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Copyright © 2017 Evilane Oliveira

Ela Colore Meu Mundo


1ª Edição

Capa: Dri K.K.


Revisão: Evelyn Santana

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens e acontecimentos que aqui


serão descritos, são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança
com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência. Esta obra
segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa. É proibido o
armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte dessa obra, através de
quaisquer meios, sem o consentimento escrito da autora. A violação dos
direitos autorais é crime estabelecido pela lei nº. 9.610. /98 e punido pelo
artigo 184 do Código Penal.

Todos os direitos reservados.

Edição Digital | Criado no Brasil.


Se duas pessoas estão destinadas a ficar juntas,
eventualmente,
elas encontrarão o caminho de volta uma para a outra.
— Chuck Bass.
Gabrielle

O que estou pensando? Ele é o drogado. Ele é o b ê bado e eu n ã o


duvido que já esteja traficando.
— Algodão — ele volta a me chamar e eu o encaro pelo retrovisor.
Seu rosto está limpo agora, seus olhos estão focados em mim e eu reviro os
meus, voltando a olhar para a pista. — Eu ia te ligar — ele fala sério, e eu
aceno, não querendo ver seu rosto.
— Ainda bem que não ligou, não é? Iria me chamar para ir àquele
lugar? Obrigada, mas não — eu resmungo amarga, e ele se inclina para
frente.
— Eu não sou daquele jeito — ele afirma e eu começo a anular sua
voz na minha cabeça.
Entro em sua rua e estaciono em frente à sua casa. Não perco meu
tempo saindo do carro, apenas vejo Dani murmurar um agradecimento e
tentar tirar seu irmão do meu carro.
— Vem comigo, Gabrielle — ele pede enquanto ela abre a porta.
Tenho pena dessa pobre menina. Tão nova e vendo o quão imundo o mundo
do seu irmão é.
— Nunca mais, Kieran. Quero distância de você — afirmo olhando
para seus olhos, séria. Eu nunca falei algo mais certo.
— Por favor, vem. — Ele pega meu pulso e eu o puxo para longe
dele. — Vou te ligar mais tarde, então. Para conversarmos…
— Não perca seu tempo. Vou trocar de número hoje mesmo. —
Engulo em seco e olho para Dani, pedindo silenciosamente que ela o tire de
perto de mim.
Kieran me encara por alguns segundos e logo murmura:
— Eu vou até sua casa, então. — Ele sai do carro e bate a porta.
Quero matá-lo por isso. Saio do meu carro e ele se vira ao escutar minha
porta bater.
— Não se atreva — falo alto e Dani suspira, fechando os olhos. — Eu
te vi usar drogas, Kieran. Você é estúpido? Você acha que quero estar perto
de você depois disso? Deus, eu estou com nojo de você. Odeio o seu mundo,
Kieran. Odeio tudo que vi hoje — eu grito em plena madrugada. Não me
importo se posso acordar alguém. Eu quero que ele entenda que eu não o
quero. Não vou querer nunca mais.
— Não farei mais isso. Foi uma idiotice. Revi meus amigos e
bebemos…
— Isso não me importa. Não faça o que fez hoje, mas pelo seu pai e
pela sua irmã, que viu seu estado. Não faça por mim. Nunca tivemos nada. —
Eu encaro seu rosto ainda bêbado e entro em meu carro, saindo pela rua em
alta velocidade.
"Preso. Acorrentado e imprestável.
Era assim que eu estava enquanto olhava fixamente
para a garota de cabelos coloridos. A garota bela e esbelta
que caminhava delicadamente em direção a algo."

Kieran

Gabrielle
Dois anos atrás…

Finjo soltar um gemido quando André lambe meu pescoço e chupa


um pouco da pele. Na verdade, o som parece mais de um gato morrendo do
que um gemido de verdade, mas repito, pois parece que ele gosta. Sua mão
entra em minhas calças e eu faço careta. Sempre isso.
“Oh, eu preciso me aliviar.”
“Vamos, baby, é rápido.”
“Querida, eu sou homem. Tenho minhas necessidades.”
Essas são algumas das coisas que eu escuto do meu namorado todos
os dias. Não sei por que ainda estou com ele. Sério. Não sei mesmo. Acho
que é apenas cômodo. Minha rotina consiste em ir às aulas, namorar André e
sair de vez em quando. Chata? Muito.
Empurro seu peito quando ele começa a tentar descer meu short.
Sério, merda? No meio de uma corrida de rachas? Finjo um sorriso e encaro
seu rosto retorcido.
— O que, Gabby? — Ele parece impaciente e eu faço careta, me
afastando mais.
— Vamos. Minha amiga já deve ter dado falta de nós dois — digo e
saio do seu domínio, caminhando para onde deixamos Alícia. Ela só ia fazer
uma ligação e então caminharíamos para a rua asfaltada onde André vai
correr hoje.
— Você precisava trazer ela? A garota parece uma boneca de
porcelana. — Ele revira os olhos quando chegamos ao carro. — Tá vendo?
— Ele aponta para ela e eu sorrio vendo seu short, que eu escolhi, e botas
pretas bonitas. Alícia parece uma Barbie. Linda e delicada.
— Ei! Vamos lá? — chamo enquanto saio na sua frente, com André
me puxando, e juntos vamos em direção ao carro dele. Ele veio antes de nós
duas, pois, segundo ele, vai correr e precisava estar aqui cedo. Agradeci
internamente por isso.
Desvio de uma pedra grande e sorrio quando meus cabelos deslizam
como uma cascata pelos lados enquanto ainda encaro a pedra no chão. Os
fios agora cor-de-rosa estão em ondas. Eu gosto do arco-íris, usei até ontem,
mas decidi mudar um pouco hoje. A cor rosa é bonita e chama atenção. Eu
gosto que os outros olhem para mim e me achem diferente.
Todos nós somos diferentes um do outro, mas existem pessoas que
querem se esconder para que as diferenças não transpareçam. Eu deixo as
minhas aparentes. Minha personalidade está em cada poro do meu corpo.
Como me visto e tudo mais.
Sorrio achando minha roupa bonita. Meu short jeans é curto e uma
meia-calça preta está escondendo minha pele branca. Estou com uma camisa
preta transparente de mangas e sutiã de renda também preto.
Eu gosto do meu jeito de me vestir. Acho sexy e até um pouco
chamativo.
Sorrio para alguns amigos de André, que estão ao longe, mas ele
desliza quando, de repente, uma onda de calor passa por meu corpo. Os pelos
eriçam, minha boca seca e tudo ao redor vira pó. Levanto minha cabeça e
instantaneamente meus olhos se prendem nos dele. Solto a mão de André e
inclino minha cabeça para o lado, enxergando tudo e qualquer coisa que
esteja nele. Minha atenção está completamente focada no homem à frente. Só
consigo vê-lo.
— Gabby. — Escuto a voz suave de Alícia ao longe. Não quero que
ela fique falando sozinha, mas não consigo deixar de olhá-lo.
Seu cabelo preto, tão escuro quanto a noite sem lua. Seus lábios que
apertam um cigarro estúpido e que em breve lhe dará uma doença nos
pulmões me fazem retrair. Detesto cigarros. E por último seus olhos de um
preto hipnotizante. Quando vejo os cílios do olho esquerdo baixarem, eu
desperto. Ele pisca para mim e sua boca se aperta, me dizendo que percebeu
toda a minha babaquice.
— Gabby. — Eu me viro, respirando fundo e tentando me acalmar, e
encontro Alícia sorrindo para mim. — Você está bem? Parou de andar de
repente. — Ela tem sua testa franzida e eu solto um suspiro, tentando lhe
convencer de que não foi nada.
— Estou bem. Vamos lá. Já vai começar. — Andamos lado a lado e
logo nos encostando no carro de André.
Com o passar das horas e depois que Alícia foi embora com Luca —
um cara de quem está a fim —, eu me viro uma e outra vez, procurando-o
pela escuridão. Seus olhos estavam em mim. Seu sorriso não aparecia.
Nunca. Todas as vezes que André me arrastou para trás do carro eu desejei
que fosse ele. Beijo meu namorado pensando ser ele, é feio e sujo, mas é
assim que eu quero me saciar.
É uma coisa ensandecida. É estranho que esse desejo tenha surgido
em mim de repente, só de olhar em seus olhos.

Dias depois…
— Ei. — André arregala os olhos, sorrindo, quando estamos ao lado
do seu carro. — Você ficou intensa. — Sua voz provocativa faz a minha
imaginação ruir. O que estou fazendo com ele?
Sério. Eu não o amo como Alícia parece amar Luca. Enquanto seus
lábios tocam os meus, minha cabeça me leva para outro cara. Para o cara de
dias atrás, especificamente. Fui embora naquele dia e ele ficou em meus
pensamentos. Agora, sempre que meu namorado me beija, eu o imagino.
— Nós precisamos… — Paro de falar quando o Vigia, apelido do
cara que organiza as corridas, grita chamando o nome de André e de outro
cara. Sinto-me relaxar, deixando o término pendente, e vejo meu namorado
se afastar.
Eu me viro, procurando a escuridão — no caso, me refiro ao cara que
eu estava cobiçando e que passou dias na minha cabeça. Sei que ele está aqui.
Eu o vi mais cedo. Coloco uma mecha do meu cabelo atrás da orelha e ofego
ao vê-lo parado, encostado a um carro preto ao lado do vermelho de André.
Ele que vai correr com… Oh, Deus!
Seus olhos estão presos nos meus e eu lambo meus lábios. Pare de
encará-lo, Gabrielle! Minha consciência grita comigo, mas o feitiço que ele
colocou em mim não passa. Durante minutos eu só faço olhá-lo.
Desperto quando o Vigia fala no microfone.
— Como já teve a corrida com suas mulheres, agora, o seu oponente,
essa palavra é massa, não? — A multidão ruge rindo e eu reviro os olhos.
Sério? — Voltando aqui. Seu oponente vai levar sua namorada. Dois
minutos, seus pirralhões, e não quero reclamação. — Assim que ele termina
de falar eu começo a andar para trás. Não. De jeito nenhum.
Não olho para André, que deve estar andando em minha direção. Eu
só olho para ele. Seus olhos estão neutros, como se isso fosse uma bobagem.
Mas, se é, por que estou assim? Por que dessa aflição?
— Vamos lá, baby. É rápido, e Kieran é um bom corredor. Não te fará
mal nenhum. — De todas as palavras que meu namorado fala a única que
retumba em meus ouvidos é Kieran.
Kieran. Escuridão.
Seu nome é pouco comum e eu estranho isso.
Aceno bruscamente e o deixo me levar até o carro de Kieran. Já tem
uma garota no carro de André. Não sei de onde ela saiu, mas sei que em
nenhum momento dessa noite ela se aproximou de Kieran. Nenhuma vez,
tenho certeza porque eu permaneci com meus olhos nele. Eles fogem para
ele. É uma loucura.
— Qual o seu nome? — A voz de Kieran é rouca. Tão rouca. Seu
cigarro já deve estar fazendo alguns estragos. Seus olhos castanhos escuros se
prendem nos meus e eu engulo em seco.
— Hummm… — Minha língua pesa e, antes que eu fale algo, André
rosna, ainda parado atrás de mim.
— Minha namorada, Kieran. É isso que você precisa saber. — Ele se
vira me puxando e abre a porta do carro escuro. Entro sentindo minhas mãos
tremendo e suspiro quando Kieran entra no carro também.
Sua camiseta preta é apertada em seus braços. Seus jeans também
escuros são justos e suas botas estão sujas de areia. Ele me parece um pecado.
Parece que saiu do inferno nesse momento, mas ele não tem a aparência do
diabo ou dos demônios de que já ouvi falar. Não. Ele parece um anjo que se
vestiu de forma errada.
— Você vai falar seu nome ou vou te chamar de algodão doce? —
Sua voz novamente rouca ecoa e ele se inclina contra seu braço na janela.
— Algodão doce — respondo antes que eu processasse sua pergunta
com clareza.
— Ótimo. Se segura. Vamos fazer seu namorado comer poeira. Acho
que ainda podemos cortar caminho — ele murmura encarando a pista e
acelera quando uma garota dá a largada.
Sua mão direita aperta sua coxa coberta pelo jeans enquanto a outra
tem domínio sobre o volante. Meus dedos tremem, vendo o quão bonito ele é.
Fecho meus olhos o caminho inteiro sentindo o calor que emana do
corpo de Kieran. É forte e avassalador. Ele é apenas um homem, mas meu
corpo reage a ele como um deus. Como a personificação de uma divindade da
beleza.
Lembro-me de beijar meu namorado pensando nele e respiro fundo.
Queria tanto beijá-lo sem ser apenas na imaginação.
Ele desacelera assim que passamos da linha de chegada com um
sorriso zombeteiro nos lábios. Eu tampo minha boca, percebendo que falei
isso alto. Merda.
— Na próxima vez que beijar seu namorado pensando em mim, eu
vou te achar e farei você me beijar. Não só em pensamentos, mas nos lábios.
Nos meus, especificamente. — Sua promessa paira no carro, me fazendo
cessar meus movimentos para retirar o cinto de segurança.
— Mas… — Eu me calo, sentindo minhas bochechas esquentarem.
Merda.
Saio do seu carro e ando a passos largos para onde os amigos de
André estavam. Mas não tem ninguém aqui. Procuro André quando passa
alguns minutos, mas nada de ele chegar à faixa. Que merda! Ele foi embora?
É isso?
— Vamos. Eu te levo. — Pulo assustada com Kieran ao meu lado. —
Ele não está aqui. Não soube perder e vazou. Vamos. — Mordo meu lábio
agoniada e procuro Lorena pelas cabeças ainda na pista.
— Eu irei com minha irmã — respondo, forçando as palavras a
saírem.
— Ela saiu. Eu vi. Está com Caio, um dos corredores. Aquele idiota
que saiu da pista com sua amiga no outro dia — ele murmura me encarando
impaciente. Há alguns dias Alícia correu com um corredor amigo de André.
Ele não sabia dirigir na pista, o carro deles saiu e por pouco não teve um
acidente.
— Eu não conheço você — respondo cruzando meus braços. — Não
sairei daqui com um desconhecido. — Eu me viro querendo dar o fora de
perto desse cara.
— Eu não estou pedindo, Algodão Doce. Eu estou mandando. Entra
no carro. — Eu me viro colocando as mãos nos quadris e elevo minha
sobrancelha.
— Tente novamente. Você está com a voz um pouco autoritária. —
Faço careta e ele revira os olhos. Kieran aponta para o carro e meus ombros
caem derrotados. — Só irei porque meu namorado falou que você era
confiável. — Lembro-me das palavras de André e saio em direção ao carro de
Kieran.
— Grande merda… — Ele vem atrás de mim e juntos vamos para seu
carro. Entro e decido permanecer calada enquanto saímos do bairro.
— Moro no centro — explico quando ele entra na avenida principal
da cidade.
— Claro que sim. Uma princesa rica? — Ele parece falar com
deboche, mas não posso ter certeza, pois seu rosto é sério.
— Meus pais são ricos, sim. Uma princesa? Talvez. — Dou de
ombros, não lhe dando importância.
Quando o carro desacelera em frente ao prédio em que moro, Kieran
sai do carro e abre a porta para mim. Oh, vejo que de onde ele veio ensinaram
bons modos. Quase sorrio do meu pensamento, mas Kieran está em meu
espaço pessoal — muito pessoal —, não me deixando pensar com clareza.
— Eu vou te encontrar… em breve. Esteja solteira ou não vai ser fiel
por muito tempo ao idiota do seu namorado. — Ele se inclina sussurrando e
eu travo meus olhos, enxergando o quão presunçoso ele é.
— Mesmo que eu esteja solteira, vai precisar mais do que uma boca
atrevida para tocar em mim. — Saio do seu domínio e atravesso a rua
correndo para casa.
Eu me viro quando fecho o portão do prédio e vislumbro um sorriso
de Kieran. O primeiro.
E era só meu.
“Eu temi que ela descobrisse a verdade
Ela não é alguém com quem eu deva me importar.
O difícil agora é explicar isso para minha obsessão.”
Kieran

