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Kieran
Gabrielle
Dois anos atrás…
Dias depois…
— Ei. — André arregala os olhos, sorrindo, quando estamos ao lado
do seu carro. — Você ficou intensa. — Sua voz provocativa faz a minha
imaginação ruir. O que estou fazendo com ele?
Sério. Eu não o amo como Alícia parece amar Luca. Enquanto seus
lábios tocam os meus, minha cabeça me leva para outro cara. Para o cara de
dias atrás, especificamente. Fui embora naquele dia e ele ficou em meus
pensamentos. Agora, sempre que meu namorado me beija, eu o imagino.
— Nós precisamos… — Paro de falar quando o Vigia, apelido do
cara que organiza as corridas, grita chamando o nome de André e de outro
cara. Sinto-me relaxar, deixando o término pendente, e vejo meu namorado
se afastar.
Eu me viro, procurando a escuridão — no caso, me refiro ao cara que
eu estava cobiçando e que passou dias na minha cabeça. Sei que ele está aqui.
Eu o vi mais cedo. Coloco uma mecha do meu cabelo atrás da orelha e ofego
ao vê-lo parado, encostado a um carro preto ao lado do vermelho de André.
Ele que vai correr com… Oh, Deus!
Seus olhos estão presos nos meus e eu lambo meus lábios. Pare de
encará-lo, Gabrielle! Minha consciência grita comigo, mas o feitiço que ele
colocou em mim não passa. Durante minutos eu só faço olhá-lo.
Desperto quando o Vigia fala no microfone.
— Como já teve a corrida com suas mulheres, agora, o seu oponente,
essa palavra é massa, não? — A multidão ruge rindo e eu reviro os olhos.
Sério? — Voltando aqui. Seu oponente vai levar sua namorada. Dois
minutos, seus pirralhões, e não quero reclamação. — Assim que ele termina
de falar eu começo a andar para trás. Não. De jeito nenhum.
Não olho para André, que deve estar andando em minha direção. Eu
só olho para ele. Seus olhos estão neutros, como se isso fosse uma bobagem.
Mas, se é, por que estou assim? Por que dessa aflição?
— Vamos lá, baby. É rápido, e Kieran é um bom corredor. Não te fará
mal nenhum. — De todas as palavras que meu namorado fala a única que
retumba em meus ouvidos é Kieran.
Kieran. Escuridão.
Seu nome é pouco comum e eu estranho isso.
Aceno bruscamente e o deixo me levar até o carro de Kieran. Já tem
uma garota no carro de André. Não sei de onde ela saiu, mas sei que em
nenhum momento dessa noite ela se aproximou de Kieran. Nenhuma vez,
tenho certeza porque eu permaneci com meus olhos nele. Eles fogem para
ele. É uma loucura.
— Qual o seu nome? — A voz de Kieran é rouca. Tão rouca. Seu
cigarro já deve estar fazendo alguns estragos. Seus olhos castanhos escuros se
prendem nos meus e eu engulo em seco.
— Hummm… — Minha língua pesa e, antes que eu fale algo, André
rosna, ainda parado atrás de mim.
— Minha namorada, Kieran. É isso que você precisa saber. — Ele se
vira me puxando e abre a porta do carro escuro. Entro sentindo minhas mãos
tremendo e suspiro quando Kieran entra no carro também.
Sua camiseta preta é apertada em seus braços. Seus jeans também
escuros são justos e suas botas estão sujas de areia. Ele me parece um pecado.
Parece que saiu do inferno nesse momento, mas ele não tem a aparência do
diabo ou dos demônios de que já ouvi falar. Não. Ele parece um anjo que se
vestiu de forma errada.
— Você vai falar seu nome ou vou te chamar de algodão doce? —
Sua voz novamente rouca ecoa e ele se inclina contra seu braço na janela.
— Algodão doce — respondo antes que eu processasse sua pergunta
com clareza.
— Ótimo. Se segura. Vamos fazer seu namorado comer poeira. Acho
que ainda podemos cortar caminho — ele murmura encarando a pista e
acelera quando uma garota dá a largada.
Sua mão direita aperta sua coxa coberta pelo jeans enquanto a outra
tem domínio sobre o volante. Meus dedos tremem, vendo o quão bonito ele é.
Fecho meus olhos o caminho inteiro sentindo o calor que emana do
corpo de Kieran. É forte e avassalador. Ele é apenas um homem, mas meu
corpo reage a ele como um deus. Como a personificação de uma divindade da
beleza.
Lembro-me de beijar meu namorado pensando nele e respiro fundo.
Queria tanto beijá-lo sem ser apenas na imaginação.
Ele desacelera assim que passamos da linha de chegada com um
sorriso zombeteiro nos lábios. Eu tampo minha boca, percebendo que falei
isso alto. Merda.
— Na próxima vez que beijar seu namorado pensando em mim, eu
vou te achar e farei você me beijar. Não só em pensamentos, mas nos lábios.
Nos meus, especificamente. — Sua promessa paira no carro, me fazendo
cessar meus movimentos para retirar o cinto de segurança.
— Mas… — Eu me calo, sentindo minhas bochechas esquentarem.
Merda.
Saio do seu carro e ando a passos largos para onde os amigos de
André estavam. Mas não tem ninguém aqui. Procuro André quando passa
alguns minutos, mas nada de ele chegar à faixa. Que merda! Ele foi embora?
É isso?
— Vamos. Eu te levo. — Pulo assustada com Kieran ao meu lado. —
Ele não está aqui. Não soube perder e vazou. Vamos. — Mordo meu lábio
agoniada e procuro Lorena pelas cabeças ainda na pista.
— Eu irei com minha irmã — respondo, forçando as palavras a
saírem.
— Ela saiu. Eu vi. Está com Caio, um dos corredores. Aquele idiota
que saiu da pista com sua amiga no outro dia — ele murmura me encarando
impaciente. Há alguns dias Alícia correu com um corredor amigo de André.
Ele não sabia dirigir na pista, o carro deles saiu e por pouco não teve um
acidente.
— Eu não conheço você — respondo cruzando meus braços. — Não
sairei daqui com um desconhecido. — Eu me viro querendo dar o fora de
perto desse cara.
— Eu não estou pedindo, Algodão Doce. Eu estou mandando. Entra
no carro. — Eu me viro colocando as mãos nos quadris e elevo minha
sobrancelha.
— Tente novamente. Você está com a voz um pouco autoritária. —
Faço careta e ele revira os olhos. Kieran aponta para o carro e meus ombros
caem derrotados. — Só irei porque meu namorado falou que você era
confiável. — Lembro-me das palavras de André e saio em direção ao carro de
Kieran.
— Grande merda… — Ele vem atrás de mim e juntos vamos para seu
carro. Entro e decido permanecer calada enquanto saímos do bairro.
— Moro no centro — explico quando ele entra na avenida principal
da cidade.
— Claro que sim. Uma princesa rica? — Ele parece falar com
deboche, mas não posso ter certeza, pois seu rosto é sério.
— Meus pais são ricos, sim. Uma princesa? Talvez. — Dou de
ombros, não lhe dando importância.
Quando o carro desacelera em frente ao prédio em que moro, Kieran
sai do carro e abre a porta para mim. Oh, vejo que de onde ele veio ensinaram
bons modos. Quase sorrio do meu pensamento, mas Kieran está em meu
espaço pessoal — muito pessoal —, não me deixando pensar com clareza.
— Eu vou te encontrar… em breve. Esteja solteira ou não vai ser fiel
por muito tempo ao idiota do seu namorado. — Ele se inclina sussurrando e
eu travo meus olhos, enxergando o quão presunçoso ele é.
— Mesmo que eu esteja solteira, vai precisar mais do que uma boca
atrevida para tocar em mim. — Saio do seu domínio e atravesso a rua
correndo para casa.
Eu me viro quando fecho o portão do prédio e vislumbro um sorriso
de Kieran. O primeiro.
E era só meu.
“Eu temi que ela descobrisse a verdade
Ela não é alguém com quem eu deva me importar.
O difícil agora é explicar isso para minha obsessão.”
Kieran
Gabrielle
Ainda no passado…
Gabrielle
Kieran
Dias atuais
Deslizo minha mão pelo pulso e encaro a tatuagem que fiz com
Gabrielle. Em todas as noites naquela cadeia, eu só focava nela querendo dar
o fora dali. Querendo minha liberdade.
Eu queria emergir.
Aperto o volante enquanto cruzo um sinal e volto a respirar quando,
enfim, estaciono meu carro. Alícia me disse que hoje era sua exposição na
galeria que ela e meu Algodão montaram juntas.
O moletom que visto e a calça jeans parecem apertados demais. Luca
os comprou para mim junto com outras peças que agora estão em minha casa.
Respiro fundo, puxando a manga, e cubro meu pulso.
Uma figura bonita e de cabelos loiros sai da Galeria depois que todos
os outros foram embora. Ela anda a passos apressados até o estacionamento e
sorri, entrando em um carro muito mais caro que muita casa nessa cidade.
Um incômodo cresce em mim enquanto olho mais e mais para seu
cabelo mais longo e castanhos. O que ela fez com eles? Meus dedos apertam
o volante novamente e eu me forço a me acalmar.
Dois anos, Kieran! São a porra de muito tempo. Ela não ia continuar
com o cabelo rosa para sempre. Mesmo com minha consciência me dizendo
isso, eu me sinto traído. É como se ela tivesse me tirado da sua vida num
passe de mágica. Como se eu não tivesse sequer estado na sua casa naquela
noite.
Suspiro forte enquanto ela sai do estacionamento e segue para a
avenida. Não me aproximo muito, mas a sigo, surpreso ao seguir o mesmo
trajeto que segui na noite antes de eu ser preso, vejo que ela ainda mora com
os pais.
Meu batimento cardíaco acelera e eu sei que quero tocar nela. Que eu
preciso me envolver em seu corpo. Não sei qual foi o momento em que
Gabrielle se tornou tão importante para mim.
Quando a vi naquele dia, no racha, eu a quis. Não me importava que
ela estivesse com o idiota do namorado. Ela se tornou minha naquele dia,
quando correspondeu meu olhar.
Volto para o presente quando ela sai do carro na garagem dos seus
pais. Gabby fica parada por um minuto e então se vira, olhando para os lados
da rua. Suas sobrancelhas estão juntas e ela começa a esfregar a parte externa
do pulso direito. Na sua tatuagem.
Balançando a cabeça, ela segue para dentro, mas antes que ela entre
alguém sai da casa. Seu ex. Respiro fundo e esfrego meu rosto. Sério,
caralho? Ela voltou com ele? Os dois entram e eu soco o painel.
Permaneço parado por alguns minutos, tentando imaginar a vida dela.
Ela está trabalhando, isso eu sei porque Alícia fez questão de me dizer hoje
pela manhã. Deus, eu quero matar aquele idiota. Ele a toca agora? Toca o
corpo que eu venerei a noite inteira antes de acabar naquele presídio?
Estou me sentindo diferente agora que estou fora daquelas barras de
ferro. É um incômodo forte. Como se eu tivesse deixado de existir e todos à
minha volta seguissem suas vidas.
Engulo em seco e dirijo pela cidade. Passa das cinco da manhã
quando eu, enfim, estaciono em casa. Eu só vim para cá porque o carro já
estava sem gasolina. Entro e suspiro ao olhar para as paredes reformadas.
Luca parece ter sido contaminado por Alícia e resolveu reformar minha casa.
Nunca tive um amigo como ele. Na verdade, eu conto nos dedos os
amigos que fiz, mas que, na verdade, não eram. Luca é diferente. Não sei por
que ele sempre está querendo me ajudar. Desde o dia em que fomos presos.
Naquela cela, eu me senti mais do que lixo. Eu era a escória do
mundo. Meu pai me visitou algumas vezes. Seu olhar de vergonha quando eu
o encarei fez com que eu nunca mais levantasse meu rosto para ele. Não
consigo mais. Na sua presença, sempre olho para o chão.
Deito-me na cama e encaro meu teto, lembrando-me do dia em que
Gabby estava aqui. Eu não dormi querendo olhar para ela. Esfrego meu rosto,
me mandando esquecer essa mulher.
Nunca ficaríamos juntos. Anos atrás foi um erro pensar que ela
trocaria aquela vida por mim. Hoje eu vejo que eu era muito arrogante. Como
uma menina rica vai sair da sua casa para ir morar com um marginal? Eu
quero rir de mim mesmo, mas resolvo dormir um pouco antes de ir trabalhar
na oficina.
— Bom dia, pai — murmuro entrando, e ele acena me saudando
também.
— Bom dia. Tem uma pessoa aí. — Ele aponta para o escritório e eu
me viro, franzindo as sobrancelhas quando Alícia sai pela porta.
A oficina, na verdade, é uma sociedade entre meu pai e Luca. Alícia
comprou a loja do meu pai, mas deixou ele como sócio. Ela aumentou a loja e
entregou tudo ao marido. Meu pai está mais velho e diz que logo vai se
aposentar e me deixar aqui com sozinho com ele.
— Pai, Alícia, sério? — pergunto rindo e ele dá de ombros, deixando
uma risada sair.
— Deixe de ser malcriado! Eu trouxe comida para Luca, ele saiu cedo
hoje, e trouxe mais para você também, pois sei que ainda não tomou café. —
Ela faz careta e aponta para o escritório. — Está tudo lá.
— Obrigado, Alícia. — suspiro e passo por ela, indo para onde vejo
meu amigo se entalando com um pedaço de pão com queijo e presunto.
— Sobra para mim ou você vai comer tudo? — Cruzo os braços em
frente ao peito e ele ri, engolindo.
— Idiota. Senta aqui. Tenho um monte de trabalho para você — ele
avisa e eu reviro os olhos, imaginando.
“Ela parece petrificada. Surpresa a mantém parada apenas me
encarando.
Posso escutar seu coração batendo fortemente mesmo de longe.
O meu também está. Acho que estão sintonizados.”
Kieran
Gabrielle
Sento-me sobre meus pés enquanto encaro o céu sendo banhado pelo
pôr do sol. Minha garganta coça e eu me pergunto o que está acontecendo.
Ontem, quando cheguei da galeria, depois de uma exposição de Alícia, senti
que alguém me seguia, mas era idiotice pensar nisso.
Ninguém me seguiria.
Fecho meus olhos e aperto meu pulso contra meu coração. Os olhos
de Kieran brilham em meus pensamentos e eu mordo meu lábio, não
querendo pensar nele. Mas é inútil. Eu tentei fazer uma visita a ele, mas na
minha primeira tentativa tive meu pai indo me buscar na delegacia. Ele
balançou a cabeça, me repreendendo, e me trouxe para casa enquanto eu
chorava.
— Você me envergonha, Gabrielle. Não bastasse sua irmã ser uma
vagabunda, você tem que se agarrar com um marginal. — Seu olhar frio me
fez tremer por dentro. — Não sei o que fiz para vocês infernizarem tanto a
minha vida.
Lembro-me de suas palavras e me encolho, sentindo raiva de mim
mesma por sempre fazer o que ele ou mamãe querem. Eu me levanto quando
batem na minha porta. Sigo a passos curtos até lá e sorrio quando vejo
Marcia, mas meu sorriso desliza quando seu rosto parece assustado.
— Eu… o seu irmão… — Ela força a palavra e olha para baixo. —
Nicolas está com febre. Seus pais saíram e eu tentei contatá-los, mas não fui
capaz… — Suas palavras se tornam apenas um borrão enquanto passo por ela
e corro até o quarto de Nicolas.
Eu o vejo dentro do berço com o rostinho vermelho e meu coração
dói. Pego-o em meus braços e puxo uma manta da sua cômoda. Marcia
engole em seco olhando para mim e, ao perceber minhas lágrimas, desvia o
olhar do meu.
— Menina, eu não quero me meter na vida de nenhum de vocês, mas
seu menino precisa do seu mamar. Não se preocupe comigo. A mama, além
de o acalmar, faz bem para o organismo dele — ela murmura olhando para
seus pés, e eu soluço, apertando meu bebê contra meus braços.
— Obrigada — respondo, já retirando a blusa e o sutiã. Meu seio dói
quando Nico começa a sugar, mas nenhuma dor física ultrapassa a dor dentro
do meu coração. — Pegue o remédio da febre dele, por favor — peço a
Marcia e ela respira fundo, limpando suas lágrimas.
Puxo meu bebê para mais perto do meu peito e me sento na poltrona
que meus pais compraram. Nico suga fortemente e eu deslizo meus dedos
pelo seu rosto. Sua pele é como a de Kieran, seus olhos, quando se abrem
para mim, me fazem lembrar-me nitidamente do seu pai.
Minha garganta seca quando me lembro de como descobri que estava
grávida. Dois meses depois que Kieran dormiu comigo comecei a sentir
enjoos. Lorena logo percebeu e me levou ao médico. Minha irmã estava
assustada, tão ou mais assustada que eu. Ela nunca me tratou daquela
maneira, Lorena mudou daquele dia em diante. Ela foi meu porto seguro.
Quando ela me sentou no consultório, calma, dizendo para eu não
surtar, estranhei. Não entendi nada naquele momento, mas ela sabia que eu
estava grávida. Ela sabia até de quem. Ela sabia que eu estava apaixonada por
Kieran e que ele era o pai do meu bebê.
Suspiro e sinto minhas lágrimas voltarem. Nico abre os olhos
novamente e eu coloco o dorso da minha mão contra sua pele para ver se a
febre ainda está alta, mas suspiro ao ver que minha mão queima pela
quentura.
Marcia volta com o remédio e eu o dou a Nico sob seus olhares
carinhosos. Minha mãe a contratou para cuidar de Nicolas quando ele nasceu,
eu queria cuidar dele. Eu sabia cuidar, pois vi vários vídeos, mas meus pais
foram impassíveis.
Antes mesmo de Nico nascer meu pai decidiu que eu deveria viajar
com minha mãe. Eu aceitei, não aguentava mais ficar no Rio sabendo que
Kieran estava preso e que eu não poderia avisá-lo de que eu teria um bebê
nosso.
Então viajamos. Passei toda minha gravidez na Europa. Aos sete
meses minha mãe disse que estávamos voltando para que Nicolas nascesse
em território brasileiro. Eu aceitei de bom grado. Precisava conversar com
Alícia. Dizer que ela seria a madrinha de Nico, mas tudo desabou quando vi
que nossas passagens não eram para o Rio, e sim para São Paulo. Mamãe
desconversou quando perguntei, porque não estávamos voltando para casa.
Disse que o médico que faria meu parto estava em São Paulo e por isso
ficaríamos lá.
Ela me enganou. No dia em que meu bebê nasceu, minha mãe o tirou
dos meus braços e disse que ela era a mãe dele. Eu não entendi. Pedi que ela
o devolvesse para mim, mas ela balançou a cabeça e mandou que eu me
vestisse.
Eu chorei, soluçando, pedindo que ela me devolvesse Nicolas, mas ela
apenas saiu do quarto e o levou. Não a vi até que eu estava de volta ao Rio,
no dia seguinte. Lembro-me como se fosse hoje da forma que ela estava
quando cheguei…
Entro na sala de estar e suspiro, sentindo meus seios vazarem leite.
Minha cabeça dói e eu sinto que tem algo errado assim que ponho os pés
nessa casa. Várias pessoas estão aqui, são amigos dos meus pais. Tento
sorrir para alguns, mas os latejos dos meus seios não me deixam.
Procuro minha mãe e a encontro em um quarto azul com Nicolas em
seus braços. Tento entrar, mas graças à quantidade de mulheres no quarto,
sorrindo carinhosamente para minha mãe, não tenho passagem. Meus olhos
absorvem tudo, da porta, mas eu não me mexo. Eu sinto alguém me pegar
pelo braço e me puxar.
Antes que eu seja engolida pela escuridão, vejo quando um amigo do
meu pai o parabeniza pelo herdeiro. A palavra me põe em choque. Vejo que
a pessoa que me puxa é Lorena e que estamos em seu quarto. Ela chora em
meus cabelos e eu fico parada, sem entender o que está acontecendo.
