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OS VÍCIOS TÍPICOS DA

MARGEM DE LIVRE
DECISÃO ADMINISTRATIVA

Tânia Botelho, nº 56891, 2ºB, subturma 15


Os Vícios típicos da Margem de Livre Decisão Administrativa

No presente trabalho iremos abordar o tema da margem de livre decisão, explicitando


de forma sucinta a sua vertente da discricionariedade. Depois disso, iremos elencar e
explicar os vícios típicos da margem de livre decisão e indicar os seus desvalores.
A margem de livre decisão pode ser entendida como um espaço de liberdade da
atuação administrativa conferido por lei e restringido pelo bloco de legalidade. Assim
sendo, a administração é dotada de uma parcial autonomia administrativa. A margem de
livre decisão está subordinada ao princípio da legalidade, ou seja, a Administração não
pode praticar atos que não sejam pela lei permitidos. Dentro da margem de livre decisão
encontramos duas realidades: discricionariedade e a margem de livre apreciação. 1
O conceito de discricionariedade aparece por vezes associado ao conceito de
autonomia administrativa enquanto margem de livre decisão na criação de efeitos de
Direito Administrativo.
A discricionariedade consiste numa liberdade que é conferida à Administração por
lei, de modo a que esta escolha, de entre as várias alternativas que a lei lhe permite levar
a cabo, aquela que melhor se adequa a uma situação concreta. Constatamos assim que a
atuação administrativa existe sempre de acordo com uma pré determinação legal que
define sempre o fim que a norma visa alcançar. Não obstante uma maior ou menor
margem de atuação discricionária, existe sempre vinculação. No entanto, o contrário nem
sempre é assim, dado que existem atuações administrativas pré determinadas pela lei em
que o seu conteúdo é totalmente vinculado, onde não existe qualquer hipótese de ir para
além do sentido de decisão imposto pela norma. Assim sendo, onde existe vinculação
pode existir discricionariedade e onde existe discricionariedade existe seguramente
vinculação.2
Cabe agora referir quais são os tipos de discricionariedade. A liberdade conferida
pela lei à Administração pode consistir numa escolha entre agir ou não agir
(discricionariedade de ação). Além disso pode traduzir-se na escolha entre duas ou mais
atuações, a que denominamos discricionariedade de escolha e, por último, pode consistir
numa atuação administrativa concreta dentro dos limites jurídicos aplicáveis. Ou seja,
“(…)a escolha surge porque o legislador apenas estabelece um núcleo mínimo
identificador do género de medida, deixando ao órgão administrativo a invenção do
conteúdo completo do ato.”3 Este último tipo de discricionariedade é designado por
Sérvulo Correia como discricionariedade criativa.4
O âmbito de atuação do poder discricionário passa pelo exercício de um poder
próprio da Administração, que lhe é conferido por lei, para que nos casos concretos decida
qual a melhor solução para a satisfação do interesse público. O poder discricionário existe
na medida em que a Administração realiza um juízo de prognose sobre quais os efeitos

1
André Salgado de Matos e Marcelo Rebelo de Sousa, Direito Administrativo Geral I, 2008,
Dom Quixote, pág. 176.
2
Tânia Ferreira Osório, Efetividade e Grau de controlo da Margem de Livre Decisão
Administrativa na ação Administrativa especial de condenação na prática de um ato
administrativo devido, FDL, Pág. 17.
3
Bernardo Diniz de Ayala, O (défice de controlo) judicial da margem de livre decisão
administrativa, Lisboa, Lex,1995, pág. 135.
4
José Manuel Sérvulo Correia, Legalidade e autonomia contratual nos contratos
administrativos, Coimbra, 1987, pág. 309 a 340.
Os Vícios típicos da Margem de Livre Decisão Administrativa