Gabrielle
Ainda no passado…

Observo Alícia morder o pedaço de chocolate enquanto presta atenção


em mim.
— André me deixou lá. Você entende? Eu só corri com o idiota do
Kieran porque era a regra e, se não fosse por ele, eu provavelmente ainda
estaria naquela pista estúpida! — Eu quero gritar enquanto bato minhas unhas
na mesa. André foi tão cachorro.
— Kieran te levou para casa? Sério? Acho super estranho o modo
como escuto Luca falar dele. Ele é… ruim? — Vejo minha amiga franzir a
testa, talvez pensando nisso. Faço um coque em meu cabelo ainda totalmente
rosa e a respondo, subindo meus ombros.
— Eu não sei se ele é ruim, Alícia. Só sei que vou matar André por
me deixar lá. — Eu bufo, completamente irritada, e ela acena, suspirando.
— Acho que ele ficou com vergonha… — Alícia começa, mas para
quando vê que eu arqueio minha sobrancelha com ironia. — Calma. Não
estou justificando. Estou dizendo que ele foi bem idiota ao pensar só na
vergonha dele ao perder para Kieran. Talvez ele também tenha ficado
chateado por saber que você estava no carro com ele enquanto Kieran o
vencia. — Ela dá de ombros, explicando, e eu aceno, a contragosto.
— Sim. Ele foi escroto nas piores palavras. E eu não tenho culpa de
ter ido com Kieran. Foi a regra idiota que o Vigia colocou. — Eu suspiro
revirando os olhos e ela acena. — Mas agora me fala: como andam as coisas
com Luca? Vi vocês no começo da noite, mas depois que ele ganhou
sumiram. — Eu sorrio, sabendo bem o que fizeram depois que foram embora.
Alícia sorri, amassando a embalagem do chocolate, e em seguida a guarda na
bolsa.
— Estamos bem. Ele não fica depois que corre, pelo menos foi isso
que ele falou quando perguntei — ela responde mordendo o lábio. Seu rosto
se transforma em uma careta enquanto observa algo além de mim. — Lorena
vem aí — ela avisa e não tenta esconder de mim seu desgosto pela minha
irmã.
— Oh. — Eu me viro e vejo Lorena dando um tchauzinho enquanto
sorri para Alícia. As duas se odeiam. Eu fico no meio do fogo cruzado.
— Eu preciso ir. Se vir o traste do André, mande-o me ligar. Nem
minhas ligações ele não atende. Aquele idiota. — Eu suspiro, levantando e
pegando minha bolsa no chão.
— Te ligo se eu o encontrar. — Ela se ergue, beija minha bochecha e
vai embora andando rapidamente em direção ao estacionamento.
— Por que sua amiga foge quando me vê? — Lorena sorri
provocadora e eu reviro os olhos, indo para o carro dela.
— Talvez porque você queira roubar o namorado dela. — Assobio
forçando um sorriso.
Minha irmã nem sempre foi essa menina fútil e superficial. Lorena era
minha melhor amiga, minha confidente. Em algum momento do ensino
médio ela começou a odiar o mundo e acabamos nos afastando.
Uma pena, pois eu a amo e sinto saudades.

— Para onde estamos indo? — pergunto a meu primo Danilo, que


dirige seu carro sorrindo.
— Oras! Para uma boate. Você vai gostar. — Ele pisca rindo e eu
empurro seu braço.
— Ainda não são nem sete da noite, seu idiota. — Eu quero gritar
com ele, mas com Danilo é assim. Ele decide tudo e os outros sempre são os
últimos a saber.
— Relaxa, prima. Vai ser legal.
Alguns minutos depois estamos entrando numa boate no centro da
cidade. Eu engulo em seco assim que meus olhos focam as pessoas dançando
e bebendo loucamente. Não que eu tenha medo disso, não mesmo. Só que
meu pai está na minha cola e da Lorena. Não podemos nos enfiar em tudo
que é lugar.
— Vem, vamos pegar uma bebida. — Dan me puxa, eu me forço a
sorrir e o sigo.
Viro minha terceira cerveja e Danilo me segura contra seu peito
enquanto danço. A música entra em meus ouvidos, deixando meu corpo
totalmente leve. É por isso que demoro a beber, me sinto leve e solta, não
posso ficar assim. Preciso sempre estar em alerta.
— Vou ao banheiro — grito por cima da música, para Danilo, e ele
acena enquanto vira para conversar com uma menina.
Faço meu caminho pelas pessoas enquanto ainda me remexo. O
sorriso de leveza se desfaz quando meus olhos focam em André sentado no
bar da boate. Meu sangue ferve, lembrando-me de ontem, e eu começo a
caminhar em sua direção.
Antes que eu o alcance, uma mulher senta em seu colo. Incrivelmente,
eu me sinto aliviada. E me poupa bastante conversa. Eu me atrapalho ligando
para Alícia e aviso sorrindo que encontrei o filho da puta.
— Sabe como consegui ir para casa ontem? — grito por cima da
música e vejo quando André pula assustado. Ele vira na minha direção com
os olhos esbugalhados e a boca aberta. Eu quero rir quando ele empurra a
moça do seu colo.
— Querida.
— Querida é o caralho. Não retire a linda moça do seu colo. Me
poupa conversa com você. Acabou, beleza? Não fica com essa cara de
espanto, nós dois sabemos que esse namoro é uma merda. — Eu gargalho e
dou dois tapinhas em cada lado do seu rosto. — Não me procure mais, André
— consigo dizer antes de deixar um beijo em sua bochecha.
Ando para longe dele e, suspirando, fico na fila para o banheiro.
Retiro meu celular do bolso e mando SMS para Danilo, avisando que estou
indo embora e que pegarei um táxi. Ele responde em seguida, me mandando
ter cuidado.
Depois de alguns minutos chega a minha vez e eu entro no banheiro,
já tampando o nariz. Merda de garotas nojentas. Faço xixi sem me sentar no
vaso e saio do banheiro rapidamente, fazendo meu caminho para uma porta
na lateral, que indica a saída.
Franzo a testa quando chego do lado de fora, pois acabei em um beco
escuro. Porém, decido continuar e ir até o ponto de taxi. Assim que dou dois
passos, a voz de alguém ecoa na escuridão e eu tremo, ficando em alerta.
— Por favor. Vou arranjar o dinheiro. Amanhã eu pago, eu prometo.
— Um soluço interrompe a fala de voz fraca. É um homem, disso tenho
certeza.
Meu cérebro me faz o favor de me lembrar do que papai sempre
recomenda a mim e a Lorena. Está escuro e deserto? Corre, pois é ali que o
perigo se esconde. Porém meus pés fazem o contrário. Eu cesso meus passos
e me viro, olhando além de uma caçamba grande de lixo. Meu corpo inteiro
endurece quando vejo um homem ajoelhado e um outro cara olhando para o
que implora, parecendo bem impaciente. Meu sangue gela quando ele retira
uma pistola da sua calça e aponta diretamente para a cabeça do outro cara.
— Eu não sou santo para você ficar me fazendo promessas. Rick foi
direto ao te avisar ontem… — Eu arregalo os olhos e dou passos para trás,
querendo correr, mas acabo me chocando contra uma lata de lixo.
Meu estômago revira quando os olhos escuros de ontem se elevam.
Kieran parece completamente confuso ao me ver parada aqui. Meu queixo
treme e eu me pergunto como eu pude achá-lo atraente ou qualquer coisa do
tipo. Ele ia matar esse homem.
— Que merda você está fazendo aqui, Gabrielle? — Kieran parece
raivoso ao perguntar. Eu imagino o pior quando ele dá um passo em minha
direção, então eu me viro correndo para longe deles.
Escuto suas passadas logo atrás de mim e viro na esquina, parando
bem à frente da boate. Tem pessoas aqui e eu sei que ele não é louco de fazer
algo comigo na presença de uma pequena multidão.
— Calada. Anda para o meu carro agora. — Ele acena na direção do
outro lado da rua e eu engulo em seco.
— Não faça nada comigo. Eu não vi nada, eu juro — peço ao sentir
minha respiração travar. Deus, não deixe que ele me mate!
— Eu não vou te machucar, só entra no carro. Agora. — Ele pega o
meu braço e me puxa em direção ao seu veículo. Minha mão direita entra na
minha bolsa e eu procuro minha bombinha de asma, mas entro em pânico ao
perceber que a esqueci em casa mais uma vez.
— Kieran… — Respiro fundo em busca de ar, mas é inútil. Kieran
franze as sobrancelhas, mas logo seu rosto se enche de entendimento.
Ele me coloca em seu carro e pega no porta-luvas uma bombinha,
agitando-a, e em seguida a coloca em minha boca. Inalo profundamente pela
boca e logo a retiro, deixando ar preso em meus pulmões.
Kieran fecha os olhos assim que eu volto a respirar normalmente,
parecendo aliviado. Desvio meus olhos dos dele e me pergunto quem é esse
cara. Kieran ia matar aquele homem. Eu tenho certeza de que sim. Eu me
encolho quando ele estica a mão para pegar em mim. Só de imaginar seu
toque eu quero correr.
— Não tenha medo de mim — ele sussurra quando entra pelo lado do
motorista.
Permaneço calada durante todos os minutos que fico dentro do carro
com ele enquanto dirige. Minha mente viaja até meu pai e me pergunto o que
ele faria se soubesse que estou com um homem que faz coisas erradas.
Meu pai é um policial federal. Ele sempre manteve a mim e Lorena na
linha. No entanto, minha irmã se desviou há muito tempo dessa linha fina em
que papai sempre quis que permanecêssemos. Minha irmã sai à noite pela
porta da frente depois que ele adormece apenas para ir a rachas com roupas
minúsculas e “trabalhar” dando largada. Nunca fui a menina boa, mas
também nunca desobedeci ao nosso pai assim.
Na primeira vez em que fui a uma corrida foi com André, eu nem
mesmo sabia que Lorena trabalhava lá. Minha surpresa foi vê-la no meio da
pista mostrando sua bunda para todos os homens daquele lugar.
Eu imaginei que ela surtaria quando me visse, mas nada disso
aconteceu. Ela apenas sorriu enquanto enfiava a língua na boca de um dos
caras. Relembrar me dá ânsia.
— Você bebeu? — Aperto meus olhos quando Kieran questiona,
estacionando. Meus olhos se abrem e eu encaro a rua que não é a da minha
casa.
— Não tanto quanto você desejaria, isso é certo — murmuro, sabendo
muito bem que ele quer que amanhã eu tenha esquecido o que estava
fazendo.
— Por que eu desejaria? — Sua voz é confusa, mas eu não o
respondo. Saio do carro e o espero do lado de fora. Com certeza aqui deve ser
a boca de fumo que ele comanda. Meu Deus, olha meu linguajar. — Você
não vai nem perguntar onde estamos? — Ele dá passos em minha direção e
eu retrocedo.
— Se vai me matar, não me interessa saber onde vou morrer —
resmungo, encarando seus olhos pretos.
— Oras! Se não sabe o que falar, mantenha a boca fechada! — Ele se
inclina, ficando na altura dos meus olhos, e me prensa na parede de um
duplex. — Eu nunca cortaria um fio do seu cabelo, Algodão Doce. — Eu
engulo em seco e sinto meu coração acelerar com o apelido.
Kieran desliza a mão na minha e me puxa em direção ao portão da
casa. Eu respiro fundo, tentando me acalmar, e vislumbro a bombinha em sua
outra mão. Desvio os olhos e observo a casa. Nas paredes, vejo manchas de
infiltrações. No chão, nos móveis, em todos os lugares! Inspiro, à procura de
algum cheiro diferente, mas só sinto cheiro de roupa e piso limpos.
— Fique à vontade. — Ele acena para uma porta e eu selo meus
lábios juntos, não querendo discutir.
De um modo quase inacreditável eu não me sinto mais bêbada. Acho
que terminar o namoro e flagrar Kieran quase matando alguém drenou todo o
álcool que ingeri. Ando até o quarto e engulo em seco ao vê-lo
impecavelmente limpo. Os lençóis são escuros e os travesseiros são grandes.
Kieran tem conforto dentro da casa. Do lado de fora, é outra coisa. Parece
que a casa é abandonada.
— Não é como o quarto de princesa que você tem, presumo. — Ele
me faz pular assustada e eu me viro para o encontrar de pé, inclinado contra a
porta.
— E nem como a lixeira que pensei que seria. — Sou sincera ao
afirmar. Kieran sorri de lado e eu molho meus lábios com a ponta da língua,
querendo fugir.
Meu corpo se arrepia com a observação de Kieran sobre mim. Eu
tento ignorar, mas é inútil. Desde a primeira vez que o vi, naquele racha, eu
penso nos seus olhos escuros. No seu rosto sempre sério.
Eu penso nele e eu sei que isso não é certo. Principalmente depois de
hoje.
— Eu posso sentir daqui sua cabeça girando e girando… — ele
murmura, voltando à sua pose séria. Elevo minha sobrancelha e ele inclina a
cabeça. — Eu também demorei a entender por que eu te desejei desde que
pus meus olhos sobre seus cabelos, aquela noite. — Ele dá passos até a janela
e olha para a noite. — Hummm, seus cabelos eram como algodão doce. Rosa
claro, suave e com uma enorme doçura…
— Não sou doce, Kieran. Nisso você se enganou.
— Não provei ainda, querida. Eu que definirei se é ou não. Porém,
minha intuição diz que é. — Minha garganta coça e eu ignoro a vontade de
engolir em seco.
— Você é louco…
— Sim, eu sou. Eu me torno obcecado com as coisas, Algodão Doce.
— Ele se vira e encara meus olhos antes de olhar para o seu criado-mudo, ao
lado da cama. — Está vendo aquele porta-retratos? Eu o tenho desde que eu
tinha quatro anos. Eu fiquei louco por ele. Fiz meu pai comprá-lo e eu nunca
deixei que o tirassem do meu quarto. — Eu olho para o objeto e vislumbro
uma foto de um jovem com um homem mais velho. Deve ser seu pai. — Não
sei por que, mas ele me chamou atenção naquela loja de utilidades. Desde ele
eu tive outras coisas. Eu desejei outras e eu consegui todas elas.
Volto minha atenção para Kieran e sufoco um grito ao vê-lo tão
próximo.
— Agora, novamente, eu me vejo obcecado por algo… — Seus olhos
se prendem nos meus enquanto ele enrola uma mecha dos meus cabelos entre
os seus dedos longos. — Por você, Algodão Doce.
“Sinto o pavor dela. O medo se alastrando pelo seu corpo.
Se eu fosse um cara bom eu iria retroceder, mas eu não sou.
Então uso disso para conseguir o que eu quero e, nesse momento,
o que eu quero é o meu Algodão Doce. ”
Kieran

