente, podemos dizer que a linguagem hegemônica
deste século não reside apenas no uso da imagem, nem apenas da
palavra, mas na ocorrência de ambas, na sua hibridização,
combinadas ainda com outras semioses, gerando textos
multimodais, conforme passaremos a explicar mais adiante.
Para a análise dessas mudanças, diante da
impossibilidade de examinar toda a gama de tecnologias
envolvidas na produção dos novos discursos, optamos por
analisar um anúncio publicitário, cuja atenção se centrou
principalmente no exame da reconfiguração da linguagem
publicitária e midiática. Os resultados sinalizam para a
necessidade de avançarmos na investigação da linguagem
vinculada às inovadoras práticas sociais, à multimodalidade e
aos aspectos da globalização, pois, ao darmos ênfase à
linguagem verbal ao longo da tradição dos estudos linguísticos,
as pesquisas concentraram-se apenas em dois modos de
linguagem: a fala e a escrita. Então, essa visão reducionista para
a linguagem retrata somente a percepção linguística e leva-nos a
negar as múltiplas mudanças do discurso contemporâneo, que

28 Introdução à Multimodalidade
tende a uma visão muito mais semiótica, que passa a incorporar
ao discurso outras semioses que não a fala e a escrita.
No intuito de explicitarmos mais o que estamos
defendendo, analisaremos uma peça publicitária na qual
aplicaremos os princípios dessa proposta, tendo em vista que a
ADC, ao lado da Teoria Multimodaldo Discurso, são os
principais enfoques teóricos utilizados para esta análise, pois
essas teorias oferecem categorias possíveis para analisar certos
aspectos relacionados aos processos de produção, de distribuição
e de consumo dos textos, resultantes da construção de uma rede
complexa de significados sociais, responsáveis pelo significado
dos discursos contemporâneos, organizados em cadeias de
gêneros, cuja descrição aprofundada está em Fairclough (2003a,
p. 31), que descreve como os diferentes gêneros se ligam com
certa regularidade, ao mesmo tempo que envolvem
transformações sistemáticas, formadoras de cadeias de gêneros
que contribuem para as ações que excedem quaisquer diferenças
provocadas pelo espaço e pelo tempo, pois assim ligam
diferentes eventos e práticas sociais, em diferentes espaços
geográficos e em diferentes tempos, sendo esse o traço essencial
para definir a globalização contemporânea.
De igual modo, Chouliaraki e Fairclough (1999, p. 6,)
propõem uma visão dialética do processo social, em que o
discurso é um “momento”, entre discurso/linguagem; poder;
relações sociais; práticas materiais; instituições/rituais e
crenças/valores/desejos. Cada momento internaliza todos os
outros ─ para que assim o discurso seja uma forma de poder,
uma modalidade de formação de crenças/de valores/de desejos
de uma instituição, de um modo social de relacionamento, uma
prática material. Inversamente, o poder, as relações sociais, as
práticas materiais, as instituições, as crenças etc. são, em parte,

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 29


discurso. A heterogeneidade dentro de cada momento ─
incluindo o discurso ─ reflete a sua determinação simultânea
(overdetermination) por parte de todos os outros momentos.
Chouliaraki e Fairclough (1999, p. 6,) a esse respeito declaram:
Uma visão dialética do processo social em que o
discurso é um “ momento” entre seis: o
discurso/linguagem, o poder, as relações sociais,
práticas materiais, instituições/rituais e crenças/
valores/desejos. Cada momento internaliza todos os
outros ─ assim o discurso é uma forma de poder, um
modo de formação das crenças/valores/desejos, uma
instituição, um modo de relacionamento social, uma
matéria prática. Por outro lado, o poder, as relações
sociais, as práticas materiais, instituições, crenças,
etc., são parte do discurso. A heterogeneidade dentro
de cada momento ─ incluindo o discurso ─ reflete sua
determinação simultânea (“ sobredeterminação”) por
todos os outros momentos. (CHOULIARAKI e
FAIRCLOUGH, 1999, p. 6)4 (tradução nossa).

1.3 A CONSTRUÇÃO HÍBRIDA DO DISCURSO


É comum o uso dessa linguagem híbrida no discurso
publicitário, sendo usadas frequentemente obras de artistas
famosos na construção de apelos publicitários. Neste estudo, em
que desejamos visualizar o papel da globalização e das

4
A dialectical view of the social process in which discourse is one
‘moment’among six: discourse/language; power; social relations; material
practices; institutions/rituals; and beliefs/values/desires. Each moment
internalises all of the others – so that discourse is a form of power, a mode
of formation of beliefs/values/desires, a institution, a mode of social
relating, a material practice. Conversely, power, social relations, material
practices, institutions, beliefs, etc. are in part discourse. The heterogeneity
within each moment ─ including discourse ─ reflects its simultaneous
determination (‘overdetermination’) by all of the other moments.
(CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 1999, p. 6).

30 Introdução à Multimodalidade
tecnologias nas novas perspectivas multimodais para a
linguagem, o foco não é o estudo do anúncio publicitário em si,
mas as mudanças que ocorreram no âmbito da linguagem e do
discurso, motivadas pela globalização, pelas tecnologias e pela
multimodalidade. Então, é com este intuito que passamos a
examinar o uso da Mona Lisa de Da Vinci em uma propaganda
veiculada na internet. Queríamos inicialmente uma obra de arte
famosa utilizada em anúncios e, ao buscarmos no Google,
apareceram mais de vinte Mona Lisas, todas utilizadas na
composição de significados discursivos de textos publicitários
presentes em anúncios de dentifrícios, de xampus, até em
anúncios de joias e de outros luxuosos adereços. Ainda que
todos os exemplos fossem pertinentes para o propósito,
examinaremos aqui, a título de ilustração, apenas um caso: A
Mona Lisa americana.

Figura 1: Mona Lisa americana


Fonte: http://www.universohq.com/quadrinhos/images/b-mona.jpg

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 31


Ao examinarmos as duas Mona Lisas: a do before e a do
after uma semana nos Estados Unidos, percebemos uma nova
sintaxe verbal, provocada pelo deslocamento da obra de arte de
seu espaço local, o museu do Louvre de Paris, ao ser colocada
lado a lado da Mona Lisa em versão americana, usada em espaço
global. Esse fato estabelece forte contraste entre as duas Mona
Lisas, pois a oposição entre os dois quadros acentua de modo
marcante as diferenças entre ambas. Mas, o que nos chama
atenção não é apenas o fato de a Mona Lisa italiana, hóspede do
Louvre, ter se americanizado, tornando-se loira, mais branca,
com avantajados silicones nos seios, mostrados com
naturalidade. Também percebemos o preenchimento de seus
lábios, o nariz mais afilado e o queixo modificado, produto de
cirurgias plásticas, entretanto o que mais nos chama a atenção se
liga aos ícones culturais e ideológicos, reveladores da cultura
americana. Logo, qualquer texto visual pode se transformar em
fenômeno semiótico complexo, com implicações ideológicas que
não podem ser ignoradas, considerando-se que há a construção
de várias camadas de sentido até a realização completa do
significado.
Identificamos nas imagens da Mona Lisa, na versão
before, o cultivo da beleza e da arte da cultura italiana,
representadas pela obra prima de Leonardo Da Vinci, usada para
acelerar a venda de certos produtos ou ideias. No caso, a
ideologia contemporânea, valoriza a beleza líquida, como diria
Bauman (2003), ou a extrema importância dada ao corpo, nas
palavras de Giddens (2000). A beleza líquida da mulher da
modernidade tardia só permanece igual aqui e agora, pois
amanhã pode estar diferente, o cabelo pode transformar-se em
platinado, com luzes, alongado, entrelaçado, raspado; a face com
novo contorno, com botox, implantes e pode até mesmo ter sido

32 Introdução à Multimodalidade
submetida a plásticas reparadoras e transformadoras, anunciadas
agressivamente na mídia televisiva e impressa. A mulher de hoje
vive uma vida para consumo (BAUMAN, 2009).
Mas, o que mais nos chama a atenção é a maneira
caricata como a mulher americana foi representada aqui,
reveladora dos esteriótipos a que as diferentes culturas estão
sujeitas. Conforme Dyer (1995), o papel dos esteriótipos é hoje
comparável ao termo abuso, pois nunca é neutro. Para reforçar
seu pensamento, Dyer reporta, em seu livro The matter of images
(1995), ideias de Lippmann (1956, p. 96) das quais nos
apropriamos neste momento para dizer que um padrão de
estereótipo, além de não ser neutro, não é apenas uma forma de
substituição da realidade, nem apenas um atalho. É tudo isso e
algo mais. É a garantia da nossa autoestima, sendo a projeção
sobre o mundo do nosso próprio sentido do nosso próprio valor,
a nossa própria posição e os nossos próprios direitos. Considera
Lippmann ainda que os estereótipos são altamente cobrados
juntamente com os sentimentos que a eles estão ligados, pois
eles são a fortaleza de nossa tradição, e atrás de suas defesas,
podemos continuar seguros da posição que ocupamos.
Na verdade, no caso da Mona Lisa americana, o modo
como um grupo social, ou parte dele, é representado não revela
exatamente a realidade em si mesma, mas apenas outras formas
de representações entre tantas outras possibilidades. Dyer (1995,
p. 3) assim textualmente se posiciona sobre a representação:
Este território é difícil, eu aceito que um só apreende a
realidade através de representações da realidade,
através de textos, discursos, imagens, não há tal coisa
como o acesso sem mediações com a realidade. Mas
porque se pode ver a realidade apenas através de
representações, não se segue que não se vê a realidade
de todo ─ parcial seletiva, incompleta, de um ponto de

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 33


vista ─ visão de algo que não é nenhuma visão do que
por qualquer motivo (DYER, 1995, p. 3) 5 (tradução
nossa)

Dyer enfatisa que a apreensão da realidade é realizada


somente por meio de outras representações da realidade, as quais
podem estar representadas por um texto, um discurso ou uma
imagem, tomando-se diferentes caminhos para capturar a
realidade, diferentes atalhos para construir a representação dessa
mesma realidade, mas essas outras representações não
conseguem nunca representá-la de maneira completa, total, mas
somente de um dado ponto de vista. Em face disso, nunca
realizamos uma representação que já não tenha sido
representada, daí porque os esteriótipos, além de frequentes, são
também denunciadores da ideologia, das crenças e também dos
preconceitos construídos por meio das representações, sempre
realizadas com base em outras representações, o que faz com
que a realidade seja falseada ideologicamente, como no caso dos
esteriótipos.
Chama-nos também a atenção a ideologia
contemporânea, veiculada na mídia escrita e falada por meio de
mega-anúncios de cirurgias plásticas e de outras modalidades de
serviços estéticos com valores módicos a serem pagos em até 48
meses. Efetivamente, o fato, ideologicamente, nos revela que
não estamos passando apenas pela comodificação da linguagem,
no sentido dado por Fairclough (1991) ou pela reconfiguração da

5
his is difficult territory, I accept that one apprehends reality only through
representations of reality, through texts, discourse, images; there is no
such thing as unmediated access to reality. But because one can see reality
only through representations, it does not follow that one does not see
reality at all. Partial ─ selective, incomplete, from a point of view ─ vision
of something is not no vision of it whatsoever (DYER, 1995, p. 3).

34 Introdução à Multimodalidade
linguagem, como defendem Vieira (2004) e Ormundo (2007),
mas também pela comodificação da beleza, sendo a estética
apenas mais um produto de venda às gerações contemporâneas
tanto femininas quanto masculinas.
De semelhante modo, o culto à nova estética é um dos
marcos culturais e ideológicos de nossos tempos líquidos, como
bem caracteriza Bauman em sua extensa obra. O mundo está
cada vez menos sólido em seus valores, os quais se tornam mais
líquidos a cada instante. Assim, a linguagem reconfigurada pela
sociedade líquida, com valores voláteis e igualmente líquidos,
constituem as grandes metáforas de nosso tempo. Bauman
(2003, p. 69) sobre a fragilidade e a liquidez dos compromissos
nos relacionamentos humanos assim declara:
A líquida racionalidade moderna recomenda mantos
leve e condena as caixas de aço. Nos compromissos
duradouros, a líquida razão moderna vê opressão; na
união permanente percebe uma dependência
incapacitante. Esta razão nega direitos aos vínculos e
liames, espaciais ou temporais… (BAUMAN, 2003, p.
69)

Afora a questão ideológica visível na análise da Mona


Lisa americana, é relevante, para o nosso estudo das
transformações da linguagem, focalizar a composição textual
híbrida formada pelas duas imagens contrapostas para que
possamos então realizar uma leitura mais profunda deste texto
multimodal, reconfigurado. Desse modo, temos necessidade de
conhecer a Teoria da Multimodalidade, para que a construção de
significados dos anúncios atinja os seus objetivos: vender o
produto. Com esse intuito, a obra Reading images: the grammar
of visual design, de Kress e van Leeuwen (1996), com segunda
edição revisada em 2006, estabelece uma gramática visual, que

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 35


oferece categorias para a análise e a leitura de imagens. Essa
obra permite que aprofundemos muito mais a leitura de textos
multimodais, compostos com imagens e outros elementos
multimodais.
Desse modo, algumas categorias, como a informação
nova, colocada à direita, e a velha, à esquerda; saliente e não
saliente; acima e abaixo, estabelecem valores significativos no
ato de leitura de imagens em uma perspectiva multimodal.
Voltando ao anúncio da figura, a categoria trazida como nova
aqui está diluída, pois como ambas estão justapostas, temos de
nos guiar exatamente pela imagem que está colocada à direita,
lugar da informação nova, lugar aqui ocupado pela Mona Lisa
americana, que é trazida como o elemento novo. Este é o
produto que o anúncio deseja vender: a beleza americana. Um
tipo de mulher com traços esteriotipados ao feitio da mulher
americana. Não é nosso intento aprofundar aqui a Teoria
Multimodal do Discuso (TMD), que participa da construção do
texto contemporâneo, multimodal por excelência, desenvolvido
especialmente na década passada ao abrigo da Análise de
Discurso Crítica (ADC) e da Linguística Sistêmico-Funcional-
(LSF). Contudo, ressaltamos que os princípios da Teoria
Multimodal do Discurso podem ser usados pelos alunos com o
intuito de torná-los conscientes da enorme importância dessas
novas práticas de produção do texto multimodal.
Apesar da relevância das pesquisas voltadas para
multimodalidade, tem havido um descompasso entre as teorias
que envolvem esses sistemas semióticos e as que estudam como
eles operam, pois tais estudos não têm se desenvolvido na
velocidade que a área necessita. O motivo é que a maioria dos
linguistas comumente só se interessa por textos verbais,
entretanto o tipo de sociedade visual que estamos construindo e

36 Introdução à Multimodalidade
que vivemos, não apenas está mudando rapidamente, como
também nos cobra um conhecimento mais consciente e
determinado sobre essas mudanças, porque o visual, acredita
Cardoso (2006, p. 117), tem ganho predominância sobre o
textual, sendo que o único campo em que o texto aparentemente
ainda predomina é a internet. Fora desse contexto, o que
predomina é a retórica baseada na cultura visual, uma cultura
assente na multiplicidade de recursos semióticos utilizados e na
rapidez da conexão visual.
E, embora o interesse pela semiótica não seja algo novo,
haja vista a duradoura aplicação da semiótica peirceana à
pesquisa em linguagem não verbal, só recentemente tem sido
usada na aplicação e na sistematização das potencialidades
descritivas da Linguística Sistêmica. As pesquisas mais
significativas nessa perspectiva têm sido as investigações de
Kress e van Leeuwen (2001, 2006 [1996]) entre outros. Os
modelos de análise semiótica elaborada por eles têm sido usados
com sucesso em contextos, como em estudos de museus e de
galerias de arte.
A boa notícia é que os interesses da Gramática
Sistêmico-Funcional finalmente se expandiram para outras
linguagens semióticas. Assim, temos hoje uma análise de
produção de sentido que considera como essa simbiose
materializa ideologias nas comunidades discursivas, encarando
não só a linguagem verbal escrita, mas também as demais
linguagens. Kress e van Leeuwen (2006 [1996]) discutem a
função ideacional nas imagens e como os processos
apresentacionais e transacionais e como os atores e as
circunstâncias relevantes se realizam na função interpessoal em
termos da “interpelação” por meio do olhar, do ângulo etc., e a
função composicional em termos de enquadres, linhas paralelas,

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 37


verticais, horizontais, diagonais, e assim por diante (para mais
detalhes, ver Kress e van Leeuwen 2006 [1996]). No livro,
Multimodal discourse, Kress e van Leeuwen (2001) expandem
sua visão teórica para as seguintes áreas: design, produção e
distribuição do discurso. Isso cobre a análise do discurso de
como textos e imagens são planejados para cooperarem entre si,
como os discursos são produzidos e como eles são colocados à
disposição dos consumidores em diferentes contextos sociais e
culturais.

CONCLUSÕES
Por fim, esta parte, que tratou da “Globalização e
tecnologias: uma perspectiva multimodal da linguagem”, coloca
em tela o surgimento, a existência de inúmeras práticas
discursivas, fruto da globalização e das tecnologias digitais, as
quais são fortemente representadas nos novos gêneros
discursivos. A prova concreta de sua existência é a
reconfiguração, ou a recontextualização do discurso, realizada
por meio das práticas discursivas multimodais mediadas, tanto
pelas mídias digitais quanto pelas impressas no espaço
discursivo globalizado.
À parte as mudanças globais, que exerceram marcante
influência sobre a linguagem, pertencemos a uma sociedade da
imagem; somos cidadãos multimodais a ponto de descansarmos
quando vemos imagens em frente à TV. Somos fruto de uma
sociedade digital, uma sociedade multimodal. Foi nesse
favorável contexto que o discurso monomodal encontrou terreno
fértil para se ressemiotizar e compor os atuais discursos
multimodais.

38 Introdução à Multimodalidade
Por essas razões, as mudanças tecnológicas e midiáticas,
que estão ocorrendo no mundo, não podem passar despercebidas.
É relevante que, na qualidade de pesquisadores da linguagem,
não ignoremos as impactantes mudanças pelas quais passa a
linguagem. Ignorar essas mudanças é impossível. A sociedade
necessita com urgência de instituições de ensino que não se
coloquem à margem do mundo globalizado, necessitamos de
outras alternativas de letramento, do letramento informacional e
digital, que possam permitir o pleno exercício da cidadania, mas,
para isso, devemos oferecer instrumentos que permitam o pleno
domínio de todas essas tecnologias. Por pertinente, registro a
opinião de Cardoso:
(…) a cidadania na sociedade em rede depende
também do domínio dos intrumentos que nos
permitem lidar com os medias como mais uma
linguagem natural, e do desenvolvimento de uma
literacia que vá para além de sua definição mais
tradicional. (CARDOSO, 2006, p. 401)

Por tudo isso, defendemos que o cidadão deve ser capaz


de manejar bem as tecnologias, assim como deve saber lidar
criticamente com os media, pois eles são o primeiro elo entre a
vida real e o mundo representado e para que esse mesmo cidadão
alcance o desejável nível crítico deve, como entende Giddens
(2000), ser altamente reflexivo também no trato dos media, os
quais desempenham papel extremamente relevante na vida
moderna atual e no exercício da cidadania. Assim, por meio da
reflexividade, os sujeitos do discurso têm de tomar decisões, de
fazer escolhas, e para isso usam as sociedades em redes e as
sociedades de informação para garantir apoio e suporte para essa
crítica tomada de decisões.

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 39


E, como consequência, não só o surgimento dos media e
das tecnologias e das avançadas redes de informação moldam
novas reconfigurações nas relações de poder da sociedade, mas
também o próprio discurso reconfigura-se por meio da
multimodalidade e pelas modernas formas de distribuição digital
da linguagem, pois essas inovadoras práticas discursivas on-line
e off-line têm contribuído para essa reconfiguração neste
contexto globalizado, ao lado de um mundo colorido que deixou
em segundo plano o preto e o branco para incorporar cores,
imagens, sons e movimentos aos discursos multimodais.
Ademais, o uso pela sociedade contemporânea de
avançados instrumentos tecnológicos e informatizados fez mais
pela linguagem do que acelerar a sua velocidade transformadora,
marcou de modo irreversível os seus contornos, reconfigurando-
a, desenhando outros gêneros e diferentes padrões discursivos,
dando-lhe nova feição e novas práticas. Por essa razão, o sujeito
atual, um sujeito dividido, multifacetado, necessita de teorias da
linguagem que o ensinem a lidar com as diferentes formas do
discurso contemporâneo, para que, então, o sujeito dessa
sociedade visual esteja habilitado para o pleno exercício
discursivo crítico que os diferentes domínios da vida pública e
privada exigem de todos nós, os legítimos agentes de mudanças
sociais.

