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INSPER

LL.M EM DIREITO SOCIETÁRIO

FILIPE GONÇALVES BORGES

A CONSTITUIÇÃO DE PESSOA JURÍDICA


NO AGRONEGÓCIO

São Paulo
2017
FILIPE GONÇALVES BORGES

A CONSTITUIÇÃO DE PESSOA JURÍDICA


NO AGRONEGÓCIO

Monografia apresentada ao Programa de LL.M em


Direito Societário do Insper Instituto de Ensino e
Pesquisa, como parte dos requisitos para obtenção do
título de pós graduação em Direito.
Área de Concentração: Direito Societário
Orientadora: Ana Cristina Von Gusseck Kleindienst
Bussato

São Paulo
2017
Borges, Filipe Gonçalves
A Constituição de Pessoa Jurídica no Agronegócio - Filipe Gonçalves
Borges; orientadora: Ana Cristina Von Gusseck Kleindienst Bussato –
São Paulo, 2017.

Monografia (Pós-graduação Lato Sensu em Direito Societário –


LL.M). Área de concentração: Direito Societário. Insper Instituto de
Ensino e Pesquisa.
1. Direito Societário. 2. Pessoa Jurídica. 3. Agronegócio
FILIPE GONÇALVES BORGES
A CONSTITUIÇÃO DE PESSOA JURÍDICA NO AGRONEGÓCIO

Monografia apresentada ao programa de LL.M em


Direito Societário do Insper Instituto de Ensino e
Pesquisa, como parte dos requisitos para obtenção do
título de pós-graduação em Direito.
Orientadora: Ana Cristina Von Gusseck Kleindienst
Bussato
Área de Concentração: Direito Societário

Data de Aprovação: __/__/__

Banca Examinadora

_____________________________
Ana Cristina Von Gusseck Kleindienst Bussato
Professora Orientadora
Insper Instituto de Ensino e Pesquisa

_____________________________
Nome Completo
Titulação
Instituição
_____________________________
Nome Completo
Titulação
Instituição
Para Juliana e Heloísa.
Agradeço ao apoio da minha família e ao Dr. Régis
pelos valiosos ensinamentos jurídicos.
“O agronegócio é uma empresa a céu aberto”
(Ricardo Merola, pecuarista.)
RESUMO

A Constituição de Pessoa Jurídica no Agronegócio visa esclarecer os elementos jurídicos


envolvidos na criação de uma pessoa jurídica para o desenvolvimento das atividades empresariais
ligadas ao agronegócio. O tema é bastante discutido pelos produtores rurais pessoas físicas, tendo
em vista a sua relevância para alocação dos riscos que envolvem a atividade rural. A metodologia
utilizada foi o levantamento bibliográfico no âmbito do direito societário e do agronegócio.

Palavras-chave: Pessoa Jurídica1. Agronegócio2. Empresa3. Riscos4. Responsabilidade5.


ABSTRACT

The Constitution of Legal Entity in Agribusiness seeks to clarify the legal elements involved on
the creation of a legal entity for the development of business activities related to agribusiness.
The issue is widely discussed by farmers individuals, in view of their relevance to the allocation
of risks involving rural activity. The methodology used was literature in the corporate law and
agribusiness.

Keywords: Legal Entity1. Agribusiness2. Company3. Risks4. Responsibility5.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

QUADRO 1 – Saldo positivo do comércio do agronegócio vs. demais setores............................17


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

PIB – Produto Interno Bruto


SAG – Sistemas do Agronegócio
CAI – Cadeias Agroindustriais
IRPF – Imposto de Renda da Pessoa Física
LSA – Lei das Sociedades por Ações
CVM – Comissão de Valores Mobiliários
DREI – Departamento de Registro Empresarial e Integração
DNRC – Departamento Nacional de Registro do Comércio
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..............................................................................................................................14

1. O AGRONEGÓCIO NO BRASIL.....................................................................................15
1.1. OS SISTEMAS DO AGRONEGÓCIO..............................................................................20
1.2. DIREITO DO AGRONEGÓCIO.......................................................................................22

2. ATIVIDADE EMPRESÁRIA..................................................................................................25
2.1. O AGRONEGÓCIO E A ATIVIDADE EMPRESÁRIA ..................................................32
2.2. OBRIGAÇÕES GERAIS DO EMPRESÁRIO..................................................................33
2.2.1. REGISTRO DE EMPRESÁRIO...................................................................................34
2.2.2. ESCRITURAÇÃO CONTÁBIL E O BALANÇO PATRIMONIAL................................38
2.3. O EMPRESÁRIO INDIVIDUAL DO AGRONEGÓCIO.................................................40
2.4. A SOCIEDADE EMPRESÁRIA.......................................................................................43
2.4.1. OS RISCOS DO NEGÓCIO...............................................................................................44
2.4.2. OS CUSTOS DO NEGÓCIO.............................................................................................47
2.4.3. AUTONOMIA PATRIMONIAL DO NEGÓCIO.............................................................50
2.4.4. LIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE NO NEGÓCIO.............................................52

3. OS TIPOS SOCIETÁRIOS E A LIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE........................57

3.1. TEORIAS DO DIREITO SOCIETÁRIO...........................................................................58


3.2. LIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE.......................................................................65
3.3. EIRELI................................................................................................................................67
3.3.1. A ADMINISTRAÇÃO DA EIRELI...................................................................................70
3.4. SOCIEDADE LIMITADA.................................................................................................71
3.4.1. A ADMINISTRAÇÃO DA SOCIEDADE LIMITADA....................................................78
3.5. SOCIEDADE ANÔNIMA.................................................................................................79
3.5.1. CARACTERÍSTICAS GERAIS.........................................................................................80
3.5.2. O CONTROLE E O VOTO NSA SOCIEDADES ANÔNIMAS......................................86
3.5.3. A ADMINISTRAÇÃO DA SOCIEDADE ANÔNIMA .................................................. 90

4. CONCLUSÃO..........................................................................................................................93

REFERÊNCIAS.............................................................................................................................95
14

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo realizar um estudo bibliográfico a respeito


dos aspectos societários que envolvem a constituição de uma pessoa jurídica no Brasil, levando-
se em consideração as principais características do agronegócio. A ideia é que, a partir desta
análise, seja possível identificar quais são os fatores jurídicos a serem considerados pelo produtor
rural pessoa física, empresário do agronegócio, na decisão pela constituição de uma pessoa
jurídica, empresa individual ou sociedade empresária, para o desenvolvimento de atividades
agrícolas ou pecuárias.

Portanto, este estudo tem como ponto central a identificação dos principais
aspectos do direito empresarial, especialmente do direito societário, e dos contornos da decisão
que leva o produtor rural empresário a constituir (ou não) uma pessoa jurídica para o exercício
das suas atividades. E mais: se, ainda, há fatores impeditivos para que essa pessoa física,
isoladamente ou com outros sócios, constitua a pessoa jurídica.

Como se verá adiante, a supracitada decisão é permeada de muitos outros fatores,


tais como econômicos, ambientais, tributários, trabalhistas e outros. No entanto, o presente estudo
não se debruçará profundamente sobre referidos fatores, os quais não fazem parte da área de
concentração desta especialização e merecem ser objeto de estudo específico. O tema central do
presente estudo é o direito societário, sub-ramo do direito empresarial.

Esse é o seu corte metodológico. Portanto, não serão abordadas as questões


voltadas ao pequeno produtor rural que tem amparo na Constituição Federal, o qual pratica a
agricultura de subsistência e tem a proteção do Estatuto da Terra. O tema ora tratado se destina
aos verdadeiros empresários do agronegócio, pessoas físicas que desenvolvem as atividades
empresariais rurais agrícolas ou pecuárias.

Para fins de delimitação de escopo, o trabalho também não abrangerá questões


relacionadas a todos os tipos de pessoas jurídicas, nem aos contratos de integração, aos contratos
associativos, tais como o de joint-venture contratual, aos consórcios e às cooperativas.
15

A discussão sobre a constituição ou não de uma pessoa jurídica pelo produtor rural
empresário é fundamental, já que ela esta presente em grande parte dos foros de debate do direito
do agronegócio. Ademais, as respostas aos questionamentos sobre o tema não são binárias:
requerem a análise de diversos fatores existentes na atividade desenvolvida, bem como nas
particularidades de cada cultura ou criação.

1. O AGRONEGÓCIO NO BRASIL

Antes de qualquer consideração sobre os aspectos legais ou jurídicos do tema,


necessário se faz tecer breves comentários a respeito do agronegócio no Brasil.

O agronegócio, como a própria nomenclatura remete, compreende a atividade


agrícola, rural ou pastoril. Essa atividade foi um dos mais relevantes passos dados pela
humanidade, que deixou de ser uma espécie coletora-caçadora, e passou a se dedicar ao cultivo
de plantas e animais1.

A atividade rural desempenha papel fundamental na economia mundial. Basta


lembrar que para qualquer indivíduo poder comer ou beber é necessário que um produtor rural
tenha cuidado do ciclo agrobiológico de plantas ou animais, atrelados à produção de alimento.

Esse ramo de atividade empresarial desenvolvido no Brasil desempenha papel


fundamental não só para o País, mas para o todo o mundo. O Brasil é um dos principais
fornecedores de alimento do mundo e, por esse motivo, está em posição de destaque. Verifique
esse fato nas palavras de MIRANDA2:

1
Segundo HARARI: “O Homo sapiens (...) a todo lugar que ia, continuava a viver coletando plantas silvestres e
caçando animais selvagens. Por que fazer outra coisa se seu estilo de vida fornece alimento abundante e sustenta um
mundo repleto de estruturas sociais, crenças religiosas e dinâmica política? Tudo isso mudou há cerca de 10 mil
anos, quando os sapiens começaram a dedicar quase todo o seu tempo e esforço a manipular a vida de algumas
espécies de plantas e animais. Do amanhecer ao entardecer, os humanos espalhavam semente, aguavam plantas,
arracavam ervas daninhas do solo e conduziam ovelhas a pastos escolhidos. Esse trabalho, pensavam, forneceria
mais frutas, grãos e carne. Foi uma revolução na maneira como os humanos viviam – a Revolução Agrícola.” In
HARARI, Yuval Noah. Sapiens – Uma breve história da humanidade. 16ª ed. Porto Alegre: L&PM, 2016. p. 87.
2
MIRANDA, Evaristo de. Alimentar o Mundo. O Estado de São Paulo. 26/09/2016.
16

(...) a missão do Brasil já pode ser: saciar a fome do planeta. (...) Em 2015 o Brasil
produziu 207 milhões de toneladas de grãos para uma população de 206 milhões de
habitantes. Ou seja, uma tonelada de grãos por habitante. Só a produção de grãos do
Brasil é suficiente para alimentar quatro vezes sua população, ou mais de 850
milhões de pessoas. (...) Em 50 anos, de importador de alimentos, o Brasil tornou-se
uma potência agrícola. Nesse período, o preço dos alimentos caiu pela metade e
permitiu à maioria da população o acesso a uma alimentação saudável e
diversificada e a erradicação da fome. Esse é o maior ganho social da modernização
agrícola e beneficiou, sobretudo, a população urbana. O Brasil saiu do mapa dos
países com insegurança alimentar.

Evidentemente, para que o agronegócio alcançasse os expressivos resultados, é


importante ressaltar que esse setor passou, ao longo dos anos, por uma profunda alteração
organizacional.

O Brasil colônia teve como atividade econômica expressiva inicialmente a


exploração do pau-brasil. Com o seu declínio – em decorrência da falta de interesse do setor têxtil
europeu no corante extraído daquela madeira - a cana-de-açúcar passou a dominar as atividades
rurais brasileiras. A sua produção e exportação chegou a superar as cifras da exportação de ouro,
enquanto que as demais culturas eram irrelevantes a ponto de não influenciarem a economia da
época.

Posteriormente, entre a metade do século XIX e o início da década de 30 do século


XX, o Brasil passou também pela fase de grande produção de café. Segundo MORAIS3, no Brasil
de 1928, quem “(...) tinha dinheiro eram os banqueiros, os industriais, os comerciantes, os
usineiros de açúcar do Nordeste e os cafeicultores de São Paulo”.

Nas décadas de 50 e 60 do século XX, boa parte do mundo viveu os chamados


“Anos Dourados”. As inovações tecnológicas introduzidas após a 2ª Guerra Mundial chegaram a
todos os setores da economia, em especial na indústria, mas também ao campo. A esse respeito,
pontuou HOBSBAWN4 que:

3
MORAIS, Fernando. Chatô o Rei do Brasil. São Paulo: Shwarcz, 2009. p. 177.
4
HOBSBAWN, Eric. Era dos Extremos – O breve século XX 1914-1991. 2ª ed., São Paulo: Shwarcz, 2002. pp.
255-256.
17

Durante as décadas douradas não houve fome endêmica, a não ser produto de
guerras e loucura política, como na China (...). Na verdade, à medida que a
população se multiplicava, a expectativa de via aumentava em média sete anos – e
até dezessete anos, se compararmos o fim da década de 1930 com o fim da década
de 1960 (Morawetz, 1977, p. 48). Isso significa que a produção em massa de
alimentos cresceu mais rápido que a população, tanto nas áreas desenvolvidas
quanto em toda grande área do mundo não industrial. (...) Apesar disso, a produção
total de alimentos no mundo.

A partir de 1964, o governo federal brasileiro impôs à atividade rural uma


verdadeira revolução neste setor, por meio da mudança de diretrizes e com projetos, a exemplo
do Proálcool5.

As alterações nos métodos de plantio e nos demais elos da cadeia agrícola criaram
a chamada Revolução Verde, que trouxe novos conhecimentos científicos no trato das culturas,
com grande mecanização das lavouras e da indústria voltada ao agronegócio.

Ao longo dos últimos anos, o setor do agronegócio no Brasil tem obtido cada vez
mais relevância econômica, representando, em 2015, 21,5% (vinte um e meio por cento) do
Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, se se considerado “dentro da porteira” 6, onde segundo
FURTADO7, “estão as atividades agropecuárias propriamente ditas. Depois da porteira vem a
distribuição, a indústria, o consumo.”

5
Proálcool foi um programa instituído pelo Governo Federal, em 1975, para substituir a utilização de combustíveis
fósseis (derivados do petróleo) pelo álcool etílico.
6
PIB do Agronegócio – Dados de 1995 a 2015, 2016. Disponível em: http://cepea.esalq.usp.br/pib/; acessado em:
03/11/2016.
7
FURTADO, Rogério. Agribusiness Brasileiro: A História. São Paulo: Evoluir, 2002. p. 206.
18

Não menos importante vem sendo a participação do agronegócio na manutenção


da balança comercial positiva 8, representando mais de 46% (quarenta e seis por cento) do total
das exportações daquele mesmo ano de 2015.

A grandiosidade do agronegócio brasileiro é tema de interessante consideração


feita por BURANELLO9:

A geração de riqueza através do agronegócio brasileiro cresce a cada ano. O País é


o maior exportador mundial de café, de suco de laranja, de açúcar, do complexo
soja, de carne bovina, de carne de frango e de tabaco. Em 2014, o agronegócio
representou fatia de 23% do PIB e 42,3% de participação nas exportações que
totalizaram US$ 96,75 bilhões. A atividade agrícola vem mantendo essa constante
evolução, acompanhada de forte desenvolvimento tecnológico e científico dos
meios de produção, bem como do estímulo do crescimento populacional e de
demanda por alimentos, fibras e bioenergia, posicionando-se estrategicamente
dentro de uma nova geografia econômica mundial.

8
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, 2016. Disponível em
http://indicadores.agricultura.gov.br/agrostat/index.htm; acessado em: 03/11/2016.
9
BURANELLO, Renato. Contratos do Agronegócio. In Tratado de Direito Comercial. Vol. 8. (autor). São Paulo:
Saraiva, 2015. p. 295.
19

Tais números foram – e são - fortemente influenciados pelas políticas públicas, já


que elas estabelecem acordos comerciais e embargos sobre os produtos do agronegócio
praticados ao redor do mundo. Em relação a este tema, o Brasil tem adotado uma agenda positiva,
o que fez com que os Estados Unidos da América passassem a permitir a importação do etanol
brasileiro, bem com a China permitiu recentemente a importação da carne suína brasileira.

Grandes melhorias nos canais de distribuição dos produtos destinados à


comercialização ao exterior também ocorreram, como a abertura de hidrovias fluviais e a
melhoria do transporte ferroviário, com a ressalva de que elas, por si só, ainda são insuficientes.

Essa modernização, aliada à grande competitividade e às pequenas margens de


lucro, pressionou deveras o setor do agronegócio a depender de volumosos recursos financeiros.
E nesse sentido, o mercado reagiu e foram criados ou reformulados os mecanismos para a
concessão do crédito e de financiamento da produção rural ou dos equipamentos nela utilizados.

A esse respeito, vale lembrar que o Brasil tem uma característica peculiar no
financiamento das operações do agronegócio. Aqui não somente as instituições financeiras (o
mercado financeiro) figuram como fontes de financiamento, tal como ocorre em outras
localidades. No Brasil também figuram como agentes financiadores do agronegócio: (i) a rede
geradora dos insumos, tais como as agroindústrias de fertilizantes, defensivos e sementes,
diretamente ou por meio de seus agentes, distribuidores ou representantes comerciais; (ii) as
cooperativas, de produtores ou de crédito; (iii) as comercial exportadoras; e (iv) as grandes
empresas do agronegócio, as agroindústrias.

Por tudo isso, o agronegócio brasileiro contempla a atuação de uma infinidade de


agentes, incluindo os profissionais da área do direito. E é a este público que também interessa a
presente discussão, auxiliando-os na obtenção de subsídios voltados à criação de pessoa jurídica
que opere no setor do agronegócio.
20

1.1. OS SISTEMAS DO AGRONEGÓCIO

A atividade rural, basicamente, é entendida como o desenvolvimento da


agricultura ou da pecuária. Esses são os termos mais antigos e utilizados quando se tem em mente
as questões ligadas ao campo. Em essência, tais termos estavam ligados ao setor primário da
economia, valendo-se da segregação clássica: setor primário (agricultura, pecuária e atividades
extrativistas), setor secundário (indústria e comércio atacadista) e setor terciário (varejo e
serviços).

Ocorre que, com o passar dos anos e do progresso tecnológico por que passou a
atividade rural, em especial na última metade de século passado, tais termos cederam espaço ao
agronegócio.

Em outras palavras, os fundamentos da agricultura ou da pecuária mudaram. Nesse


sentido é válido analisar ARAÚJO10:

(...) o conceito de setor primário ou de “agricultura” perdeu seu sentido, porque


deixou de ser somente rural, ou somente agrícola, ou somente primário. A
“agricultura” de antes, ou setor primário, passa a depender de muitos serviços,
máquinas e insumos que vêm de fora. Depende também do que ocorre depois da
produção, como armazéns, infra-estruturas diversas (estradas, portos e outras),
agroindústrias, mercados atacadista e varejista, exportação. Cada um desses
seguimentos assume funções próprias, cada dia mais especializadas, mas compondo
um elo importante em todo o processo produtivo e comercial de cada produto
agropecuário. Por isso, surgiu a necessidade de uma concepção diferente de
“agricultura”. Já não se trata de propriedades auto-suficientes, mas de todo um
complexo de bens, serviços e infra-estrutura que envolvem agentes diversos e
interdependentes.

Assim, nas palavras de COELHO11, o

agronegócio é o exemplo mais acabado do que os economistas chamam de “rede


negocial”, conceito baseado em estudos desenvolvidos desde os anos 1950, pelos
Profs. John Davies e Ray Goldberg, da Universidade de Harvard (“production

10
ARAÚJO, Massilon J. Fundamentos de Agronegócios. 4ª edição. São Paulo: Atlas, 2013. pp.15-16.
11
COELHO, Fábio Ulhoa. Prefácio. In MEDEIROS NETO, Elias Marques de. (coord.). Aspectos Polêmicos do
Agronegócio. Uma Visão Através do Contencioso. São Paulo: Castro Lopes, 2013. p. 10.
21

chain”) e na ciência econômica francesa (“filières”). Consiste num articulado


conjunto de contratos, operações financeiras e negócios, ligados à produção
agrícola.

Atualmente, os temas voltados ao agronegócio não se limitam ao setor primário.


Hoje, essa atividade é compreendida de uma maneira mais ampla e completa. Assim, o
agronegócio atravessa o setor primário, invadindo os demais setores produtivos, criando uma
verdadeira cadeia produtiva 12.

A cadeia produtiva do agronegócio também é conhecida como os Sistemas do


Agronegócio (SAGs) ou, em outra denominação, como as Cadeias Agroindustriais (CAIs) 13.

Os SAGs ou CAIs se formam por um emaranhado de agentes, os quais, por meio


de um entrelaçado de contratos, tutelam bens, direitos e obrigações do agronegócio. Há uma série
de contratos típicos e atípicos celebrados diariamente. Identificar e compreender os SAGs não é
tarefa das mais simples. Em alguns casos, sua compreensão requer o auxílio de profissionais
especializados no setor.

Os SAGs ou CAIs são também permeados de riscos, muito mais que em outros
setores da economia, já que a atividade do agronegócio, além dos riscos comumente inerentes ao
desenvolvimento das atividades empresariais de maneira geral, ainda envolve o risco do ciclo
agrobiológico das culturas ou das criações. O tratamento dado a tais particularidades também é
bastante complexo e a melhor alocação de tais riscos, reduzindo o grau de exposição às perdas do
empresário, é um tema tratado a seguir.

12
Segundo MENDES e PADILHA JUNIOR, o agronegócio é caracterizado pela “ (...) soma total das
operações de produção e distribuição de suprimentos agrícolas, das operações de produção nas unidades agrícola, do
armazenamento, do processamento e da distribuição dos produtos agrícolas e itens produzido com base neles. Estão
nesse conjunto, consequentemente, todos os serviços financeiros, de transporte, classificação, marketing, seguros,
bolsas de mercadorias, entre outros. Todas essas operações são elos de cadeias que se tornam cada vez mais
complexos á medida que a agricultura se modernizou e o produto agrícola passou a agregar mais e mais serviços que
estão fora da fazenda.” In MENDES, Judas Tadeu Grassi. PADILHA JUNIOR, João Batista. Agronegócio – Uma
Abordagem Econômica. São Paulo: Pearson Education, 2007. p. 48.
13
BURANELLO, Renato. Manual do Direito do Agronegócio. São Paulo: Editora Saraiva, 2013. p. 33.
22

Por tudo isso, nos dias atuais, não se pode pensar em agronegócio como sendo
somente aquela atividade de subsistência desenvolvida pelo pequeno produtor rural e sua família.
O agronegócio atual envolve uma infinidade de agentes, pessoas físicas e jurídicas produtoras
rurais, cooperativas, tradings, empresas de transporte e logística, indústrias de processamento de
alimentos, máquinas e equipamentos, seguros, monitoramento, e outras. Todas elas ligadas por
um emaranhado de contratos empresariais, ou até mesmo previstos no Direito Agrário
(arrendamento e parceria rural) que acabam por ser objeto de estudo do Direito do Agronegócio.

1.2. DIREITO DO AGRONEGÓCIO

Diante de todas as considerações anteriores, é possível confirmar que o


agronegócio brasileiro abrange as fases de produção, comercialização e consumo dos produtos
agrícolas. No entanto, ao buscar os diplomas legais voltados a tais atividades, o operador do
direito vai se deparar com praticamente dois sistemas bastantes distintos que tratam do tema: o
Direito Agrário e o Direito do Agronegócio propriamente dito.

Por oportuno, é importante fazer a distinção de tais institutos antes de se seguir


com a análise do tema. Isso porque, como se verá, tais institutos se valem de bases legais e
princípios próprios, sendo assim importante distingui-los.