que a sua decisão discricionária vai ter, tendo sempre em conta o fim que determinada
norma pretende atingir.
No meu ponto de vista, a atuação discricionária corresponde a um aspeto essencial
na prossecução e desenvolvimento da função administrativa. E isso, pelo facto de
considerar que não há ninguém melhor do que a Administração para fazer as escolhas que
num determinado momento necessitam de ser tomadas. Não há ninguém melhor do que
a Administração para fazer escolhas que permitem garantir que forma voraz a
prossecução do interesse público. A lei confere à Administração um leque de soluções
legalmente possíveis para que, tendo em conta um caso concreto, esta possa escolher
aquela que seja a melhor escolha para uma determinada situação e para que consiga
alcançar o fim a que estava vinculada a atingir, sempre tendo em conta os princípios da
proporcionalidade, justiça e imparcialidade, entre outros. Além disso, e como refere
André Salgado de Matos e Marcelo Rebelo de Sousa “ (…) seria indesejável a emissão
apenas de normas fechadas que retirassem à administração qualquer liberdade de
adaptação a especificidades dos casos concretos, mediante a qual seja possível uma
melhor prossecução do interesse público.”5
Os vícios que constituem o fundamento mais frequente de anulação de atos
praticados ao obrigo da margem de livre decisão são: a incompetência (em sentido
amplo), a usurpação de poderes, o desvio de poder, os vícios de forma, o erro de facto, o
erro de manifesta apreciação e a violação de lei por desrespeito dos princípios gerais do
Direito.
No que se refere à incompetência “lato sensu”, esta engloba a incompetência absoluta
e a incompetência relativa. A primeira verifica-se quando um órgão administrativo pratica
um ato fora das atribuições da pessoa coletiva ou do ministério a que pertence enquanto
a última acontece quando um órgão administrativo pratica um ato que está fora da sua
competência, mas que pertence à competência de outro órgão da mesma pessoa coletiva.
A incompetência é absoluta em três situações: quando o poder exercido não é legalmente
cometido a nenhum órgão, isto é, é um poder que não existe na ordem jurídica; quando o
órgão que por lei é competente para a pratica de certo ato pertence a uma pessoa coletiva
diferente daquela a que pertence o autor do ato; por último, quando o órgão legalmente
competente para a pratica do ato pertence à mesma pessoa coletiva daquela a que pertence
o autor do ato, mas a uma unidade de atribuições diferente. 6 Assim sendo, a
incompetência pode ser entendida como o vício que consiste na prática, por um órgão
administrativo, de um ato inserido nas atribuições ou competências de outro órgão
administrativo. À incompetência por falta de atribuições (absoluta) aplica-se o regime na
nulidade (art 161/2 b) CPA) enquanto que à incompetência por falta de competência
(relativa) aplica-se a sanção na anulabilidade (art.163º CPA)
O vício da usurpação de poderes” (…) traduz-se na prática, por um órgão da
Administração, de um ato que decide uma questão cuja apreciação está reservada aos
tribunais ou ao poder legislativo, consistindo pois numa forma de incompetência agravada

5
André Salgado de Matos e Marcelo Rebelo de Sousa, Direito Administrativo Geral, tomo I,
2008, pág. 177
6
André Salgado de Matos e Marcelo Rebelo de Sousa, Direito Administrativo Geral, tomo III,
2009 Dom Quixote, pág. 155
Os Vícios típicos da Margem de Livre Decisão Administrativa

por falta de atribuições.”7 Trata-se, deste modo, de uma violação do princípio da