40 Introdução à Multimodalidade
2ª PARTE

MULTIMODALIDADE E
EVENTOS DE LETRAMENTO
2. A MULTIMODALIDADE NOS EVENTOS DE
LETRAMENTO

Josenia Vieira

No que concerne à multimodalidade e ao letramento,


pretendemos discutir as novas perspectivas para os textos
multimodais presentes nos eventos e nas práticas sociais de
letramento nos diferentes discursos. Ressaltamos que a
composição textual multimodal tem alimentado as práticas
sociais, cuja riqueza de modos de representação utilizados
incluem desde imagens, até cores, movimento, som e escrita,
haja vista a existência frequente de eventos híbridos de
letramentos, constituídos por composições com linguagem
verbal, com linguagem visual e com linguagem corporal, marcas
preponderantes do discurso contemporâneo.
Ora, essa posição teórica abre possibilidades para a
realização de estudos de letramento, direcionados a outros
gêneros multimodais que contemplem diferentes modalidades
discursivas que não as presentes na leitura e na escrita
tradicional. O argumento forte em defesa desse ponto de vista é
o de que ser iletrado em linguagem visual denuncia
vulnerabilidade social e baixo empowerment do sujeito.
Nesse intuito, usaremos como suporte teórico para a
discussão a Teoria do Letramento (TL), defendida por Street
(1995, 1996), além de Kress (1996) e da Teoria da
Multimodalidade do Discurso (TMD) com a proposta de Kress e
van Leeuwen (2001, 2006 [1996]) e de van Leeuwen (2005).

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 43


Essa proposta se baseia em estudos das semioses sociais, que
envolvem tanto as teorias linguísticas quanto as teorias sociais,
em uma perspectiva transdisciplinar, para tratar do gênero
multimodal como um processo decorrente de migrações
midiáticas do discurso.
A esse respeito, Kress, Leite-Garcia e van Leeuwen
(2000) ponderam que, se os seres humanos produzem e
comunicam significações em vários modos semióticos, então
somente o uso da linguagem verbal se tornaria insuficiente para
concentrar a atenção de quem está interessado na produção e na
reprodução social de significados. Logo, se, em essência, os
textos são multimodais, será impossível ler significados
representados apenas por um modo linguístico.
Desse modo, a Teoria do Letramento Visual, associada à
Teoria Multimodal do Discurso, constitui relevante abordagem
sociossemiótica das comunicações visuais e dos novos gêneros
multimodais que poderão ser utilizados em diferentes espaços
sociais, inclusive na sala de aula.
A essa altura da discussão, caberia perguntar: qual o
interesse da Teoria da Multimodalidade em desenvolver estudos
sociais do uso da linguagem? A principal resposta da TMD é de
que as investigações no campo da multimodalidade integram os
estudos da Semiótica Social e da Teoria Crítica, sendo um de
seus objetivos principais desenvolver o empowerment, o
fortalecimento das pessoas comuns, pois, como defende van
Leeuwen (2005), todos os sistemas semióticos são sistemas
semióticos sociais. E, como tal, desempenham relevante papel na
sociedade já que a descrição e os estudos derivados da Teoria
Social contribuem para que o sujeito possa incorporar maior
poder de discernimento a respeito do mundo multimodal,

44 Introdução à Multimodalidade
manifesto principalmente pelos gêneros multimodais, veiculados
pelos meios midiáticos circundantes.
Na sequência, examinaremos as categorias possíveis de
serem utilizadas para proceder a uma análise multimodal,
seguindo os passos estabelecidos por Kress e van Leeuwen
(2006 [1996]).

2.1 A ANÁLISE MULTIMODAL EM AÇÃO


Para levar a efeito a análise multimodal, é necessário que
tratemos dos modos semióticos, que descrevem como as
semioses podem representar a verdade do mundo real; como as
imagens constroem a realidade; como elas recortam o mundo e
como intencionalmente podem omitir detalhes.
Nesse sentido, só o gênero humano é capaz de criar
mundos simbólicos, modificando-os por meio do discurso e,
intencionalmente, por meio do uso de categorias estabelecidas
pela gramática visual, conforme Kress e van Leeuwen (2006
[1996]). Decerto a posição ocupada pela humanidade é de
destaque em relação às demais espécies, pois só os seres
humanos são capazes de modalizar um dado sentido, ou até
mesmo de potencializá-lo.
Assim, em contextos multimodais, as imagens
transformam-se em referências diretas ou indiretas da realidade
física e social, sendo necessária uma escolha seletiva, tendo em
vista que as sociedades usam imagens como um modo de
legitimar argumentos e fatos relatados e descritos, entretanto não
podemos ignorar que as imagens usadas pelas diversas mídias
contribuem com a identificação das formações ideológicas
construídas nesses diferentes espaços midiáticos e também
podem revelar a manipulação de ideologias que pode ocorrer na

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 45


seleção das imagens mostradas e também naquelas que foram
expurgadas ou ocultadas.
Então, para a análise de discursos multimodais,
carecemos iniciar pelo “modo”, que, na Teoria Multimodal do
Discurso (KRESS e VAN LEEUWEN, 2001) constitui parte dos
estudos focados na Linguística Funcional (HALLIDAY, 1994).
A categoria “modo” identifica a participação dos atores nos
processos discursivos. Assim, um enunciado como Maria
comprou uma camisola constrói um sentido diferente daquele
existente em Maria deve ter comprado uma camisola, que, por
sua vez, será diferente de Maria deve comprar uma camisola. E,
mesmo que os sujeitos ou atores do discurso sejam idênticos nos
três enunciados, pois foi a Maria quem comprou a camisola, mas
a relação de participação e de comprometimento entre anunciar o
fato de que Maria, o agente, e o objeto, a camisola, é modalizada
de modos diferentes. A essa maneira especial de enunciar o
discurso é que Halliday trata como modalidade gramatical, cujo
preenchimento categorial pode se dar pelo uso de recursos
discursivos modalizadores, como os adjetivos e os verbos
auxiliares.
Em contrapartida, no discurso multimodal, quando há
imagens, a modalização realiza-se pela combinação das cores
entre si, pelos usos de tons claros e escuros, pela escolha de
sombra e luz, ou ainda pelo uso de alto e baixo relevo, pela
escolha do modelo de tipografia, de iconografia, ou modo de
combinação, ou arranjo.
Em face da discussão, cabe uma pergunta: como as
imagens são distribuídas e combinadas para marcar a
modalidade? Há alguma regra pré-estabelecida? É possível
responder a essas e a outras questões com base nos estudos de

46 Introdução à Multimodalidade
Kress e van Leeuwen (2006 [1996]), que nos oferecem uma
gramática do design visual, na qual descrevem critérios que
podem nos ajudar a classificar taxionomicamente o que eles
denominam de escalas, dividindo-as em escalas de detalhes, de
plano de frente e de fundo, de dimensionalidade, de sombra e
luz, de matizes, de intensidade de cores, de brilho, de cores puras
ou híbridas, de quantidade de cores, de luminosidade e, por
último, escala de elementos tipográficos. Passaremos, a seguir, a
detalhar mais essas escalas.

Figura 2: Revista Veja, edição de 6 de abril de 2005


Fonte: http://freakshowbusiness.com

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 47


A foto de capa da revista narra a morte de João Paulo II,
mostrando-o com uma expressão de enorme sofrimento, em
contraste com a grandeza da fé sugerida pelo título. Enquanto a
fé é tratada como grande, a imagem do Papa de modo contrário,
revela-o como extremamente humano em sua dor. A pergunta
aqui é por que razão foi colocada esta imagem e não outra entre
as centenas de fotos disponíveis do Papa em momentos mais
voltados para a fé? Essas formações de sentido construídas por
meio de outras semioses é que nos chamam a atenção e precisam
ser mais estudadas, para entendermos os meandros dos textos
multimodais.
Assim, como a construção do sentido deve ser a resposta
a ação de um princípio integrador do uso dos vários recursos
semióticos, considerando que todos os recursos utilizados devem
operar significados visando a um sentido maior, diante dessa
capa, cuja escolha do retrato do papa foi tão negativa, cabe a
pergunta: As incongruências na construção do sentido da capa
foram inocentes ou deliberadas? Houve intencionalidade
ideológica contrária à fé cristã? Sem entrar no mérito, essa capa
é um exemplo do que é possível construir ou desconstruir em
termos de sentido no discurso multimodal.

2.2 ESCALA DE DETALHES


Com relação à escala de detalhes, cabe a pergunta: há um
número específico de semioses para a composição de textos
multimodais? O produtor do texto deve se submeter ao uso de
um certo número de detalhes ou pode usá-los livremente? Já
quanto ao plano de frente e ao plano de fundo, a pergunta a ser
feita é: estes dois planos estão combinados entre si para a
produção do sentido ou não há articulação entre eles? Para
investigar a escala de dimensionalidade, deve-se examinar se as

48 Introdução à Multimodalidade
imagens estão representadas em mais de uma dimensão.
Quantas? Em duas ou em três?
Por sua vez, na análise da escala de sombra e luz,
devemos observar como são representados os contornos dos
objetos quanto ao uso da sombra e da luz. A pergunta possível
pode ser: a luz foca, destaca o quê? O ponto mais iluminado é
efetivamente o mais relevante na informação a ser dada? Com
referência à escala de matizes, o pesquisador multimodal deve se
preocupar com o exame das gradações de cores presentes na
composição da imagem, examinar se há muitas cores. Com
relação ao exame da escala de intensidade das cores, devemos
investigar se as cores utilizadas são opacas ou intensas, frias ou
quentes. Os pesquisadores de composições multimodais deverão
se concentrar em buscar o motivo, a razão de envolver
determinada informação em cores frias e outras em cores
extremamente quentes. Mas, principalmente devemos nos
concentrar na análise das cores no que toca aos significados, às
crenças representadas e às ideologias que tais cores podem
agregar ao sentido do texto.
No que concerne ao exame da escala de brilho no texto
multimodal, devemos nos ater ao estudo do uso das cores com o
propósito de identificar não só se há cores brilhantes ou foscas,
mas também para perceber que tipo de informação merece o uso
de uma cor brilhante ou fosca. No que tange ao estudo da escala
de cores puras ou híbridas, devemos analisar se as cores usadas
nos textos multimodais são puras ou se resultam de combinações
cromáticas. Além disso, devemos identificar o propósito
subjacente a essas escolhas.
Quanto à análise da quantidade de cores, o que deve ser
examinado centra-se no exame das cores: se elas são

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 49


monocromáticas ou policromáticas? Por que motivo foram
escolhidas estas cores e não outras? Para o estudo da escala de
luminosidade, devemos observar como se apresentam os
ambientes representados nos textos multimodais. Pendem para o
claro ou para o escuro? Por fim, no exame da escala de
tipografias, é o momento de analisar detalhadamente as fontes e
os tamanhos dos elementos tipográficos utilizados na
composição do texto. Por que certas informações estão em caixa
alta e outras em baixa? Qual a razão para que algumas delas
sejam veiculadas em fontes extremamente grandes e outras em
fontes pequenas? Como os aspectos tipográficos ocupam lugar
relevante nas composições multimodais, pretendemos
aprofundá-los mais no item a seguir.

2.3 A AÇÃO DOS ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS NA


CONSTRUÇÃO DO SENTIDO
Da mesma forma que Kress e van Leeuwen investigam as
cores nas composições multimodais, a escolha tipográfica
também pode ser estudada nesse tipo de composição segundo as
funções da linguagem de Halliday (1994). A seleção do desenho,
do tamanho e da cor das letras pode ser analisada com base nas
funções ideacional, interpessoal e textual. Desse modo, o
tamanho, o tipo e a cor das letras selecionadas para a
composição do texto multimodal desempenham relevante papel
na construção do sentido potencial do texto.
Quanto ao estudo do papel dos elementos tipográficos no
plano multimodal, vale ressaltar ainda que a tipografia agrega
um componente diferencial. O sentido é visualizado no âmbito
da lógica tipográfica principalmente pela mediação do uso das
formas da letra, que estabelece, juntamente com a cultura, a
possibilidade de leitura das formas linguísticas de um texto

50 Introdução à Multimodalidade
multimodal. Desse modo, o nome de um jornal ou de uma
revista escrito em cores ou em preto e branco; em letras grandes
ou pequenas, é identificado inicialmente pela perspectiva
ideacional, trazendo sinais multimodais para que o leitor possa
fazer uma leitura do significado a respeito da mídia referida. É
moderna? É mais tradicional?
Logo, o estudo das dimensões da letra, sob a ótica da
função interpessoal, pode significar muitas coisas, entre elas,
audácia para convencer o leitor sobre a verdade, sobre as
injustiças. A bem da construção do sentido, o design das letras
de um jornal, de uma revista ou de documento impresso revela
demasiado sobre o significado potencial do texto que será lido.
Por essas razões, os elementos tipográficos selecionados para a
escrita de um texto exercem papel relevante na leitura do sentido
final a ser construído pelo leitor.
Também as diferentes formações dadas a determinados
textos multimodais estabelecem elos entre o sentido das palavras
e a intencionalidade do sujeito-autor. Conforme Kress e van
Leeuwen (2006 [1996]), os elementos tipográficos podem ser
classificados também quanto ao peso, à expansão, à curvatura, à
conectividade, à orientação, à regularidade e aos floreamentos.
Outra característica da tipografia passível de análise é a
expansão, aspecto que trata da distribuição das letras no espaço
do texto multimodal. A inclinação tipográfica, por sua vez, diz
respeito ao desenho da letra, podendo se aproximar mais da
escrita manuscrita ou da letra impressa. O uso de letras
manuscritas na composição do texto multimodal favorece a
leitura para os sujeitos iniciados no letramento com escrita
manuscrita. Já os sujeitos-leitores da era informatizada terão
mais dificuldades para a leitura desses padrões tipográficos.

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 51


O exemplo, a seguir, da figura 3, testifica o que estamos
falando sobre letras manuscritas e com floreios. O título do The
New York Times capitaliza a tradição do jornal, fundado em
1851. Por certo que os floreios das letras evocam passado mais
remoto e distante e também remetem ao clássico e ao refinado.
Então a composição multimodal de sentido, ao lançar mão de
letras especiais tem o poder de construir e de agregar sentido
complementar ao texto multimodal da capa desse jornal.

Figura 3: primeira página do New York Times de 12 de


setembro de 2001
Fonte: http://spacemelato.blogspot.com/2007

Vale ressaltar, então, que ao compormos um texto


multimodal, carecemos dedicar especial atenção à escolha, à
seleção da fonte de letra a ser usada, bem como ao seu tamanho,

52 Introdução à Multimodalidade
pois elas serão extremamente relevantes à construção de sentidos
complementares. Vejamos algumas das letras possíveis:

Figura 4: exemplos de fontes de diferentes estilos

A análise da curvatura também pode trazer contribuições


para a leitura dos significados nos textos multimodais. Quanto à
conectividade, o olhar do pesquisador deverá se fixar no exame
da conexão ou da distribuição das letras no espaço. Esse é o caso
de certos poemas em que as letras, na impressão tipográfica,
assumem conexão particular, característica do gênero poesia.
Pretendemos ainda examinar outra característica da
tipografia ─ a orientação ─, responsável pelo estudo da altura e
da largura da letra. Quanto mais alongada e larga a letra, maior
perceptibilidade multimodal no momento da leitura. Estão elas
padronizadas para compor determinada palavra? Com referência
à padronização, um exemplo pertinente é o do nome de Collor de
Mello, ex-Presidente do Brasil, retirado do poder após campanha
nacional levada a cabo por estudantes universitários. No auge da
crise, foram distribuídos milhares de decalques para colocar nos

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 53


carros nos quais se lia: CO OR, sendo que as duas letras
“eles” foram colocadas inclinadas em milhares de decalques para
significar a queda do Presidente. Além disso, as duas letras
foram coloridas em verde e amarelo, as cores da bandeira
nacional do Brasil.

Figura 5: capa do livro de Chico Caruso (1993)


Fonte: http://www.toplivros.com.br/areas.asp?area=25

Essa foi a capa da coletânea de discursos de


materialidade não verbal (charges) sobre o processo de queda do
Presidente Collor. Nessa capa, o uso das letras inclinadas

54 Introdução à Multimodalidade
participa fortemente da construção do sentido de queda do
Presidente.
Por último, encontramos, no floreamento da letra, a
possibilidade de analisá-la quanto ao rebuscamento da escrita
das palavras. Dependendo da época a ser retratada no texto
multimodal, o uso desse tipo de letra pode contribuir para a
construção de marcas de temporalidade. Para a descrição de uma
época antiga, com reis e rainhas, basta que as letras sejam
floreadas para que os viewers (leitores multimodais) sejam
transportados no tempo.

Figura 6: cartaz do filme “As crônicas de Narnia”


Fonte: http://www.omelete.com.br

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 55


Em tipo de letra que evoca uma época antiga de fadas,
bruxas, reis e rainhas, o cartaz do filme As crônicas de Narnia,
graças à escolha tipográfica das letras, imediatamente transporta
o leitor para essa época mágica.
Afora essas questões tipográficas, o leitor carece observar
igualmente o alinhamento das palavras no texto. As palavras
podem ser alinhadas à esquerda ou à direita, podem também ser
justificadas, centralizadas, ou distribuídas livremente sem
nenhum tipo de regra gráfica. O que importa isso à discussão?
Importa muito. Segundo a cultura do leitor, esse aspecto pode ser
valioso na leitura de textos multimodais. Certo professor relatou
que um de seus orientandos de doutoramento lhe dizia que não
se sentia confortável ao ler textos acadêmicos americanos com
alinhamento livre. Para ele, o texto com esse formato não lhe
passava credibilidade. A questão cultural no exame da questão
tipográfica, portanto, não deve ser ignorada, pois todos esses
fatores poderão ajudar ou não na construção de significados
potenciais na leitura de textos multimodais.

2.4 O VALOR MULTIMODAL DA IMPRESSÃO


Pensemos nas possibilidades de impressão de
determinado texto. Podemos usar papel simples, papel de linho,
papel brilhante, opaco, colorido, com ilustrações. Bem, a quem
importa o papel da impressão? A todos nós porque também a
gramatura e a qualidade do papel, bem como a sua beleza ou
não, participam da construção multimodal do sentido potencial a
ser construído pelo viewer (o leitor de textos multimodais),
conforme Kress e van Leeuwen (2006 [1996]). Imaginemos a
cena de duas pessoas sendo apresentadas uma a outra. Uma delas
entrega um cartão de visitas à pessoa que lhe foi apresentada,
esta lhe agradece, mas mesmo de relance, não ignora a

56 Introdução à Multimodalidade
apresentação grosseira do cartão, com impressão sem qualidade,
no modo econômico, com papel comum. Como podemos ver,
um cartão em papel de linho, com design adequado, com
impressão apurada certamente seria um diferenciador positivo
nessa apresentação. Entretanto as questões ambientais e da
sustentabilidade têm influenciado fortemente a reutilização e a
reciclagem de diferentes tipos de papéis, o tem sido um
diferencial positivo na confecção de cartões pessoais,
sinalizando que esses usuários contribuem para preservação
ambiental. Acrescente-se ainda que tal uso não significa
desprezo da produção gráfica.
Por esse motivo, ao estudarmos a multimodalidade
(KRESS e VAN LEEUWEN, 2001), devemos considerar os
aspectos da cultura do país, sem ignorar a sua extensão territorial
e as nuances culturais regionais, um mundo de cores e de formas
a ser identificado e descrito.

Figura 7: exemplos de cartões de visita


Fonte: http://www.rebelado.com/como/modelo-cartao-de-visita

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 57


À esquerda, em papel reciclado, o cartão comunica
principalmente a ideologia de seu portador: os cuidados
ambientais, além de simplicidade e forte preocupação ecológica.
À direita, sofisticado cartão de um advogado especializado em
divórcios, que, por meio de seu cartão de visitas, a sua
apresentação nos dá a ideia de competência no ofício.

2.5 O DISCURSO DAS CORES E A QUESTÃO


CULTURAL
O discurso das cores liga-se a modos culturais
específicos. O que faz com que o sujeito do discurso interprete
culturalmente o discurso da cor primeiro, para depois
racionalizar o pensamento em um discurso. Portanto, se não
fosse mais permitido nem o uso de cores, nem o de imagens,
repentinamente o mundo se tornaria cinza e com outro
significado, pois as sociedades apresentam características
multimodais particulares, consoante a cultura nacional. E, ainda
que existam diferenças nas preferências multimodais segundo o
país, é inegável a existência de preferências nacionais. Em
intento ilustrativo, relatamos a primeira impressão multimodal
que tivemos de Paris. Chamou-nos particularmente a atenção o
tom cinza e preto do vestuário das parisienses, em contraste com
alguns países africanos visitados, em que as cores fortes e
vibrantes marcavam as vestimentas femininas.
As modelos africanas vestindo moda africana
estabelecem contraste ao lado das modelos parisienses, pois
enquanto as africanas vestem vestidos longos coloridos, com
cores vivas, como o amarelo ouro, ou o vermelho distribuído em
estampas criativas, as parisienses vestem preferencialmente
negro ou nuances de cinza, mas nada distante desses tons
degradês de preto.

