Você está na página 1de 7

Resgatando os deuses perdidos

Como sacerdotisa de Nehalennia, deusa germânica da abundância, protetora


dos marinheiros e viajantes e também deusa do submundo, venho compartilhar
com vocês a experiência de resgate dos deuses antigos, muitos deles com
cultos perdidos na memória da humanidade.

Nós pagãos, politeístas, acreditamos no deus e na deusa como


complementares e responsáveis por toda a criação. Em diversas culturas a
deusa existe sozinha no primeiro plano, mas somente quando se autofecunda
e cria um ser com a energia masculina e a ele se une é que começa toda a
obra de criação do universo. Assim, toda criação depende do equilíbrio entre os
pólos masculino e feminino.

Nós, humanos também precisamos deste equilíbrio interior, dessa


harmonização de deus e deusa que habitam em nós, para o pleno
desenvolvimento de nossas potencialidades e espiritualidade.

Para as tradições mágicas que trabalham com arquétipos divinos, com culto
pessoal de deuses, o que se busca é a conexão com o divino como meio muito
eficaz de autoconhecimento e não somente de veneração.

O homem primitivo buscando entender o universo e suas forças implacáveis,


atribuiu personalidades aos fenômenos naturais e assim nasceram os primeiros
deuses. Essas divindades foram definidas como masculinas ou femininas.

Para a tradição Telesterion de Elêusis, da qual sou sacerdotisa, o culto pessoal


a uma divindade é um dos pilares mais importantes.

No primeiro grau de iniciação os integrantes recebem uma divindade para culto


pessoal do mesmo gênero a que pertencem. Mulheres cultuam deusas e
homens cultuam deuses. Somente por ocasião da iniciação de segundo grau é
que os membros recebem o par e assim passam a cultuar os pólos como
partes de um todo.

Muitas tradições cultuam plenamente a deusa, deixando o deus em um papel


secundário.

O que defendo é que no resgate aos deuses cujos cultos se perderam no


tempo, o importante é o culto à totalidade (deus e deusa).

Não pretendemos resgatar somente a deusa, sob o risco de estar “dando o


troco” aos séculos de patriarcado. Não queremos um matriarcado absoluto,
mas o equilíbrio entre os pólos.

Iniciar o culto pelo gênero mais próximo possibilita os primeiros passos do


autoconhecimento. Como mulher, antes de explorar e conhecer todos os
aspectos da minha personalidade feminina (anima), terei muita dificuldade em
entender a minha personalidade masculina (animus). Assim, devo me conhecer
enquanto mulher para então buscar a minha essência masculina.

A escolha da divindade pelo gênero idêntico, não conflita com a orientação


sexual do sacerdote ou sacerdotisa. Um homossexual masculino não
necessariamente tem os aspectos femininos desenvolvidos. Prefere relacionar-
se afetivamente com alguém do mesmo sexo, sem deixar de ser
essencialmente homem. Os aspectos da espiritualidade não são
necessariamente próximos aos aspectos sexuais.

O arquétipo divino é muito interessante para o trabalho daqueles que trabalham


a espiritualidade pagã. Carl Jung desenvolveu um trabalho com as divindades
gregas, consistindo em um teste que ajuda a identificar os diversos tipos de
personalidade. O teste das deusas gregas (para mulheres) é bastante
elaborado e fácil de achar na internet. Já o teste dos deuses (para homens), é
bastante difícil de ser encontrado. Aconselho os interessados a buscar grupos
que trabalhem o sagrado masculino, como por exemplo:
http://www.falosagradomasculino.blogspot.com

Egrégora

Cada povo tem a sua cultura, suas divindades, sua fé.

Egrégora é toda a energia gerada em determinada situação. No contexto


divino, a egrégora é criada pela forma como aquelas divindades são
entendidas e cultuadas (alimentadas pelo inconsciente coletivo do povo que as
cultua).

Assim, é que a egrégora ioruba se distancia da egrégora romana, que difere da


egrégora celta.

Enquanto o culto ioruba prega um respeito absoluto aos deuses, uma


submissão à vontade caprichosa dos mesmos, o culto nórdico entende as
divindades como amigas e muito próximas dos humanos, sendo o culto uma
forma de “bate papo” entre amigos. Assim, cada panteão tem a sua egrégora.
Por esta razão, em um ritual não é aconselhável misturar deuses de panteões
diferentes.

Esta situação, porém, pode ocorrer sem qualquer problema, em rituais


coletivos, como, por exemplo, em um banquete para os deuses, sendo que
cada participante honra o deus ou deusa a que presta culto, independente de
panteão.

Outro ponto que merece destaque e que eu particularmente não pactuo é o


sincretismo. Nehalennia não é a Yemanjá nórdica, embora ambas sejam
divindades dos mares. Nehalennia é entendida e cultuada por um povo com
características muito diversas do povo que gerou a egrégora em torno de
Yemanjá.