O Direito Agrário é dotado de autonomia legislativa prevista na Constituição


Federal, voltando-se às relações de uso da terra, à reforma agrária e aos contratos agrários da
parceria e do arrendamento.

Segundo BURANELLO14, o Direito Agrário:

(...) forma um todo organizado, onde princípios informam a aplicação das regras, e
essas, assim como aqueles, relacionam-se entre si, devendo ser interpretados todos
em conjunto. Essas normas regulam a organização das pessoas e dos bens
envolvidos na consecução da atividade agrária, entendida, segundo a melhor

14
BURANELLO, Renato. Autonomia Didática do Direito do Agronegócio. In Direito do Agronegócio. (coord.)
São Paulo: Quartier Latin, 2011. pp. 29-31.
23

doutrina, como atividade centrada num ciclo ou processo de exploração econômica


da terra, a qual se constitui pela organização das pessoas e dos bens envolvidos na
produção de vegetais e de animais destinados ao consumo. Compreende, assim, as
realidades relacionadas ao trabalhador rural e à forma de utilização da terra
(reforma agrária, usucapião agrário e imposto territorial rural), abarcando ainda a
tutela subjetiva aos contratos agrários (arrendamento e parceria rural), sempre
dentro de um contexto geral da função social da propriedade. (...) dotado de
autonomia legislativa prevista na Constituição. A autonomia legislativa garante
autonomia científica e, por seguinte, didática. (...) Foi, porém, com a Constituição
Federal de 1988 (CF) que esse ramo especial teve significativa previsão, dedicando-
se um capítulo inteiro, dentro do título da ordem econômica, para a sua regulação.
Confirmando a especialidade, a sua autonomia legislativa, científica e didática, o
inc. I do art. 22 da Constituição atual é taxativo, pois dispõe que compete
privativamente à União legislar sobre Direito Agrário.

Já o Direito do Agronegócio não tem previsão específica constitucional, tampouco


autonomia legislativa. Ele é voltado à produção rural e as relações havidas entre os integrantes
dos elos das SAGs ou CAIs; ou seja, fornecedores de insumos, produtores rurais, armazenadores,
financiadores, distribuidores e comercializadores.

Portanto, ao se voltar às questões jurídicas do agronegócio, os operadores do


direito vão identificar a aplicação de vários ramos do direito. Nos dizeres de COELHO15:

(...) (o agronegócio) suscita questões em diversos ramos do direito. Além de seu


núcleo natural, em que se manifestam as ligadas às relações contratuais e creditícias
entre os produtores rurais e empresários atuantes no seguimento – afetas, portanto,
ao direito comercial -, também se projetam as questões do agronegócio sobre os
campos tributário, trabalhista, ambiental, criminal, processual e outros.

O Direito do Agronegócio abrange, em sua essência, todas as relações havidas em


cada uma das fases do ciclo produtivo. Desta forma, esse ramo do direito verdadeiramente está
conectado à atual fase da agricultura e da agropecuária, estando ligado às relações econômicas
dessas atividades16.

15
COELHO, Fábio Ulhoa. Prefácio. In MEDEIROS NETO, Elias Marques de. (coord.). Aspectos Polêmicos do
Agronegócio. Uma Visão Através do Contencioso. São Paulo: Castro Lopes, 2013. p. 9.
16
Segundo BURANELLO, “(...) utilizaremos a expressão Direito do Agronegócio para caracterizar o conjunto de
normas jurídicas que disciplina as relações intersubjetivas decorrentes da produção, armazenamento, comercialização
24

Visando delimitar as características do Direito do Agronegócio, pode-se considerar


que esse ramo do direito é um sub-ramo do direito empresarial, por valer-se de princípios
próprios, tais como: (i) a função social da cadeia agroindustrial; (ii) o desenvolvimento
agropecuário; (iii) a proteção da cadeia agroindustrial; e (iv) a integração das atividades da cadeia
agroindustrial.

De qualquer forma, independentemente das classificações apontadas


anteriormente, entende-se que o Direito do Agronegócio está ligado ao direito empresarial já que
faz parte de sua essência a geração de lucros por meio de uma atividade organizada e contínua. O
Direito do Agronegócio está, pois, vinculado aos conceitos econômicos do capitalismo, já que,
em sua essência, ele tutela a busca pela eficiência econômica.

Nas relações havidas entre os seus agentes, verifica-se que as partes estão sempre
buscando incorrer em menos dispêndios e auferir mais recursos, ou seja, obter o lucro. Sob esta
visão, portanto, o Direito do Agronegócio busca entender e tratar o risco das atividades
desenvolvidas empresarialmente, bem como a lucratividade das relações havidas entre os seus
partícipes, alocando-as de uns para os outros, de acordo com a característica de cada fase da
atividade do negócio.

E, diante deste cenário, que visa identificar, quantificar e mitigar riscos, além de
defender, buscar e maximizar as margens de lucro, é que atuam os envolvidos com o
agronegócio, especialmente os profissionais do direito, tratando de tais negócios jurídicos em
contratos de natureza totalmente empresarial17.

e financiamento do complexo agroindustrial. (...) Ainda na coligação econômico-funcional, entre as atividades


conexas, quanto às limitações à propriedade rural, dentre elas a tutela de direito ambiental, no respeito e conservação
dos recursos naturais, da biotecnologia e biossegurança no contexto das patentes vegetais. Tal acontece, também, na
relação destacada com o Direito Comercial, junto aos contratos comerciais, suas negociações internacionais, ou da
adoção de políticas especiais com efeitos nas relações de Direito Internacional ou, por fim, junto ao Direito do
Mercado Financeiro e de Capitais, por meio de instrumentos financeiros existentes e dos atuais títulos de
financiamento do agronegócio, na bancarização privada do agrobusiness brasileiro. In BURANELLO, Renato.
Autonomia Didática do Direito do Agronegócio.” In Direito do Agronegócio. (coord.) São Paulo: Quartier Latin,
2011. pp. 34-37.
17
O lucro como escopo dos contratos empresariais é elemento fundamental na sua formação e constituição. Nos
dizeres de FORGIONI, “O diferenciador marcante dos contratos comerciais reside no escopo de lucro de todas as
partes envolvidas, que condiciona o seu comportamento, sua ‘vontade comum’ e, portanto, a função econômica do
25

Em resumo, no Direito do Agronegócio são aplicáveis mecanismos advindos de


várias áreas do direito, que não somente o direito empresarial. O que se pretende é reforçar o
entendimento no sentido de - ainda que sofrendo a influencia de outros ramos do direito – o
Direito do Agronegócio é fundamentalmente ligado à atividade empresária, desenvolvida de
maneira contínua e organizada, profissionalmente e com o objetivo lucrativo.

Feitas as considerações a respeito do agronegócio brasileiro e sobre o direito que


lhe é aplicável, há que se verificar então a questão das atividades empresariais em sentido amplo,
para que, posteriormente, se possa verificar a questão do desenvolvimento de atividade
empresária no setor do agronegócio.

2. A ATIVIDADE EMPRESÁRIA

A atividade comercial se iniciou há muito tempo, tendo seu início com as trocas,
ou escambo. Esses eventos ocorriam de maneira ocasional e com poucos agentes. Portanto, não
se pode afirmar que havia uma economia verdadeira baseada puramente em trocas. Nesse sentido,
segundo HARARI18:

Uma economia baseada em favores e obrigações não funciona quando grandes


números de estranhos tentam cooperar. Uma coisa é fornecer assistência gratuita
para uma irmã ou vizinho; outra bem diferente é cuidar de estranhos que podem
nunca retribuir o favor. É possível recorrer ao escambo, mas ele só é eficiente
quando se troca uma gama limitada de produtos. Não serve para forma a base de
uma economia complexa.

Visando melhorar as relações de troca então existentes, a humanidade agregou a


tais relações o dinheiro. Ele veio a facilitar e fomentar verdadeiramente tais atividades e sim,
formar uma economia propriamente dita. O dinheiro, além de incrementar as trocas, passou a

negócio, imprimindo-lhe dinâmica diversa e peculiar” (destaques da autora). In FORGIONI, Paula A. Contratos
Empresariais – Teoria Geral e Aplicação. 2 ed. São Paulo: 2016. p. 38.
18
HARARI, Yuval Noah. Sapiens – Uma breve história da humanidade. 16ª ed. Porto Alegre: L&PM, 2016. p.
183.
26

permitir que seus agentes acumulassem riquezas. “Para sistemas comerciais complexos
funcionarem, algum tipo de dinheiro é indispensável.” 19

Neste momento, com a inclusão do dinheiro em suas variadas formas, estava


formado um campo para que o direito comercial se iniciasse. Alguns autores afirmam que ele
teve início com o feudalismo, no século XII, quando os comerciantes realizavam basicamente
troca de mercadorias. Essa relação de escambo realizada entre as pessoas estava baseada em
verdadeiros usos e costumes da época, enquanto o número de participantes de tais escambos não
era muito grande.

Conforme MARTINS20:

(...) os grupos sociais procuravam bastar-se a si mesmos, produzindo material de


que tinham necessidade ou se utilizando daquilo que poderiam obter facilmente na
natureza para a sua sobrevivência – alimentos, armas rudimentares, utensílios. O
natural crescimento das populações, com o passar dos tempos, logo mostrou a
impossibilidade desse sistema, viável apenas nos pequenos aglomerados humanos.
Passou, então, à troca dos bens desnecessários, excedentes ou supérfluos para
certos grupos, mas necessários a outros, pelos que esses possuíam e de que não
precisavam mas que eram úteis aos primeiros. Inegavelmente, a troca melhorou
bastante a situação de vida de vários agrupamentos humanos. Esses mais facilmente
poderiam adquirir bens de que careceriam, trocando-os pelos que não lhes eram
mais úteis.

Não havia, à época, nenhum conjunto ordenado de normas que regulasse as


relações de troca havidas entre os agrupamentos humanos. Tais regras, quando existentes, eram
esparsas, muito mais relacionadas a costumes do que propriamente a um ordenamento. Foi o que
aconteceu anteriormente com os fenícios, os gregos (em relação ao câmbio marítimo) e aos
trapezistas (considerados os primeiros banqueiros) 21.

19
HARARI, Yuval Noah. Sapiens – Uma breve história da humanidade. 16ª ed. Porto Alegre: L&PM, 2016. p.
186.
20
MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. 40ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 1.
21
A respeito desse tema, REQUIÃO aponta que “O direito comercial surgiu, fragmentariamente, na Idade Média,
pela imposição do desenvolvimento do tráfico mercantil. É compreensível que nas civilizações antigas, entre as
regras rudimentares do direito imperante, surgissem algumas para regular certas atividades econômicas. Os
historiadores encontraram normas dessa natureza no Código de Manu, na Índia; as pesquisas arqueológicas, que
27

A verdadeira normatização das relações comerciais é mais recente, tendo tomado


vida com as codificações do direito comercial. A primeira e mais importante delas, verdadeiro
marco deste direito, se deu na França com o Codigo de Commerce, promulgado em 15 de
setembro de 1807, que entrou em vigor em 1º de janeiro de 1808, também conhecido por Código
Mercantil Napoleônico, no qual as regras aplicáveis ao direito comercial foram normatizadas,
valendo-se da teoria dos atos de comércio22.

No entanto, pela dificuldade da inserção de todos os agentes envolvidos nas


operações comerciais, bem como da incompletude em relação às outras operações como, por
exemplo, as relativas a imóveis e os prestadores de serviços, essa teoria acabou por ser superada
pela teoria da empresa23.

Essa teoria surgiu na Itália com a entrada em vigor, em 1942, do Codice Civile,
que passou a disciplinar a matéria civil e a matéria comercial. A partir desta alteração no
ordenamento jurídico italiano, a atividade econômica ganha uma visão de direito privado e acaba
sendo mais adequada às atividades empresariais desenvolvidas à época.

revelaram a Babilônia aos nossos olhos, acresceram à coleção do Museu do Louvre a pedra em que foi esculpido há
cerca de dois mil anos a. C. o Código do Rei Hammurabi, tido como a primeira codificação de leis comerciais. São
conhecidas diversas regras jurídicas, regulando instituições de direito comercial marítimo, que os romanos acolheram
dos fenícios, denominadas Lex Rhodia de Iactu (alijamento), ou institutos como o foenus mauticum (câmbio
marítimo). Mas essas normas ou regras de natureza legal não chegaram a formar um corpo sistematizado, a que se
pudesse denominar ‘direito comercial’. In REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 1º vol. 33ª edição. São
Paulo: Saraiva, 2014. p. 32.
22
COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Direito de Empresa. Vol. 1. 20ª edição. Vol. 1. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2016. p. 35.
23
Conforme ensina MARTINS, “Inicialmente, um só indivíduo podia realizar os atos necessários para a circulação
das mercadorias, servindo de intermediário entre o produtor e o consumidor. Desenvolvendo-se o tráfico de
mercadorias, tornou-se indispensável a existência de mais de uma pessoa para a realização das atividades
intermediárias, nascendo daí as sociedades empresárias em que, segundo a concepção primitiva dos Códigos, várias
pessoas “negociavam em comum” (Código Comercial, art. 315); só mais tarde foi reconhecida a personalidade
jurídica das sociedades, mas, ainda hoje, em alguns países (Alemanha, Inglaterra) não possuem personalidade
jurídica, sendo os seus sócios considerados comerciantes que se agregam apenas para reunir maiores capitais, repartir
encargos e usufruir lucros, mas cada um se caracterizando como um comerciante, ou seja, respondendo com seu
patrimônio pelas obrigações assumidas.” In MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. 40ª edição. Rio de
Janeiro: Forense, 2017. p. 9.
28

Segundo COELHO24:

A teoria da empresa é, sem dúvida, um novo modelo de disciplina privada da


economia, mais adequada à realidade do capitalismo superior. Mas por meio dele
não se supera, totalmente, um certo tratamento diferenciado das atividades
econômica. O acento da diferenciação deixa de ser posto no gênero da atividade e
passa para a medida de sua importância econômica. Por isso é mais apropriado
entender a elaboração da teoria da empresa como o núcleo de um sistema novo de
disciplina privada da atividade econômica e não como expressão da unificação dos
direitos comercial e civil.
(...)

Conceitua-se empresa como sendo atividade, cuja marca essencial é a obtenção de


lucros com o oferecimento ao mercado de bens ou serviços, gerados estes mediante
organização dos fatores de produção (força de trabalho, matéria-prima, capital e
tecnologia). Esse modo de conceituar empresa, em torno de uma peculiar atividade,
embora não seja totalmente isento de imprecisões (...) é corrente hoje em dia entre
os doutrinadores.

Atualmente, a doutrina entende que o direito comercial está atrelado à teoria da


empresa. Com isso, tem relação com a prática de atos com o intuito de se obter lucros. Segundo
MARTINS25, “Essa é a teoria mais aceitável para melhor compreensão do campo de atuação do
Direito Comercial”.

No que diz respeito especificamente ao Brasil, o nosso ordenamento jurídico


adotou inicialmente a teoria dos atos do comércio na normatização da atividade empresária.
Exemplo disso é o Código Comercial Brasileiro, em 1850: muito embora referido diploma legal
não tenha mencionado os atos do comércio de maneira categórica, o seu conteúdo estava
totalmente vinculado à aludida teoria.

No mesmo sentido, a Lei de Luvas, de 1937, seguiu a mesma teoria, já que


concedia exclusivamente a comerciantes e industriais o direito ao recebimento de fundo de
comércio e renovação de contratos de aluguéis.

24
COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Direito de Empresa. Vol. 1. 20ª edição. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2016. pp. 37-38.
25
MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. 40ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 34.
29

A teoria da empresa somente passou a ser encampada pelo direito brasileiro


positivo com a aprovação do Código Civil de 2002, que marcou a alteração do sistema francês
(teoria dos atos do comércio) para o sistema italiano (teoria da empresa).

A esse respeito, reproduza-se o entendimento de WAISBERG26,

O Código Civil (CC) de 2002 consagrou no Direito Positivo brasileiro a teoria da


empresa, trazendo ao centro da análise a empresa, e não mais o comerciante. Assim,
substitui-se a teoria dos atos do comércio, que definia o agente econômico sujeito às
normas mercantis com base no exercício da produção e comércio de bens. Tal teoria
deixava de fora da qualificação agentes importantes, como os prestadores de
serviço, os agentes de construção e do ramo imobiliário, o agronegócio, e outros.

Com o avanço da economia de mercado, não fazia sentido diferenciar os agentes


econômicos do ponto de vista jurídico entre comerciantes e não comerciantes para
feito de definição de seu regime.

O conceito de empresa é basicamente econômico. É uma situação fática do mundo


da economia, com a organização dos fatores de produção para um fim econômico.
É algo dinâmico, em constante movimento, formando o coração do sistema
capitalista.

No mesmo sentido CAMARGO27 se posiciona:

(...) com o advento do Código Civil de 2002 (“CC/02”), (é) que passamos a ter um
novo regramento sobre o direito empresarial brasileiro, trazendo para o centro das
discussões a própria atividade empresarial, organizada, profissional, voltada ao
mercado e ao lucro. É ela que precisa ser protegida em razão dos interesses que
congrega.

Visando clarificar o que o ordenamento jurídico brasileiro tutelou, veja-se a


redação do artigo 966 do Código Civil:

26
WAISBERG, Ivo. A Viabilidade da Recuperação Judicial do Produtor Rural. In Direito das Empresas em
Crise. Revista do Advogado. Ed. 131. São Paulo: AASP, 2016. pp. 84-85.
27
CAMARGO, André Antunes Soares de. Direito Societário. In Direito Empresarial Brasileiro. Avanços e
Retrocessos. (coord.). São Paulo. Almedina, 2014. p. 41.
30

“Artigo 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade


econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços.

Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de


natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou
colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.”

A análise de referido dispositivo é fundamental para verificar e confirmar que


empresária é a atividade, não uma pessoa física ou uma pessoa jurídica. Conforme redação do
dispositivo anterior, a definição de atividade empresarial restou positivada, afastando-se, de vez,
considerações a respeito dos atos do comércio28.

COELHO29, ao tratar da questão empresária, afirma que “empresário é a pessoa que


toma a iniciativa de organizar uma atividade econômica de produção ou circulação de bens ou serviços.
Essa pessoa pode ser tanto física, que emprega seu dinheiro e organiza a empresa individualmente, como a
jurídica, nascida da união de esforços de seus integrantes.”

Já nas palavras de REQUIÃO30,

O empresário é o sujeito que exercita a atividade empresarial. É ainda, como


observa Ferri, no todo ou em parte, o capitalista: desenvolve ele uma atividade
organizada e técnica. É um servidor da organização de categoria mais elevada, à
qual imprime o selo de sua liderança, assegurando a eficiência e o sucesso do
funcionamento dos fatores organizados.

28
Segundo COELHO, “O Código Civil define empresário como o profissional exercente de atividade econômica
organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços (art. 966), sujeitando-o às disposições de lei
referentes à matéria mercantil (art. 2.037). Exclui do conceito de empresário o exercente de atividade intelectual, de
natureza científica, literária ou artística, mesmo que conte com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se
constituir o exercício da profissão elemento de empresa (art. 966, parágrafo único). Esse dispositivo alcança, grosso
modo, o chamado profissional liberal (advogado, dentista, médico, engenheiro etc.), que apenas se submete ao
regime geral da atividade econômica se inserir a sua atividade específica numa organização empresarial (na
linguagem normativa, se for “elemento de empresa”). Caso contrário, mesmo que empregue terceiros, permanecerá
sujeito somente ao regime próprio de sua categoria profissional. Em situação diversa, encontram-se os empresários
rurais, que são dispensados de inscrição no registro de empresa e dos demais deveres impostos aos inscritos (art.
970). Não são, por evidente, excluídos do conceito de empresário, tal como os profissionais liberais, mas podem, por
ato unilateral de vontade (inscrição no registro de empresa), ingressar ou não no regime geral de disciplina da
atividade econômica.” In COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Direito de Empresa. Vol. 1. 20ª
edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 43.
29
COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Direito de Empresa. Vol. 1. 20ª edição. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2016. p. 104.
30
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 1º vol. 33ª edição. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 113.
31

Dois elementos fundamentais – destacam geralmente os autores – servem para


caracterizar a figura do empresário; a iniciativa e o risco. O poder de iniciativa
pertence-lhe exclusivamente: cabe-lhe, com efeito, determinar o destino da
empresa e o ritmo de sua atividade.

Ou seja, diante de todos esses apontamentos, entende-se que empresária é a


atividade organizada, desenvolvida por pessoas físicas ou jurídicas, de maneira profissional,
habitual, com o objetivo de se obter lucros.

Especificamente, em relação à atividade rural, é atividade empresarial rural aquela


desenvolvida por pessoa física (empresário – pessoa física) ou jurídica (empresa individual ou
sociedade empresarial do agronegócio) que tenha, como atividade principal, o desenvolvimento
de alguma atividade empresarial voltada ao cultivo de plantas ou à criação de animais.

Em outras palavras, o direito do agronegócio está relacionado à atividade


empresária no ramo da agricultura ou da pecuária, sendo-lhes aplicáveis os princípios e normas
relativas a tal atividade.

A distinção entre as atividades empresariais e as civis é fundamental. É essa


diferenciação que faz com que direitos adicionais sejam garantidos aos desenvolvedores das
atividades empresariais. A saber, assegura-se a tais pessoas, sejam elas físicas ou jurídicas, o
direito à recuperação judicial e à falência 31.

31
Para COELHO, a diferenciação de tais atividades gera diferentes consequências: “No direito positivo vigente,
hoje, no Brasil, são duas as importantes consequências da configuração de certa atividade econômica como sujeita ao
direito comercial: de um lado, a execução judicial concursal do patrimônio do empresário por meio de procedimento
próprio, isto é, a falência, e, de outro, a possibilidade de requerer a recuperação judicial da empresa ou a
homologação da recuperação extrajudicial. Nenhuma outra distinção de relevo, quanto ao regramento de suas
relações com os demais particulares, separa hoje os empresários e os exercentes das atividades civis (profissionais
intelectuais, cooperativas e empresários rurais não inscritos no registro das empresas). Claro que há, pontualmente,
algumas outras diferenças de tratamento, a exemplo das chamadas obrigações comuns aos empresários (escrituração,
levantamento de balanços), ou a da prova do vínculo contratual e do efetivo cumprimento das obrigações como
requisito para o protesto por indicações de duplicata de prestação de serviços, condição inexistente para a duplica
mercantil. Mas, de qualquer forma, em termos gerais, ao contrário do que se verificava no passado, sob a égide da
teoria dos atos do comércio, é cada vez mais dispensável discernir a natureza civil ou empresária do exercente de
atividade econômica, para aplicar o direito em vigor no Brasil.” In, COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito
Comercial. Direito de Empresa. Vol. 1. 20ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 44-45.
32

Note-se: a diferenciação da atividade empresarial não se diferencia da civil apenas


pelo lucro, mas por seus meios.

Nesse sentido, verifiquem-se os ensinamentos de BULGARELLI32:

E é por isso que não se aceita mais como razão determinante da autonomia
científica do direito comercial a distinção entre a matéria civil e a comercial, através
do critério do lucro. Isto porque o caráter especulativo não é exclusivo das
operações mercantis, existindo em todas as atividades econômicas. Em
consequência, não se pode concluir que o lucro seja critério distintivo entre as
atividades civis e mercantis.

O que distingue a atividade civil da comercial são os meios utilizados para a


obtenção do lucro. Este pressupõe, no comércio, operações de transformação ou de
circulação de riqueza; portanto de intermediação, ausente nas atividades civis.