58 Introdução à Multimodalidade
Figura 8: modelos africanas
Fonte: http://img212.imageshack.us/f/modaafricana.png

Figura 9: Modelos parisienses


Fonte: entretenimento.r7.com/moda-e-beleza/noticias

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 59


Figura 10 e 11: Vestimentas em diferentes culturas
Fonte 10: http://www.rnw.nl/portugues/article

Fonte 11: http://www.rnw.nl/portugues/article/o-martírio-de-milhões-de-viúvas-na-


índia

As diferenças culturais aqui são representadas pelos


vestuários femininos. Na primeira foto, uma noiva vestida de
vermelho, cor que simboliza alegria e entusiasmo. Na segunda,
uma viúva hindu veste-se de branco, cor que simboliza energia
parada, calma e conformismo.

60 Introdução à Multimodalidade
Figura 12: Simulações em obra de Vincent van Gogh,
Night Café
Fonte: http://www.spartacusartgallery.com/2010/12/vincent-van-gogh-night-
cafe.html

Observe as mudanças no clima transmitido pelo quadro


de Vincent van Gogh, Night Café, na medida em que se altera

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 61


sua cor. A mudança cromática realizada no primeiro quadro,
revestido de amarelo intenso, mostra-se quente e original, produz
clima excitante e irritante, capaz de levar alguém à loucura, é
substituído a seguir por uma atmosfera calma e triste trazida pelo
tom azulado. Já a versão em tons de cinza cria atmosfera fria e
calma. Exercício realizado por Poynter.org.

2.6 A REPRESENTAÇÃO MULTIMODAL DOS ATORES


SOCIAIS
Neste ponto, cabe uma reflexão sobre os atores sociais
representados pelas imagens, pois a investigação desse aspecto é
extremamente relevante para o estudo da identidade dos atores
sociais e também para o exame da construção da identidade,
realizada principalmente pela interação social com os demais
atores e pelo modo de representá-los em textos multimodais,
tanto em imagens isoladas, quanto em interação com outras
imagens. Obviamente, o modo como representamos os atores
sociais nas imagens explicita a maneira como o produtor do
texto multimodal lida e trata das imagens dos atores sociais. Para
isso, Kress e van Leeuwen (2006 [1996]) legam-nos três
categorias possíveis para análises multimodais: 1. com relação
ao olhar; 2. quanto ao ângulo; 3. com referência à distância.
Aqui neste estudo, vamos examinar apenas a primeira
dessas categorias, a que se refere ao olhar. O estudo analítico do
modo de representar o olhar nas imagens dos atores pode ser
bastante revelador e, ao mesmo tempo, trazer contribuições à
construção do sentido sensorial, tendo em vista que o leitor do
texto multimodal estará inclinado a acreditar nas informações
sobre o ator como resultado da interação ou da quase interação
estabelecida pelo olhar representado na imagem, já que os
olhares representados podem tanto oferecer informações quanto

62 Introdução à Multimodalidade
solicitá-las. Quando os atores representados nas imagens não
direcionam seus olhos diretamente ao leitor, não estabelecem
interação direta com ele. Nessas circunstâncias, a postura do
leitor é de observador (KRESS e VAN LEEUWEN, 2006
[1996]). A seguir, examinaremos a direção do olhar em duas
imagens.

Figura 13: olhar vetorizado para baixo


Fonte: http://ego.globo.com/Gente/Noticias

Nesta figura, os olhos da jovem não se direcionam a um


interlocutor específico. O seu olhar está voltado para baixo.
Nessas circunstâncias, não ocorre interação pelo olhar.
Aproveitando a mesma imagem, ressaltamos também o vestido
usado pela moça, o qual constitui mais um exemplo de cores e
de estampa que representa uma preferência cultural. As estrelas
sobre o fundo azul simbolizam a bandeira dos Estados Unidos.

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 63


Figura 14: Vetorização direta do olhar
Fonte: http://1.bp.blogspot.com

Ainda quanto ao olhar, nesta figura, a vetorização do


olhar da jovem dentro da água foca diretamente um ator
participante do cenário do discurso. O seu olhar estabelece
interação direta.

Figura 15: Revista Veja, edição de 23 de março de 1988


Fonte: http://fre akshowbusiness.com/page/111/?s

64 Introdução à Multimodalidade
Figura 16: Edição extra de outubro de 1992
Fonte: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/storage/discovirtual/galerias/imagem

Nesses dois exemplos de capa da revista Veja, a primeira


enaltece o então Governador de Alagoas, Fernando Collor de
Mello. O quadro ao fundo do retrato ajuda a construir a imagem
de heróico caçador de marajás, reforçada posteriormente na
campanha eleitoral para Presidente. A segunda, uma edição extra
da revista que noticia o impeachment, traz a imagem do político
em posição desfavorecida, sem olhar diretamente para o leitor.
Ao contrário, quando o olhar do ator representado na
imagem interpela o leitor, torna-o coparticipante da ação
multimodal. Logo, essa modalidade de representação do olhar
será mais adequada às propagandas que envolvem vendas, oferta
de serviços ou solicitação de apoio. A direção do olhar,

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 65


entretanto, nem sempre se enquadra nessas categorias. Um olhar
perdido no horizonte pode levar à conclusão de que o ator social
representado está introspectivo ou em estado de momentânea
melancolia. De qualquer modo, o exame do olhar no texto
multimodal será de muita valia para a construção do sentido do
discurso.

2.7 A SINTAXE VISUAL: DANDO FORMA À


COMPOSIÇÃO
Na articulação dos componentes que dão corpo à sintaxe
visual, a composição trata do modo como as semioses se
articulam no texto visual como resultado da combinação de
semioses verbais com semioses visuais, representadas pelas
formas de linguagem e de imagens, articuladas com os atores
presentes na composição multimodal.
Desse modo, a composição para se estabelecer também
se combina com a modalidade que estabelece o plano de frente e
o de fundo. No caso de a composição dar destaque à imagem que
aparece em primeiro plano da composição visual, essa será a
principal característica do plano de frente, que pode ser
composto por uma imagem maior ou por cores mais fortes que
ocuparão a parte central da composição. Ao contrário do plano
de fundo, cuja característica principal é preencher o fundo com
cores neutras ou com figuras que não chamem a atenção
demasiada do observador. O estudo da composição compreende,
portanto, a investigação do modo como as múltiplas semioses se
articulam na sintaxe visual, com o intuito de revelar as
ideologias e as relações de poder ocultas nas ingênuas posições
ocupadas pelas semioses na composição multimodal.
Vale lembrar que a classificação da sintaxe visual,
atribuída à combinação de imagens nos textos multimodais, não

66 Introdução à Multimodalidade
obedece a princípios de linearidade, como os seguidos pela
escrita, porquanto a sintaxe visual ora articula-se por processos
associativos ou metafóricos, ora por padrões metonímicos, que
estabelecem certa relação de sentido pela posição de
contiguidade ocupada pelas imagens. Se certo anúncio está
tratando de louças para banheiros, por exemplo, é provável que
utilize lado a lado, para compor o anúncio, certos objetos usados
em banheiros, como uma pia, ao lado de uma banheira, próxima
a um vaso sanitário. Os objetos serão distribuídos, obedecendo
às posições de contiguidade.
Já se o reclame estiver tratando de tolhas felpudas e
macias, o processo para construir o sentido será o associativo,
devendo evocar algo macio que não deverá necessariamente
estar presente na composição, mas que, por meio de processo
associativo, trará à lembrança o objeto usado como referência à
ideia de maciez.
A gramática do design visual de Kress e van Leeuwen
(2006 [1996]) dá-nos três critérios para analisar a sintaxe visual
dos textos multimodais: saliência, valor da informação e
enquadramento. Saliência, conforme a definição da gramática do
design visual de Kress e van Leeuwen (2006 [1996]), é o aspecto
visível ao primeiro olhar do leitor para o texto. Portanto, a
saliência da composição é vista em primeiro plano e participa
ativamente da construção da sintaxe visual. Serve também como
ponto de partida para o estabelecimento de articulações
secundárias com outros componentes composicionais. A
saliência pode ser construída de diversas modos: pelo uso de
cores, de ícones, do tamanho das letras ou das imagens; pela
posição do texto verbal e pelo plano de frente. Todos esses
aspectos da saliência desempenham papel relevante na
determinação do significado complexo e no significado potencial

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 67


da composição. Por fim, a categoria de saliência faz com que
haja projeção de certos elementos, chamando a atenção para
determinadas partes da composição. Os elementos utilizados têm
o claro intuito de atrair a atenção do espectador para diferentes
aspectos da composição, como a localização em primeiro ou
segundo plano; o tamanho relativo da imagem; o contraste em
cores; as diferenças de nitidez entre outros aspectos. Ver análise
dessas questões na parte 4 deste livro.
O critério referente ao valor da informação trata
especificamente da leitura do texto visual com base
primeiramente no contexto social, no mundo externo, para só
depois se concentrar nos aspectos internos do texto. O ato de
localizar os valores da informação na composição contribuem
para a articulação nos vários espaços da composição. Por essa
razão, é impossível ignorar a relevância para a leitura do texto
visual da relação do contexto social com as práticas sociais.
Já o critério do enquadramento busca estudar o
direcionamento do foco da lente ao captar a imagem que pode
tanto ser dado pela saliência quanto pelo jogo de sombra e luz ou
ainda pela captação do ângulo do olhar dos atores representados
no texto visual, pois o elemento que antecede deve se combinar
com o que sucede, estabelecendo uma relação contínua de
construção de significado. Então, se o enquadramento é tido
como um critério de sintaxe visual, é indispensável que
possamos perceber o que é mostrado na sintaxe do texto. O
enquadramento, denominado como framing por Kress e van
Leeuwen (2006 [1996]) significa a presença ou a ausência de
estratégias de enquadramento, criadas com o propósito de
estabelecer divisões que podem facilitar ou dificultar a
articulação no espaço destinado à composição.

68 Introdução à Multimodalidade
Afora os critérios já discutidos, Kress e van Leeuwen
(2006 [1996]) levantam ainda quatro outras modalidades de
análise para a composição multimodal: a localização direita e
esquerda na página (dado e novo), conforme mostrado na parte
4. Essa orientação direita-esquerda mostra a expectativa do que é
esperado que o leitor leia. A informação dada, já conhecida,
deve aparecer ao lado esquerdo do texto e a informação nova
deve se situar à direita, conforme Halliday (1985). Essa é a
regra, mas quando examinamos o emprego dessa categoria em
propagandas em revistas e em outras fontes midiáticas, logo nos
damos conta quão inconsistente é o seu uso pelas agências de
publicidade, sendo frequente a presença de anúncios que fazem
exatamente o oposto do que recomenda a gramática visual.
Na categoria do eixo da verticalidade, topo e pé de
página (ideal-real), a orientação de cima para baixo mostra o que
pode ser tomado como real e como ideal. Aquilo que aparece ao
pé da página, na parte inferior, é o que deve ser tomado como
real e o que aparece acima, no topo, deve ser considerado como
o ideal. O eixo vertical trata, portanto, do real e do ideal. A parte
inferior da página (bottom) comumente é a parte mais
informativa e prática, colocando em evidência o real; a parte
superior (top) costuma fazer um apelo às emoções e mostra, de
modo geral, o ideal. As relações dado-novo e real-ideal
mostram-se altamente produtivas já que podem estruturar tanto
as composições textuais, concebidas somente com semiose
verbal, como composições com diferentes semioses que incluem
texto verbal e imagem.

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 69


Figura 17: Propaganda de xampu
Fonte: http://blogdotrapa.blogspot.com/2009/02/propaganda.html

Este anúncio publicitário explora a conhecida imagem do


cantor Ney Matogrosso em uma propaganda de shampoo e de
seu conjunto musical (Secos & Molhados). O anúncio posiciona
à direita o novo, no caso, a imagem de três frascos de xampu. Ao
mesmo tempo as imagens dos xampus estão localizadas na parte
inferior da página, indicando um produto real. A obervação da
imagem do cantor revela que essa imagem do cantor, está à
esquerda, pois constitui uma informação dada, velha, isto é, já
conhecida, ao mesmo tempo que ocupa a parte superior da
página, o lugar do ideal. No centro da página, ocupando um
lugar de saliência, está o nome do shampoo: SHAMPOO NEY
MATOGROSSO. Logo abaixo do nome recomenda: para
cabelos secos e molhados, em clara alusão ao nome de seu
conjunto musical.
Quanto à análise da categoria centro e periferia, deve ser
identificada a organização hierárquica das imagens que

70 Introdução à Multimodalidade
compõem o texto multimodal, as semioses e a direção em que a
composição modulada é apresentada em segmentos (triptych),
comumente usados em murais, panteões e trípticos. Essa
categoria, que distribui as semioses no centro-periferia da
composição, mais a composição triptych, mostram as relações de
importância nessa modalidade composicional, principalmente
com relação ao movimento do olhar. Desse modo, concluímos o
exame das principais categoriais de análise das composições
multimodais dadas por Kress e van Leeuwen (2006 [1996]).

CONCLUSÕES
O propósito desta parte foi apresentar aspectos teóricos
que possam auxiliar no estudo do texto multimodal e, desse
modo, contribuir para o avanço das pesquisas em
multimodalidade. À luz da discussão levada a efeito, fazemos
considerações que reforçam as posições teóricas e práticas
defendidas sobre o uso dos textos multimodais em diferentes
eventos sociais.
Assim, é impossível relegar a segundo plano o que Kress
e van Leeuwen (2006 [1996]) dizem ao afirmar que qualquer
texto escrito é multimodal, composto por mais de um modo de
representação. Normalmente, todo o texto carrega outras formas
de representações, além do modo verbal, que não podem ser
ignoradas porque desempenham relevante papel na construção
do sentido. Por fim, nenhum modo semiótico deve ser visto
isoladamente, pois eles complementam-se no momento em que o
sentido é composto, fazendo com que o discurso participe da
construção das representações da realidade, estabeleça relações
sociais, crie e reforce as identidades sociais (FAIRCLOUGH,
1992).

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 71


Por fim, não podemos ignorar que o sentido do texto é
estabelecido pelas diferenças ou semelhanças existentes entre a
imagem e o contexto social nas diversas culturas. Além disso,
todas as dimensões semióticas carecem de serem desenvolvidas
em práticas textuais multimodais em todos os gêneros textuais.

72 Introdução à Multimodalidade
3ª PARTE

DISCURSO E METÁFORAS
VISUAIS
3. O PAPEL DAS METÁFORAS VISUAIS NO
DISCURSO

Josenia Vieira

Por meio do estudo das metáforas visuais presentes no


discurso, pretendemos investigar a multimodalidade, um dos
principais efeitos dos meios eletrônicos, que acrescentam ao
texto novas linguagens integradas com tipos diferenciados de
letras, cores e luz, além de movimento e som, tornando-o mais
rico pelo uso de metáforas visuais e de designs gráficos
especiais.
Essas mudanças ensejaram o surgimento de uma
linguagem multimodal híbrida, construída com palavras e
imagens, fruto da criação da nova geração de designers gráficos.
Eles lidam com esses múltiplos recursos semióticos,
multiplicando cada vez mais esse hibridismo que tende a se
tornar dominante. Como resultado, podemos dizer que a
linguagem hegemônica deste século reside no uso de variadas
semioses, característica da linguagem multimodal.
Dizem os artistas que a poesia é mais visual do que a
música e a linguagem verbal e que o poeta é uma espécie de
designer da linguagem. Assim, a rápida e crescente viragem do
discurso para o visual, mais do que nunca nos aproxima desse
modo de pensar, tornando-nos coletivamente novos poetas da
pós-modernidade. Desse modo, a poesia concretista trouxe à
baila a discussão do caráter visual da linguagem ao antecipar as
modalidades de representação da linguagem nos modos visuais,

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 75


gestuais, hoje manifestos também nos discursos de diferentes
gêneros, presentes no artístico e no publicitário entre outros.
Não podemos ignorar a força da imagem, hoje viva na
palavra e no discurso, corporificando-se na linguagem
contemporânea. Em consequência, os discursos apresentam-se
profundamente marcados pelo visual, sendo impossível dissociar
a imagem do discurso, pois o uso dos computadores e dos
avançados programas gráficos ensejam aos novos designers da
linguagem infindáveis possibilidades de construir criativos
discursos visuais. Assim, o papel da imagem faz mais do que dar
vida ao discurso, pois ao colori-lo, provoca afetividade e
emoção, direcionando a atenção do leitor ao propósito do
discurso.
Em se tratando do uso de imagens, muitas vezes,
utilizam-se fotos de personalidades ou de artistas famosos para
atrair consumidores. A esse respeito, Barthes (1978, p. 43)
declara:
Nesse deserto lúgubre, me surge, de repente, tal foto;
ela me anima e eu a animo. Portanto, é assim que devo
nomear a atração que a faz existir: uma animação. A
própria foto não é nada animada, mas ela me anima: é
o que toda aventura produz.

Portanto, é esse lado da emoção e do afeto que devemos


levar para o trabalho com o visual, com a fotografia e com a
linguagem visual, fazendo com que elas sejam mais do que uma
ilustração, que sejam fonte de conhecimento, de memorização,
mas sobretudo fonte de construção de representação de sentido.
Para a marketização de certos produtos no mundo da
publicidade, é frequente o uso de fotografias de famosos em
anúncios milionários. Examinaremos, a seguir, um exemplo do

76 Introdução à Multimodalidade
emprego de foto do conhecido ator cinematográfico, George
Clooney, em um anúncio da Nespresso. Nessa proposta, em
tentativa deliberada de ignorar a fama do ator, o anúncio
enquadra a imagem de um cafezinho como o tópico de maior
relevância na propaganda, mas, de fato, a Nespresso está
vendendo o cafezinho por meio da metáfora visual construída
sobre a imagem do artista e mesmo que o discurso verbal diga:
Nespresso. Que mais? Quem tem Nespresso não precisa nem do
Clooney. A bem da verdade, a intenção publicitária é de que a
imagem do ator venda o café, pois ele constitui o conhecido, a
informação dada. Assim, o propósito do reclame é que, por
processo associativo, os consumidores passem a desejar as
preferências de Clooney, no caso o café Nespresso.

Figura 18: Anúncio do Nespresso


Fonte: http://www.tottalmarketing.com

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 77


Nesse sentido, a utilização desse tipo de publicidade nos
mercados tem sido usada amplamente tanto para a apresentação
de produtos novos, como para a oferta de produtos na mídia
impressa, como jornais e revistas. Para a ilustração do assunto,
as ideias apresentadas devem se transformar em imagens e
devem permitir ao mesmo tempo a visualização de aspectos
particulares dos sentidos construídos. Esse é um dos usos
frequentes da fotografia nas práticas dos mercados
consumidores.
Em razão disso, o emprego de fotos como agente fixador
das informações para vendas agrega elementos, como cor e
volume, que facilitam a memorização. Do mesmo modo, o
detalhamento, como a visualização por meio de fotografias e de
imagens, aprofunda pormenores, sendo também possível usar a
fotografia para documentar a pesquisa social. Além desses usos,
sugerimos que o próprio discurso da linguagem fotográfica seja
objeto de discussão. Assim, ressaltamos a importância do estudo
da fotografia na vida diária dos mercados porque o
conhecimento da fotografia como linguagem permite que o
sujeito se situe melhor no mundo de hoje, no qual crianças e
jovens são apresentados à linguagem da fotografia desde cedo.
Tais experiências concretas com fotos trazem mudanças nas
práticas sociais, fazendo com que os eventos contemporâneos
sejam intensamente fotografados.

3.1 A IMAGEM DA PALAVRA


Ao fazermos referência à linguagem verbal, entendemos
que há apenas duas modalidades: a falada e a escrita, ignoramos
as mudanças profundas do discurso atual que se manisfesta por
múltiplas semioses. Mas, com a sofisticação cada vez maior da
imprensa e da publicidade, novas possibilidades abriram-se aos

78 Introdução à Multimodalidade
novos usos visuais do alfabeto que incluem desde a variação de
fontes até aos novos tipos gráficos. Recentemente, o uso
revolucionário dos meios eletrônicos acrescentaram novos tipos
de letras, de cores e de luzes ao discurso multimodal, além de
movimentos, como nos vídeo-textos, por exemplo, tornando a
escrita mais rica pelo uso dos computadores e dos criativos
designs gráficos.
Essas mudanças favoreceram o surgimento de um
discurso híbrido, construído pela combinação de palavras e de
imagens, fruto da criação da nova geração de designers gráficos,
que lidam com letras, palavras e imagens, multiplicando cada
vez mais essa linguagem híbrida que tende a se tornar
dominante. Como resultado, podemos dizer que a linguagem
hegemônica deste século não reside apenas na imagem, nem na
palavra, mas no uso híbrido de várias semioses.

