Você está na página 1de 12

A LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL COMO FERRAMENTA PARA

COMPREENSÃO DE PRÁTICAS SOCIODISCURSIVAS EM TEMPOS


HÍBRIDOS1

Magda Bahia Schlee (UERJ)


Adriana Nogueira A. Nóbrega (PUC-Rio)
Orlando Vian Jr (UNIFESP/CNPq)

RESUMO: Assumindo os tempos hipermodernos como híbridos, em que vários


conceitos e teorias podem se imiscuir, a depender do problema de pesquisa, discutimos
neste texto como a Linguística Sistêmico-Funcional oferece cabedal teórico e
metodológico para análise de textos multimodais, tanto em seu aspecto estrutural, a
partir dos gêneros a que pertencem, quanto de seus aspectos linguísticos, passando ao
aspecto visual. Nossas reflexões são marcadas, ainda, pelo caráter transdisciplinar da
teoria sistêmico-funcional, principalmente na interface com a Linguística Aplicada.
Baseamo-nos na teoria como proposta inicialmente por Halliday (1985) e suas
ampliações. Nosso objetivo principal é apontar seu papel como ferramenta para
compreender práticas sociodiscursivas da hipermodernidade híbrida e complexa.

Palavras-chave: Linguística Sistêmico-Funcional, hibridismo, práticas


sociodiscursivas.

Introdução: compreender as práticas sociais e discursivas em tempos híbridos

Os tempos hipermodernos, líquidos, pós-coloniais e complexos exigem novas


perspectivas nas pesquisas e no mundo acadêmico como um todo. Um conceito
relevante para esse contexto efervescente é a noção de hibridismo, que tem uma longa
trajetória histórica e foi tomado do estudo dos sistemas biológicos e aplicado ao estudo
dos sistemas sociais e semióticos, como argumentam Matthiessen e Teruya (2016, p.
209). Esses autores ainda afirmam que nas últimas décadas o termo foi associado aos
estudos pós-coloniais, principalmente por Bhabha (2010).
No campo de estudos da linguagem, mais especificamente, a noção de
hibridismo remete ao trabalho de Bakhtin. Vaz (2017, p. 88) elucida que “... se no
século XIX a palavra ‘híbrido’ era utilizada para referir um fenômeno fisiológico e
botânico, no XX, graças a Bakhtin, ela foi reavivada para descrever um fenômeno
linguístico-cultural”. O texto de Vaz, como explicitado pelo autor (2017, p. 88),
“procura aferir o real débito do pós-colonialismo para com a teoria do hibridismo