Devemos buscar o entendimento mais amplo possível das culturas, para


entender o quanto nos é permitido entender sobre a energia, a egrégora, a
essência das divindades. Prestar culto sem entender as características
culturais que permeiam as divindades é correr o risco de prestar um culto frio,
destituído da energia primordial daquela divindade.

Resgatar os deuses não é reconstruir (imitar o que era no passado) o culto. É


sim ousar, experimentar e deixar-se guiar pela divindade que no momento
certo demonstrará as suas preferências de culto. Porém é necessário um
conhecimento básico sobre símbolos, velas, cores, ervas, oferendas, etc.

Um exemplo citado na palestra se refere à colega que estava acendendo uma


vela branca para Afrodite. Afrodite é a energia do prazer, do sexo, do tesão.
Vela branca não desperta qualquer dessas energias.

Muitas informações sobre o culto de diversas divindades se perderam, o que


torna impossível a reconstrução exata dos cultos. Mas com as informações do
contexto cultural do panteão a que pertence a divindade, é possível criar um
culto, o que costuma ser um desafio encantador. Aos poucos a divindade vai
permitindo a conexão e nos guia a prestar o culto de forma que nos sentimos
plenamente realizados. Com o entendimento que temos da religião pagã hoje,
devemos explorar sem receios todas as possibilidades de cultuar as
divindades, lógico que guiados também pelo bom senso.

Para Nehalennia acabei criando um oráculo, que infelizmente não deu tempo
de mostrar na palestra, mas é um oráculo com conchas (não são búzios).

É importante também que nos aprofundemos o máximo possível na essência


do paganismo, procurando romper com os dogmas cristãos que nos permeiam.
Muitas das informações que temos sobre os deuses pagãos foram propagadas
pela cultura cristã. Nessa linha, Lilith (babilônica) é uma demoneza, Pan
(grego) é o diabo e Brigit (celta) e Horsel (nórdica) se tornaram Santa Brígida e
Santa Úrsula respectivamente. Tanto nos casos de demonização quanto de
santificação, há as distorções contadas pelo judaísmo/cristianismo.

Um altar deve conter os elementos ou apenas um objeto que simbolize a


essência da divindade. Assim, para Nehalennia, uso e abuso de conchas, água
salgada, maçã, incenso de alecrim ou de maçã, leme, barco e quaisquer outros
símbolos relacionados ao mar. As velas são azuis ou verdes (cores do mar e
da vegetação).
Vale lembrar que o altar é um portal mental para conexão com a divindade. O
altar é muito mais importante para o sacerdote ou sacerdotisa do que para a
divindade. Os símbolos dispostos no altar ativam o nosso self.

Utilizar os elementos certos no altar é muito importante, mas se não os temos,


vale o improviso. Se não achamos os elementos no Brasil, ou mesmo na nossa
cidade, devemos experimentar e adaptar. Uma substituição feita com o coração
é mais louvável que uma oferenda original feita de forma mecânica.

Culto pessoal

A decisão por um culto pessoal pode iniciar ou não por uma escolha consciente
de uma divindade.

A escolha racional ou consciente se dá pela análise da personalidade.


Podemos escolher uma divindade muito próxima da nossa personalidade,
como por exemplo, as mulheres de Atena que foram presença marcante na
palestra. Eu particularmente não simpatizo muito com essa modalidade de
escolha, pois se já temos características naturais muito próximas daquela
divindade, podemos buscar outra que nos agregue características que nos
podem ser úteis e que não temos.

Outra modalidade é a escolha por afinidade, por simpatia com determinada


deidade.

A mais interessante das modalidades racionais é exatamente a escolha


complementar. Uma sacerdotisa, cujas características de Atena sejam muito
evidentes, poderia optar por um arquétipo de Afrodite, por exemplo, para
resgatar a feminilidade, o poder de sedução que nós mulheres de Atena
costumamos deixar em segundo plano. Ou uma divindade que agregasse
intuição, sensibilidade, poderes mágicos, pois a racionalidade de Atena dificulta
a nossa abstração.

A divindade também pode “escolher” o sacerdote ou sacerdotisa, pois pode se


manifestar em forma de sonhos, ou visões.

O culto pessoal é uma intimidade maior com determinada divindade, porém


nada impede que prestemos culto ou oferendas a outros deuses quando
necessário.

É possível cultuar uma divindade pessoal e manter um cantinho para Deméter


na cozinha para que Ela garanta a fartura. Um altar para Afrodite para a
autoestima e a sedução. E ainda utilizar uma divindade em cada esbath
(celebração de lua cheia). Só devemos ter em mente que a nossa divindade
principal tem que ter destaque, pois é Ela que vai operar grandes mudanças
nas nossas vidas.

Para os solitários, aconselho antes de escolher uma divindade para culto


pessoal, fazer uma análise profunda sobre os pontos fracos e fortes de sua
personalidade ou utilizar-se de meditação ou pedir que a divindade se
manifeste em sonho.