3.2 A CONSTRUÇÃO DE METÁFORAS VISUAIS NO


DISCURSO
Como vimos, é constante a criação de campanhas
publicitárias firmadas no uso de imagens de artistas ou de obras
famosas. Aqui, para efeito de análise, utilizaremos a imagem de
uma obra de arte conhecida ─ A Mona Lisa ─ em um anúncio da
Bom Bril. Essa propaganda se direciona às donas de casa,
possíveis e potenciais compradoras desses produtos.
Alegoricamente, o garoto-propaganda da Bom Bril transforma-
se em uma Mona Lisa, dona de casa. Usa óculos, sem nenhum
adereço, com cabelo em desalinho, como seria o usual às
milhares de mulheres do lar em momentos de atividade
doméstica, as verdadeiras consumidoras que efetivamente
poderão comprar o produto oferecido, o amaciante Mon Bijou. O
anúncio, desse modo, constrói uma expressiva metáfora visual

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 79


que toma como referência básica essa obra universalmente
conhecida de Leonardo Da Vinci.

Figura 19: Mona Lisa da Bom Bril


Fonte: http://direitobemfeito.wordpress.com/2010/11/17/bombril-e-mona-lisa/

O anúncio pretende vender o amaciante Mon Bijou, para


isso construiu um texto multimodal (KRESS e VAN
LEEUWEN, 2006 [1996]) por meio da combinação de recursos
semióticos de diferentes linguagens que servem como matéria
prima na construção de processos metafóricos (VAN
LEEUWEN, 2005; FAIRCLOUGH, 2003; LAKOFF e
JOHNSON, 2002 [1980]). Chamamos atenção para o modo
como o discurso do anúncio incorpora certos traços da obra
original, como o cabelo, a roupa, a postura e, principalmente, o
sorriso da Mona Lisa, características emprestadas à musa da

80 Introdução à Multimodalidade
Bom Bril no intuito de vender o produto. No anúncio, atrás da
figura da Mona Lisa, aparece o logotipo da Bom Bril, ocupando
posição relevante e central, servindo de pano de fundo à versão
publicitária da obra de arte. Assim, o incontestável valor artístico
do quadro de Da Vinci legitima o produto Mon Bijou, fazendo
com que inúmeras semioses participem da construção discursiva
do anúncio, como as cores branca e vermelha da Bom Bril.
Já o valor metafórico é construído no anúncio pelo
recurso semiótico visual, representado por Moreno no papel de
Mona Lisa, e pela representação do produto propriamente dito,
que conjugado com o verbal, é colocado em lugar privilegiado à
frente da composição multimodal do anúncio: MON BIJOU
DEIXA A SUA ROUPA UMA PERFEITA OBRA-PRIMA.
Assim, o produto Mon Bijou da Bom Bril, semelhantemente à
Mona Lisa de Da Vinci, é, para as consumidoras brasileiras, uma
perfeita obra prima em forma de amaciante. De igual modo, os
três amaciantes, colocados à esquerda no anúncio, são
considerados como informação conhecida, tratado como
informação velha, a informação nova aqui é o fato de o
amaciante da Bom Bril ser uma obra-prima.

3.3 METÁFORAS VISUAIS: OS NOVOS AGENTES


MULTIMODAIS
Os textos multimodais, por meio das metáforas visuais
frequentes nos anúncios publicitários, têm se tornado
importantes agentes dos mercados consumidores, pois
contribuem para o aumento das vendas nos espaços internáuticos
e também nos espaços midiáticos e televisivos. A cor, o traço e a
imagem fortalecem a conexão entre os diversos recursos
semióticos, gerando nova gama de discursos multimodais.
Assim, uma tese, um livro ou mesmo um texto após receberem

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 81


enquadramento multimodal tornam-se diferentes, com muito
mais poder de comunicação. Entretanto, a fala não apresenta
cores, nem imagens, mas, em contrapartida, o tom de voz, os
gestos e as expressões faciais podem agir como recursos
multimodais, pois sempre que levantamos ou baixamos a voz
ocorre uma certa modalização do discurso.
No campo dos anúncios publicitários, com características
multimodais, há produções, como outdoors, placas, publicidade
em revistas e em jornais nos quais o uso de certos recursos
semióticos faz parte do gênero multimodal, mas, por serem
utilizados de modo mais frequente como recursos ilustrativos, no
entanto, abrem espaço para outro tipo de composição textual no
qual os elementos multimodais, como a imagem e as cores,
fundem-se em composições textuais multimodais, cuja principal
característica é apoiar a sua composição em várias linguagens
semióticas, para depois serem incorporados pelo discurso da
sociedade contemporânea.
Assim, se repentinamente não fosse mais permitido o uso
de cores e de imagens na produção textual, certamente o mundo
se tornaria cinza, e nós não o apreciaríamos mais, pois fazemos
parte de uma sociedade multimodal. E, ainda que hajam
preferências multimodais, segundo o país, considerando que
cada cultura tem as suas escolhas, ainda assim a sociedade seria
multimodal. A esse respeito, podemos dizer que cada nação
desenvolve caraterísticas marcantes que definem uma identidade
nacional. Assim, cada vez que estamos em um dado país,
chamam-nos a atenção certas características da cultura nacional.
Nesse sentido, o uso abundante do cinza e do preto pelas
parisienses marcam a cidade luz, Paris, enquanto no continente
africano saltam aos olhos as cores fortes e vibrantes, traço

82 Introdução à Multimodalidade
distintivo das vestes tanto de homens quanto de mulheres da
África.
Costumamos observar também as construções e as cores
de cada país: alguns são brancos, como Portugal e Grécia,
outros, ocre-escuro, como o Reino Unido e Espanha. Nesse
particular, em Israel, Jerusalém, a cidade sagrada, é toda
revestida com uma pedra creme, levemente brilhante, sendo
proibido o uso nas edificações de outro material que não aquele.
Então, cada país incorpora à sua identidade nacional cores
definidas por suas culturas. Logo, as preferências individuais
nessa área são condicionadas também culturalmente, agregando
a essas escolhas forte carga semântica e ideológica.
Gostaria de reportar ainda dois fatos ligados a cores. O
primeiro é que no Brasil nenhuma brasileira se sentiria bem em
um evento festivo com um vestido verde e amarelo, cujas cores
pertencem à bandeira nacional; já nos Estados Unidos não é
incomum o uso das cores da bandeira americana em roupas e
adereços masculinos e femininos. Outro fato que mencionamos,
a título de ilustração, é o de uma festa de casamento em Portugal
na qual toda a decoração do evento festivo e a cor do vestido da
noiva ou eram pretos ou em nuances próximas a essa cor, que,
embora tanto na cullura portuguesa quanto na brasileira, de
modo geral, essas cores simbolizem tristeza e morte, nunca a
alegria de casamentos. Mas, ainda que essa não seja uma prática
social comum nesses Países, mesmo assim pode ocorrer por
conta de um estilista de moda específico, sem refletir, portanto, a
integralidade da cultura nacional. Por essa razão, os recursos
multimodais, quando usados na publicidade, devem considerar
não apenas as preferências pessoais e as empresariais, mas
também aquelas que subjazem às identidades sociais formadas
culturamente em determinados grupos e nações.

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 83


3.4 MULTIMODALIDADE ─ COMO TRABALHAR
ESSAS SEMIOSES? E PARA QUE FIM?
Considerando que qualquer texto com imagem pode se
transformar em fenômeno semiótico complexo, devemos indagar
sobre as consequências ideológicas que esse tipo de construção
provoca, porquanto vários sentidos se articulam até a completa
construção simbólica. Os exemplos de construção de marcas e de
logotipos mostrados a seguir ilustram os procedimentos
semióticos que acontecem em nosso mundo contemporâneo.
Esses processos se tornam naturalmente interessantes, tanto do
ponto de vista das semioses que participam dessa construção,
quanto do ideológico, mas carecem de algum tipo de teoria para
explicar como os textos e as imagens agem nesses produtos na
disputa pelos mercados. Para isso, vamos examinar como é
construída uma publicidade da famosa e cara marca de carro:
Audi.

Figura 20: Anúncio da Audi


Fonte: Revista Telva, maio de 2008

O que inusitadamente chama a atenção neste anúncio da


Audi é o fato de ser um comercial para a venda de carros, sem,

84 Introdução à Multimodalidade
no entanto, apresentar carros no texto publicitário. Passemos ao
anúncio. No primeiro plano, há um imenso e forte céu azul, com
nuvens brancas que tomam todo o espaço publicitário. O detalhe
interessante é que as nuvens brancas recortam no azul o contorno
dos mapas da América do Sul e do Norte e também o da Europa.
E só. Nada mais. Não há outras imagens a não ser o logotipo da
Audi, formado por quatro anéis entrelaçados que figuram bem ao
pé da página, ressaltado apenas pelo nome Audi, em vermelho, à
extrema direta do anúncio. À esquerda, um pouco mais acima, o
discurso verbal, a frase:

DESCUBRA OUTRO MUNDO,

AUDI CABRIO 84.

O anúncio é um texto publicitário simples e despojado


que imediatamente estabelece contato com o leitor. A amplidão
do céu, recortando os mapas em azul, metaforicamente, significa
o outro mundo, desconhecido pelos prováveis usuários dessa
marca de carro. O sentido construído promete, por meio do
Cabrio 84, a oportunidade para que você descubra esses
insondáveis mistérios. A categoria multimodal do novo aqui
(KRESS e VAN LEEUWEN, 2006 [1996]) é representada pela
marca do carro e, embora já seja conhecida, o que está sendo
trabalhado efetivamente no anúncio é a marca Audi, trazida
como o elemento novo. Esse é o produto que o anúncio deseja
vender: a marca Audi. O tipo de carro ─ Cabrio 84 ─ é colocado
no lugar da informação já dada, conhecida. O que vemos aqui,
ou é um erro de construção publicitária, ou a intenção real é

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 85


trabalhar a marca Audi e não o tipo de carro, o Cabrio 84, pois o
que é novo, em termos de informação, é dado como informação
já conhecida, e o que é considerado informação já dada,
conhecida, é dada como nova. Daí a necessidade de os
publicitários conhecerem a teoria da multimodalidade para que
os anúncios atinjam os seus objetivos: vender o produto. Nesse
sentido, a obra Reading Images de Kress e de van Leeuwen
(2006, [1996]) estabelece diferentes categorias para trabalhar a
multimodalidade nesse tipo de discurso, o que nos permitem
aproveitar ao máximo cada imagem em uso no discurso
publicitário.
Outra construção referente às marcas que também merece
exame especial é o caso das joias Switzer, empresa portuguesa
do ramo joalheiro, que utilizava inicialmente esse nome para
nominar a empresa, porém gradualmente esse nome foi
incorporando valores simbólicos, transformando-se na marca e
no logotipo da empresa. Tais casos requerem uma análise
multimodal para que possamos compreender os mecanismos
envolvidos nessas construções multimodais. Ademais,
considerando que as marcas de empresas são textos discursivos e
como tal se tornam objetos de estudo extremamente necessários,
especialmente porque ao serem usados produzem sentido.
Nomes, nesses casos, deixam de ser meros nomes para se
tornarem ─ marcas de produtos.
Com o intuito de conhecermos mais essa marca,
examinaremos uma chamada comercial dessa marca, divulgada
para seus clientes pela internet.

86 Introdução à Multimodalidade
Figura 21: Press release das Joias Switzer ─ Portugal
Fonte: recebido por internet em maio de 2008

No texto, destaca-se, em primeiro plano, um belíssimo


anel de pérolas, que, por ser incomum, excede às expectativas. A
peça compõem-se de seis pérolas de diferentes cores, com
invulgar brilho e forma, além de possuir original design. De
forma particular, sobre o anel incide uma luz branca, como se
viesse do céu, sendo essa imagem reforçada pelo discurso
verbal, à esquerda: SIMPLESMENTE DIVINO. Então, a leitura
metafórica será de que ao comprar joias Switzer a cliente terá
uma joia com atributos divinos, com pureza e leveza de formas.
A metáfora construída pelo comercial da Switzer é a de que seu
anel possui beleza divina.
Se olharmos, entretanto, as teorias sobre o assunto, nos
damos conta de que há um descompasso entre as teorias que
envolvem esses sistemas semióticos e os estudos do modo como
eles operam. O motivo é que linguistas comumente se interessam
mais por textos verbais, todavia a sociedade visual que está
sendo construída, muda rapidamente e, ao mesmo tempo, cada
vez mais cobra de nós conhecimentos profundos e determinados
sobre essas mudanças.

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 87


Pela amplitude do tema, não pretendemos exaurir as
categorias que compõe o texto multimodal, desenvolvidas
especialmente na década passada ao abrigo da Teoria
Multimodal (KRESS e VAN LEEUWEN, 2006 [1996]) e da
Análise de Discurso Crítica (FAIRCLOUGH, 2003; 2006).
Contudo, vale ressaltar que os princípios da teoria multimodal
direcionam como tais principíos podem ser usados não só na
publicidade, mas também em outras áreas, como a educação, por
exemplo, transformando-se em porta-voz das ideologias
contemporâneas.
A respeito dessas possibilidades de uso da Teoria
Multimodal, Kress e van Leeuwen discutem a função ideacional
representada por meio de imagens e a atuação dos processos
interacionais por meio de atores e de circunstâncias relevantes. A
função interpessoal é tratada em termos de “interpelação”,
representada por meio do olhar, do ângulo etc, e a função
composicional é tratada por meio de enquadres, de linhas
paralelas, verticais, horizontais, diagonais, e assim por diante
(para mais detalhes teóricos, para o estudo do design, da
produção e da distribuição do discurso, ver Kress e van Leeuwen
2006 [1996]). Essas categorias de análise da Teoria Multimodal
tratam do modo como os textos multimodais devem ser
construídos para cooperarem entre si, como os discursos são
produzidos e como são colocados à disposição dos consumidores
em contextos sociais e culturais específicos.
O estudo mostra a importância de focarmos nossa
atenção nas metáforas visuais representadas nos textos
multimodais como defendem Kress e van Leeuwen (2006
[1996]) e nos textos multissemióticos, como trata Vieira (2007),
cujos argumentos principais são de que os textos
contemporâneos caminham a passos largos para uma

88 Introdução à Multimodalidade
composição multimodal e de que desse fato a atividade
publicitária, artística e educacional não pode fugir. Frente a essas
mudanças concretas, é impossível não aderir à multimodalidade,
aos textos híbridos compostos com múltiplos recursos
semióticos, construídos com base em metáforas visuais, e, em
decorrência, os sujeitos que não souberem lidar com a linguagem
visual, com a multimodalidade, estarão sujeitos à exclusão
social. Para esse fato, chamam atenção Kress e van Leeuwen:
[...] Acreditamos que a comunicação visual está se
tornando um campo cada vez menos de especialistas e
cada vez mais crucial à comunicação pública. Isso
inevitavelmente leva ao surgimento de novas regras,
mais formais de ensino. Não ser letrado em
comunicação visual poderá acarretar sanções sociais.
Dominar o chamado letramento visual será uma
questão de sobrevivência especialmente nos locais de
trabalho (2006 [1996], p. 13).

Sabemos que todo o sujeito é capaz de ler imagens


porque possui competência específica para realizar essa
modalidade de leitura, entretanto uma educação favorável à
realização de uma leitura multimodal pode contribuir para
acelerar e para desenvolver os processos de leitura de textos
multimodais. Assim, quando a leitura de imagens é precedida
pela escolaridade necessária, tal preparo contribui para o
desenvolvimento de estratégias de leitura de textos multimodais,
visando à compreensão eficiente e à habilidade específica para
lidar com mídias concebidas com diferentes tecnologias. Tais
conhecimentos certamente contribuirão para o aprimoramento de
habilidades específicas para a leitura do sentido construído entre
os diversos recursos semióticos usados de modo integrado nos
textos multimodais.

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 89


Vale lembrar que a cultura de nossa sociedade visual tem
se mostrado extremamente sensível ao apelo da imagem, a qual
por si só promove o avanço na leitura e na interpretação dos
sentidos, pois a conjunção do significado com as várias semioses
que compõem a multimodalidade é um processo motivador que
traz para as atividades publicitárias ou pedagógicas a riqueza de
uma linguagem desenvolvida de maneira significativa
principalmente a partir no século XX.
Esse novo design do discurso esteve durante muito tempo
distanciado da linguagem dos mercados, das artes e da educação,
mais pela resistência ao uso da imagem e pelo desconhecimento
por parte dos especialistas dessas áreas das teorias sobre as
linguagens multissemióticas do que por outros motivos
concretos. Embora muitos desses estudiosos utilizem imagens,
não enfatizam, na prática profissional, o estudo e a construção de
textos multimodais ou a leitura deles.
Assim, no que toca às informações visuais, deve-se
mencionar o modo como elas foram concebidas e os critérios
estéticos utilizados em sua produção. Também deve ser levada
em conta a identificação do autor e a do processo usado por ele
na organização e na combinação das imagens, do modo como
recortou a cena, o que colocou como central e a maneira como
organizou e utilizou a iluminação.
No que concerne às informações textuais do texto
multimodal, deve ser observado se contribuem para que o
consumidor do texto compreenda aquilo que vê, com base nos
discursos verbais e visuais colocados a sua disposição. De igual
modo, deve-se prestar especial atenção às informações
contextuais relacionadas ao ato criador da imagem, assim como
às intenções do autor.

90 Introdução à Multimodalidade
Em razão da imersão da sociedade em um mundo visual,
alicerçado em avançada tecnologia que influencia as formas de
interação, passíveis de mudança segundo as tecnologias usadas
pela sociedade, devemos prestar atenção ao modo de interagir
das pessoas já que são diretamente influenciadas pelo
desenvolvimento tecnológico. Em razão disso, muitos conceitos
deverão ser revistos.
O primeiro conceito a carecer revisão é o de letramento,
que deve englobar tanto o letramento visual quanto o letramento
midiático, pois o conceito de letramento, referente à habilidade
de ler e de escrever como resultado de uma prática social,
tornou-se insuficiente para cobrir todas as formas de
representação do conhecimento presentes em nossa sociedade,
pois para que o sujeito seja considerado letrado nos dias atuais
deverá ser capaz de construir sentidos em diferentes discursos,
usando múltiplas fontes de linguagem.
Não devemos desconsiderar que os recursos tecnológicos
utilizados na construção dos gêneros discursivos motivam uma
função retórica na construção de sentidos, haja vista que
observamos o aumento cada vez maior da combinação de
aspectos visuais com os de escrita. Certamente não podemos
ignorar o fato de que vivemos em uma sociedade da informação
cada vez mais visual e de que a representação por meio de
imagens produz textos especialmente construídos que revelam as
nossas relações com a sociedade e com o que ela representa.
Assim é que o letramento visual se relaciona diretamente
com o modo como as sociedades se organizam e,
consequentemente, com o modo de organização dos gêneros
textuais. Se lembrarmos, por exemplo, das pinturas das cavernas
que registravam a história daquela comunidade, logo nos

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 91


daremos conta de que aquela sociedade e que seus membros
sabiam como ler e interpretar aqueles desenhos.
Por fim, devemos prestar atenção às culturas que, de
modo geral, possuem sistemas de comunicação visual
específicos, marcados pela ideologia e pela cultura, lembrando-
nos sempre de que as grandes obras medievais representam para
nós verdadeiros compêndios visuais que muito têm a nos ensinar
sobre a política, a religião, os costumes e os valores desse tempo.
Portanto, saber ler metáforas visuais em textos multimodais no
mundo globalizado é possuir a chave do mundo dos sentidos.