1 Este texto congrega as contribuições dos três autores à mesa-redonda A Linguística Sistêmico-
Funcional como ferramenta para a compreensão de diferentes práticas discursivas, realizada no XIII
Fórum de Estudos Linguísticos, de 19 a 22 de setembro de 2017 na Universidade Estadual do Rio de
Janeiro.
romanesco bakhtiniano”. Por fugir ao escopo deste trabalho, não debateremos tais
questões neste texto, pois nosso intuito está apenas em contextualizar o termo “híbrido”
usado neste texto, como uma característica da hipermodernidade. Especificamente no
âmbito da Linguística Sistêmico-Funcional (doravante LSF), os trabalhos no volume
organizado por Miller e Bayley (2016) discutem a relação entre hibridismo e LSF em
vozes múltiplas.
No contexto brasileiro, Praxedes Filho (2014) discute o status híbrido da LSF e
suas facetas de linguística teórica e de linguística aplicada, nomeando-a “linguística
aplicável”, a partir do termo inglês appliable, em oposição à applicable. Nessa esteira
de pensamento, Souza e Vian Jr (2017) retomam a ideia exposta em Halliday (1964) e
posteriormente discutida por Martin (1998), Gouveia (2006), Mahboob e Knight (2010)
e O’Donnel (2011) e adotam o termo “linguística do consumidor”, pela própria história
da linguística aplicada no Brasil e sua utilização no ensino de línguas e pelos vários
debates surgidos em relação aos laços com a Linguística teórica/descritiva. Para evitar
novas dicotomias, manteremos o uso do termo “linguística do consumidor” em
consonância com Souza e Vian Jr (2017) e os autores citados acima, pelo fato de a LSF
fornecer um arcabouço teórico e metodológico que pode atender às necessidades de
seus consumidores, selecionando aspectos grafo-fonológicos, léxico-gramaticais,
semântico-discursivos, nos três estratos da linguagem, bem como nos estratos do
contexto de cultura (gênero) e de situação (registro), e além desses estratos, ao tratar de
questões ideológicas, por exemplo. Ou, ainda, aspectos relacionados às imagens em
textos multimodais, e como estas criam sentido em sua integração com o texto verbal.
Como se depreende, trata-se de um terreno fértil e propício a hibridações.
Associando ao que preceitua García-Canclini (1997) podemos conceber que tais
hibridações “[...] nos levam a concluir que todas as culturas são de fronteira. Todas as
artes se desenvolvem em relação com outras artes [...] Assim, as culturas perdem a
relação exclusiva com seu território, mas ganham em comunicação e conhecimento.
(GARCÍA-CANCLINI, 1997, p. 348).
A perda dessa “relação exclusiva com seu território” nesse cenário pós-colonial,
híbrido e complexo é nosso ponto de partida para discutir o status da sistêmica como
uma teoria que fornece instrumental teórico e metodológico para a compreensão de
diversas práticas sociodiscursivas. Em um primeiro momento, cabe fazermos uma
breve apresentação da teoria sistêmico-funcional e sua utilidade para os estudos do
discurso. Em seguida, algumas contribuições da LSF para a pesquisa em Linguística
Aplicada (doravante LA) são debatidas e, em um segundo momento, as contribuições
para os multiletramentos. Encerramos com nossas considerações finais sobre o uso e
aplicação do que propõe Halliday e seus seguidores como uma teoria híbrida em
tempos hipermodernos.

LSF: uma perspectiva interdisciplinar de análise (linguística)