2.1. O AGRONEGÓCIO E A ATIVIDADE EMPRESÁRIA

Com a evolução do desenvolvimento das atividades empresariais no setor do


agronegócio, cedo ou tarde, a questão da criação ou não de uma empresa individual ou sociedade
empresária virá à tona, sendo a sua compreensão o resultado natural desta evolução.

E é neste momento que os profissionais do direito irão se deparar com a questão: o


que é melhor? Desenvolver a atividade rural na pessoa física ou por meio de uma pessoa jurídica
constituída para esta finalidade? Neste último caso, quais são os tipos societários disponíveis para
esta situação?

A resposta, com se verá adiante, não é tão simples. Para alcançá-la, é necessário
analisar uma série de fatores que envolvem os casos específicos para a tomada de decisão. E este
é o propósito do presente estudo: analisar grande parte das variáveis que envolvem a decisão
acima, em especial as voltadas ao direito societário.

32
BULGARELLI, Waldirio. Direito Comercial. 16ª edição. São Paulo: Atlas, 2001. p. 57.
33

Com efeito, o tema em questão, no mais das vezes, se inicia com questões do
ponto de vista fiscal. No entanto, precipuamente, pelo menos no campo do direito, a questão da
“pejotização”33 deve ser analisada, primordialmente, sob o ponto de vista societário.

Ocorre que ao se pretender transferir as atividades agroindustriais desenvolvidas


pela pessoa física para uma pessoa jurídica, a primeira questão que deve ser colocada é a
possibilidade de se limitar os riscos envolvidos com a atividade rural desenvolvida. Com esse
viés de mitigação de riscos, as questões envolvidas dizem respeito aos mecanismos contratuais ou
societários disponíveis no ordenamento jurídico brasileiro para a criação de tal limitação?

Em segundo questionamento, o que se coloca é: como fica a estrutura de poder que


passará a existir com a constituição de uma pessoa jurídica? Como serão tomadas as decisões
empresariais no âmbito de uma pessoa jurídica? Em outras palavras, quem são as pessoas ou,
quais são os mecanismos de poder existentes dentro desta pessoa jurídica para que as decisões
presentes e futuras venham a ser tomadas? Como então vai ficar a relação com funcionários,
credores, devedores e demais agentes que, em um primeiro momento, se relacionam com o
agricultor ou pecuarista? Quais são as obrigações que surgem quando da criação destas pessoas
jurídicas?

Mais: e a questão da titularidade ou propriedade das terras envolvidas no


desenvolvimento desta atividade rural? Permanecem de titularidade das pessoas físicas ou devem
ser levadas à pessoa jurídica a ser constituída? Devem ser levadas à mesma pessoa jurídica
constituída para o desenvolvimento da atividade agroindustrial?

2.2. OBRIGAÇÕES GERAIS DO EMPRESÁRIO

São empresárias as sociedades que se destinam à perseguição do lucro por meio do


desenvolvimento de uma atividade empresarial. MARTINS34 denomina “sociedade empresária a

33
O termo “pejotização” significa transferir a atividade econômica da pessoa física para a pessoa jurídica e é muito
utilizado no jargão comum do setor agrícola.
34
MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. 40ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 147.
34

organização proveniente do acordo de duas ou mais pessoas, que pactuam a reunião de capitais e
trabalho para um fim lucrativo”.

Os empresários, pessoas físicas ou jurídicas, ao se caracterizarem desta forma,


estão sujeitos ao cumprimento de determinadas obrigações.

2.2.1. REGISTRO DE EMPRESÁRIO

A primeira destas obrigações, que em verdade faz surgir a figura do empresário a


terceiros é o seu registro público. Essa obrigação surgiu desde os primórdios do direito comercial
e se mantém até hoje, conforme se pode verificar nas palavras de REQUIÃO35:

Desde cedo, no comércio, sentiu-se a necessidade de memorizarem-se


acontecimentos da vida mercantil, através de registros nas corporações dos
mercadores. O registro primitivo tinha efeito, sobretudo, de publicidade, a fim de
proteger tanto o público como o sujeito da inscrição. Esse registro pertencia ao
âmbito do direito público e serviu em parte como matrícula da corporação, onde
eram inscritos os comerciantes que a formavam, seus dependentes e aprendizes,
bem como as marcas que utilizavam em seu negócio. As corporações também
registravam os assentos e decisões de seus juízes consulares, cujo conjunto, como já
estudamos, era denominado estatuto. (...)

Modernamente, o registro público tornou-se peça importante da vida social, tanto


no setor civil como no comercial. Assim como se exige que o indivíduo seja
registrado ao nascer, e inscreva no Registro Civil os atos marcantes de sua vida até
a morte, pelo mesmo motivo de disciplina jurídica se facultam ao comerciante
certos registros. Entretanto, tais são os efeitos negativos e perniciosos para o
empresário decorrentes da falta de registro – por exemplo, a impossibilidade de
manter contabilidade legal, tratamento tributário mais rigoroso – que se vai
tornando exceção a abstenção do registro.

Existem, em nosso direito, duas espécies de registro público, de especial interesse


para as atividades mercantis: o Registro Público de Empresas Mercantis e
Atividades Afins, anteriormente denominado Registro do Comércio, simplesmente e
o Registro de Propriedade Industrial.
(...)

35
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 1º vol. 33ª edição. São Paulo: Saraiva, 2014. pp. 153-157.
35

Vale lembrar que este registro é recomendável que ocorra antes que o empresário
inicie suas atividades. Isso porque é com este registro que tanto o empresário individual, como a
sociedade empresária, passam a existir junto aos órgãos de registro empresarial e, posteriormente,
fiscal36.

Somente após esse registro é que o empresário individual ou a sociedade


empresária dá publicidade a terceiros de sua existência. Antes não.

As Juntas Comerciais, que são órgãos estaduais, relativas a cada um dos Estados
da União têm funções essencialmente executivas. Sua competência administrativa destina-se a
praticar, basicamente, os atos de: matrícula, arquivamento e autenticação.

Os atos de matrícula destinam-se a manter o registro ou cancelamento deste de


profissionais que atuam em atividades sujeitas à fiscalização da Junta. A matrícula é aplicável aos
tradutores, aos leiloeiros e aos intérpretes comerciais. Já os atos de arquivamento, destinam-se
aos atos societários levados a registro, tais como os contratos sociais, os estatutos sociais, as atas
de reuniões de sócios e assembleares. Por fim, os atos de autenticação estão relacionados aos
livros de registro das operações empresariais. Aplicam-se aos livros, balanços e às demonstrações
financeiras elaboradas pelas sociedades empresárias.

36
Nas palavras de ROVAI, “Como estabelece a lei, o registro público de empresas mercantis é executado em todo
Brasil por meio das Juntas Comerciais. Cada Estado da Federação possuía sua junta, cuja finalidade é de dar
garantia, publicidade, autenticidade, segurança e eficácia aos atos jurídicos das empresas (individuais e coletivas),
cadastrando e atualizando suas informações.” In, ROVAI, Armando Luiz. Registro Público das Empresas. In
Tratado de Direito Comercial. Vol. 1. (autor). São Paulo: Saraiva, 2015. p. 237.
Segundo REQUIÃO, “O Registro Público de Empresas Mercantis é exercido em todo o território nacional, de forma
sistêmica, por órgãos federais e estaduais, com a finalidade de: dar garantia, publicidade, autenticidade, segurança e
eficácia aos atos jurídicos das empresas mercantis, submetidos a registro; cadastrar as empresas nacionais e
estrangeiras em funcionamento no País e manter atualizadas as informações pertinentes; proceder às matrículas dos
agentes auxiliares do comércio, bem como ao seu cancelamento. O Registro Público das Empresas Mercantis serão
exercidos (...) pelo Sistema Nacional de Registro de Empresas Mercantis (SIN-REM), composto pelos seguintes
órgãos: I – o Departamento Nacional de Registro de Comércio, órgão central do SINREM, com funções supervisora,
orientadora e normativa, no plano técnico; e supletiva, no plano administrativo; II – Juntas Comerciais, como órgãos
locais, com funções executora e administradora dos serviços de registro.” In, REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito
Comercial. 1º vol. 33ª edição. São Paulo: Saraiva, 2014. pp. 158-159.
36

Os membros das Juntas comerciais são denominados de vogais.

Atualmente, somente as sociedades empresárias podem se registrar em uma Junta


Comercial. As demais sociedades devem buscar seu registro junto ao Registro Civil de Pessoas
Jurídicas e as destinadas aos serviços de advocacia junto à Ordem dos Advogados do Brasil.

O Departamento de Registro Empresarial e Integração (DREI) - que sucedeu o


Departamento Nacional do Registro do Comércio (DNRC) - tem competência para executar e
supervisionar o registro das empresas. Esse Departamento baixa regras e instruções, bem como
elabora respostas às consultas efetuadas pelos empresários em relação ao registro empresarial.

Especificamente em relação ao empresário individual rural, vale ressaltar que a sua


inscrição de empresário é facultativa, nos termos do artigo 971 do Código Civil. Ou seja, o
empresário do setor rural tem esse benefício de optar por se inscrever ou não junto aos órgãos do
comércio.

Verifique-se que a condição do empresário rural é singular. A esse respeito,


BORBA37 ensina que

Permitiu o Código que o empresário rural e o pequeno empresário fossem excluídos


da condição formal de empresário.

Com relação ao empresário rural, a solução adotada pelo legislador foi


singularíssima, tanto que, por um lado, permitiu a sua exclusão da condição de
empresário (art. 970), e, por outro, permitiu que o empresário rural, mediante
registro na Junta Comercial (art. 971), adquirisse a qualificação plena de
empresário.

A sociedade com atividade rural, se não for empresária – vale dizer, se não contar
com uma organização -, será necessariamente uma sociedade simples. Dotada de
organização, poderá optar, livremente, entre a condição de sociedade simples e a
condição de sociedade empresária.

Para qualificar-se como sociedade empresária, não poderá revestir a forma típica de
sociedade simples, e, se esta for a sua forma, cumprirá transformar-se para, em
seguida, requerer a sua inscrição no Registro de Empresas.

37
BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 21.
37

Se e enquanto não requerer a sua inscrição no Registro de Empresas, deverá a


sociedade rural inscrever-se no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, assim
assegurando a sua condição de sociedade simples.

Vale lembrar, como visto, que o registro público dos empresários individuais, da
empresa individual e sociedades empresárias tem, atualmente, como objetivo principal, dar
publicidade de tais sociedades ou indivíduos a terceiros. Esse registro não tem o condão de
constituir direito algum.

Ou seja, ainda que a sociedade empresária ou o empresário individual não se


registrem junto aos competentes órgãos de registro, eles não perdem a qualidade empresarial 38.

No entanto, ainda assim, é importante frisar que a falta de registro da sociedade


empresária ou da EIRELI junto aos órgãos de registro acarreta na falta de limitação de
responsabilidade dos sócios pelas obrigações da pessoa jurídica.

Ademais disso, tais sociedades ou EIRELI sem registro, portanto, irregulares, não
têm o direito de pleitear a falência de outro comerciante e não pode, da mesma forma, requerer a
si recuperação judicial.

E as limitações às pessoas jurídicas não registradas não param por aqui. Tais
entidades também ficam impedidas de obter o registro junto ao Ministério da Fazenda, ou seja,
junto ao Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ).

38
Nesse sentido, verifique-se também REQUIÃO: “É preciso acentuar que o registro dos atos de comércio não é
constitutivo de direitos. Assim, por exemplo, a inscrição de firma individual, ou de contrato social, não assegura a
qualidade de comerciante, pelo só efeito do registro (nº 4 supra). Essa qualidade constante do registro pode ser
elidida por qualquer prova em contrário. Como ensina von Gierke, no direito germânico, “segundo a doutrina
dominante, não se cria, com o registro, uma presunção de direito”, e o mais acertado será, acentua ele, que se
considere que a inscrição constitua uma prova prima facie. Mas o efeito da inscrição e publicidade decorrente de um
ato que se deva inscrever produz seus efeitos frente a terceiros, porém não há “fé pública” nesse registro e
publicidade. Podem ser elididos, vale repetir, em face de melhor prova.” In, REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito
Comercial. 1º vol. 33ª edição. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 171.
38

2.2.2. ESCRITURAÇÃO CONTÁBIL E BALANÇO PATRIMONIAL

É importante ressaltar também que os empresários (pessoas físicas e jurídicas)


passam também a estar obrigados a efetuar regular escrituração contábil de suas operações,
observando-se segundo PEREIRA39, “(...) as normas contidas no Código Civil (Lei n.
10.406/2002) e na Lei das Sociedades Anônimas (Lei n. 6.404/76)”.

No mesmo lanço, também ficam obrigados a preparar as demonstrações


financeiras de sua atividade. Ou seja, os empresários devem levantar balanços patrimoniais e
demonstração de resultado de sua atividade. Esse é um dos principais fatores que afastam os
empresários dos demais exercentes de atividades civis.

Tais obrigações têm função específica. Elas devem ser cumpridas por todos os
empresários, uma vez que seu cumprimento destina-se à proteção deles mesmos, empresários,
como também de todos os agentes que se relacionam com esta atividade empresária. Ou seja, o
registro empresarial, a escrituração contábil e a preparação de demonstrações financeiras
interessam a outros agentes, tais como os demais credores da sociedade, os funcionário, ao fisco,
e ainda, à própria sociedade em que atua40.

39
PEREIRA, Alexandre Demetrius. A Contabilidade Empresarial. In Tratado de Direito Comercial. Vol. 1.
(autor). São Paulo: Saraiva, 2015. p. 261.
40
Os relatórios contábeis podem ser melhor compreendidos pelos ensinamentos de PEREIRA: “Um dos objetivos
principais dos relatórios contábeis é evidenciar a posição patrimonial e financeira da entidade empresarial. Para
tanto, os relatórios contábeis fazem uso de contas que representam os bens e direitos da entidade (ativos), suas
dívidas e obrigações (passivos), e a diferença entre o ativo e o passivo (patrimônio líquido).” In, PEREIRA,
Alexandre Demetrius. A Contabilidade Empresarial. In Tratado de Direito Comercial. Vol. 1. (autor). São Paulo:
Saraiva, 2015. p. 262.
A respeito da sua obrigatoriedade, REQUIÃO ensina que “(...) O Código Civil, nos arts. 1.179 e segs., passou a
regular, em parte, a matéria principiante por dispor: ´O empresário e a sociedade empresária são obrigados a seguir
um sistema de contabilidade, mecanizado ou não, com base na escrituração uniforme de seus livros, em
correspondência com a documentação respectiva, e a levantar anualmente o balanço patrimonial e o resultado
econômico’. (...) A regra do art. 1.179, parágrafo 2º, pela sistemática do Código Civil, está dirigida ao empresário¸
definido nos arts. 966 e 968 (ou seja, à antiga firma individual ou empresa individual) e ao empresário rural. (...) O
empresário e a sociedade empresária, portanto, nos termos do disposto no Código Civil, são obrigados: 1º A seguir
uma ordem uniforme de contabilidade e escrituração, a ter os livros para esse fim necessários; 2º A autenticar no
Registro Público de Empresas Mercantis todos os livros e fichas, cujo registro for expressamente exigido pelo
Código, antes de postos em uso (art. 1.811); 3º A conservar em boa guarda toda a escrituração, correspondência e
mais papéis pertencentes ao giro de seu comércio, enquanto não prescreverem as ações que lhe possam ser relativas
(art. 1.194); 4º A elaborar anualmente um balanço patrimonial e de resultado econômico, com o primeiro devendo
exprimir, com fidelidade e clareza, a situação real da empresa e, atendidas as peculiaridades desta e as disposições de
39

Da mesma forma como acontece no registro público do empresário individual ou


da sociedade empresária, o descumprimento das mencionadas obrigações não gera, de plano,
qualquer repercussão penal.

No entanto, ainda que o Código Civil não preveja a aplicação de qualquer pena,
essa falta de organização empresarial (ausência de escrituração contábil e/ou de demonstrações
financeiras) pode ter sanções em outras esferas.

É o que acontece no caso da Lei de Falências, que é automaticamente considerada


fraudulenta na “inexistência de livros obrigatórios”. Também, como elemento desmotivador ao
não cumprimento das obrigações relacionadas à escrituração comercial, o direito tributário
também prevê um agravamento no montante de tributos a recolher.

Caso as autoridades fiscais venham a fiscalizar um empresário individual ou uma


sociedade empresária e, nesta oportunidade, não consigam acesso aos livros contábeis, ou, tiver
acesso e julgá-la imprestável, ele procederá ao arbitramento do lucro tributável, situação,
certamente mais gravosa ao contribuinte.

Por fim, cumpre ressaltar que manutenção de uma escrituração regular e em


consonância com as operações desenvolvidas pelo empresário individual ou a sociedade
empresária servem de prova plena. Para tanto, a escrituração não pode conter vícios ou ilicitudes,
registros incorretos ou falsos41.

leis especiais, indicar, indistintamente, o ativo e o passivo (art. 1.188), bem como o balanço de resultado econômico,
ou demonstração da conta de lucros e perdas, que acompanhará o balanço patrimonial e dele constarão crédito e
débito, na forma da lei especial (art. 1.189).” In REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 1º vol. 33ª
edição. São Paulo: Saraiva, 2014. pp. 218-219.
41
Ensina REQUIÃO que: “Essas regras foram enfeixadas no art. 226 do Código Civil, onde se dispõe sobre os livros
e fichas dos empresários provam contra as pessoas a que pertencem e, em seu favor, quando, escriturados sem vício
extrínseco ou intrínseco, forem confirmados por outros subsídios. Acrescentou-se, no parágrafo único, que a prova
resultante dos livros e fichas não é bastante nos casos em que a lei exige escritura pública, ou escrito particular
revestido de requisitos essenciais, e pode ser ilidida pela comprovação da falsidade ou inexatidão dos lançamentos.”
In REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 1º vol. 33ª edição. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 245.
40

Ressalte-se que, a partir do ano de 2006, a elaboração dos livros obrigatórios de


escrituração das atividades empresariais é obrigatoriamente feita por em meios eletrônicos. Tais
livros, depois de escriturados eletronicamente, são autenticados eletronicamente pelas Juntas
Comerciais por meio dos Certificados Eletrônicos, tudo em conformidade com a Infraestrutura
Brasileira de Chaves Públicas.

Nesse sentido ainda, as sociedades limitadas estão sujeitas à elaboração de um


balanço geral do ativo e do passivo, além da demonstração de resultado, sempre com base nas
regras de contabilidade geralmente aceitas. Tudo em conformidade com os artigos 1.188 e 1.185
do Código Civil.

No entanto, para as sociedades anônimas e para as sociedades limitadas de grande


porte, o balanço patrimonial deverá ser elaborado de maneira bem mais completa, onde as contas
do ativo e do passivo e ainda do patrimônio líquido devem conter diversos subgrupos os quais,
existem, para diferenciar a liquidez de tais bens, direitos e obrigações. Além de tais livros, a
legislação ainda obriga tais sociedades a elaborarem os demonstrativos de lucros e prejuízos
acumulados, os fluxos de caixa, o resultado do exercício e a demonstração de valor adicionado.

2.3. O EMPRESÁRIO INDIVIDUAL DO AGRONEGÓCIO

Conforme já apontado anteriormente, o presente estudo está vinculado ao direito


do agronegócio. Portanto, as considerações aqui feitas visam estabelecer os contornos conferidos
pelo direito societário, em especial em relação à constituição ou não de uma pessoa jurídica para
o desenvolvimento das atividades da agropecuária, pelo empresário individual do agronegócio.

Como ponto de partida, retome-se a ideia de que as atividades da agricultura e da


pecuária no Brasil são desenvolvidas pelas pessoas físicas, de duas maneiras distintas.
41

De um lado, a agricultura familiar42, de subsistência, praticada por pequenos


produtores rurais em pequenas propriedades, cuja legislação aplicável encontra-se
consubstanciada no Estatuto da Terra e no Código Civil, em seus artigos 971 a 98443.

E, de outro lado, a atividade empresarial rural propriamente dita, assim entendida


aquela atividade desenvolvida pelo empresário rural, pessoa física - que busca seu registro de
empresário nas Juntas Comerciais -, pelos pequenos e médios produtores rurais e pelas grandes
empresas do setor, as agroindústrias, todos integrantes da cadeia do agronegócio.

Sobre a divisão ora em comento, verifique-se o entendimento de COELHO44:

As atividades rurais, no Brasil, são exploradas de dois tipos radicalmente diferentes


de organizações econômicas. Tomando-se a produção de alimentos, por exemplo,
encontra-se na economia brasileira, de um lado, a agroindústria (ou agronegócio) e,
de outro, a agricultura familiar. Naquela, emprega-se tecnologia avançada e mão-
de-obra assalariada (permanente e temporária), há a especialização de culturas em
grandes áreas de cultivo; na familiar, trabalham o dono da terra e seus parentes, um
ou outro empregado, e são relativamente mais diversificadas as culturas e menores
as áreas de cultivo. (...) Em vista destas características da agricultura brasileira, o
Código Civil de 2002 reservou para o exercente da atividade rural um tratamento
específico (arts. 971 e 984). Ele está dispensado de requerer sua inscrição no
registro de empresas, mas pode fazê-lo. Se optar por se registrar na Junta
Comercial, será considerado empresário e submeter-se-á ao regime correspondente.

42
Segundo BURANELLO, “No Brasil, os agricultores familiares são de fato pequenos agricultores, representando o
tamanho das propriedades, uma das mais fortes restrições para o crescimento sustentável da agricultura familiar.
Como foi visto, um número significativo de estabelecimentos familiares são minifúndios que não oferecem
condições apropriadas para a sobrevivência familiar. O outro traço marcante é a heterogeneidade tecnológica. Mais
da metade dos agricultores ainda utiliza a tração humana, isto é, o braço e a enxada como principal força mecânica e
instrumento de trabalho.” In BURANELLO, Renato. Sistema Privado de Financiamento do Agronegócio. Regime
Jurídico. 2ª ed. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p .48
43
(Código Civil)
“Artigo 971. O empresário, cuja atividade rural constitua sua principal profissão, pode, observadas as formalidades
de que tratam o art. 968 e seus parágrafos, requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da
respectiva sede, caso em que, depois de inscrito, ficará equiparado, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a
registro.
(...)
Artigo 984. A sociedade que tenha por objeto o exercício de atividade própria de empresário rural e seja constituída,
ou transformada, de acordo com um dos tipos de sociedade empresária, pode, com as formalidades do art. 968,
requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da sua sede, caso em que, depois de inscrita, ficará
equiparada, para todos os efeitos, à sociedade empresária.”
44
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Direito de Empresa. Vol. 1. 20ª edição. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2016. p. 113.
42

Este estudo visa aquele produtor rural, pessoa física, que explora a sua atividade
de maneira contínua, organizada, profissional e visando obtenção de lucros: portanto, ao
empresário do setor rural. Não serve, desta forma, àquelas pessoas físicas amparadas pelo
Estatuto da Terra, as quais desenvolvem também atividades agropecuárias, valendo-se da terra
como insumo, mas não a exploram com o fim precípuo de obter resultados econômicos positivos.
Não almejam lucro, mas apenas subsistir.

A atividade empresária rural tem a mesma natureza que as demais – que visam
lucro - mas volta-se às atividades desenvolvidas no campo. Conforme COELHO45:

Empresário é definido por lei como o profissional exercente de ‘atividade


econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços’
(CC/2002, art. 966). Destacam-se as definições as noções de profissionalismo,
atividade econômica organizada e produção ou circulação de bens ou serviços.

Profissionalismo. A noção de exercício profissional de certa atividade é associada,


na doutrina, a considerações de três ordens. A primeira diz respeito à habitualidade.
Não se considera profissional quem realiza tarefas de modo esporádico. (...) O
segundo aspecto do profissionalismo é a pessoalidade. O empresário, no exercício
da atividade empresarial, deve contratar empregados. (...)