92 Introdução à Multimodalidade
4ª PARTE

MULTIMODALIDADE
E LITERACIA
4. LITERACIA MULTIMODAL

Carminda Silvestre

O conceito de literacia, na sua aceção tradicional, está


associado à capacidade cognitiva para ler e escrever e,
fundamentalmente, está relacionado a esta capacidade no uso da
linguagem no seu modo verbal escrito.
Em contextos educativos, os materiais pedagógicos
centram-se essencialmente na linguagem oral e escrita. Sempre
que os professores usam materiais audiovisuais, tais como a
televisão, filmes ou outro meio, estes tendem a ser explorados no
âmbito do conceito tradicional de linguagem: como um meio de
veicular informação, uma mensagem, limitando o seu papel no
texto como um suporte ilustrativo da linguagem verbal.
Em contextos educativos, os materiais pedagógicos
centram-se essencialmente na linguagem oral e escrita. Sempre
que os professores usam materiais audiovisuais, tais como a
televisão, filmes ou outro meio, estes tendem a ser explorados no
âmbito do conceito tradicional de linguagem: como um meio de
veicular informação, uma mensagem, limitando o seu papel no
texto como um suporte ilustrativo da linguagem verbal.
Hoje, a linguagem verbal, nos seus modos oral e escrito,
continua a ter um papel central na vida das pessoas e o sistema
educativo não é exceção a esta realidade. No âmbito da
comunicação, como resultado da evolução das novas
tecnologias, têm sido integrados outros modos de comunicar,
para além da linguagem verbal, conforme referido na parte 1.
Embora a linguagem verbal, na sua forma impressa, se tenha

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 95


tornado uma forma privilegiada de veicular o conhecimento
através dos tempos, nas últimas décadas, juntamente com o
modo visual, este modo tem se convertido em co-modo. A
palavra impressa no jornal, na revista, articula-se com a imagem
ou com a fotografia; o livro escolar ou académico já não é
apenas um texto constituído pela palavra escrita, mas um texto
multimodal, em que a palavra escrita interage com gráficos,
quadros, tabelas, desenhos, imagens, na construção de
significados. Os produtores de texto fazem escolhas deliberadas
relativamente ao uso dos modos de representação e a respetiva
articulação de forma a construir os seus textos multimodais. No
entanto, embora se verifique uma crescente coexistência dos
diversos modos semióticos, os modos visuais continuam a ser
ignorados como elementos constitutivos de significado. A leitura
parcial de um texto multimodal apenas na sua vertente de
linguagem verbal escrita revela-se insuficiente numa sociedade
que se caracteriza pela emergência do modo visual. Repare-se,
por exemplo, nos textos publicitários da Benetton em que a
ausência da linguagem verbal escrita é total, para além do
logótipo da marca, conforme mostra a figura 22.
Cumpre clarificar que o conceito de texto aqui usado é o
da perspetiva de Halliday (1989). Para este autor, nome
fundamental da Linguística Sistémico-Funcional (GSF), e seus
seguidores nas áreas da Semiótica Social, Análise Crítica do
Discurso, para enunciar apenas algumas abordagens ao estudo da
linguagem, o conceito desvia-se do seu sentido tradicional,
sendo definido como uma unidade de significação materializada
através de uma porção de linguagem usada para fins de
comunicação num contexto de situação.

96 Introdução à Multimodalidade
Figura 22: Texto publicitário da Benetton
Fonte: http://www.ocorvo.com.br/?cat=9

Podemos definir texto, provavelmente na sua forma


mais simples, por linguagem que é funcional. Por
funcional, queremos dizer simplesmente que é a
linguagem que realiza alguma tarefa em determinado
contexto, por oposição a palavras ou frases isoladas
que poderei escrever no quadro […]. Assim qualquer
excerto de linguagem em uso que faz parte de um
contexto de situação, poder-lhe-emos chamar de texto.
Este pode ser tanto oral como escrito, ou em qualquer
outro modo de expressão. (HALLIDAY, 1989, p. 10,
tradução nossa.)

A referência a outros modos de expressão que não seja


apenas a linguagem verbal, escrita ou oral, sugere o
entendimento de linguagem verbal como um sistema semiótico
de entre uma diversidade de outros sistemas semióticos que
constituem os vários recursos disponíveis na comunicação.

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 97


Assim, o termo linguagem abarca não apenas a aceção da
linguagem humana, mas as várias linguagens naturais e
convencionais existentes como recursos comunicativos que
coocorrem e interagem na construção da produção de sentido.
Portanto, quando usamos o conceito de linguagem, este inclui
amplas e variadas formas de comunicação naturais e
convencionais que abrange a linguagem verbal, mas também a
linguagem de outros sistemas semióticos como a moda, a
culinária, as formas, os sons, o espaço ou até a linguagem do
silêncio, para referir apenas alguns.
O texto multimodal é, por conseguinte, uma unidade de
significação, constituída pelos recursos semióticos dos diversos
sistemas escolhidos pelo produtor de texto, num contexto de
situação, para determinados fins comunicativos.
Deste modo, a necessidade de adequar o conceito de
literacia aos avanços tecnológicos, nomeadamente ao uso da
internet ou às imagens que predominam no espaço público e
privado, como parte integrante do habitat do homem pós-
moderno, é urgente e primordial, pois é no âmago dessas
linguagens que pesquisamos o desenvolvimento do conceito.
Não queremos com isto depreciar a linguagem verbal, mas
somente reclamar um espaço para o estudo de outros sistemas
semióticos na sua relação e articulação com a linguagem verbal
no ato comunicativo. A exclusividade da linguagem verbal oral e
escrita como única forma de conhecimento é determinada por
condicionalismos históricos alicerçados no saber analítico que a
linguagem verbal possibilita, como o recurso à metalinguagem,
por exemplo, permitindo a legitimação consensual e institucional
de que esse saber é o fundamental, negligenciando a importância
dos saberes e potencialidades das linguagens não verbais

98 Introdução à Multimodalidade
enquanto elementos necessários à inclusão do conceito de
literacia perspetivado de forma semiótica.
Pelo que acabámos de dizer, intui-se que o conceito de
literacia, na sua aceção tradicional, revela-se um conceito que
requer alguma reflexão e uma redefinição para fazer face à
realidade de hoje. Já em 1965, num congresso dos Ministros da
Educação, a Unesco sugeriu que a literacia deveria ser entendida
não como um fim em si, mas deveria ser entendida como uma
forma de preparar o indivíduo para a vida, nas suas vertentes
social, cívica e económica e, neste sentido, no contexto da
educação, deveria ir para além do ensino da leitura e da escrita
(McARTHUR, 1998, p. 357). Nesta perspetiva, o conceito deixa
de ser direcionado para um fim, isto é, um produto, para passar a
ser entendido como “uma forma de preparar o indivíduo para a
vida”, ou seja, um processo. Desta forma, o entendimento do
conceito parece orientar-se para uma efetiva participação do
indivíduo nos processos sociais. Estamos perante uma
ressemantização, ou seja, uma mutação semântica de um estado
“ser literato” para um processo em desenvolvimento “construir-
se literato”; o enfoque deixa de ser o conhecimento para passar a
ser a atividade. Assim, quando falamos em literacia informática
não queremos apenas significar a capacidade para ler e escrever,
mas a capacidade de envolvimento na atividade de comunicar
através deste artefacto: o computador. Por conseguinte, as
mudanças sociais resultantes das inovações tecnológicas que
perpassam a sociedade exigem uma aprendizagem permanente e
uma adaptação contínua a novas formas de comunicação.
Contudo, e apesar da redução semântica do conceito
tradicional às necessidades do momento, a língua portuguesa
tem se acomodado às novas realidades recorrendo a
modificadores como nas expressões “literacia informática”,

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 99


“literacia económica”, “literacia financeira”, “literacia visual”,
entre outras, expandido, desta forma, o domínio semântico do
conceito. Em muitos dos casos, a expressão parece dissociada do
conceito tradicional de ler e escrever, abrangendo antes a
integração de competências como a leitura de números, gráficos,
imagens entre outras competências integradas numa cultura. No
entanto, estas expressões remetem para a necessidade do
conhecimento básico nas diferentes áreas de aplicação. Em
resultado da expansão do conceito e da sua natural saturação, a
clarificação e delimitação do seu uso no contexto deste trabalho
é fundamental. Assim, passamos de imediato a clarificar o
contexto no qual este é usado.
Autores como Kress e van Leeuwen (2006 [1996], p. 15),
Luke (2000, p. 73), Unsworth (2001, p. 71) reivindicam a
necessidade desta articulação de forma a integrar as literacias
visuais e verbais necessárias a uma aprendizagem crítica das
crianças à multimodalidade, aos textos multimodais do século
XXI. Necessitamos, portanto, de uma teoria dos recursos de
produção de significados. A Semiótica Social, baseada numa
teoria de linguagem sistémico-funcional, em que os estudos da
linguagem em uso dentro de um contexto de situação e de um
contexto de cultura, vem possibilitar analisar os vários sistemas
semióticos, como a linguagem verbal, a linguagem visual, a
linguagem gestual, etc, permitindo analisá-los de um ponto de
vista gramatical.
O enfoque do presente trabalho, porém, reside na
inclusão dos modos de significação visual, oral, espacial, gestual
e linguístico na escrita e a respetiva articulação dos diferentes
modos. Isto significa que todos os elementos provenientes de
sistemas semióticos diversos que coocorrem nos textos
multimodais podem ser analisados, relacionados uns com os

100 Introdução à Multimodalidade


outros e interpretados em termos das escolhas feitas entre os
recursos semióticos disponíveis e em termos das suas
contribuições para a função social e comunicativa do texto. O
significado do texto não é, por conseguinte, produzido
unicamente por um único modo, mas pela composição dos
diversos elementos. Por outras palavras, no presente capítulo
pretendemos explorar sobre a necessidade da redefinição do
conceito no sentido de nele integrar as necessidades básicas
constitutivas de textos multimodais. Neste pressuposto, o
entendimento de literacia circunscreve-se ao: (i) tratamento do
conceito na sua relação com a linguagem; (ii) uso do conceito
num enquadramento teórico da linguística ─ o estudo teórico da
linguagem como forma de a compreender.
Como Hasan (1996, p. 379) refere, a definição do
conceito tem como primórdio a capacidade para compreender o
princípio da representação. A linguagem é um dos meios
através dos quais os pensamentos, ideias e sentimentos são
representados. Esta competência consiste em relacionar
qualitativamente diferentes tipos de fenómenos ─ uma expressão
e um conteúdo ─ de forma que a significação de um seja
compreendida em termos do outro. Para tornar mais clara esta
asserção passaremos a explicar que a literacia visual pressupõe a
capacidade de “ver” e “compreender” um fenómeno como
representativo de outro, nomeadamente a sua representação
escrita. A capacidade de relacionar a expressão, significante, e o
conteúdo, significado, desta forma é uma condição necessária ao
uso de qualquer sistema semiótico. Definindo o primórdio de
literacia como a capacidade para compreender e construir o
sentido num sistema de significação possibilita ao conceito uma
variedade de praxis semióticas.

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 101


Assim, um signo não se limita à linguagem verbal, ou
seja, ao signo linguístico. Os modos de representação gráfica
podem incluir a linguagem verbal no seu modo escrito, sob a
forma de letras, palavras, frases ou sob a forma de números. Para
além desta forma de representação, outras formas como, por
exemplo, o desenho, a fotografia ou a pintura são representadas
sob a forma de linguagem visual. O uso de um lenço ou um
tecido branco como forma de acenar é interpretado como um
sinal de paz. O artefacto, tecido de cor branco, constitui o
significante, isto é, a materialidade do signo cujo significado é o
sinal de paz na comunicação interpessoal em contexto de
conflitualidade. O modo usado para a expressão deste significado é
a linguagem corporal, embora o sistema da cor seja fundamental
para a interpretação desse significado. São amplamente
conhecidos os exemplos de recursos semióticos em contextos de
comunicação intercultural. Para além deste recurso semiótico
como sinal de paz, temos um outro gesto, como o exemplo da
figura 23 ou ainda no âmbito de um outro sistema semiótico, a
imagem, a pomba branca da figura 24. Assim, em três sistemas
semióticos como a cor, o gesto e a imagem encontramos signos
ou recursos semióticos representativos de paz.

Figura 23: Símbolo da paz como recurso semiótico


do sistema da linguagem gestual
Fonte: http://excluidosnageral.blogspot.com/2010

102 Introdução à Multimodalidade


Figura 24: A pomba branca (de Picasso) como símbolo de paz
no sistema semiótico visual
Fonte: http://symbolom.com.br/wp/?cat=30

O termo “recurso semiótico” é usado para referir as


ações, materiais e artefactos que usamos para fins
comunicativos, quer produzidos fisiologicamente como, por
exemplo, as cordas vocais, os músculos usados nas expressões
faciais ou gestos, quer tecnologicamente, por exemplo, a caneta
e a tinta ou o software do computador, que sob formas
combinadas e organizadas se constituem como recursos. Van
Leeuwen (2005, p. 3) adota esta terminologia em oposição ao
termo “signo” por considerar que os recursos semióticos têm um
potencial de significação, baseados nos seus usos passados,
conjuntos de potencial semiótico baseados nas suas
possibilidades de uso, que poderão ser atualizados em contextos
sociais concretos em que os seus usos estão subjacentes a formas
de regime semiótico. Assim, o conceito de signo, no seu
entendimento saussureano constituído por significante e
significado, parece ter um caráter mais estático, implicando de

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 103


que um signo está para algo em vez de algo. O significante é a
materialidade do signo, isto é, o som ao dizermos a palavra
“cão” ou o conjunto de letras “c ã o” materializadas no papel e o
significado é o conceito mental a que se refere. A relação entre o
meu conceito de cão e a realidade física dos cães é a significação
─ a minha maneira de conferir significado à palavra, de a
compreender. Esta relação tem de ser interpretada em contextos
culturais específicos. Na língua portuguesa, por exemplo, o
significante “rapariga” ao ser pronunciado de forma oral através
dos sons que resultam da junção de “r a p a r i g a” tem um
significado diferente quer estejamos a usar o PE (Português
Europeu) ou o PB (Português do Brasil). No primeiro caso
significa menina, moça, jovem, e no segundo, dependendo da
região do Brasil, pode significar uma menina de comportamento
socialmente pouco aceitável. O significado não está no objeto,
pessoa ou palavra. Somos nós que o construímos, que o fixamos
pelo sistema da representação. Este é construído e fixado pelo
código ou, se quisermos generalizar, pelos diferentes sistemas
semióticos.
Um exemplo simples ilustrativo de como as linguagens
funcionam como sistemas de representação é o código das
estradas. Os semáforos, por exemplo, máquina que assinala
através de diferentes cores de forma sequenciada, vermelho,
amarelo e verde, a proibição de passagem, cautela na passagem
de veículos ou pedestres e permissão de passagem. As cores em
si mesmas não representam parar ou avançar, pois estas não têm
qualquer significado fixo.

104 Introdução à Multimodalidade


Figura 25: Semáforos
Fonte: http://emdurb.blogspot.com/2010/12/emdurb-da-continuidade-implantacao-
de.html

Figura 26: Sinal de stop do código das estradas


Fonte: http://pt.fotolia.com/id/27229158

A arbitrariedade da cor como sistema de representação é


aqui ilustrada pelo uso do luto como sistema simbólico. O preto
é usado no mundo ocidental, conforme figura 27, o branco é
usado em países africanos e alguns países árabes, o azul é usado
no Irão, o vermelho é usado em algumas etnias de África do Sul,
como representado na figura 28.

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 105


Figura 27: Cor preta como símbolo do luto para a cultura
ocidental
Fonte: http://www.elpais.com/recorte

Figura 28: Cor vermelha como expressão do luto numa etnia na


África do Sul
Fonte: http://danny111.spaceblog.com.br/r26395/Moda-e-Estilo/

No âmbito dos sistemas convencionais, como são os


signos aqui assinalados, incluímos a escrita. A escrita não
emerge como um outro modo de expressão da linguagem a par
com a linguagem oral. Historicamente a escrita é um sistema

106 Introdução à Multimodalidade


semiótico que emerge da necessidade de mapear a fala e as
figuras, isto é, um modo de representação visual.
Os exemplos de signos inseridos em sistemas semióticos
não se restringem aos acima enunciados, estes vão desde sistema
semióticos naturais, como são a forma e a cor das nuvens como
sinais de mau tempo ou de bom tempo, como são o caso das
figuras 29 e 30.

Figura 29: Nuvens indiciam temporal


Fonte: http://www.fotoplatforma.pl/pt/fotos/2550/

Figura 30: Nuvens indiciam bom tempo


Fonte: http://www.umaquariana.blogspot.com/2011/02/dia-limpo.html

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 107


Naturalmente que não podemos interpretar um signo de
forma fragmentada; a interpretação do signo na sua relação com
outros signos, os tipos de relações estabelecidas e a
contextualização são determinantes para a interpretação. Por
conseguinte, tanto o contexto comunicacional da interação como
o contexto situacional são fundamentais. O signo tem significado
apenas num contexto com outros signos e a significação ocorre
sempre em contexto de uma situação social.
No plano da representação, o que Halliday (1994, p. 179)
na sua teoria de linguagem classifica de metafunção ideacional,
está relacionado com a construção da experiência, ou seja, a
linguagem como uma teoria da realidade, como um recurso para
refletir sobre o mundo. Usamos a linguagem para representar,
falar sobre a nossa experiência no mundo, nomeadamente o
mundo físico e mental, para descrever eventos e estados, para
além das entidades neles envolvidos. Por outras palavras, os
recursos semânticos ideacionais constroem o mundo circundante
e o mundo interior. Os fenómenos da nossa experiência são
construídos como unidades de significação que podem ser
nivelados em hierarquias e organizados em redes de tipo
semânticos. As unidades de significação são estruturadas em
configurações de funções (papéis) de diferentes níveis na
hierarquia (HALLIDAY e MATTHIESSEN, 2006 [1999], p.
11). Inscrita nesta metafunção como modo de significação,
podemos explorar, por exemplo, como uma oração constrói a
experiência através da categorização e a sua configuração numa
imagem, como explicaremos de forma pormenorizada na parte 5.
Na teoria de linguagem de Halliday (1994) para além da
metafunção ideacional referida, existem ainda a metafunção
interpessoal e a metafunção textual. Na metafunção interpessoal,
a linguagem como praxis da intersubjetividade, usamos a

108 Introdução à Multimodalidade


linguagem como recurso para interagir com os outros, para
estabelecer e manter relações com estes, influenciar o seu
comportamento, expressar o nosso ponto de vista sobre o
mundo, provocá-los ou mudá-las. Ao usarmos a linguagem como
discurso, na construção dos significados ideacionais e
interpessoais, organizamos a nossa mensagem de forma a fazer
sentido. Esta é a metafunção textual. A linguagem como um
recurso semiótico da realidade entendida como um processo
(discurso) ou como um produto (texto).
No âmbito das preocupações de Kress e van Leeuwen
(2006 [1996], p. 15) acerca das necessidades de integrar novas
competências nas escolas e universidades e de fornecer literacia
visual, este livro pretende explorar instrumentos de análise
possibilitadores de uma literacia multimodal e fornecer uma
maior compreensão da interface entre os diferentes elementos
que constituem os textos multimodais (escrito, oral, visual, entre
outros). Todos conhecemos o impacto que as imagens têm nos
valores, crenças, opiniões e comportamentos dos indivíduos e
testemunhamos o crescente domínio deste território como texto.
Deste modo, a necessidade de conferir atenção aos significados
visuais na sua relação com os significados linguísticos expressos
nos textos multimodais são requisitos fundamentais de forma a
desenvolver competências críticas de leitura dos textos. Assim, a
literacia não implica apenas a vertente tradicional da capacidade
cognitiva de ler e escrever, mas envolve também o processo, a
vertente da atividade referida anteriormente, e a participação no
discurso, componente que queremos enfatizar a da participação e
da resistência como forma de emancipação e de fortalecimento
dos sujeitos no ato de aprendizagem da cidadania. Neste último
sentido, a nossa proposta articula-se com o conceito de literacia
tal como Halliday (1996, p. 357) o apresenta em que ser literato

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 109


não implica apenas participar no discurso de uma sociedade de
informação, mas resistir-lhe, defendermo-nos e defender os
outros contra o discurso tecnologizante antissemântico e
antidemocrático. Para isso, mais do que nunca, necessitamos de
conhecer como a linguagem funciona, como a gramática na sua
perspetiva sistémica de léxico-gramática interage com a
tecnologia para alcançar os seus efeitos.
No sentido de Kress e van Leeuwen (2006 [1996]),
assume-se aqui que as imagens não são meras ilustrações dos
textos; estas têm a sua própria gramática na construção de
significados e, por conseguinte, estas devem ser entendidas
como um recurso semiótico no processo/produto do nosso
sistema semiótico: a linguagem visual. Neste pressuposto,
iremos explorar alguns exemplos para mostrar a estruturação do
visual na sua articulação com a linguagem verbal, identificando
como os elementos são composicionalmente agrupados e
simultaneamente identificar padrões de linguagem usados de
forma sistematizada na construção do nosso universo social.
Assim, a teorização aqui subjacente implica sempre
compreender, isto é, descrever, analisar e explicar a experiência
humana de modo a identificarmos um padrão e porventura
perceber as razões pelas quais as pessoas comunicam como
comunicam, encontrando maneiras de compreender a atividade
humana de uma forma que os próprios humanos a possam
reconhecer.