Gabrielle

Minha garganta parece incapaz de engolir qualquer coisa. Um caroço


grande se faz presente e eu tremo por dentro e, talvez, até por fora, enquanto
sinto os dedos de Kieran deslizarem por meu ombro nu.
Ele é obcecado por mim?
De uma maneira quase inacreditável um medo enorme se propaga
pelo meu corpo. O que isso quer dizer?
Abro meus olhos quando seu toque some e encaro o quarto vazio.
Giro e encaro a porta fechada, sentindo meu corpo se encher de alívio um
segundo depois de ter certeza de que ele saiu.
Eu me sento na cama e me forço a me acalmar. Ele não vai fazer
nada, repito para mim mesma até que a exaustão me consome e eu adormeço.
Quando acordo tem café da manhã na ponta da cama. Eu me sento
rapidamente ao ver que ainda estou na casa de Kieran, e então suspiro
aliviada pela noite ter passado. Deixo o café de lado e vou ao banheiro.
Molho meu rosto e gargarejo um pouco de água na boca para em seguida
beber o café. Deixo o restante para trás e saio do quarto em busca de Kieran.
— Bom dia — murmuro ao entrar na sala e vê-lo parado, olhando
pela janela. — É… eu preciso ir. — Eu me movo indecisa e assisto a Kieran
se virar.
— Vou te deixar. Vamos lá. — Sua voz está mais rouca do que o
normal e eu penso em seus cigarros. Será que ele tem ideia do quanto isso vai
matá-lo mais depressa? Eu acho que sim, e se não tiver, com certeza não será
eu a pessoa a avisá-lo.
Dentro do seu carro eu tento permanecer mais calma. Se Kieran fosse
fazer algo comigo, teria feito ontem.
— Quantos anos você tem? — Eu me viro assustada e mordo meu
lábio, vendo seu rosto concentrado na pista.
— Dezoito — murmuro e ele acena devagar, com seu cotovelo na
porta, e os dedos entreabertos em cima dos seus lábios.
— Você cheira a leite. — Eu franzo as sobrancelhas, tentando não rir
de sua observação boba.
— E você? — decido perguntar, encarando seu rosto de perfil.
Ele não parece muito mais velho do que eu. Pelo contrário, seu rosto é
definido como de um garoto que acabou de sair da puberdade, seus lábios são
firmes e bem curvados. Seus olhos escuros me passam medo, mas balanço a
cabeça, deixando isso de lado.
— Eu o que, Algodão Doce? — Novamente sua voz rouca e o apelido
enviam ondas de tremor pelo meu corpo.
— Qual sua idade?
— Alguns mais que você — ele responde evasivo, e eu faço careta.
Kieran ri como se percebesse que sua falta de resposta não me agradou. —
Vinte e três — ele responde em um sussurro e eu aceno, mordendo o lábio
para não sorrir.
Kieran estaciona em frente à minha casa e eu me encolho ao ver
minha irmã na calçada, descendo de outro carro. Olho para os lados e quero
me esconder rápido quando vejo minha mãe na janela da nossa casa.
— Com medo? — Kieran balbucia irônico, e eu balanço a cabeça, não
querendo entrar em sua provocação.
— Minha mãe e irmã vão me ver descendo do seu carro…
— Ele é um bom carro. Elas nem vão desconfiar que o dono dele
mora na favela. — Ele sorri e eu quero socar seu rosto por ser tão sarcástico.
— Você não entende.
— Explica, Algodão. — Eu reviro os olhos e mordo meu lábio
novamente, permanecendo sentada no carro.
— Meu pai é da polícia, Kieran — murmuro baixinho e vejo-o focar
mais sua atenção em mim.
— O que eu tenho a ver com isso?
— Se ele souber que saí do seu carro, ele vai descobrir quem você é.
Vai querer fazer perguntas e, depois de ontem…
— Não aconteceu nada ontem.
— Ele vai encontrar algo. Eu sei que vai — afirmo completamente
séria e ele desvia os olhos de mim para encarar a rua.
Olho para a janela e vejo que mamãe entrou e que Lorena também já
está dentro de casa. Eu relaxo e me viro, abrindo a porta.
— Eu… — Engulo em seco sob seus olhos curiosos. — Se cuida —
murmuro, por fim, e saio do seu carro.
Assim que entro em minha casa, vejo André sentado no sofá. O
sangue bombeia rápido em minhas veias ao ver seu atrevimento em vir à
minha casa.
— Graças a Deus! Onde estava? — Mamãe se levanta do outro sofá e
anda apressada até mim.
— Eu dormi no Danilo. O que está acontecendo? — questiono,
elevando a sobrancelha para André.
— André estava preocupado. Disse que vocês vão à casa dos pais dele
para um almoço em família…
— Você está doido ou talvez ainda bêbado? — questiono, me virando
para encará-lo. André engole em seco e balança a cabeça enquanto seus olhos
imploram. Bem, ele pode ser um belo psicopata, às vezes.
— Gabrielle! — Minha mãe parece horrorizada e incrivelmente
irritada ao me ouvir falar assim com ele, mas foda-se. André quer me fazer de
estúpida na frente da minha família.
— Terminamos, mãe. André já estava até com uma moça ontem… —
murmuro sorrindo e saindo da porta. — Faça o favor de sair da minha casa.
Não volte aqui, André — aviso baixinho enquanto mamãe parece
completamente fora do ar, apertando suas mãos em punhos.
— Desculpe, Fabiane — ele murmura para minha mãe e eu o espero
calmamente ir embora.
— Como assim, vocês terminaram? Seu pai vai…
— Ele não vai fazer nada. Não vou aguentar chifres do André por
causa do meu pai ou da senhora, mãe. Por favor. — Reviro os olhos e a deixo
na sala sozinha.
À noite meu celular toca, avisando que chegou SMS. Deslizo a tela e
encontro um texto de um número que não conheço.
Algodão Doce. Agora tenho seu número.

Ao ler as palavras, meus lábios se estendem em um sorriso, mas me


forço a parar, pois sei que Kieran é algo que eu não quero para minha vida.
Nem agora e nem nunca.

Uma semana depois…


Assim que chego em casa, depois de passar o dia com Alícia e os
irmãos do seu ex-namorado, eu caio na cama exausta. Meu corpo dói, mas é
uma dor boa. De quem passou o dia na piscina.
— Estamos indo, Gabrielle. Tem comida na geladeira. — Escuto
minha mãe falar pela porta e eu tento gritar que vou comer daqui a pouco.
Com alguns segundos eu escuto a porta bater fechada e, enfim, estou
sozinha. Meus pais foram a um jantar em Búzios e Lorena deve estar no
racha. Meus pensamentos voam para Kieran e me pergunto se ele foi correr
hoje. Sentindo-me muito idiota, eu ligo para a única pessoa que iria comigo
àquela corrida.
— Olá — Alícia murmura assim que atende minha ligação.
— Você quer ir comigo à corrida? Hoje quero apostar. Estou
precisando de grana — minto, fechando os olhos. Sério que estou fazendo
isso?
— Como assim? Você tem dinheiro de sobra, Gabrielle — Ali me
lembra e eu rio nervosa. Merda, ela percebeu. — Você quer ir vê-lo, não é?
— Minha amiga ri do outro lado e eu arregalo os olhos
— O quê!? Claro que não! Alícia! — Balanço a cabeça, me sentando
rápido, e escuto sua risada do outro lado.
— Claro que é, boba. — Ela para de rir e fala, séria. Aperto minha
têmpora e suspiro. Ele me enviou uma ou duas mensagens depois da
primeira, mas eram sempre evasivas. Eu quero vê-lo, me sinto boba e até
louca, mas eu quero ir vê-lo.
Desde o dia que nos conhecemos eu sinto como se algo me puxasse
para ele. É uma loucura, mas me sinto assim.
— Merda, sim. Eu sou tão estúpida. — Solto um gemido, me sentindo
bem mais que estúpida. Minha amiga suspira do outro lado da linha.
— Hoje não, amiga. Talvez na próxima semana. Hoje eu só quero
dormir — ela murmura e eu sei que ela deve estar cansada.
— Claro. Eu também quero… — E não é uma mentira.
— Próxima semana, sem falta — ela jura antes de desligar.
Suspiro balançando a cabeça e vou para o banheiro. Meu banho é
rápido e logo estou saindo, ainda de toalha e com respingos d’água pelo
corpo. Meu cabelo também foi molhado e o hidratei rapidamente no
chuveiro. Não estou com cabeça para ir ao salão e muito menos fazer uma
hidratação mais forte sozinha em casa.
— Estava com saudade, Algodão Doce. — Pulo, quase deixando a
toalha cair ao escutar a voz de Kieran. Meus olhos se esbugalham ao vê-lo
encostado na minha escrivaninha.
— Cristo. Como entrou aqui, Kieran? — questiono, pressionando a
toalha contra meu corpo. Meu colo esquenta, sabendo que estou
completamente nua por baixo do pano felpudo.
— Tenho meus segredos. — Ele deixa escapar um sorriso e seus
olhos fazem uma varredura pelo meu corpo. — Acho melhor vestir uma
roupa. — Sua voz muda mais uma vez. Parece tão afetado e eu sorrio por
dentro, nervosa e contente por afetar Kieran.
— Eu vou — digo simplesmente e caminho para meu closet. Tranco a
porta e visto uma saia jeans e uma blusa preta justa que cobre minha barriga.
Saio para o quarto e vejo que Kieran mudou de lugar. Ele está deitado
em minha cama enquanto mexe em seu celular. Assim que me vê, ele guarda
o aparelho no bolso da calça jeans.
— Como entrou aqui? — questiono, penteando meus cabelos curtos.
— Já falei: tenho meus segredos — ele resmunga passando a encarar
meu teto e meus olhos se arregalam quando percebo que ele está vendo
minha pintura.
— Então…
— Como você pintou o teto? — Sua voz me corta e eu engulo em
seco ao olhar para a imagem de uma pena longa e para os pássaros que saem
dela voando em direção à liberdade.
Eu quero isso. Foi por isso que a pintei no teto, para que eu possa
olhar para ela sempre antes de dormir. Para que minhas esperanças sejam
renovadas pela manhã e meus sonhos continuem intactos.
— Uma escada, tinta, pincel e, claro, mais tarde daquele dia, uma dor
infernal nas costas — explico, tentando parecer relaxada enquanto ele ainda
permanece olhando para a imagem.
— Você se sente presa, Gabrielle? — Minhas sobrancelhas se juntam
com a pronunciação do meu nome. É estranho.
— Não…
— Nos conhecemos há pouco tempo, mas eu já desvendei você — ele
fala vagarosamente e se senta, ficando de frente para mim. — Você tem
medo dos seus pais, quer agradá-los… — Pisco com medo de sua
observação. — Essa casa é sua prisão. Você quer se livrar de todos eles…
— Não é verdade. Você está enganado — murmuro firme, porque é
mentira. Não quero me livrar da minha família. Eu quero que eles me deixem
viver, e isso é diferente.
— Você quer emergir. Mas eles te puxam. — Ele me encara,
completamente sério, parecendo não se afetar com minha interrupção. —
Você quer respirar…
— Mas eles não deixam — nós dois falamos juntos e eu fecho meus
olhos, querendo me livrar desse sentimento de traição.
Eu os traio por querer viver por mim mesma? Por querer escolher
com quem namorar? Onde viver?
— Eu quero emergir há muito tempo, Algodão Doce — ele murmura
e eu descubro que ele se levantou, ao olhar para ele.
— O que quer dizer com isso? — questiono tremendo ao vê-lo dar
passos em minha direção.
— Eu quero que venha comigo — ele fala, mas sei que não se refere a
sair daqui. Ele quer que eu o siga, que eu o aceite.
— Eu não te conheço — consigo falar e ele sorri devagar.
— Eu conheço você e eu por nós dois.
A distância agora não existe. Kieran cola seu peito no meu e eu
preciso me inclinar para olhar seus olhos pretos. Não passa mais que um
segundo e eu fecho meus olhos, sentindo sua boca descer para a minha.
Minhas mãos vão para seus ombros e eu o sinto me elevar.
Minha saia sobe e ele me senta na escrivaninha. Gemidos saem por
minha garganta e de Kieran enquanto lutamos pela boca um do outro. Seus
lábios são firmes e me beijam com fome e desespero. Meu cabelo é puxado
para ele ter mais acesso à minha boca e ao pescoço.
Eu puxo seu moletom, tirando-o do seu corpo, e sorrio quando meus
olhos batem em seu peito. Tatuagens cobrem o lado direito dele e os rabiscos
seguem por seu braço até o pulso. O outro braço é limpo. Não tenho
tatuagens, mas um dia eu quero, sim, fazer alguma.
Acho que faz parte da minha libertação.
— Eu quero fazer uma tatuagem — decido rapidamente, e seus olhos
se arregalam surpresos.
— Eu te levarei quando quiser ir — ele murmura sorrindo e eu aceno,
sorrindo também.
Kieran volta a me beijar e nós vamos aos tropeços para a cama.
Minha camiseta sai e meu sutiã é o próximo. Ele ostenta um sorriso satisfeito
quando me vê completamente nua e entregue.
Ele me beija e com carinho faz com que eu me sinta a mulher mais
especial do mundo. Seus lábios me procuram, me fazem gemer quando
nossas línguas duelam por controle.
A calça dele some e logo ele está nu como eu. Eu sorrio assim que ele
preenche meu corpo. Seu toque, seus beijos e seus gemidos são tão diferentes
dos de André. Com Kieran eu me sinto mais mulher. Eu sinto que meu corpo
é o dono do seu prazer.
Seus lábios calam meus suspiros quando, enfim, nós dois chegamos
ao ápice.
— Quero fazer ela hoje — murmuro contra o peito de Kieran. Seu
braço direito está atrás da cabeça enquanto o esquerdo está me segurando
pela minha cintura.
— Sério? — ele murmura e me puxa para cima do seu corpo.
— Sim, ainda é cedo. Onde você faz as suas está aberto? — questiono
sorrindo e ele acena, beijando meus lábios em um selinho.
— Não está, mas o cara vai quando eu ligar. — Ele sorri ao falar e eu
reviro os olhos, pulando da cama.
Como Kieran falou, o tatuador está à nossa espera no seu estúdio. Eu
sorrio nervosa, mas relaxo quando ele se senta ao meu lado.
— O que quer desenhar? — ele pergunta sorrindo e eu engulo em
seco, pegando meu celular. Mostro para ele a foto do meu teto e ele acena,
me encarando por alguns minutos.
Digo ao amigo de Kieran que quero fazer a minha do lado externo do
pulso, e ele logo começa. A tatuagem não demora a ser feita. Lágrimas se
formaram em meus olhos em alguns momentos, mas bastava Kieran me
acariciar que eu esquecia a dor. No final, ele me faz trocar de lugar com ele, e
então manda o tatuador fazer a mesma tatuagem em sua pele.
Meu coração acelera quando nossos olhos se encontram e eu desvio
minha atenção, não querendo que ele veja as lágrimas se formando. Kieran
acaricia minha mão e eu sorrio, o vendo beijar minha tatuagem coberta pelo
plástico.
— Obcecado, Algodão — ele fala sério e eu engulo em seco, me
inclinando e beijando seus lábios.
Assim que os raios do sol entram pelas frestas da minha janela e
estamos embolados na cama, um sobre o outro, sorrindo satisfeitos, eu sei
que a minha decisão de emergir com ele foi a certa.
“Os pelos do meu corpo arrepiam.
Meu coração acelera e eu me viro procurando.
Passam-se segundos e então eu decido
que finalmente fiquei louca.”
Gabrielle