A decorrência mais relevante da noção está no monopólio das informações que o


empresário detém sobre o produto ou serviço objeto de sua empresa. Este é o
sentido com que se costuma empregar o termo no âmbito das relações de consumo.

O lucro é elemento fundamental na análise das relações havidas pelos produtores


rurais, sejam eles pessoas físicas ou pessoas jurídicas. O lucro é o melhor indicador para nortear
as decisões empresárias, de se verificar a eficiência dos atos praticados e de distribuição da
riqueza no mundo capitalista.

Com isso, toda e qualquer decisão do produtor rural, no âmbito do direito


empresarial, deverá estar norteada pela geração do lucro, a curto, médio e longo prazo. Essa

45
COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. Direito de Empresa. Vol. 1. 28ª edição. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2016. p. 34.
43

questão é fundamental para a análise dos riscos, da sua alocação, dos mecanismos de defesa de
seus agentes e correta intepretação dos contratos que envolvem a cadeia do agronegócio.

Assim, o objetivo do presente estudo se destina àquele produtor rural pessoa física
que, ao final do dia, aumenta seu patrimônio mediante a exploração econômica da atividade rural.

Desta forma, a discussão da constituição ou não de uma pessoa jurídica para o


desenvolvimento das atividades rurais empresariais se destina, verdadeiramente, aos empresários
rurais46, que visando melhor organização no desenvolvimento de seus negócios, compreendem
que devem criar uma empresa individual ou sociedade empresária. Essa criação reforça as
relações entre eles e os demais empresários que com eles se relacionam, sejam eles pessoas
físicas ou pessoas jurídicas.

Feita essa distinção, verifiquem-se então os aspectos societários fundamentais para


a criação de uma pessoa jurídica, destinada ao desenvolvimento das atividades rurais pelos
empresários individuais do agronegócio.

2.4. A SOCIEDADE EMPRESÁRIA

Este é o cerne da questão a que se propõe o presente estudo: qual é, efetivamente,


o principal elemento que os empresários do agronegócio devem levar em consideração para optar
por alterar a forma por ele utilizada no desenvolvimento do negócio? Muitas podem ser as
respostas. Mas, para fins do presente estudo, não há como afastá-las da atividade empresarial a
ser desenvolvida no âmbito da empresa.

46
Para WAISBERG, o “empresário rural é aquele que exerce, de forma habitual, profissional e com o intuito de
obter lucro, atividade rural, que é a que envolve a produção e circulação de bens e serviços de natureza agrícola,
pecuária, agroindustrial e extrativa (ver BURANELLO, 2009). O art. 970 do CC assegurou a esta espécie de
empresário tratamento diferenciado e simplificado em relação à inscrição e aos efeitos daí decorrentes. Portanto, para
ele há uma regra específica em relação à inscrição: a facultatividade. Isto é, a lei faculta-lhe a inscrição ou não no
Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede. Se o empresário rural optar por se registrar, então está
equiparado, para todos os efeitos, ao empresário não rural sujeito a registro, aplicando-se a ele, integralmente, o
regime jurídico empresarial, sem qualquer distinção e nas mesmas condições aplicadas a qualquer outro empresário.”
WAISBERG, Ivo. A Viabilidade da Recuperação Judicial do Produtor Rural. In Direito das Empresas em Crise.
Revista do Advogado. Editora AASP. São Paulo, Outubro de 2016. Edição 131. p. 86.
44

2.4.1. OS RISCOS DO NEGÓCIO

A atividade do agronegócio é uma das atividades empresariais que mais está


sujeita a riscos. Desta forma, o principal elemento motivador para a constituição de uma empresa
para o desenvolvimento de atividades voltadas ao agronegócio é uma melhor alocação de riscos.

Como é de conhecimento de qualquer pessoa afeita às produções agrícolas e


pecuárias, a atividade rural é atividade empresarial que gera muitos riscos aos seus
desenvolvedores. Tal fato decorre de que esta atividade gira em função do ciclo agrobiológico da
atividade rural, que nada mais é do que o ciclo de vida ao qual ela está atrelada, seja ela agrícola
ou de criação.

Todas as fases ou etapas do desenvolvimento da agricultura ou da pecuária devem


ocorrer para que se possa delas extrair resultados: não há como antecipar essa produção,
acelerando o crescimento das plantas ou antecipando o seu plantio. Isso é o agronegócio: é
preparar a terra, plantar, monitorar, colher o que o agricultor faz para viver. É criar, recriar e
engordar o rebanho, ao que o pecuarista se dedica.

Além disso, outra questão fundamental ligada às atividades empresariais do


agronegócio é a natureza. Por se tratar de um ciclo biológico, no mais das vezes a céu aberto, a
natureza tem grande interferência na produção rural. Não se pode controlar a natureza todos os
seus aspectos. No que diz respeito, por exemplo, à previsão do tempo, a segurança só existe para
um período futuro de 24 horas. Isso não é suficiente para que os produtores se planejem com
margem de segurança aceitável para determinados tratos da terra.

Ademais, os produtores rurais estão sujeitos a outros vários fatores de risco, dentre
os quais, além da comentada produção, a operação e o preço47.

47
Sobre tais riscos, leciona BURANELLO “(...) a) risco de produção: também conhecido como risco físico, está
relacionado a fatores de variações e quebras de safras agrícolas, tendo em vista a impossibilidade de prevê-lo no
momento do plantio até a respectiva colheita. Os principais fatores a serem considerados nessa espécie de risco são
os referentes ao clima e à incidência de doenças e pragas, apontados como um dos principais responsáveis pelas
variações e quebras das safras. (...) b) risco operacional: pouco observado em outros casos em função das peculiares
45

Os riscos agropecuários são, assim, muito maiores que os que afetam as demais
empresas. Nas palavras de ARAÚJO48, essa atividade tem especificidades que a diferenciam de
outros, a saber:

(...) sazonabilidade da produção (...) a produção agropecuária é dependente das


condições climáticas de cada região, apresentando períodos de safra e de
entressafra, ou seja, períodos de abundância de produtos alternados com períodos
de falta de produção. (...) influência de fatores biológicos: doenças e pragas (...) que
diminuem a quantidade produzida e a qualidade dos produtos (...) pericibilidade
rápida (...) mesmo após a colheita, a atividade biológica dos produtos agropecuários
continua em ação.

Portanto, os produtores rurais deveriam analisar com muita atenção a possibilidade


de limitação da sua responsabilidade. E é o direito societário que pode limitá-la, por meio de seus
instrumentos. Portanto, é a questão da limitação da responsabilidade civil que deve ser o ponto
fundamental para a decisão da constituição (ou não) de uma sociedade voltada ao
desenvolvimento das atividades do agronegócio.

O produtor rural que desenvolve suas atividades como pessoa física tem em si
mesmo a imputação de toda a responsabilidade gerada por sua atividade: todos os riscos
decorrentes de sua atividade rural giram em torno de seu próprio patrimônio pessoal. Em outras
palavras, todos os bens de propriedade do produtor rural pessoa física respondem por eventuais
prejuízos gerados a terceiros com o desenvolvimento de sua atividade empresarial.

Exemplificativamente, tome-se em análise o caso de um produtor rural que


desenvolve pessoalmente suas atividades, como pessoa física. Considere-se que o imóvel rural

características de cada cadeia agroindustrial e que não mantém padronização em relação às regras de classificação. O
mais importante para o empresário do setor é a identificação dos riscos que a organização agroindustrial está disposta
a assumir, bem como a maximização do retorno esperado dado um nível de risco estabelecido. (...) c) risco de preço:
também conhecido como risco de mercado, é proveniente de alterações nos preços e nas relações de preços entre o
momento em que a decisão de produzir é tomada e o período no qual a venda da produção será realizada. O controle
de preços de commodities tem diversas e graves implicações (...)”. In BURANELLO, Renato. Manual do Direito
do Agronegócio. 1ª ed., São Paulo: Saraiva, 2013. p. 54.
48
ARAÚJO, Massilon J. Fundamentos de Agronegócios. São Paulo: Atlas, 2003. p. 18.
46

em que as atividades rurais são desenvolvidas seja de sua propriedade e ele ainda detenha a
propriedade de dois outros imóveis urbanos.

Nesse caso, caso aconteça uma rescisão ou inadimplemento contratual decorrente


da atividade empresarial e que, em função de tal rescisão ou inadimplemento, o produtor rural
esteja obrigado a indenizar o terceiro lesionado: neste caso, todos os seus bens responderão pelo
pagamento da dívida. O imóvel rural e os outros dois imóveis de sua titularidade poderão ser
objeto de penhora pelos credores em garantia ao pagamento da dívida.

É em decorrência dessa possiblidade que, com vistas a se fomentar a atividade


empresarial, o direito societário contempla a constituição de pessoas jurídicas como forma de se
transferir e limitar os riscos do negócio desenvolvido. No desenvolvimento da atividade do
agronegócio não é diferente.

No caso da constituição de uma pessoa jurídica, o produtor rural pessoa física


consegue delimitar o montante de sua responsabilidade, limitando-se a responsabilização dos atos
decorrentes da atividade empresária. O produtor rural que desenvolve suas operações na pessoa
física pode-se valer de alguns tipos societários (modelos empresariais) disponíveis para transferir
e limitar os riscos de sua atividade. Trata-se de uma segregação patrimonial.

Insista-se, por oportuno, que esta deve ser a principal análise a ser feita pelos
empresários e seus assessores quando da decisão pela constituição, ou não, de uma estrutura
societária para o desenvolvimento das atividades do agronegócio.

No setor do agronegócio, mais ainda essa decisão deve ser sopesada. Isso porque,
segundo WINTER49: “No agronegócio, o risco atinge todos os seus agentes, de forma direta ou

49
WINTER, Marcelo Franchi. Riscos Físicos, de Mercado, Comerciais e Jurídicos do Agronegócio e seus
Mitigantes. In Direito do Agronegócio. (autor) São Paulo: Quartier Latin, 2011. p. 162.
47

indireta, e é proporcional ao volume e valor da operação, ou seja, quanto maior for a operação,
sejam em volume ou valor, maior é o risco”.50

Há diferentes formas de se segregar o risco por meio das estruturas empresariais


disponíveis no ordenamento jurídico brasileiro. Cada uma delas tem sua características e funções
e são aplicáveis de maneira diferente em cada uma das situações.

2.4.2. OS CUSTOS DO NEGÓCIO

Somente a título elucidativo, é importante mencionar que o empresário, pessoa


física, que pretende criar uma pessoa jurídica para o desenvolvimento de suas atividades pode
estar motivado por uma série de elementos. E, tendo em vista que o escopo do presente estudo é
identificar e analisar os elementos atrelados a esta decisão (de direito societário), não se pode
ignorar alguns dos principais elementos econômicos surgidos neste contexto.

A ideia aqui não é exaurir todos os aspectos econômicos relativos à criação de uma
pessoa jurídica, até porque eles podem ser os mais variáveis possíveis. O que se pretende aqui é
analisar rapidamente os aspectos econômicos umbilicalmente ligados à criação desta verdadeira
entidade - pessoa jurídica -, pelos empresários - pessoas físicas. Dentre eles, os aspectos
econômicos mais comumente identificados são, dentre outros: (i) custos com a manutenção e
registo da pessoa jurídica; (ii) custos a serem incorridos com contadores ou prestadoras de
serviços de contabilidade, e (iii) custos tributários.

O primeiro custo identificado pelas pessoas físicas empresárias na constituição de


uma pessoa jurídica é o valor a ser incorrido para a sua criação. Ou seja, o que o empreendedor
quer saber é quanto lhe vai custar criar e registrar uma pessoa jurídica. Uma vez identificado tal

50
Ainda mesma nesta linha, LOEW pontua que “(...) o agronegócio ainda constitui atividade repleta de riscos, o que
significa que o retorno esperado de um investimento pode sofrer consideráveis variações por força de fatores
responsáveis pela quebra da safra ou, simplesmente, pela não performance das obrigações. Essas incertezas nos
objetivos do agronegócio normalmente são provocadas por eventos da natureza, bem como por movimentos
desfavoráveis no mercado internacional.” In, LOEW, Ricardo Ribeiro da Luz. Gestão de Risco Físico e Novo Seguro
Rural e Seguro-Garantia na Gestão de Risco de Performance. In Direito do Agronegócio. (autor) São Paulo:
Quartier Latin, 2011. p. 617.
48

custo – o qual, na maioria das vezes, não se revela impeditivo para a sua constituição - o
empresário quer saber quais são os custos a serem incorridos com o gerenciamento desta pessoa
jurídica, pelos contadores.

Como se verá mais adiante, a criação de uma pessoa jurídica desencadeia o


aparecimento de uma série de obrigações aos empresários, sejam eles pessoas físicas ou pessoas
jurídicas. Em qualquer dos casos, uma das obrigações surgidas diz respeito ao registro das
operações comerciais (empresariais) desenvolvidas.

No Brasil, o registro destas operações é feito por um profissional legalmente


habilitado em ciências contábeis, o contador. Este serviço pode ser feito por meio de uma pessoa
física, que pode vir a ser contratado pela empresa para o registro de suas operações, ou feito de
maneira terceirizada, o que é feito em grande parte por escritórios de contabilidade. Tais custos
são inerentes à atividade empresarial e destinam-se a cobrir os serviços de registro contábil de
suas atividades empresariais nos livros e demais obrigações acessórias.

Com efeito, é importante acrescentar ainda a tais custos devem ser agregados
ainda os custos atrelados ao gerenciamento de tributos, bem como de todas as informações
utilizadas para a sua apuração. São os denominados custos de conformidade, que podem
claramente compreendidos nos ensinamentos de BERTOLUCCI51:

(...) abrangem as pessoas físicas e jurídicas que têm que cumprir as obrigações
principais e acessórias definidas pelo Poder Público e que, no exterior, são
designados como compliance of costs of taxation, e que representam o sacrifício de
recursos para atender às disposições legais. O termo (...) deve ser compreendido
como o custo de conformar sua atividade às normas tributárias, assumido a forma
estabelecida pelo Poder Público.

Os empresários que pretendem constituir uma pessoa jurídica para o


desenvolvimento de suas atividades preocupam-se seriamente com os custos tributários. Isso
porque, evidentemente, essa preocupação está ligada à alta carga tributária vigente no País. A sua

51
BERTOLUCCI, Aldo Vicenzo. Quanto Custa Pagar Tributos. São Paulo: Atlas, 2003. p. 21.
49

influência é tão grande que, em alguns casos, ela chega até a ofuscar um estudo societário mais
aprofundado: em alguns casos, o que se verifica é que a carga tributária é que pode acabar
motivando a criação de uma sociedade empresária, suplantando todas as demais análises,
inclusive a societária. É o que ocorre quando a criação de uma pessoa jurídica objetiva a
implantação de um planejamento tributário 52. Ou seja, é a vontade do empresário, pessoa física,
em reduzir o montante de tributos por ele suportado que, no mais das vezes, acaba por motivá-lo
a constituir uma pessoa jurídica.

Vale lembrar que, diferentemente do que se divulga indistintamente pelo


noticiário, o planejamento tributário é um procedimento lícito e pode ser utilizado pelos
produtores rurais, como elemento motivador da criação de uma empresa. Assim há que se
entender correto o posicionamento de SANTOS53, no sentido de que as reorganizações societárias
(nas quais se inclui a criação de uma nova sociedade), devem ocorrer:

(...) pautadas pelo princípio constitucional da livre iniciativa econômica,


fundamento da ordem econômica emanado pelo art. 170 da CF/88, e pelos deveres
dos quais estão incumbidos os administradores nos termos dos artigos 253 e
seguintes da LSA, as sociedades empresárias são livres para se organizarem, - e
assim devem fazer, desenvolvendo suas atividades econômicas, de forma lícita, de
sorte a justificar a sua existência.

A influência do direito tributário no direito societário já foi identificada e criticada


pela doutrina estrangeira54. Contudo, o que se pretende não é minimizar os efeitos tributários que
envolvem essa decisão, até porque no Brasil e em qualquer outro lugar do mundo as autoridades
tributárias acabam por figurar como verdadeiras sócias na participação dos resultados

52
Assim entendido como a criação de uma estrutura organizacional efetiva que busca a redução dos tributos
incidentes sobre a operação.
53
SANTOS, Rodrigo Baraldi dos. O Planejamento Tributário em Reorganizações Societárias. São Paulo:
Quartier Latin, 2014. p. 17.
54
A esse respeito WIEDEMANN assevera que: “(...) ambos (o direito societário e o direito tributário) realizam
diferentes tarefas: o direito societário deve, antes de tudo, atingir a justa ordem das coisas, o direito tributário, em
seguida, uma adequada tributação. Na realidade, os pesos quase que se inverteram. Na elaboração dos contratos
sociais e estatutos dirige-se a escolha da forma jurídica e das particulares determinações estatutárias mais de acordo
com ponderações de direito tributário do que de direito societário. (...) O direito tributário tornou-se uma
indesejada fonte do direito societário.” (os destaques são nossos). In WIEDEMANN, Herbert. Direito Societário I
– Fundamentos. São Paulo: Editora Malheiros, 2009. p. 638.
50

econômicos das atividades empresariais. Acredita-se que esse ramo do direito, como nenhum
outro, pode melhor explicar o conceito de “direito-custo”, expressão cunhada pelo Prof. Fabio
Ulhoa Coelho.

O que se pretende, de fato, é chamar a atenção para os verdadeiros efeitos jurídicos


da constituição de uma pessoa jurídica de direito privado.

Entende-se, com efeito, que a preocupação com temas tributários não deve ser a
primeira preocupação das pessoas físicas que pretendem se tornar sócias de novas pessoas
jurídicas. Muito menos ainda deveria ser a preocupação dos operadores do direito. Como visto,
há questões fundamentais de cunho societário que devem ser respondidas e compreendidas antes
da criação de uma sociedade empresária.

Feitas essas breves considerações a respeito de certos aspectos econômicos que


são considerados no momento constituição de uma empresa, verifique-se quais são os elementos
de direito societário que merecem a devida atenção dos empresários, em especial dos empresários
rurais, quando da criação de uma sociedade empresária.

2.4.3. AUTONOMIA PATRIMONIAL DO NEGÓCIO

A autonomia patrimonial é o principal mecanismo de defesa do patrimônio pessoal


do empresário e visa conferir um menor nível de risco ao desenvolvimento de suas atividades55.

55
Nas palavras de COELHO, “A autonomia patrimonial das sociedades empresárias é uma técnica de segregação de
riscos. Outras técnicas jurídicas igualmente cumprem esta finalidade, como, por exemplo, o patrimônio especial, a
conta de participação e, em alguns casos, o condomínio. Em razão da autonomia patrimonial, os bens, direitos e as
obrigações da sociedade, enquanto pessoa jurídica, não se confundem com os dos seus sócios. A principal implicação
deste princípio é a impossibilidade de se cobrar, em regra, dos sócios, uma obrigação que não é deles, mas de outra
pessoa, a sociedade. Outras implicações projetam-se na definição das partes do negócio jurídico e na questão da
legitimidade processual, mas com relevância menor do que a da responsabilidade patrimonial. Se a autonomia da
sociedade está sendo relativizada (no direito brasileiro desde meados do século passado), no sentido de a lei e a
jurisprudência passarem a considerar os sócios responsáveis por determinados passivos da pessoa jurídica, esta
tendência não alcança (e não deve alcançar) as relações regidas pelo direito comercial. Quando a obrigação envolve
exclusivamente empresários, como seus credores e devedores principais, o princípio da autonomia patrimonial das
pessoas jurídicas deve ser estritamente respeitado. (...) Como se vê, os aqui chamados credores negociais são
necessariamente empresários, estando, em decorrência, a relação jurídica com a sociedade empresária devedora
sujeita à disciplina do direito comercial. Já os direitos dos credores não negociais perante as sociedades empresárias
51

Juridicamente, a autonomia patrimonial decorre do surgimento da personalidade


jurídica da sociedade o que, segundo REQUIÃO56, faz surgir uma série de efeitos:

Adquirindo personalidade jurídica, diversas consequências úteis ocorrem à


sociedade comercial. Entre elas podemos catalogar as mais expressivas no seguinte
elenco:

1ª) Considera-se a sociedade uma pessoa, isto é, um sujeito “capaz de direito e


obrigações”. Pode estar e juízo por si, contrata e se obriga. “A sociedade adquire
direitos, assume obrigações e procede judicialmente, por meio de seus
administradores com poderes especiais, ou, não os havendo, por intermédio de
qualquer administrador”. É o dispositivo do art. 1.022 do Código Civil,
estabelecendo a legitimidade contratual, a responsabilidade patrimonial e a
legitimidade processual da sociedade personificada.

2ª) Tendo a sociedade, como pessoa jurídica, individualmente própria, os sócios que
a constituírem com ela não se confundem, não adquirindo por isso a qualidade de
comerciantes. (...)

3ª) A sociedade com personalidade adquire ampla autonomia patrimonial. O


patrimônio é seu, e esse patrimônio, seja qual for o tipo da sociedade, responde
ilimitadamente pelo seu passivo.

4ª) A sociedade tem a possibilidade de modificar a sua estrutura, quer jurídica, com
a modificação do contrato adotando outro tipo de sociedade, quer econômica, com a
retirada ou ingresso de novos sócios, ou simples substituição de pessoas, pela
cessão ou transferência de parte do capital.

são regidos por outros ramos jurídicos, como o direito do trabalho e do consumidor. Se, nestes últimos, a autonomia
patrimonial tem sido relativizada (embora não propriamente eliminada), em vista de princípios e valores próprios a
cada ramo jurídico, no direito comercial, ela há de sem amplamente prestigiada. (...) Pelo princípio da autonomia
patrimonial, considera-se a sociedade empresária, por se pessoa jurídica, um sujeito diferente dos sócios que a
compõem. Entre outras consequências, este princípio implica que a responsabilização pelas obrigações sociais cabe à
sociedade, e não aos sócios. Apenas depois de executados os bens da sociedade, e mesmo assim observando-se
eventuais limitações impostas por lei, os credores podem pretender a responsabilização dos sócios. Como técnica de
segregação de riscos, a autonomia patrimonial das sociedades empresárias é um dos mais importantes instrumentos
de atração de investimentos na economia globalizada. Trata-se de expediente que, em última instância, aproveita a
toda a coletividade, como proteção do investimento. A segregação de riscos motiva e atrai novos investimentos por
poupar o investidor de perdas elevadas ou totais, em caso de insucesso da empresa. Se determinada ordem jurídica
não contemplar a autonomia patrimonial (ou outras técnicas igualmente disseminadas de segregação de risco), é
provável que muitos investidores receiem investir na economia correspondente. Afinal, se o fato de a empresa não
prosperar e vir a experimentar perdas que acabem por leva-la à quebra, num determinado país, colocar em risco a
totalidade do patrimônio do investidor (e não somente o que investiu no infeliz negócio), é provável que ele opte por
direcionar seu capital para outro lugar. (...) Deste modo, interessa não somente aos sócios das sociedades empresárias
a aplicação, pelo Poder Judiciário, do princípio da autonomia patrimonial, mas a toda a coletividade.” In COELHO,
Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Direito de Empresa. Vol. 2. 20ª edição. Revista dos Tribunais, 2016. p.
51.
56
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 1º vol. 33ª edição. São Paulo: Saraiva, 2014. pp. 482-483.
52

Note-se que os bens e direitos dos sócios das sociedades empresárias somente
devem ser objeto de direcionamento de eventuais cobranças advindas de responsabilidades por
negócios empresarias depois de esgotados os bens e direitos da própria sociedade empresária
devedora.