Uma decorrência natural do hibridismo e da complexidade que caracterizam os


tempos modernos é, muitas vezes, a associação de teorias e conceitos, que acabam por
levar – ou pelo menos deveriam – ao surgimento de novas perspectivas nas pesquisas
em diferentes áreas. Assim, concepções teóricas de caráter transdisciplinar assumem
papel fundamental na análise de diferentes objetos de pesquisa. Nesse sentido, a LSF
tem se mostrado uma perspectiva de análise linguística bastante produtiva, uma vez que
abarca diversas áreas do conhecimento.
O caráter transdisciplinar da teoria remonta à sua origem, já que, na base da
teoria de Halliday, como aponta Matthiessen (1989), estão o funcionalismo etnográfico
e o contextualismo desenvolvido por Malinowski nos anos 1920, além da linguística
firthiana de tradição etnográfica de Boas-Sapir-Whorf e do funcionalismo da Escola de
Praga.
Resumidamente, a LSF corresponde a uma teoria geral do funcionamento da
linguagem humana, concebida a partir de uma abordagem descritiva baseada no uso
linguístico. Segundo Gouveia (2009, p. 14), estamos nos referindo a uma teoria que
objetiva a descrição gramatical, “uma construção teórico-descritiva coerente que
fornece descrições plausíveis sobre o como e porquê de a língua variar em função de e
em relação com grupos de falantes e contextos de uso”.
Fica evidente, assim, que para Halliday (1970) a natureza da linguagem está
intimamente relacionada às necessidades que lhe impomos como falantes/escritores e,
por esse motivo, ele recusa descrições meramente estruturais, elegendo o uso como
marca fundamental de caracterização de uma língua. Nesse sentido, propõe que o
sistema da língua e as suas funções sejam observados simultaneamente, uma vez que
“a forma particular assumida pelo sistema gramatical de uma língua está intimamente
relacionada com as necessidades sociais e pessoais que a língua é chamada a servir2”
(HALLIDAY, 1970, p. 135).
Tendo por base esses pressupostos, Halliday (1970) estabelece que, enquanto
potencial de significado, a língua está organizada em torno de redes relativamente
independentes de escolhas e tais redes correspondem às funções básicas da linguagem
na perspectiva hallidayana, a saber: compreender e representar o meio (ideacional);
relacionar-se com os outros (interpessoal); organizar a informação (textual). Essas
funções estão refletidas na estrutura gramatical, materializadas por meio de diferentes
sistemas gramaticais: sistema da TRANSITIVIDADE, sistema de MODO e sistema de
TEMA e REMA, respectivamente. Do repertório de escolhas possíveis em cada
sistema, o falante/escritor faz seleções simultâneas, realizadas “não in vacuo, mas no
contexto das situações de fala3” (HALLIDAY, 1970, p. 136). Desse modo, a noção de
contexto assume papel fundamental na teoria, no sentido em que configura a realização
de níveis extralinguísticos em níveis linguísticos. Gouveia (2009, p.25-26) descreve
com clareza a relação de dependência entre texto e contexto, considerando-a de tal
forma motivada que “a partir de um contexto, será possível prever os significados que serão
ativados e as características linguísticas potenciais mais previsíveis (...). Da mesma forma, dado
um texto, será possível deduzir o contexto em que o mesmo foi produzido”.
Do ponto de vista da LSF, todo texto ocorre em dois contextos, um inserido no
outro: o contexto de situação e o contexto de cultura. O contexto de situação é o
ambiente imediato no qual o texto está de fato funcionando. O contexto de cultura, por
sua vez, refere-se não só a práticas mais amplas associadas a diferentes países e grupos
étnicos, mas também a práticas institucionalizadas em grupos sociais, como a escola, a
família, a igreja, a justiça, relacionando-se, assim, à noção de propósito social. De
acordo com essa perspectiva, “grupos de pessoas que usam a linguagem para propósitos
semelhantes desenvolvem, através do tempo, tipos comuns de textos escritos e falados,
ou seja, gêneros” (FUZER; CABRAL, 2014, p. 29).
Fica evidente que a noção de contexto é fundamental na LSF, no sentido em
que configura, no processo de estratificação dos níveis de organização do sistema, a
realização de níveis extralinguísticos em linguísticos. Infere-se daí que, para essa teoria,
a linguagem está efetivamente condicionada a fatores extralinguísticos.

2
No original: “The particular form taken by grammatical system of language is closely related to the
social and personal needs that language is required.”
3
No original: “Not ‘in vacuo’, but in the context of speech situations.”
Da LSF, pode-se dizer que é justamente o seu caráter social que torna possível
sua aplicação em tão diferentes áreas como se verá a seguir.