— Eles são loucos — ela murmura contra meus cabelos. — Nossos
pais estão tentando roubar seu bebê. — Meus olhos se arregalam e ela
acena. — Eles disseram que os envergonharia dizer que você tinha
engravidado de um detento. — Ela limpa meu rosto e eu só percebo agora
que comecei a chorar. — Eu tentei tanto te avisar. Mamãe nunca me deixou
falar com você — lamenta e eu a deixo me puxar para seus braços.
— Como eles podem me odiar tanto? — questiono enquanto sinto
meus seios latejarem mais e o leite de Nicolas vazar, molhando minha blusa,
ultrapassando meu sutiã.
— Eu não sei como eles podem ser tão perversos com todos nós,
Gabby.
Naquela noite eu entro no quarto de Nicolas. Meus pais não sabem
que eu já estava em casa. Eu me escondi deles. Olho para meu filho e o pego
do berço, indo para a poltrona onde mais cedo minha mãe sentou com ele em
seus braços.
Desço a alça da minha blusa e do meu sutiã e encaixo o bico do meu
seio nos lábios finos de Nico. Ele desperta assim que começa a chupar e seus
olhos escuros, que não tive tempo de apreciar ontem pela manhã, quando
mamãe fugiu com ele, me deixam sem fôlego. Eles são iguais aos de Kieran.
Abraço meu filho contra meu peito e respiro seu cheiro fresquinho.
Uma hora depois, Nico ainda mama, mas no outro seio. Seus olhos agora
estão fechados e ele adormeceu. Sorrio, acariciando seu rosto, e retiro o
peito dos seus lábios.
Assim que minha blusa está no lugar, vejo uma figura escura entrar
no quarto. Engulo em seco, ao ver meu pai. Ele balança a cabeça e acena
para o berço, me mandando colocar Nicolas lá.
— Pai, eu quero que ele vá para meu quarto. Ele é m-meu filho — eu
gaguejo e paro por um segundo, enquanto respiro fundo, tentando reunir
coragem. — O que fizeram hoje e ontem foi perverso. Eu fiquei em São Paulo
sentindo meu leite vazar e preocupada. Eu poderia estar doente agora,
Nicolas poderia estar doente, agora…
— Coloque o menino no berço, Gabrielle. Não vou mandar
novamente.
Mordo meu lábio e, por fim, faço o que ele pede. Preciso conversar
com ele e mamãe. Eles precisam entender que Nicolas é meu. Não é motivo
de vergonha o pai dele ser detento. Eu nem mesmo contaria a seus amigos
ricos.
— Vamos deixar uma coisa bem clara, Gabrielle: Nicolas é seu
irmão.
— Ele é meu filho, pai. Neto do senhor…
— Ele é meu filho — ele fala firme e eu desvio o olhar dele para Nico,
que dorme tranquilamente. — Agora eu preciso que você me fale que
entendeu e que nunca mais vai entrar aqui para dar de mamar a ele — ele
manda e eu balanço a cabeça veemente.
— Ele é meu filho e de Kieran. Você sabe disso. Pai…
— Não pronuncie o nome desse homem em minha casa. Nicolas é
meu filho, ele é seu irmão e, se isso não entrar na sua cabeça, eu farei com
que o idiota para quem você abriu as pernas seja morto naquele presidio.
Você escolhe. — Meu pai dá um passo em minha direção e eu balanço a
cabeça, horrorizada.
— Você não pode fa-fazer isso… — Meu queixo treme e eu soluço,
imaginando Kieran morto naquele presidio. Eu nunca me perdoaria. Eu
morreria.
— Tente entrar aqui novamente. — Ele me puxa, empurrando-me
para o corredor. — Vá para seu quarto, Gabrielle. Seu irmão está
descansando. — Ele acentua a palavra irmão e eu sinto meu queixo tremer
violentamente.
Corro para meu quarto e desço pela parede, apertando a manta de
Nicolas que coloquei sobre meu ombro para ele arrotar.
— Meu Deus, como podem ser tão malvados? — murmuro no escuro
e choro pelo resto da noite.
E até hoje eu me pergunto como podem ser assim. Por que me odeiam
tanto. O que fiz para que eles me tratassem com tanta perversidade.
— Veja se a febre baixou, querida — Marcia fala, me passando o
termômetro, e eu nego depois que o objeto apita e eu vejo que Nicolas está
com quarenta graus de febre.
— Vamos ao consultório de Mateus. Ele ainda está lá. Não são nem
seis horas — digo, já me erguendo. Levo Nicolas em meus braços e desço as
escadas com ele.
Depois de minutos estamos no carro. Nicolas desperta no bebê
conforto e eu sorrio para ele pelo retrovisor. Marcia segura sua mãozinha e eu
foco na rua. Respiro aliviada quando Mateus sorri assim que entro em seu
consultório.
— O que esse campeão tem hoje? — Mateus sorri, pegando Nico nos
braços. — Eita, febre. — Ele suspira e começa a examinar Nicolas.
Depois de alguns minutos, Mateus franze as sobrancelhas e eu me
aproximo, não entendendo sua confusão.
— Ele está bem, não é? — questiono com medo. Mateus balança a
cabeça e se vira me olhando.
— Ele está bem. Nada de mais. É uma febre emocional — ele explica
devagar e eu respiro aliviada, pegando Nico de seus braços. — Aconteceu
algo fora do comum? Alguém viajou, não sei? Febre emocional é quando a
criança sente falta de algo, Gabrielle. Ocorreu alguma mudança na rotina
dele? — Ele arqueia a sobrancelha e eu balanço a cabeça, sem pensar em
nada fora do normal.
Porém, quando meus olhos encaram o rosto do meu filho, eu lembro
que ontem não consegui ir ao seu quarto. Fiquei até tarde na galeria,
organizando a exposição da Alícia. Quando cheguei, estava morta, e mamãe
estava no quarto do Nico. Hoje tive que passar o dia trabalhando e,
novamente, não pude vê-lo.
— Uma coisa aconteceu. Mas que não vai se repetir — eu falo séria e
Mateus acena, me encarando por alguns segundos a mais.
— Você será uma ótima mãe, Gabby. Seu irmão tem sorte — ele diz
sorrindo e eu engulo em seco, desviando meu olhar do seu. Meu coração dói
com suas palavras. Quero gritar, dizendo-lhe que eu sou a mãe do menino
que ele segurava em seus braços, mas apenas saio do seu consultório.
Antes que eu possa chegar em casa vejo o carro de Alícia estacionado
em frente à oficina de Luca, que fica no caminho de volta para minha casa.
Meus dedos tremem quando decido descer do carro. Nico está melhor, ele
está até brincando. Marcia sorri, me mandando descer com ele, que ela ficará
aqui à minha espera.
Entro assim que o avô do Nico sai de baixo de um carro. Engulo em
seco quando seus olhos param em mim. Suas sobrancelhas se juntam e ele
olha para Nico. Movo-me, querendo que ele pare de olhá-lo. E se ele perceber
alguma semelhança? Meu pai me mataria, se alguém desconfiasse sobre
Nicolas.
— Hum, Alícia… — Suas palavras somem completamente quando
ele deixa de falar ou sou eu que não escuto mais nada, não tenho certeza.
A única coisa certa agora é que Kieran está aqui. Sentado numa
bancada com ferramentas. Olhando para as mãos sujas de graxa. Ele está
aqui.
Minhas pernas amolecem, mas me forço a ser forte por estar com
Nico nos braços. Devagar, os olhos do homem que amo se elevam e eles me
encaram. Sinto a corda que nos une puxando-nos em direção um ao outro.
Fazendo o ar dos meus pulmões, que estavam há tempos escassos, voltar com
força total.
Ele está aqui.
“A dor está por todo seu rosto. É crua, malvada e a consome.
Não sei como consigo ficar parado olhando seu pai arrancar o bebê dos seus
braços.
Eu só continuo olhando para o rosto atormentado do meu Algodão Doce.”
Kieran
Gabrielle
Gabrielle
Kieran
— Você gosta dela, não é? — Daniela pergunta assim que acordo no
dia seguinte.
Eu queria que a bebida tivesse o efeito de me fazer esquecer tudo que
aconteceu ontem. Gabby chegando à casa de Cleiton, me vendo naquele
estado. O jeito que ela me olhou depois disso… Merda. Eu quero socar meu
rosto repetidamente.
— Quem não gostaria? Ela é perfeita. É minha — resmungo, me
levantando e caminhando para o banheiro.
— Ela disse que odeia o nosso mundo…
— O meu, Dani. Não o seu. Seu mundo não é aquela porcaria. Não
sei nem o que me deu para te levar àquele lugar. — Eu me viro, socando a
bancada, e minha irmã pula acenando. — Me perdoe. Nunca mais farei isso.
Não te levarei àquele lugar novamente — prometo.
Dani acena, mordendo o lábio, e cruza os braços.
— Agora não importa muito se eu gosto dela. Gabrielle é rica, Dani.
A vida dela é completamente o oposto da nossa — resmungo, odiando ter que
admitir isso. — Depois de ontem duvido que ela queira me ver.
Minha irmã suspira e sai do meu quarto sem desmentir minhas
palavras.
A porta bate fechada e eu respiro fundo. Elevo a cabeça quando a
escuto abrir novamente e desvio os olhos, ao ver meu pai entrando. Porra,
Dani falou para ele.
— Eu só vim até aqui para pegar minha filha. Daniela não sai mais
com você, Kieran. Não tente mais se aproximar dela fora da minha casa —
ele fala apontando o dedo para mim e eu aceno, sabendo que ele está certo.
— Se você não vai mudar, me avise, pois abro mão de sua presença na minha
casa também. Sinto muito. Porém você é adulto, sabe as consequências dos
seus atos.
— Pai…
— Não faz uma semana que saiu daquele lugar e olha onde estava!
Usando drogas. — Ele balança a cabeça, envergonhado, e suspira. — Você é
viciado? Me responde essa merda de uma vez, porque eu vou te internar.
— O quê?! Não, pai, eu não sou. Ontem eu estava bêbado, por isso
usei. Entrei na onda dos caras e usei, mas eu sei muito bem a hora de parar —
murmuro assustado. Nunca senti nada parecido do que os drogados sentem.
Eu usei cocaína muito tempo atrás. Ontem, como acabei de falar, foi por
diversão.
— Eu espero que sim, Kieran. Fique em casa, se alguém te chamar
para algum lugar, negue. Você está me ouvindo? — meu pai grita e eu aceno,
entendendo. Ele joga algo na cama e eu levo meu olhar para lá, encontrando
um chip ainda no plástico.
— O quê? — Eu o encaro e meu pai aponta seriamente para a merda
na cama.
— Está na hora de romper os contatos com esses traficantes. Troque
de número. — Ele me observa até que eu pego a porcaria.
— Eu vou trocar — murmuro antes de ele sair.
Puxo meu celular da bancada, deixando com o mesmo chip, e disco o
número de Gabby. Mudarei o chip depois que eu conseguir falar com ela.
Ontem, enquanto eu fiquei com a mão no celular, eu me perguntei se
eu faria o certo em ligar para ela. Se trazê-la para minha vida fodida era uma
coisa boa para ela. Não é, porra! Nunca vai ser, então eu apenas guardei o
celular e decidi que seria melhor assim.
Mas ontem… Deus, não sei como vou encará-la novamente. A
vergonha rasteja pela minha pele. Ela me viu cheirar pó, merda! Ela tem nojo
de mim, mas eu não consigo parar meus movimentos de ligar para ela.
Nesses dois anos foi ela que me manteve de pé naquele presídio.
Quando eu estava desistindo e querendo sucumbir, era ela que aparecia em
meus pensamentos. Bastava eu passar a mão pela tatuagem que fizemos
juntos que eu decidia que queria emergir, por ela. Porque eu a amava. Eu amo
aquele Algodão Doce.
A ligação vai para a caixa postal e eu sei que ela cumpriu a promessa
de trocar de número. Inferno!
Troco de roupas rapidamente e decido ir até sua casa. Não penso no
que aconteceria se seu pai me visse lá. Não penso que ela vai querer me
matar, eu apenas saio de casa.
Estaciono assim que vejo um carro entrar na sua garagem. Meu
sangue ferve ao ver seu ex-namorado. Odeio que ele ainda a ronde, que fique
perto dela. Lembro que ela me disse que são apenas amigos e me concentro
em acalmar minha raiva. Espero alguns minutos depois que ele entra e,
quando já estou quase saindo do carro, ela sai de casa. Seu rosto tem uma
careta e eu engulo em seco, temendo sua reação ao me ver.
Coloco a mão sobre a porta, mas não abro. Gabby entra em seu carro
e sai pela rua, então eu a sigo. Se ela pensa que vou apenas aceitar o que ela
falou ontem, está enganada. Eu sei que Gabrielle não merece o que sou. Eu
sei que vou ter que me distanciar dela mais cedo ou mais tarde, mas antes eu
quero uma despedida. O que vivemos anos atrás foi alguma coisa. Aquilo
mexia com ela, eu sei que sim.
Estacionamos assim que alcançamos a sua Galeria. Saio do carro
batendo a porta com força, fazendo-a pular e virar assustada para mim. Seus
olhos crescem e ela abre a boca, mas volta a fechá-la quando começo a falar.
— Entre. Vamos conversar — murmuro, dando passos até ela.
— Você é muito descarado. — Ela balança a cabeça e cruza os
braços.
— Gabrielle, eu não estou aqui para justificar o que você viu ontem.
Aquilo foi uma estupidez que eu decidi fazer. Eu sou responsável por aquela
cena que tanto te enojou.
— Sabe o que acho, Kieran? Que você sempre vai ser o marginal que
meu pai gritou na minha cara que era quando eu tentei te visitar naquela
delegacia — ela grita, enquanto suas bochechas ganham um tom rosado de
pura raiva.
Minha boca se abre e eu fico parado, sem saber o que falar. Ela foi até
lá? Ela tentou ir me ver?
— Algodão…
— Para de me chamar assim. Não tenho mais cabelo rosa — ela diz
irritada, levando a mão ao cabelo agora loiro, e eu engulo em seco, acenando
para sua galeria.
— Vamos conversar lá, Gabby. Por favor — peço, ainda surpreso por
saber de sua visita.
Ela respira fundo e se vira, caminhando para dentro. Eu suspiro ao ver
a decoração do seu lugar. Tudo parece limpo, cheio de riqueza. Esse lugar a
representa. Tudo aqui grita o nome de Gabrielle. O lugar é um espaço aberto
e no final tem duas mesas com computadores em cima. Deve ser onde Gabby
e Alícia trabalham. Os quadros nas paredes e também postos pelo meio da
galeria são dela e, alguns, de Alícia. A diferença dos de Gabby para o da sua
melhor amiga é que ela não pinta com cores convencionais. Os dela são
pretos e brancos. Alguns cinza e até azul um pouco escuro, quase preto.
— Eu me pergunto o que quer falar. — Escuto sua voz se elevar e me
viro, a vendo cruzar os braços perto de um balcão. — Pensei que o que falei
ontem tinha sido suficiente. Não me diga que a bebida fez efeito e você não
lembra. — Ela balança a cabeça, respirando fundo.
— Eu sei tudo que falou ontem. Cada palavra. É como um martelo
batendo no alumínio, ecoando na minha cabeça, é horrível — eu murmuro e
ela fica parada, apenas olhando para mim.
Eu aproveito esse momento para olhar para ela. Seus quadris estão
mais largos e seus seios maiores. Ela parece ter engordado desde nossa noite
juntos. Passou-se dois anos, é obvio que ela mudaria. Seus cabelos são a
prova viva disso. De um jeito estranho, isso me consome.
Será que ela mudou por dentro também?
“Não é difícil perceber o momento que sua vida muda.
O instante em que o seu pesadelo acaba e você acorda.
Gabby se transformou nesse momento. E a cada
pesadelo, eu sei que ela vai me acordar. ”
Kieran
Gabrielle
Vejo seus olhos viajarem por meu corpo e engulo em seco. Será que
percebeu algo? Que talvez eu tenha pegado mais corpo? Seu olhar não me dá
nenhuma pista, então me movo, para fazer com que ele pare de me encarar.
— Eu sempre fui daquele jeito, Gabby — ele murmura devagar e eu
sinto minha barriga se contorcer. — Desde que virei adolescente, eu fiz
amigos que andavam pelo caminho escuro da vida. Eu andei por esse
caminho até dois anos atrás. — Kieran coloca as mãos nos bolsos da calça e
sorri devagar, como se estivesse recordando algo. — Porém, no dia que eu
dormi com você, depois que nos conhecemos, eu jurei que o dia seguinte
seria o último. Aquele domingo seria o último em que eu sairia de casa e
cometeria crimes. — Ele engole em seco, baixando seus olhos para as mãos,
e eu desvio minha atenção para meus pés. — E era por você, Gabby. Eu
queria ser melhor para você. Assim que eu te vi, eu te quis. Foi instantâneo,
mas depois que conheci você, eu tinha certeza de que seria minha redenção.
Você colore meu mundo, Algodão Doce. — Meu queixo treme e eu esfrego
meu rosto, não querendo que ele veja o quanto seu discurso mexe comigo. —
Eu passei dois anos naquele presídio pensando em você. Eu tive oportunidade
de fugir assim que Luca foi solto, mas eu não fui por ele, também, mas
principalmente porque eu queria sair daquele lugar de maneira honesta para
que eu pudesse te ter. Para que você fosse minha. — Eu levo minhas mãos ao
rosto e limpo minhas lágrimas, que insistem em cair.
Ele não pode chegar aqui, se declarar e não querer que eu chore. Eu
passei os primeiros meses depois da sua prisão apavorada com a sua situação.
Depois fiquei mais ainda, por saber que eu tinha um pedaço dele em meu
ventre.
— Você não pode fazer isso. Não depois de ontem, Kieran — eu
murmuro, piscando para afugentar o choro.
— Ontem foi um erro que não vou cometer de novo. Eu troquei de
chip para não ter mais contatos antigos, eu estou trabalhando com meu pai e
vou ser digno de você. Eu juro, Algodão. — Sua fala firme me faz morder o
lábio. Meus olhos brilham com lágrimas e de modo embaçado eu o vejo
caminhar para mim.
— Kieran — imploro, não querendo que nos aproximemos mais que o
seguro.
— Eu farei o possível para te dar o mundo, Gabby. Não vou poder te
dar o luxo que tem hoje, mas eu vou fazer o possível para que sua vida ao
meu lado seja boa. — Ele me olha de modo desesperado e eu queria gritar
que não preciso de dinheiro, que só o que quero é ele, o seu amor e nosso
filho conosco.
Mas eu não posso. Eu tenho tanto medo de que meu pai descubra e
leve Nicolas para longe de mim. Temo o dia que Kieran descubra. E também
tenho medo do que meu pai poderia fazer com ele, só para que não possamos
ficar juntos.
De tudo isso, o que eu mais temo é o que vi ontem.
— Meu pai…
— Você é adulta, Gabby. Não tem nada que te prenda àquela casa —
ele me interrompe e eu desvio os olhos dos seus, percebendo só agora o quão
errado ele está.
Nicolas me prende lá.
— Se eu disser que não sinto mais nada por você, eu estarei mentindo.
Também estarei mentindo se eu disser que não pensei em me jogar em seus
braços agora e arrumar minhas malas. — Elevo meu rosto e vejo Kieran
fechando os olhos enquanto acena devagar, mordendo o lábio. — Mas eu não
posso — digo enquanto sinto o meu coração latejar.
— Por quê? Me dá um motivo, Gabby. Eu quero só um. — Seus olhos
escuros me encaram e por um momento eu me esqueço de como respirar.
— Meu pai faria você voltar para aquele lugar, Kieran. Você pensa
que eu não fui te visitar porque eu não queria? Eu quis, Kieran. Todo dia,
mas ele não deixava — em um fôlego eu o respondo, porque eu não posso
dizer a verdade.
— Seu pai é um idiota! Só porque não tenho o dinheiro que aquele
filho da puta do André tem, não quer dizer que eu goste menos de você.