110 Introdução à Multimodalidade


5ª PARTE
MULTIMODALIDADE:
CONTRIBUTOS PARA UMA
LITERACIA MULTIMODAL
5. CONTRIBUTOS PARA UMA LITERACIA
MULTIMODAL

Carminda Silvestre

Partindo do pressuposto de que existe a necessidade de


incorporar novos conceitos e teorias da linguagem para fazer
face a um mundo cada vez mais visual, teremos de recorrer a
instrumentos analíticos capazes de responder às questões
levantadas por uma realidade social que se tem vindo a
reconfigurar perante os avanços tecnológicos, nomeadamente ao
uso da internet ou ao crescente número de imagens que imperam
no espaço público e privado. A nova realidade requer uma
aprendizagem de multiliteracias em que modos de comunicação
não se circunscrevem à linguagem verbal e o entendimento desta
se configure de uma forma abstrata. Assim, como entidades
propiciadoras de fazer sentido do mundo, as escolas e
universidades têm de incorporar novas ferramentas para
fortalecer os cidadãos. Neste contexto, o professor tem um papel
fundamental na seleção e construção de materiais para
desenvolver as competências dos alunos nas multiliteracias.
A partir de dois livros de literatura infantojuvenil, o
presente capítulo explora os sistemas semióticos verbal e visual
e as suas relações. Deste modo, definimos como objetivos gerais
(i) mostrar que a Semiótica Social, baseada numa teoria da
linguagem sistémico-funcional, da linguagem em uso dentro de
um contexto de situação e de um contexto de cultura, permite
trilhar percursos de leitura de diferentes sistemas semióticos
como são a linguagem verbal no seu modo escrito e a linguagem

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 113


visual na forma de desenho para criança que se articulam na
produção do texto multimodal, i.e., uma unidade de significação
constituída pelos recursos semióticos dos sistemas verbal e
visual escolhidos para os fins comunicativos em apreço; (ii)
mapear caminhos de desenvolvimento na leitura de imagens. No
âmbito destes propósitos gerais, foram definidos os seguintes
objetivos específicos: a) identificar como as imagens localizam
as entidades no espaço; b) identificar a correlação dos dois
sistemas semióticos (imagem e escrita); c) mapear as emoções
nas imagens; d) identificar as correlações das emoções em textos
multimodais; e) explorar as relações dos dois sistemas
semióticos, circunscrevendo a análise na função de
complementaridade.
O livro que só queria ser lido é o título do livro escrito
por José Jorge Letria, eminente escritor português de literatura
infantojuvenil, e ilustrado por Daniel Silva (fig. 31). Este livro
constitui o corpus da análise das duas primeiras subpartes: a
localização das entidades no espaço e o mapeamento das
emoções nos sistemas semióticos verbal e visual.
É um livro catalogado como sendo literatura
infantojuvenil para um público-alvo cuja idade se propõe acima
dos 8 anos. Como resumo, temos a história de um livro que teve
o seu tempo, que esteve na moda, que passou de mão em mão,
que teve leitores apaixonados e que depois acabou na prateleira
do esquecimento e da solidão, alimentando apenas o sonho de
voltar a ser lido. Na sua solidão, teve por companhia uma velha
máquina de escrever, também ela condenada ao esquecimento.
Juntos, foram encontrando formas de ultrapassar a tristeza de se
sentirem sozinhos.

114 Introdução à Multimodalidade


Figura 31: Capa do livro (visual e verbal)
Fonte: http://www.bertrand.pt/catalogo

Na procura de esbater as fronteiras que delimitam os


diferentes sistemas semióticos (escrita e visual) pretendemos dar
resposta às perguntas: “Como é que as imagens localizam as
entidades no espaço?”; “Como é que padrões de dois sistemas
semióticos interagem na produção de significados?”; “Como são
mapeadas as emoções nas imagens?”; “Como estão as
representações dos dois sistemas semióticos relacionados no
texto multimodal?”. Colocadas as questões, passaremos, assim, a
analisar em primeiro lugar a localização das entidades no espaço
e, de seguida, derivaremos para o mapeamento das emoções
como representação. Paralelamente, procuraremos dar resposta
ao tipo de relações estabelecidas entre os sistemas semióticos na
produção de significados.

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 115


5.1 A LOCALIZAÇÃO DAS ENTIDADES NO ESPAÇO
O entendimento de linguagem verbal é de um sistema
semiótico de entre uma diversidade de outros sistemas
semióticos que constituem os vários recursos disponíveis na
comunicação. Assim, o termo linguagem abarca não apenas a
aceção da linguagem humana, mas as várias linguagens naturais
e convencionais existentes como recursos comunicativos que
coocorrem e interagem na construção da produção de sentido,
como foi referido anteriormente, na parte 4.
Esta análise enquadra-se, portanto, na Semiótica Social
(HODGE e KRESS, 2006 [1988]; KRESS e van LEEUWEN,
2006 [1996]; KRESS, 1997, 2003) e na Gramática Sistémico-
Funcional (GSF) de Halliday (1994, 1985), uma teoria de
linguagem, cuja visão tem sido expandida e aplicada a outros
recursos semióticos por inúmeros seguidores. No seguimento de
Kress e Van Leeuwen (2006 [1996], 2001), Kress (2003),
Iedema (2003), Baldry (2000), Baldry e Thibault (2006),
O’Halloran (2004), para enunciar apenas alguns nomes, este
trabalho inscreve-se numa teoria em que a linguagem verbal não
é entendida como um fenómeno isolado. Este permite analisar
como os diferentes recursos são ressemiotizados e interagem na
produção de sentido. Apresentado o quadro teórico, passaremos
de imediato para a análise das entidades localizadas no espaço.
Sabemos que a forma como colocamos os objetos no
espaço e as relações estabelecidas entre si envolve o
reconhecimento da existência de relações simétricas e
assimétricas. Nas relações assimétricas entre o objeto que
queremos colocar e o objeto em relação ao qual o queremos
posicionar, há escolhas que têm de ser feitas. As relações
assimétricas podem ser criadas em relação à posição, à ordem, à

116 Introdução à Multimodalidade


distância, ao tamanho ou outros tipos de relações. A entidade, o
participante representado da história (livro), é colocada na
página como um recurso semiótico que juntamente com outros
recursos semióticos possibilitam um potencial de significações,
especificando possibilidades de caminhos de leitura.
Como referimos anteriormente, o termo “recurso
semiótico” é usado para referir as ações, materiais e artefactos
que usamos para fins comunicativos, quer produzidos
fisiologicamente pelas cordas vocais quando falamos, quer pelos
músculos usados nas expressões faciais ou gestos, quando
comunicamos pela linguagem corporal, quer a folha em branco,
o lápis e a tinta, quando desenhamos, quando ilustramos, que,
sob formas combinadas e organizadas, constituem-se como
recursos.
No uso destes recursos, e como referimos acima, há
escolhas que têm de ser feitas. A noção de escolha é crucial na
Semiótica Social. Todos os elementos provenientes de sistemas
semióticos diversos que ocorrem na construção de um texto
multimodal podem ser analisados, relacionados uns com os
outros e interpretados em termos das escolhas feitas entre os
recursos semióticos disponíveis e em termos das suas
contribuições para a função social e comunicativa do texto.
O título do livro O livro que só queria ser lido é uma
metáfora ontológica ─ O LIVRO É UM SER VIVO ─
(LAKOFF e JOHNSON, 2002 [1980]) denominam este tipo de
metáfora de “personificação”. Como ser vivo, o livro tem
sentimentos, emoções, que são exploradas, sendo como metáfora
um tributo ao livro e à leitura, que expressam uma verdade
essencial: os livros partilham as nossas vidas e são parte da
aventura para o conhecimento.

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 117


Os recursos semióticos usados são as imagens e a
linguagem verbal escrita. O livro não é o único participante
representado da história, mas é o mais importante ─ o
protagonista. Como tal, é localizado na capa, assumindo o seu
nível de importância.
Iremos neste passo da análise focar a nossa atenção na
organização do texto. Van Leeuwen (2005) denomina o layout
de composição que, no caso da capa, materializa a metafunção
textual (HALLIDAY, 1994), na terminologia da GSF. Nesta
metafunção, a linguagem é usada para relatar aquilo que é
escrito ou ilustrado, para mencionarmos apenas os recursos
inscritos nos dois sistemas semióticos aqui tratados (a linguagem
verbal escrita e a linguagem visual). Isto envolve a linguagem na
organização do próprio texto. Relembramos que o entendimento
de texto aqui usado é o de Halliday (1989), em que este é
assumido como uma unidade de significação materializada por
uma porção de linguagem para fins comunicativos num contexto
de situação, qualquer que seja o sistema semiótico no qual este é
expresso.
Em termos de composição, ou para usarmos a
terminologia da GSF, na metafunção textual, as noções de
centro, margem, direita, esquerda, em cima ou em baixo são
dimensões da nossa experiência espacial, mas a aquisição e a
interiorização de valores positivos e negativos constituem
extensões metafóricas semiotizadas nos diversos sistemas
semióticos. Estas noções são determinadas culturalmente.
Assim, a página impressa é um espaço visual da organização
textual. Na figura 28 (capa), os dois sistemas semióticos estão
organizados de forma a construir uma unidade de significação. A
proeminência visual é dada ao livro localizado à esquerda na
primeira prateleira.

118 Introdução à Multimodalidade


Quando falamos ou escrevemos começamos com algo
que é “dado”, algo já conhecido ou já mencionado de forma que
o nosso interlocutor possa passar para o “novo”, para o
conhecimento que o locutor quer introduzir.
Considerando a estrutura da informação, a organização
espacial do livro e a sua relação com as prateleiras mostra que
este está localizado no espaço do “dado”, i. e., conhecido, tanto
no sistema semiótico visual como no sistema semiótico verbal,
materializando a ordem da esquerda para a direita. É o elemento
visual mais destacado. O mesmo é verdadeiro para o título, como
vemos no quadro 1.

O livro que só queria ser lido


Dado Novo

Quadro 1: Título do livro

Esta ordem não é, portanto, restrita à linguagem verbal. A


ressemiotização ao nível da linguagem visual também segue esta
direção. A atenção é concentrada no primeiro elemento, o livro.
Esta informação (dado) é normalmente localizada no início da
oração. A outra informação (novo) é o enfoque da mensagem,
aquilo que o torna especial, único: que só queria ser lido. A
localização da impressão das letras segue a ordem estrutural
horizontal da esquerda para a direita, mas graficamente a escolha
feita é a ordem hierárquica vertical descendente (de cima para
baixo), seguindo a orientação de alongamento (elongation)
vertical, como Kress e van Leeuwen (2006 [1996], p. 57)

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 119


classificam, em que o mais importante está em cima. Esta última
escolha é da responsabilidade de um terceiro elemento do
processo: o designer gráfico. Em segundo lugar, o facto de o
livro estar posicionado na primeira prateleira, quando estão
pintadas mais prateleiras, sugere uma construção hierárquica da
imagem, sugerindo a orientação da página como uma ordem
vertical descendente.
De facto, a localização da identidade no espaço é
sugerida pelo sistema semiótico verbal que coocorre com o
sistema visual, como mencionado na página 7 do referido livro
“Era o caso deste livro, que encontrara o seu pouso certo numa
prateleira alta de uma estante colocada ao lado da secretária,
onde agora era rei e senhor o computador”. O leitor, pelos
exemplos dados, percebe padrões de semelhança da linguagem
verbal e da linguagem visual. Contudo, a localização espacial do
livro é expressa verbalmente num contexto mais amplo do que a
visual. Circunscrevendo a análise a este tópico específico, o
apagamento da imagem, parece ser uma estratégia semiótica em
que a redução existe por questões de gestão do espaço. O tipo de
relações entre os dois sistemas semióticos não se restringe ao
enunciado. Relações de expansão, de projeção, entre outros (para
um maior desenvolvimento, ver UNSWORTH, 2006), poderão
ser estabelecidas. Por conseguinte, a organização espacial das
entidades podem ser descritas linguisticamente de variadas
maneiras, expressando cada uma delas as escolhas do escritor. O
mesmo é verdadeiro para as imagens. A organização espacial é
uma escolha que o ilustrador faz de forma a representar esta
vertente semiótica do texto num processo de ressemiotização e,
por conseguinte, de produção de significado.
Iedema (2003) considera o uso deste conceito
(ressemiotização) consistente na sua aplicação aos textos

120 Introdução à Multimodalidade


multimodais por duas razões: (i) esboça como os sistemas
semióticos são traduzidos de um sistema para o outro como
processos sociais; (ii) questiona o porquê de um sistema
semiótico ser mobilizado em vez de outro para concretizar algo
em tempos específicos.
No âmbito da Gramática Sistémico-Funcional, a
metafunção ideacional assume que qualquer sistema semiótico
tem de ter a facilidade de comunicar acerca da representação do
mundo interior ou exterior. Na linguagem verbal, a organização
da oração realiza os significados ideacionais, a representação dos
tipos de processos e dos participantes associados. De acordo com
Halliday e Matthiessen (2006 [1999], p. 52) uma imagem é uma
representação da experiência na forma de uma configuração,
consistindo num processo, com participantes fazendo parte desse
processo e de circunstâncias associadas. Acrescentam que há
inúmeros tipos de processos no universo não semiótico, mas que
estes são construídos semioticamente de acordo com a forma
como os participantes são configurados num reduzido número de
processos tipo: ser, fazer, sentir e dizer.
Se analisarmos de forma mais próxima a representação
linguística, conforme o quadro 2, identificaremos duas entidades
envolvidas no processo. O livro não é o único participante da
história. É o mais importante, mas existe a máquina de escrever
que sofre do mesmo problema ─ ser relegada para um segundo
plano ─ já que agora o computador é rei e senhor. Os processos
relacionais são aqueles que codificam significações estabelecidas
por relações de ser. Este tipo de processo envolve o
estabelecimento de uma relação entre dois termos. Neste caso, as
duas entidades representadas são o livro e a máquina de
escrever. A relação estabelecida entre estas duas entidades é a de
posse. Isto é codificado no processo. O livro é o possuidor,

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 121


“tinha” o processo, é um processo possessivo atributivo, e “a
máquina de escrever” o atributo, o possuído. De facto, o livro,
objeto não humano antropomorfizado, é representado ao longo
da história fundamentalmente como experienciador e portador
cujas emoções e relações são expostas. Por outro lado, a
representação visual dos dois participantes segue a estrutura do
sistema semiótico verbal, como pode ser observado no quadro 2.
(Linguagem verbal) (Representação dos 2 sistemas
A única companhia com que semióticos)
o livro podia contar era a de possuidor ─ verbo relacional ─
uma velha máquina de escrever possuído
que já tivera, naquela casa, a
sua época e a sua utilidade.
(Linguagem visual)

Fonte: O livro que só queria ser lido

O alongamento horizontal (KRESS e van LEEUWEN,


2006 [1996]) é realizado visualmente pela colocação do livro no
local do “dado”, a informação considerada familiar para o leitor
e que serve de ponto de partida da oração, ao passo que a
máquina de escrever é colocada na posição do “novo”, a

122 Introdução à Multimodalidade


informação até ao momento desconhecida para o leitor,
materializando o local do atributo possuído.
Uma possível relação das entidades no espaço em termos
de localização seria colocar o livro na estante e a máquina de
escrever na secretária. Seguindo tanto a ordem da posição como
a de relação, o livro é posicionado à esquerda da máquina, sua
companheira de infortúnio. O livro materializa assim a posição
da esquerda, enquanto a máquina fica na posição da direita.
Especificando este tipo de relação espacial entre as duas
entidades (livro e máquina), o livro é percecionado como tendo o
papel do “dado” na imagem, à semelhança do que acontece com
a linguagem verbal [O livro tinha como companheira uma
máquina de escrever]. Deste modo, quando comparamos os dois
sistemas semióticos, nas suas funções de criação de significados,
a orientação da localização das entidades no espaço segue a
direção da esquerda para a direita (tanto na frase como na
imagem).
A localização das entidades no espaço pode ser descrita
linguisticamente de variadas maneiras, cada uma expressando as
escolhas do escritor. O mesmo é verdadeiro para as imagens. A
organização espacial das imagens é resultante das escolhas que o
ilustrador faz para representar os recursos deste sistema
semiótico num processo de correlação na articulação da
produção de significados.
Seguindo tanto a relação da posição como da ordem, o
livro é posicionado à esquerda da prateleira: tem uma posição
experienciador enquanto a máquina de escrever é posicionada à
direita. Quando especificamos o tipo de relação espacial entre as
duas entidades (livro e máquina de escrever) encontramos um
padrão espacial comum nos dois sistemas semióticos. A

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 123


estrutura espacial da imagem é organizada de forma similar à
estrutura verbal, criando proposições significativas em termos de
sintaxe visual. Assim, ao compararmos os dois sistemas
semióticos na construção de significados, ambos seguem a
orientação da esquerda para a direita da frase.
As máquinas de escrever são, na generalidade, maiores
do que os livros, seguindo a condição de assimetria no que se
refere ao tamanho. A organização espacial destas duas entidades
é aqui representada como relativamente simétrica em termos de
tamanho, seguindo, uma configuração de amigável simetria
relacional.

5.2 O MAPEAMENTO DAS EMOÇÕES NOS SISTEMAS


SEMIÓTICOS VERBAL E VISUAL
Nesta parte da análise, pretendemos mostrar o
mapeamento das emoções, isto é, como é que as emoções estão
representadas no texto multimodal, e procurar identificar os
diferentes sentimentos linguístico, pela análise da Atitude
(MARTIN, 2008), e pela da imagem, pela análise da metáfora
conceptual (LAKOFF e JOHNSON, 2002 [1980]). As relações
destes dois sistemas semióticos, linguagem verbal do modo
escrito e imagem, são identificadas e explicadas. A análise é
circunscrita no âmbito dos significados representacionais ou,
para usarmos um termo da GSF, no da metafunção ideacional
(HALLIDAY, 1994).
Como tem vindo a ser evidenciado, a linguagem é um
sistema semiótico pelo qual os pensamentos, ideias e
sentimentos são representados numa determinada cultura. A
imagem, ou o sistema semiótico visual, é outro modo por meio
do qual os pensamentos, ideias e sentimentos são representados
nessa mesma cultura. O modo escrito é o modo privilegiado na

124 Introdução à Multimodalidade


educação pelo qual construímos a realidade e fazemos sentido
dela, mas sendo as imagens outro modo, elas também
representam conceitos, ideias e sentimentos. Por conseguinte, a
linguagem não é um sistema isolado de comunicação, mas exige
referência a outros sistemas na construção de sistemas de
significação.
A metáfora como conceito também é multimodal no
sentido de que pode ser usada noutros sistemas semióticos para
além do verbal. Lakoff e Johnson (2002 [1980]) trazem à
evidência que este recurso cognitivo é um mecanismo básico na
compreensão da experiência, da nossa compreensão do mundo.
O livro é apresentado como uma metáfora conceptual
ontológica, como referido anteriormente, em que este objeto
físico constituído por papel, constrói-se como um ser humano,
com todas as experiências, sentimentos, motivações que só aos
humanos é possível viver, percecionar e sentir. Por meio da
personificação do livro, entidade não humana, este passa a ser
apresentado em termos humanos, termos esses que podemos
entender com base nas nossas próprias experiências,
comportamentos, emoções e motivações.
Polarizadas entre tristeza e alegria, a maior parte das
emoções enunciadas ao longo da história estão mapeadas em
sentimentos circunscritos na esfera do pólo negativo, tais como
tristeza, esquecimento, abandono e solidão. As emoções são
representadas linguisticamente pelo uso de várias realizações
léxico-gramaticais. O livro começa com “Era uma vez um livro
triste”. O adjetivo é por natureza um modificador do substantivo
e “triste” é o modo de ser do “livro triste”.
Martin (2008), no estudo da “atitude”, defende que o
“afeto” se refere aos recursos usados para construir as reações

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 125


emocionais. Registam os sentimentos positivos e negativos, isto
é, se nós nos sentimos tristes ou felizes, confiantes ou ansiosos.
Estes sentimentos são localizados tanto linguisticamente como
em imagens, como vamos passar a analisar.
Ao considerarmos a linguagem corporal como um modo
de comunicação ou configurarmos esse modo como discurso,
isto é, como uma prática social, a configuração de algumas
propriedades (braços, pernas e olhos projetados para baixo,
vetorizadas de forma descendente) mostram que a imagem do
livro expressa tristeza. As diferentes partes do corpo
identificadas (ver quadro 3) são percecionadas de forma
consistente com características (gestos) que agrupados
constituem a configuração de propriedades que têm sido
instanciadas pelas propriedades de frequência e de tempo nas
nossas perceções do mundo. Estas propriedades constituem os
padrões de comportamento adotados pela comunidade e, por
conseguinte, fazem parte das nossas próprias práticas (HASAN,
2004, p. 18). O papel da metáfora orientacional é aqui um
instrumento analítico fundamental na instanciação da “atitude”
nas imagens.
As metáforas orientacionais (LAKOFF e JOHNSON,
2002 [1980]) constituem um instrumento de orientação físico-
espacial fundamental na compreensão da realidade desencadeada
pelo esquema de imagens que lhe estão subjacentes. Esta
metáfora organiza todo o sistema de conceitos em relação a um
outro. A orientação espacial pode se realizar em diferentes
direções (para cima; para baixo; frente; trás etc). Um exemplo
típico desta metáfora é FELIZ É PARA CIMA e TRISTE É
PARA BAIXO, que se manifesta em enunciados como, por
exemplo, “estou a sentir-me em baixo”, “ele está na mó de
baixo”, “ela anda de rastos”, “estamos num alto astral”, “ando

126 Introdução à Multimodalidade


nas nuvens”, “estou no céu”. As locuções prepositivas “para
cima de” e “para baixo de” são exemplos amplamente
divulgados como propiciando associações que estão ligadas a
preconceitos negativos relacionados com a locução “para baixo
de” e ideias opostas em relação a “para cima de”. Refira-se, no
entanto, que a orientação é determinada por esquemas cognitivos
determinados por culturas específicas. Apresentamos a título de
exemplificação a diferença entre a língua portuguesa e o
mandarim. Em português, expressamos o tempo passado, em
termos de configuração linear, na direção horizontal “trás” e o
futuro na direção “frente”. Em mandarim, o passado assume a
direção “frente” (gian) e o futuro, por oposição, assume a
direção “trás” (hou). Nesta língua o tempo “passado” também
pode ser representado na direção vertical “cima” (shang) e o
futuro na direção vertical “baixo” (xia), direção não considerada
no português.