Kieran
Dias atuais

Deslizo minha mão pelo pulso e encaro a tatuagem que fiz com
Gabrielle. Em todas as noites naquela cadeia, eu só focava nela querendo dar
o fora dali. Querendo minha liberdade.
Eu queria emergir.
Aperto o volante enquanto cruzo um sinal e volto a respirar quando,
enfim, estaciono meu carro. Alícia me disse que hoje era sua exposição na
galeria que ela e meu Algodão montaram juntas.
O moletom que visto e a calça jeans parecem apertados demais. Luca
os comprou para mim junto com outras peças que agora estão em minha casa.
Respiro fundo, puxando a manga, e cubro meu pulso.
Uma figura bonita e de cabelos loiros sai da Galeria depois que todos
os outros foram embora. Ela anda a passos apressados até o estacionamento e
sorri, entrando em um carro muito mais caro que muita casa nessa cidade.
Um incômodo cresce em mim enquanto olho mais e mais para seu
cabelo mais longo e castanhos. O que ela fez com eles? Meus dedos apertam
o volante novamente e eu me forço a me acalmar.
Dois anos, Kieran! São a porra de muito tempo. Ela não ia continuar
com o cabelo rosa para sempre. Mesmo com minha consciência me dizendo
isso, eu me sinto traído. É como se ela tivesse me tirado da sua vida num
passe de mágica. Como se eu não tivesse sequer estado na sua casa naquela
noite.
Suspiro forte enquanto ela sai do estacionamento e segue para a
avenida. Não me aproximo muito, mas a sigo, surpreso ao seguir o mesmo
trajeto que segui na noite antes de eu ser preso, vejo que ela ainda mora com
os pais.
Meu batimento cardíaco acelera e eu sei que quero tocar nela. Que eu
preciso me envolver em seu corpo. Não sei qual foi o momento em que
Gabrielle se tornou tão importante para mim.
Quando a vi naquele dia, no racha, eu a quis. Não me importava que
ela estivesse com o idiota do namorado. Ela se tornou minha naquele dia,
quando correspondeu meu olhar.
Volto para o presente quando ela sai do carro na garagem dos seus
pais. Gabby fica parada por um minuto e então se vira, olhando para os lados
da rua. Suas sobrancelhas estão juntas e ela começa a esfregar a parte externa
do pulso direito. Na sua tatuagem.
Balançando a cabeça, ela segue para dentro, mas antes que ela entre
alguém sai da casa. Seu ex. Respiro fundo e esfrego meu rosto. Sério,
caralho? Ela voltou com ele? Os dois entram e eu soco o painel.
Permaneço parado por alguns minutos, tentando imaginar a vida dela.
Ela está trabalhando, isso eu sei porque Alícia fez questão de me dizer hoje
pela manhã. Deus, eu quero matar aquele idiota. Ele a toca agora? Toca o
corpo que eu venerei a noite inteira antes de acabar naquele presídio?
Estou me sentindo diferente agora que estou fora daquelas barras de
ferro. É um incômodo forte. Como se eu tivesse deixado de existir e todos à
minha volta seguissem suas vidas.
Engulo em seco e dirijo pela cidade. Passa das cinco da manhã
quando eu, enfim, estaciono em casa. Eu só vim para cá porque o carro já
estava sem gasolina. Entro e suspiro ao olhar para as paredes reformadas.
Luca parece ter sido contaminado por Alícia e resolveu reformar minha casa.
Nunca tive um amigo como ele. Na verdade, eu conto nos dedos os
amigos que fiz, mas que, na verdade, não eram. Luca é diferente. Não sei por
que ele sempre está querendo me ajudar. Desde o dia em que fomos presos.
Naquela cela, eu me senti mais do que lixo. Eu era a escória do
mundo. Meu pai me visitou algumas vezes. Seu olhar de vergonha quando eu
o encarei fez com que eu nunca mais levantasse meu rosto para ele. Não
consigo mais. Na sua presença, sempre olho para o chão.
Deito-me na cama e encaro meu teto, lembrando-me do dia em que
Gabby estava aqui. Eu não dormi querendo olhar para ela. Esfrego meu rosto,
me mandando esquecer essa mulher.
Nunca ficaríamos juntos. Anos atrás foi um erro pensar que ela
trocaria aquela vida por mim. Hoje eu vejo que eu era muito arrogante. Como
uma menina rica vai sair da sua casa para ir morar com um marginal? Eu
quero rir de mim mesmo, mas resolvo dormir um pouco antes de ir trabalhar
na oficina.
— Bom dia, pai — murmuro entrando, e ele acena me saudando
também.
— Bom dia. Tem uma pessoa aí. — Ele aponta para o escritório e eu
me viro, franzindo as sobrancelhas quando Alícia sai pela porta.
A oficina, na verdade, é uma sociedade entre meu pai e Luca. Alícia
comprou a loja do meu pai, mas deixou ele como sócio. Ela aumentou a loja e
entregou tudo ao marido. Meu pai está mais velho e diz que logo vai se
aposentar e me deixar aqui com sozinho com ele.
— Pai, Alícia, sério? — pergunto rindo e ele dá de ombros, deixando
uma risada sair.
— Deixe de ser malcriado! Eu trouxe comida para Luca, ele saiu cedo
hoje, e trouxe mais para você também, pois sei que ainda não tomou café. —
Ela faz careta e aponta para o escritório. — Está tudo lá.
— Obrigado, Alícia. — suspiro e passo por ela, indo para onde vejo
meu amigo se entalando com um pedaço de pão com queijo e presunto.
— Sobra para mim ou você vai comer tudo? — Cruzo os braços em
frente ao peito e ele ri, engolindo.
— Idiota. Senta aqui. Tenho um monte de trabalho para você — ele
avisa e eu reviro os olhos, imaginando.
“Ela parece petrificada. Surpresa a mantém parada apenas me
encarando.
Posso escutar seu coração batendo fortemente mesmo de longe.
O meu também está. Acho que estão sintonizados.”
Kieran

Gabrielle

Sento-me sobre meus pés enquanto encaro o céu sendo banhado pelo
pôr do sol. Minha garganta coça e eu me pergunto o que está acontecendo.
Ontem, quando cheguei da galeria, depois de uma exposição de Alícia, senti
que alguém me seguia, mas era idiotice pensar nisso.
Ninguém me seguiria.
Fecho meus olhos e aperto meu pulso contra meu coração. Os olhos
de Kieran brilham em meus pensamentos e eu mordo meu lábio, não
querendo pensar nele. Mas é inútil. Eu tentei fazer uma visita a ele, mas na
minha primeira tentativa tive meu pai indo me buscar na delegacia. Ele
balançou a cabeça, me repreendendo, e me trouxe para casa enquanto eu
chorava.
— Você me envergonha, Gabrielle. Não bastasse sua irmã ser uma
vagabunda, você tem que se agarrar com um marginal. — Seu olhar frio me
fez tremer por dentro. — Não sei o que fiz para vocês infernizarem tanto a
minha vida.
Lembro-me de suas palavras e me encolho, sentindo raiva de mim
mesma por sempre fazer o que ele ou mamãe querem. Eu me levanto quando
batem na minha porta. Sigo a passos curtos até lá e sorrio quando vejo
Marcia, mas meu sorriso desliza quando seu rosto parece assustado.
— Eu… o seu irmão… — Ela força a palavra e olha para baixo. —
Nicolas está com febre. Seus pais saíram e eu tentei contatá-los, mas não fui
capaz… — Suas palavras se tornam apenas um borrão enquanto passo por ela
e corro até o quarto de Nicolas.
Eu o vejo dentro do berço com o rostinho vermelho e meu coração
dói. Pego-o em meus braços e puxo uma manta da sua cômoda. Marcia
engole em seco olhando para mim e, ao perceber minhas lágrimas, desvia o
olhar do meu.
— Menina, eu não quero me meter na vida de nenhum de vocês, mas
seu menino precisa do seu mamar. Não se preocupe comigo. A mama, além
de o acalmar, faz bem para o organismo dele — ela murmura olhando para
seus pés, e eu soluço, apertando meu bebê contra meus braços.
— Obrigada — respondo, já retirando a blusa e o sutiã. Meu seio dói
quando Nico começa a sugar, mas nenhuma dor física ultrapassa a dor dentro
do meu coração. — Pegue o remédio da febre dele, por favor — peço a
Marcia e ela respira fundo, limpando suas lágrimas.
Puxo meu bebê para mais perto do meu peito e me sento na poltrona
que meus pais compraram. Nico suga fortemente e eu deslizo meus dedos
pelo seu rosto. Sua pele é como a de Kieran, seus olhos, quando se abrem
para mim, me fazem lembrar-me nitidamente do seu pai.
Minha garganta seca quando me lembro de como descobri que estava
grávida. Dois meses depois que Kieran dormiu comigo comecei a sentir
enjoos. Lorena logo percebeu e me levou ao médico. Minha irmã estava
assustada, tão ou mais assustada que eu. Ela nunca me tratou daquela
maneira, Lorena mudou daquele dia em diante. Ela foi meu porto seguro.
Quando ela me sentou no consultório, calma, dizendo para eu não
surtar, estranhei. Não entendi nada naquele momento, mas ela sabia que eu
estava grávida. Ela sabia até de quem. Ela sabia que eu estava apaixonada por
Kieran e que ele era o pai do meu bebê.
Suspiro e sinto minhas lágrimas voltarem. Nico abre os olhos
novamente e eu coloco o dorso da minha mão contra sua pele para ver se a
febre ainda está alta, mas suspiro ao ver que minha mão queima pela
quentura.
Marcia volta com o remédio e eu o dou a Nico sob seus olhares
carinhosos. Minha mãe a contratou para cuidar de Nicolas quando ele nasceu,
eu queria cuidar dele. Eu sabia cuidar, pois vi vários vídeos, mas meus pais
foram impassíveis.
Antes mesmo de Nico nascer meu pai decidiu que eu deveria viajar
com minha mãe. Eu aceitei, não aguentava mais ficar no Rio sabendo que
Kieran estava preso e que eu não poderia avisá-lo de que eu teria um bebê
nosso.
Então viajamos. Passei toda minha gravidez na Europa. Aos sete
meses minha mãe disse que estávamos voltando para que Nicolas nascesse
em território brasileiro. Eu aceitei de bom grado. Precisava conversar com
Alícia. Dizer que ela seria a madrinha de Nico, mas tudo desabou quando vi
que nossas passagens não eram para o Rio, e sim para São Paulo. Mamãe
desconversou quando perguntei, porque não estávamos voltando para casa.
Disse que o médico que faria meu parto estava em São Paulo e por isso
ficaríamos lá.
Ela me enganou. No dia em que meu bebê nasceu, minha mãe o tirou
dos meus braços e disse que ela era a mãe dele. Eu não entendi. Pedi que ela
o devolvesse para mim, mas ela balançou a cabeça e mandou que eu me
vestisse.
Eu chorei, soluçando, pedindo que ela me devolvesse Nicolas, mas ela
apenas saiu do quarto e o levou. Não a vi até que eu estava de volta ao Rio,
no dia seguinte. Lembro-me como se fosse hoje da forma que ela estava
quando cheguei…
Entro na sala de estar e suspiro, sentindo meus seios vazarem leite.
Minha cabeça dói e eu sinto que tem algo errado assim que ponho os pés
nessa casa. Várias pessoas estão aqui, são amigos dos meus pais. Tento
sorrir para alguns, mas os latejos dos meus seios não me deixam.
Procuro minha mãe e a encontro em um quarto azul com Nicolas em
seus braços. Tento entrar, mas graças à quantidade de mulheres no quarto,
sorrindo carinhosamente para minha mãe, não tenho passagem. Meus olhos
absorvem tudo, da porta, mas eu não me mexo. Eu sinto alguém me pegar
pelo braço e me puxar.
Antes que eu seja engolida pela escuridão, vejo quando um amigo do
meu pai o parabeniza pelo herdeiro. A palavra me põe em choque. Vejo que
a pessoa que me puxa é Lorena e que estamos em seu quarto. Ela chora em
meus cabelos e eu fico parada, sem entender o que está acontecendo.
— Eles são loucos — ela murmura contra meus cabelos. — Nossos
pais estão tentando roubar seu bebê. — Meus olhos se arregalam e ela
acena. — Eles disseram que os envergonharia dizer que você tinha
engravidado de um detento. — Ela limpa meu rosto e eu só percebo agora
que comecei a chorar. — Eu tentei tanto te avisar. Mamãe nunca me deixou
falar com você — lamenta e eu a deixo me puxar para seus braços.
— Como eles podem me odiar tanto? — questiono enquanto sinto
meus seios latejarem mais e o leite de Nicolas vazar, molhando minha blusa,
ultrapassando meu sutiã.
— Eu não sei como eles podem ser tão perversos com todos nós,
Gabby.
Naquela noite eu entro no quarto de Nicolas. Meus pais não sabem
que eu já estava em casa. Eu me escondi deles. Olho para meu filho e o pego
do berço, indo para a poltrona onde mais cedo minha mãe sentou com ele em
seus braços.
Desço a alça da minha blusa e do meu sutiã e encaixo o bico do meu
seio nos lábios finos de Nico. Ele desperta assim que começa a chupar e seus
olhos escuros, que não tive tempo de apreciar ontem pela manhã, quando
mamãe fugiu com ele, me deixam sem fôlego. Eles são iguais aos de Kieran.
Abraço meu filho contra meu peito e respiro seu cheiro fresquinho.
Uma hora depois, Nico ainda mama, mas no outro seio. Seus olhos agora
estão fechados e ele adormeceu. Sorrio, acariciando seu rosto, e retiro o
peito dos seus lábios.
Assim que minha blusa está no lugar, vejo uma figura escura entrar
no quarto. Engulo em seco, ao ver meu pai. Ele balança a cabeça e acena
para o berço, me mandando colocar Nicolas lá.
— Pai, eu quero que ele vá para meu quarto. Ele é m-meu filho — eu
gaguejo e paro por um segundo, enquanto respiro fundo, tentando reunir
coragem. — O que fizeram hoje e ontem foi perverso. Eu fiquei em São Paulo
sentindo meu leite vazar e preocupada. Eu poderia estar doente agora,
Nicolas poderia estar doente, agora…
— Coloque o menino no berço, Gabrielle. Não vou mandar
novamente.
Mordo meu lábio e, por fim, faço o que ele pede. Preciso conversar
com ele e mamãe. Eles precisam entender que Nicolas é meu. Não é motivo
de vergonha o pai dele ser detento. Eu nem mesmo contaria a seus amigos
ricos.
— Vamos deixar uma coisa bem clara, Gabrielle: Nicolas é seu
irmão.
— Ele é meu filho, pai. Neto do senhor…
— Ele é meu filho — ele fala firme e eu desvio o olhar dele para Nico,
que dorme tranquilamente. — Agora eu preciso que você me fale que
entendeu e que nunca mais vai entrar aqui para dar de mamar a ele — ele
manda e eu balanço a cabeça veemente.
— Ele é meu filho e de Kieran. Você sabe disso. Pai…
— Não pronuncie o nome desse homem em minha casa. Nicolas é
meu filho, ele é seu irmão e, se isso não entrar na sua cabeça, eu farei com
que o idiota para quem você abriu as pernas seja morto naquele presidio.
Você escolhe. — Meu pai dá um passo em minha direção e eu balanço a
cabeça, horrorizada.
— Você não pode fa-fazer isso… — Meu queixo treme e eu soluço,
imaginando Kieran morto naquele presidio. Eu nunca me perdoaria. Eu
morreria.
— Tente entrar aqui novamente. — Ele me puxa, empurrando-me
para o corredor. — Vá para seu quarto, Gabrielle. Seu irmão está
descansando. — Ele acentua a palavra irmão e eu sinto meu queixo tremer
violentamente.
Corro para meu quarto e desço pela parede, apertando a manta de
Nicolas que coloquei sobre meu ombro para ele arrotar.
— Meu Deus, como podem ser tão malvados? — murmuro no escuro
e choro pelo resto da noite.
E até hoje eu me pergunto como podem ser assim. Por que me odeiam
tanto. O que fiz para que eles me tratassem com tanta perversidade.
— Veja se a febre baixou, querida — Marcia fala, me passando o
termômetro, e eu nego depois que o objeto apita e eu vejo que Nicolas está
com quarenta graus de febre.
— Vamos ao consultório de Mateus. Ele ainda está lá. Não são nem
seis horas — digo, já me erguendo. Levo Nicolas em meus braços e desço as
escadas com ele.
Depois de minutos estamos no carro. Nicolas desperta no bebê
conforto e eu sorrio para ele pelo retrovisor. Marcia segura sua mãozinha e eu
foco na rua. Respiro aliviada quando Mateus sorri assim que entro em seu
consultório.
— O que esse campeão tem hoje? — Mateus sorri, pegando Nico nos
braços. — Eita, febre. — Ele suspira e começa a examinar Nicolas.
Depois de alguns minutos, Mateus franze as sobrancelhas e eu me
aproximo, não entendendo sua confusão.
— Ele está bem, não é? — questiono com medo. Mateus balança a
cabeça e se vira me olhando.
— Ele está bem. Nada de mais. É uma febre emocional — ele explica
devagar e eu respiro aliviada, pegando Nico de seus braços. — Aconteceu
algo fora do comum? Alguém viajou, não sei? Febre emocional é quando a
criança sente falta de algo, Gabrielle. Ocorreu alguma mudança na rotina
dele? — Ele arqueia a sobrancelha e eu balanço a cabeça, sem pensar em
nada fora do normal.
Porém, quando meus olhos encaram o rosto do meu filho, eu lembro
que ontem não consegui ir ao seu quarto. Fiquei até tarde na galeria,
organizando a exposição da Alícia. Quando cheguei, estava morta, e mamãe
estava no quarto do Nico. Hoje tive que passar o dia trabalhando e,
novamente, não pude vê-lo.
— Uma coisa aconteceu. Mas que não vai se repetir — eu falo séria e
Mateus acena, me encarando por alguns segundos a mais.
— Você será uma ótima mãe, Gabby. Seu irmão tem sorte — ele diz
sorrindo e eu engulo em seco, desviando meu olhar do seu. Meu coração dói
com suas palavras. Quero gritar, dizendo-lhe que eu sou a mãe do menino
que ele segurava em seus braços, mas apenas saio do seu consultório.
Antes que eu possa chegar em casa vejo o carro de Alícia estacionado
em frente à oficina de Luca, que fica no caminho de volta para minha casa.
Meus dedos tremem quando decido descer do carro. Nico está melhor, ele
está até brincando. Marcia sorri, me mandando descer com ele, que ela ficará
aqui à minha espera.
Entro assim que o avô do Nico sai de baixo de um carro. Engulo em
seco quando seus olhos param em mim. Suas sobrancelhas se juntam e ele
olha para Nico. Movo-me, querendo que ele pare de olhá-lo. E se ele perceber
alguma semelhança? Meu pai me mataria, se alguém desconfiasse sobre
Nicolas.
— Hum, Alícia… — Suas palavras somem completamente quando
ele deixa de falar ou sou eu que não escuto mais nada, não tenho certeza.
A única coisa certa agora é que Kieran está aqui. Sentado numa
bancada com ferramentas. Olhando para as mãos sujas de graxa. Ele está
aqui.
Minhas pernas amolecem, mas me forço a ser forte por estar com
Nico nos braços. Devagar, os olhos do homem que amo se elevam e eles me
encaram. Sinto a corda que nos une puxando-nos em direção um ao outro.
Fazendo o ar dos meus pulmões, que estavam há tempos escassos, voltar com
força total.
Ele está aqui.
“A dor está por todo seu rosto. É crua, malvada e a consome.
Não sei como consigo ficar parado olhando seu pai arrancar o bebê dos seus
braços.
Eu só continuo olhando para o rosto atormentado do meu Algodão Doce.”
Kieran