Dinheiro não é tudo, Gabrielle…
— Eu sei. Eu não ligo para nada disso. Eu não me importo se uso um
carro de luxo ou um ônibus, eu não me importo. Nunca me importei — eu
grito, o interrompendo. Quero que essa conversa acabe. Eu sinto como se as
paredes estivessem se fechando. Como se tivesse algo me empurrando para
contar tudo. Mas eu não posso.
— Venha comigo — ele sussurra me puxando pela cintura até que
nossos corpos estão juntos, completamente alinhados. — Eu quero o dia com
você, Algodão Doce. Depois disso, pode escolher o que fazer, mas eu
preciso, depois de todo esse tempo longe. — Seu olhar escuro se prende ao
meu e seus lábios descem, reivindicando a minha boca.
Não tenho tempo para lhe negar o beijo, porque meu corpo parece se
deslocar sem o consentimento da minha razão. Minhas mãos o procuram, o
puxam para mim. Sinto seus lábios chuparem os meus e logo seus dentes
fincam na pele fina.
Meu coração ressurge. O beijo é igual ao de anos atrás: desejo
aflorado, paixão e amor, porém, esse tem uma saudade tão assustadora que
faz a gente querer se consumir.
— Você é minha, Algodão Doce. Desde o dia que pus meus olhos
sobre você — Kieran sussurra em meus lábios sensíveis, e eu fecho meus
olhos mais apertado, não querendo ver os seus, escuros. — Olha para mim —
ele manda. Sua voz é uma pasta fria escorrendo pela minha pele, e isso me
faz abrir minhas pálpebras.
— Você é louco…
— Eu sei. — Ele se inclina e eu sinto seu hálito quente contra a minha
pele. — E você gosta. Sempre gostou. — Seu sussurro envia ondas de choque
até meu corpo e eu engulo em seco, sentindo a parede que eu estava tentando
manter de pé ruir segundo a segundo.
— Nunca passou pela sua cabeça… que eu só gostasse de algo
proibido, perigoso?…
— Você gosta de mim. Você me ama, Gabrielle. Eu sei disso. —
Meus olhos se arregalam e ele beija meus lábios com um selinho. — Vamos.
— Ele aponta para a saída e eu suspiro, acenando enquanto ele começa a se
mover, me puxando.
Eu o deixo me levar e, juntos, logo chegamos à sua casa. Meu carro
ficou na Galeria, então eu ligo para Alícia, avisando que tive que sair, mas
que à tarde estarei de volta.
Kieran joga suas chaves na mesa de centro e eu aperto minha bolsa
contra meu corpo. Estou nervosa. Parece que foi ontem que dormimos juntos,
mas não foi. Faz dois anos.
— Venha aqui. — Sua voz retumba e eu pulo, arregalando os olhos.
Kieran está sentado no sofá e eu me movo até ele quando sua cabeça acena.
Deixo minha bolsa na mesa e me sento ao seu lado, cruzando minhas
pernas. Seu olhar acompanha meus gestos e ele se vira, ficando de frente para
mim. Sua mão se eleva e, devagar, seus dedos acariciam minha bochecha.
— Eu quero você na minha vida, Gabby.
— Você não sabe o que está dizendo. — Eu o encaro, sentindo meu
lábio tremer. Seus olhos mudam a atenção para minha boca e seu dedo
desliza por ela.
— Sei, Algodão Doce. — Ele se inclina, escovando seu nariz no meu.
— Se meu pai descobrir… — Seu dedo para minha fala assim que
encosta sobre meus lábios.
— Ele vai entender. Confie em mim. — Sua sobrancelha se eleva e
ele espera por uma resposta que eu não estou certa de dar. — Você confia em
mim, Gabrielle? Pelo menos um pouco?
— Sim, mas não tanto, e você não pode me julgar por isso —
contraponho e ele suspira, se afastando.
— Só confie quando eu digo que seu pai vai entender — Kieran
promete e eu olho para minhas unhas longas. — Ele não tem como nos fazer
mal. Ele não pode, Gabby. — Sua fala é convicta e eu queria, de verdade, que
ele estivesse certo. Que meu pai não pudesse nos atingir, mas para isso
Nicolas teria que estar comigo e, nesse momento, eu não sei como fazer para
ter meu filho.
— Tudo bem, mas eu… — Paro de falar quando percebo o que iria
dizer. Não quero que meus pais saibam. Como ele reagiria a isso? Kieran
pensaria que é meu segredo sujo? Ou concordaria?
— Você o quê? — Sua mão volta para meu rosto e eu engulo em
seco, desviando meus olhos dos seus.
— Eu não quero você metido com essas pessoas. — Omito o que eu
ia dizer e fico com a opção que também é uma verdade.
— Não vou mais andar com nenhuma delas — ele promete, já vindo
para cima de mim. Minhas pernas se abrem e eu me deito no sofá com seu
corpo sobre o meu.
— Kieran — chamo, enquanto ele beija meu pescoço. Devagar, ele o
deixa e me encara. Seus cabelos estão revoltos, seus lábios parecem mais
inchados e eu deslizo minha mão pelo seu peito, sentindo todos os seus
músculos sob a camisa grande. — Eu te amo — murmuro, ouvindo as batidas
do meu coração acelerarem à medida que seu olhar feliz surge e ele se
inclina, me beijando.
Eu o recebo já com o sentimento grande de realização. Mesmo depois
de tempos ele está comigo novamente. E mesmo que minha consciência me
diga que isso é errado, eu não quero ir embora. Eu quero permanecer aqui, ao
lado dele.
Seus beijos seguem para meu colo e suas mãos puxam minha camisa
para fora. Seu olhar fica em meu sutiã por um momento e eu tremo, me
lembrando do meu leite. Será que vazou novamente? Meu organismo já se
acostumou aos horários da mamada de Nico, mas às vezes eu pressiono em
algum lugar e ele vaza.
— O que foi? — pergunto assustada.
— Seus seios estão tão maiores — ele observa e depois sorri, devagar.
— Você colocou silicone? — ele questiona, e eu caio na risada, balançando a
cabeça.
— Não, bobo. Engordei um pouco ano passado — desconverso e ele
acena, voltando a me beijar.
Devagar, seu toque se torna possessivo e cheio de desejo. Sua mão
esquerda aperta minha coxa agora nua, porque a saia longa subiu e está
amontoada em minha cintura. Minha calcinha está à mostra e eu sinto Kieran
se tensionar quando sente quão molhada estou.
Sua mão desfaz o fecho do meu sutiã e meus seios saltam livres.
Kieran os encara quase com fome e eu arregalo os olhos quando penso que
ele os chupará. Vai sair leite!
Porém, tento me acalmar quando apenas seus dedos brincam com o
mamilo rosa. Eu me movo, querendo que cheguemos mais perto, e logo sinto
sua ereção contra minha pélvis. Kieran para de brincar e se levanta, tirando o
restante das nossas roupas.
É incrível o quão rápido ficamos pele a pele. Kieran parece um pouco
fora de si quando, enfim, nossos corpos se juntam mais uma vez. Lágrimas
brotam dos meus olhos quando ele investe contra meu corpo, dando atenção a
cada parte descoberta de mim.
— Diga que é minha. — O desespero em sua voz me faz abrir os
olhos. Seu olhar sempre escuro está acuado, ele parece ferido e eu não
entendo o porquê. — Diga que me ama novamente…
— Eu sou sua, Kieran. E eu te amo, baby — murmuro, puxando seus
cabelos curtos, o fazendo vir para mim. Seus lábios ainda estão longe dos
meus, então eu mesma me elevo e acaricio sua boca com a minha.
— Eu estava enlouquecendo naquele presidio. Eu lembro que só
mandei Luca fazer uma pergunta para Alícia através das cartas… — Ele
respira fundo, ainda dentro de mim. — Se você tinha alguém, Algodão Doce.
Eu morreria. — Eu balanço a cabeça e me elevo novamente, beijando seus
lábios.
— Ninguém tocou em mim depois de você — juro, e ele acena,
descendo sobre mim. Com apenas alguns minutos nós dois nos entregamos
ao prazer de estarmos juntos novamente.
— Eu te amo — ele murmura contra minha pele, e eu deixo as
lágrimas descerem por meus olhos.
Sua mão desliza pelo meu braço assim que saímos do seu banheiro.
Ainda estou nua, apenas com uma toalha branca em volta do corpo. Estamos
parados em frente a um espelho grande. Kieran atrás de mim, me olhando
pelo espelho de um modo quase irrealista.
De maneira quase sufocante, seus dedos seguem pela minha pele,
fazendo carícias, e ele para quando chega em meu pulso. Arregalo os olhos
quando sua mão puxa a minha para frente. O reflexo das nossas tatuagens
juntas aparece no espelho, e eu pisco olhando delas para nós dois. Meu
coração acelera e eu decido que, por mais forte que eu possa parecer, isso tem
mais significado que muita coisa em minha vida.
Meus olhos voltam para mim e eu vejo o quanto mudei. Eu vejo aqui,
com Kieran, o quanto meu rosto está mudado. Não pareço mais uma menina
feliz, eu pareço atormentada, exausta e lá no fundo, apenas porque estou com
o homem que amo, feliz.
— Eu não emergi depois daquele dia. Você também não — ele
começa sussurrando. — Mas vamos, Gabrielle. Eu juro que sim — Kieran
promete, me encarando pelo espelho.
No final da tarde, depois que nós dois fizemos amor em sua cama
mais vezes do que é o normal, Kieran decide que devemos ir a um lugar, eu
não esperava que fosse a pista que ele corria. Onde nos vimos a primeira vez.
Ele sorri, me puxando para fora do carro, e nos sentamos sobre o
capo. Minhas costas pressionadas contra seu peito, sua boca em meu pescoço,
ora beijando, ora mordiscando.
O sol ainda é forte, por isso estamos em frente às arquibancadas, na
sombra. O vento sopra meus cabelos e Kieran pega um punhado, os
observando calmamente.
— Eu não gosto dessa cor, Gabrielle. — Sua frase mata meu sorriso e
eu engulo em seco, sem saber o que falar. — Você é meu Algodão Doce.
Seus cabelos são a sua marca… Eu quero que pinte eles novamente.
Eu encaro seus olhos e aceno devagar. Eu irei pintar, mas não agora.
Tenho que ir a um salão e saber se a tintura fará mal a Nico. Depois da
gravidez, dar de mamar a meu filho foi o motivo de eu não ter pintado mais.
— Eu te amo — ele sussurra, e por mais que sejam apenas palavras,
eu sinto que essa é uma das coisas mais verdadeiras que Kieran já me falou.
Estacionamos em frente à Galeria meia hora depois. Saio do carro
com Kieran, que quer me deixar lá dentro, e andamos de mãos dadas. Viro
meu rosto assim que escuto um carro estacionar e vejo André saindo do
carro.
Minha boca se abre e eu paro de me mover. Ele ainda não nos viu, por
isso puxo Kieran para trás do seu carro, querendo escondê-lo. André vai
contar aos meus pais. Meus dedos tremem e deslizam dos de Kieran quando
ele não se mexe.
Em um segundo eu vejo tudo ruir. Porque eu sei que hoje à noite eu
vou perder meu filho.
“Um segredo sujo.
É assim que eu me vi quando percebi Gabrielle tremendo
com a possibilidade de alguém descobrir que estamos juntos.”
Kieran
Gabrielle
Dou um passo para perto de André assim que seus olhos me veem
com Kieran. Ele engole em seco e olha para mim.
— Que porra é essa, Gabrielle? — André pergunta baixo, e eu me
encolho.
Depois que terminamos nosso namoro, ele se afastou por um tempo,
mas logo voltou. Ele tentou fazer com que voltássemos, mas eu fui firme em
dizer que não queria ninguém em minha vida. Ele também sabe que Nicolas é
meu, mas nunca tocou no assunto. É um perigo para todos.
Assim nos tornamos amigos devagar. André não é o cretino que eu
sempre achei. Não. Ele é legal e cuida de mim, quando preciso.
— André, eu vou explicar. Pode me esperar lá dentro? — questiono,
juntando minhas mãos que tremem.
— Explicar? Ela não vai explicar nada. — Eu sinto minha cabeça
doer quando as mãos de Kieran me rodeiam e me puxam contra seu peito.
— Kieran, depois nos falamos, por favor — peço, me virando, e ele
balança a cabeça.
— Já falei, Gabrielle. Você não deve satisfação a ele ou a qualquer
pessoa — ele fala firme, e eu mordo meu lábio querendo gritar com ele.
— Seu pai, Gabrielle… seu pai vai te matar. — Eu escuto André
murmurar e me viro para ver o rosto dele apavorado.
— Não conte, por favor, não conte a ele — imploro com Kieran ainda
me prendendo pela cintura.
— Se ele não sabia, hoje ele descobre sozinho. Não vou me meter nas
suas confusões — ele murmura, andando para trás, e eu engulo em seco,
acenando. — Ele precisa de você. — Ele não tem que dizer a quem se refere.
Nicolas precisa de mim.
Assim que seu carro se vai, eu me viro para Kieran. Ele tem sua
atenção focada em mim, e eu mordo meu lábio com medo do que ele vai
falar.
— Vamos ser um segredo, é isso? — Suas mãos entram em seus
bolsos e seu olhar se torna indiferente.
— Não é isso. O jeito que fala é como se fosse algo sujo, errado…
— É o que parece — ele só murmura isso e se vira, já indo para seu
carro.
— Eu falei que não ia dar certo. Você não sabe o que meu pai pode
fazer com você. — Eu ando atrás dele, que se vira, sorrindo irônico.
— O que ele vai fazer comigo? Eu paguei o que eu devia à justiça,
Gabrielle. Não devo nada a ninguém. Seu pai não pode fazer nada! — ele
grita por último e eu me retraio. — Não é por mim que você tem medo,
parece que é algo maior. Você fica apavorada só com a simples menção do
seu pai. — Ele balança a cabeça e volta a dar passos em minha direção. — Eu
quero saber o que é.
— Não tem nada além de mim ou de você. — Meu queixo treme e eu
desvio os olhos dos seus. — Eu só tenho medo de que você possa voltar para
aquele lugar. É isso, Kieran. — Eu me aproximo, cortando a distância, e pego
em seu rosto rígido. — Você quer ficar longe de mim? — pergunto de modo
dramático. Eu sei que não deveria estar fazendo isso, mas eu quero que ele
entenda. Só isso.
— Tudo bem. Mas eu não vou me esconder, Gabby. Seu pai vai saber
que estou solto uma hora ou outra. — Ele segura minha cabeça entre suas
mãos e se inclina, me beijando.
— Eu não quero te perder — murmuro convicta. Eu nunca falei algo
que me desse tanto medo.
Perder Kieran ou Nicolas é o meu pior medo.
Entro em casa ainda à tarde e encontro meus pais na sala com Nico.
Minha mãe sorri, segurando sua mãozinha enquanto papai faz careta, o
fazendo dar gargalhadas. Meu coração aquece, porque sei que, por mais que
eles possam ser malvados comigo, eles nunca fariam nada com Nico. Eles o
amam.
— Boa noite — saúdo e eles elevam a cabeça, sorrindo para mim.
— Boa noite, querida. Leve Nico para cima, por favor — mamãe pede
e eu estranho isso, arregalando meus olhos. Papai me encara mais um
segundo e acena para que eu faça o que ela mandou.
— Claro. — Pego meu filho em meus braços e sorrio para meus pais,
antes de subir a escada. Escuto a porta abrir e olho de relance para Lorena,
que entra. Seus olhos estão negros e parece que ela ainda não dormiu.
Ela saiu ontem e eu não a vi hoje quando saí de casa.
Termino de subir e vou direto para o quarto de Nico. Beijo sua
bochecha e ele puxa minha camisa. Arregalo os olhos e ele sorri, batendo
palmas. Eu sorrio e finjo esquecer o que ele fez. Porém, Nico faz mais uma
vez, eu tiro meu seio e ele logo trata de mamar.
Olho para a porta com medo durante os segundos que se passam, mas
ele logo adormece, então só fico admirando seu rosto. É incrível o quão
parecido com Kieran ele é.
— Vocês são uns doentes mentais! — Pulo com o grito de Lorena e
coloco Nico no berço, saindo às pressas do seu quarto.
Desço as escadas e paraliso ao ver Lorena sendo enforcada contra a
parede por meu pai. Corro até eles com os olhos arregalados e puxo o braço
do meu pai. Minha irmã está vermelha, e eu sinto minha respiração acelerar.
— Pai! Solta! Você vai matar ela! — grito, puxando seu braço, mas
ele não se mexe. Seu olhar está no dela e mesmo contra a parede Lorena
sorri, vermelha.
— Ela merece! É uma puta e ainda vem ofender os pais — ele grita
no rosto dela, ainda com as mãos em seu pescoço. Ele vai matá-la.
— Solte ela, porra! — Minha mão arde de repente e eu só percebo
que bati em meu pai quando Lorena cai no chão, e ele se vira para mim.
— Você me deu uma tapa, porra? — O lado do seu rosto está
vermelho e eu ofego, horrorizada por ter marcado seu rosto. — O que tem de
errado com vocês? — ele grita, andando até mim. Eu balanço a cabeça, não
reconhecendo o homem que está me olhando com ódio, tão diferente do que
estava brincando com meu bebê.
— Pai, você ia matar ela. Eu só… — Paro de falar quando sinto um
tapa em meu rosto. Caio no chão e levo minha mão à minha bochecha, que
arde.
— Isso é para vocês aprenderem… — eu grito quando Lorena o ataca
pelas costas e bate com um vaso em sua cabeça. Meu pai cai inconsciente e
eu rastejo para minha irmã, que cai ao lado.
— O que… — Minha mãe está parada, vendo a cena mais terrível de
nossas vidas. Eu me reprimo quando o pensamento do meu pai morto passa
pela minha cabeça e me agrada.
— Lorena, você está bem? — pergunto, passando a mão pelo seu
rosto, voltando à cor normal. Meus dedos tremem quando vejo sangue pingar
nela. É meu sangue.
— O que ele fez com você? Esse monstro! — ela ruge, se forçando a
sentar e me puxa sentada também. — Eu vou cuidar de você — ela murmura
e eu a puxo para mim, abraçando-a.
Ela ia morrer e quer cuidar de mim?
— O que você fez, sua louca? Você matou seu pai! — mamãe grita e
eu tampo os ouvidos de Lorena, em vão, porque sei que ela pode ouvir.
— Veja se ele está respirando — peço a mamãe e ela toca seu
pescoço, soltando um suspiro longo.
— Ainda bem. — Ela sorri aliviada e olha para Lorena. — Pegue suas
coisas e vá embora dessa casa. Você sabe o que ele pode fazer depois disso.
As duas sabem — ela murmura, olhando para papai inconsciente.
— Mãe… — imploro, vendo-a se erguer e ajeitar a saia de grife.
— Eu aconselho você a ir com ela, Gabrielle. Nada te prende a essa
casa…
— O filho dela mora aqui, sua psicopata. — Lorena se eleva,
segurando o pescoço. — Você deveria se tratar… Cuidar da sanidade que te
resta — minha irmã manda com o olhar de repreensão.
— Cale a boca! Sabemos que Nicolas é meu filho. Sua irmã apenas o
levou no ventre, nada mais. — Eu abro a boca, em choque, e ela me olha
com escárnio. — Você não tinha condições psicológicas para cuidar dele.
Nico seria infeliz, talvez estivesse até morto…
— Cale a boca! Você que não tem condições psicológicas. Você está
doente! — Lorena grita, me puxando enquanto eu apenas encaro os olhos
verdes cheios de confiança da minha mãe. — Não chame Nico de seu, ele
não é. Em breve vou levar ele e Gabby daqui. Pode apostar. — Lorena me
puxa e eu não percebo que ela consegue me mover até que meus pés batem
contra o degrau da escada.
— Como… — Meus olhos se enchem de lágrimas e eu quero
questionar algo a minha mãe, talvez, por que ela me odeia tanto, ou por que
gosta de me ver sofrer. Mas Lore me puxa novamente e subimos juntas.