Isso se deve também em atendimento ao princípio da subsidiariedade da


responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais. Esse princípio deriva do princípio da
autonomia patrimonial. Isso porque a sociedade empresária é um ente autônomo e, no caso de
ainda possuir bens, não faz sentido busca-los nas pessoas físicas de seus sócios.

Em suma, esse mecanismo caracteriza-se como uma verdadeira proteção ao


empresário e à própria sociedade em que ele atua, já que fomenta a atividade empresarial, ao
permitir que, o empresário, destine somente parte de seu patrimônio ao risco do empreendimento.
Levando-se tal apontamento aos produtores rurais, a autonomia patrimonial da sociedade
empresária lhe confere o benefício de decidir quanto do seu patrimônio ele colocará em risco para
desenvolver a atividade empresarial rural. Ou seja, esse mecanismo permite que os agricultores e
pecuaristas limitem o grau de risco a que estão sujeitos. Permite ainda, que eles protejam parte de
seu patrimônio, mantendo-os em sua pessoa física.

2.4.4. LIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DO NEGÓCIO

Com vistas a se proteger uma parcela do patrimônio dos investidores e,


consequentemente, mantê-los interessados em desenvolver novos negócios, criou-se, do ponto de
vista jurídico, uma ficção jurídica, intitulada limitação de responsabilidade.

A respeito dessa ficção, note-se interessante passagem de HARARI57,

Foi por isso que as pessoas começaram a imaginar coletivamente a existência de


empresas de responsabilidade limitada. Tais empresas eram legalmente
independentes das pessoas que as fundavam, ou investiam dinheiro nelas, ou as

57
HARARI, Yuval Noah. Sapiens – Uma breve história da humanidade. 16ª ed. Porto Alegre: L&PM, 2016. p.
39.
53

gerenciavam. Ao longo dos últimos séculos, essas empresas se tornaram os


principais agentes na esfera econômica, e estamos tão acostumados a elas que nos
esquecemos de que existem apenas na nossa imaginação. Nos Estados Unidos, o
termo técnico para uma empresa de responsabilidade limitada é “corporação, o que
é irônico, porque o termo deriva de “corpus” (“corpo” em latim) – exatamente
aquilo de que as corporações carecem.(...)

É a limitação da responsabilidade que o direito brasileiro acolheu como uma das


formas de fomento da economia. Isso porque, imagina-se, se o investidor não puder segregar uma
parcela de seu patrimônio para o desenvolvimento de uma atividade empresarial, ele estaria
colocando um risco toda a sua riqueza. E isso certamente faria com que o grau de risco por ele
tomado neste momento seria alto suficiente para que ele se desestimulasse a fazê-lo58.

Como essa limitação funciona? Simples: com a utilização de alguns tipos


societários que têm capital social próprio e que limitam as responsabilidades de seus sócios ou
acionistas a este capital.

Conforme já abordado anteriormente, uma das funções das pessoas jurídicas é


pode ser justamente limitar a responsabilidade a que estão sujeitas seus sócios no
desenvolvimento das atividades empresariais. E é esse contrato de constituição da sociedade é
que contém as questões relacionadas à limitação da responsabilidade, o objeto empresarial a que
se destina, quem são seus agentes – assim entendidos como sócios e administradores, as regras

58
Para COELHO, o “(...) princípio da limitação da responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais visa
justamente manter o risco empresarial em determinado nível que, de um lado, atraia o interesse dos investidores
conservadores e, de outro lado, contribua para que os preços dos produtos e serviços sejam acessíveis a maior parcela
da população. É natural. A maioria de nós teria muito receio em envolver-se em qualquer empreitada que poderia
implicar a perda de tudo o que amealhamos em nosso patrimônio. A partir de determinado momento da vida, todos
os que empenharam decididamente em seu trabalho (manual, liberal, empresarial etc.) conseguem reunir algum
patrimônio, ainda que modesto. São os bens com que pretendem se manter na velhice, terminar de criar os filhos,
desfrutar de prazeres. Ninguém quer expor deliberadamente a riscos de perda todos os seus bens. Também a maioria
dos investidores naturalmente pensa assim. O princípio da limitação da responsabilidade dos sócios pelas obrigações
sociais, ao eliminar o risco de o investidor perder a totalidade dos bens do seu patrimônio, estimula novos
investimentos. (...) A limitação da responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais, portanto, não é uma forma
de torna-los irresponsáveis. Pelo contrário, é um expediente de segregação de riscos, que, ao incentivar maiores
investimentos, (em especial, dos empresários com perfil conservador), traz proveitos a toda a coletividade. Mais uma
vez, o princípio do direito comercial, ao mesmo tempo em que protege o interesse individual dos sócios da sociedade
empresária (de tipo limitada ou autônoma), ampara, também, o metaindividual de todos os consumidores
brasileiros.” In COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Direito de Empresa. Vol. 2. 20ª edição. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. pp. 54-55.
54

sobre a circulação de seus títulos de propriedade, sua continuidade, seu encerramento, entre
outras.

Nesse sentido, a constituição de uma sociedade se dá por meio da celebração de


um contrato com função instrumental: para ASCARELLI59, verdadeiro contrato plurilateral.
Todas essas partes, sócios, empresa e administradores, decorrem do contrato e querem, de um
lado, direitos e, de outro, obrigações.

As estruturas societárias possuem autonomia jurídica, com patrimônio próprio, que


é distinto e destacado de seus sócios e acionistas. Como já apontado anteriormente, essa
autonomia patrimonial está ligada à formação do patrimônio da pessoa jurídica. Ele é totalmente
distinto do patrimônio das pessoas físicas, sócios ou acionistas de tais pessoas jurídicas. Os
empresários, os produtores rurais pessoas físicas, podem se valer da constituição de uma pessoa
jurídica para figurar como verdadeiro núcleo de direitos e obrigações, resguardando o seu
patrimônio em sentido amplo.

Exemplificativamente, o produtor rural pode constituir uma pessoa jurídica de


direito privado para ser titular de determinados bens e direitos, os quais, ordenados, permitem que
esta pessoa jurídica desenvolva empresarialmente atividades agrícolas e/ou pecuárias. Assim, o
produtor rural pessoa física pode destacar de seu patrimônio uma parcela de seus bens, como
tratores e utensílios agrícolas, para constituir uma empresa. Ou seja, haverá um “ordenamento do
patrimônio especial” 60, assim entendido como aquele que é próprio da organização societária.

A partir daí, toda a atividade rural passará a ser desenvolvida por esta empresa, por
meio do patrimônio destacado, e não mais pela pessoa física do produtor rural. Todos os atos ou
negócios jurídicos a serem desenvolvidos, a partir da constituição desta empresa, serão praticados
pela empresa, por meio de seus representantes legais.

59
ASCARELLI, Tulio. Problemas das Sociedades Anônimas e Direito Comparado. 2ª ed., São Paulo: Saraiva,
1969. p. 250.
60
WIEDEMANN, Herbert. Direito Societário I – Fundamentos. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 630.
55

Havendo a geração de uma obrigação de indenizar, por ato lícito, decorrente do


desenvolvimento das atividades empresariais, o terceiro prejudicado deverá acionar - via de
regra, a empresa do produtor rural e buscar que seus bens respondam pela indenização devida.
Não há como esse credor negocial, empresário que é e contratou com a pessoa jurídica, buscar a
sua reparação diretamente das pessoas físicas dos sócios desta sociedade.

A responsabilidade da empresa no pagamento da indenização, como no caso


apontado anteriormente, estará atrelada ao valor do seu capital social, que contempla a limitação
da responsabilidade. Para entender o que é, juridicamente, o capital social, verifique-se palavras
de COELHO61:

(...) capital social representa, grosso modo, o montante de recursos que os sócios
disponibilizaram para a constituição da sociedade. De fato, para existir e dar início
Às suas atividades, a pessoa jurídica necessita de dinheiro ou bens, que são
providenciados pelos que a constituem. Não se confunde o capital social com o
patrimônio social. Este último, é o conjunto de bens e direitos de titularidade da
sociedade (ou seja, tudo que é de sua propriedade).

Importante notar que tanto a doutrina quanto a jurisprudência têm garantido a


segregação patrimonial e a limitação da responsabilidade especialmente em relação aos citados
credores negociais. COELHO62 explica que:

Desse modo, para se compreender o segundo fator de desprestígio da autonomia


patrimonial, cabe distinguir as obrigações da sociedade empresária em dois tipos: as
negociáveis e as não negociáveis. No primeiro tipo, encontram-se as dívidas sociais
originadas de tratativas desenvolvidas, com maior ou menor liberdade, entre as
partes de um negócio jurídico. Alcança, grosso modo, os créditos disciplinados pelo
direito civil e comercial, como são os documentados em títulos cambiais ou em
contratos mercantis. Já as obrigações não negociáveis têm a sua existência e
extensão definidas na lei, ou não são, por outros motivos, objeto de ampla e livre
pactuação entre o credor e a sociedade devedora. Incluem-se nesse último grupo s
obrigações tributárias e as derivadas de ato ilícito, por exemplo.

61
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Direito da Empresa. Vol. 1. 20ª edição. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2016. p. 104.
62
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Direito da Empresa. Vol. 2. 20ª edição. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2016. p. 39.
56

Assim, figuram-se como não negociais os credores de verbas trabalhistas,


decorrentes de relação de consumo, e do meio ambiente, exemplificativamente.

O contrário também é verdadeiro. Não podendo os credores da sociedade


empresária limitada automaticamente tentar buscar o patrimônio dos sócios, não podem, no
mesmo sentido, os credores particulares dos sócios tentarem alcançar automaticamente os bens da
sociedade empresária. Nas palavras de REQUIÃO63,

(...) em virtude da aquisição da personalidade jurídica, a sociedade adquire inteira


autonomia patrimonial. O patrimônio social passa, assim, a ser garantia de seus
credores, como o patrimônio do sócio responde perante os seus credores
particulares. Os credores particulares dos sócios não podem executar o patrimônio
da sociedade. Esse princípio já era assente mesmo quando não estava legalmente
definida a questão da personalidade jurídica das sociedades comerciais, pois mesmo
no regime anterior a 1916 já se estabelecia que os credores particulares dos sócios
não tinham ação contra a sua parte-capital.

E quais são os tipos societários e suas características para a criação da pessoa


jurídica? Com efeito, muito antes da identificação do tipo mais adequado, o operador do direito
deve se atentar que, ao transferir referidos direitos e obrigações a um ente separado da pessoa
física do produtor rural, há que se pensar que a função ou tarefa do direito societário é, para as
associações privadas, de desenvolver regras de conduta justas e adequadas64.

Conforme BURANELLO65:

As leis brasileiras vigentes preveem diversos tipos de sociedade, entre as quais as


sociedades organizadas na forma de limitada, anônima e cooperativa são
predominantemente as mais utilizadas no desenvolvimento das atividades de
produção, armazenamento, distribuição e comercialização relacionadas ao Direito
do Agronegócio.

63
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 1º vol. 33ª edição. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 496.
64
WIEDEMANN, Herbert. Direito Societário I – Fundamentos. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 625.
65
BURANELLO, Renato; MORATO, Marcelo Lins. Principais Tipos Societários nas Atividades de Produção e
Comercialização Agropecuária. In Direito do Agronegócio. (coord.; autor) São Paulo: Quartier Latin, 2011. p. 234.
57

E neste sentido, o produtor rural, ao pretender criar uma estrutura societária para o
desenvolvimento de suas atividades deve verificar se a estrutura proposta tem relação com sua
realidade.

Mais do que isso, deve se atentar ao fato de que esta estrutura passará, no mais das
vezes, a determinar a sua conduta presente e futura, quer seja na figura de sócio, quer seja na
figura de eventual administrador da sociedade criada. Deste sua criação surgem obrigações
específicas a serem observadas pelos seus criadores.

3. OS TIPOS SOCIETÁRIOS E A LIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE

Existem diversas formas de organização dos negócios empresariais. Elas podem


ser: (i) firma individual, (ii) as sociedades propriamente ditas, e (iii) as sociedades por ações.
Segundo ROSS66, “Cada uma delas tem vantagens e desvantagens distintas em termos de vida do
negócio, de capacidade de angariar dinheiro e de impostos”.

Nesse sentido, os tipos societários mais utilizados para fins de desenvolvimento


das atividades empresariais no direito brasileiro são: a Empresa Individual de Responsabilidade
Limitada (EIRELI); as sociedades limitadas; e as sociedades anônimas, de capital aberto ou
fechado. As EIRELI foram instituídas pela Lei nº 12.441, de 11 de julho de 2011; já as
sociedades limitadas encontram-se reguladas pelo Código Civil, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro
de 2012; já as sociedades anônimas estão reguladas pelas regras consubstanciadas na Lei nº
6.404, de 15 de dezembro de 1976 e suas alterações posteriores, a chamada “Lei das Sociedades
Anônimas” (LSA).

O estudo mais profundo de cada um desses tipos societários permite identificar


qual é o modelo que melhor se adapta à realidade das atividades desenvolvidas pelos produtores

66
ROSS, Stephen A., WESTERFIELD, Randolph W., JORDAN, Bradoford D. et al. Fundamentos de
Administração Financeira. 9ª edição, Porto Alegre: AMGH, 2013. p. 5.
58

rurais, uma vez que cada um dos tipos societários atualmente existentes no direito societário tem
características próprias, mecanismos de funcionamento e resolução particulares.

Assim, é necessário verificar qual é a efetiva demanda pela criação de uma pessoa
jurídica com vistas a se identificar qual é o tipo societário mais adequado. A crítica que se faz
nesta avaliação é que, no mais das vezes, esse tema é tratado como a “papelada” que vai ser
gerada com a criação de uma pessoa jurídica. No entanto, uma desatenção neste momento, quer
seja pela criação de uma empresa pela euforia com o início de um empreendimento conjunto, que
seja por que “não vamos tratar de coisas desgastantes no começo”, acabam por gerar muitos
efeitos indesejados no futuro.

Ademais, os operadores do direito devem se atentar ao fato de que a utilização de


uma pessoa jurídica para o desenvolvimento das atividades empresariais do campo podem ainda
vir a gerar efeitos indesejados na condução do dia a dia para o produtor rural.

Exemplificativamente, a adoção de uma estrutura societária inadequada ao porte às


atividades empresariais rurais desenvolvidas, ou ainda, a adoção de um tipo societário
demasiadamente complexo e custoso, acaba “engessando” a atividade rural desenvolvida pela
pessoa física. A propositura de estruturas já consolidadas com sofisticações desnecessárias geram
riscos e mais atrapalham o produtor rural do que o auxiliam.

3.1. TEORIAS DO DIREITO SOCIETÁRIO

Como já mencionado anteriormente, empresária é a atividade econômica


organizada de forma profissional, cujo objetivo é a obtenção de lucros, atividade essa que pode
ser desenvolvida por pessoas física ou por pessoa jurídica. Não se confunde com o sócio de
pessoa jurídica (muitas vezes chamado de empresário) ou de empresa (que é a sociedade
empresária, pessoa jurídica).
59

Na acepção de BORBA67, a “sociedade é uma entidade dotada de personalidade


jurídica, com patrimônio próprio, atividade negocial e fim lucrativo”.

Levando-se tais considerações ao caso em tela, este estudo visa verificar os


contornos da decisão do produtor rural empresário – que desenvolve suas atividades rurais em
sua pessoa física – em transferir suas atividades empresariais para uma pessoa jurídica,
constituída especificamente para tais fins. Se a atividade empresarial for desenvolvida por uma
única pessoa física, o seu exercente é denominado de empresário individual. Por outro lado, se a
atividade empresarial é desenvolvida por uma pessoa jurídica, que possua mais de um sócio ou
acionista, ela é denominada de sociedade empresária68.

A escolha do tipo societário é de fundamental importância e merece atenção de


todos os agentes evolvidos nesta decisão, sejam eles os produtores rurais pessoas físicas, sejam
eles seus assessores jurídicos e, em muitos casos, os seus contadores. Isso porque cada um dos
tipos societários existentes tem características próprias e, com isso, também função específica.

A compreensão das características de cada um dos tipos societários e a sua


utilização é fundamental, uma vez que o direito tem função e objetivo. Tais fatores não podem
ser esquecidos por seus intérpretes. Portanto, assim também funciona o direito societário: ao se
considerar a criação de uma pessoa jurídica, ou de uma sociedade, os operadores do direito
devem compreender a função deste ramo do direito. Posteriormente, e não sem menor
importância, devem também entender quais são os objetivos que o direito societário visa atingir.

Nesse sentido, é importante notar que os doutrinadores do direito societário o


interpretam de maneiras diversas. Inicialmente, o direito societário foi interpretado de maneira
contratualista (e anticontratualistas) e, posteriormente, de maneira institucionalista.

67
BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 29.
68
Sobre esse tema, REQUIÃO assevera que: “O empresário pode exercitar a atividade empresarial individualmente:
será então um empresário individual e, com o advento da Lei nº 12.441, de julho de 2011, o empresário individual
de responsabilidade limitada. (...) A empresa comercial pode, no entanto, revestir-se de forma societária: a sociedade
comercial exercita a atividade empresária. Ao exercício a empresa dessa forma se tem chamado de empresa
coletiva.” In REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 1º vol. 33ª edição. São Paulo: Saraiva, 2014. pp.
114; 123.
60

A interpretação contratualista tem por foco o entendimento de que o direito


societário surgia com a celebração de um acordo de vontades, o contrato. Sendo assim, ele estaria
regido pelos interesses privados dos que o celebraram69.

Posteriormente, a interpretação do direito societário passou a ser institucionalista.


Ou seja, passou a considerar, como agente, a própria sociedade. A esse respeito, REQUIÃO 70
aponta que:

A sociedade se forma pela manifestação de vontade de duas ou mais pessoas, que se


propõem unir os esforços e cabedais para a consecução de um fim comum. Os
juristas franceses deixam entrever o duplo significado da palavra sociedade, pois
tanto pode referir-se ao ato constitutivo, que lhe dá substância, como à pessoa
jurídica, que lhe dá condição de sujeito de direito. A princípio, como observa
Escarra, predominava o aspecto contratual do ato constitutivo, ao passo que hoje
prevalece o da pessoa jurídica que dele surge.

A teoria institucionalista, que nasceu de conceitos econômicos e foi criada e


divulgada na Alemanha do pós-guerra. Nos ensinamentos de SALOMÃO71:

69
A respeito dessa teoria, BORBA pontua que “Mesmo quando a sociedade decorre de um acordo de vontades, lavra
na doutrina forte controvérsia quanto à natureza do ato constitutivo, entendendo alguns que não se teria aí um
contrato, mas sim um ato coletivo, de instituição ou corporativo, em virtude do qual as vontades se somariam, de
forma paralela, sem portanto, se contrapor. Com efeito, o contrato bilateral não se ajusta às características da
sociedade, posto que nele não ocorrem partes contrapostas, como no comum dos contratos. (...) No contrato de
sociedade não há essa contraposição. Ao invés, as partes se conjugam para um fim comum. Substituindo o sinalagma
em que se cruzam os interesses, coloca-se a identidade de interesses, instrumentalizada na criação da sociedade. Foi
Tullio Ascarelli, com a teoria do contrato plurilateral, quem revitalizou a corrente contratualista. (...) em lugar da
necessária contraposição de dois pólos, várias podem ser as partes, todas dirigidas para uma finalidade comum.
Verdadeiros contratos de organização, aprestam sempre uma função instrumental, não terminando com o
cumprimento das obrigações básicas das partes, antes constituindo estas a premissa de uma atividade ulterior.” In
BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 32.
70
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 1º vol. 33ª edição. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 463.
71
Sobre o assunto, REQUIÃO pontua que: O Prof. Jean Escarra esclarece que, desde o fim do último século,
publicistas ou comercialistas alemães foram os primeiros a descartar a noção do contrato, tendo essas tentativas sido
repetidas na França por Saleilles e Hauriou, e por muitos outros comercialistas contemporâneos. Deve-se a Hauriou a
elaboração da teoria institucionalista, que teve como ponto de partida as instituições de direito público, projetando-se
no direito comercial para explicar a constituição das sociedades anônimas, por excelência. (...) Não é fácil
compreender o que seja a instituição. (...) Hauriou definiu a instituição como “uma organização social, estável em
relação à ordem geral das coisas, cuja permanência é assegurada por um equilíbrio de forças ou por uma separação
de poderes, e que constitui, por si mesma, um estado de direito”. Uma característica fundamental distingue, na
exposição de Hauriou, a instituição do contrato. Na primeira, o consentimento dos membros se restringe à aceitação
da disciplina, sem preocupação imediata dos resultados de sua atividade; no segundo, o consentimento tem por
objeto os atos dos contratantes e implica os resultados. (...) Dessa forma, nos contratos, admite-se a resolução pela
61

A primeira solução teve maior elaboração na Alemanha, não por acaso a terra-mãe
tanto do institucionalismo quanto da sociedade unipessoal com responsabilidade
limitada.

O institucionalismo alemão remonta à formulação da doutrina do Unternehmen na


sich desenvolvida por W. Rathenau, no primeiro pós-guerra. O autor, economista e
homem de negócios, influenciado pela gravíssima situação econômica da Alemanha
no fim da primeira guerra mundial, identificava em cada grande sociedade um
instrumento para o renascimento econômico.
(...)

Toda a construção da teoria de Rathenau é dirigida a traduzir em termos jurídicos a


função econômica, de interesse público e não meramente privado, da
macroempresa. Isso se fez através da valorização do papel do órgão de
administração da sociedade por ações, visto como órgão neutro, apto à defesa do
Unternehmensinteresse (interesse empresarial).

(...)

Independentemente de qualquer análise ideológico-política que possa ser feita, não


se pode negar que do ponto de vista jurídico as Mitbestimmungsgesetze representam
a afirmação definitiva do institucionalismo na Alemanha, realizando a separação
tentada sem sucesso pela lei acionária alemã de 1937 entre Unternehmens e
Gesellschaftsinteresse. Com relação à GmbH, reconheceu-se pela primeira vez o
que o Unternehmensinteresse não se reduz ao interesse dos sócios.

Assim, esta teoria passou a considerar que os interesses pessoais dos sócios, que
constituíram a sociedade, deveriam ser relativizados, frente ao interesse da própria sociedade 72.

Vale notar que a compreensão do direito societário como contratualista ou


institucionalista é considerada a sua fase intimista. Hoje, tais visões já são consideradas
ultrapassadas. Isso porque, a melhor doutrina de hoje considera que o direito societário deve
interagir com as relações de direito econômico.

inexecução das obrigações, o que não ocorre na instituição; sendo, além disso, mais estáveis as situações
institucionais, que não podem ser bruscamente resolvidas ou dissolvidas, porque alima ao seu poder de duração um
poder de evolução e adaptação às condições novas da vida que as situações contratuais não possuem.” In
SALOMÃO FILHO, Calixto. O Novo Direito Societário. 4ª edição. 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2015. pp. 35-
36.
72
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 1º Vol. 33ª edição. São Paulo: Saraiva, 2014. pp. 467-468.
62

A doutrina mais moderna entende o direito como totalmente vinculado a um


fundamento econômico. É a análise econômica do direito. Essa teoria ganhou no passado uma
conotação ideológica e tinha muito seguidores na Escola de Chicago, cujo ideário liberal, no
entendimento de SALOMÃO73,

(...) é fartamente conhecido. Por essa razão, a partir sobretudo desse período a
análise econômica do Direito passou a ser identificada ou talvez confundida com a
chamada “Teoria da Eficiência”. (...) Segundo esse princípio (da eficiência), as
normas jurídicas são eficientes “quando permitem a maximização de riqueza global,
mesmo que isso seja feito à custa de prejuízo a um agente econômico específico”.