Partes do corpo Partes do corpo Linguagem verbal:


(imagem) (descrição) atitude
Olhos:
Era uma vez um livro
olhar direcionado
triste.
para baixo

Ombros / braços: Sentiu-se ainda mais


direcionados para só, triste e esquecido o
baixo pobre livro.

Pernas:
Porque me sinto muito
direcionadas para
só e triste…
baixo; não hirtas

Quadro 3: representação de tristeza

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 127


Retomando a metáfora orientacional usada no livro em
análise, o quadro 4 mostra, por outro lado, através de algumas
características da imagem, significados opostos. Sabendo que
esta é a última imagem do livro, podemos concluir que este tem
um final feliz. O livro está aberto. Os braços e as pernas estão
vetorizados para cima. Os olhos estão completamente abertos
direcionados para cima. A configuração da linguagem corporal é
a representação de emoções de reconhecimento e glória, estado
que é polarizado como sendo a expressão da felicidade.

E se houvesse na casa uma


tabela dos mais procurados,
como há nas livrarias, o livro
teria ficado várias semanas
seguidas no primeiro lugar, sem
rival à vista. E bem merecia esse
momento de reconhecimento e
consagração.

Quadro 4: Última imagem do livro (reconhecimento e


consagração)
As diferentes partes do corpo do livro, identificadas no
quadro 4, são percebidas como consistentes com determinadas
características (gestos) que, agrupados, dão uma certa
configuração das propriedades da representação de emoções
positivamente avaliadas. Como foi referido anteriormente, estes
gestos têm sido instanciados através da frequência e do tempo
nas nossas perceções do mundo. Essas perceções constituem
padrões de comportamento adotados pela comunidade e, deste
modo, são parte integrante das nossas práticas, como as
ilustrações parecem expressar. A coarticulação e interseção dos

128 Introdução à Multimodalidade


dois sistemas semióticos contribuem para a produção da
construção de significados.

Partes do corpo Partes do corpo Linguagem verbal:


(imagem) (descrição) atitude

E bem merecia
Olhos:
esse momento de
olhar direcionado
reconhecimento e
para cima
consagração.

Ombros / braços: Sentiu-se ainda mais


direcionados para só, triste e esquecido
cima o pobre livro.

Pernas: cruzadas
direcionadas para
cima

Quadro 5: representação de reconhecimento e consagração


(felicidade)

Os padrões de linguagem corporal identificados no


quadro 5 constituem padrões de ressemiotização da linguagem
verbal que o ilustrador escolheu para representar as emoções
aqui verbalizadas como as polarizadas de forma positiva. Deste
modo, consideramos a hipótese de que as relações entre as
características visuais das imagens e as da linguagem verbal
escrita estão materializadas por meio de metáforas visuais que
encontram relações de complementaridade metafórica no
instrumento analítico da “avaliação”.

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 129


Em forma de conclusão, o modo como apreendemos o
mundo está subordinado a categorizações. A linguagem verbal é
um modo de percecionarmos e expressarmos essa realidade.
Outros sistemas semióticos existem que ocorrem como outros
modos de expressarmos essa mesma realidade.
Esperamos ter mostrado também que o quadro teórico da
Avaliação das práticas sociais, neste caso concreto, de parte de
práticas sociais que constituem o discurso, mais especificamente
o afeto ─ atitude associada à emoção ─ indica uma visão
positiva ou negativa dos atores envolvidos nos processos, bem
como as metáforas conceptuais (LAKOFF e JOHNSON, 2002
[1980] permitem analisar os recursos semióticos constitutivos
dos textos multimodais. Fornecem também instrumentos
analíticos conducentes a uma multiliteracia e, neste caso
específico, na leitura de imagens, bem como a articulação dos
diferentes sistemas semióticos usados no nosso dia a dia. Este
quadro teórico permite, como o tem demonstrado a investigação
recente em áreas, como o cinema (O’HALLORON, 2004),
cartoons (SANZ, 2008) por oposição à semiótica, no seu início,
quando eram procuradas as articulações linguísticas da
linguagem visual, tendo se refletido, por isso, sobre as
pontencialidades da arte, em geral, como linguagem. Apenas nos
anos 80, Massironi (2010 [1982]) desenvolveu de forma
aprofundada a análise do desenho partindo do quadro teórico da
psicologia (perceção de imagens) e da semiologia (produção de
sinais). Em conformidade com o exposto, defendemos que este é
um passo metodológico a desenvolver no sentido de uma maior
compreensão de formas contemporâneas de comunicação.
O livro que só queria ser lido privilegia o modo escrito.
Nem tudo o que é escrito é materializado pelo uso de imagens,
podem existir ações, atores, circunstâncias que são submetidos a

130 Introdução à Multimodalidade


um apagamento (redução visual). No entanto, as relações
existentes entre estes dois sistemas semióticos não se esgotam
neste exemplo. Por outro lado, foram encontrados padrões de
semelhanças entre os dois sistemas semióticos, nomeadamente
no que se refere à localização do valor da informação, no âmbito
dos significados composicionais, verificando-se os mesmos
padrões de organização dos sistemas como são as orientações de
cima para baixo e da esquerda para a direita ditadas pelas
normas da escrita ocidental.

5.3 LINGUAGEM VERBAL E VISUAL: RELAÇÕES DE


COMPLEMENTARIDADE DOS SISTEMAS SEMIÓTICOS

Como tem sido explorado nos diferentes capítulos, no


âmbito do estudo da multimodalidade, a linguagem verbal e a
linguagem visual não são tomadas como sistemas semióticos
isolados cuja função deste último seria meramente decorativa,
ilustrativa ou decorativa. Entendemos o texto multimodal como
uma unidade de significação em que os produtores de texto
fazem escolhas de forma a construírem um produto com um
propósito comunicativo pelo uso desses sistemas (para um maior
desenvolvimento, ver 6ª parte, sobre género).
Assim, para respondermos à pergunta ─ Qual o tipo de
relação estabelecida entre a linguagem visual e a linguagem
verbal? ─, iremos analisar um pequeno excerto de um livro nos
modos verbal e visual. Com base em O Pardal de Espinosa,
escrito por José Jorge Letria e ilustrado por Daniel Silvestre
Silva, iremos focar a nossa atenção sobre o tipo de relação
complementar estabelecido entre os dois sistemas semióticos,
questão brevemente aflorada no ponto anterior.

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 131


O livro infanto-juvenil é a história de um dos mais
importantes filósofos do século XVII, Espinosa, polidor de
lentes, de profissão, que se dedicou a ideais de liberdade.
Espinosa estabelece uma relação de amizade com um pardal,
testemunha do seu labor diário e do seu modo de vida, a quem o
filósofo explica a sua perceção do mundo. Sendo um texto
ficcionado, a biografia de Espinosa é construída pela tecitura de
valores, possibilitando aos pequenos leitores o contacto com um
grande vulto da filosofia europeia.
Os produtores de texto ─ escritor e ilustrador ─,
reconstruíram o contexto histórico e cultural de forma exímia,
embora recorrendo a recursos diferentes determinados pelos
modos semióticos. O sistema semiótico visual aqui analisado é a
ilustração, forma artística resultante de uma elaboração cognitiva
desenvolvida e mediada pela linguagem verbal, como
demonstrámos no capítulo 5. Conforme Massironi (2010 [1982],
p.15) refere, o desenho tem sido historicamente tratado como um
instrumento dócil do qual todos se podem servir, mas que nunca
ninguém sentiu a necessidade de analisar para compreender o
seu funcionamento, o que o diferencia de outros, e para explicar
a sua ampla disponibilidade na absorção de funções
comunicativas diversas.
Em conformidade com esta constatação e com as
preocupações da Semiótica Social, reiteramos a ideia de que a
linguagem visual, em sentido lato, tanto como processo ou como
produto, tem potencialidades nas suas várias expressões e
articulações que carecem de mais investigação.
Roth et al. (2005), com base num estudo desenvolvido a
partir de livros de ciências, propõem quatro funções para as
relações entre linguagem verbal e imagens: (i) decorativa

132 Introdução à Multimodalidade


(imagens normalmente colocadas no início do capítulo sem
referência ao texto principal); (ii) ilustrativa (capta e descreve o
que o leitor deve ver); (iii) explicativa (dá uma explicação ou
classificação do que é representado); (iv) complementar (fornece
conteúdos proposicionais não explicitados no texto verbal). Com
base na classificação (iv), função complementar, iremos analisar
esta função com vistas a apresentar uma reformulação do
entendimento do tipo de relação existente entre os sistemas
semióticos verbal e visual e com o intuito de avançar no estudo
das relações intersemióticas dos dois sistemas.
No âmbito da metafunção ideacional da linguagem
(HALLIDAY, 1994), esta é usada para organizar, compreender e
expressar as nossas perceções do mundo físico e interior, como
referido em diferentes pontos deste volume. A
complementaridade ideacional em textos multimodais refere-se
ao tipo de relação estabelecida pelos conteúdos proposicionais
(aquilo que é representado) em linguagem verbal e linguagem
visual. Embora podendo diferir, os conteúdos são
complementares, o que significa que o contributo dos dois
sistemas expressa mais do que cada um dos sistemas semióticos
considerados isoladamente.
No excerto, a seguir, as relações de complementaridade
são estabelecidas pelos dois sistemas semióticos. Os dois
sistemas tecem relações de expansão entre si, isto é, o sistema de
expansão existe tanto na linguagem verbal como na linguagem
visual, conforme iremos demonstrar no quadro 6.

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 133


1. Linguagem verbal
Todas as manhãs, o velho pardal cumpria o seu ritual.
Pousava no parapeito da janela, observava o homem arqueado
sobre as lentes, no interior do quarto, e depois batia levemente
com o bico no vidro. Dando-se conta da sua presença, o homem
levantava-se da mesa de trabalho, abria a janela e colocava
sobre o parapeito pedaços de pão, de carne e de queijo que o
arisco pardal depois ia transportando até ao local onde tinha as
suas crias.
2. Linguagem Visual

Quadro 6: Excerto do livro O Pardal de Espinosa

Na sua relação de complementaridade, a linguagem


verbal através de relações de expansão dos conteúdos semânticos

134 Introdução à Multimodalidade


dos seus recursos semióticos permite estabelecer relações
sequenciais mediadas pelos seguintes processos materiais:
O homem levantava-se da mesa de trabalho, abria a
janela e colocava sobre o parapeito pedaços de pão, de
carne e de queijo que o arisco pardal depois ia
transportando até ao local onde tinha as suas crias.

A linguagem verbal permite-nos construir pela


representação um quadro mais alargado no que diz respeito aos
processos. Considerando as características do sistema semiótico
visual, as representações dos processos pelas imagens são
simplificados comparativamente à possibilidade da
complexidade de representação do sistema verbal. A
representação visual pode ser realizada pela representação
narrativa, que descreve os participantes numa ação, ou pela
representação conceptual, esta de natureza estática em que os
participantes são apresentados em termos de essência, como eles
são, em termos de classe, estrutura ou significado.
Nesta representação narrativa, processo transacional
unidirecional, temos Ator (Espinosa) e a Meta (o pardal)
interligados por um vetor (materializado pela orientação do olhar
do ator e da sua linguagem corporal inclinada para o pardal, ou
seja, a reta). Ao compararmos este processo da narrativa visual
com os processos verbais destacados a itálico no excerto acima,
verificamos que há uma ressemiotização do verbal em que a
maioria dos processos são agregados. Por outro lado, os recursos
semióticos visuais estabelecem relações de espaço mediadas pela
localização das entidades e outros recursos semióticos no
espaço.
Sabemos que o espaço comunica. Conforme Svorou
(1993, p. 8) refere, é da nossa natureza localizar objetos em

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 135


relação a outros objetos, de uma forma relativista. O ato de
localizar um objeto para efeitos comunicativos implica a
existência de elementos que desempenham um papel
fundamental. Parafraseando uma ideia anteriormente expressa, o
posicionamento dos objectos e o estabelecimento de relações
entre si envolve o reconhecimento de relações (as)simétricas
inscritas num espaço específico. Essas escolhas constroem
sempre significados associados a cada uma das diferentes
possibilidades materializadas pelo produtor de texto. Deste
modo, as relações assimétricas podem ser de natureza vária, indo
além daquela aqui analisada, como temos vindo a referir. Para
além dos significados construídos pelo espaço, são usados outros
recursos semióticos visuais que nos permitem encontrar a
expansão dos conteúdos semânticos em relação à linguagem
verbal, como é o exemplo do moinho de vento característico dos
Países Baixos, colocado na paisagem, visualisado através da
janela aberta. Outros exemplos de expansão visual poderão ser
dados, como é o caso do vestuário da época. De facto, o
potencial de significado de textos multimodais é expandido
quando comparado com textos constituídos apenas por um
sistema semiótico.

Recursos semióticos Recursos semióticos visuais


linguísticos de complementaridade de complementaridade (expansão).
(expansão).

Relações sequenciais mediadas Relações de espaço mediadas pela


pelos processos. localização das entidades no espaço.

Quadro 7: Diferentes recursos semióticos

136 Introdução à Multimodalidade


A análise aqui apresentada confirma a hipótese de que o
recurso a diferentes modos transmite detalhes ou nuances que
são omitidos apenas por um dos modos de representação.
Em forma de conclusão, e articulando com as conclusões
anteriormente apresentadas, fica claro, na contemporaneidade, os
modos semióticos disponíveis por meio dos quais os produtores
de texto podem fazer as suas escolhas são muitos, graças à
sociedade de informação, ao seu funcionamento em rede e aos
avanços tecnológicos. Os sistemas, modos e recursos semióticos
são selecionados, organizados e integrados no processo de
produção de texto de forma a maximizar o potencial da criação
de significados e os seus efeitos, pelo que a literacia multimodal
se reveste de importância fundamental para o desenvolvimento
da aquisição de competências possibilitadoras de um
empowerment dos cidadãos nas diversas áreas profissionais e
pessoais, conforme explanado na parte 2.

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 137


6ª PARTE

GÉNERO E
MULTIMODALIDADE
6. O GÉNERO COMO ELEMENTO MULTIMODAL DA
ATIVIDADE HUMANA

Carminda Silvestre

O conceito de género apresenta nuances na sua


formulação em consequência de perspectivas resultantes dos
enquadramentos teóricos onde o conceito é estudado (O’
HALLORAN, 2004). O enfoque teórico determina, assim, a
forma como definimos o conceito.
Na classificação do género, há três vertentes que são
recorrentes para essa tipificação: o conteúdo, a forma e a função
(cf. Van LEEUWEN, 2005). Por exemplo, os contos de fadas
são classificados de acordo com o conteúdo; no caso do quarteto
de cordas, a abordagem da forma é determinante para a sua
classificação. A forma de expressão do quarteto de cordas,
qualquer que seja a música tocada, é classificada em
conformidade com a composição da forma de expressão; o texto
publicitário é classificado em conformidade com a função do
texto, ou seja, o propósito do ato comunicativo ─ vender
produtos ou serviços. Existe, assim, alguma fluidez na
classificação, mas apesar dessa ausência de rigidez
classificatória, as pessoas, regra geral, reconhecem as
convenções de género. Estamos perante um campo em que a
diversidade de classificação é grande como também são as
abordagens teóricas aos géneros textuais.
A análise do género aqui desenvolvida é
fundamentalmente guiada por Martin (2008). Encontramos em

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 141


Martin (1984, p. 25) uma definição do conceito de género que
interessa registar: “A genre is a staged, goal-oriented, purposeful
activity in which speakers engage as members of our culture”.
Aqui o género é considerado uma atividade, orientada para um
objetivo, com um propósito comunicativo. Nesta definição, a
referência de que o género é faseado implica que este seja
constituído por diferentes etapas que levam o produtor de texto,
pelas escolhas dos recursos semióticos (léxico-gramaticais ou
visuais), a alcançar o seu objetivo geral, isto é, a função
comunicativa.
A abordagem da Gramática Sistémico-Funcional e da
Semiótica Social ao género segue a perspetiva da função do
texto nos seus múltiplos contextos, ou seja, aquilo que as pessoas
fazem com os textos. Assim, as diferentes estruturas ─ início,
meio e fim ─ são importantes na construção do ato
comunicativo.
O género tem sido encarado como mutável resultante de
alterações das variáveis de registo6 (campo, relações e modo).
Para Martin (1992), o género (contexto de cultura) é instanciado
mediante escolhas das variáveis de registo (contexto de situação)
associando-as a partes específicas da estrutura esquemática e
usando a linguagem, isto é, os recursos semióticos em
conformidade. Deste modo, a partir da categoria género textual,
especificamente da narrativa, pretendemos mostrar que a escolha
do modo implica a construção de significados diferentes. De
forma sucinta, podemos afirmar que o recurso a diferentes
modos é igual a diferentes significados textuais, ou seja,

6
As variáveis de registo são o campo (a natureza da prática social ─ o que
está a acontecer), as relações (quem está envolvido), o modo (o papel
desempenhado pela linguagem), responsáveis pela configuração textual.

142 Introdução à Multimodalidade


significados que medeiam os significados ideacionais e os
interpessoais em textuais, como passaremos a explicar ao longo
do ponto seguinte.

6.1 NARRATIVA VISUAL: O INTERPLAY ENTRE MODO


E ESTRUTURAS ESQUEMÁTICAS
A presente parte do livro pretende explorar o conceito de
narrativa visual com base numa animação (a partir de desenho)
com recurso ao modo visual (linguagem visual) e apoio sonoro
(para-linguagem). Enquadrado numa abordagem da Semiótica
Social, iremos mostrar que a escolha do modo vai determinar as
estruturas esquemáticas do género narrativo resultante da
escolha do modo no qual o género é realizado. Por modo,
queremos significar o papel da linguagem, ou seja, a natureza do
meio pela qual os significados são construídos.
De acordo com a categorização proposta por Bordwell e
Thompson (2001), os filmes são classificados em ficção,
documentário, experimental e animação de acordo com a
natureza do filme e a forma como o material foi escolhido. Os
autores acrescentam que os filmes têm uma forma básica ou um
sistema de relações entre as partes que podem ser classificados
de narrativa, categórico, retórico, abstrato e associativo. O
corpus em análise, de acordo com essa proposta, inscreve-se no
filme de animação na forma narrativa.
O corpus é constituído por um filme de animação, O Dia
em que o Sr. Raposo…, realizado por alunos da Escola Superior
de Arte e Design, das Caldas da Rainha (ESAD.CR). Andreia
Páscoa, João Cabaço e Daniel Silva foram responsáveis pelo
desenho, som e animação; Hugo Guerra, pela montagem.
Realizaram este trabalho no âmbito da disciplina de Animação,

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 143


do 5º ano do curso de Artes Plásticas, no ano letivo de 2003-
2004.
Trata-se de um remake, em versão humana, da fábula O
corvo e a raposa. A fábula, que remonta ao séc. VI a.C. e é
atribuída a Esopo, conhece a notoriedade que hoje lhe
asseguramos com La Fontaine (1621-1695), que se terá
inspirado naquele autor da Antiguidade (bem como em fabulistas
italianos do Renascimento) para compor esta e as restantes
fábulas que integram os diversos livros dos volumes que
compõem a sua famosa recolha. É sabido que La Fontaine se
serve de Animais para instruir os Homens, como ele próprio diz
na Dedicatória da obra que oferece ao Delfim (o primogénito de
Luís XIV). Mas a versão de O corvo e a raposa que a equipa de
estudantes da ESAD.CR trouxe para o cinema de animação
elimina os animais da sua trama mantendo, no entanto, o
propósito moral recebido da tradição, tanto grega e renascentista,
quanto a que o séc. XVII francês nos legou pelo punho direto de
La Fontaine. Ou seja, no final da história que acompanhamos em
versão animada, a lição clássica que atravessou séculos e chegou
incólume aos dias de hoje permanece a mesma e vem ao de
cima: a lisonja leva à perda de quem se deixa lisonjear.
Porém, a graça e a novidade deste remake residem em
dois fatores principais: primeiro, no facto de a moral da fábula
ser protagonizada por um casal de idosos (de quem não se
esperam senão atos moralmente irrepreensíveis), ele no papel de
raposa7 (ainda que sem a malícia explícita desta) e ela no de
corvo (exibindo uma ponta de mal disfarçada afetação), e,

7
O nome da personagem não engana: ele é o Sr. Raposo, deixando
adivinhar, nos atos que pratica, todo o programa de ação da velha raposa
da fábula.