— Não escute ela, Gabby. Você é uma mãe maravilhosa. Você tem
todas as condições de criar Nico sozinha. Você só precisa de coragem. Você
não é fraca, irmã, precisa apenas pensar em seu filho e em você. — Minha
irmã segura minha cabeça, me fazendo encarar seu rosto.
Meu lábio dói quando tento falar, então respiro fundo e aceno.
— Eu… vou com você, — decido, me erguendo de sua cama. Ela me
puxa de volta e pressiona o algodão contra meu lábio.
— Não, Gabby. Você precisa encontrar um advogado, pedir a guarda
do seu filho e arrumar uma casa boa para vocês dois. Depois que isso estiver
certo, você vai. — Ela sorri me aconselhando, e eu deslizo os dedos pelo seu
pescoço.
— Ele ia te matar — murmuro, sentindo as lágrimas, e vejo as da
minha irmã descerem por sua bochecha.
— Eu o odeio — ela sussurra, e eu mordo meu lábio, não querendo
chorar novamente.
— Eu sei. Eu também o odeio — confesso, fechando os olhos ao me
lembrar do seu tapa.
— Mas, voltando à conversa, fique. Eu te ligarei, juro. — Lorena
beija minha testa e se levanta, indo para seu closet. Ela joga as suas roupas na
mala, enquanto eu puxo minhas pernas contra meu peito.
Nessa noite, ela vai embora e me deixa no quarto, chorando.
Encaro meu teto enquanto tento escutar algo pela porta, qualquer
vestígio de que mamãe saiu do quarto de Nico, mas parece que ela
adormeceu lá.
Eu me deito com o coração dolorido por mais uma vez não ir até ele.
Porém, me aqueço ao lembrar que ele mamou antes de dormir. Aos poucos o
cansaço me vence e eu fecho meus olhos.
Acordo algum tempo depois, não sei se horas ou apenas minutos, e
encontro Kieran subindo em minha cama. Vejo a janela aberta e constato que
ele entra, sempre subindo pelo lado de fora.
— Algodão Doce. — Sua respiração quente bate contra minha pele do
pescoço e eu me arrepio. — Estou vendo seus arrepios, baby. — Ele ri no
final e eu sorrio, me virando.
O escuro do quarto não deixa a gente se ver, mas eu sigo meu instinto
e pego seu rosto, me elevando para que possamos nos beijar. Kieran é
impiedoso quando esmaga seus lábios nos meus. Eu me afasto em seguida
pela dor que emana do lado esquerdo do meu rosto.
— Gabrielle? — Sua voz está preocupada e eu arregalo os olhos, com
medo de ele ver meu rosto. Engulo em seco, pensando que deve ter inchado
tudo e que devo estar com um hematoma.
— Não é nada… — Paro de falar quando ele acende o abajur.
Seus olhos crescem e num segundo eu vejo meu Kieran se
transformar no Kieran que vi naquele beco escuro. Assustador é a palavra que
eu usaria para defini-lo.
— Kieran — murmuro, engolindo em seco.
— Eu só vou perguntar uma vez, Gabrielle, e você tem que me
responder sem mentiras. — Sua voz envia arrepios pelo meu corpo e eu me
encolho. — Quem fez isso? — Ele está de pé e seus punhos abrem e fecham
em uma sincronia que me diz o quão controlado ele está tentando ser.
— Foi um acidente. Eu estava na cozinha e a Lorena abriu a porta da
geladeira tão rápido que acabou acertando meu rosto — eu falo, encarando-o,
tentando passar verdade, mas quando o vejo se inclinar, sentando na cama, eu
tremo com medo de não o ter convencido.
— Eu já soquei mais pessoas do que posso contar e já levei alguns
socos também. Eu sei o que acontece e é exatamente o que eu vejo no seu
rosto, então, Gabrielle, quero que me diga agora quem se atreveu a bater na
minha mulher — Kieran fala enquanto suas mãos seguram minha cabeça e,
com carinho, seus dedos deslizam pela minha bochecha e olho feridos.
— Ele não fez porque quis, por favor, Kieran. Eu bati nele primeiro,
ele estava enforcando minha irmã e eu não podia não fazer nada, então eu dei
uma tapa nele. Só isso. Ele só revidou…
— Eu quero saber quem é ele, Gabrielle — ele sussurra devagar e eu
sinto meu queixo tremer com medo.
— Por favor, Kieran. Me prometa que não vai sair desse quarto. Por
favor — peço, encarando seu olhar completamente frio.
— Fala — ele manda firme.
— Foi meu pai. — As palavras se perdem com a rapidez com que ele
me solta e corre para a porta. Eu me levanto rapidamente e corro atrás dele.
Enquanto eu tento alcançá-lo, sei que minha vida está a um passo de
mudar para sempre.
“Era como um sonho vívido.
Nico dormia em seus braços,
parecendo tranquilo, mas, de repente,
o sonho se tornou pesadelo, e eu ansiava
pelo momento em que eu acordaria.”
Gabrielle
Kieran
Gabrielle
Dias depois…
Gabrielle
Feeling used
But I'm still missing you
And I can't
See the end of this
Just wanna feel your kiss
Against my lips
And now all this time
Is passing by
But I still can't seem to tell you why
It hurts me every time I see you
Realize how much I need you
I hate you, I love you
I hate that I love you
Don't want to, but I can't put
Nobody else above you
Sentindo-me usada
Mas eu ainda sinto sua falta
E eu não consigo
Ver o final disto
Só quero sentir seu beijo
Nos meus lábios
E agora todo esse tempo
Está passando
Mas eu não consigo dizer-lhe por que
Me dói cada vez que eu vejo você
Percebo o quanto eu preciso de você
Eu te odeio, eu te amo
Eu odeio te amar
Não quero, mas não consigo colocar
Mais ninguém acima de você
Kieran
Gabrielle
Horas atrás…
Disco o número de Alícia enquanto desço pela parede. Marcia está na
minha frente com os outros empregados da casa. Não ligo de eles me verem
arruinada. Eu só quero meu bebê.
— Alícia, eles deram Nicolas para adoção! — eu grito, ainda com
lágrimas descendo por meu rosto.
— O quê? Meu Deus, estou indo, Gabby. Fique calma — minha
amiga pede enquanto se movimenta, e eu aperto minha mão contra meu peito.
— Eu quero acordar desse pesadelo…
— Gabby, nós vamos encontrar ele. Eu prometo. — Eu escuto sua
promessa, mas, pela primeira vez, eu não acredito nela.
Subo os degraus da escada, querendo matar aqueles dois. Eu me
encosto à porta entreaberta, respirando profundamente, e penso em abrir, mas
a voz deles me faz parar com a mão na maçaneta.
— Ele é o nosso menino… — Mamãe está chorando e eu me
aproximo mais, querendo ouvir qualquer pista de onde eles podem ter
deixado meu filho.
— Leandro cuidará dele, Mirian — meu pai resmunga, parecendo
impaciente, e eu arregalo os olhos ao ouvir o nome Leandro. Quem é? Então
não é um abrigo. Eles deram meu filho a alguém… — Você prefere que ela,
logo ela, fique com ele? — Sua voz demonstra desprezo e mais uma vez eu
me pergunto o que fiz para que ele me odiasse tanto.
— Você está certo. Ela não merece Nicolas. — Ela funga,
concordando.
Eu me afasto e sigo para minha porta rapidamente. Pego todas as
minhas coisas, colocando-as dentro de malas. Corro até o quarto de Nicolas e
pego também tudo que é dele. Peço a Marcia que mande desmontar o berço
dele e que entreguem em minha nova casa. Ela fica assustada, mas faz o que
solicito. Ligo para o corretor de imóveis que iria me levar amanhã para ver o
apartamento. Peço que me encontre lá ainda hoje e ele diz que o fará.
Não saio de casa até avisar a Alícia por mensagem que estarei no
endereço que envio para ela. Ela me responde que já está indo e eu vou
embora sem olhar para trás.
Assim que estaciono, eu vejo um homem de terno em frente ao prédio
onde viverei a partir de hoje. Eu vi as fotos no site e gostei do apartamento.
Quando o rapaz abre o imóvel, eu me sinto relaxar. Não sei como ou por que,
eu apenas sinto algum tipo de alívio.
O corretor me mostra a casa inteira e eu suspiro, lhe dizendo que vou
ficar com o apartamento. O quarto principal é grande, e o menor, que será do
Nico, também é espaçoso. Meu coração aperta ao olhar para as paredes lisas.
Será que vou vê-lo aqui dentro? Quando, meu Deus?
Assino o contrato e permaneço logo no apartamento. Subo minhas
malas e vou para o quarto assim que a campainha toca. Jogo as bolsas na
cama e vou para a sala, ainda vazia. A cama no quarto já tinha, parece que os
últimos moradores a deixaram para trás.
— Ali. — Eu respiro fundo, e ela me puxa para seus braços. Luca está
atrás dela e me olha com pesar.
— Eu tive que contar a Luca. Me desculpe, mas ele não entendeu
nada e só me deixou sair depois que falei — Alícia se explica de modo rápido
e eu balanço a cabeça, limpando minhas lágrimas.
— Não tem problema…
— Você precisa contar do Nico para Kieran. — Luca entra na casa e
se encosta à parede. — Você não entende, né, Gabrielle? — Ele balança a
cabeça com um sorriso triste.
— Do que está falando? — Estou em confusão total.
— Nicolas seria a salvação do Kieran. No momento que ele souber do
filho, ele vai ter algo por que lutar. Ele vai querer ser melhor…
— Luca, o menino está perdido, esse não é o momento — Alícia
interfere e eu pisco mais lágrimas.
— Ele vai rodar o mundo e encontrará o filho. Não duvide disso. —
Eu engulo em seco, olhando para o marido da minha amiga. Eu sei que ele
está certo, mas o medo me paralisa.
— Ele vai me odiar — afirmo enquanto seguro meu rosto, soluçando.
— Não. Ele ficará triste, Gabby, mas não vai te odiar.
Eu o escuto e saio de casa, indo até Kieran. Luca me avisa que ele
ainda está na oficina e eu vou diretamente para lá. Meus dedos tremem,
parece que vou vomitar a qualquer momento quando enfim seus olhos batem
nos meus.
— O que aconteceu? — Seu olhar está afiado. Suas mãos seguram
meus ombros e ele me apoia no carro.
— Nós precisamos conversar. — Eu forço as palavras e Kieran franze
as sobrancelhas. — Podemos ir para minha casa? — Mordo meu lábio
piscando. Contar tudo em minha casa será melhor.
— Seu pai fez algo a você, Gabrielle? — Sua voz rouca está
preocupada e eu balanço a cabeça. Dessa vez não foi a mim.
— Por favor — peço, e ele acena, se distanciando.
Observo-o fechar a oficina sem nem mesmo se limpar, apenas trocou
de roupa. Seus dedos ainda estão sujos de graxa, mas ele parece não ligar.
Entro em seu carro calada e ele sai do estacionamento. Eu já vim de táxi
pensando nisso.
— Eu não moro mais na casa dos meus pais — aviso e coloco o meu
novo endereço em seu GPS.
— O que diabos aconteceu para que saísse de lá? — Eu tremo
escutando a raiva e frustração em sua voz. Ele está com ódio por não saber o
que está acontecendo.
— Algo horrível — murmuro somente e o deixo soltar maldições o
caminho inteiro.
Kieran olha para o apartamento ainda vazio e se vira para mim. Seu
rosto está severo e ele parece que vai me sacudir a qualquer momento.
— O que…
— Dois meses depois que foi preso… — Eu engulo, criando coragem,
e dou um passo em sua direção. — Eu descobri que estava grávida. — Seus
olhos se arregalam e eu tento parar a onda de tremor nas minhas mãos.
— Que porra é essa? — Ele chega a mim rapidamente e me puxa pela
cintura, em sua direção.
— Eu queria te contar. Eu juro, Kieran, mas meus pais não deixaram.
Eles me ameaçaram, e ameaçaram matar você lá dentro. Eu não podia…
— Caralho, fala que está brincando, Gabrielle! — ele grita, se
afastando, e eu abraço minha cintura, pensando em Nico.
— Eu não estou brincando. Eu tive nosso bebê…
— Nosso… — Ele suspira, esfregando o rosto, e eu aceno me
afastando. — Onde ele está? É um menino? Uma menina? — Seus olhos
estão completamente sem foco.
— É um menino. Nicolas. — Eu me sento no chão da sala, abraçando
minhas pernas.
— Como você pôde? — ele questiona andando pela sala. — Eu quero
ver ele. Agora, Gabrielle! — Sua voz quebra e eu vejo o homem sempre
centrado e firme se tornar uma bagunça de lágrimas.
— Eu não terminei.
— O que mais pode dizer, porra?! — Seu grito me faz encolher.
— Meus pais o registraram como deles. Ele é o menino que eu disse
ser meu irmão…
— Você mentiu para mim? — Ele balança a cabeça e puxa meu
braço, me erguendo. — Gabrielle, o menino de quem troquei a fralda é meu
filho e você não me disse nada? — Seu aperto aumenta e eu puxo meu braço,
querendo me afastar.
— Você está me machucando — murmuro com um gemido, e ele
afrouxa a mão.
— Você está me machucando muito além do físico. — Suas palavras
me fazem encolher. — Eu quero ver meu filho — ele exige enquanto seus
olhos escuros me partem ao meio.
— Deixa eu explicar tudo, por favor — eu peço, e ele me solta, se
afastando de mim novamente. Ele parece um bicho enjaulado, querendo
liberdade. — Eu contratei Theo para reaver a paternidade e a guarda do Nico.
Hoje foi marcado o exame de DNA, para comprovar que o Nicolas não é
filhos deles. Meus pais o levaram e eu esperei em casa. Porém, quando
chegaram, eles não estavam com Nicolas. Eles me disseram que o tinham
dado para adoção.
— Jesus Cristo! Eu vou matar os dois! — As suas palavras são firmes
e ele as pronuncia olhando diretamente para meus olhos.
— Kieran, eu estou apavorada. Não sei o que fazer, eu só quero meu
filho. Perdão por não ter te contado antes, eu estava com tanto medo. — Eu
me encolho e meu coração sangra, imaginando onde meu filho está. Minha
visão embaça e eu soluço contra minhas mãos.
— Você vai ficar aqui até eu te ligar — ele murmura, já caminhando
para fora.
— Não. O que vai fazer? — Eu o sigo, puxando sua camisa.
— Eu vou trazer nosso filho, Gabrielle. — Uma onda de calor atinge
meu coração e eu soluço, abraçando seu corpo.
— Não faça uma loucura, Kieran. Nicolas precisa de você. — Eu o
aperto mais até que ele segura meu queixo, fazendo com que eu encare seus
olhos escuros.
— Arrume o quarto dele, Gabby. Nosso filho dormirá em casa hoje.
— E não é apenas uma frase, é uma promessa.
Eu acreditei nela.
“Medo e esperança batalham
pelo maior espaço do meu coração.”
Gabrielle
Kieran
Kieran
Viro quando escuto passos e vejo Gabby. Ela está com um vestido
curto e suas coxas estão à mostra. Foda-se, ela me enlouquece. Desejo outra
vez me perder em seu corpo, acordar com ela nua ao meu lado. Jesus…
— Eu já vou. Só vim ver Nico — digo, beijando meu filho e o
colocando no tapete. Eu me ergo e olho para ela. Seu lábio está sendo moído
pelos seus dentes. Quero esticar a mão e retirá-lo, mas não faço.
— Tudo bem. — Ela acena e estala seus dedos. Eu a sigo para a porta
e ela a abre, me deixando passar. — Tchau, Kieran. — Eu aceno e saio de sua
casa.
Soco o painel do elevador assim que as portas se fecham. Droga. O
que tem de errado comigo? Gabrielle é minha, foda-se se escondeu algo. Ela
me ama.
Balanço a cabeça espantando esse pensamento. Não vou perdoá-la.
Ela me enganou, mentiu e me manteve longe do nosso filho.
Quando chego à casa do meu pai, mais tarde naquele dia, eu sorrio
para Dani. Ela larga os cadernos e livros e pula em mim.
— Tenho uma novidade — começo, a fazendo arregalar os olhos. —
Cadê o pai? — questiono assim que ele sai da cozinha, com um pano no
ombro.
— Acabei de fazer o jantar. Venham para a mesa — ele manda, já se
encaminhando, e eu o sigo com Dani.
— Pai, Kieran falou que tem uma novidade. — Ela parece
supercuriosa e eu bagunço seu cabelo, recebendo um tapa na mão em
seguida.
— Sério? Fala aí. — Ele sorri, colocando sua comida.
— Eu tenho um filho — digo de uma vez, e os dois paralisam. Meu
pai está de olhos arregalados e com a colher parada a meio caminho da boca.
Dani está me encarando sem ação. — O que foi? — pergunto confuso. —
Pensei que ficariam felizes.
— Kieran, como assim? Quem é a mãe?
— Ora, quem! Gabrielle, é logico. Você acha que eu teria filho com
mais alguém? — eu brinco sorrindo, e meu pai sorri pela primeira vez.
— É o menino com quem ela estava naquele dia na oficina — papai
murmura certo, e eu franzo as sobrancelhas.
— Como sabe?
— Ele é sua cara quando bebê, Kieran. Tão parecido que fiquei
assustado ao olhar para ele. — Meu pai sorri e eu pisco completamente
atordoado.
— Eu quero conhecer ele. Será que Gabby viria aqui? Ainda é cedo.
— Dani pula da cadeira, já com seu celular, e eu não tenho nem tempo de
dizer para não ligar.
Meia hora depois Gabby estaciona em frente à casa do meu pai. Nico
bate palmas assim que me vê. Meu coração se aperta de amor. Como posso
amar alguém tão mais do que acho possível amar a mãe dele?
— Vamos conhecer o vovô e a titia? — questiono, sorrindo ao pegá-
lo dos braços de Gabby. Ela sorri para mim e abre a boca para falar, mas
volta a fechá-la. — O quê? — pergunto sorrindo.
— Eu posso dar uma volta e deixar vocês sozinhos com ele um
pouco. Tipo, para dar privacidade a vocês — ela explica apressada, e eu
balanço a cabeça.
— Não precisa, desce do carro — eu mando e ela revira os olhos,
tirando o cinto de segurança e me seguindo.
Assim que entro em casa meu pai está na minha frente. Dani sorri
com os olhos marejados e eu entrego Nico ao meu pai primeiro. Ele beija sua
bochecha e o abraça. Nico pega a barba dele e começa a rir.
— Eu sou o vovô — ele murmura no pescoço do meu filho, e, pela
primeira vez, em anos, eu vejo meu pai se emocionar.
— Eu sou a titia — Dani se intromete e Nico ri quando ela o beija na
bochecha.
Minha família senta no sofá, brincando com ele, e eu fico de pé
apenas observando os três. Gabby limpa a garganta e eu a vejo de braços
cruzados na porta.
— Eu nem sei como começar a falar… — Ela esfrega o nariz e
continua: — Me desculpem por não ter dito nada sobre Nicolas. Eu não vou
explicar muito, Kieran pode fazer isso, mas eu só quero dizer que eu não fiz
isso, manter Nico longe e sem vocês saberem dele, com a intenção de
machucá-los. Eu nunca faria algo assim. — Seus olhos transbordam lágrimas
e ela morde seu lábio fortemente.
— Gabby… — Dani começa, mas papai a interrompe.
— Você me viu mais vezes do que eu posso contar nos anos que
Kieran estava preso… Você poderia ter me falado. Eu te ajudaria com
qualquer coisa. — Meu pai está magoado e eu sei o que ele está sentindo.
— Eu sei, mas eu era… — Ela pisca mais lágrimas e encara a parede.
— Fraca — finaliza e eu engulo em seco, vendo o tormento que essa palavra
causa nela.
— Gabrielle, isso não importa mais. Nós estamos juntos e vamos
permanecer — Dani fala, sorrindo, e pega Nico dos braços do nosso pai.
Gabby sorri para minha irmã e acena. Seu celular começa a tocar e ela
limpa as lágrimas, levando o aparelho à orelha.