Portanto, no entendimento desse autor 74, “conceituado como instrumental analítico


e não preceptivo, é possível verificar qual a concepção de empresa e do interesse social”.
Segundo os teóricos clássicos da análise econômica do Direito a empresa é vista como um feixe
de contratos75.

Ainda conforme SALOMÃO76,

Em uma linguagem mais jurídica, a firma é vista como um único agente subscritor
de um grupo de contratos, que começam pelos contratos com os sócios e vão desde
os contratos com fornecedores e clientes até contratos com trabalhadores e
contratos de empréstimo necessários para suprir as necessidades de fundos da
empresa.

Com isso, o correto entendimento e a compreensão do direito societário estão


atrelados aos termos econômicos que ele trata. Ou seja, em sua essência há custos a serem
evitados e o objetivo é sempre alcançar resultados positivos. Nesse sentido, SALOMÃO77

73
SALOMÃO FILHO, Calixto. O Novo Direito Societário. 4ª edição. 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2015. pp.
40-41.
74
SALOMÃO FILHO, Calixto. O Novo Direito Societário. 4ª edição. 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2015. p.
42.
75
Visão originalmente criada por Armen Alchian e Harold Demsetz (nexus of contracts).
76
SALOMÃO FILHO, Calixto. O Novo Direito Societário. 4ª edição. 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2015. pp.
42-43.
77
SALOMÃO FILHO, Calixto. O Novo Direito Societário. 4ª edição. 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2015. p.
43.
63

assevera que “Essa preocupação fica mais clara no passo seguinte da teoria. Trata-se de
determinar qual o fundamento do controle interno da empresa. Na perspectiva econômica, o
fundamento está na teoria dos custos de transações”.

Vale ressaltar que o entendimento da empresa como ponto central para os


doutrinadores societários só passou a se manifestar mais recentemente; contudo, essa discussão já
havia se iniciado nos Estados Unidos da América na década de 30 do século passado, como
ensina FORGIONI78:

O panorama da recepção doutrinária da teoria da empresa no Brasil restaria


incompleto sem observar que, antes dos anos 1970, não se verificava grande
influência dos autores norte-americanos que, a partir dos anos 1930, já haviam
trazido a empresa para o centro das discussões econômicas.

Em 1932, Berle e Means plublicaram The modern Corporation and private


property, comprovando, na economia americana, a separação entre titularidade de
ações e o poder que delas deriva, com relataremos mais à frente.

Cinco anos mais tarde, Coase divulga o artigo The nature of the firm, reagindo à
teoria econômica central, a qual acreditava que “the direction of resources is
dependente directly on the price mechanism”, como se não houvesse empresas e o
funcionamento do sistema econômico pudesse prescindir de “islands of conscious
power”. A partir da identificação dos “custos de transação”, o autor explica a razão
da existência das empresas (que chama de “firmas”).

Nessa teoria os custos de transação referem-se aos custos incorridos na tomada de


decisões. Todos eles, inclusive de tempo, desgastes e contratempos relacionados à tomada de
decisões (interna ou externamente). Em sua essência, essa teoria chega à conclusão de que tais
custos são maiores e mais vultosos quando tais decisões são tomadas fora do âmbito de uma
pessoa jurídica.

E é importante novamente ressaltar que tais custos não dizem respeito somente aos
custos economicamente mensuráveis. A teoria dos custos de transação considera ainda os custos

78
FORGIONI, Paula A. A Evolução do Direito Comercial Brasileiro – Da Mercancia ao Mercado. 3ª edição. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. pp. 49-50.
64

relacionados à satisfação dos que com a empresa vão se relacionar o que não se pode mensurar
economicamente.

Assim, aos operadores do direito não deve fugir a ideia de que a constituição de
uma empresa está umbilicalmente ligada às questões econômicas que a cercam. A sua
constituição deve buscar maior eficiência econômica, distributiva (que gera lucros aos seus
participantes) e mais: a partir da criação de uma empresa, os interesses dos sócios não podem ser
superiores aos interesses sociais – os interesses da empresa propriamente ditos.

A criação de uma pessoa jurídica faz surgir um novo centro de contratação. Nasce
uma entidade capaz de contrair novos direitos e obrigações, quando destinada ao
desenvolvimento de atividades empresariais; necessariamente, tem personalidade distinta de seus
sócios. Está sujeita a novas e mais complexas obrigações de registro, de controle das operações
comerciais realizadas, e ainda a outros critérios de análise creditícia.

Esse verdadeiro ente criado pelos sócios, em suas relações, vai buscar maior
eficiência, maximizando os lucros, reduzindo os custos, alocando corretamente os riscos, tudo em
verdadeira sintonia com os fundamentos da economia e o interesse público da localidade em que
atua.

Assim, a empresa criada pelo produtor rural pessoa física passará, portanto, a
celebrar contratos com os fornecedores, colaboradores, clientes, distribuidores, agentes
financiadores e outros. Ou seja, a sociedade empresária constituída passará a celebrar verdadeiros
contratos empresariais, que passarão a tratar suas relações de direito e obrigações. Conforme
FORGIONI79, “A empresa cristaliza-se em sua atividade de interagir; a empresa é agente
econômico.”

79
FORGIONI, Paula A. Contratos Empresariais – Teoria Geral e Aplicação. 2ª ed. São Paulo: 2016. p. 23.
65

Nos termos dos artigos 44, 45 e 984 do Código Civil 80, a sociedade tem
personalidade jurídica. Isso faz com que, na sua criação, nasça um sujeito de direito capaz de
figurar nas relações jurídicas, nos dizeres de CARVALHOSA81.

As empresas individuais ou as sociedades empresárias, portanto, como centro de


contratação, se tornam um dos principais objetos de análise pelo direito societário. A sua criação
e funcionamento é o que esse direito busca regular.

3.2. LIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE

As sociedades empresárias podem receber uma série de classificações. No entanto,


tendo em vista a questão da limitação da responsabilidade de seus sócios – situação fundamental
no estudo do caso presente – é importante notar a classificação dos tipos segundo a questão da
limitação da responsabilidade. Nesse sentido, verifique-se classificação apontada por
REQUIÃO82:

A responsabilidade dos sócios: em sociedades limitadas, quando o contrato social


restringe a responsabilidade dos sócios ao valor de suas contribuições ou à soma do
capital social (sociedades por cotas de responsabilidade limitada e sociedades
anônimas); sociedades ilimitadas, quando todos os sócios assumem
responsabilidade ilimitada e solidária relativamente às obrigações sociais

80
Artigo 44. São pessoas jurídicas de direito privado:
I – as associações;
II – as sociedades;
III – as fundações;
IV – as organizações religiosas;
V – os partidos políticos;
VI – as empresas individuais de responsabilidade limitada.
(...)
Artigo 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no
respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no
registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.
(...)
Artigo 984. A sociedade que tenha por objeto o exercício de atividade própria de empresário rural e seja constituída,
ou transformada, de acordo com um dos tipos de sociedade empresária, pode, com as formalidades do art. 968,
requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da sua sede, caso em que, depois de inscrita, ficará
equiparada, para todos os efeitos, à sociedade empresária.”
81
CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. 1º Volume, 7ª ed., São Paulo: Saraiva,
2013. p. 95.
82
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 1º vol. 33ª edição. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 460.
66

(sociedades em nome coletivo, sociedades irregulares, sociedades de fato e


sociedades tácitas); e sociedades mistas, quando o contrato social conjuga a
responsabilidade ilimitada a solidária de alguns sócios coma responsabilidade
limitada de outros sócios (sociedades em comandita simples, sociedade em
comandita por ações, sociedades de capital e indústria e sociedades em conta de
participação).

SIMÃO83 ensina que no “direito brasileiro há tipos sociais devidamente


catalogados e específicos, cuja característica maior é a forma de gestão e de limitação ou não da
responsabilidade dos sócios por obrigações decorrentes das atividades empreendidas por força de
seu objeto.”

Desta forma, como o presente estudo destina-se às atividades empresariais do


agronegócio e à limitação dos riscos inerentes a esse setor, interessam somente as sociedades
comerciais (as civis não) e as que permitem a limitação da responsabilidade dos sócios.

Portanto, os tipos societários a serem apontados como opções aos produtores rurais
contemplam especificamente a EIRELI, a Sociedade Limitada e as Sociedades Anônimas.

Assim, não serão nesta obra objeto de tratamento a sociedade simples, as


cooperativas, as sociedades em nome coletivo, as sociedades em comandita simples e por ações,
além das sociedades em conta de participação, uma vez que:

- as primeiras – sociedades simples -, por força do artigo 982 do Código Civil, não
desenvolvem atividades empresárias;

- as segundas – as cooperativas – por terem características próprias que a afastam


do objeto deste estudo: neste sentido, pode-se mencionar que tais sociedades têm natureza de
sociedades simples. Ainda assim, podem ter em seu objeto o desenvolvimento de atividades
empresariais. No entanto, essas sociedades não estão sujeitas ao regime de falência, mas sim o da

83
SIMÃO FILHO, Adalberto. Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI. In Tratado de
Direito Comercial. Vol. 1. (autor). São Paulo: Saraiva, 2015. p. 192.
67

dissolução voluntária ou judicial. Ademais, também envolvem questões relacionadas ao


cooperativismo, tema não analisado no presente estudo;

- as sociedades em nome coletivo, previstas no artigo 1.039 e seguintes do Código


Civil, não limitam a responsabilidade de seus sócios, sendo esta a sua principal característica;

- as sociedades em comandita simples e por ações, já que alguns de seus sócios são
solidários e também ilimitadamente responsáveis, enquanto que outros, prestadores de serviços,
respondem limitadamente à contribuição feito ao seu capital social; e

- as sociedades em conta de participação não possuem personalidade jurídica,


dependendo da existência de um sócio ostensivo, que se relaciona com os terceiros.

Qualquer dos tipos societários a seguir descritos pode ter como objeto “o exercício
de atividade própria de empresário rural e seja constituída, ou transformada, de acordo com um
dos tipos de sociedade empresária (...).”84.

Dito isso, verifique-se os principais aspectos relativos a cada uma das pessoas
jurídicas que permitem a limitação da responsabilidade do empresário produtor rural.

3.3. EIRELI

A EIRELI é pessoa jurídica de direto privado, por força da Lei nº 12.441/2011,


que alterou o artigo 44 do Código Civil. Portanto, este tipo não representa efetivamente uma
sociedade, mas sim um tipo de pessoa jurídica.

O seu ingresso no ordenamento jurídico é bastante recente e já suscitou inúmeras


discussões no meio acadêmico, que já apontou que a legislação valeu-se de conceitos do direito

84
Artigo 984 do Código Civil.
68

societário ao regular a sua criação, tais como capital social e quotas, e por isso, não se trata de um
novo tipo societário, mas de uma sociedade unipessoal.

No entanto, da forma como foi criada, a EIRELI se aproxima muito mais de um


novo tipo de pessoa jurídica, criada exclusivamente para o desenvolvimento de atividades
empresariais, do que com as sociedades unipessoais.

Nesse sentido, SIMÃO85 entende que

A EIRELI pode ser vista como mais uma via de acesso à atividade empresarial e ao
empreendedorismo e possibilidade real de racionalização da gestão das sociedades,
a considerar que, por alguma razão, o seu quadro social tenha se reduzido a apenas
um sócio, possibilitando o fomento da atividade mercantil, regularização e/ou
criação de empresas unipessoais, contribuindo para o crescimento e
desenvolvimento social com o auxílio da circulação da riqueza no âmbito
circunscrito da sua operação.

Esse tipo societário é bem simplificado e passou a ser muito utilizado a partir de
sua criação. Sua principal característica, como já mencionado, é não estar obrigada à observância
da pluralidade de sócios. Ou seja, para a sua constituição, não é necessário que o produtor rural
desenvolva suas atividades com outros sócios. Pode fazê-la isoladamente, sozinho. Com isso, não
é necessário que ele se associe a uma outra pessoa física ou jurídica para a criação de uma
EIRELI.

Assim, na EIRELI, o produtor rural pessoa física conseguiria constituir um ente,


núcleo de direitos e obrigações, sem a presença de outros terceiros sócios.

A constituição de uma EIRELI é de fundamental importância pelo produtor rural


já que, depois de constituída, o desenvolvimento da atividade rural passa a ser por ela
desenvolvida, e não mais pelo produtor rural em sua pessoa física.

85
SIMÃO FILHO, Adalberto. Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI. In Tratado de
Direito Comercial. Vol. 1. (autor). São Paulo: Saraiva, 2015. p. 194.
69

O empresário que exerce atividade econômica organizada em sua própria pessoa


física não se confunde com uma EIRELI. Ele é tipificado nos termos do artigo 966 do Código
Civil:

“Artigo 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade


econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.

Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de


natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou
colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.”

Nas palavras de COELHO86,

(...) a pessoa jurídica empresária é cotidianamente denominada ‘empresa’, e os seus


sócios são chamados “empresários”. Em termos técnicos, contudo, empresa é uma
atividade, e não a pessoa que a explora; e o empresário não é o sócio da sociedade
empresarial, mas a própria sociedade.
(...)

A empresa pode ser explorada por uma pessoa física ou jurídica. No primeiro caso,
o exercente da atividade econômica se chama empresário individual; no segundo,
sociedade empresária. Como é a pessoa jurídica que explora a atividade
empresarial, não é corretor chamar de ‘empresário’ o sócio da sociedade
empresária.

Na EIRELI, que tem natureza societária, a limitação da responsabilidade é


possível, nos termos da lei. E mais, a esse respeito, a criação de uma pessoa jurídica facilitará a
aplicação da limitação da responsabilidade. Segundo SALOMÃO87, “o direito brasileiro tende
mais para o reconhecimento da limitação de responsabilidade através da forma societária”.

Nos termos do artigo 980-A do Código Civil, o produtor rural que pretender se
valer de tal tipo societário deverá ser o titular da totalidade das quotas representativas de seu
capital social, que não poderá ser inferior a 100 (cem) vezes o maior valor de salário mínimo

86
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Direito da Empresa. Vol.1. 20ª edição. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2016. p. 103-104.
87
SALOMÃO FILHO, Calixto. A Sociedade Unipessoal. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 44.
70

vigente no país. Ou seja, esta sociedade terá um capital próprio, segregado do patrimônio de seu
sócio. Este capital será dividido em quotas, sendo que, na sua totalidade, pertencerão a uma única
pessoa.

3.3.1. A ADMINISTRAÇÃO DA EIRELI

Conforme apontado anteriormente, o empresário do setor do agronegócio, no mais


das vezes, está habituado a exercer, em nome próprio, os atos de compra e venda de seus
insumos, contratando terceiros para o auxiliarem em sua atividade rural e ainda, vendendo sua
produção.

Ao se constituir uma EIRELI para esta finalidade, é crucial que o produtor rural
pessoa física entenda que, a partir dessa constituição, todos os atos por ele praticados em relação
à atividade rural, no todo ou em parte, foram transferidos a esta nova pessoa jurídica.

Ou seja, a partir da transferência de uma atividade rural para a EIRELI, os


terceiros que anteriormente se relacionavam com a pessoa física do produtor passarão a se
relacionar, a partir de seu registro, com a EIRELI. Nesse sentido, todos os atos ou negócios
jurídicos a serem praticados serão feitos por meio de seu representante legal.

O representante legal da EIRELI deve estar estabelecido em seu contrato, que deve
ser levado a registro na Junta Comercial competente. Necessariamente, os atos administrativos
devem ser praticados por pessoas físicas, já que, no direito brasileiro, são as únicas pessoas
permitidas a praticar os atos de administração da pessoa jurídica.

No ensinamento de SIMÃO88

A administração da EIRELI será organizada na forma como preconizar o seu titular,


observando-se os parâmetros e condicionantes legais.

88
SIMÃO FILHO, Adalberto. Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI. In Tratado de
Direito Comercial. Vol. 1. (autor). São Paulo: Saraiva, 2015. p. 209.
71

A administração da EIRELI poderá ser exercida por uma ou mais pessoas


designadas no ato constitutivo, podendo ser o seu titular ou terceiros. Caso o
administrador seja nomeado na constituição e arquivamento do ato de sua
nomeação, não será exigível a apresentação do termo de posse.

Facultativa é a previsão de prazo do mandato de administrador. Não estando


previsto, entender-se-á ser de prazo indeterminado.

O produtor rural pessoa física, além de titular da totalidade das quotas emitidas
pela EIRELI, pode também figurar como seu administrador. Neste caso, ele continuará à frente
de todos os atos que envolvem o desenvolvimento da atividade rural. No entanto, não é demais
lembrar que todos os contratos e outros documentos necessários a esta atividade serão elaborados
em nome da EIRELI, sendo o seu sócio, na qualidade de administrador, que firmará tais
documentos.

Em suma, a constituição de uma EIRELI pelo produtor rural pessoa física é


bastante simples. Possibilita ao seu proprietário, titular da totalidade de suas quotas, destacar uma
parcela de seu patrimônio pessoa para o desenvolvimento da atividade rural, o qual responderá
pelos riscos inerentes à atividade, limitando a sua responsabilidade.

Ademais disso, este tipo societário é bastante indicado àqueles produtores rurais
que não têm sócios em suas atividades, já que dispensa a pluralidade de sócios.

3.4. SOCIEDADE LIMITADA

Outro tipo societário a ser comentado no presente trabalho é a sociedade limitada.


Esse é o tipo mais comumente utilizado para o desenvolvimento de atividades empresariais. As
sociedades limitadas são reguladas pelos artigos 1.052 e seguintes do Código Civil.

Pode-se afirmar que a principal característica deste tipo societário é a sua natureza
contratual, já que é de um contrato que ela surge para fins jurídicos. Conforme ABRÃO89, “A

89
ABRÃO, Nelson. Sociedades Limitadas. 10ª ed., São Paulo: Saraiva. 2012, p. 50.
72

natureza jurídica contratual da sociedade limitada aproxima-a da sociedade coletiva e afasta-a da


sociedade por ações, uma vez que vêm firmando os foros de institucionalidade desta última” 90

Além disso, este tipo societário também permite a limitação de responsabilidade


de seus sócios. Neste caso, esse valor está atrelado ao valor de integralização das quotas sociais
emitidas pela sociedade e integralizadas pelos seus sócios.

Diferentemente da EIRELI, as sociedades limitadas, para sua existência,


prescindem da pluralidade de sócios. Ou seja, a sua constituição é indicada àqueles empresários
rurais que desenvolvem suas atividades em uma ou mais pessoas sócias, pessoas físicas ou
jurídicas.

E justamente por esta obrigatoriedade, pode-se verificar com certa frequência a sua
consideração como “sociedade de pessoas”, tendo em vista a relevância que tais figuras alcançam
neste tipo societário. No entanto, tanto a doutrina como a jurisprudência - depois de alguma
confusão inicial - identificam neste tipo societário o intuitu personae, mas não desprezam, em
alguns casos, a sua natureza capitalista 91.

90
Ainda sobre o tema, COELHO faz nota que “A discussão sobre a natureza da sociedade limitada é um dos mais
importantes temas do direito societário brasileiro. Deriva, por certo, do contexto em que ela surgiu, como um novo
tipo de sociedade, isto é, o da busca de uma alternativa para a exploração de atividades econômicas, em parceria, que
pudesse assegurar a limitação da responsabilidade característica da anônima, mas sem as formalidades próprias
desta. (...) A sociedade limitada, pode ser de pessoas ou de capital, de acordo com a vontade dos sócios. O contrato
social define a natureza de cada limitada.”. In, COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Direito da
Empresa. Vol. 2. 20ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 360. O mesmo autor entende que os
contratos celebrados entre os seus agentes que foram o tipo societário da sociedade limitada: “Quando duas ou mais
pessoas se obrigam reciprocamente a contribuir com bens ou serviços para o exercício de atividade econômica e a
partilhar o resultado dela advindo, diz a lei que celebraram um contrato de sociedade (CC, art. 981). As atividades
econômicas são as exploradas com o objetivo de ganhar dinheiro. (...) Pois bem, a atividade econômica pode ser
explorada por um sujeito de forma isolada ou em conjunto com outro ou outros. A conjugação dos esforços, quando
assentada em premissas racionais e feita adequadamente, permite aprimorar os serviços oferecidos, reduz custos e
aumenta as oportunidades de ganho. (...) A exploração da atividade em conjunto pode ser viabilizada por diversos
contratos, um dos quais, é o de sociedade.” In COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. Vol. 3. 8ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2016. p. 415.
91
No entendimento de REQUIÃO, “Temos, para nós, que a sociedade limitada constitui sociedade de pessoas: não
podemos, porém, deixar de nos impressionar com a circunstância de que os sócios, na elaboração do contrato social,
podem dar-lhe um caráter capitalístico, quando permitem a cessão de quotas a estranhos, sem a necessária anuência
dos demais. Se na sociedade pode ingressar um estranho, é porque os sócios mantém a sociedade mais em atenção ao
seu capital do que à qualidade pessoal dos companheiros. Por outro lado, modernamente, a doutrina – como iremos
mostrar no devido tempo – tem admitido que o mesmo fenômeno empolgue as sociedades anônimas fechadas, que
podem tomar um aspecto personalista, quando restringem a negociabilidade das ações, estabelecendo que essas
73

É importante notar que a constituição de uma sociedade limitada é amplamente


utilizada no País na medida em que, para a sua constituição, basta que existam, no mínimo, dois
sócios92. Ou seja, com apenas dois empresários é possível se constituir uma sociedade sob este
tipo societário.

A constituição de uma sociedade limitada se dá pela elaboração do contrato social.


Esse contrato deverá conter as cláusulas específicas as quais, em conjunto, caracterizarão esta
sociedade como limitada, ao determinar que a responsabilidade dos seus sócios se limitará ao
valor do capital social.

O capital social, como nas EIRELIs, é dividido por quotas. As quotas acabam por
representar bens ou direitos contribuídos pelos sócios em sua integralização. Não é permitido, nos
termos do Código Civil, que o capital social seja integralizado, nas sociedades limitadas, com a
prestação de serviços dos sócios. O capital social subscrito pelos sócios, na proporção acordada,
deverá ser integralizado com o aporte de moeda corrente nacional ou ainda em bens
economicamente avaliáveis.

Em linha com essa afirmação, é o entendimento de MARTINS93:

O capital das sociedades limitadas será expresso em dinheiro, denominando-se a


parte de cada sócio de quota. As quotas, conforme legislação nacional, são distintas,
não se incorporando, como acontece com as participações de um mesmo sócio para
a constituição do capital da sociedade em nome coletivo. Sabemos que esse tipo

somente podem ser vendidas a estranho, após oferecimento delas aos demais acionistas.” In REQUIÃO, Rubens.
Curso de Direito Comercial. 1º vol. 33ª edição. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 588. Já MARTINS Sobre o mesmo
tema, verifique-se MARTINS entende que “Nas sociedades limitadas temos sócios que tanto podem ser pessoas
físicas ou jurídicas; apesar das doutrinas, o legislador teve em mente manter o hibridismo, de uma sociedade mista,
tanto de capital como de pessoas. Constituída por escrito particular ou público, fazem uso da denominação social,
espelhando o nome empresarial, mas é essencial conter a palavra limitada, por extenso ou abreviadamente.” In
MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. 40ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 216.
92
“A sociedade limitada é um tipo societário popular e democrático. Como o próprio nome diz, desenvolver uma
atividade econômica por meio de uma sociedade limitada é uma das maneiras de restringir a responsabilidade do
sócio e, com isso, proteger o seu patrimônio pessoal. Sob este fundamento societário podemos encontrar desde um
simples bar e lanchonete até uma grande indústria pertencente a grupo estrangeiro.” In MATTOS FILHO, Ary
Oswaldo, CHAVENCO, Maurício, HUBERT, Paulo et al. Radiografia das Sociedades Limitadas. São Paulo:
Núcleo de Estudos em Mercados e Investimentos. FGV Direito SP, Outubro de 2014. p. 1.
93
MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. 40ª edição. São Paulo: Forense, 2017. P. 223.
74

societário a entrada é feita pelo capital prometido e integralizado ou bens


patrimoniais na operação de conferência. (...)