Para os que pertencem a um grupo é mais fácil, pois existem práticas


oraculares para descobrir o deus ou deusa pessoal, ou há um mestre mais
experiente para sugerir a divindade.

Formas de conexão

Para nos conectar com uma divindade pessoal, cujo culto foi perdido e que
poucas são as informações, podemos utilizar vários meios:

*dançar para a divindade

* meditar com a divindade

*dedicar esbaths à divindade

*fazer oferendas

*criar orações, músicas, poesias

Os recursos são inesgotáveis e devem, respeitado o bom senso, ser


explorados sem timidez.

Exemplos: uma dança ou banho sensual para Afrodite, uma poesia ou música
ou qualquer forma de arte para Apolo, uma oferenda de grãos para Deméter, a
consagração de uma espada para um deus guerreiro;

Aspectos das divindades

Muitas são as faces das divindades: guerreira, do amor, da sexualidade, da


magia, curadora, negra ou do submundo, lunar, solar, caçadora, da fertilidade,
de proteção, etc.

Nenhuma divindade carrega apenas um aspecto. Quanto mais nos conectamos


com a deidade, mais percebemos nuances que no primeiro momento pareciam
não existir.

Nenhuma delas deve ser temida. Respeitada sim, temida nunca!!!!! As deusas
do submundo por exemplo, não são demônios, mas aspectos divinos que
alcançam o nosso interior mais obscuro e nos liberta de prisões mentais que
criamos para nós mesmos. Portanto, nada de temor!

O processo de autoconhecimento não é fácil para ninguém. Nosso espelho


quando reflete a verdade, não nos agrada. Mas quem disse que tem que ser
fácil?

Não há divindade boazinha ou má. Os deuses estão acima do conceito


humano de bem e mal e tal como pai e mãe que precisam educar os filhos, nos
mostram o caminho sem nos mimar, sem fazer todas as nossas vontades.

As deusas de prosperidade podem ser exatamente aquelas que nos farão


experimentar a perda e o prejuízo para nos ensinar o valor das coisas. Nessas
horas quando recebemos ajuda de pessoas a nossa volta, aprendemos o valor
de compartilhar.

Chaga da divindade

Temos que manter o equilíbrio em tudo que faz parte das nossas vidas. Na
espiritualidade não é diferente.

O culto excessivo a uma divindade pode desencadear um desequilíbrio que se


chama chaga do deus, ou da deusa.

Ex: uma mulher com excesso de culto a Afrodite, pode ser tornar vulgar, fútil,
egoísta, uma mulher com excesso de culto a Deméter pode se tornar
desleixada,desprovida de vaidade, uma mulher com excesso de culto a Ártemis
pode ser tornar masculinizada ou desinteressada em homens.

Para os homens os exemplos também existem: um homem com chaga de


Hades se torna depressivo ou violento, com chaga de Zeus, ele acha que deve
“pegar todas”, com chaga de Hermes, ele diz somente o que as mulheres
querem ouvir e são bem “galinhas”.

Esses exemplos são até certo ponto divertidos, mas deve-se ter muita cautela
para que o culto pessoal se torne chaga.

Nota

Para os que se identificam com o assunto, há a homotheosis que é o culto de


divindades homossexuais, porém eu não compartilho da idéia, uma vez que
buscamos a integração dos pólos. Além do mais, muitas divindades trazem o
aspecto de liberdade sexual em sua essência. Todavia, cada um deve ter
acesso ao mais amplo leque de opções, para a escolha do que melhor lhe
convém.
Sugestões de leitura:

 Todas as deusas do mundo – Claudiney Prieto (somente deusas)

 A arte da invocação – Claudiney Prieto (deuses e deusas de vários


panteões)

 O anuário da grande mãe – Mirella Faur (o foco são as deusas mas trata
de deuses também)

 Mistérios Nórdicos – Mirella Faur (somente deuses nórdicos)

 Wicca para homens – A. J. Drew (o foco maior é nos deuses gregos)

Convite

Convido vocês a visitar o meu blog www.caminhosdenehalennia.blogspot.com


e conhecer um pouquinho da minha queridíssima protetora.

Agradeço a presença de vocês!!!

Curti muito o nosso papo e me emocionei com o ritual de Deméter que é a


patrona da Tradição Telesterion de Elêusis (TTE). Sou responsável por um
círculo da tradição que consagrei com o nome de Colheita Sagrada em honra a
Deméter.

Essa foi a minha primeira palestra e foi uma farta colheita. Recebi de vocês
mais do que consegui passar.

Espero que o texto possa ter clareado algumas coisas que ficaram incompletas
na palestra.

Podem me escrever para tirar dúvidas, sempre que quiserem.

alvesisabela@hotmail.com (MSN e e-mail)

Bela Síol (Orkut e facebook)

Que os deuses e deusas abençoem cada um de vocês!!!!!!!!

Bjs!!!!!

Você também pode gostar