Gabrielle

Os seus olhos escuros franzem e ele pula da bancada dando passos


curtos e demasiados devagar até mim. Seu olhar está preso no meu e por um
segundo ele olha para Nico em meus braços.
Raiva cruza seus olhos e eu me pergunto no que ele está pensando.
— Eu já estou indo. — Escuto a voz de Alícia e dou um passo para o
lado, para ver minha amiga.
— Lili — murmuro completamente em choque. Como ela pôde não
me avisar que Kieran saiu do presídio? Que ele está livre?
— Estou saindo, pai. — Kieran corre para longe de mim e eu dou um
passo em sua direção, com medo de ele sumir.
— Kieran. — Minha voz é estrangulada. Sinto um trator passar em
cima de mim quando percebo que ele nem mesmo me disse oi.
— Estou indo ver Dani — ele avisa ao pai sem me dar um segundo
olhar e corre porta afora. Quem é Dani?
Meu sangue esquenta e eu me viro, pronta para ir atrás dele, mas
Nicolas começa a chorar e eu permaneço parada, olhando dele para seu pai. O
quanto eles são parecidos e imaginando quão fraca e estúpida Kieran vai
achar que sou depois que eu contar a verdade.
— Gabby. — Escuto o chamado de Alícia e me viro atordoada.
— Como pôde? Como não me avisou? — grito, assustando-a,
enquanto meus olhos são inundados por água.
— Ele saiu ontem. Foi de repente. Eu não sabia, quando cheguei em
casa ele estava lá.
— Isso foi antes da sua exposição? — pergunto com medo. Porque, se
foi, ela teve oportunidade, sim, de me dizer que ele foi solto. Estávamos
juntas ontem à noite.
— Você estava trabalhando, eu não queria te atrapalhar…
— Você gostaria de saber, se por acaso fosse de Luca que
estivéssemos falando?…
— Luca é meu marido, Gabby. — Ela balança a cabeça, com os olhos
confusos.
— Você sabe o que Kieran é para mim, Alícia. Você mais do que
qualquer pessoa sabe disso — eu murmuro limpando minhas lágrimas, e Lili
morde seu lábio, olhando para Nicolas.
Nunca falei abertamente para ela que Nico era meu filho. Porém, ela é
minha amiga, ela percebeu, mas nunca questionou o fato de todos na minha
casa mentirem. Ela só tomou a informação para si e guardou. Nem mesmo
para Luca ela contou.
— Desculpe. Por favor, me perdoe — ela pede avançando, e engulo
em seco, dando passos para trás.
— Preciso ir — murmuro antes de sair da loja.
Caminho para meu carro e paro quando o mesmo sentimento de
ontem se alastra por meu corpo. É como se alguém estivesse me observando,
e eu sei quem é. Puxo Nico para mais perto de mim e me viro, encontrando
Kieran dentro do seu carro, no outro lado da rua.
— Marcia, pegue Nico. Estarei de volta em um minuto — sussurro, o
entregando para ela, e ando rapidamente até onde Kieran está.
— Kieran — murmuro, batendo em seu vidro, olhando para seu rosto
tenso, mandíbula marcada e os olhos presos em meu carro.
Ele não faz nenhum movimento para abrir a porta e eu mordo meu
lábio, batendo na merda do vidro com mais força. Seus olhos sobem para os
meus e eu peço silenciosamente que abra. Com o suspiro longo ele aperta o
botão que faz a janela descer.
— Por que não falou comigo? Como você está? — questiono,
segurando minhas mãos com medo de elas irem até seu rosto por conta
própria.
— Passou bastante tempo… você tem um filho. — Ele encara o
espaço à sua frente e eu sinto meu queixo tremer.
— Ele é m-meu ir-irmão. — Consigo formular a frase que tanto odeio
e Kieran sobe seus olhos para meu rosto.
— Eu vi você com André ontem, Gabrielle — ele avisa baixo, com a
voz rouca se acentuando.
Meus olhos se arregalam quando entendimento recai sobre mim. Era
ele. Kieran estava me seguindo ontem.
— Somos amigos — murmuro, me inclinando sobre sua porta. Meus
dedos se elevam e eu roço as pontas devagar em sua pele. — Por que não
falou comigo ontem? — questiono confusa. Passaram-se dois anos. Ele não
pensou em me contatar?
Kieran não responde, ele apenas me encara, então mudo a pergunta.
— Como está? Te fizeram algo lá dentro? — questiono frenética. As
palavras do meu pai ecoam na minha cabeça e o medo se alastra pelo meu
corpo.
— Estou bem, Algodão Doce. — Ele inclina a cabeça em direção à
minha mão com os olhos cravados em meus cabelos, me fazendo engolir em
seco. Acaricio seu rosto e ele fecha os olhos. Meu coração acelera e eu deixo
um beijo sobre sua testa.
— Fico feliz por isso. — Suspiro e ele se afasta, olhando para o meu
carro. — Eu preciso ir. Ainda estou com o mesmo número. Me liga, por favor
— peço baixinho e ele me encara por séculos antes de acenar.
Volto para meu carro e saio em direção à minha casa. Passa das oito
da noite quando estaciono. Franzo as sobrancelhas quando eu vejo meus pais
saírem correndo de casa. Pego Nico nos braços e caminho em direção a eles.
— Aonde você foi? Passe meu filho para cá — mamãe manda
rudemente, e eu mordo meu lábio até sentir o gosto metálico de sangue.
— Mãe, Nico estava com febre e eu o levei ao médico. Não tem por
que você está nesse estado — grunho, querendo correr com meu filho para
meu quarto e me trancar lá com ele.
— Me dê meu filho, Gabrielle. Eu fiquei preocupada como qualquer
mãe ficaria — ela murmura frustrada, e eu paro para olhá-la. Sinceramente,
eu acho que minha mãe enlouqueceu de vez.
Antes era mais um teatro, agora, não. Ela tem certeza de que Nico é
filho dela.
— Gabrielle, passe o garoto para a mãe dele — meu pai manda firme,
mas eu permaneço parada, não querendo entregar Nico. Meu pai dá um passo
em minha direção e arranca Nico de mim.
Meu coração dói quando o vejo chorar. Quero pegá-lo e nunca mais
voltar a essa casa, mas eu não posso. Meu pai me encontraria. Tomaria Nico
de mim e eu nunca mais poderia ver meu filho.
Vejo os dois entrarem e os sigo, com Marcia ao meu lado. Seu olhar
de pesar me faz engolir em seco. E quando vejo Lorena sentada na sala, eu
quero chorar mais. Ela suspira, se levantando, depois que nossos pais sobem
as escadas e levam meu Nico.
— Eles surtaram — ela sussurra e eu desvio o olhar do chão para seu
rosto. — Eles pensaram que você tinha ido embora, eu pensei também,
Gabby. — Ela me puxa para seus braços e eu soluço. — Por que não foi? Vai
embora com seu filho, Gabby. Na próxima oportunidade, pegue Nico e vá —
ela manda com os olhos repletos de lágrimas.
— Ele me encontraria, Lore. Você sabe disso. — Respiro fundo e me
sento no sofá. — E quando isso acontecesse, eu nunca mais veria Nico. Eu
tenho medo. Medo de não poder estar com ele — confesso, vendo minha
irmã limpar suas próprias lágrimas.
— Eu os odeio por você sofrer assim. Eles não percebem o quanto
você mudou? O quão diferente você se tornou depois que eles te roubaram
Nico? — ela lamenta, se sentando também, e seus olhos correm para meus
cabelos agora loiros naturais. — Você sempre está trancada nesse quarto ou
na galeria. Não pinta mais o cabelo. Você parece sem vida, irmã. — Eu aceno
confirmando, porque sei que é verdade.
Vi hoje o olhar de Kieran para meus cabelos. O quanto o desagradou
ver que o rosa que ele tanto amava deu lugar a um loiro comum.
— Lore — chamo sua atenção e seus olhos focam em mim. — Eu o
vi hoje. Ele foi solto. — Mordo meu lábio e minha irmã arregala os olhos. —
Ele viu Nico, ficou com raiva ao imaginar que eu tivesse um filho. Talvez ele
tenha pensado que Nico era meu filho com outro homem, não sei.
— O que você disse? — Seus olhos ainda estão esbugalhados e eu
balanço a cabeça para sua pergunta.
— O de sempre. Nico é meu irmão — eu respondo, respirando fundo.
A visão de Kieran hoje foi demais. A saudade que machuca meu peito está
forte.
Eu deveria o odiar por ter sido preso, isso é certo, mas não consigo.
Eu quero vê-lo. Quero saber como foi esse tempo. Tenho medo do que ele
pode ter passado lá dentro.
Medo de ele ter mudado.
— Conversa com ele, Gabby. Ele precisa saber do que acontece aqui.
— Ela me puxa para que eu a encare e eu engulo em seco.
— Tenho medo de ele me odiar. De me achar fraca como você, Alícia
e Marcia pensam que sou. Eu não aguentaria — lamento, me sentindo uma
idiota. Minha irmã desvia o olhar de mim e isso só confirma que eu estou
certa.
Dói, mas eu sempre soube que ela acha isso. Que todas as poucas
pessoas que sabem do que acontece em minha casa acham isso sobre mim.
Subo para meu quarto e vislumbro Marcia saindo do quarto de Nico e
indo para o seu. Minha mãe já adormeceu e meu pai está em seu escritório.
Não vou arriscar entrar, pegá-lo agora e papai aparecer, mas de madrugada eu
irei.
Deito-me na cama e encaro o teto. A pintura que fiz anos atrás ainda
está ali. Não a tirei e acho que nunca vou. Deslizo os dedos pelo meu pulso e
encaro minha tatuagem. A definição de liberdade passa longe do que minha
vida se tornou depois daquela noite.
Estou mais presa que antes. Porém, agora, é por um motivo maior. Eu
não ficaria sem meu filho. Mesmo que, para que estejamos juntos, eu tenha
que chamá-lo de irmão.
No meio da noite eu sinto alguém se esgueirar ao meu lado. Reteso ao
imaginar que possa ser Kieran, mas não é ele. É Lorena.
— O pequeno da titia estava resmungando quando passei pelo quarto.
Aí eu pensei, por que não levar ele para mamar hoje sem que a mamãe tenha
que se levantar? — Eu sorrio para minha irmã e puxo Nico para cima de
mim.
Seus olhos estão arregalados e eu acendo o abajur bem fraquinho,
apenas para que ele não se assuste com a escuridão total.
— Obrigada, mana — murmuro sorrindo enquanto coloco Nico para
mamar.
— De nada. — Ela sorri, passando a mão pelo cabelo escuro de
Nicolas.
Lorena sai do quarto minutos depois. Nico sorri, mamando, e eu o
aperto junto a mim. Beijo sua bochecha e suspiro.
— Seu papai está livre — sussurro em meio à noite e os olhos de Nico
focam totalmente em mim. — Eu o amo tanto que dói e me confunde, Nico.
Eu quero tanto que nós dois possamos ir morar com ele, sabe? Sermos uma
família. — Eu acaricio sua bochecha como fiz hoje com Kieran. — Temo
tanto o dia em que você começar a falar. Não quero que chame seus avós de
pais. Eles não são, filho. Sua mamãe sou eu e seu papai é Kieran. — Nico
sorri, me ouvindo atento, e eu beijo sua bochecha, fazendo meu seio escapar
da sua boca.
Meus olhos começam a pesar com o passar do tempo. Nico
adormeceu com um sorriso bonito nos lábios e eu respiro fundo, o pegando e
indo até seu quarto. Coloco-o no berço e o cubro com seu cobertor. Beijo seu
rostinho e logo volto para meu quarto. Eu engulo em seco, vendo meu celular
no criado-mudo.
Antes de voltar para a cama pego o aparelho. Disco o antigo número
de Kieran e fecho os olhos quando começa a chamar. Esperei que ele me
ligasse, mas pelo visto ele tinha coisa melhor para fazer.
O nome que ele falou voltou para meus pensamentos e eu me
pergunto quem é Dani. Será que ele encontrou alguém? Mas como? Ele
estava preso. Não tem como.
A chamada vai para caixa-postal e eu engulo em seco, desligando.
Eu me forço a fechar os olhos e adormecer. Depois de alguns
segundos com os olhos fechados, sinto meu celular tremer. Deixo-o cair e
luto para pegá-lo. O nome de Kieran brilha na tela e eu tento acalmar as
batidas descompassadas do meu coração.
— Esperei você me ligar… — murmuro baixinho, mas paro quando o
som ao fundo preenche meus ouvidos. Uma festa?
— Olá. Desculpe, eu estou tentando levar Kieran para casa, mas está
um pouco difícil — uma mulher murmura e eu engulo em seco, tentando
controlar a onda de raiva que me invade.
— Onde ele está? Quem está falando? — pergunto, sentando em
minha cama.
— Ele está, no momento, bêbado no sofá da casa de um dos seus
amigos, e eu sou a Dani — ela fala suavemente, e eu fecho meus olhos. Ele
está com ela agora? É sua namorada?
— Você precisa de ajuda? — questiono firme enquanto me levanto e
ando pelo quarto.
— Eu não sei. Acho que sim. — Ela parece assustada e sua voz está
baixa.
— Me passa o endereço — peço e desligo assim que ela me fala.
Saio de casa apressada e rezo para que meus pais não me vejam
saindo em plena madrugada. O endereço que ela me enviou é perto da casa de
Kieran, então não demoro a chegar.
Eu só não imaginei que ele estaria com vários traficantes numa favela
pequena depois do seu bairro.
“A verdade machuca. Ela te faz se sentir a pior pessoa do mundo.
Olhando para Kieran bêbado e completamente drogado, eu me pergunto se
eu não preferiria imaginar que ele era um cara bom. Que merecia a mim e a
Nico. ”
Gabrielle