As quotas do capital social representam, ao seu titular, o direito de recebimento


dos resultados positivos gerados pela sociedade empresária que a emitiu. Contrario sensu, para a
sociedade, as quotas representam uma dívida com os seus sócios, gerada no momento de sua
constituição.

Note-se que por deter a quota parte do capital social que o sócio tem o direito de
participar nos resultados econômicos gerados pela atividade empresarial desenvolvida pela
sociedade. Neste mesmo sentido, importante frisar que a sua participação em tais resultados pode
estar ou não atrelada à quantidade de quotas detidas. Ou seja, é possível que, quando da
confecção do contrato social, os sócios optem por estabelecer uma distribuição desproporcional
dos lucros gerados entre eles, que não obedeça proporção que cada um detém no capital social.

As quotas sociais podem ser objeto de cessão por parte de seus titulares. No
entanto, essa transferência pode estar sujeita à aquiescência dos demais sócios integrantes da
sociedade. Neste caso, a transferência das quotas somente se opera caso os demais sócios
declinem do direito de preferência para a sua aquisição.

No que diz respeito aos titulares das quotas sociais, estes podem ser pessoas físicas
ou jurídicas. Sendo titulares de tais quotas, portanto, essas pessoas são denominadas sócios
quotistas da sociedade, já que integram o contrato social.

Verifique-se que, em relação a este tema, há algumas questões relevantes que os


empresários rurais individuais, ou seus assessores, podem se deparar na determinação das pessoas
que figurarão quadro societário da sociedade limitada.

A primeira delas, muito comum, é que não poderá figurar cônjuges casados em
comunhão total ou parcial de bens. Esse fato é bastante relevante no setor da atividade rural. É
75

muito comum que o produtor rural desenvolva suas atividades em conjunto com sua esposa, que
figura verdadeiramente como sócia em tais atividades.

Se isso ocorrer, esses produtores rurais somente poderão figurar como sócios na
sociedade limitada se o regime de bens do casamento entre ambos for o da separação total. Esse é
o preceito havido no artigo 977 do Código Civil.

Outro tema recorrente em relação à formação do quatro societário é a participação


de menor de idade como sócias em sociedades limitadas. O que se tem hoje pacificado sobre o
tema é a aceitação do estabelecido pela Instrução Normativa nº 12, de 28 de outubro de 1986,
(mantido posteriormente pela IN nº 29, de 1991), emitida pelo Departamento Nacional de
Registro do Comércio (DREI), que o menor pode participar do quadro societário desde que o
capital social da sociedade esteja totalmente integralizado. Ademais, a tais menores não podem
ser conferidos nenhum poder de administração ou gerência.

Na atividade rural a participação de menores como verdadeiros sócios de outras


pessoas também é muito comum, o que torna a limitação apontada bastante relevante.

Essas determinações por meio de normas infra legais já foram revogadas pelo
DREI, com a edição da IN nº 46, de 1996. No entanto, suas determinações continuam a ser
aceitas pelas Juntas Comerciais dos estados federativos.

Outrossim, é importante ressaltar que no caso da sociedade limitada poderá haver


compartilhamento de poder no desenvolvimento das operações da atividade rural. Isso porque a
sociedade, que tem mais de um sócio, deverá ser administrada ou gerenciada por uma pessoa
física a ser indicada por eles. Esse administrador, na grande maioria das vezes, se confunde com
um dos sócios ou ambos, isolada ou conjuntamente.

Diferentemente da EIRELI, em que o produtor rural é o titular da totalidade das


quotas emitidas pela empresa e, portanto, não compartilha o seu poder de mando com nenhum
outro sócio, no caso das sociedades limitadas, os sócios, em sua constituição, devem estabelecer
76

de que maneira os poderes sobre a sociedade serão exercidos por eles, diretamente, ou em seu
nome (por terceiros).

As sociedades limitadas geram uma estrutura de poder próprio e, as decisões em


relação ao rumo de suas atividades passam a ser tomadas em reunião de sócios. São nas reuniões
assembleares que os sócios exercem o poder por meio do seu direito de voto em relação aos
temas sociais.

Nesse sentido, conforme COELHO94,

A sociedade empresária, sendo pessoa jurídica, deve manifestar sua vontade por
meio das pessoas naturais investidas, nesta função, pela lei e pelo respectivo ato
constitutivo (estatuto ou contrato social). O conjunto de sócios – por vezes,
reunidos formalmente num órgão, a assembleia geral – corresponde às pessoas
investidas na função de definir a vontade geral da sociedade empresária. Nesta
definição, em vista do princípio majoritário, prevalecerá a vontade ou o
entendimento da maioria.

As deliberações apontadas anteriormente devem ser votadas em assembleia (ou


reuniões de sócios), convocada e instalada nos termos da legislação, devendo ser apontada a
ordem do dia, ou seja, os temas tratados, os documentos, se houver, tais como os balanços
patrimoniais e contas, o local e dia de sua realização 95.

94
COELHO, Fábio Ulhoa. Princípios do Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 46. Esse autor vai além:
“Convém destacar, desde logo, que o princípio majoritário, no direito societário, não é democrático. Pelo contrário,
quando fala em maioria, não está necessariamente prestigiando a vontade ou o entendimento da maior quantidade de
sócios. Se fosse democrático, o princípio majoritário adotaria a fórmula um sócio um voto; mas não é assim. A
maioria, no campo do direito societário, está invariavelmente associada ao risco assumido. Quanto maior o risco que
o sócio assume em determinada sociedade, maior será sua participação nas deliberações sociais. Deste modo, em
geral, o princípio majoritário se expressa pela atribuição de poder deliberativo ao sócio proporcionalmente às quotas
ou ações (votantes) tituladas. Em decorrência, numa sociedade limitada, o sócio titular de quotas representativas de
mais da metade do capital social é o majoritário; e na anônima, será o acionista titular de mais da metade das ações
votantes, presentes na assembleia geral. Esse sócio majoritário, sozinho, pode definir a vontade da sociedade
empresária, mesmo que com ele não concordem os demais. As deliberações sociais dependem da vontade ou
entendimento de outros sócios, além do majoritário, somente se previsto algum mecanismo que o assegure num
acordo de quotistas ou de acionistas.”
95
REQUIÃO ensina que “A assembleia é a congregação de sócios, convocada de modo formal, pelo administrador,
pelo sócio em caso de atrasos do administrador, pelo sócio ou sócios com mais de 20% do capital social ou pelo
conselho fiscal 95, dedicada a decidir sobre assuntos fundamentais, fixados em lei ou no contrato social.
Obrigatoriedade. A assembleia é obrigatória sempre que a sociedade limitada tenha mais de dez sócios, ou quando
for determinada pelo contrato social. Será dispensável se todos os sócios decidirem por escrito sobre matéria que
77

Há que se respeitar também os quóruns de instalação e de deliberação de uma


assembleia nas sociedades limitadas. Tais quóruns devem ser respeitados, sendo eles aqueles
previstos expressamente na lei, ou no contrato social; neste caso pode-se exigir números
superiores àqueles determinados na lei96.

Outra característica fundamental é que no caso das sociedades limitadas os sócios


têm o dever de participar da sociedade. Por ter suas alterações registradas contratualmente, os
sócios estão obrigados a fazer refletir no contrato social todas as suas alterações societárias,
levando-os, inclusive a assentamento público.

No mais, não podem os sócios das sociedades limitadas simplesmente


abandonarem a sociedade: a lei determina quais são as situações em que os sócios podem deixar a

seria objeto da assembleia. Temas. Além dos assuntos que forem arrolados pelo contrato social, devem ser tratados
em assembleia, quando for obrigatória e condição da eficácia da deliberação: I – a aprovação das contas da
administração; II – a designação de administradores, por ato em separado; III – a destituição dos administradores; IV
– a remuneração destes, quando não for objeto do contrato social; V – a modificação do contrato social; VI – a
incorporação, a fusão, a transformação, a dissolução da sociedade, a cessação do estado de liquidação; VII – a
nomeação e destituição de liquidantes e o julgamento de suas contas; VIII – a eleição do conselho fiscal e
remuneração de seus membros.” In, REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 1º vol. 33ª edição. São
Paulo: Saraiva, 2014. p. 637.
96
Segundo REQUIÃO, “Na sociedade limitada, a assembleia se instala com a presença, em primeira convocação, de
titulares de três quartos do capital social. Em segunda convocação, vale qualquer número de quotas para instalar a
assembleia. (...) Número de votos necessários para deliberar. (...) O regime inaugurado pelo Código Civil é mais
elaborado. A lei pode exigir: I – a unanimidade; II – três quartos do capital; III – dois terços do capital; IV – maioria
absoluta; V – maioria simples. A maioria absoluta é composta por mais da metade do capital presente na assembleia,
reunião ou ato (art. 1.010). (...) A unanimidade do capital é necessária quando se tratar de: a) nomeação de
administrador não sócio, caso o capital não esteja integralizado (art. 1.061); b) dissolução da sociedade com prazo
determinado (art. 1.033, II); c) mudança da nacionalidade da sociedade (art. 1.127). A maioria de três quartos do
capital é necessária para: a) alteração do contrato social; b) incorporação, fusão, dissolução da sociedade ou cessação
do estado de liquidação (arts. 1.071, V e VI, e 1.076, I). A maioria de dois terços do capital social é necessária para
a: a) destituição do administrador sócio nomeado no contrato social, caso este não disponha de modo diferente (art.
1.063, parágrafo 1º); b) para a designação de administrador não sócio (art. 1.061) se o capital já estiver completado.
A maioria absoluta do capital é exigida (art. 1.076, II) para: a) designação de administrador sócio realizada em ato
separado; b) a destituição do administrador, salvo se sócio e nomeado no contrato social; c) fixação da remuneração
dos administradores; d) impetração de concordata preventiva (art. 1.076, II); e) dissolução da sociedade com prazo
indeterminado (art. 1.033, III); f) exclusão do sócio por justa causa (art. 1.085). A maioria simples deve ser
observada para: a) aprovação das contas dos administradores (art. 1.071, I); b) nomeação e destituição dos
liquidantes e julgamento de suas contas (art. 1.071, VII); c) autorização aos liquidantes para onerar bens móveis ou
imóveis, ou contrair empréstimos para facilitar a liquidação (art. 1.105, parágrafo único); d) autorização para o
liquidante realizar rateios em favor dos sócios, por conta da partilha final, na apuração dos haveres da sociedade em
liquidação, no caso de já terem sido pagos os credores; e) outros temas, para os quais não se exija quórum especial,
no contrato ou na lei.” In REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 1º vol. 33ª edição. São Paulo: Saraiva,
2014. pp. 639-641.
78

sociedade, e a forma de saída. Isso porque a saída imotivada de um sócio pode gerar a
descontinuidade da sociedade limitada.

Os sócios das limitadas poderão exercer, concomitantemente à sua posição de


sócio, a posição de administrador da sociedade. Tal situação deve constar no próprio contrato
social ou em ato separado, sempre registrado na Junta Comercial competente.

3.4.1. A ADMINISTRAÇÃO DA SOCIEDADE LIMITADA

Nos termos do artigo 1.060 do Código Civil, sociedades limitadas devem ser
administradas por pessoas físicas. Essas pessoas físicas podem se confundir com seus sócios, ou
não. Pode ser administrador apenas um de seus sócios ou mais de um; neste caso, assinando em
conjunto ou separadamente 97.

O desenvolvimento da administração nas sociedades limitadas não é uma questão


que gera grandes dúvidas ou discussões entre os seus sócios. Ocorre que, com efeito, quem tem o
poder da sociedade, no mais das vezes, também pratica os atos de sua administração.

É bastante comum verificar sociedades limitadas em que os seus administradores


se confundem com seus sócios, ainda que seja expressamente permitida a indicação de uma
terceira pessoa, que não participa do capital social, desenvolver tais atividades.

É liberdade contratual dos sócios determinarem como a sociedade deverá se


relacionar com terceiros. Isto é, quais são os requisitos e os pressupostos de sua manifestação de
vontade, determinando a administração nomenclaturas adicionais.

A esse respeito, REQUIÃO98 ensina:

97
Artigo 1.060. A sociedade limitada é administrada por uma ou mais pessoas designadas no contrato social ou em
ato separado.
Parágrafo único. A administração atribuída no contrato a todos os sócios não se estende de pleno direito aos que
posteriormente adquiram essa qualidade.
98
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 1º vol. 33ª edição. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 627.
79

O Código Civil designa como administrador a pessoa encarregada de gerir a


sociedade, limitada ou não, atuando como seu órgão. Será o diretor, com a sua
variada adjetivação (presidente, vice-presidente, executivo, financeiro, comercial,
etc.), o tradicional gerente, com sua simples ou variada qualificação.
(...)

Podem os sócios-quotistas, na elaboração do contrato social, dar uma estrutura


simplificada à sociedade, como também imprimir-lhe um arcabouço mais
sofisticado. A administração, por exemplo, admite ser concebida com a
simplicidade das típicas sociedades de pessoas, em que o sócio apenas desempenha
a gerência e representa ativa e passivamente a sociedade. Pode, ao contrário,
estabelecer uma gerência colegiada, em que dois ou mais sócios desempenham a
administração da sociedade, agindo em conjunto, sendo necessárias duas ou mais
assinaturas para obriga-la em face de terceiros.
(...)

Para finalizar, é importante frisar novamente que as sociedades limitadas são a


grande maioria do tipo societário utilizado pelas empresas brasileiras. E tal fato se deve
principalmente à limitação da responsabilidade de seus sócios e a simplicidade da sua criação e
expediente societário.

Por isso tudo, para os produtores rurais que desenvolvam suas atividades em uma
ou mais pessoas físicas, ou ainda jurídicas, esse tipo societário pode ser uma primeira alternativa,
haja vista a simplicidade para sua criação e o seu dia a dia societário.

Em relação à sua administração, também não requer grandes formalidades. Basta a


indicação do administrador, isolado em conjuntamente com outra pessoa, ser indicado no
contrato social ou em ato separado para que ele presente a sociedade.

3.5. SOCIEDADE ANÔNIMA

Por fim, compre analisar um último tipo societário, a sociedade anônima, que se
verá adiante, é o mais complexo de todos os anteriores. Esse tipo societário é regido pela LSA,
diploma legal em vigor desde 1º de janeiro de 1977.
80

Referido diploma estabelece que a principal característica das sociedades


anônimas que é o porcionamento do capital social da sociedade em ações, e não em quotas (como
na EIRELI e sociedades limitadas) representativas do capital social99.

As ações podem ser ordinárias, preferenciais ou de fruição100. Sendo ordinárias, as


ações têm em si todos os direitos relativos ao exercício de voto nas deliberações sociais. Já as
preferencias, não. Uma parcela ou o seu direito de voto é reduzido. Em contrapartida, os seus
titulares, terão preferência no recebimento dos dividendos pagos pela sociedade anônima, ou
companhia. As ações de fruição são ações que surgem quando a sociedade amortiza suas ações.
Elas conferirão aos seus titulares o direito à participação no acervo líquido no momento da
liquidação da companhia.

Em relação à limitação da responsabilidade, nas sociedades anônimas acionistas –


titulares das ações, são responsáveis pelo preço de subscrição das ações. Nas palavras de
CARVALHOSA101, a “responsabilidade patrimonial dos subscritores ou acionistas, no momento
da subscrição, será correspondente ao preço de emissão das ações subscritas”.

3.5.1. CARACTERÍSTICAS GERAIS

Diferentemente das sociedades limitadas, as sociedades anônimas têm natureza


institucional, ou seja, estão mais voltadas ao interesse social do que ao interesse dos próprios
acionistas.

99
No entendimento de MARTINS, “(...) a sociedade anônima é a sociedade na qual o capital é dividido em ações,
limitando-se a responsabilidade do sócio ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas. Referidas
sociedades têm um modo de constituição próprio e o funcionamento está condicionado às normas estabelecidas na lei
ou no estatuto. Consideram-se as sociedades institucionais ou normativas e não contratuais, uma vez que nenhum
contrato liga os sócios entre si. O tipo da sociedade anônima tem regulação por leis especiais.” In MARTINS, Fran.
Curso de Direito Comercial. 40ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 237.
100
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 2º vol. 33ª edição. São Paulo: Saraiva, 2014. pp. 23-25.
101
CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. 1º Volume. 6ª ed., São Paulo: Saraiva,
2011. p. 95.
81

O tema institucionalista das sociedades limitadas só ingressou no ordenamento


jurídico brasileiro pela lei acionária de 1977. Verifique-se passagem de SALOMÃO102:

O sistema societário brasileiro é uma interessante demonstração dos resultados, não


de todos coerentes, a que a convivência de ambas as teorias em um mesmo sistema
positivo pode levar.

Os princípios contratualistas permeiam o sistema societário brasileiro. (...)

A lei acionária de 1976 introduz no ordenamento brasileiro objetivos diversos. O


legislador tentou incentivar a grande empresa de duas maneiras diferentes:
primeiro, o auxílio à concentração empresarial.

(...) em segundo lugar, facilitar a capitalização das empresas através do mercado


acionário. Em consequência, tornou-se necessário criar regras que permitissem os
investidores contra o arbítrio dos sócios controladores, incentivando-os assim a
participar das empresas. Procurou-se criar um sistema de proteção das minorias
acionárias, baseado, entre outras coisas, na institucionalização dos poderes e
deveres do sócio controlador e dos administradores.

KRAAKMAN103 define assim as principais características da sociedade por ações


como (i) ter personalidade jurídica; (ii) possibilita a limitação da responsabilidade; (iii) permite a
transferência das ações; (iv) centraliza a administração sob uma estrutura de diretoria; e (v) tem
sua propriedade compartilhada pelos contribuintes do capital.

A sociedade anônima, da mesma forma que a sociedade limitada, se forma por um


contrato, onde duas ou mais pessoas subscrevem o capital da sociedades, conferindo bens ou
direitos em integralização ao capital subscrito – dividido em ações - nos termos havidos em seu
estatuto social. Para a sua criação, adicionalmente, também é necessário a elaboração da ata de
fundação da sociedade anônima. São constituídas por subscrição pública ou particular.

Há dois tipos de sociedades anônimas, as de capital aberto, e as de capital fechado,


nos termos do artigo 4º da LSA. REQUIÃO as classifica assim:

102
SALOMÃO FILHO, Calixto. O Novo Direito Societário. 4ª edição. 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2015. pp.
38 e 29.
103
KRAAKMAN, Reinier, ARMOUR, John, DAVIES, Paul et al. The Anatomy of Corporate Law – A
Comparative and Functional Approach. 2 ed. New York, Oxford. p. 5.
82

O artigo 4º considerou a existência de duas espécies distintas de sociedade anônima.


Classificou-as em sociedade anônima de capital aberto e sociedade anônima de
capital fechado. A companhia é aberta ou fechada, reza aquele preceito legal,
conforme os valores mobiliários de sua emissão estejam ou não admitidos à
negociação em bolsa ou mercado de balcão. 104

As sociedades anônimas de capital fechado se destinam a atividades empresariais


de menor porte. Em essência, tais sociedades não têm natureza institucional que a legislação
previu. Muito antes pelo contrário, têm, em sua constituição, enorme consideração a respeito do
intuito pessoal dos acionistas envolvidos na sua constituição. Muitas vezes, tais sociedades, têm
em seu quadro de acionistas, familiares. Essa situação é bastante verificada nas sociedades
empresárias do agronegócio 105.

De outro lado, as sociedades anônimas de capital aberto, revestem-se mais


precisamente do termo instituição. São criadas, no mais das vezes, para o desenvolvimento de
grandes empreendimentos, demandantes de vultosos capitais. E, neste sentido, buscam a captação
de recursos financeiros acessando a poupança pública.

104
REQUIÃO continua: “Valores mobiliários são todos os papéis emitidos pelas sociedades anônimas para captação
de recursos financeiros no mercado. Mercado de balcão é atividade exercida fora de bolsas, relativas aos valores
mobiliários, assim consideradas as realizadas com a participação das empresas ou de profissionais que tenham por
objetivo distribuir aqueles valores. Atuam no exercício dessa atividade, fora da bolsa, no balcão de seus escritórios.
(...) Isso quer dizer que a companhia aberta somente será considerada como tal, se os valores mobiliários que ela
operar estiverem registrados naquela Comissão (de Valores Mobiliários). É evidente que a Comissão de Valores
Mobiliários só registrará os valores mobiliários segundo a atenção a certos requisitos e a certas formalidades por ela
determinados. (...) As outras sociedades que não se enquadrarem em tais requisitos serão consideradas sociedades
fechadas. (...) Embora a lei considere que a sociedade anônima constitua o tipo ideal da grande empresa moderna,
não deixa de transigir, reconhecendo a existência, entre nós, da pequena sociedade anônima. O art. 294 facilita a
organização de tais sociedades, que são sempre fechadas, com menos de vinte acionistas, cujas ações sejam
nominativas não conversíveis, e cujo patrimônio líquido for inferior ao valor de um milhão de reais. In, REQUIÃO,
Rubens. Curso de Direito Comercial. 2º vol. 33ª edição. São Paulo: Saraiva, 2014. pp. 54-55.
105
Verifique-se passagem de REQUIÃO neste sentido: “Não se tem mais constrangimento em afirmar que a
sociedade anônima fechada é constituída nitidamente cum intuitu personae. Sua concepção não se prende
exclusivamente à formação do capital desconsiderando a qualidade pessoal dos sócios. Em nosso país, com efeito,
prevalece a sociedade anônima constituída tendo em vista o caráter pessoal dos sócios, ou a sua qualidade de
parentesco, e por isso chamada de sociedade anônima familiar. Explica-se, assim, a cláusula estatutária frequente,
fundada no art. 27, parágrafo 2º, da lei anterior, que dá guarida aos interesses pessoas do grupo de acionistas, no
sentido de que “os estatutos podem impor limitação à circulação as ações nominativas, contanto que regulem
minuciosamente tais limitações e não impeçam a sua negociação, nem sujeitem o acionista ao arbítrio da
administração da sociedade ou da maioria dos acionistas.” In, REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 2º
vol. 33ª edição. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 56.
83

A principal característica destas sociedades é a tremenda necessidade de capital


para o desenvolvimento de suas operações. Caracterizam-se por serem empresas demandantes de
muito investimento, com atuação nacional e até internacional. Sua estrutura de custos de
administração dos stakeholders106 é substancialmente alterada, já que ao se acessar a poupança
pública, os níveis de divulgação de informação ao mercado aumentam e com eles, os controles.

E é por esse motivo que este tipo societário está sujeito à regras mais rigorosas de
fiscalização, quer seja pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), quer seja pelo Banco
Central do Brasil. Esses órgãos visam garantir a segurança da economia popular, fiscalizando as
formas de capitação e o uso dos recursos captados.

Toda e qualquer captação de recursos financeiros realizados pelas sociedades


anônimas de capital aberto estão sujeitos à registro junto à CVM. Em alguns casos, esta autarquia
federal pode negar o pedido de registro de determinadas pessoas jurídicas, o que normalmente
acontece quando os requisitos legais não foram integralmente atendidos.

Da mesma forma que as sociedades anônimas obtêm o registro para operar junto à
CVM, esta pode suspendê-lo ou até mesmo, cassá-lo. Neste caso, a companhia deverá fazer uma
Oferta Pública de Aquisição de Ações (OPA) para adquirir suas ações no mercado, com a atenção
a determinados critérios. Esse procedimento visa impedir o “fechamento branco” de capital,
movimento em que as próprias sociedades acabam comprando, pouco a pouco suas ações,
impondo um fechamento de seu capital, sem o devido pagamento justo das ações adquiridas.

