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1 Este texto congrega as contribuições dos três autores à mesa-redonda A Linguística Sistêmico-
Funcional como ferramenta para a compreensão de diferentes práticas discursivas, realizada no XIII
Fórum de Estudos Linguísticos, de 19 a 22 de setembro de 2017 na Universidade Estadual do Rio de
Janeiro.
romanesco bakhtiniano”. Por fugir ao escopo deste trabalho, não debateremos tais
questões neste texto, pois nosso intuito está apenas em contextualizar o termo “híbrido”
usado neste texto, como uma característica da hipermodernidade. Especificamente no
âmbito da Linguística Sistêmico-Funcional (doravante LSF), os trabalhos no volume
organizado por Miller e Bayley (2016) discutem a relação entre hibridismo e LSF em
vozes múltiplas.
No contexto brasileiro, Praxedes Filho (2014) discute o status híbrido da LSF e
suas facetas de linguística teórica e de linguística aplicada, nomeando-a “linguística
aplicável”, a partir do termo inglês appliable, em oposição à applicable. Nessa esteira
de pensamento, Souza e Vian Jr (2017) retomam a ideia exposta em Halliday (1964) e
posteriormente discutida por Martin (1998), Gouveia (2006), Mahboob e Knight (2010)
e O’Donnel (2011) e adotam o termo “linguística do consumidor”, pela própria história
da linguística aplicada no Brasil e sua utilização no ensino de línguas e pelos vários
debates surgidos em relação aos laços com a Linguística teórica/descritiva. Para evitar
novas dicotomias, manteremos o uso do termo “linguística do consumidor” em
consonância com Souza e Vian Jr (2017) e os autores citados acima, pelo fato de a LSF
fornecer um arcabouço teórico e metodológico que pode atender às necessidades de
seus consumidores, selecionando aspectos grafo-fonológicos, léxico-gramaticais,
semântico-discursivos, nos três estratos da linguagem, bem como nos estratos do
contexto de cultura (gênero) e de situação (registro), e além desses estratos, ao tratar de
questões ideológicas, por exemplo. Ou, ainda, aspectos relacionados às imagens em
textos multimodais, e como estas criam sentido em sua integração com o texto verbal.
Como se depreende, trata-se de um terreno fértil e propício a hibridações.
Associando ao que preceitua García-Canclini (1997) podemos conceber que tais
hibridações “[...] nos levam a concluir que todas as culturas são de fronteira. Todas as
artes se desenvolvem em relação com outras artes [...] Assim, as culturas perdem a
relação exclusiva com seu território, mas ganham em comunicação e conhecimento.
(GARCÍA-CANCLINI, 1997, p. 348).
A perda dessa “relação exclusiva com seu território” nesse cenário pós-colonial,
híbrido e complexo é nosso ponto de partida para discutir o status da sistêmica como
uma teoria que fornece instrumental teórico e metodológico para a compreensão de
diversas práticas sociodiscursivas. Em um primeiro momento, cabe fazermos uma
breve apresentação da teoria sistêmico-funcional e sua utilidade para os estudos do
discurso. Em seguida, algumas contribuições da LSF para a pesquisa em Linguística
Aplicada (doravante LA) são debatidas e, em um segundo momento, as contribuições
para os multiletramentos. Encerramos com nossas considerações finais sobre o uso e
aplicação do que propõe Halliday e seus seguidores como uma teoria híbrida em
tempos hipermodernos.
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No original: “The particular form taken by grammatical system of language is closely related to the
social and personal needs that language is required.”
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No original: “Not ‘in vacuo’, but in the context of speech situations.”
Da LSF, pode-se dizer que é justamente o seu caráter social que torna possível
sua aplicação em tão diferentes áreas como se verá a seguir.
Considerações finais
Nosso objetivo neste texto foi apresentar o caráter híbrido da LSF e sua interface
com outras áreas para a compreensão de distintas práticas sociodiscursivas.
A LSF é, de fato, uma teoria de descrição gramatical que se preocupa
fundamentalmente com o desenvolvimento dos sistemas gramaticais como meios para
as pessoas interagirem umas com as outras. A língua é vista, portanto, como um recurso
para produzir significados, tornando evidente que estamos diante de um modelo de base
semântica. Partindo-se, pois, da concepção de que discurso é “todo processo de
formulação conceptual pelo qual recorremos a nossos recursos linguísticos para fazer
sentido na realidade” (SEIDLHOFER; WIDDOWSON, 1999, p. 204), fica evidente,
portanto, o grande potencial da LSF para a compreensão de diferentes práticas
discursivas.
Além disso, também ressaltamos as contribuições da arquitetura descritiva,
metodológica e analítica da LSF para os estudos em LA. A breve apresentação de
algumas pesquisas nos possibilitou ilustrar as contribuições da LSF como área em/da
LA, assim como reforçar o caráter transdisciplinar de ambas as abordagens. Com isso,
cremos ter trazido à tona o cunho integrador da sistêmico-funcional, reforçando a rica
contribuição da perspectiva sociossemiótica de Halliday e seus seguidores para
investigações em outras áreas das ciências sociais e das ciências humanas.
Por fim, a questão dos multiletramentos em diferentes práticas sociodiscursivas
foi discutida como forma de compreender o modo como as práticas sociais e discursivas
em tempos hipermodernos se caracterizam como multissemióticas e, portanto,
requerem abordagens também multimodais, híbridas, complexas.
Concluímos com as ponderações de Hasan (2016, p. 376) sobre a questão de a
permeabilidade ser ou não um termo diferente para hibridismo. Segundo a autora, deve
haver permeabilidade entre as disciplinas. Permeabilidade, a autora argumenta (Hasan,
2016, p. 376), “[...] é um meio de trazer ordem ao que parece na superfície ser o caos”4
e, como reforça a autora, “identificar a permeabilidade é identificar princípios de
regularidade”5. De certo modo, nossas contribuições oferecem diferentes perspectivas
de regularidade em práticas sociodiscursivas.
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4 No original: “… a means of bringing order into what appears on the surface to be chaos”.
5 No original: “… identifying permeability is equal to identifying principles or regularity”.
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