Contribuições para a pesquisa em Linguística Aplicada

O caráter híbrido da LSF e suas nuances de linguística teórica e de linguística


aplicada (PRAXEDES FILHO, 2014), como já discutido anteriormente, nos leva a
considerar a LSF como uma área em/da LA. Inicialmente dedicada ao ensino-
aprendizagem de línguas no Brasil (MOITA LOPES et al., 2006, 2013), a LA
contemporânea e pós-moderna quebra as fronteiras entre teoria e prática, não as
concebendo como conceitos dicotômicos, mas fundamentalmente interdependentes
(MOITA LOPES et al., 2006, 2013; RAJAGOPALAN, 2003).
A noção de interdependência entre teoria e prática nos remete à LSF no que
tange à sua concepção de linguagem como atividade sócio-historicamente localizada,
de acordo com seu uso e função em contextos culturais e situacionais específicos.
Segundo Halliday e Hasan (1989, p. 5), linguagem, texto e contexto podem ser
considerados “aspectos de um mesmo processo”, sendo o contexto visto como “o
ambiente total onde um texto se desenvolve” e o texto como “a linguagem que é
funcional” (HALLIDAY; HASAN, 1989, p. 10). Assim como para os linguistas
aplicados, como por exemplo, Moita Lopes (2003, 2013), Rajagopalan (2003), para
Halliday (1994) e seus seguidores (EGGINS, 2004, GOUVEIA, 2009, dentre outros),
a relação entre teoria e prática é inquestionável.
Desse modo, segundo a teoria hallidayana, não podemos nos engajar em uma
prática analítica de um dado texto, nem traçar teoricamente sua descrição gramatical,
sem considerarmos o seu contexto de produção e de recepção. Com isso, de acordo com
a abordagem sistêmico-funcional, a relação entre texto e contexto é dialética e
fundamental para a construção de significados.
Outro aspecto que nos faz reafirmar a inserção da LSF como um campo em/da
LA é que ambas apresentam caráter transdisciplinar. Conforme proposto por Moita
Lopes (2006, 2013), o propósito da LA é tecer diálogos entre teoria(s) e prática(s), não
apenas no âmbito dos estudos da linguagem, mas entre esses e tantos outros voltados
às ciências sociais e às ciências humanas. O autor observa que devemos entender a LA
como “mestiça ou nômade”, conferindo a ela o caráter de epistemologia
indisciplinar/interdisciplinar/transdisciplinar, uma vez que seu objetivo é “criar
inteligibilidade sobre problemas sociais em que a linguagem tem um papel central”
(MOITA LOPES, 2006, p. 14). Nesse sentido, e conforme proposto por Borges (2017a,
p. 31), a LA centra-se em “manter na pauta instâncias epistemológicas, ontológicas e
hermenêuticas de outros campos de investigação, sempre em diálogo com as práticas e
o pensar do mundo contemporâneo”.
Em sua arquitetura, a LSF contribui para os estudos transdisciplinares em LA
com um rico ferramental teórico-metodológico para a descrição e análise do uso da
linguagem em diferentes práticas sociais. Devido ao seu caráter transdisciplinar, a LSF
estabelece interface com diversas áreas de conhecimento onde a linguagem exerce
função predominante, “não ficando restrita apenas à descrição de linguística ou a
aspectos gramaticais específicos da língua, mas voltando-se também para questões
relacionadas ao meio sócio-histórico em que a linguagem circula.” (VIAN JR, 2013, p.
127).
O aspecto híbrido e transdisciplinar da LSF vem sendo proposto em pesquisas
que traçam diálogos com outras áreas em/da LA e que buscam observar a criação de
significados além do estrato linguístico. A título de ilustração, temos algumas pesquisas
realizadas em contextos pedagógico, quando interfaces da LSF com outras
epistemologias são traçadas, a saber: (i) formação de professores/as em pré-serviço,
como desenvolvido nas análises de Carla Souza (2017), Schlee (2017) e Monica Souza
(2016); (ii) estudos sobre a construção de identidades docentes (NÓBREGA; ABREU,
2015) e discentes (BORGES, 2017a, 2017b, ABREU; NÓBREGA, 2017); (iii) estudos
autoetnográficos (SALGADO, 2018, no prelo); (iv) estudos de textos literários (DART;
NÓBREGA, 2017) e (vi) multiletramentos literários críticos (SALGADO, 2017).
Na próxima seção, abordaremos de forma mais detalhada as contribuições da
LSF para os multiletramentos, trazendo à discussão suas nuances híbridas e pós-
modernas.