separação de poderes. Este vício não é mais do que uma incompetência agravada. Para o
Professor Freitas do Amaral, é possível distinguir três modalidades de usurpação de
poderes: usurpação de poder legislativo quando um órgão administrativo pratique um ato
que pertence às atribuições do poder legislativo; usurpação do poder moderador quando
o mesmo órgão efetue um ato que pertence às atribuições do poder presidencial; por
último, quando o órgão administrativo leve a cabo um ato que pertence às atribuições do
poder judicial, fala-se em usurpação do poder judicial. 8 Os atos viciados de usurpação
do poder são nulos nos termos do artigo (161º/2 a) CPA).
O desvio de poder consiste “ (…) no exercício de um poder discricionário por um
motivo principalmente determinante que não condiga com o fim a que a lei visou ao
conferir tal poder.” 9 O desvio de poder pode assumir duas formas: o desvio de poder por
motivo de interesse privado, o qual ocorre quando o motivo principalmente determinante
que levou à pratica do ato pelo titular do órgão foi um motivo de interesse privado por
razões de parentesco, amizade, corrupção, entre outros; e o desvio de poder por motivo
de interesse público, o qual acontece quando o órgão visa satisfazer um interesse público
diferente daquele que a lei visa alcançar. 10 O desvio de poder é um vício típico da margem
de livre decisão, dado que nos atos administrativos vinculados os requisitos funcionais de
legalidade são de reduzida importância. Nestes casos, em principio são irrelevantes os
motivos e o fim real, desde que haja conformidade legal dos aspetos vinculados do ato,
como afirmam os Autores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado Matos na sua obra.11
O desvio de poder também se divide em desvio de poder doloso e desvio de poder
resultante de erro de direito. No primeiro caso, a Administração afasta-se do fim legal,
voluntariamente, por má-fé. No segundo caso supracitado, o facto de o fim legal não ter
sido observado resulta de uma interpretação incorreta da lei de forma não voluntária.
Dentro do desvio de poder podemos ainda identificar o desvio de procedimento que
acontece quando a Administração serve-se de um procedimento legal que se destina a
alcançar determinado fim, mas esta utiliza-o tendo em vista concretizar um fim diferente
daquele que a lei determina. O desvio de poder, sobretudo o doloso, é muito difícil de
provar, uma vez que essas situações são muitas vezes ocultadas e dissimuladas pelos seus
responsáveis através da ocultação dos verdadeiros motivos subjacentes à pratica do ato.
Os atos praticados com desvio de poder para fins de interesse privado são nulos (art 161º/2
e) CPA) e os praticados para fins de interesse público são anuláveis (163º CPA).
Quanto aos vícios de forma, podemos desde já explicitar que estes podem derivar
quer da carência de forma legal (prática oral de atos para os quais é requerida forma
escrita) quer pela preterição das formalidades essenciais (falta de audiência prévia dos
interessados). Os atos que careçam de absoluta de forma legal são nulos (art. 161º/2 g)
CPA). Para os Autores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, o artigo
7
Acórdão do STA de 09.09.2010 relator Pais Borges.
8
Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol II, 2016, 3ª edição, pág. 341 e
342
9
Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol II, 2016, 3ª edição, Almedina
pág. 347
10
Bernardo Diniz de Ayala, O (défice de controlo) judicial da margem de livre decisão
administrativa, Lisboa, 1995, pág. 197
11
André Salgado de Matos e Marcelo Rebelo de Sousa, Direito Administrativo Geral, tomo III,
2009, Dom Quixote, pág. 157
Os Vícios típicos da Margem de Livre Decisão Administrativa