— Theo, olá — ela saúda e eu inclino a cabeça, vendo-a sorrir e ir
para o lado de fora.
Que merda!? Dou um passo para segui-la ao vê-la encostada em seu
carro, rindo do que o idiota fala na outra linha, mas Vina aparece.
— Ei! — Ela sorri e eu sinto o cheiro de bebida de longe.
— O que faz por essas bandas? — pergunto. Ela é minha vizinha, e eu
moro a algumas quadras daqui.
— Estou na casa de uma amiga. — Ela se aproxima, mas me afasto
assim que ela tenta beijar minha boca. Está louca? Vina sorri e vê minha
família no sofá. — Quem é esse garoto lindo? — Ela se aproxima do sofá e
eu respiro aliviado por ela não ter tentado dar em cima de mim, porra!
Meu pai franze o cenho para mim, e eu dou de ombros. Assim que
Vina abre os braços para Dani lhe entregar Nico, Gabrielle entra na casa.
— Com licença. — Ela quase grita e eu me viro, franzindo o cenho.
— Estou indo. — Ela vai para frente de Vina e pega nosso filho, sem deixar a
outra mulher tocar nele.
— Mas já? — Dani murmura desanimada, e Gabby engole em seco,
se afastando deles.
— Sim. É, meu amigo vai à minha casa. Por isso tenho que ir — ela
fala e eu sinto meu sangue esquentar.
— Essa hora? — questiono, olhando que já passa das oito horas.
Ela não responde, apenas me dá um olhar de raiva.
— Preciso ir mesmo, mas vocês podem ir lá em casa também. Sempre
irei receber a família de Nico. — Ela sorri e eles se despedem do meu filho
enquanto Vina cruza os braços, assistindo.
Eu a sigo quando sai da casa do meu pai. Gabrielle coloca Nico em
sua cadeirinha e eu agarro seu braço quando ela já está para entrar em seu
carro.
— Que diabos é isso? Theo vai fazer o que lá? — eu quero gritar, mas
permaneço calmo vendo-a empinar seu nariz, me desafiando.
— Não te interessa — ela murmura e se solta de mim. — Quando
suas putas estiverem na casa da sua família ou na sua, me avise. Meu filho
não vai conviver com elas. — Ela bate a porta do carro e eu respiro fundo
com ódio.
Ela sai com o carro e eu murmuro alguns palavrões. Vejo Vina e
passo por ela, a deixando falar sozinha.
Gabrielle
Dias depois…
— Não precisa ficar nervosa. Será apenas a mudança de paternidade.
Nada de mais. — Eu me viro ao ouvir a voz de Theo. Ele veio até o cartório
comigo e Kieran para o caso de ocorrer alguma coisa.
— Não estou — minto, voltando a me sentar corretamente.
Theo conseguiu a autorização do juiz e agora podemos mudar o
registro civil de Nicolas. Estou nervosa, pois eu esperei por isso por muito
tempo. Não é apenas um papel, não é apenas uma formalidade… é a minha
família.
É a pessoa que mais amo no mundo e, depois de hoje, ninguém vai
poder tirar ele de mim. Eu sou mãe dele.
— Você não precisa ficar rondando Gabrielle, Theo — Kieran
resmunga, cruzando os braços na cadeira ao meu lado.
— Ele não está me rondando, Kieran — murmuro impaciente.
Em menos de meia hora nós três saímos do cartório com a certidão de
Nicolas totalmente reformulada. Eu encaro o papel entre meus dedos
trêmulos, já sentada no carro, ao lado de Kieran. Theo foi embora e como
vim com Kieran, estou voltando com ele também.
Nico ficou em casa com Lorena e Dani, que resolveu passar o dia em
minha casa.
— Eu acho que a gente deveria conversar. Passamos esses dias nos
evitando dentro da sua casa e… — Ele suspira, e não termina. Seus dedos
estão contra seus lábios e seu cotovelo apoiado na porta.
— Eu concordo — digo, sendo sincera.
— Eu vou estar aqui para o que precisar, Gabby. Nicolas é nosso filho
e eu vou tentar com todas as minhas forças ser uma pessoa boa para ele —
Kieran fala olhando da pista para mim. Dói em algum lugar dentro do meu
coração ver que eu não fui citada.
Acabou? Eu acho que sim.
— Eu sei que vai. É incrível o quão apegado ele se tornou com você.
— Eu sorrio, disfarçando meu incômodo, e ele parece contente ao me ouvir.
E eu não menti. Nico escuta a porta bater e seus olhos escuros
crescem, pensando ser Kieran. Assim que o pai aparece ele bate palmas e
sorri, mostrando seus dois dentinhos da frente. Basta Kieran sair para ele
estranhar e ficar mais calmo.
Eu adoro isso. Amo que meu filho goste da presença do pai e anseie
por isso.
— Eu o amo. É estranho eu dizer que o amo o conhecendo há pouco
tempo? — Seu rosto está franzido e eu aperto sua mão, querendo lhe passar
confiança.
— Não é. Eu também o amei assim que digeri a gravidez. — Eu
sorrio e volto meus olhos para a certidão do nosso filho.
Assim que chegamos em casa Kieran pega Nico e vai dar banho nele.
Dani o espera enquanto Lorena já se despede de mim, dizendo que vai sair
hoje. Eu a mando criar juízo e ela me dá língua. Sim, muito infantil.
Preparo almoço para nós três enquanto Dani assiste à TV. A casa já
está toda mobiliada e eu agradeço por isso. Estou decorando aos poucos, mas
já a acho uma fofura.
Escuto o celular de Kieran tocar e o pego em cima da mesa de centro.
Dani está entretida na série de alguns Zombies, por isso volto para a cozinha.
O nome de uma mulher acende na tela e eu engulo em seco.
— Kieran, estão te ligando! — grito, avisando, e deixo o aparelho na
mesa.
— Deixe tocar, estou terminando! — ele responde gritando também, e
aceno, deixando a música soar.
Quando começa a tocar pela terceira vez, eu atendo. Merda, não ligo.
— Kieran, merda, por que não me atendeu? — uma mulher grita do
outro lado e eu permaneço calada. — Você vai vir ou não? Se não vier, eu
vou com o Otávio.
— Se eu fosse você, iria, sim, com o Otávio. Kieran está com o filho
dele. Não vai a lugar nenhum — eu resmungo irritada e ela fica calada.
Quando penso que vai responder, ela encerra a chamada.
Eu respiro fundo e me viro, querendo voltar para meu almoço, mas
dou de cara com Kieran parcialmente molhado. Nico está em seus braços,
batendo palmas.
“Eu a desapontei.
Eu me culpo por isso.”
Kieran.
Gabrielle
— Que merda você fez? — ele rosna baixo, não querendo assustar
Nicolas.
— Só falei a verdade. — Dou de ombros e volto para o fogão. —
Você não ia passar o dia com Nico? — Elevo minha sobrancelha e ele bufa.
— Você não deveria ter atendido meu celular e muito menos dizer aos
outros o que fazer, porra! — Sua voz eleva e Nico se vira, o encarando.
— Você pode ir embora. — Eu ando até ele e tento pegar Nico, mas
Kieran se afasta. — Devolva meu filho — mando, sentindo minha respiração
acelerar.
— Nosso filho — ele me corrige, e eu tento pegar Nicolas novamente.
Nico olha de mim para ele e logo seus lábios gordos formam um bico que
antecede seu choro.
— Kieran — murmuro assim que Nico começa a chorar. Quero
embalá-lo em meus braços, mas Kieran faz isso por mim.
— Ei, garotão. Não foi nada — ele fala suavemente, abraçando e
balançando Nicolas. — Desculpa, papai não vai mais brigar com a mamãe.
Eu juro. — Ele beija um dos dedos e dá outro no rosto vermelho do filho.
Eu quero desviar o olhar, jesus, eu quero, mas não consigo. Ver o
sorriso que logo cresce nos lábios do meu filho faz meu coração derreter.
Assim que ele está mais calmo, Kieran chama sua irmã. Dani pega
Nico e vai trocá-lo, nos deixando a sós.
— Você deveria ir — eu murmuro em meio ao silêncio.
— Você sabe que morro de ciúmes de você. Se qualquer cara te olha,
me deixa louco, mas você não precisa ter ciúmes de mim. — Ele fica atrás de
mim, mas eu me esquivo e vou para o outro lado do balcão. — Não temos
mais nada, Gabby, sua mentira… — Ele esfrega em minha cara e para de
falar. Eu fecho meus olhos, não querendo ver o quão idiota ele se tornou.
— Nós nunca tivemos. — Eu sorrio, colocando minhas mãos em meu
casaco. — Nossa única ligação é nosso filho — minto, pois não aguento
mais.
Foda-se que eu não preciso ter ciúmes. Eu tenho e ele é um hipócrita
ao dizer que eu não preciso disso. Não temos mais nada… ótimo.
— Gabrielle.
— Eu não vou tocar em seu celular. Amigas, putas ou o que for?
Tenha aos montes, não vou mais me importar. Quer sair com elas? Saia. —
Eu suspiro e encaro seu rosto duro, com raiva. — Mas não me venha com sua
pose idiota de ameaçar os outros homens por estarem perto de mim…
— Isso não…
— Deixe de ser um escroto! Eu sou livre. Não é por causa das suas
ameaças que deixarei de viver! — eu o desafio, e em questão de segundos
seus olhos estão pretos. Raiva borbulha em seu interior e eu vejo isso pelos
seus punhos formados.
— Você está certa. Você é livre. Pode ficar com quem quiser — ele
fala e eu encubro o meu choque. Nunca pensei que ele falaria isso. Porém,
alguma coisa dentro de mim diz que é o certo.
— Que bom.
Eu não o levo até a porta. Ele sai com sua irmã antes mesmo que
almocem.
Kieran
Viro minha cerveja assistindo a Vina se sentar em meu colo. Eu quero
rir disso aqui, ela tentando fazer meu pau subir e ele apenas pensando no meu
Algodão Doce. Só o pensamento de suas pernas torneadas faz com que ele
comece a ganhar vida.
Esfrego meu rosto e assim que eu elevo minha mão para empurrar
Vina para seu lugar, alguém a tira de cima de mim. Eu elevo meus olhos,
confuso ao ver Lorena de pé à minha frente.
— É engraçado. — Ela ri com as mãos na cintura. — Eu sempre quis
que minha irmã acabasse com alguém que amasse e cuidasse dela. Depois
que ela engravidou eu pensei que poderia ser você, mas como me enganei…
— O que quer, Lorena? — Eu me ergo, vendo os rostos dessa festa se
virarem para mim.
— Seu filho está doente, enquanto você está aqui. — Ela me olha com
raiva e eu franzo o cenho. Merda. — Se você atendesse minha irmã, saberia.
— Ela se vira, indo para a saída, e eu a sigo, pegando meu celular.
Chama duas vezes até Gabrielle me atender.
— Algodão Doce…
— Eu liguei porque Nico está com febre, mas já estou a caminho do
hospital e Lorena vai me encontrar lá, então não se preocupe. Qualquer coisa
aviso por mensagem — ela murmura e eu escuto barulho de portas sendo
fechadas.
— Você está indo de táxi?
— Uber. Eu preciso desligar. — Ela não espera por resposta. Apenas
finaliza a chamada.
Eu sigo Lorena, apertando minhas mãos em punhos. Como eu não a
atendi? É a primeira vez que ela me procura para algo, e eu não atendo seu
chamado. Soco o volante e me concentro em chegar até lá.
Gabrielle
Eu sorrio quando Mateus me tranquiliza. É apenas uma mudança de
ambiente. Nico gripou um pouco e consequentemente veio a febre.
— Ele já está medicado, só vou esperar a febre baixar e vocês podem
ir, tudo bem? — Mateus fala, olhando para Nico adormecido, na cama de
hospital.
— Tudo, sim. — Eu sorrio e vou para perto do meu filho.
— Se quiser, deite-se com ele. Voltarei daqui a alguns minutos. —
Ele sai e eu me deito, colocando Nico em cima de mim.
Passa algum tempo e eu vejo Lorena entrar no quarto. Ela está
preocupada e logo corre para perto de mim e de Nicolas.
— Ele está bem. É só uma gripe — eu a acalmo e a vejo relaxar. —
Mateus logo vai deixar a gente ir para casa.
— Ainda bem. — Ela se inclina e beija a bochecha gorda do sobrinho.
— Kieran está lá fora — ela fala devagar e eu bufo.
— Não quero ver ele.
— Ele é um idiota, mas está preocupado com Nico — ela esclarece e
eu aceno, ainda contrariada.
Minha irmã vai chamá-lo e eu foco minha atenção em Nico.
— Ei… — Escuto sua voz e vejo-o pelo canto do olho se aproximar.
Kieran se inclina, cheirando nosso filho. — Como ele está?
— Melhor — murmuro.
Assim que ele vai começar a falar, Mateus entra. Ele franze o cenho
para Kieran, pois não o conhece, e vem para mim, medindo a temperatura de
Nico.
— Vocês já podem ir. — Ele sorri ao falar, e eu assinto, já me
erguendo.
— Obrigada, Mateus. Como sempre eu corro para cá parecendo
descontrolada e você diz que é algo simples… — Eu sorrio dando de ombros
e pego Nicolas.
— Já me acostumei com vocês dois. Corra sempre que quiser e
precisar. — Ele pisca gentil e eu aceno.
Saio da sala e ando na frente de Kieran com Lorena ao meu lado.
Nico ainda está dormindo e eu agradeço por isso.
— Gabrielle — eu escuto Kieran murmurar, mas não me viro para o
encarar.
— Eu vou te levar para casa — Lorena fala, e eu aceno, já indo para
seu carro.
Fecho minha porta, deixando Kieran do lado de fora, e foco minha
atenção na paisagem à minha frente. Lorena sai com o carro e eu relaxo,
apertando Nico.
Minha irmã me leva até meu apartamento e eu sorrio, agradecendo
por ela ir até lá.
— Você quer que eu durma aqui? — Ela acaricia Nico e eu balanço a
cabeça.
— Não precisa — murmuro e beijo seu rosto. — Cuidado. — Ela
acena e sai, indo para o elevador.
Coloco Nico em seu berço e o deixo adormecido. Volto para meu
quarto e troco de roupas, indo para minha cama. Assim que minha cabeça
bate no travesseiro, eu me abraço, querendo encontrar algum alívio dentro de
mim.
Hoje foi a primeira vez que precisei do Kieran, de fato, e ele não me
socorreu. Eu posso dizer que esperei por isso. Tenho que me conformar.
Kieran não é o cara que vai mudar por mim ou Nico. Esse é o estilo de vida
dele, eu não vou tentar mudar isso.
Minha campainha soa e eu suspiro, imaginando que eu devo ter
esquecido algo em seu carro. Mas, assim que saio da cama, imagino que pode
ser Kieran. Meu coração acelera e eu sinto a raiva inflamar em meu peito.
Assim que abro a porta, eu o vejo. Seus ombros estão elevados e seu
olhar está preso ao meu. Depois de segundos, sua atenção desce para meu
colo e seios. Cruzo os braços, cobrindo a transparência da camisola curta, e
seus olhos mudam para minhas pernas nuas.
— O que foi? — questiono, descendo mais a minha roupa.
— Eu vim cuidar do Nico — ele murmura, engolindo em seco. Eu
sorrio e aceno devagar.
— Ele está bem. Ainda está dormindo. Você deveria ir para casa.
Amanhã você vem…
— Vou ficar — ele me corta e entra na minha casa. Eu fecho a porta
cansada e engulo minha frustração.
— Tudo bem — murmuro e ando para meu quarto.
Pego um dos meus travesseiros e um cobertor dentro do meu guarda-
roupas. Volto para a sala, mas não o encontro, então apenas deixo as coisas
no sofá. Ando a passos silenciosos até o quarto do Nico e vejo Kieran ao lado
do berço.
— Deixei cobertor na sala — murmuro, chamando sua atenção, e ele
acena.
Vou para meu quarto e me deito, querendo esquecer que ele está aqui.
Kieran
Eu me sento no sofá e aperto meus punhos. Eu devo ir até seu quarto?
Eu me pergunto isso algumas vezes até eu me levantar. Sigo calmo até sua
porta e bato nela. Passam-se minutos, mas ela não abre. Bato mais algumas
vezes, mas Gabby não responde.
— Eu sei que está acordada. Abre — murmuro, batendo novamente, e
logo a porta range, abrindo-se.
— Aconteceu alguma coisa? — ela pergunta, levando sua mão para o
rosto e o esfregando.
Sua tatuagem fica à minha frente e eu engulo em seco ao ver que o
nome de Nico está ao lado da pena longa e bonita. Meu olhar desce e eu vejo
seus seios grandes contra a camisola transparente. Seus mamilos rosados
estão à minha frente e eu sinto minha calça ficar apertada. A camisola está
amontoada na cintura e suas pernas estão completamente à mostra, igual sua
calcinha branca. Merda, como posso pensar direito?
— Kieran — ela murmura, ajeitando sua roupa, e eu ergo o olhar para
ver seu rosto.
— Eu quero explicar por que não atendi sua ligação. — Eu forço
minha voz e Gabby morde o lábio, me encarando.
— Eu sei por que você não atendeu. — Sua voz é certa e eu franzo o
cenho.
Gabrielle entra no quarto e volta com o celular na mão. Ela o empurra
em meu rosto e eu faço careta ao ver a foto. Vani está em meu colo, e eu sei
que foi Lorena que enviou para Gabby.
— Isso é besteira. Não estava fazendo nada de errado, Vani estava
brincando e eu já ia…
— Não estou pedindo explicações. Não temos mais nada, você pode
ficar com quem quiser, mas que bom que agora eu sei o que esperar de você
quando eu precisar novamente…
— Não fale assim. Eu vim para Nico e eu viria sempre.
— E eu fico feliz por isso. — Ela sorri e começa a fechar a porta, mas
eu a seguro e entro em seu quarto.
— Você ficou com ciúmes e quer me crucificar, mas não vai
acontecer…
— Eu não falei nada disso. — Ela cruza os braços e sorri. — Eu sei
que você está ficando com essa menina. Eu tenho ciúmes como qualquer
mulher que ama o seu ex, mas não se preocupe, Kieran. Ele está morrendo.
— O que está morrendo? — pergunto, apertando minhas mãos.
— O amor. O nosso amor. — Ela acena e engole em seco. — Pouco a
pouco, e logo você não precisar mais se preocupar com isso…
— Você pensa que é fácil esquecer o que fez? Você me escondeu meu
filho…
— Eu sei e eu já pedi perdão por isso — ela murmura, colocando seu
cabelo atrás da orelha. — Não sei o que quer que eu faça…
— Não é fácil…
— Não digo que é, porém, não se preocupe, logo seguirei minha vida
e não precisaremos discutir meus ciúmes com relação a você! — ela grita a
frase e eu trinco meus dentes, imaginando o que ela está falando.
— Seguirei? O que diabos isso significa?
— Significa que vou deixar de me importar com o que faz. Que terei
alguém com quem me importar, sem ser você.
— Você quer outro homem, é isso? — eu rosno, dando passos em sua
direção.
— Sim. Quero alguém que me ame o suficiente, não uma pessoa que
não me entende e que o sentimento que diz sentir por mim é quase zero…
— Você está falando de mim. Eu te amo e você sabe disso. Eu não
preciso te dizer… — Ela arqueia a sobrancelha e eleva o celular novamente.
— Ótimo jeito de demonstrar. — Ela ri e eu a seguro contra a parede
ao lado da cama.
— O que quer que eu faça? — questiono, segurando seu pescoço e
sua cintura fina.
— Eu quero que saia do meu quarto…
— Mentirosa. Você quer que nós dois fiquemos nus para fazermos
amor — eu resmungo, sentindo sua respiração bater em meus lábios.
— Isso quem quer é você. Eu vi o jeito que me olhou…
— Quem não olharia, porra? Você está nua na minha frente. — Ela ri
com meu descontrole.