144 Introdução à Multimodalidade


segundo, no achado feliz de ser uma dentadura a ocupar o lugar
do queijo na versão tradicional, simbolizando este objeto (por
relação metonímica com o queijo e de forma bem icónica) o
desejo básico de comer e o meio prático de o satisfazer, e dando
forma quase caricatural ao problema pessoal do Sr. Raposo que,
por falta de dentes, sofre por não poder mastigar os alimentos.
No âmbito do trabalho que realizamos, importa estudar
tanto textos canónicos como aqueles produzidos por pessoas não
especializadas, cujos produtos (textos) foram aceites,
interpretados e consumidos. Dessa forma, podemos analisar e
compreender como funciona a linguagem naquilo que se
constitui como individual e único, mas, simultaneamente,
fazendo parte do género.

6.2 O INTERPLAY ENTRE MODO E ESTRUTURAS


ESQUEMÁTICAS: O CASO DO FILME DE ANIMAÇÃO
“O DIA EM QUE O SR. RAPOSO…”
Em termos de orientação espacial das imagens no espaço
textual (filme de animação), as imagens, constituídas por frames,
seguem o esquema da esquerda para a direita, à semelhança da
escrita na narrativa. O óbvio desta asserção é-o apenas no âmbito
da cultura ocidental. No mundo árabe, por exemplo, a orientação
espacial das imagens é materializada de forma inversa, ou seja,
da direita para a esquerda, à semelhança da direção da sua
escrita.
Como referido anteriormente, a abordagem da Semiótica
Social ao género focaliza a função dos textos nas interações
sociais, no que as pessoas fazem com os textos. Neste
pressuposto, as sequências das estruturas “princípio-meio-fim”
ajudam a ordenar as práticas comunicativas. As sequências das
ações comunicativas estão enquadradas em práticas sociais que

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 145


contêm outros elementos como, por exemplo, atores, tempo, ou
local, entre outros. Perguntas como “o que acontece aqui?”,
“quem são os atores?”, “quem é responsável pela ação?”, “quem
sofre a ação?”, “onde?”, “quando?” são algumas das questões
colocadas mais frequentemente na narrativa. Por conseguinte, na
análise da narrativa visual em estudo iremos dar respostas a estas
questões pela leitura das frames, consideradas importantes no
âmbito das estruturas esquemáticas e no avanço da história.
Antes de passarmos para a análise, lembramos que
Labov, citado por van Leeuwen (2005, p. 125-6), apresenta as
diferentes fases da narrativa como género na seguinte sequência:
(i) o resumo, que inicia a história e contém um sumário ou
indicação do tópico para atrair a atenção do leitor; (ii) a
orientação, que introduz o cenário ─ quem está envolvido,
quando, onde ─ e o acontecimento, que faz avançar a história.
Elementos de orientação podem ocorrer mais tarde na história,
quando novas pessoas, locais e coisas são introduzidas; (iii) a
complicação, que é o acontecimento que constitui o âmago da
história; (iv) a avaliação, que pode ocorrer em vários momentos
da história, quando o produtor de texto responde a questões
como, por exemplo, “por que razão devemos achar isto
interessante?”; (v) a resolução, que fornece o acontecimento
final da história; (vi) a coda, que não ocorre sempre, mas que
move do tempo da história para o tempo de a contar e fornece a
sua relevância aos leitores.
Uma das questões a considerar na narrativa visual é
identificar se as estruturas esquemáticas constitutivas da
narrativa se aplicam ao modo visual. Considerando as estruturas
propostas por Labov, das seis fases, há três que são obrigatórias
para podermos considerar a narrativa como género e sentirmos a
existência de uma apropriação do produtor de texto que vai ao

146 Introdução à Multimodalidade


encontro das nossas expectativas e daquilo que conhecemos do
mundo: a orientação, a complicação e a resolução. Assim, para
falarmos em narrativa visual temos de identificar as estruturas
obrigatórias e as estruturas facultativas, que poderão variar.
Embora o filme de animação seja um texto dinâmico por
natureza, a metodologia de análise usada é a de um texto
estático. Em termos metodológicos, iremos recorrer à paráfrase
do texto multimodal, que interpretamos do modo visual, pois
essa paráfrase ajuda-nos a percorrer as frames que compõem o
filme e a recontar, a partir destas e de forma mais desenvolvida,
a sua história. Vamos recorrer a ela como meio de facilitar o
comentário à estrutura narrativa da história e à evolução
cronológica dos principais acontecimentos nela ocorridos (a
reconstituição da sequência de ações).
A primeira parte da animação é dedicada à orientação.
Esta é constituída pelo cenário (setting) de um bairro típico, que
poderá ser Lisboa antiga (fig. 32), com as suas casas
encavalitadas umas nas outras, ruas estreitas, escadarias, praças,
miradouros e uma população envelhecida, em que os homens
têm como ponto de encontro as praças ou pequenos jardins para
jogarem às cartas e as mulheres, de forma mais individualizada,
se dedicam às tarefas domésticas, de portas e janelas bem
abertas. Tanto homens como mulheres coabitam com gatos e
pombos nestes bairros populares, que vão alimentando ao sabor
da sua solidão compassiva.

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 147


Figura 32: Bairro típico de Lisboa antiga

A par do cenário, a narrativa tem as suas personagens. O


Sr. Raposo, personagem principal da história, nomeado através
do título do filme de animação, faz parte dessa população
envelhecida, com poucos recursos económicos. O Sr. Raposo
desloca-se todos os dias ao mesmo miradouro para,
solitariamente, apanhar sol enquanto tenta mordiscar umas
bolachas. Ele tem por única companhia os pombos daquele local,
que acorrem em bando ao seu encontro para comerem as
bolachas que o Sr. Raposo não consegue mastigar por falta de
dentição.
A narrativa visual trata fundamentalmente de ações.
Como tal, os processos usados são predominantemente materiais
(verbos de fazer) e comportamentais (verbos de comportamento)
para mostrar o que está a acontecer (ver quadro 8). Halliday

148 Introdução à Multimodalidade


(1994) através da categoria da transitividade, na qual o falante
manifesta a sua experiência do mundo (metafunção ideacional da
linguagem), classifica os tipos de processos em materiais,
mentais, verbais, relacionais, comportamentais e existenciais. O
estudo da transitividade permite-nos, pela oração (unidade básica
de análise da léxico-gramática), analisar a representação de
quem faz o quê, a quem, e as respetivas circunstâncias.

Figura 33: O Sr. Raposo dá comida aos pombos

A forma que dá origem ao enredo é a série de sequências


em que a motivação do Sr. Raposo se constrói com base nas
semelhanças e repetições, diferenças e variação da conhecida
fábula A raposa e o corvo. A personagem principal caminha até
ao miradouro e tenta levar à boca as suas bolachas. Só depois de
várias tentativas inglórias para mastigar, ele resolve dá-las aos
pombos. Nesta frame, os participantes são o Sr. Raposo (ator) e

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 149


os pombos (alvo). No processo material (fazer), o ator é a pessoa
ou objeto que pratica a ação, enquanto o alvo é quem (pessoa ou
objeto) é atingido pela ação. Neste processo, temos um alvo pelo
que o processo é denominado ação transaccional unidirecional.
Em processos materiais em que o alvo é inexistente, estes são
classificados de ação não transacional.

Figura 34: O Sr. Raposo está triste por não ter dentes para
comer as bolachas

A estrutura esquemática que institui a complicação é


constituída pela consciência que o Sr. Raposo tem em relação à
sua triste condição: a de um velho desdentado, incapaz de
saborear umas simples bolachas.
Um dia, o Sr. Raposo é arrancado da tristeza em que está
mergulhado (fruto da sua desconsolada condição de desdentado)
pelo cantarolar de uma voz feminina (fig. 35).

150 Introdução à Multimodalidade


Figura 35: O Sr. Raposo ouve alguém cantar

Seguindo o som daquela voz maviosa é surpreendido pela


visão de uma velhota que sacode o tapete à janela (fig. 36).

Figura 36: Sr. Raposo caminha em direção ao local


de onde ouve cantar

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 151


Cabe aqui fazer um parêntesis para lembrar que a nossa
intenção é mostrar como esta narrativa visual tem um esquema
constituído por estruturas esquemáticas obrigatórias, fazendo das
ausentes as estruturas esquemáticas opcionais. A variação é
determinada nas escolhas feitas pelo produtor de texto
relativamente ao modo. Assim, escolhido o modo, urge
determinar quais as estruturas obrigatórias, quais as opcionais,
quais as estruturas que podem ocorrer mais de uma vez ao longo
do texto, qual a ordem fixa e a ordem variável das respetivas
estruturas. Importa referir também que a paráfrase ajuda-nos a
trazer à evidência um aspeto que não deverá ser esquecido
quando se trata de observar narrativa em filme. Recontando a
história com base na sucessão de imagens em “frames”, é mais
difícil esquecer que o efeito da tridimensionalidade criado dentro
do mundo da história é obtido tanto por meio de linhas, cores,
ângulos, formas, etc. (que têm como quadro de referência o jogo
de claro/escuro bidimensional criado no espaço do ecrã) como
por meio de um sistema de sons (palavras, música e ruídos) que
sofrem transformação tanto no mesmo referido espaço do ecrã
como na relação dos objetos entre si no interior da história. Este
último ponto é particularmente importante na narrativa em
causa, já que ela joga na ausência de palavras, na opção explícita
de eliminar do universo do narrado a linguagem verbal. Em
alternativa, aposta na criação de um discurso “articulado” por
sons vocais indiscerníveis, e em música, cujo efeito para o
sentido geral da história advém da articulação entre intensidade
(pitch) e contraste auditivos. É portanto preciso ouvir para se
perceber o que se passa no plano da diegese desta animação e,
nesse sentido, o som nesta narrativa visual animada levanta
também questões de narração (ou de discurso narrativo), que,

152 Introdução à Multimodalidade


sendo fundamental para a criação de significado, não será
analisado no presente estudo.
O Sr. Raposo aproxima-se, ouve a canção que a senhora
canta e aplaude (fig. 37).

Figura 37: O Sr. Raposo lisonjeia a autora da cantoria

Repara na sua bela dentadura. O Sr. Raposo encontra na


autora da cantiga, a segunda personagem do enredo (uma
senhora também idosa, provavelmente viúva e sozinha), uma
fonte de inspiração para ultrapassar aquilo que é o seu problema
e que constitui a complicação do enredo. Assim, lisonjeia a
senhora, pedindo-lhe para cantar mais e mais alto. Tomada de
brio e vaidade, a velhota canta mais alto e tanto e tão mais alto
que, boca aberta, inadvertidamente deixa cair a dentadura da
janela abaixo (fig. 38).

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 153


Figura 38: Cedendo aos elogios, a senhora canta alto

Nesse momento, o Sr. Raposo vê a oportunidade que não


pode perder: apodera-se da dentadura da mulher e coloca-a na
sua própria boca (fig. 39).

Figura 39: O Sr. Raposo apanha a dentadura

154 Introdução à Multimodalidade


A resolução foi materializada por meio da dentadura da
senhora que caiu, enquanto cantava, e imediatamente apropriada
pelo Sr. Raposo.

Figura 40: O Sr. Raposo está feliz com a sua dentadura nova

Obtido o objeto de desejo, a história termina com o Sr.


Raposo a regressar às suas rotinas, mas mais feliz por ter
resolvido o seu problema. Regressa ao banco do jardim para, na
companhia dos pombos seus amigos, poder, enfim, mastigar e
engolir as tão desejadas bolachas (fig. 41).
Visualmente, essa resolução é-nos dada pelo travelling
inicial e final sobre a cidade ─ deslocamento físico da câmara
sobre o espaço das ações da personagem, assinalando a
resolução do seu problema de forma plana e sequencial a fim de
percebermos que tudo o que vimos não passou de um episódio
na vida (rotineira) do Sr. Raposo.

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 155


Estrutura
Figura Linguagem visual (descrição) Classificação
esquemática

1 bairro típico de Lisboa antiga Cenário orientação

quem; onde;
o Sr. Raposo dá comida aos
2 processo orientação
pombos
material

o Sr. Raposo está triste por não ter Processo


3 complicação
dentes para comer as bolachas relacional

4 o Sr. Raposo ouve alguém cantar processo mental complicação

o Sr. Raposo caminha em direção processo


5 complicação
ao local de onde ouve cantar material

o Sr. Raposo lisonjeia a autora da processo


6 complicação
cantoria comportamental

cedendo aos elogios, a senhora processo


7 resolução
canta deixando cair a dentadura comportamental

processo
8 o Sr. Raposo apanha a dentadura resolução
material

o Sr. Raposo está feliz com a sua Processo


9 resolução
nova dentadura relacional

processo
10 o Sr. Raposo regressa à sua rotina resolução
material

Quadro 8: Estruturas esquemáticas da narrativa visual

156 Introdução à Multimodalidade


Figura 41: O Sr. Raposo regressa à sua rotina, feliz,
porque já tem dentes para mastigar

Esquematicamente apresentamos o enredo do filme no


quadro 8, permitindo, desta forma, visualizar as fases
constitutivas do género visual com a identificação das imagens, a
legenda correspondente à linguagem visual, o respetivo processo
e a identificação da fase.
Uma narrativa puramente no modo visual poderá não
contemplar todas as estruturas de uma narrativa que recorre aos
dois sistemas de linguagem ─ verbal e visual, por exemplo. Para
além do modo, o meio (medium) como este é organizado implica
uma variação. Uma narrativa verbal escrita ou oral implica
escolhas que vão determinar a variação relativamente ao pré-

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 157


género8. Também o meio de suporte digital ou suporte papel são
determinantes no género. Uma narrativa construída para a
criação de um jogo digital pode determinar uma variedade no
género, em relação a uma narrativa em suporte papel.
Como referido anteriormente, e retomando a ideia de que
o género segue a perspectiva da função do texto nos múltiplos
contextos (aquilo que as pessoas fazem com os textos), um dos
objetivos da narrativa é contar uma história que envolve
personagens integradas num determinado contexto. As diferentes
estruturas ─ início, meio e fim ─ são importantes na construção
do ato comunicativo.
O estudo do modo refere o papel que a linguagem
desempenha na realização da ação social. Este influencia os
significados textuais, os significados que ao nível ideacional e
interpessoal constituem o textual, fazendo da linguagem usada
uma variante fundamental tanto para o cotexto como para o
contexto.
A partir da narrativa visual O dia em que o Sr. Raposo…
e a fábula A raposa e o corvo, apresentamos de forma sucinta, no
quadro 9, três dimensões do modo que, alterada uma dessas
dimensões, contribuirá para uma variedade no género e,
consequentemente, nas estruturas esquemáticas que o
constituem, bem como na léxico-gramática usada ou, melhor

8
Swales (1993, p. 61), por exemplo, no seu livro Genre Analysis refere a
narrativa como um pré-género, definindo-o da seguinte forma “A narração
(falada ou escrita) opera através de um quadro de sucessões temporais nas
quais, pelo menos, alguns dos acontecimentos são reacções a
acontecimentos anteriores. Outras características da narrativa são aquelas
em que os discursos tendem a ser fortemente orientados para os agentes
dos acontecimentos descritos, em vez de ser para os próprios eventos,
sendo a estrutura tipicamente a de ‘um enredo’”. (Tradução nossa).

158 Introdução à Multimodalidade


dizendo, nos recursos semióticos. Assim, podemos dizer que em
ambos os textos (O dia em que o Sr. Raposo… e a fábula A
raposa e o corvo) o canal usado é gráfico. Outra dimensão do
modo é o meio. O dia em que o Sr. Raposo… é visual, enquanto
a fábula é verbal. Esta dimensão vai determinar uma mudança no
género narrativo. Estamos perante dois sistemas semióticos com
características e potencialidades diferentes. Por conseguinte, as
características léxico-gramaticais pelas quais os propósitos das
fases são realizados na fábula não são iguais às características
dos recursos semióticos através dos quais os propósitos das
diferentes fases são realizados na animação. Assim, se for
introduzida uma mudança nas variáveis canal, meio e papel, a
linguagem do texto, como produto, necessariamente mudará
também, contribuindo, dessa forma, para uma variação no
género.

Sr. Raposo A raposa e o Corvo


Dimensões
(narrativa visual) (narrativa verbal)

canal gráfico gráfico/fónico

meio visual verbal (escrito/falado)

papel constitutivo ─ contar constitutivo ─


uma história humoristicamente instruir os homens

Quadro 9: Dimensões do modo

A possibilidade de diversidade de tipos específicos de


narrativa pode ocorrer, variando cada uma da norma pré-género.

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 159


CONCLUSÕES
Apesar das fraquezas resultantes de trabalharmos o filme
de animação, um texto dinâmico, recorrendo a uma metodologia
de análise de um texto estático, com as inevitáveis omissões de
outros sistemas semióticos que se articulam na produção de
significados, acreditamos que o presente trabalho alcançou o seu
objectivo principal: mostrar como a variável modo é
determinante na realização das estruturas esquemáticas do
género narrativa visual. Aqui, as escolhas semióticas estão
construídas visualmente e com recursos sonoros não verbais. A
imagem visual é o meio que o produtor de texto usa de forma a
construir os significados interpretados pelo leitor/espectador.
Cabe, assim, ao espectador, com base no conhecimento que tem
do mundo, e perante o enredo, a organização do material no
filme, criar a história individualmente com base nos dados do
enredo.
Em forma de conclusão, e porque trabalhámos o remake
da fábula A raposa e o corvo, cabe dizer que a felicidade do Sr.
Raposo foi conseguida à custa da infelicidade alheia. Porém,
como a vaidade é um vício condenável e foi por causa dela que
quem não soube resistir-lhe perdeu o que tinha de tão precioso, a
ação parcialmente reprovável do Sr. Raposo que fica com aquilo
que lhe não pertence é justificada, e mesmo suplantada pela
função moral corretora que a sua “transgressão” acaba por
adquirir no contexto em que ocorre. No entanto, mais do que
elaborarmos sobre o ensinamento a retirar da história, quisemos
debruçar-nos sobre a importância do modo na construção da
narrativa, objetivo principal deste capítulo. As estruturas
esquemáticas identificadas na análise são constituídas por atores,
lugares, ações e tempo. As respostas colocadas nas perguntas

160 Introdução à Multimodalidade


mais frequentes na narrativa foram mediadas pelas imagens e
sons mostrando quem fez o quê, a quem.

Josenia Vieira e Carminda Silvestre 161


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Josenia Vieira e Carminda Silvestre 169


SOBRE AS AUTORAS

JOSENIA VIEIRA
Pós-doutora em Linguística Aplicada
pela Universidade de Lisboa (2001) e pelo
IPL/PT (2008), doutora em Linguística
pela PUC/RS. Professora Associada 4 do
Programa de Pós-Graduação em
Linguística da Universidade de Brasília,
nos cursos de Doutorado e de Mestrado desde 1991. Suas
pesquisas concentram-se principalmente em Multimodalidade,
Análise de Discurso Crítica e Letramento. Orientou mais de 50
pesquisas entre dissertações de Mestrado e teses de Doutorado.
Dirige o Centro de Pesquisas em Análise de Discurso Crítica
(Cepadic). Membro da Asociacíon Latinoamericana de Estúdios
del Discurso (Aled). É autora de diversos livros, capítulos e
artigos e também é a editora da revista “Discursos
Contemporâneos em Estudo”.

CARMINDA SILVESTRE
Doutorada em Linguística Aplicada
pela Universidade de Lisboa. Professora
Coordenadora na Escola Superior de
Tecnologia e Gestão (ESTG), do Instituto
Politécnico de Leiria, Portugal. Desenvolve
trabalho de investigação no âmbito da
Análise Crítica do Discurso, Semiótica Social e Gramática
Sistémico-Funcional aplicada ao Discurso Empresarial, Discurso
da Marca, Educação e Artes. Investigadora no Instituto de
Linguística Teórica e Computacional (ILTEC), Portugal.
Neste livro, a Gramática Sistêmico-Funcional, a
Semiótica Social e a Análise de Discurso Crítica,
enquadramentos teóricos aqui usados para o estudo
da Multimodalidade, partilham entre si uma
perspectiva de linguagem como constructo social,
em que linguagem e sociedade se modelam de
formas bidirecionais, ou seja, a linguagem modela a
sociedade e é modelada por esta.

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