Gabrielle

Ando pela calçada em direção a uma casa. Ela é pequena e na frente


tem algumas pessoas. Engulo em seco quando vejo as cabeças virando. Meu
carro ficou logo atrás e eu penso se não deveria ter vindo de táxi.
— Uma burguesinha por aqui. Isso é novidade. — Um homem grande
com o corpo coberto de tatuagens para à minha frente e mordo meu lábio,
sentindo o medo me invadir ao ver uma arma no cós da sua calça.
— A Dani me chamou. Hum, você pode dizer a ela que estou aqui?
— pergunto, encarando seu rosto, e ele dá um longo gole na cerveja que está
entre seus dedos.
— Espere aqui. — Eu aceno para seu comando e pego meu celular
enviando um texto para a Dani, avisando que estou aqui.
Quando o homem volta, ele está com uma adolescente. Eu suspiro,
achando que a tal Dani deu o fora.
— Dani, ela falou que você a chamou. — Os olhos da menina estão
no chão e eu franzo as sobrancelhas. Merda, ela é a Dani?
— Sim, obrigada. Eu preciso de ajuda com Kieran e ela é amiga dele.
— Ela ainda olha para os pés e eu sinto o medo dela daqui.
— Se sintam em casa — ele murmura limpando gotas da cerveja que
está em seu lábio. Isso me dá ânsia, mas passa quando saio de perto dele.
Dani lidera o caminho e eu sinto minhas pernas amolecerem quando
ultrapasso a porta. No centro da sala tem uma mesa e ela está cheia de
cocaína. Tento não encarar aquilo com horror, mas meus olhos me traem
quando vejo Kieran sentando na ponta enquanto cheira uma fileira de pó
branco que está dentro de um prato de vidro. Meu coração acelera e eu sinto
um caroço crescer em minha garganta.
— Kieran — Dani chama por ele enquanto eu ainda estou petrificada.
Seu olhar se eleva e eu sinto a ânsia voltar com tudo assim que vejo seus
olhos escuros baterem nos meus. Seu nariz está com resquícios do pó branco
e ele parece muito bêbado. Eu sinto nojo se alastrando por meu corpo.
Quem é o Kieran? A pergunta retumba em meus pensamentos. Eu não
o conheço. Quando eu o reencontrei, ele estava com uma arma na mão.
Assim que eu iria começar a conhecer esse homem, ele foi preso. Então, eu
me pergunto, como eu comecei a gostar dele? De quem eu gosto?
Desse Kieran? Do drogado, bêbado e ex-detento?
Não é desse, disso eu tenho certeza. Porém, é somente esse cara que
conheço. É esse cara que é o pai do meu filho. Como pensei que eu poderia
contar a ele sobre Nico, que iríamos morar juntos e ser uma família?
Kieran não merece meu filho. Eu nunca vou tirá-lo de uma casa sólida
para trazê-lo para essa vida que Kieran leva. Nunca.
— Dani, eu peço desculpas, mas preciso ir — murmuro, já virando e
saindo da casa. Ela balança a cabeça e grita, me pedindo apenas para deixá-
los em casa.
Eu paro, fechando meus olhos fortemente, mas me viro pela urgência
na voz da garota, e vejo Kieran se levantando cambaleante. Eu me encolho,
querendo fugir, mas não vou deixar essa menina sozinha aqui com ele. Eu
aceno a contragosto e caminho para meu carro, me desviando das pessoas.
Destravo a porta e logo entro, esperando por eles. Kieran está
balbuciando algo quando Dani o enfia em meu carro no banco de trás. Eu
saio da rua, acelerando, tentando chegar o mais rápido possível à casa dele.
— Algodão Doce. — Escuto sua voz e aperto o volante, acelerando
mais.
— Deus, Kieran, não vou comprar algodão doce. O que fez hoje,
argh, eu vou contar tudo para o papai — Dani diz e eu fecho meus olhos por
um segundo, querendo sumir daqui.
— Ele está falando comigo — murmuro apenas para que ela me ouça.
— Ele me chama assim — explico, não querendo prolongar nossa conversa.
— É estranho… Hum, eu sou irmã dele — ela informa e eu aceno,
entendendo tudo agora. Bufo completamente desacreditada de Kieran. Porra,
ele levou uma menina para aquela festa cheia de traficantes e drogados?
O que estou pensando? Ele é o drogado. Ele é o bêbado e eu não
duvido que já esteja traficando.
— Algodão — ele volta a me chamar e eu o encaro pelo retrovisor.
Seu rosto está limpo agora, seus olhos estão focados em mim e eu reviro os
meus, voltando a olhar para a pista. — Eu ia te ligar — ele fala sério, e eu
aceno, não querendo ver seu rosto.
— Ainda bem que não ligou, não é? Iria me chamar para ir àquele
lugar? Obrigada, mas não — eu resmungo amarga, e ele se inclina para
frente.
— Eu não sou daquele jeito — ele afirma e eu começo a anular sua
voz na minha cabeça.
Entro em sua rua e estaciono em frente à sua casa. Não perco meu
tempo saindo do carro, apenas vejo Dani murmurar um agradecimento e
tentar tirar seu irmão do meu carro.
— Vem comigo, Gabrielle — ele pede enquanto ela abre a porta.
Tenho pena dessa pobre menina. Tão nova e vendo o quão imundo o mundo
do seu irmão é.
— Nunca mais, Kieran. Quero distância de você — afirmo olhando
para seus olhos, séria. Eu nunca falei algo mais certo. Deus me livre de ele
chegar perto do Nicolas.
— Por favor, vem. — Ele pega meu pulso e eu o puxo para longe
dele. — Vou te ligar mais tarde, então. Para conversarmos…
— Não perca seu tempo. Vou trocar de número hoje mesmo. —
Engulo em seco e olho para Dani, pedindo silenciosamente que ela o tire de
perto de mim.
Kieran me encara por alguns segundos e logo murmura:
— Eu vou até sua casa, então. — Ele sai do carro e bate a porta.
Quero matá-lo por isso. Saio do meu carro e ele se vira ao escutar minha
porta bater.
— Não se atreva — falo alto e Dani suspira, fechando os olhos. — Eu
te vi usar drogas, Kieran. Você é estúpido? Você acha que quero estar perto
de você depois disso? Deus, eu estou com nojo de você. Odeio o seu mundo,
Kieran. Odeio tudo que vi hoje — eu grito em plena madrugada. Não me
importo se posso acordar alguém. Eu quero que ele entenda que eu não o
quero. Não vou querer nunca mais.
— Não farei mais isso. Foi uma idiotice. Revi meus amigos e
bebemos…
— Isso não me importa. Não faça o que fez hoje, mas pelo seu pai e
pela sua irmã, que viu seu estado. Não faça por mim. Nunca tivemos nada. —
Eu encaro seu rosto ainda bêbado e entro em meu carro, saindo pela rua em
alta velocidade.

Kieran
— Você gosta dela, não é? — Daniela pergunta assim que acordo no
dia seguinte.
Eu queria que a bebida tivesse o efeito de me fazer esquecer tudo que
aconteceu ontem. Gabby chegando à casa de Cleiton, me vendo naquele
estado. O jeito que ela me olhou depois disso… Merda. Eu quero socar meu
rosto repetidamente.
— Quem não gostaria? Ela é perfeita. É minha — resmungo, me
levantando e caminhando para o banheiro.
— Ela disse que odeia o nosso mundo…
— O meu, Dani. Não o seu. Seu mundo não é aquela porcaria. Não
sei nem o que me deu para te levar àquele lugar. — Eu me viro, socando a
bancada, e minha irmã pula acenando. — Me perdoe. Nunca mais farei isso.
Não te levarei àquele lugar novamente — prometo.
Dani acena, mordendo o lábio, e cruza os braços.
— Agora não importa muito se eu gosto dela. Gabrielle é rica, Dani.
A vida dela é completamente o oposto da nossa — resmungo, odiando ter que
admitir isso. — Depois de ontem duvido que ela queira me ver.
Minha irmã suspira e sai do meu quarto sem desmentir minhas
palavras.
A porta bate fechada e eu respiro fundo. Elevo a cabeça quando a
escuto abrir novamente e desvio os olhos, ao ver meu pai entrando. Porra,
Dani falou para ele.
— Eu só vim até aqui para pegar minha filha. Daniela não sai mais
com você, Kieran. Não tente mais se aproximar dela fora da minha casa —
ele fala apontando o dedo para mim e eu aceno, sabendo que ele está certo.
— Se você não vai mudar, me avise, pois abro mão de sua presença na minha
casa também. Sinto muito. Porém você é adulto, sabe as consequências dos
seus atos.
— Pai…
— Não faz uma semana que saiu daquele lugar e olha onde estava!
Usando drogas. — Ele balança a cabeça, envergonhado, e suspira. — Você é
viciado? Me responde essa merda de uma vez, porque eu vou te internar.
— O quê?! Não, pai, eu não sou. Ontem eu estava bêbado, por isso
usei. Entrei na onda dos caras e usei, mas eu sei muito bem a hora de parar —
murmuro assustado. Nunca senti nada parecido do que os drogados sentem.
Eu usei cocaína muito tempo atrás. Ontem, como acabei de falar, foi por
diversão.
— Eu espero que sim, Kieran. Fique em casa, se alguém te chamar
para algum lugar, negue. Você está me ouvindo? — meu pai grita e eu aceno,
entendendo. Ele joga algo na cama e eu levo meu olhar para lá, encontrando
um chip ainda no plástico.
— O quê? — Eu o encaro e meu pai aponta seriamente para a merda
na cama.
— Está na hora de romper os contatos com esses traficantes. Troque
de número. — Ele me observa até que eu pego a porcaria.
— Eu vou trocar — murmuro antes de ele sair.
Puxo meu celular da bancada, deixando com o mesmo chip, e disco o
número de Gabby. Mudarei o chip depois que eu conseguir falar com ela.
Ontem, enquanto eu fiquei com a mão no celular, eu me perguntei se
eu faria o certo em ligar para ela. Se trazê-la para minha vida fodida era uma
coisa boa para ela. Não é, porra! Nunca vai ser, então eu apenas guardei o
celular e decidi que seria melhor assim.
Mas ontem… Deus, não sei como vou encará-la novamente. A
vergonha rasteja pela minha pele. Ela me viu cheirar pó, merda! Ela tem nojo
de mim, mas eu não consigo parar meus movimentos de ligar para ela.
Nesses dois anos foi ela que me manteve de pé naquele presídio.
Quando eu estava desistindo e querendo sucumbir, era ela que aparecia em
meus pensamentos. Bastava eu passar a mão pela tatuagem que fizemos
juntos que eu decidia que queria emergir, por ela. Porque eu a amava. Eu amo
aquele Algodão Doce.
A ligação vai para a caixa postal e eu sei que ela cumpriu a promessa
de trocar de número. Inferno!
Troco de roupas rapidamente e decido ir até sua casa. Não penso no
que aconteceria se seu pai me visse lá. Não penso que ela vai querer me
matar, eu apenas saio de casa.
Estaciono assim que vejo um carro entrar na sua garagem. Meu
sangue ferve ao ver seu ex-namorado. Odeio que ele ainda a ronde, que fique
perto dela. Lembro que ela me disse que são apenas amigos e me concentro
em acalmar minha raiva. Espero alguns minutos depois que ele entra e,
quando já estou quase saindo do carro, ela sai de casa. Seu rosto tem uma
careta e eu engulo em seco, temendo sua reação ao me ver.
Coloco a mão sobre a porta, mas não abro. Gabby entra em seu carro
e sai pela rua, então eu a sigo. Se ela pensa que vou apenas aceitar o que ela
falou ontem, está enganada. Eu sei que Gabrielle não merece o que sou. Eu
sei que vou ter que me distanciar dela mais cedo ou mais tarde, mas antes eu
quero uma despedida. O que vivemos anos atrás foi alguma coisa. Aquilo
mexia com ela, eu sei que sim.
Estacionamos assim que alcançamos a sua Galeria. Saio do carro
batendo a porta com força, fazendo-a pular e virar assustada para mim. Seus
olhos crescem e ela abre a boca, mas volta a fechá-la quando começo a falar.
— Entre. Vamos conversar — murmuro, dando passos até ela.
— Você é muito descarado. — Ela balança a cabeça e cruza os
braços.
— Gabrielle, eu não estou aqui para justificar o que você viu ontem.
Aquilo foi uma estupidez que eu decidi fazer. Eu sou responsável por aquela
cena que tanto te enojou.
— Sabe o que acho, Kieran? Que você sempre vai ser o marginal que
meu pai gritou na minha cara que era quando eu tentei te visitar naquela
delegacia — ela grita, enquanto suas bochechas ganham um tom rosado de
pura raiva.
Minha boca se abre e eu fico parado, sem saber o que falar. Ela foi até
lá? Ela tentou ir me ver?
— Algodão…
— Para de me chamar assim. Não tenho mais cabelo rosa — ela diz
irritada, levando a mão ao cabelo agora loiro, e eu engulo em seco, acenando
para sua galeria.
— Vamos conversar lá, Gabby. Por favor — peço, ainda surpreso por
saber de sua visita.
Ela respira fundo e se vira, caminhando para dentro. Eu suspiro ao ver
a decoração do seu lugar. Tudo parece limpo, cheio de riqueza. Esse lugar a
representa. Tudo aqui grita o nome de Gabrielle. O lugar é um espaço aberto
e no final tem duas mesas com computadores em cima. Deve ser onde Gabby
e Alícia trabalham. Os quadros nas paredes e também postos pelo meio da
galeria são dela e, alguns, de Alícia. A diferença dos de Gabby para o da sua
melhor amiga é que ela não pinta com cores convencionais. Os dela são
pretos e brancos. Alguns cinza e até azul um pouco escuro, quase preto.
— Eu me pergunto o que quer falar. — Escuto sua voz se elevar e me
viro, a vendo cruzar os braços perto de um balcão. — Pensei que o que falei
ontem tinha sido suficiente. Não me diga que a bebida fez efeito e você não
lembra. — Ela balança a cabeça, respirando fundo.
— Eu sei tudo que falou ontem. Cada palavra. É como um martelo
batendo no alumínio, ecoando na minha cabeça, é horrível — eu murmuro e
ela fica parada, apenas olhando para mim.
Eu aproveito esse momento para olhar para ela. Seus quadris estão
mais largos e seus seios maiores. Ela parece ter engordado desde nossa noite
juntos. Passou-se dois anos, é obvio que ela mudaria. Seus cabelos são a
prova viva disso. De um jeito estranho, isso me consome.
Será que ela mudou por dentro também?
“Não é difícil perceber o momento que sua vida muda.
O instante em que o seu pesadelo acaba e você acorda.
Gabby se transformou nesse momento. E a cada
pesadelo, eu sei que ela vai me acordar. ”
Kieran