mencionado deve abranger a forma em sentido estrito mas também as formalidades, salvo
em estado de necessidade, ou seja, deve ser interpretado de forma extensiva.12 A omissão
de formalidades posteriores à pratica do ato administrativo não gera ilegalidade nem
invalidade do ato, apenas leva à sua ineficácia.13 Para Bernardo Diniz de Ayala, os vícios
anteriores ou contemporâneos da pratica do ato geram a sua invalidade: nulidade nos
casos em que os casos careçam em absoluto de forma legal, nas situações em que as
deliberações dos órgãos colegiais são tomadas sem “quórum” por exemplo; e
anulabilidade quando os atos não respeitem formalidades essenciais não impostas pela
constituição desde que a lei ordinária não indique uma sanção especifica (art. 163º CPA).
Quanto aos vícios posteriores à pratica do ato, os três autores mencionados neste
parágrafo defendem que o ato é considerado ineficaz, acrescentando Bernardo Ayala
“(…) quer tais imposições resultem da lei ordinária ou da Constituição.” 14 No que se
refere às formas de invalidade deste vício, a omissão total do procedimento legalmente
exigido (salvo em estado de necessidade), bem como as deliberações tomadas
tumultuosamente, as deliberações tomadas sem quórum e sem a maioria exigida por lei e
a carência absoluta de forma legal geram a nulidade do ato (art 161/2 h), g e l) CPA). No
que se refere a outros vícios de forma, aplica-se o regime da anulabilidade previsto no art
163º CPA.15
O erro de facto consiste na situação em que a Administração toma uma decisão com
base em factos inexistentes ou falseados. O facto não existe ou não existe da forma como
o órgão administrativo o vê. Por outro lado, o erro de manifesta apreciação verifica-se
quando o facto existe mas o órgão não o avalia de forma correta, ou seja, surge um erro
de valoração derivado de um errado juízo valorativo.16 “O erro nos pressupostos de facto
constitui uma das causas de invalidade do ato administrativo, consubstanciando um vício
de violação de lei que configura uma ilegalidade de natureza material, pois é a própria
substância do ato administrativo que contraria a lei.”17 O erro sobre os pressupostos de
facto e o erro de manifesta apreciação geram, em principio, anulabilidade (art 163º CPA).
Por último, cabe falar do vício da violação de lei, mais concretamente por desrespeito
aos princípios gerais do Direito. Este vício tanto pode ocorrer no exercício de poderes
vinculados como no exercício de poderes discricionários. É certo que qualquer vício do
ato de um órgão administrativo leva a uma violação de lei (no sentido amplo do bloco de
legalidade). Por isso, cabe salientar que a essência da autonomização deste vício respeita
às ilegalidades objetivas materiais dos atos administrativos. Deste modo, incorrem no
vício de violação de lei os atos administrativos que não respeitam os requisitos e
legalidade relativos aos pressupostos de facto, ao objeto e ao conteúdo. Diz-se que um
ato padece de vício de violação de lei quando não seja possível reconduzir dado vício a
qualquer outro dos acima já explicitados. São anuláveis os atos administrativos praticados
com ofensa dos princípios ou outras normas jurídicas aplicáveis, para cuja violação não
12
André Salgado de Matos e Marcelo Rebelo de Sousa, Direito Administrativo Geral, tomo III,
2009, Dom Quixote, pág.164
13
Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol II, 2016, 3ª edição, pág. 345
14
Bernardo Diniz de Ayala, O (défice de controlo) judicial da margem de livre decisão
administrativa, Lisboa, 1995, pág.225
15
Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol II, 2016, 3ª edição, pág.368
16
Bernardo Diniz de Ayala, O (défice de controlo) judicial da margem de livre decisão
administrativa, Lisboa, 1995, pág.225
17
Acórdão do STA de 12.03.2009 relator Freitas Carvalho
Os Vícios típicos da Margem de Livre Decisão Administrativa

se preveja outra sanção (art. 163º/1 CPA), ao passo que os casos de violação de lei
referidos no art. 161/2 CPA são nulos. 18
Como se viu, o problema dos vícios típicos da margem de livre decisão é apenas uma
especificidade dentro do tema mais amplo da teoria geral dos vícios ao ato administrativo.
Dado que a concessão de uma margem de livre decisão à Administração demonstra de
uma forma explicita como surgem os vícios e a sua aplicabilidade em casos concretos do
dia-a-dia da atividade administrativa, na minha ótica justifica-se que se reflita sobre os
vícios da atuação administrativa ao abordar o tema da margem de livre decisão.

Bibliografia

André Salgado de Matos e Marcelo Rebelo de Sousa, Direito Administrativo Geral,


tomo III, Dom Quixote, 2ª edição, 2009
André Salgado de Matos e Marcelo Rebelo de Sousa, Direito Administrativo Geral
I, Dom Quixote, 3º edição, 2008
Bernardo Diniz de Ayala, O (défice de controlo) judicial da margem de livre decisão
administrativa, Lisboa, Lex, 1995
Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol II, Almedina, 3ª
edição, 2016
José Manuel Sérvulo Correia, Legalidade e autonomia contratual nos contratos
administrativos, Coimbra, 1987
Tânia Ferreira Osório, Efetividade e Grau de controlo da Margem de Livre Decisão
Administrativa na ação Administrativa especial de condenação na prática de um ato
administrativo devido, Lisboa, FDL
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/0/7bf6d2ab626e2dc68025757f00546546
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/0/de2e19666b10a291802577a10030b12f?OpenDocume
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18
Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol II, 2016, 3ª edição, pág.368

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