Outra característica fundamental das sociedades por ações é o seu capital social.
Ele é a verdadeira garantia de que a instituição seguirá com o andamento de suas operações,
previstas em seu objeto social. Nas palavras de EIZIRIK107:

106
Stakeholders é a denominação dada a todos aqueles que, de alguma forma, interagem com as sociedades.
107
EIZIRIK, Nelson. Notas sobre a Alteração do Objeto Social e o Direito de Recesso. In Direito Societário –
Estudos e Pareceres. (autor). São Paulo: Quartier Latin, 2015. p. 207.
84

O objeto social é o negócio, gênero de operações ou atividades em função da qual a


companhia foi constituída e ao qual ela se dedica. Assim, constitui o conjunto de
atividades econômicas a ser exercido pela sociedade a partir de sua criação até a sua
liquidação.

Nesse sentido, Enrico Zanelli, em estudo clássico observa que é suficiente definir o
objeto social como a atividade econômica em vista da qual a sociedade foi
constituída e em torno da qual ela desenvolve seus negócios.

O capital social representa a garantia que os credores da sociedade tem para com
esta instituição. Portanto, a sua mutação, é totalmente regulada por lei. Aumento e redução do
capital social das sociedades anônimas devem respeitar rigorosamente os ditames legais.

Sumariamente, o capital social pode ser aumentado por meio de uma deliberação
em assembleia geral ordinária, onde os acionistas, por meio do mecanismo do voto, aprovam ou
rejeitam essa chamada de capital. É a chamada capitalização de novas ações a serem emitidas
pela companhia. Pode ainda este capital ser aumentado por meio da capitalização de valores
registrados contabilmente em reservas de capital.

Em alguns casos, as sociedades anônimas tem capital autorizado. Ou seja, o


próprio estatuto de constituição da sociedade. É um mecanismo de formação de capital que pode
ser previsto pela sociedade afim de que, previamente, já estabeleça um valor de aumento do valor
de seu capital social. Todos esses mecanismos prescindem de aprovação pela assembleia geral e
pela CVM.

E, de outro lado, o capital social poderá ser diminuído, também por aprovação em
assembleia geral, em dois casos: (i) para a absorção de prejuízos acumulados; ou (ii) quando
julgado excessivo em relação ao desenvolvimento das atividades previstas no objeto social da
companhia.

Este tipo societário privilegia a circulação de referidas ações, que podem ter a sua
propriedade transferida mediante simples apontamento no livro de registro das ações, indicando
os novos proprietários. As ações são títulos representativos do capital social das sociedades
85

anônimas, sendo, inclusive, item integrante do rol de títulos de crédito. Elas permitem aos seus
detentores participar da vida social, que se dá nas deliberações sociais, havidas nas assembleias.
Esse direito é resguardado também aos acionistas portadores de ações preferenciais, sem direito
de voto.

As ações podem ter ou não valor nominal. Na grande maioria dos casos, as
companhias abertas emitem ações sem valor nominal, fazendo, com isso, que a sua negociação
fique sempre a valor de mercado.

As ações das companhias são nominativas e escriturais. Essa escrituração,


atualmente, se dá de maneira eletrônica, registrando quem são os sócios ou seus titulares, quando
movimentadas, por meio de operações de alienação, aluguel, etc.

As movimentações das ações são registradas nos livros sociais. Nos termos do
artigo 100 da LSA, as sociedades anônimas deverão manter o Livro de Registro de Ações
Nominativas, o Livro de Transferência de Ações Nominativas, o Livro de Registro de Partes
Beneficiárias Nominativas, o Livro de Transferência de Partes Beneficiárias Nominativas, o
Livro de Atas de Assembleias Gerais, o Livro de Presença dos Acionistas, os livros de Atas das
Reuniões do Conselho de Administração (se existente) e Atas das Reuniões da Diretoria.
Também há o Livro de Atas e Pareceres do Conselho Fiscal.

Diante destas características, os produtores rurais que atuarem em conjunto com


um ou mais sócios, podem pretender criar uma sociedade anônima para o desenvolvimento de
suas atividades. Evidentemente, este tipo societário prevê mais formalidades para a sua criação e
registros societários que as sociedades limitadas, mas também facilita a transferência das ações.

Outrossim, a atividade rural a ser transferida para uma pessoa jurídica pode
requerer altos volumes de recursos financeiros, os quais poderão ser obtidos junto ao mercado
financeiro de capitais. Se este for o caso, necessariamente, os sócios de tal atividade deverão se
valer deste tipo societário, e ainda buscar autorização da CVM para tal capitação de recursos
junto ao mercado financeiro.
86

3.5.2. O CONTROLE E O VOTO NAS SOCIEDADES ANÔNIMAS

Diferentemente das sociedades limitadas, o controle da sociedade é exercido pelo


detentor da maioria do capital social. É o capital social que determina a estrutura do poder nas
limitadas. Nas sociedades anônimas, diferentemente, o poder é exercido pelo acionista que detém
a maior quantidade de votos, advindos das ações ordinárias.

Tendo em vista a natureza de livre circulação das ações emitidas pelas sociedades
anônimas, o que acontece é que acabam por se formar diversos grupos de acionistas. No mais das
vezes, formam-se, basicamente, dois grupos: os controladores e os minoritários.

A lei societária não define quem é o acionista controlador, mas sim o que é
controle para fins societários. O acionista controlador é aquele que exerce o controle da
sociedade, independentemente da propriedade das ações por ele detidas.

Desta forma, tem-se o controle absoluto, que se dá pela titularidade de metade


(50%) mais uma das ações com direito a voto. No entanto, o controle societário pode se dar
também de maneira minoritária, ou seja, em vista de uma quantidade de ações com direito a voto
que permitam, ao seu titular, eleger a maior quantidade de administradores ou fazer valer a sua
vontade nas deliberações sociais. Essa situação ocorre em vista do absenteísmo, ou seja, da falta
de comparecimento, nas deliberações sociais, dos demais titulares de ações com direito a voto.

O acionista controlador das sociedades por ações é, em vista de sua posição, titular
de direitos e também de obrigações, advindas da própria lei societária. Nas palavras de
REQUIÃO108

Com efeito, é de todos sabido que as pessoas jurídicas imprimem em si o


comportamento e a idoneidade de quem as controla, mas nem sempre o exercício
desse poder é responsável, ou atingível pela lei, porque oculta através do véu dos
procuradores ou dos terceiros eleitos para administrar a sociedade. A identificação
do acionista controlador é um elemento fundamental na caracterização de seu

108
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 2º vol. 33ª edição. São Paulo: Saraiva, 2014. pp. 183-184.
87

comportamento, na legitimidade de sua atuação, sempre condicionada aos limites


traçados pelo objeto social. O respeito e lealdade para com a sociedade e para com
os demais acionistas é regra fundamental na conduta e atividade.

Essa conduta vem expressa na regra do art. 116, pela qual o acionista controlador
deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objetivo e cumprir
a sua função social. Tem deveres e responsabilidades para com os acionistas
minoritários, a empresa, os que nela trabalham e a comunidade em que atua;
direitos e interesses esses que deve lealmente respeitar e atender. Assim entendida a
função de quem traça os destinos da sociedade, visando ao bem comum, realiza a
lei a política do governo que a promulgou, de tratar a companhia como uma
instituição.
(...)

A conceituação de “acionista controlador” nos parece suficiente e clara, pondo em


destaque a identificação do acionista controlador com o detentor da maioria de
votos decisivos nas deliberações de assembleia, como sustentamos anteriormente.

O artigo 109 da LSA prevê os direitos essenciais dos acionistas. Sendo assim, tais
direitos não podem ser totalmente suprimidos. São eles: direito de participar dos lucros sociais;
de participar do acervo líquido na liquidação da companhia; de fiscalizar a administração da
sociedade; de preferência na subscrição de novas ações, partes beneficiárias conversíveis em
ações, debêntures conversíveis em ações e bônus de subscrição.

Podem os acionistas ainda organizar o controle, defender as minorias ou ainda,


determinar regras de circulação de ações por meio dos controles de acionistas. O presidente da
assembleia ou órgão colegiado não computarão votos proferidos com infração aos acordos de
acionistas. Desta forma, a companhia a eles está vinculada. Para tanto, tais acordos de acionistas
devem estar registrados na sede da companhia, nos termos do artigo 118, parágrafo 8º, da LSA.

Note-se, por oportuno, que a estrutura de poder das sociedades anônimas se


diferencia bastante das sociedades limitadas. Em conformidade com a teoria organicista, são nos
órgãos internos das companhias que os poderes estão concentrados. Nas palavras de
REQUIÃO109,

109
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 2º vol. 33ª edição. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 208.
88

Esses órgãos sociais, que integram a direção da sociedade anônima, são


estruturados de forma democrática. Aliás, a coletividade de pessoas que a sociedade
anônima envolve segue geralmente esse comportamento. Assim, os órgãos sociais
estão constituídos em três categorias: o órgão de deliberação, que expressa a
vontade da sociedade; o órgão de execução, que realiza a vontade social; e o órgão
de controle, que fiscaliza a fiel execução da vontade social.

A base das deliberações, desde a assembleia geral (órgão de deliberação) até a


execução no âmbito técnico da administração (órgão de execução), ou do conselho
fiscal (órgão de controle), é o voto. São os acionistas por quorum simples ou
qualificado que, em assembleia, formulam a vontade da sociedade pela votação, na
qual prevalece o desejo da maioria. A administração decide as questões técnicas
que lhe são propostas para execução da vontade social.

Os administradores (conselheiros ou diretores) não representam propriamente a


sociedade, pois dela são órgãos. A sociedade, pessoa jurídica, se faz presente atrás
deles.

Também sobre o quorum qualificado e o princípio majoritário, verifiquem-se os


ensinamentos de EIZIRIK110,

O princípio majoritário permite o desenvolvimento normal dos negócios e impede o


minoritário discordante de obstruir o processo decisório. As normas legais e
estatutárias que estabelecem outras modalidades de expressão de vontade social ou
que dificultam o processo decisório, tais como a maioria qualificada e o direito de
veto e, especialmente, unanimidade, constituem exceções ao princípio majoritário,
devendo, por isso, ser objeto de interpretação restritiva.

Como visto, da mesma forma que nas sociedades limitadas, muitos dos assuntos
relacionados com o andamento das atividades empresariais, nas sociedades anônimas, são
decididas pelo voto em reuniões de acionistas, as assembleias.

Nos termos da LSA, a assembleia pode ser geral ordinária ou extraordinária. Os


temas competentes das assembleis gerais estão previstos na lei e ela tem soberania para decidir
dentre dos limites do objeto social.

110
EIZIRIK, Nelson. A Lei das SA Comentada. Vol. II. 2ª ed. São Paulo: Quartier Latin, 2015. p. 407.
89

A assembleia geral ordinária tem por objetivo decidir sobre os temas do artigo 122
da LSA, que são: tomar contas dos administradores; examinar e votar as demonstrações
contábeis; eleger os membros da administração e do conselho fiscal. Já a assembleia
extraordinária deve tratar dos demais casos, tais como, por exemplo, a reforma do estatuto
social111.

Da mesma forma que a lei civil, cada um dos temas tem quórum específico, de
instalação e de aprovação dos temas. Também como na lei civil, a LSA previu uma série de
requisitos para a sua convocação, instalação e cronograma dos trabalhos.

O quórum de instalação de assembleia geral e o da deliberação são distintos. Nesse


sentido, melhor se faz os ensinamentos de REQUIÃO112,

Em princípio, o “quorum de deliberação” é constituído pela maioria absoluta de


votos, não se computando os votos em branco, como dispõe o art. 129, vale dizer,
dos votos dos acionistas presentes à assembleia que se escusam de votar. Em casos
expressos a lei estabelece um quorum especial, tendo em vista a gravidade da
deliberação a tomar, que deve refletir uma mais acentuada vontade social. Nesses
casos, exige não o quorum tomado em relação aos acionistas presentes, mas o
volume do capital social, restrito às ações com direito a voto. Temos, no art. 135,
para a reforma do estatuto, a instituição do quorum especial para a instalação da
assembleia, que só ocorrerá em primeira convocação com acionistas que
representem dois terços, no mínimo, do capital com direito a voto. Poderá, todavia,
instalar-se em segunda convocação com qualquer número.

O “quorum qualificado” é instituído pela lei em casos expressos. Não se refere ao


número de acionistas presentes à assembleia, nem se confunde com o quorum
especial, que se forma de dois terços, mas admite deliberação de maioria em
segunda convocação. O “quorum qualificado” de deliberação exige, para sua

111
Nas palavras de REQUIÃO: “Tem a assembleia geral competência privativa, que lhe é outorgada pela lei (art.
122), para: I – reformar o estatuto social; II – eleger ou destituir, a qualquer tempo, os administradores e fiscais da
companhia, não tendo entretanto competência para eleger e destituir diretores, pois compete essa escolha ao conselho
de administração; III – tomar, anualmente, as contas dos administradores, e deliberar sobre as demonstrações
financeiras por eles apresentadas; IV – autorizar a emissão de debêntures, ressalvada a competência do conselho de
administração para emitir debêntures simples, não conversíveis em ações e sem garantia real; V – suspender o
exercício dos direitos do acionista (art. 120); VI – deliberar sobre a avaliação de bens com que o acionista concorre
para a formação do capital social; VII – autorizar a emissão de partes beneficiárias; VIII – deliberar sobre
transformação, fusão, incorporação e cisão da companhia, sua dissolução e liquidação; eleger e destituir liquidantes e
julgar-lhes as contas; IX – autorizar os administradores a confessar a falência e pedir concordata.” In REQUIÃO,
Rubens. Curso de Direito Comercial. 2º vol. 33ª edição. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 213.
112
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 2º vol. 33ª edição. São Paulo: Saraiva, 2014. pp. 230-231.
90

obtenção, a aprovação de acionistas que representem metade, no mínimo, das ações


com direito a voto. Nas companhias cujas ações não seja admitidas à negociação em
bolsa ou no mercado de balcão (art. 136), o estatuto pode agravar, aumentar, o
quorum qualificado. No caso de exigência desse quórum não se admite segunda
convocação, e, não sendo ele atingido, considera-se a proposição da diretoria
rejeitada.

A lei, no art. 136, prevê quorum qualificado para as deliberações seguintes, que
exigem para aprovação os votos dos acionistas detentores da metade, no mínimo,
das ações com direito a voto: I – criação de ações preferenciais ou aumento das
classes existentes, sem guardar proporção com as demais classes, salvo se já
previstos ou autorizados pelo estatuto; II – alteração nas preferências, vantagens e
condições de resgate ou amortização de uma ou mais classes de ações preferenciais,
ou criação de nova classe mais favorecida; III – redução do dividendo obrigatório;
IV – fusão da companhia, ou sua incorporação em outra; V – participação em grupo
de sociedades (art. 265); VI – mudança do objeto da companhia; VII – cessação do
estado de liquidação da companhia; VIII – criação de partes beneficiárias; IX –
cisão da companhia; X – dissolução da companhia.

Em casos determinados, a legislação concede aos acionistas o direito de recesso,


que o faz receber o valor de suas ações, em reembolso.

De maneira bem distinta das sociedades limitadas, nas sociedades por ações há
uma distinção bem nítida no que diz respeito ao controle societário. Nas sociedades limitadas,
para que o sócio tenha o controle absoluto da sociedade, é necessário que ele detenha 75%
(setenta e cinco) por cento das quotas emitidas pela sociedade. Já na sociedade anônima, o
controle absoluto é exercido por aquele acionista que detiver 50% (cinquenta por cento) mais
uma das ações com direito a voto emitidas pela sociedade.

3.5.3. A ADMINISTRAÇÃO DA SOCIEDADE ANÔNIMA

No que se refere à sua administração, as sociedades anônimas são administradas


por pessoas físicas indicadas e eleitas por votação dos acionistas.

“acionistas e administradores forma grupos separados. Os acionistas elegem o


conselho de administração, que então seleciona os diretores executivos,
encarregados da administração da empresa. No Brasil, conforme a Lei das SAs, a
administração é constituída em conjunto pela diretoria executiva e pelo conselho de
91

administração (ou somente pela diretoria executiva naquelas empresas que não têm
conselho de administração, o que pode ser o caso em sociedades por ações, de
capital fechado). A administração tem a incumbência de administrar os assuntos da
empresa pelos acionistas. Em princípio, os acionistas controlam a empresa porque
eles elegem os conselheiros. 113”

Em análise aos termos transcritos anteriormente, que foi extraído de um livro não
pertencente ao mundo jurídico, pode-se ter a falsa impressão de que os administradores estão
subordinados aos acionistas das sociedades por ações.

Isso não é verdade. Essa discussão foi gerada de maneira proposital para
demonstrar o quanto a cultura de que os administradores atendem aos interesses dos acionistas é
bastante disseminado no País. Esse entendimento, conforme se verá mais adiante, é distorcido da
realidade normativa em vigor.

Sob a ótica jurídica, REQUIÃO114 pontua o sistema antigo e moderno de


administração das companhias:

O sistema da administração exercida por uma diretoria, composta por um ou mais


diretores, acionistas ou não, eleitos e demissíveis pela assembleia, já se havia
revelado acanhado demais para atender as empresas brasileiras de maior dimensão.
(...)

Dispõe, portanto, o art. 138 que a administração da companhia competirá, conforme


dispuser o estatuto, ao conselho de administração e à diretoria, ou somente à
diretoria. Esse preceito deixa, com efeito, a opção aos acionistas de adorem
qualquer dos dois tipos de administração da sociedade: ou o clássico, existente na
lei revogada, ou o moderno, em que a administração se divide em conselho e
diretoria. O conselho de administração atua como órgão de deliberação colegiada,
isto é, em conjunto, não desempenhando seus membros funções diferentes. Atua em
bloco e no seu âmbito as decisões são tomadas por maioria de votos. Não tem o
conselho de administração a representação da companhia, pois essa representação
social é privativa dos diretores.

113
ROSS, Stephen A. WESTERFIELD, Randolph W., JORDAN, Bradoford D. et al. Fundamentos de
Administração Financeira. 9ª ed., Porto Alegre: AMGH, 2013. p. 7.
114
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 2º vol. 33ª edição. São Paulo: Saraiva, 2014. pp. 237-238.
92

Os administradores, membros do conselho de administração, são eleitos em


assembleia. Da mesma forma, essa assembleia geral pode destituí-los. A destituição dos
administradores ocorre ad nutum, ou seja, de maneira discricionária, sem necessidade de
declaração dos motivos.

É de competência do conselho de administração: fixar a orientação geral da


companhia; eleger e destituir os diretores, fixando-lhes atribuições; fiscalizar a gestão dos
diretores; convocar assembleia geral quando julgarem conveniente; manifestar-se sobre o
relatório da administração; deliberar sobre a emissão de ações; autorizar a alienação de ativo
permanente, a constituição de ônus reais e a prestação de garantias a terceiros; escolher e destituir
auditores independentes.

Portanto, os membros do conselho de administração, por sua vez, indicam e


elegem os diretores da companhia, que passarão a ser seus subordinados. Importante ressaltar que
os diretores não estão subordinados à assembleia, como os membros do conselho de
administração.

Também por isso não estão vinculados a nenhum dos acionistas. Visando clarificar
ainda mais essa questão, é importante verificar qual é a amplitude e a discricionariedade dos atos
praticados pelos administradores de sociedades empresárias no Brasil.

Os administradores eleitos para o desempenho da função deverão agir com


lealdade à sociedade. Também deverão manter o sigilo das informações e atividades
desenvolvidas, as quais ainda, não devem sofrer a influência de interesses pessoais dos
administradores. Tem ainda os administradores o dever de informar, mantendo o disclosure de
temas que podem influenciar o mercado de capitais.

Como visto, nas sociedades por ações, a administração pode ser exercida por uma
diretoria ou, por ela e um conselho de administração. Tais órgãos têm membros eleitos direta ou
indiretamente pelos acionistas. Estes elegem os membros do conselho de administração, se for o
caso, e este nomeiam os administradores da sociedade.
93

Verifique-se que o produtor rural somente deverá buscar a constituição de uma


pessoa jurídica com o tipo de sociedade por ações caso seu negócio já esteja com maturidade
empresarial suficiente para enfrentar as formalidades desse tipo societário. Como visto, a
administração deste tipo societário é mais complexa, requer mais controles e formalidades que as
previstas para as sociedades limitadas.

Pudera, esse tipo societário é mais adequado à empreendimentos de grande porte.


Aliás, muito comumente utilizado no agronegócio brasileiro por grupos transnacionais e até
nacionais. Evidentemente, por empresas que têm altos volumes financeiros envolvidos e bastante
tradição no setor. Esse tipo societário também é bastante visto em grupos familiares, como no
setor alcooleiro, mas valendo-se de sociedades anônimas fechadas.

4. CONCLUSÃO

Diante de todas as considerações havidas até o momento, conclui-se que o


empresário rural ainda tem muitas dúvidas relacionadas à constituição ou não de uma sociedade
empresária para o desenvolvimento de suas atividades rurais. Ainda, que no mais das vezes, o seu
entendimento sobre o assunto está mais atrelado às questões econômicas, em especial advindas
da tributação. Não há grandes questionamentos em relação aos aspectos societários que permeiam
o tema.

No entanto, em vista do levantamento bibliográfico analisado, conclui-se que a


atividade rural envolve, em sua essência, riscos significativos os quais, no mais das vezes, são
maiores do que em outros setores da economia. Isso porque, como explorado, esta atividade está
sujeita, além dos demais riscos, ao ciclo agrobiológico da produção de vegetais ou da criação de
animais.

Portanto, em vista da magnitude dos riscos envolvidos, entende-se que o


empresário rural que desenvolve suas atividades em sua pessoa física deve se debruçar com mais
atenção à questão de constituição (ou não) de uma pessoa jurídica para o desenvolvimento de
suas atividades rurais.
94

Ocorre que, como apontado anteriormente, o ordenamento jurídico brasileiro, em


especial o direito societário, fornece aos produtores rurais alguns mecanismos de proteção aos
empresários, facilitando a assunção ou alocamento dos riscos do negócio. O principal mecanismo
abordado vem do direito societário, e permite aos empresários limitar o montante de sua
responsabilidade pelas eventuais perdas sofridas com o desenvolvimento de seus negócios, com o
objetivo precípuo de reduzir a sua exposição aos riscos que o cercam.

Como explanado anteriormente, o produtor rural pessoa física tem à sua disposição
a constituição de uma pessoa jurídica que limite sua responsabilidade frente os riscos
mencionados. Uma vez que este produtor rural decida pela sua constituição, caberá apenas a ele,
sozinho ou com outros sócios, definir o tipo societário mais adequado ao porte do negócio por ele
desenvolvido.

No ordenamento jurídico brasileiro, como visto, o empresário produtor rural


poderá constituir as seguintes pessoas jurídicas: a EIRELI, a sociedade limitada e a sociedade por
ações, sociedades estas que permitem que o empresário rural, unicamente ou com outros sócios,
limitar a sua responsabilidade aos riscos assumidos a uma parcela de seu patrimônio.
Verdadeiramente, desta forma, o empresário rural consegue proteger uma parcela de seu
patrimônio dos riscos do agronegócio.

Em suma, a constituição de uma pessoa jurídica pelo empresário produtor rural é o


primeiro passo a ser dado em direção à proteção ao seu patrimônio e a mitigação dos riscos
atrelados a esta atividade. Sem dúvida alguma, a adoção desta estrutura societária por uma
quantidade maior de produtores rurais fomentará esta atividade, hoje vital para a economia do
País.
95

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