Contribuições para os novos multiletramentos

Em texto anterior, Vian Jr (2018) explora os multiletramentos a partir da


perspectiva da LSF. O objetivo do autor é debater como os multiletramentos devem
estar presentes na formação de professores de línguas com vistas a uma formação mais
eficaz e realista. O autor adota uma perspectiva sistêmica e complexa para tal
empreitada.
Esses multiletramentos, no entanto, por estarmos inseridos nesse contexto
hipermoderno híbrido, estão presentes em diversas outras práticas sociodiscursivas e
devem ser compreendidos por diversas razões, uma vez que estamos diante de uma
realidade multissemiótica, em que múltiplas semioses se imiscuem como reflexo do
momento complexo que vivemos. Rojo (2009), aponta para essa multissemiose,
afirmando que “esses textos multissemióticos extrapolaram os limites dos ambientes digitais
e invadiram, hoje, também os impressos (jornais, revistas, livros didáticos) (ROJO, 2009, p.
107). Como se depreende, trata-se de um cenário deveras híbrido e complexo. A questão
que emerge e que funciona como foco desta seção é: como a LSF pode contribuir para
a compreensão desses aspectos múltiplos?
A hipermodernidade e a cibercultura passaram a exigir habilidades que
ultrapassam e extrapolam os limites do texto escrito transformando-se em multimodais,
impressos ou digitais, apresentando multiplicidades de significação, uma vez que
utilizam uma multiplicidade de linguagens: fotos, vídeos e gráficos, linguagem verbal
oral ou escrita, sonoridades. Os autores ligados ao The New London Group já haviam
apontado para esses multiletramentos em 1996 e autores como Lankshear e Knobel
(2008) sugerem novos eventos de letramento.
Como pesquisadores trabalhando com a linguagem, é nosso papel apresentar
maneiras de compreender os sentidos criados pela integração entre texto e imagem,
bem como os elementos específicos de cada modo e como os sentidos são criados. Por
essa perspectiva, a Análise do Discurso Multimodal Sistêmico-Funcional (ADMSF),
conforme proposta por Painter, Martin e Unsworth (2013) fornece elementos que
promovem a interface entre os dois modos, permitindo a análise dos sentidos
construídos em textos multimodais. A pesquisa relatada em Dias e Vian Jr (2017), por
exemplo, apresenta como essa proposta de ADMSF pode ser operacionalizada e
aplicada a textos multimodais, na integração texto verbal/texto imagético.
Outros trabalhos, como Barbosa e Vian Jr (no prelo) procuram compreender o
letramento midiático e seu papel no ensino fundamental com o intuito de desenvolver
ações de consumo de mídia mais conscientes. Isso se deve ao fato de textos da mídia
serem presença constante em livros didáticos e, especialmente, na vida dos
alunos/cidadãos e, por essa razão, merecerem atenção especial por parte do professor
com foco no desenvolvimento do letramento midiático dos alunos.
Sinalizamos, também, para os letramentos ativistas, envolvendo os alunos em
práticas cidadãs por meio da linguagem. Humphrey (2013) explicita que os letramentos
ativistas visam a “promover pedagogias de letramento que possam incitar os cidadãos
a transformarem suas comunidades por meio dos conhecimentos e as habilidades
sociais para participar e promover mudanças em seus contextos”. Inserida em uma
proposta mais ampla de multiletramentos, a pesquisa de Faria (em preparação) aborda
a questão com base em textos produzidos por alunos.
A perspectiva adotada nesses trabalhos ilustrativos, além de conceber o estudo
da língua a partir da premissa de uma “linguística do consumidor”, vai ao encontro do
que afirma Halliday (1985) ao discutir as premissas de uma gramática funcional. De
acordo com o autor, uma língua deve ser “interpretada como um sistema de
significados, acompanhado de formas através das quais os significados podem ser
realizados. A questão é então ‘como são expressos esses significados?’”. O que esses
trabalhos procuram analisar e descrever é exatamente como os significados
multissemióticos são criados nos textos sob análise.