Gabrielle

Vejo seus olhos viajarem por meu corpo e engulo em seco. Será que
percebeu algo? Que talvez eu tenha pegado mais corpo? Seu olhar não me dá
nenhuma pista, então me movo, para fazer com que ele pare de me encarar.
— Eu sempre fui daquele jeito, Gabby — ele murmura devagar e eu
sinto minha barriga se contorcer. — Desde que virei adolescente, eu fiz
amigos que andavam pelo caminho escuro da vida. Eu andei por esse
caminho até dois anos atrás. — Kieran coloca as mãos nos bolsos da calça e
sorri devagar, como se estivesse recordando algo. — Porém, no dia que eu
dormi com você, depois que nos conhecemos, eu jurei que o dia seguinte
seria o último. Aquele domingo seria o último em que eu sairia de casa e
cometeria crimes. — Ele engole em seco, baixando seus olhos para as mãos,
e eu desvio minha atenção para meus pés. — E era por você, Gabby. Eu
queria ser melhor para você. Assim que eu te vi, eu te quis. Foi instantâneo,
mas depois que conheci você, eu tinha certeza de que seria minha redenção.
Você colore meu mundo, Algodão Doce. — Meu queixo treme e eu esfrego
meu rosto, não querendo que ele veja o quanto seu discurso mexe comigo. —
Eu passei dois anos naquele presídio pensando em você. Eu tive oportunidade
de fugir assim que Luca foi solto, mas eu não fui por ele, também, mas
principalmente porque eu queria sair daquele lugar de maneira honesta para
que eu pudesse te ter. Para que você fosse minha. — Eu levo minhas mãos ao
rosto e limpo minhas lágrimas, que insistem em cair.
Ele não pode chegar aqui, se declarar e não querer que eu chore. Eu
passei os primeiros meses depois da sua prisão apavorada com a sua situação.
Depois fiquei mais ainda, por saber que eu tinha um pedaço dele em meu
ventre.
— Você não pode fazer isso. Não depois de ontem, Kieran — eu
murmuro, piscando para afugentar o choro.
— Ontem foi um erro que não vou cometer de novo. Eu troquei de
chip para não ter mais contatos antigos, eu estou trabalhando com meu pai e
vou ser digno de você. Eu juro, Algodão. — Sua fala firme me faz morder o
lábio. Meus olhos brilham com lágrimas e de modo embaçado eu o vejo
caminhar para mim.
— Kieran — imploro, não querendo que nos aproximemos mais que o
seguro.
— Eu farei o possível para te dar o mundo, Gabby. Não vou poder te
dar o luxo que tem hoje, mas eu vou fazer o possível para que sua vida ao
meu lado seja boa. — Ele me olha de modo desesperado e eu queria gritar
que não preciso de dinheiro, que só o que quero é ele, o seu amor e nosso
filho conosco.
Mas eu não posso. Eu tenho tanto medo de que meu pai descubra e
leve Nicolas para longe de mim. Temo o dia que Kieran descubra. E também
tenho medo do que meu pai poderia fazer com ele, só para que não possamos
ficar juntos.
De tudo isso, o que eu mais temo é o que vi ontem.
— Meu pai…
— Você é adulta, Gabby. Não tem nada que te prenda àquela casa —
ele me interrompe e eu desvio os olhos dos seus, percebendo só agora o quão
errado ele está.
Nicolas me prende lá.
— Se eu disser que não sinto mais nada por você, eu estarei mentindo.
Também estarei mentindo se eu disser que não pensei em me jogar em seus
braços agora e arrumar minhas malas. — Elevo meu rosto e vejo Kieran
fechando os olhos enquanto acena devagar, mordendo o lábio. — Mas eu não
posso — digo enquanto sinto o meu coração latejar.
— Por quê? Me dá um motivo, Gabby. Eu quero só um. — Seus olhos
escuros me encaram e por um momento eu me esqueço de como respirar.
— Meu pai faria você voltar para aquele lugar, Kieran. Você pensa
que eu não fui te visitar porque eu não queria? Eu quis, Kieran. Todo dia,
mas ele não deixava — em um fôlego eu o respondo, porque eu não posso
dizer a verdade.
— Seu pai é um idiota! Só porque não tenho o dinheiro que aquele
filho da puta do André tem, não quer dizer que eu goste menos de você.
Dinheiro não é tudo, Gabrielle…
— Eu sei. Eu não ligo para nada disso. Eu não me importo se uso um
carro de luxo ou um ônibus, eu não me importo. Nunca me importei — eu
grito, o interrompendo. Quero que essa conversa acabe. Eu sinto como se as
paredes estivessem se fechando. Como se tivesse algo me empurrando para
contar tudo. Mas eu não posso.
— Venha comigo — ele sussurra me puxando pela cintura até que
nossos corpos estão juntos, completamente alinhados. — Eu quero o dia com
você, Algodão Doce. Depois disso, pode escolher o que fazer, mas eu
preciso, depois de todo esse tempo longe. — Seu olhar escuro se prende ao
meu e seus lábios descem, reivindicando a minha boca.
Não tenho tempo para lhe negar o beijo, porque meu corpo parece se
deslocar sem o consentimento da minha razão. Minhas mãos o procuram, o
puxam para mim. Sinto seus lábios chuparem os meus e logo seus dentes
fincam na pele fina.
Meu coração ressurge. O beijo é igual ao de anos atrás: desejo
aflorado, paixão e amor, porém, esse tem uma saudade tão assustadora que
faz a gente querer se consumir.
— Você é minha, Algodão Doce. Desde o dia que pus meus olhos
sobre você — Kieran sussurra em meus lábios sensíveis, e eu fecho meus
olhos mais apertado, não querendo ver os seus, escuros. — Olha para mim —
ele manda. Sua voz é uma pasta fria escorrendo pela minha pele, e isso me
faz abrir minhas pálpebras.
— Você é louco…
— Eu sei. — Ele se inclina e eu sinto seu hálito quente contra a minha
pele. — E você gosta. Sempre gostou. — Seu sussurro envia ondas de choque
até meu corpo e eu engulo em seco, sentindo a parede que eu estava tentando
manter de pé ruir segundo a segundo.
— Nunca passou pela sua cabeça… que eu só gostasse de algo
proibido, perigoso?…
— Você gosta de mim. Você me ama, Gabrielle. Eu sei disso. —
Meus olhos se arregalam e ele beija meus lábios com um selinho. — Vamos.
— Ele aponta para a saída e eu suspiro, acenando enquanto ele começa a se
mover, me puxando.
Eu o deixo me levar e, juntos, logo chegamos à sua casa. Meu carro
ficou na Galeria, então eu ligo para Alícia, avisando que tive que sair, mas
que à tarde estarei de volta.
Kieran joga suas chaves na mesa de centro e eu aperto minha bolsa
contra meu corpo. Estou nervosa. Parece que foi ontem que dormimos juntos,
mas não foi. Faz dois anos.
— Venha aqui. — Sua voz retumba e eu pulo, arregalando os olhos.
Kieran está sentado no sofá e eu me movo até ele quando sua cabeça acena.
Deixo minha bolsa na mesa e me sento ao seu lado, cruzando minhas
pernas. Seu olhar acompanha meus gestos e ele se vira, ficando de frente para
mim. Sua mão se eleva e, devagar, seus dedos acariciam minha bochecha.
— Eu quero você na minha vida, Gabby.
— Você não sabe o que está dizendo. — Eu o encaro, sentindo meu
lábio tremer. Seus olhos mudam a atenção para minha boca e seu dedo
desliza por ela.
— Sei, Algodão Doce. — Ele se inclina, escovando seu nariz no meu.
— Se meu pai descobrir… — Seu dedo para minha fala assim que
encosta sobre meus lábios.
— Ele vai entender. Confie em mim. — Sua sobrancelha se eleva e
ele espera por uma resposta que eu não estou certa de dar. — Você confia em
mim, Gabrielle? Pelo menos um pouco?
— Sim, mas não tanto, e você não pode me julgar por isso —
contraponho e ele suspira, se afastando.
— Só confie quando eu digo que seu pai vai entender — Kieran
promete e eu olho para minhas unhas longas. — Ele não tem como nos fazer
mal. Ele não pode, Gabby. — Sua fala é convicta e eu queria, de verdade, que
ele estivesse certo. Que meu pai não pudesse nos atingir, mas para isso
Nicolas teria que estar comigo e, nesse momento, eu não sei como fazer para
ter meu filho.
— Tudo bem, mas eu… — Paro de falar quando percebo o que iria
dizer. Não quero que meus pais saibam. Como ele reagiria a isso? Kieran
pensaria que é meu segredo sujo? Ou concordaria?
— Você o quê? — Sua mão volta para meu rosto e eu engulo em
seco, desviando meus olhos dos seus.
— Eu não quero você metido com essas pessoas. — Omito o que eu
ia dizer e fico com a opção que também é uma verdade.
— Não vou mais andar com nenhuma delas — ele promete, já vindo
para cima de mim. Minhas pernas se abrem e eu me deito no sofá com seu
corpo sobre o meu.
— Kieran — chamo, enquanto ele beija meu pescoço. Devagar, ele o
deixa e me encara. Seus cabelos estão revoltos, seus lábios parecem mais
inchados e eu deslizo minha mão pelo seu peito, sentindo todos os seus
músculos sob a camisa grande. — Eu te amo — murmuro, ouvindo as batidas
do meu coração acelerarem à medida que seu olhar feliz surge e ele se
inclina, me beijando.
Eu o recebo já com o sentimento grande de realização. Mesmo depois
de tempos ele está comigo novamente. E mesmo que minha consciência me
diga que isso é errado, eu não quero ir embora. Eu quero permanecer aqui, ao
lado dele.
Seus beijos seguem para meu colo e suas mãos puxam minha camisa
para fora. Seu olhar fica em meu sutiã por um momento e eu tremo, me
lembrando do meu leite. Será que vazou novamente? Meu organismo já se
acostumou aos horários da mamada de Nico, mas às vezes eu pressiono em
algum lugar e ele vaza.
— O que foi? — pergunto assustada.
— Seus seios estão tão maiores — ele observa e depois sorri, devagar.
— Você colocou silicone? — ele questiona, e eu caio na risada, balançando a
cabeça.
— Não, bobo. Engordei um pouco ano passado — desconverso e ele
acena, voltando a me beijar.
Devagar, seu toque se torna possessivo e cheio de desejo. Sua mão
esquerda aperta minha coxa agora nua, porque a saia longa subiu e está
amontoada em minha cintura. Minha calcinha está à mostra e eu sinto Kieran
se tensionar quando sente quão molhada estou.
Sua mão desfaz o fecho do meu sutiã e meus seios saltam livres.
Kieran os encara quase com fome e eu arregalo os olhos quando penso que
ele os chupará. Vai sair leite!
Porém, tento me acalmar quando apenas seus dedos brincam com o
mamilo rosa. Eu me movo, querendo que cheguemos mais perto, e logo sinto
sua ereção contra minha pélvis. Kieran para de brincar e se levanta, tirando o
restante das nossas roupas.
É incrível o quão rápido ficamos pele a pele. Kieran parece um pouco
fora de si quando, enfim, nossos corpos se juntam mais uma vez. Lágrimas
brotam dos meus olhos quando ele investe contra meu corpo, dando atenção a
cada parte descoberta de mim.
— Diga que é minha. — O desespero em sua voz me faz abrir os
olhos. Seu olhar sempre escuro está acuado, ele parece ferido e eu não
entendo o porquê. — Diga que me ama novamente…
— Eu sou sua, Kieran. E eu te amo, baby — murmuro, puxando seus
cabelos curtos, o fazendo vir para mim. Seus lábios ainda estão longe dos
meus, então eu mesma me elevo e acaricio sua boca com a minha.
— Eu estava enlouquecendo naquele presidio. Eu lembro que só
mandei Luca fazer uma pergunta para Alícia através das cartas… — Ele
respira fundo, ainda dentro de mim. — Se você tinha alguém, Algodão Doce.
Eu morreria. — Eu balanço a cabeça e me elevo novamente, beijando seus
lábios.
— Ninguém tocou em mim depois de você — juro, e ele acena,
descendo sobre mim. Com apenas alguns minutos nós dois nos entregamos
ao prazer de estarmos juntos novamente.
— Eu te amo — ele murmura contra minha pele, e eu deixo as
lágrimas descerem por meus olhos.

Sua mão desliza pelo meu braço assim que saímos do seu banheiro.
Ainda estou nua, apenas com uma toalha branca em volta do corpo. Estamos
parados em frente a um espelho grande. Kieran atrás de mim, me olhando
pelo espelho de um modo quase irrealista.
De maneira quase sufocante, seus dedos seguem pela minha pele,
fazendo carícias, e ele para quando chega em meu pulso. Arregalo os olhos
quando sua mão puxa a minha para frente. O reflexo das nossas tatuagens
juntas aparece no espelho, e eu pisco olhando delas para nós dois. Meu
coração acelera e eu decido que, por mais forte que eu possa parecer, isso tem
mais significado que muita coisa em minha vida.
Meus olhos voltam para mim e eu vejo o quanto mudei. Eu vejo aqui,
com Kieran, o quanto meu rosto está mudado. Não pareço mais uma menina
feliz, eu pareço atormentada, exausta e lá no fundo, apenas porque estou com
o homem que amo, feliz.
— Eu não emergi depois daquele dia. Você também não — ele
começa sussurrando. — Mas vamos, Gabrielle. Eu juro que sim — Kieran
promete, me encarando pelo espelho.
No final da tarde, depois que nós dois fizemos amor em sua cama
mais vezes do que é o normal, Kieran decide que devemos ir a um lugar, eu
não esperava que fosse a pista que ele corria. Onde nos vimos a primeira vez.
Ele sorri, me puxando para fora do carro, e nos sentamos sobre o
capo. Minhas costas pressionadas contra seu peito, sua boca em meu pescoço,
ora beijando, ora mordiscando.
O sol ainda é forte, por isso estamos em frente às arquibancadas, na
sombra. O vento sopra meus cabelos e Kieran pega um punhado, os
observando calmamente.
— Eu não gosto dessa cor, Gabrielle. — Sua frase mata meu sorriso e
eu engulo em seco, sem saber o que falar. — Você é meu Algodão Doce.
Seus cabelos são a sua marca… Eu quero que pinte eles novamente.
Eu encaro seus olhos e aceno devagar. Eu irei pintar, mas não agora.
Tenho que ir a um salão e saber se a tintura fará mal a Nico. Depois da
gravidez, dar de mamar a meu filho foi o motivo de eu não ter pintado mais.
— Eu te amo — ele sussurra, e por mais que sejam apenas palavras,
eu sinto que essa é uma das coisas mais verdadeiras que Kieran já me falou.
Estacionamos em frente à Galeria meia hora depois. Saio do carro
com Kieran, que quer me deixar lá dentro, e andamos de mãos dadas. Viro
meu rosto assim que escuto um carro estacionar e vejo André saindo do
carro.
Minha boca se abre e eu paro de me mover. Ele ainda não nos viu, por
isso puxo Kieran para trás do seu carro, querendo escondê-lo. André vai
contar aos meus pais. Meus dedos tremem e deslizam dos de Kieran quando
ele não se mexe.
Em um segundo eu vejo tudo ruir. Porque eu sei que hoje à noite eu
vou perder meu filho.
“Um segredo sujo.
É assim que eu me vi quando percebi Gabrielle tremendo
com a possibilidade de alguém descobrir que estamos juntos.”
Kieran