— Olha para você, Kieran. Me prendendo contra a parede. Minta o
quanto quiser, fale que não pode me perdoar. Nós dois sabemos que isso é
apenas a desculpa que arrumou para me manter longe! — ela grita em meu
rosto e eu vacilo, encarando seu belo rosto. — Longe da sua vida suja com
aqueles traficantes, com suas drogas e vagabundas. Eu sempre soube disso…
— Eu não mereço você ou o Nicolas…
— Eu concordo. — Ela empurra meu peito e eu a solto.
— Durma comigo hoje. — As palavras saem da minha boca antes que
eu pense nelas. Gabrielle se vira e sorri, mordendo o lábio.
— O que acha que eu sou? — ela pergunta e vem para minha frente.
— Acho que você me quer — eu resmungo e ela acena, me dando a
certeza.
Em um segundo ela retira sua camisola, ficando apenas de calcinha à
minha frente. Seus seios redondos e cheios me fazem salivar. Merda.
— Nossa despedida — ela murmura e eu afasto suas palavras da
minha cabeça.
Seguro seus cabelos, atacando sua boca com fome, e ela sobe em meu
corpo enquanto seguro suas pernas. Sua língua invade minha boca com fome
e desespero. Desço meus lábios para seu pescoço e chupo a pele branca,
deixando-a marcada.
Deito-a na cama e desço para seus seios. Esfrego meu dedo em um
deles e Gabrielle geme mais alto. Coloco o bico rosado em meus lábios e
chupo, fazendo-a se contorcer. O gosto do seu leite bate em minha língua e
eu sorrio, gemendo.
Retiro minha roupa e puxo sua calcinha de renda branca pelas suas
pernas. Eu me encaixo em suas pernas e entro nu em seu corpo. Nunca usei
camisinha com Gabrielle, não vou começar agora, porra! Se amanhã ela
aparecer grávida, vai ser apenas mais uma bênção na minha merda de vida.
Ela se remexe, me estimulando a entrar e sair do seu corpo cheio de
curvas. Eu me perco em seu corpo e beijo seus lábios cheios de gemidos
baixos. Sinto-a se contorcer e ela chega ao prazer, me levando a ele em
seguida.
Nós tomamos banho juntos e calados. Gabby parece aérea e eu não
quero que briguemos agora novamente. Eu visto minha boxer enquanto ela
veste uma nova camisola. Nós nos deitamos juntos e eu a puxo para meus
braços.
Ela deixa. Parece que o que ela falou é verdade; é a nossa despedida.
“Retirando o que foi dito.
A mentira dita.”
Kieran.
Gabrielle
Eu sinto seu olhar sobre mim. Nico está mamando, eu fui buscá-lo.
Adormeci nos braços de Kieran e eu estaria mentindo se dissesse que não foi
uma das minhas melhores noites.
— Eu estou indo. Vou para a oficina. — Eu apenas aceno quando ele
avisa da porta. — Gabby…
— Tudo bem — eu o tranquilizo, e, suspirando, ele se vira, indo
embora.
Eu mordo meu lábio, querendo manter as lágrimas ao longe, mas
quando vejo os pingos molharem meus seios, apenas tento ficar em silêncio.
Eu não acho que tudo isso tenha sido melhor para nós dois. Sei que Kieran
não é o homem mais íntegro do mundo, mas eu o amo.
Cada fibra do meu corpo anseia por ele, e perceber ontem que tudo
acabou é doloroso demais. Minha razão grita, dizendo que isso está certo.
Que ele não vai mudar por mim e que eu vou ficar melhor sem ele, mas meu
coração sangra, me avisando do contrário. Eu estou perdida sem ele aqui.
Muito mais do que quando ele foi preso.
Arrumo Nicolas e me visto, indo para a Galeria. Disco o número da
Marcia, antiga babá de Nico, enquanto estou no Uber em direção ao meu
trabalho.
— Oi.
— Marcia, sou eu, Gabby — falo, tentando soar alegre, e ela logo
começa a fazer perguntas de como eu e Nico estamos. — Te liguei para saber
se ainda está trabalhando lá em casa. É que preciso de uma babá. — Suspiro
aliviada quando ela diz que meus pais a despediram e que ela poderá começar
quando eu quiser.
Desligo, lhe dizendo que amanhã ela começará. Mando meu novo
endereço para seu celular e sorrio para Nico em sua cadeirinha.
Dias depois…
— Eu venho logo — aviso novamente a Alícia, enquanto aperto
minha têmpora. A dor de cabeça atacou ferozmente hoje e não encontrei um
analgésico sequer na bolsa.
— E, por favor, tome café. A dor de cabeça pode ser por isso também.
Você e sua mania de não comer — ela resmunga, digitando no computador, e
eu suspiro acenando.
— Certo…
— Não estou brincando. Faz horas que almoçou — ela me lembra e
eu concordo. É verdade. Nosso expediente está acabando e eu não comi nada
depois do almoço.
Caminho até a farmácia duas quadras depois da Galeria e compro meu
remédio. Pego meu troco e sigo para o café ao lado. Assim que abro a porta
eu acabo trombando de frente com alguém. Minhas bochechas queimam
olhando para o médico do meu filho.
— Doutor Mateus. — Aceno, dando um passo para o lado, deixando
espaço para ele passar.
— Mateus, Gabrielle. Só Mateus. — Ele sorri, colocando as mãos nos
bolsos do casaco.
— Mateus. Desculpe — eu peço, ainda envergonhada, e ele sorri,
balançando a cabeça.
— Você vai tomar café? — ele pergunta suavemente, e eu encaro seus
olhos azuis e cabelos escuros com a boca meio aberta. Mateus é lindo, eu já
reparei nisso, é claro. Sem seu jaleco, ele parece ainda mais charmoso. O que
estou pensando?
— Hum, sim. — Eu aceno, olhando para o café bem aconchegante.
— Posso me juntar a você? — Sua voz é mais baixa do que o normal,
e eu me viro, o vendo parado bem rente a mim.
— Cla-claro — eu balbucio, me sentindo uma idiota, e juntos nos
sentamos.
Peço pão de queijo e café preto enquanto Mateus pede apenas um
pedaço de bolo de chocolate. Eu sorrio quando ele se lambuza.
— Como está Nicolas? — Meus olhos se iluminam quando ele fala o
nome do meu filho.
— Vai ótimo. Você recebeu a papelada nova dele? Eu fiz o envio…
— Sim, e eu confesso que fiquei bem confuso. — Suas sobrancelhas
estão franzidas e eu dou de ombros, desviando os olhos dos dele.
— Foi uma confusão. Ele foi registrado como filho dos meus pais,
mas ele é meu. Eu o gerei e tudo. Depois eles o roubaram de mim e eu não
tinha forças para…
— Calma. — Ele sorri, pegando em minha mão. — Não precisa
explicar, sabe? Você sempre o acompanhou nas consultas. Eu, por vezes,
imaginei que fosse a mãe mesmo. Isso é maravilhoso. — Ele me acalma
sorrindo e eu aperto sua mão, me sentindo mais leve.
— Obrigada. Eu estava enlouquecendo… mas agora tenho meu filho
comigo. Nada mais importa — eu sussurro, tirando minha mão da sua.
— Isso mesmo! — Mateus ri, comendo mais do seu bolo, e juntos
terminamos o café.
— Você já está indo para casa? Posso te levar…
— Não precisa…
— Faço questão — ele insiste, e eu aceno, me dando por vencida.
Volto com Mateus para a Galeria para pegar apenas minha bolsa.
Assim que saio de lá e me encaminho para o carro dele, escuto outro se
aproximar e estacionar. Eu me viro e engulo em seco ao ver o carro de
Kieran.
Todos os dias ele passa em minha casa para ver Nicolas. Os dois
brincam pelo resto da tarde até Nico ir para a cama. Eu aprecio isso, pois
Nico está cada vez mais apegado a ele.
— Hum. Oi. — Eu sorrio para ele e me viro, fazendo sinal para
Mateus, lhe pedindo um minuto. Ele acena de dentro do carro e eu relaxo, me
voltando para Kieran.
— Eu vim te buscar. Estava aqui nas redondezas — ele murmura,
olhando para além de mim, e eu mordo meu lábio.
— Então, eu já tenho carona — eu aviso incerta, observando-o me
encarar.
— Quem é? — Sua mandíbula está trincada, e eu suspiro, fechando
meus olhos.
— É um amigo — digo apenas isso e começo a me afastar.
— Você está…
— Não estou nada. Eu tenho que ir — eu o interrompo e me viro,
indo para o carro de Mateus.
Ainda o vejo apertar seus punhos, mas apenas vai para seu carro.
— Hum, desculpe — peço assim que eu me sento no carro. Mateus
acena sorrindo e sai do estacionamento. Coloco meu endereço em seu GPS e
em minutos já estou chegando em casa.
— Aquele cara é o…
— Pai do Nico. Sim, é — eu o interrompo, segurando minha bolsa
firmemente.
— Ele não parece alguém com quem você se relacionaria…
— Por quê? — Eu me viro, elevando minha sobrancelha. Mateus
sorri, dando de ombros, e eu continuo o encarando.
— Sei lá. Pensei que você se relacionava com pessoas do seu mesmo
nível social…
— Isso é uma besteira imensa — murmuro, retirando meu cinto.
— Eu também acho — ele fala, me fazendo parar de me mover.
— Kieran é o pai do Nico, e eu me relaciono com pessoas que eu
gosto, com pessoas que me atraiam. Não as diferencio pelo nível social. —
Eu o encaro, querendo que ele compreenda, e ele sorri, acenando.
— Somos dois, então. — Ele fala sério e eu me inclino, o abraçando.
— Obrigada pela carona. — Eu sorrio e ele segura meu queixo entre
os dedos.
— De nada, moça. — Ele pisca, encarando meus lábios, e eu engulo
em seco. Se ele pensa que vai me beijar… eu vou ficar um pouco louca.
— Gabrielle. — Eu pulo, me virando ao ouvir um chamado seguido
de batidas na porta, e vejo Kieran ao lado do carro de Mateus. Merda.
— Obrigada — sussurro, antes de sair do carro rapidamente.
Vejo Kieran parado, esfregando o rosto, e passo por ele indo, para
meu prédio. Escuto seus passos e, calmamente, eu e ele dividimos o elevador.
Seu rosto está rígido e eu mordo meu lábio, achando que esse troço está indo
devagar demais.
— Quem é o cara? — Sua pergunta ecoa assim que as portas duplas
se abrem no andar antes do meu. Uma senhora entra e eu me aproximo de
Kieran, deixando mais espaço para ela. — Gabrielle. — Ele volta a falar e eu
me viro, cruzando meus braços.
— É o Mateus, médico do Nico — sussurro apenas isso, e ele acena,
me encarando enquanto morde seu lábio.
Respiro aliviada quando entro em casa. Marcia está com Nico no
quarto e eu passo direto para lá, pegando-o em meus braços. Cheiro seu
pescoço, escutando sua risada, que envia ondas de carinho diretamente para
meu coração.
Kieran o toma de mim e sorri quando Nico começa a brincar com seu
boné. Eu vou para a cozinha e me despeço de Marcia, que já vai embora.
Coloco meu jantar e do Nico para cozinhar e faço um pouco a mais, para o
caso de Kieran ficar, o que acho que não vai acontecer.
Alimento Nico sob os olhares de Kieran e deixo os dois juntos, indo
tomar banho. Quando saio do quarto, já arrumada para dormir, procuro os
dois e os encontro no quarto de Nicolas. Meu bebê dorme e Kieran está
ajoelhado ao lado do berço, apreciando nosso filho.
— Ele está grande — ele sussurra e eu engulo em seco, me
aproximando.
— Também acho — murmuro e me sento em minha poltrona.
— Ele é a única coisa boa que eu ganhei dessa vida. — Sua frase me
faz balançar a cabeça, concordando, porque eu sei o que ele está sentindo.
— Eu te entendo. — Devagar, deslizo a mão pela minha tatuagem. —
Ele é a melhor coisa que me aconteceu. Ele dá sentido…
— A tudo. Eu sei que não sou o melhor pai do mundo, mas eu estou
tentando…
— Você não precisa me dizer isso, eu sei. — Eu o encaro e o vejo me
olhando diretamente.
— Eu te perdi, não foi? — Seu questionamento me faz virar o rosto.
— Nós dois nos perdermos — respondo baixo e saio do quarto
rapidamente.
Deito-me na cama e espero a porta bater, me avisando que ele se foi,
mas passam alguns minutos, e depois uma hora, e ele não sai. Engulo em
seco e fecho meus olhos fortemente, tentando esquecer a sua presença em
minha casa.
Aceitar o fim de nós dois foi difícil, mas eu aceitei. Minhas emoções e
minhas decisões estão focadas em Nicolas. Não quero martirizar a minha vida
por causa do nosso fim.
Eu quero emergir, mesmo que Kieran não esteja ao meu lado.
A porta do Nico bate e meu corpo tensiona. Não consigo escutar seus
passos e mordo meu lábio, ansiosa. Ele vai embora, eu sei que sim. Todos os
dias depois da nossa noite juntos ele vai. Nem mesmo me dá adeus.
— Quero conversar com você. — Eu me viro assustada e encaro seu
rosto. Kieran está de braços cruzados, em frente à porta do meu quarto, que
está fechada.
— Eu estou cansada…
— Quero retirar o que eu disse dias atrás. — Sua voz corta minha fala
e eu franzo o cenho, sem entender a que ele está se referindo.
— Você disse várias coisas, dias atrás — resmungo, me sentando e
trazendo meu travesseiro para meu colo.
— Eu falei que você era livre. Que poderia ficar com quem
quisesse…
— Hilário. — Eu reviro os olhos e me levanto, o vendo dar passos em
minha direção.
— Não pode, Algodão Doce. — Sua voz se torna grave, rouca em um
nível que faz minhas pernas amolecerem. — Na próxima vez que aquele
médico tocar em você, teremos alguém ferido… ou morto. — Aperto meus
lábios, encarando o pai do meu filho sem acreditar em nada do que ele fala.
— Você não seria capaz de machucar alguém só porque…
— Tocou em você? Que quer você? — ele me interrompe, se
inclinando em minha direção. Seus dedos tocam meu queixo e eu me
esquivo. — Eu sou. Gabrielle, você não tem noção do que farei se alguém
tirar você ou Nicolas da minha vida…
— Você que me tirou da sua vida! — grito, apertando minhas mãos.
Foi só ele que me afastou. Decidiu por nós dois e terminou tudo.
— Eu já avisei. — É apenas um murmúrio antes de ele sair do meu
quarto.
Eu o sigo a passos rápidos e o pego abrindo a porta.
— Não me ameace, Kieran. Eu juro por Deus, você vai se arrepender!
— grito descontrolada e ele para de se mover, virando para mim.
Seu boné de aba reta está um pouco mais baixo e a luz não alcança
seus olhos. Sua camiseta preta é um pouco longa e cobre o começo da sua
calça jeans surrada.
— Nunca ameaçaria a mãe dos meus filhos, Gabrielle — ele murmura
e eu engulo em seco, ao perceber o plural na sua frase.
— Mateus é um cara legal. Nico gosta dele…
— Foda-se! Meu filho gosta dele? Que porra é essa? — ele grita se
aproximando e eu ergo meu rosto, cansada.
— Ele cuida dele desde bebê. Eu só estou dizendo que se eu fosse me
relacionar com alguém, seria uma pessoa em quem eu confiasse. Que não
representasse perigo para Nicolas…
— Você não entendeu. — Ele esfrega o rosto e se aproxima mais. —
O único homem que entra nessa casa ou fica com você sou eu — afirma e
eu desvio os olhos dos seus escuros.
Permaneço calada até ele se afastar. Assim que a porta bate fechada
eu sorrio.
Vamos ver, Kieran.
“O ponto alto… ”
Gabrielle.
Kieran
Estaciono em frente à casa do meu pai. Passa das dez horas da noite,
mas sei que ele está acordado. Abro a porta e o vejo à mesa da cozinha,
tomando café.
— Fez alguma merda — ele resmunga com um suspiro. Meu pai me
olha e eu dou de ombros, fechando a porta e atravessando a sala em direção à
cozinha. Apenas um balcão divide os cômodos.
— Pode ser. — Eu me sento à sua frente e ele coloca café numa
caneca para mim.
— Como anda Gabby e Nico? — Ele sorri ao falar do meu filho e eu
relaxo, retirando o boné e bagunçando o cabelo.
— Vão bem — resmungo e, em seguida, bebo o líquido quente sob
seu olhar questionador.
— O que fez a mãe do seu filho agora? — ele pergunta com o rosto
severo, e eu abaixo a cabeça, dando atenção aos meus tênis.
— Eu posso ter lhe dito que eu mataria o cara com quem ela se
envolvesse…
— Kieran! — meu pai me recrimina. Posso até imaginar seu olhar,
mas não o encaro. — Pelo amor de Deus. Ela não acreditou, não é? Você não
faria isso, filho…
— Por ela eu faria, pai — eu murmuro, agora, olhando diretamente
para seus olhos. Quero que ele entenda que sim, se eu a vir com alguém, sou
capaz de matá-lo.
Ele deve pensar que estou louco. Qualquer pessoa pensaria, mas não
estou. Eu sei o que eu tenho, eu sou apaixonado por aquela mulher. Ela é
dona de mim, só de imaginar que alguém pode roubá-la, fazer o amor que ela
nutre por mim sumir, eu enlouqueço.
Gabrielle é como um raio de sol em meio à minha escuridão. Tudo
estava negro, sem vida e sem sentido. Ela chegou e tudo isso virou pó. A luz,
a cor que ela colocou em minha vida não tem explicação. Gabrielle me
mantém são. Essa é a definição.
Ela coloriu meu mundo e foda-se se isso parece uma coisa
sentimental. É a verdade. Minha vida era preta e branca, mas bastou um olhar
na direção dos seus cabelos cor-de-rosa para que tudo se preenchesse com
cor.
— Vocês não estão juntos — meu pai me lembra, apertando a xícara,
e eu respiro fundo.
— Eu sei. Tentei deixar ela comandar sua vida. Eu até disse para ela
que ela era livre e que poderia ficar com quem quisesse… — Esfrego meu
rosto e bufo, negando. — A quem eu queria enganar? Eu não consigo, pai.
— Kieran…
— Eu a vi hoje com um cara, médico do nosso filho, ele ia beijar ela,
porra! — eu esbravejo furioso. — Eu terei que estar morto para que alguém
toque nela, você entende? — pergunto desesperado.
— Você deveria conversar com ela como alguém que a ama, e não
como um idiota ciumento que quer mandar nela. — Ele revira os olhos e se
inclina para mim. — Ela pode fazer o contrário só para te infernizar. Você
não conhece as mulheres…
— Eu conheço a minha. Ela não faria isso. — Balanço a cabeço certo.
Meu pai ri e bebe o restante do seu café.
— Espero que sim — ele resmunga e fica sério. — Mas se o contrário
ocorrer, não faça nada, Kieran. Venha para casa. Para cá. — Eu reviro os
olhos, bufando, e ele segura meu pulso. — Você é pai agora, filho. Nicolas
precisa de você. — Eu paro de me mover e assinto.
Ele está certo. Não sou apenas eu agora. Tenho Nico.
— Tudo bem — murmuro e me ergo, me preparando para ir para
casa.
— Gabrielle se importa de deixar Nico aqui amanhã? Para passar a
tarde. — Eu me viro para meu pai e mordo meu lábio, incerto.
— Eu não sei, pai. Gabby não gosta de ficar longe dele. Ela vai em
casa só para o ver na hora do almoço — resmungo, me lembrando de uma
das vezes que liguei e ela disse estar em casa, vendo como nosso filho estava.
Meu pai suspira, acenando.
— Eu imagino.
— Mas vou falar com ela. A babá pode vir, se o senhor quiser…
— Não. Eu cuido do meu neto. Eu cuidei de você e sua irmã desde
bebês — ele me lembra, fazendo careta, e meus olhos correm para sua
barriga. Vejo duas cicatrizes paralelas fazendo o sangue ferver novamente em
meu corpo.