Considerações finais

Nosso objetivo neste texto foi apresentar o caráter híbrido da LSF e sua interface
com outras áreas para a compreensão de distintas práticas sociodiscursivas.
A LSF é, de fato, uma teoria de descrição gramatical que se preocupa
fundamentalmente com o desenvolvimento dos sistemas gramaticais como meios para
as pessoas interagirem umas com as outras. A língua é vista, portanto, como um recurso
para produzir significados, tornando evidente que estamos diante de um modelo de base
semântica. Partindo-se, pois, da concepção de que discurso é “todo processo de
formulação conceptual pelo qual recorremos a nossos recursos linguísticos para fazer
sentido na realidade” (SEIDLHOFER; WIDDOWSON, 1999, p. 204), fica evidente,
portanto, o grande potencial da LSF para a compreensão de diferentes práticas
discursivas.
Além disso, também ressaltamos as contribuições da arquitetura descritiva,
metodológica e analítica da LSF para os estudos em LA. A breve apresentação de
algumas pesquisas nos possibilitou ilustrar as contribuições da LSF como área em/da
LA, assim como reforçar o caráter transdisciplinar de ambas as abordagens. Com isso,
cremos ter trazido à tona o cunho integrador da sistêmico-funcional, reforçando a rica
contribuição da perspectiva sociossemiótica de Halliday e seus seguidores para
investigações em outras áreas das ciências sociais e das ciências humanas.
Por fim, a questão dos multiletramentos em diferentes práticas sociodiscursivas
foi discutida como forma de compreender o modo como as práticas sociais e discursivas
em tempos hipermodernos se caracterizam como multissemióticas e, portanto,
requerem abordagens também multimodais, híbridas, complexas.
Concluímos com as ponderações de Hasan (2016, p. 376) sobre a questão de a
permeabilidade ser ou não um termo diferente para hibridismo. Segundo a autora, deve
haver permeabilidade entre as disciplinas. Permeabilidade, a autora argumenta (Hasan,
2016, p. 376), “[...] é um meio de trazer ordem ao que parece na superfície ser o caos”4
e, como reforça a autora, “identificar a permeabilidade é identificar princípios de
regularidade”5. De certo modo, nossas contribuições oferecem diferentes perspectivas
de regularidade em práticas sociodiscursivas.

REFERÊNCIAS

ABREU, Adriana. R.; NÓBREGA, Adriana. N. Olhares teóricos para a construção de


identidades de professores e de alunos por um viés sistêmico-funcional. In: Pesquisas
em Discurso Pedagógico (on-line), 2017, p. 30084.

BARBOSA, Maria do Rosário S.A.; VIAN JR., Orlando. Letramento midiático: uma
proposta sistêmico-funcional de inserção no ensino fundamental. No prelo.

BHABHA, Homi. O local da cultura. 5a reimpressão. Belo Horizonte: Editora da


UFMG: 2010.

BORGES, Thais Regina dos S. Por um sentir crítico: um olhar feminista interseccional
sobre a socioconstrução de identidades sociais de gênero, raça/etnia e classe de
professoras de línguas. 233p. Dissertação (Mestrado) – Mestrado em Letras, Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017a.

BORGES, Thais Regina dos S. A avaliatividade na socioconstrução do self: uma


análise da autoconstrução reflexiva da identidade hegemônica patriarcal. In: Pesquisas
em Discurso Pedagógico (on-line), v. 2017b, p. 30083.

DART, Hugo T.; NÓBREGA, Adriana. N. Fostering Critical Literacy Through the
Analysis of World War I Poetry. In: Humanasing Language Teaching, v.4, p.10 - 25,
2017.

DIAS, Reinildes; VIAN JR, Orlando. Análise de discurso multimodal sistêmico-


funcional de livros didáticos de inglês do ensino médio da educação pública. Revista

4 No original: “… a means of bringing order into what appears on the surface to be chaos”.
5 No original: “… identifying permeability is equal to identifying principles or regularity”.
Signum, no. 20/3, p. 176-212, 2017.

EGGINS, Suzanne. An introduction to Systemic Functional Linguistics. New York:


Continuum, 2004..