Ainda vou te encontrar…
Juro a mim mesmo novamente e me despeço do meu pai, dizendo que
falarei com Gabby amanhã.
Gabrielle
— Eu só estou esperando Kieran vir deixar Nicolas. Assim que ele for
embora eu começo a me arrumar — resmungo no celular, falando com
Lorena.
Kieran me pediu para deixar Nico passar a tarde com sua família. Não
me importei, até gostei da ideia. Quero que meu filho conviva com a família
paterna. Porém, é claro que estou um pouco apreensiva.
— Tudo bem — minha irmã murmura e eu escuto o som de um
secador de cabelos sendo ligado. — Assim que eu estiver pronta passo aí! —
ela grita sobre o som ensurdecedor e eu sorrio.
— Beleza! — grito de volta e desligo.
Marcia sorri na cozinha, lavando alguns pratos que eu não lhe mandei
lavar. Ela vai cuidar de Nico enquanto eu e Lorena vamos a uma festa. Pela
primeira vez, eu quero realmente ir a uma festa. É uma boate nova no centro
e eu espero que ela seja boa.
Lorena me disse que preciso me distrair e é isso que vou fazer.
Deixei para me arrumar depois que Kieran fosse embora porque não
quero que ele fique me questionando. Porém, eu adiantei meus cabelos, que
já estão escovados. Prendo-os em um coque e relaxo, me sentando mais à
vontade em meu sofá.
A porta abre e eu sorrio, me erguendo ao ver Nicolas nos braços do
seu pai. Ele está com uma bermuda jeans e uma camisa cavada. Eu elevo a
sobrancelha ao perceber que essa roupa é nova e que os dois estão
combinando.
— Não fale. Dani resolveu que deveríamos ir ao shopping. — Ele
revira os olhos, mas lá no fundo do seu olhar escuro eu vejo a satisfação.
— Estão lindos. Dani escolheu bem. — Eu sorrio e cheiro o pescoço
do meu filho.
Kieran entra em casa e eu me sento no chão, brincando com Nico. Ele
ri levemente enquanto olha para seu pai às minhas costas e eu vislumbro
Kieran fazendo caretas engraçadas para ele.
— A Marcia ainda está aqui? — Kieran vira, vendo a babá do nosso
filho enxugando a louça.
— Hum, sim. Ficou um tempo a mais — minto, pois ele mesmo a
mandou ir embora pela manhã, quando veio buscar Nico. Eu lhe pedi que
viesse no começo da noite, pois eu iria sair com minha irmã. Ela resolveu
ficar logo, pois mora um pouco longe e fazer duas viagens não é algo legal.
— Isso…
— Eu vou pintar hoje e pedi a ela para ficar com Nico no começo da
noite — eu o interrompo e ele se vira com o cenho franzido.
— Eu ficaria com ele…
— Hoje é sexta, Kieran. Não quis te importunar. — Eu sorrio e me
ergo, já indo para o quarto.
— Importunar — ele fala irônico e eu finjo que não ouvi. — Estou
indo, então…
— Ok. Vá com Deus — digo mais animada do que eu pretendia,
fazendo-o franzir mais o cenho. Merda.
— O que está aprontando? — ele questiona, cruzando os braços com
a sobrancelha elevada.
— Eu? Nada! — finjo demência e volto a brincar com Nico.
Silenciosamente, Kieran se despede do filho e logo vai embora. Eu
entrego Nicolas a Marcia e corro para me arrumar. Em meia hora Lorena
chega e juntas vamos para a tal festa.
— Eu acho que vamos nos divertir muito hoje — Lorena fala
animada, saindo do estacionamento, e eu aceno sorrindo. Espero que sim.
Gabrielle
Kieran
Dias depois…
— É legal ter um bebê em casa? — Eu me viro, deixando o macaco
mecânico de lado. Estava trocando um pneu, mas já finalizei. Sorrio vendo
Luca bater o pé e coçar a cabeça.
— Por quê? Você quer um com Alícia? — instigo rindo, e meu pai
eleva a cabeça de onde está, separando algumas ferramentas.
— Ela está estranha ultimamente. Pensei que poderia ser gravidez. —
Ele dá de ombros, tentando falar baixo, pois ela está no escritório.
— Deixe de ser um palerma. As mulheres são estranhas. Não fique
procurando coisas onde não há — meu pai fala, rindo, e eu me viro para
Luca.
— Cara, Nico é a coisa mais importante da minha vida. Não é legal
ter um bebê em casa, é especial ter o seu filho — eu respondo com
sinceridade. Meu pai acena, me dando razão, e Luca sorri, acenando também.
Saio do trabalho mais tarde do que eu gostaria. Luca veio comigo,
pois Alícia levou seu carro para casa. Os dois vieram juntos de manhã.
— Eu preciso de uma cerveja — murmuro apertando o volante, e
Luca franze as sobrancelhas. — É rápido, pau mandado. — Eu gargalho da
careta que ele faz.
— Rápido. Tenho que ir para casa logo. — Eu sorrio acenando e
paramos em um bar. Peço duas cervejas e bebo a minha calmamente,
observando o lugar.
Meia hora depois, Luca recebe uma ligação e diz que precisa ir agora.
Eu me levanto para segui-lo, mas ele me diz que posso ficar, pois pegará um
táxi. Não me opus.
Volto a sentar e bebo o restante da minha cerveja. Escuto meu celular
tocar e sorrio ao ver o nome de Gabrielle.
— Oi, Algodão Doce — atendo, pagando minha bebida.
— Onde está? Fiquei preocupada, você chegou cedo os outros dias.
— Sua voz é cautelosa e eu sei que é pelo barulho de som.
— Só parei para tomar uma cerveja. Estou indo — respondo, já me
erguendo.
— Uma dose de tequila. — Eu me viro, atordoado pela voz da
mulher. Essa voz é a mesma que me colocava para dormir quando eu era um
bebê, eu a reconheceria em qualquer lugar.
— Kieran — Gabby chama no outro lado da linha, e eu vislumbro
minha mãe sentada a dois bancos de distância de mim. Meu sangue ferve,
minha mandíbula cerra e eu quero pegar seu pescoço entre minhas mãos e
mandá-la para o inferno.
“Aperto meu cobertor, tentando parar de escutar os gritos. Meus pais
brigam o tempo todo, e sempre é por coisas bobas. Dessa vez minha mãe
gritou com meu pai porque ela estava com fome e não tinha jantar. Eu, Dani
e meu pai comemos pizza fora, enquanto minha mãe tinha saído.
Os gritos aumentam e eu solto o cobertor, pegando o travesseiro e
tampando meus ouvidos. Diminui, mas logo o afasto, pois sinto Dani entrar
em meus lençóis. Seus olhos brilham mesmo na escuridão, e eu me dou conta
de que ela está chorando.
— Shiu. Já, já eles vão parar e dormir — sussurro e a puxo para meu
peito.
Dani para de chorar enquanto eu coloco um pedaço do meu cobertor
sobre seus ouvidos. O barulho cessa e eu respiro aliviado. Eles vão para o
quarto e eu deixo o sono me vencer.
Meus olhos se arregalam assim que escuto um grito longo de horror.
Meu coração bombeia rápido quando escuto meu pai gritar mais alto.
— Monica! — Seu grito de dor após esse me fez levantar às pressas.
Não prestei atenção em minha irmã, apenas corri o mais rápido possível.
— Pai. — Minha voz quebra e eu engulo em seco, tentando ser forte.
Não posso chorar.
— Eu avisei… — A voz da minha mãe estava diferente.
Seus olhos estavam focados na cama. Eu me aproximo devagar e,
quando percebo que o que ela olha fixamente é o corpo do meu pai, meu
coração despenca. A poça de sangue entre os lençóis me apavora.
Corro, caindo, e ele sorri, levando a mão até sua boca, me mandando
parar de chorar. Eu me viro, à procura da minha mãe, e a vejo sair pela
porta e sumir. Meu pai sorri e tenta se levantar, mas não consegue.
— Pai.
— Kieran… Telefone, pegue para mim. — Sua voz é fraca e logo faço
o que ele pede. Meu pai me ensinou a ligar para a ambulância e naquele dia
eu o vi quase morrer.
Os médicos o reanimaram ainda em cima da sua cama, e, quando
pensei que eu e Dani ficaríamos sozinhos, ele voltou.
Ele foi um guerreiro.”
E foi naquele momento que eu jurei que quando eu encontrasse essa
ordinária, eu a mataria.
— Preciso desligar — murmuro para minha mulher, que já gritava
histérica.
— Quem está aí? — Gabrielle grita e eu respiro fundo.
— Minha mãe. — Eu desligo, não esperando por resposta.
Dou passos cautelosos na direção da mulher que parece estar pronta
para se divertir e seguro seu braço em um aperto de morte. Assim que ela se
vira, seus olhos se arregalam e eu a puxo do banco, jogando dinheiro para
pagar a bebida dela.
— Meu Deus… — Seu murmúrio é baixo e eu a arrasto para o
estacionamento em silêncio. Avisto meu carro, escutando-a sussurrar
palavras completamente surpresa.
— Pensou que nunca mais me veria, não é?! — grito em seu rosto e
puxo seu braço com mais força. Jogo-a dentro do meu carro e corro, indo
para o lado do motorista.
— O quê? O que está fazendo? Kieran, Deus, como você cresceu. —
Ela está desacreditada. Seus olhos ainda estão arregalados e eu sorrio frio.
Dirijo para casa e abro minha porta, vendo a casa do mesmo jeito que
a deixei dias atrás, quando me mudei para a casa da Gabby. Puxo minha mãe
e a coloco sentada numa cadeira da cozinha.
— O que está fazendo? — ela grita quando eu junto suas mãos atrás e
as prendo na cadeira com uma corda.
— Você quase matou meu pai, Monica. Hoje eu que vou te matar. —
Seu olhar se torna apavorado e eu me sinto bem.
Foda-se ela. Hoje eu a farei pagar por tudo que fez ao meu pai.
“Estou fora de controle,
porém, ao ouvir sua
voz doce, eu retorno.”
Kieran
Gabrielle
Kieran
Meus dedos não tremem quando pego a faca na cozinha. Preciso
matá-la. Preciso vingar meu pai. Eu me aproximo dela enquanto seus olhos
estão repletos de lágrimas.
— Kieran, eu sou sua mãe. Quão cruel você se tornou? — Suas
lágrimas me fazem repudiar mais ainda essa mulher.
— Você é a culpada. Me tornou isso quando atravessou uma faca no
corpo do meu pai. Você queria de verdade matar ele, não é? — Meu
ressentimento surge como uma lâmina afiada. Dói quando relembro o medo
que senti ao ver meu pai sangrando.
— Eu o odiava. O odeio, mas nunca você e Daniela. — A pronúncia
do nome da minha irmã em seus lábios me dá nojo.
— Nós te odiamos, eu e Dani. Sempre e para sempre — eu rosno
completamente furioso. Minha visão está vermelha e eu quero fazê-la sofrer,
só por dizer que odeia meu pai.
— Kieran — meu pai fala horrorizado, e eu puxo Monica pelos
cabelos e prendo meu braço em seu pescoço, me virando para vê-lo parado e,
ao seu lado, Gabby e Dani.
— Pai… — murmuro e vejo o olhar apavorado no rosto do meu
algodão doce. — Baby. — Eu engulo em seco, e a faca que antes estava
quase tocando a garganta de Monica se afasta.
— Amor, o que é isso? — Gabby dá um passo em minha direção e eu
fecho meus olhos, envergonhado.
— Ela tentou matar ele, Gabrielle — explico, apontando para meu
pai.
— Eu sei, e nós vamos levar ela para a polícia. Não faça isso. Pense
em Nico. Por favor, ele precisa de você. — Seus olhos estão cheios de
lágrimas e eu pisco, temendo que Gabby e Nico se afastem de mim.
— Por favor, escute ela. Nico é seu filho? — Monica chora e eu
aperto meu braço, aproximando a faca do seu pescoço.
— Cale a boca! Não diga o nome dele nunca! — grito e ela para de
falar, chorando silenciosamente.
— Kieran, você quer voltar para aquele lugar? — Dani questiona e eu
balanço a cabeça.
— Não! — grito. Não posso imaginar ficar distante da minha família
novamente.
— Quem cuidará de Nico? E Gabby? Quem cuidará dela? — Minha
irmã chora ao me questionar. — Solte-a, por favor.
— Ela quase matou nosso pai, Dani — eu a lembro, vendo seu queixo
tremer.
— Dani — Monica sussurra surpresa, e minha irmã retrocede, com
visível medo.
— Eu sei, mas ele está bem e nós só desejamos que a gente
permaneça juntos. — Minha irmã chora e eu balanço a cabeça, acenando,
meio segundo antes, do meu pai me agarra por trás, me fazendo soltar minha
mãe.
— Filho. — Meu pai chora em meu ouvido e nós dois caímos no
chão, sentados. Seu braço me prende pelo peito enquanto ele está atrás de
mim.
— Pai — resmungo, tentando sair do seu controle. Gabby cai sentada
em minha frente e segura meu rosto entre seus dedos.
— Kieran, olhe para mim. — Eu encaro seu rosto bonito, e ela se
inclina, beijando minha cabeça. — Ela não merece isso, amor. Nosso filho
precisa de você. Olhe seu pai, querido. Ele está bem. Ele está conosco. — Ela
chora, me fazendo ver seu rosto torturado.
— Eu jurei vingar ele…
— Mas não é certo. Nosso filho não merece ficar sem pai novamente,
Kieran. — Sua testa cola na minha e eu aceno, a puxando para meu colo.
Por mais que doa em todo o meu coração deixar Monica ir, eu faço e
deixo Gabby me parar.
Gabrielle
Vejo Júlio levar a ex-mulher para longe de Kieran. A polícia chega e
a leva para prestar esclarecimentos diante do atentado que aconteceu anos
atrás, e Júlio vai com ela, me deixando com Kieran e Dani.
— Eu vou… para o quarto — a irmã do Kieran diz e logo sai da sala,
me deixando com seu irmão.
Sento-me no sofá e puxo minhas pernas, abraçando-as. Kieran está no
chão, ainda sentado. Seu foco está em suas mãos.
— Eu nunca cheguei a odiar alguém o quanto odeio essa mulher —
ele pronuncia com a voz grossa. Eu o encaro, mordendo meu lábio.
— Eu entendo…
— Eu era um menino quando vi meu pai quase morrer em cima da
cama. Ele dormia enquanto ela o atacou, Gabby. Ela foi covarde. — Seu
olhar escuro se prende ao meu e eu me ergo, andando até ele e sentando em
seu colo novamente.
— Eu sei, e eu também não gosto dela, Kieran, mas… não é você
quem a fará pagar por isso. Nicolas não merece isso, e eu… — Mordo meu
lábio, encarando seu olhar. — Eu não mereço também — finalizo e escuto
sua respiração pesada.
— Eu sei. Só fui tomado pelo ódio e desejo de vingança — ele
murmura e eu o abraço mais forte.
— Eu sei e juro que não importa o quão ferido você está, a dor não
diminuiria depois de matá-la — eu sussurro e ele acena contra meu corpo,
abraçando minha cintura com mais firmeza.
Kieran
Gabrielle
Dias depois, no final da tarde, eu estaciono na pista onde Kieran
corria. Eu o procuro, respirando fundo. Meia hora antes ele me ligou e me
disse para que eu o encontrasse aqui. O que ele está aprontando é o que eu
quero saber, afinal, hoje é um dia de semana, ele deveria estar trabalhando, e
não correndo aqui.
Avisto o carro dele no final da pista, vindo em alta velocidade
enquanto escuto mais carros, se aproximando. Sorrio ao perceber que são
Alícia e Luca. Os dois descem cada um do seu carro e vêm na minha direção
na mesma hora que Kieran estaciona.
Ele sorri, bagunçando seu cabelo, e me puxa, fazendo-me inclinar e
beijar sua boca.
— Traga seu carro para a linha de saída — ele manda sorrindo e eu
elevo a sobrancelha. — Vamos lá. Vamos correr, eu e você. — Ele sorri mais
largo e eu aceno, apenas porque isso está o divertindo.
— Tudo bem. Mas não quero que me deixe ganhar. Quero uma
corrida de verdade. — Eu pisco para ele e Luca assobia ao lado. Eu lhe
mando o dedo do meio e Kieran acena.
Assim que meu carro e o dele estão alinhados, Alícia vai para nossa
frente dá a largada.
— Eu sempre quis fazer isso. — Ela ri, dando pulinhos enquanto
segura um pedaço de pano na mão. Meus dedos doem do quão apertado é o
meu domínio sobre o volante, mas por incrível que pareça eu me sinto bem.
A adrenalina corre pelas minhas veias e eu sorrio grata por isso.
Assim que Alícia baixa o pano, eu piso no acelerador. Kieran está ao
meu lado, ora acelerando, ora retrocedendo. Vou deixá-lo brincar. Piso
novamente e em segundos eu o ultrapasso. Damos a volta com ele ora na
minha frente ora atrás. Assim que ultrapasso a linha de chegada, vejo que
ganhei. Minha boca se abre e eu grito, pisando no freio.
Alícia corre para mim e nos abraçamos, rindo muito.
Kieran tira nossos carros da pista, pois agora quem vai correr é Alícia
e Luca. Eles sorriem um para o outro dentro do carro e, em segundos, depois
que abaixo o pano, eles voam na pista. Infelizmente, para minha amiga, Luca
a deixa comendo poeira e em menos de três minutos ele ultrapassa a linha,
deixando Alícia furiosa.
— Por que você não pode ser como Kieran? Me deixar ganhar? — ela
grita batendo o pé, enquanto Luca está rindo contra a porta do seu carro.
— Ei! Eu ganhei por mérito… — reclamo.
— Nem a pau. Kieran deixou você ganhar. — Luca ri de mim e eu me
viro, cruzando os braços ao encarar Kieran.
— Kieran, eu falei para não fazer isso!
— Relaxe, agora vamos ver corrida de verdade. — Kieran beija meu
pescoço e se afasta. — Vamos lá, pau mandado — ele chama Luca, que faz
careta para o insulto.
— Pau mandado? Luca não é pau mandado… — Alícia desata a falar
e eles saem, deixando-a sozinha comigo.
Nós duas vamos para o meio da pista e juntas nos viramos, deixando
nossos traseiros para o alto, ao baixar o pano. Eu me viro para saber por que
diabos não saíram e os dois estão parados, olhando cada um para sua mulher.
Idiotas.
— Vão logo! — Alícia grita e eles saem em alta velocidade.
Eu observo Kieran e Luca ficarem lado a lado até a primeira curva.
Luca sai na frente e eu torço, vendo Kieran se aproximar. Eles gritam quando
passam pela linha de chegada, juntos. Isso mesmo, empate.
Saímos da pista cada um em seu carro e vamos para uma lanchonete.
Confiro meu celular para ver se Marcia ou Lorena ligou, mas não há
chamadas. Isso me acalma e eu me divirto pelo resto da tarde e início da noite
com meu quase marido e nossos amigos.
Gabrielle
— Você acha que está melhor que a outra? — Minha voz sai abafada
pelo pescoço de Kieran. Estamos entrelaçados no chão, bem no meio do
nosso quarto. Tintas estão espalhadas pelo cômodo e pincéis sujos completam
o cenário.
Encaro o teto com a pintura do meu antigo quarto e sinto meu coração
acelerar. Tantas coisas passam pela minha mente, tantas conversas comigo
mesma e tantos sonhos. Lembro-me do dia em que Kieran viu o meu teto, o
pedaço de mim que ninguém nunca viu. Aquele dia marcou a minha vida, não
apenas porque foi o dia que concebi Nico, mas também porque foi a primeira
vez que eu deixei alguém se aproximar tanto a ponto de ver e entender o meu
maior medo.
— Eu acho que, quando estou ao seu lado, você faz tudo melhor —
ele comenta com um riso na voz, e eu me ergo, colocando minha mão em seu
peito para apoiar meu queixo enquanto o encaro.