FARIA, Fabiane D. Letramentos ativistas no ensino de redação. Dissertação de


mestrado. Programa de Pós-Graduação em Letras. Universidade Federal de São Paulo.
Em preparação.

FUZER, Cristiane; CABRAL, Sara. Introdução à gramática sistêmico-funcional em


língua portuguesa. Campinas: Mercado das Letras: 2014.

GARCÍA-CANCLINI, Néstor. Culturas híbridas - Estratégias para entrar e sair da


modernidade . São Paulo: EDUSP, 1997.

GOUVEIA, Carlos A.M. A linguística e o consumidor: teoria, política e política da


teoria. Actas do XXI Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Linguística.
Lisboa: APL, pp. 427-433, 2006.

GOUVEIA, Carlos A.M. Texto e gramática: uma introdução à linguística sistêmico-


funcional. Matraga 24 Estudos linguísticos e literários, p. 13-47, 2009.

HALLIDAY, Michael A.K. Syntax and the consumer. Monograph Series in Language
& Linguistics, 17. Washington D.C.: Georgetown University Press, p. 14-23, 1964.

HALLIDAY, Michael A.K. Estrutura e função da linguagem. In: LYONS, John, Novos
Horizontes em Linguística. São Paulo: Cultrix, 1970.

HALLIDAY, Michael . A. K.; HASAN, Ruqaia. Language, context and text: aspects
of language in a social-semiotic perspective. Oxford: Oxford University Press, 1989.

HALLIDAY, Michael A.K. An introduction to functional grammar. London: Arnold,


1985.

HASAN, Ruqaiya. In the nature of language: reflections on permeability and hybridity.


In: MILLER, Donna R.; BAYLEY, Paul. Hybridity in Systemic Functional Linguistics
– Grammar, text and discursive context. Sheffield/UK, Bristol/USA: Equinox, 2016, p.
337-383.

HUMPHREY, Sally L. Empowering adolescents for activist literacies. Journal of


Language and Literacy Education [Online], 9(1), 114-135. Available at
http://jolle.coe.uga.edu/wp- content/uploads/2013/05/Empowering-Adolescents.pdf.
2013.

LANKSHEAR, Colin; KNOBEL, Michele (Eds.). 2008. Digital Literacies: concepts,


policies and practices. New York: Peter Lang.
MAHBOOB, Ahmar; KNIGHT, Naomi K. (Eds.) Appliable linguistics. London and
New York: Continuum, 2010.

MARTIN, James R. Linguistics and the consumer: the practice of theory. Linguistics
and Education, 9(4), pp. 411-448, 1998.
MATTHIESSEN, Christian M.I. Introduction to functional grammar. By M.A.K.
Halliday. Review Article. In: Language, v. 65, n 4, p. 862-871, 1989.

MATTHIESSEN, Christian M.I.; TERUYA, K. Registerial hybridity: indeterminacy


among fields of activity. In: MILLER, Donna R.; BAYLEY, Paul. Hybridity in
Systemic Functional Linguistics – Grammar, text and discursive context. Sheffield/UK,
Bristol/USA: Equinox, 2016, p. 205-239.

MILLER, Donna R.; BAYLEY, Paul. Hybridity in Systemic Functional Linguistics –


Grammar, text and discursive context. Sheffield/UK, Bristol/USA: Equinox, 2016

MOITA LOPES, Luiz Paulo da Moita. Identidades fragmentadas: a construção de


raça, gênero e sexualidade na sala de aula. Campinas: Mercado de Letras, 2002.

MOITA LOPES, Luiz Paulo da Moita. (Org.) Por uma Linguística Aplicada
Indisciplinar. São Paulo: Parábola Editorial, 2006.

MOITA LOPES, Luiz Paulo da Moita .(Org.) Linguística Aplicada na modernidade


recente. São Paulo: Parábola Editorial, 2013.