— Você é tão modesto…
— Eu sou sincero. Eu falo a verdade. — Kieran nos vira, se
colocando por cima, no meio das minhas pernas, e se inclina, olhando dentro
dos meus olhos. — Você quer que eu fale verdades, Algodão Doce? — Seu
nariz se arrasta pelo meu rosto e seus lábios deixam beijos molhados em
minha pele.
— Sim. — Minha voz é baixa, e ele continua com as lambidas em
minha pele.
— Você é uma mãe incrível para nosso filho, sua beleza me põe tonto
e completamente rendido, os melhores dias da minha vida aconteceram
quando eu estava com você, toda vez que te toco, sei que me anulou para
qualquer mulher. Quando chora, eu quero matar o estúpido que se atreveu a
fazer você se sentir triste, eu amo você, eu adoro seu corpo e eu nunca serei
capaz de esquecer o que você faz por mim ou o quanto sua presença na minha
vida mudou tudo. — Meu queixo treme sob seus olhos intensos e
apaixonados. Eu vejo tanta sinceridade que meu coração se enche de puro
amor. Nada que ele falou me faz mais feliz do que ele achar que sou uma boa
mãe para Nico.
— Kieran…
— Eu tenho mais verdades. — Ele me cala e pisca, ficando a
pequenos centímetros de mim. — Eu só aguentei dois anos trancafiado
naquele lugar porque eu sabia que você voltaria para meus braços, eu já te
perdoei por esconder Nico, eu amo seu cabelo rosa e eu adoro que sempre
procura me fazer feliz… — Ele desliza os dedos por meu cabelo e sorri. —
Porque hoje, Algodão Doce, é um dos dias mais felizes da minha vida.
Eu beijo sua boca, tentando abraçar seu corpo mais e mais. Kieran
retira algo do bolso enquanto eu tento aprofundar nosso beijo.
— Ultima verdade… — Ele se afasta e eu pisco, ainda arfante pelo
nosso beijo. — Você vai se casar comigo. — Ele eleva uma caixa de veludo
completamente preta e a abre bem na frente do meu rosto. O meu batimento
cardíaco acelera e eu sinto as lágrimas se acumularem novamente. Ele nos
rola, me colocando por cima, e senta comigo em seu colo.
— Kieran…
— Algodão Doce, Gabrielle e mãe do meu filho, você aceita casar
com esse homem que pode parecer escuro e cruel, mas que nunca vai colocar
nada acima de você ou do nosso filho? O cara que pode ser temido por
outros, mas que nunca te dará motivos para temê-lo? Você aceita ser minha,
Algodão Doce? — Suas palavras são sussurros enquanto ele tira um solitário
com pedra completamente negra.
— Eu sempre fui e sempre vou ser sua. Eu te amo, Kieran, e de todas
as verdades que você falou, apenas uma ficou de fora, você não é ruim. — Eu
me inclino e deixo meus lábios contra os seus enquanto encaro seu olhar. —
Você é maravilhoso e é o cara que escolhi para ter meus filhos e passar minha
vida junto. — Ele sorri ao me ouvir e desliza o anel de uma beleza
assustadora em meu dedo.
Com rapidez, Kieran beija meus lábios, enquanto voltamos a nos
deitar pelo chão do quarto completamente bagunçado. Com tintas espalhadas
pelo chão, reverenciamos o corpo um do outro.
Gabrielle
Um mês depois…
— Você pode me ajudar, seu inútil? — Lorena resmunga para Kieran,
que a vê retirando as malas do carro, mas não ajuda.
— Não. Eu acho melhor você se apressar. Não sei o que diabos foi
fazer em salão de beleza no dia da viagem — ele responde se afastando, e eu
me aproximo, pegando uma das malas. — Não, baby.
— Então leve. E parem de discutir. Estou grávida, não posso ficar
aborrecida — mando cruzando os braços, e ele suspira, pegando as duas
malas.
Abraço minha irmã em frente ao portão de embarque e limpo minhas
lágrimas. Lore sorri e me abraça mais forte.
— Você é forte, você é a melhor irmã do mundo e vai ver como o
tempo vai passar super-rápido e logo estarei aqui, para ficar com você na
maternidade escutando o choro desse pequeno encrenqueiro. — Ela suspira,
ainda limpando meu rosto. Descobrimos que meu bebê será outro menino.
Estou com três meses de gravidez e o médico até se assustou por ver que era
um menino na primeira consulta.
— Tudo bem. Me ligue assim que chegar, por favor — peço, a vendo
se afastar para pegar Nico.
— Eu vou, Gabby. Eu te amo! — Ela solta um beijo para mim e beija
meu filho, entregando-o para mim.
Meu coração aperta quando ela passa do portão, sumindo da minha
vista.
— Ela vai ficar bem. Minha cunhada é durona. — Kieran abraça
minha cintura e beija Nico.
— Ela é, não é? — Eu sorrio e relaxo, indo embora com meu noivo e
filho.
Assim que chego em casa, vejo Alícia e Luca na minha sala nova.
Nós nos mudamos poucos dias depois que descobri a gravidez. A casa do
Kieran estava reformada, mas eu não quis ir morar lá. É distante do meu
trabalho, da escola do Nico… de tudo, aliás. Então eu conversei com ele e o
mandei vender ou alugar, ele escolheu o último. Eu comprei um apartamento
maior, no mesmo prédio que moro. Ele tem quatro quartos, cozinha espaçosa,
sala maior que a do antigo e ainda temos uma sala de jogos para Nico e o
bebê brincarem.
— Ei! Lorena viajou? — Alícia pergunta, e eu aceno, sorrindo.
— Sim, eu estou um pouco preocupada. Porém, era o desejo dela…
— Você fala como se ela estivesse indo embora. Ela volta em seis
meses. Vai ficar com você na maternidade. Ela mesma falou — Kieran me
interrompe e eu reviro os olhos.
Ele vai para a sala de jogos com Luca e Nico, deixando a mim e a
minha amiga a sós.
— Ela vai voltar logo, logo. Não se preocupa — Lili me assegura e eu
aceno.
— Vou tentar — garanto e deixo minha mão em cima da barriga dela.
— Você já contou? — pergunto, me referindo à gravidez.
Alícia descobriu a gravidez ontem e me ligou, perguntando o que eu
acho que Luca faria. Respondi o óbvio: vai ficar muito feliz.
Ela sorri e acena, enrolando uma mecha do meu cabelo.
— Ele surtou. Alegre, sabe? Até eu me assustei. — Ela sorri enorme e
eu a abraço.
— Te falei que seria assim. Ele te ama, sua bobona. — Ela ri e se
afasta, acariciando sua barriga.
— Tenho medo de que Tina e Lipe pensem que os deixarei de lado
por estar esperando um filho. Não é o caso, mas eu tenho medo, sabe? Tina
está tão grande. Ela já é uma mulher, se você a vir, vai saber o que quero
dizer. — Ela torce as mãos e sorri. — Ela é independente. Mesmo com Luca
dizendo que ela não precisa trabalhar, ela arrumou um emprego…
— É normal, Alícia, ela já está com…?
— Faz dezessete esse ano.
— Então, ela logo estará saindo do colégio e indo fazer faculdade. Ela
já é uma mulher — eu a acalmo e ela acena, suspirando.
— Você está certa. Hoje mesmo contaremos a eles. — Ela sorri
decidida e eu relaxo, ouvindo o barulho do videogame surgir na sala de jogos.
— Meninos e seus brinquedos. — Ela ri da frase e eu a sigo também.
Kieran
Horas antes…
Gabrielle
Meus joelhos doem, meu coração sangra e eu sinto as dores na minha
barriga começarem de maneira vagarosa. Rezo silenciosamente em frente à
santa que comprei para abençoar minha casa. Peço que ela enviei Kieran bem
para casa e que não deixe meu bebê nascer agora. Já passa da uma da
madrugada e nada dele ou do Luca.
— Gabby, precisamos ir ao hospital. Seu filho vai nascer — Alícia
murmura com o rosto inchado, e meu queixo treme com o choro. — Sua
bolsa estourou, amiga. Por favor, a gente precisa ir. — Minha amiga me
ergue e eu vejo a água em volta de mim. Limpo meu rosto, tentando não
chorar mais. e vejo Marcia com lágrimas nos olhos na porta do meu quarto.
— Onde ele está, Lili? Por favor, o traga para mim… — Minha fala
treme e Alícia me abraça enquanto eu soluço.
— Querida…
A gente escuta a porta bater e eu saio dos seus braços, correndo para a
sala. Meus joelhos perdem a força ao ver apenas Luca.
— Onde ele está? — Eu quase caio, mas Luca me segura em seus
braços.
— Precisamos levar ela ao hospital — Marcia fala rapidamente
enquanto Luca me senta no sofá e Alícia se aninha no peito do marido. Dói
ver os dois assim.
— Você está em trabalho de parto? — Luca arregala os olhos e eu
aceno, soluçando novamente.
— Onde ele está, Luca? Aquele Rick o pegou, não foi? Ele voltou a
ser bandido? Por favor, me fala. Eu não estou aguentando. — Eu fecho meus
olhos, sentindo mais uma contração ao mesmo tempo que meu bebê começa a
mexer.
— Ele não voltou, ele só quer sair. Gabby, ele pediu que eu cuidasse
de você, então, por favor, vamos para o hospital. Ele está bem, eu te juro que
ele está bem — ele fala tão firme que eu acredito nas suas palavras.
Eles me levam ao hospital às pressas e eu silenciosamente peço que
Kieran chegue a tempo de ver nosso bebê nascer. Nico ficou em casa
dormindo, com Marcia, estou aliviada por isso. Não quero que ele veja a
bagunça que nossa vida se tornou em menos de três horas.
— Alícia — chamo enquanto eles me sentam em uma maca, para que
eu me deite. Lili se vira para mim, e seus olhos estão cheios de lágrimas. —
Me prometa que, assim que ele chegar, você vai me avisar. Eu posso estar em
trabalho de parto, mas eu quero que me avise. Você promete, amiga? — Ela
acena várias vezes.
— Prometo. Ninguém vai me impedir de te avisar, eu juro. — Aceno
e fecho meus olhos, deixando que me levem para longe dos meus amigos.
Uma hora depois, a dor aperta e eu mordo o pano, tentando não gritar
como várias dessas meninas. O médico sorri, me incentivando a não gritar, e
sai andando. Ainda não tenho dilatação para o bebê sair, mas o doutor disse
que logo terei.
Meus olhos pesam depois da contração e eu vejo quando Alícia entra
no meu quarto seguida por uma maca e um corpo moreno em cima dela.
Pisco e abro meus olhos novamente, para ver meu Kieran ensanguentado e
ferido.
— Kieran — chamo devagar, e ele ergue o rosto completamente
inchado e ferido, eu quase não o reconheço. Meu coração dói e ele me dá sua
mão enquanto a maca para ao lado da minha. Aperto sua carne, sentindo o
alívio e a gratidão correndo em minhas veias.
— Está tudo bem, Algodão Doce. Eu estou aqui e vou cuidar do nosso
guerreiro e de você. — Sua fala é enrolada, por causa do inchaço nos lábios.
Eu tampo minha boca com o pano para que meu soluço não seja tão alto.
Alícia segura minha mão e eu agradeço, lhe dizendo que a amo.
— Não me agradeça, ele fez um escândalo, mesmo acamado, para vir
ficar com você. — Eu me viro, olhando para meu noivo, e vejo as
enfermeiras trabalharem nele, limpando seus ferimentos e o medicando.
— Não me dê remédios para dormir. Meu filho vai nascer e eu quero
estar lúcido — Kieran resmunga ao mesmo tempo que mais uma contração
chega. — Está tudo bem, amor. Você é forte, Gabrielle. Você é mais forte
que muita gente, e eu te amo, Algodão Doce. — Sua voz é como uma recarga
de força entrando em minhas veias.
— Eu te amo. Nosso filho vai chegar. — Eu me inclino um pouco,
beijando sua mão, e ele tenta sorrir, mas falha ao sentir dor.
O doutor volta e diz que vai preparar a sala para que possamos ir.
— Não. Eu terei meu bebê aqui com ele ao meu lado.
— Esse não é o procedimento…
— Não ligo, eu pensei que iria perder o amor da minha vida e que
nosso filho ia chegar sem ter o pai dele ao meu lado. Não importa o
procedimento, eu quero ter meu bebê aqui. — O médico me olha algumas
vezes, mas logo seu rosto se torna gentil.
— Tudo bem. Preparem tudo aqui mesmo, essa menina quer que seu
bebê nasça com o pai por perto. — Ele ri, balançando a cabeça, e eu sinto
Alícia beijar meu rosto.
— Como ele chegou aqui? — questiono confusa. Kieran não poderia
vir sozinho de onde quer que ele tenha vindo.
— Luca chamou a polícia assim que saiu de lá. O tal Rick não
imaginou que ele faria algo assim, se deu mal. Está preso novamente. — Eu
sorrio, pedindo a ela que avise a ele que estou agradecendo. Ela sorri e vai
para a sala de espera.
Existem momentos que a gente sente que é o ponto alto da nossa
existência. Eu acho que já tive três deles; o primeiro foi quando eu encarei os
olhos escuros do homem que amo, o segundo foi quando o primeiro fruto do
nosso amor nasceu e, hoje, é o terceiro, nosso segundo filho nascendo e
Kieran tendo a chance de recomeçar.
Assim que escuto o choro do meu bebê as lágrimas de dor e alegria se
misturam. Pego meu filho em meus braços por apenas alguns segundos, pois
logo peço à enfermeira para colocá-lo sobre o peito de Kieran.
As lágrimas dele descem pelo rosto ferido e ele se inclina, mesmo
gemendo de dor, deixando um beijo casto no rosto do nosso filho.
— Qual o nome dele? — uma das enfermeiras pergunta, sorrindo.
— Luca — Kieran murmura me olhando, e eu sei que foi esse nome
que ele escolheu para nosso bebê. Ele demorou para me dizer o nome do
nosso filho, porque não sabia mesmo. Mas agora ele sabe e eu não poderia
estar mais feliz.
— Bem-vindo ao mundo, Luca — ela saúda e eu repito suas palavras.
— Bem-vindo ao mundo, meu Luca. — Deslizo a mão pelos seus
cabelos escuros enquanto ele ainda está nos braços do pai.
“Ele nasceu e me fez renascer.”
Kieran
Gabrielle
Kieran
Um mês depois…
— Ei! — Sorrio me erguendo enquanto Nico pula ao lado da cama.
— Papa. Luca. — Ele sorri grande e eu aceno, o pegando nos braços e
indo para o quarto do bebê. Esfrego meu rosto e sorrio, lembrando que ontem
eu prometi que ele poderia segurar Luca hoje. Pelo visto, ele não esqueceu.
Olho para Luca no berço e sorrio ao vê-lo de olhos abertos. Deixo
Nico sentado na poltrona que a mãe dele usa para dar de mamar a Luca e
pego o seu irmão do berço.
— Você já é um rapaz, então pode segurar seu irmãozinho, mas só
quando papa ou mama estiver perto — explico calmamente, e Nico acena
ansioso.
Coloco Luca em seus braços devagar e finjo deixar o bebê ali
livremente, mas ainda seguro Luca. Nico sorri grandemente, olhando
admirado para o irmão. É tanto amor que vejo em seu olhar que meu coração
acelera e eu aceno, beijando a cabeça de ambos.
— Já desmamei, Marcia — Gabby avisa entrando no quarto com
Marcia ao seu lado. — Depois que eu for ao hospital, irei para a galeria,
amor. Preciso ver como andam as coisas por lá — ela me avisa e para ao
olhar Luca no colo de Nico. — Oi, amores. —Sorri para Nico e ele parece
mais confiante depois da fala da mãe, pois abraça o irmão mais apertado.
Deixo apenas alguns minutos e logo retiro Luca dele, o beijando pela
última vez e o entregando a Marcia. Pego Nicolas e o levo para o banho.
Assim que estamos prontos, sua mãe nos manda sentar para comer.
— Podemos ir? — Gabby pergunta assim que Nico e eu finalizamos
nosso café da manhã.
— Claro.
Eu deixo Gabrielle no hospital e sigo para a oficina. Seu olhar era
cauteloso ao observar a fachada do lugar onde sua irmã ainda estava em
coma, mas agora sem os sedativos. Os médicos disseram que ela pode
acordar a qualquer momento.
Pego meu celular e digito uma mensagem rápida para ela, antes de ir
trabalhar.
Gabrielle
Você é forte.
Meus ombros relaxam ao ler o SMS do Kieran. Ele sempre sabe o que
preciso ouvir. Guardo o celular e entro no quarto da Lore. Um movimento na
porta que dá acesso ao corredor chama minha atenção e eu vejo Theo saindo
de mansinho. O que ele fazia aqui? O amigo do Luca não teve tantos
ferimentos como Lorena. Ele já está em casa há tempos e a sua presença aqui
me intriga. Porém, deixo isso de lado quando a enfermeira se aproxima.
Sorrio para ela, que me dá bom dia. Meus olhos vão para minha irmã e eu me
sento próximo a ela.
— Bom dia, dorminhoca. — Sorrio, deslizando meus dedos entre os
seus. — Você já deveria estar acordada, sabe? O médico já retirou os
sedativos e falou que agora tudo depende de você. Volta para mim — peço
calmamente e suspiro, vendo-a ainda adormecida. — Luca fez um mês de
vida. Eu fico pensando no que você está perdendo dormindo. Ele é perfeito
— confesso orgulhosa e beijo sua mão.
— É… — Eu me viro, vendo a enfermeira voltar. — Vou dar banho
nela. — ela murmura e eu sorrio, me erguendo.
— Preciso ir. Qualquer coisa, por favor, me ligue, ok? — eu peço
engolindo em seco. Ela segura minha mão e sorri.
— Fique tranquila. Eu ligarei assim que ela acordar — assegura e eu
relaxo, acenando.
Meia hora depois, eu estou na Galeria. Alícia sorri atrás da sua mesa e
eu franzo o cenho, pronta para lhe repreender.
— Vá para casa, Alícia. Você deve descansar — resmungo,
colocando minha bolsa em cima da mesa e saúdo quando Vera aparece
sorrindo. Nós a contratamos para ficar na Galeria enquanto estou na minha
licença maternidade e Alícia, na sua.
— Já estou indo. Só vim ver como andavam as coisas. Você deve ir
também. — Eu suspiro e maneio a cabeça.
— Eu só vim ver como as coisas estavam, também. Porém, já vou
indo. A próxima mamada do Nico está quase na hora.
— Nico? — Ela ri da minha troca de nomes e eu faço careta.
— Está vendo? Estou enlouquecendo. — Eu rio balançando a cabeça.
— Nos vemos no fim de semana — digo sorrindo e vou embora rapidamente.
Sigo para casa e me assusto ao ouvir meu celular tocar. Vejo o nome
de Kieran e estaciono, o atendendo.
— Você já está em casa? — ele pergunta com um gemido.
— A caminho. O que foi? — questiono com urgência. Ele volta a
gemer e eu suspiro. — O que foi, Kieran?
— Eu posso ter machucado a porra do pé — ele fala devagar e eu
respiro fundo.
— Para você me ligar, deve ter decepado — murmuro, voltando para
a pista. — Estou indo te buscar — aviso e logo desligo.
Eu me deito à noite depois que ajudo Kieran com seu banho e a voltar
para a cama. Seu pé está melhor, mas eu me preocupo que ele possa tropeçar
e machucar mais. Ele adormece rapidamente e eu relaxo na cama, deixando a
babá eletrônica no criado-mudo.
Meus pensamentos voam para meus pais. Sério que eles não se
importaram com Lorena no hospital? Eu mandei mensagem para os dois e
não obtive retorno. É incrível como eles ainda podem me surpreender.
Fecho meus olhos e sinto a mão de Kieran contra minha barriga. Meu
anel brilha na escuridão e eu suspiro apaixonada. Quero me casar, quero ter
tudo que tenho direito. Eu preciso ser feliz completamente, mas eu nunca
serei com Lorena em um hospital.
Não me casarei enquanto ela não sair de lá. Adormeço com essa frase
nos meus pensamentos.