NÓBREGA, Adriana N.; ABREU, Adriana. R. . Análise crítica da construção de


identidades na prática escrita escolar. In: Calidoscopio (Online), v. 13, p. 251-263,
2015.

O’DONNELL, Mick. Syntax and the consumer revisited: an SFL for EFL. Plenária no
International Systemic Functional Linguistics Congress (ISFC). Universidade de
Lisboa, 25-29 de julho de 2011.

PAINTER, C.; MARTIN, J.R.; UNSWORTH, L. Reading visual narratives: image


analysis of children’s picture books. Sheffiled (UK) e Bristol, CT (USA): Equinox
Publishing, 2013.

PENNYCOOK, Alastair.; Critical Applied Linguistics: a Critical Intrroduction.


London: Lawrence Erlbaum Associates, 2001.

PRAXEDES FILHO, Pedro Henrique Lima. Linguística sistêmico-funcional:


linguística teórica ou aplicada? Linguagem em foco, v. 6, n. 1, 2014, p. 11-25.

RAJAGOPALAN, Kanavilil. Por uma Linguística Aplicada crítica.. São Paulo:


Parábola, 2003.

ROJO, Roxane. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo: Parábola,
2009.

SALGADO, Odete. F.; PIEDADE, Renan S.; DART, Hugo, T.; BARRETO, Amanda,
F. A construção discursiva de Macbeth e Lady Macbeth sob a perspectiva da linguística
sistêmico-funcional na peça de Shakespeare: contribuições para o ensino/aprendizagem
de língua inglesa. In: Pesquisas em Discurso Pedagógico (on-line), v.01, p.1 - 8, 2017,
p. 30123.
SALGADO, O. F. A. “Tinha uma cartomante e ela leu o meu futuro”: análise de uma
trajetória de vida (co)construída na interação. In: Veredas - Revista de Estudos
Linguísticos, 2018. (no prelo)

SCHLEE, Magda B. A gramática como ferramenta para a construção de texto: relato


de uma experiência do PIBID. In: Pesquisas em Discurso Pedagógico (on-line), v.01,
p.1 - 8, 2017, p. 30117.

SEIDLHOFER, Barbara; WIDDOWSON, Henry G. Coherence in summary: The


contexts of appropriate discourse. In: BUBLITZ, W.; LENK, U.; VENTOLA, E (orgs).
Coherence in Spoken and Written Discourse: How to Create it and How to Describe it.
Augsburg: John Benjamins, p. 205-219, 1999.

SOUZA, Maria Medianeira de. VIAN JR, Orlando. Linguística Sistêmico-Funcional e


suas contribuições à pesquisa linguística no contexto brasileiro. Odisseia, volume 2,
número especial, 2017, p. 185-203.

SOUZA, Monica da C. M. Avaliações e crenças em uma sala de aula de inglês para fins
específicos sob o prisma sociocultural e sociossemiótico. 280p. Tese (Doutorado) –
Doutorado em Letras. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2016.

SOUZA, Carla Cristina. Negociando a avaliação do estágio docente: uma análise a


partir do Sistema de Avaliatividade. In: Pesquisas em Discurso Pedagógico (on-line),
v.01, p.1 - 8, 2017, p. 30079.

VAZ, Valteir. Bakthin e o pós-colonialismo: a questão do hibridismo. RUS Revista de


literatura e cultura russa, volume 8, número 9, 2017, p. 88-119.

VIAN JR., Orlando. Linguística sistêmico-funcional, linguística aplicada e linguística


educacional. MOITA LOPES, Luiz Paulo da Moita. Linguística aplicada na
modernidade recente – Festschrift para Antonieta Celani. São Paulo: Parábola, 2013,
p. 123-141.

VIAN JR., Orlando. Os multiletramentos e seu papel no conhecimento de professores


de línguas: por uma perspectiva sistêmica e complexa. Revista D.E.L.T.A., no. 34.1,
2018, p. 351-368.

Você também pode gostar