Gabrielle

Dou um passo para perto de André assim que seus olhos me veem
com Kieran. Ele engole em seco e olha para mim.
— Que porra é essa, Gabrielle? — André pergunta baixo, e eu me
encolho.
Depois que terminamos nosso namoro, ele se afastou por um tempo,
mas logo voltou. Ele tentou fazer com que voltássemos, mas eu fui firme em
dizer que não queria ninguém em minha vida. Ele também sabe que Nicolas é
meu, mas nunca tocou no assunto. É um perigo para todos.
Assim nos tornamos amigos devagar. André não é o cretino que eu
sempre achei. Não. Ele é legal e cuida de mim, quando preciso.
— André, eu vou explicar. Pode me esperar lá dentro? — questiono,
juntando minhas mãos que tremem.
— Explicar? Ela não vai explicar nada. — Eu sinto minha cabeça
doer quando as mãos de Kieran me rodeiam e me puxam contra seu peito.
— Kieran, depois nos falamos, por favor — peço, me virando, e ele
balança a cabeça.
— Já falei, Gabrielle. Você não deve satisfação a ele ou a qualquer
pessoa — ele fala firme, e eu mordo meu lábio querendo gritar com ele.
— Seu pai, Gabrielle… seu pai vai te matar. — Eu escuto André
murmurar e me viro para ver o rosto dele apavorado.
— Não conte, por favor, não conte a ele — imploro com Kieran ainda
me prendendo pela cintura.
— Se ele não sabia, hoje ele descobre sozinho. Não vou me meter nas
suas confusões — ele murmura, andando para trás, e eu engulo em seco,
acenando. — Ele precisa de você. — Ele não tem que dizer a quem se refere.
Nicolas precisa de mim.
Assim que seu carro se vai, eu me viro para Kieran. Ele tem sua
atenção focada em mim, e eu mordo meu lábio com medo do que ele vai
falar.
— Vamos ser um segredo, é isso? — Suas mãos entram em seus
bolsos e seu olhar se torna indiferente.
— Não é isso. O jeito que fala é como se fosse algo sujo, errado…
— É o que parece — ele só murmura isso e se vira, já indo para seu
carro.
— Eu falei que não ia dar certo. Você não sabe o que meu pai pode
fazer com você. — Eu ando atrás dele, que se vira, sorrindo irônico.
— O que ele vai fazer comigo? Eu paguei o que eu devia à justiça,
Gabrielle. Não devo nada a ninguém. Seu pai não pode fazer nada! — ele
grita por último e eu me retraio. — Não é por mim que você tem medo,
parece que é algo maior. Você fica apavorada só com a simples menção do
seu pai. — Ele balança a cabeça e volta a dar passos em minha direção. — Eu
quero saber o que é.
— Não tem nada além de mim ou de você. — Meu queixo treme e eu
desvio os olhos dos seus. — Eu só tenho medo de que você possa voltar para
aquele lugar. É isso, Kieran. — Eu me aproximo, cortando a distância, e pego
em seu rosto rígido. — Você quer ficar longe de mim? — pergunto de modo
dramático. Eu sei que não deveria estar fazendo isso, mas eu quero que ele
entenda. Só isso.
— Tudo bem. Mas eu não vou me esconder, Gabby. Seu pai vai saber
que estou solto uma hora ou outra. — Ele segura minha cabeça entre suas
mãos e se inclina, me beijando.
— Eu não quero te perder — murmuro convicta. Eu nunca falei algo
que me desse tanto medo.
Perder Kieran ou Nicolas é o meu pior medo.

Entro em casa ainda à tarde e encontro meus pais na sala com Nico.
Minha mãe sorri, segurando sua mãozinha enquanto papai faz careta, o
fazendo dar gargalhadas. Meu coração aquece, porque sei que, por mais que
eles possam ser malvados comigo, eles nunca fariam nada com Nico. Eles o
amam.
— Boa noite — saúdo e eles elevam a cabeça, sorrindo para mim.
— Boa noite, querida. Leve Nico para cima, por favor — mamãe pede
e eu estranho isso, arregalando meus olhos. Papai me encara mais um
segundo e acena para que eu faça o que ela mandou.
— Claro. — Pego meu filho em meus braços e sorrio para meus pais,
antes de subir a escada. Escuto a porta abrir e olho de relance para Lorena,
que entra. Seus olhos estão negros e parece que ela ainda não dormiu.
Ela saiu ontem e eu não a vi hoje quando saí de casa.
Termino de subir e vou direto para o quarto de Nico. Beijo sua
bochecha e ele puxa minha camisa. Arregalo os olhos e ele sorri, batendo
palmas. Eu sorrio e finjo esquecer o que ele fez. Porém, Nico faz mais uma
vez, eu tiro meu seio e ele logo trata de mamar.
Olho para a porta com medo durante os segundos que se passam, mas
ele logo adormece, então só fico admirando seu rosto. É incrível o quão
parecido com Kieran ele é.
— Vocês são uns doentes mentais! — Pulo com o grito de Lorena e
coloco Nico no berço, saindo às pressas do seu quarto.
Desço as escadas e paraliso ao ver Lorena sendo enforcada contra a
parede por meu pai. Corro até eles com os olhos arregalados e puxo o braço
do meu pai. Minha irmã está vermelha, e eu sinto minha respiração acelerar.
— Pai! Solta! Você vai matar ela! — grito, puxando seu braço, mas
ele não se mexe. Seu olhar está no dela e mesmo contra a parede Lorena
sorri, vermelha.
— Ela merece! É uma puta e ainda vem ofender os pais — ele grita
no rosto dela, ainda com as mãos em seu pescoço. Ele vai matá-la.
— Solte ela, porra! — Minha mão arde de repente e eu só percebo
que bati em meu pai quando Lorena cai no chão, e ele se vira para mim.
— Você me deu uma tapa, porra? — O lado do seu rosto está
vermelho e eu ofego, horrorizada por ter marcado seu rosto. — O que tem de
errado com vocês? — ele grita, andando até mim. Eu balanço a cabeça, não
reconhecendo o homem que está me olhando com ódio, tão diferente do que
estava brincando com meu bebê.
— Pai, você ia matar ela. Eu só… — Paro de falar quando sinto um
tapa em meu rosto. Caio no chão e levo minha mão à minha bochecha, que
arde.
— Isso é para vocês aprenderem… — eu grito quando Lorena o ataca
pelas costas e bate com um vaso em sua cabeça. Meu pai cai inconsciente e
eu rastejo para minha irmã, que cai ao lado.
— O que… — Minha mãe está parada, vendo a cena mais terrível de
nossas vidas. Eu me reprimo quando o pensamento do meu pai morto passa
pela minha cabeça e me agrada.
— Lorena, você está bem? — pergunto, passando a mão pelo seu
rosto, voltando à cor normal. Meus dedos tremem quando vejo sangue pingar
nela. É meu sangue.
— O que ele fez com você? Esse monstro! — ela ruge, se forçando a
sentar e me puxa sentada também. — Eu vou cuidar de você — ela murmura
e eu a puxo para mim, abraçando-a.
Ela ia morrer e quer cuidar de mim?
— O que você fez, sua louca? Você matou seu pai! — mamãe grita e
eu tampo os ouvidos de Lorena, em vão, porque sei que ela pode ouvir.
— Veja se ele está respirando — peço a mamãe e ela toca seu
pescoço, soltando um suspiro longo.
— Ainda bem. — Ela sorri aliviada e olha para Lorena. — Pegue suas
coisas e vá embora dessa casa. Você sabe o que ele pode fazer depois disso.
As duas sabem — ela murmura, olhando para papai inconsciente.
— Mãe… — imploro, vendo-a se erguer e ajeitar a saia de grife.
— Eu aconselho você a ir com ela, Gabrielle. Nada te prende a essa
casa…
— O filho dela mora aqui, sua psicopata. — Lorena se eleva,
segurando o pescoço. — Você deveria se tratar… Cuidar da sanidade que te
resta — minha irmã manda com o olhar de repreensão.
— Cale a boca! Sabemos que Nicolas é meu filho. Sua irmã apenas o
levou no ventre, nada mais. — Eu abro a boca, em choque, e ela me olha
com escárnio. — Você não tinha condições psicológicas para cuidar dele.
Nico seria infeliz, talvez estivesse até morto…
— Cale a boca! Você que não tem condições psicológicas. Você está
doente! — Lorena grita, me puxando enquanto eu apenas encaro os olhos
verdes cheios de confiança da minha mãe. — Não chame Nico de seu, ele
não é. Em breve vou levar ele e Gabby daqui. Pode apostar. — Lorena me
puxa e eu não percebo que ela consegue me mover até que meus pés batem
contra o degrau da escada.
— Como… — Meus olhos se enchem de lágrimas e eu quero
questionar algo a minha mãe, talvez, por que ela me odeia tanto, ou por que
gosta de me ver sofrer. Mas Lore me puxa novamente e subimos juntas.
— Não escute ela, Gabby. Você é uma mãe maravilhosa. Você tem
todas as condições de criar Nico sozinha. Você só precisa de coragem. Você
não é fraca, irmã, precisa apenas pensar em seu filho e em você. — Minha
irmã segura minha cabeça, me fazendo encarar seu rosto.
Meu lábio dói quando tento falar, então respiro fundo e aceno.
— Eu… vou com você, — decido, me erguendo de sua cama. Ela me
puxa de volta e pressiona o algodão contra meu lábio.
— Não, Gabby. Você precisa encontrar um advogado, pedir a guarda
do seu filho e arrumar uma casa boa para vocês dois. Depois que isso estiver
certo, você vai. — Ela sorri me aconselhando, e eu deslizo os dedos pelo seu
pescoço.
— Ele ia te matar — murmuro, sentindo as lágrimas, e vejo as da
minha irmã descerem por sua bochecha.
— Eu o odeio — ela sussurra, e eu mordo meu lábio, não querendo
chorar novamente.
— Eu sei. Eu também o odeio — confesso, fechando os olhos ao me
lembrar do seu tapa.
— Mas, voltando à conversa, fique. Eu te ligarei, juro. — Lorena
beija minha testa e se levanta, indo para seu closet. Ela joga as suas roupas na
mala, enquanto eu puxo minhas pernas contra meu peito.
Nessa noite, ela vai embora e me deixa no quarto, chorando.

Encaro meu teto enquanto tento escutar algo pela porta, qualquer
vestígio de que mamãe saiu do quarto de Nico, mas parece que ela
adormeceu lá.
Eu me deito com o coração dolorido por mais uma vez não ir até ele.
Porém, me aqueço ao lembrar que ele mamou antes de dormir. Aos poucos o
cansaço me vence e eu fecho meus olhos.
Acordo algum tempo depois, não sei se horas ou apenas minutos, e
encontro Kieran subindo em minha cama. Vejo a janela aberta e constato que
ele entra, sempre subindo pelo lado de fora.
— Algodão Doce. — Sua respiração quente bate contra minha pele do
pescoço e eu me arrepio. — Estou vendo seus arrepios, baby. — Ele ri no
final e eu sorrio, me virando.
O escuro do quarto não deixa a gente se ver, mas eu sigo meu instinto
e pego seu rosto, me elevando para que possamos nos beijar. Kieran é
impiedoso quando esmaga seus lábios nos meus. Eu me afasto em seguida
pela dor que emana do lado esquerdo do meu rosto.
— Gabrielle? — Sua voz está preocupada e eu arregalo os olhos, com
medo de ele ver meu rosto. Engulo em seco, pensando que deve ter inchado
tudo e que devo estar com um hematoma.
— Não é nada… — Paro de falar quando ele acende o abajur.
Seus olhos crescem e num segundo eu vejo meu Kieran se
transformar no Kieran que vi naquele beco escuro. Assustador é a palavra que
eu usaria para defini-lo.
— Kieran — murmuro, engolindo em seco.
— Eu só vou perguntar uma vez, Gabrielle, e você tem que me
responder sem mentiras. — Sua voz envia arrepios pelo meu corpo e eu me
encolho. — Quem fez isso? — Ele está de pé e seus punhos abrem e fecham
em uma sincronia que me diz o quão controlado ele está tentando ser.
— Foi um acidente. Eu estava na cozinha e a Lorena abriu a porta da
geladeira tão rápido que acabou acertando meu rosto — eu falo, encarando-o,
tentando passar verdade, mas quando o vejo se inclinar, sentando na cama, eu
tremo com medo de não o ter convencido.
— Eu já soquei mais pessoas do que posso contar e já levei alguns
socos também. Eu sei o que acontece e é exatamente o que eu vejo no seu
rosto, então, Gabrielle, quero que me diga agora quem se atreveu a bater na
minha mulher — Kieran fala enquanto suas mãos seguram minha cabeça e,
com carinho, seus dedos deslizam pela minha bochecha e olho feridos.
— Ele não fez porque quis, por favor, Kieran. Eu bati nele primeiro,
ele estava enforcando minha irmã e eu não podia não fazer nada, então eu dei
uma tapa nele. Só isso. Ele só revidou…
— Eu quero saber quem é ele, Gabrielle — ele sussurra devagar e eu
sinto meu queixo tremer com medo.
— Por favor, Kieran. Me prometa que não vai sair desse quarto. Por
favor — peço, encarando seu olhar completamente frio.
— Fala — ele manda firme.
— Foi meu pai. — As palavras se perdem com a rapidez com que ele
me solta e corre para a porta. Eu me levanto rapidamente e corro atrás dele.
Enquanto eu tento alcançá-lo, sei que minha vida está a um passo de
mudar para sempre.
“Era como um sonho vívido.
Nico dormia em seus braços,
parecendo tranquilo, mas, de repente,
o sonho se tornou pesadelo, e eu ansiava
pelo momento em que eu acordaria.”
Gabrielle

Kieran

Eu escuto meu coração bater em meus ouvidos. Sinto Gabby tentar


me segurar, mas eu continuo andando, abrindo cada porta do andar de cima.
Quem ele pensa que é? Bater nela? Deixar a própria filha com um olho roxo?
Nunca, merda! Eu o mato primeiro.
— Kieran, por favor. — Ela empurra meu peito enquanto eu ando
para frente e ela dá passos para trás. Seu rosto está apavorado, eu pararia, se
seu rosto roxo e inchado ainda não estivesse na minha frente, me mostrando
que alguém a machucou. — Mamãe me mandou ir embora, Kieran. Se eles
virem você, me jogarão porta afora, e eu não posso. — Seu lábio treme e eu
paro de me mover para segurar seus ombros.
— Gabrielle, eu só vou sair daqui se você for comigo — digo
pausadamente para que ela entenda. — Isso é tudo que eu quero. Que você
venha morar comigo. Eu já falei que vou cuidar de você…
— Kieran, não é sobre isso, não é tão fácil quanto você faz parecer.
— Então seu pai vai me ouvir, Gabrielle, e a próxima vez que ele
tocar em você eu vou matá-lo. — Sinto seu corpo estremecer com minha
promessa. Não menti. Se ele a tocar, eu volto para aquele inferno, mas eu o
matarei.
— Ele não vai fazer isso, Kieran. Eu juro — ela promete, abraçando
minha cintura. — Vamos para o quarto. Eu estou sentindo dor. — Meu
queixo treme com raiva nadando em minhas veias, mas eu a pego em meus
braços, voltando para seu quarto.
Gabby não conhece o meu lado escuro. Ela pensa que sim, porém está
longe de saber do que sou capaz de fazer por ela, Dani ou meu pai.
Coloco-a sobre a cama e a deixo se esgueirar em meu peito. Demora,
mas quando enfim ela adormece, eu espero alguns minutos e saio da cama. A
porta está aberta e eu dou passos silenciosos até estar no corredor.
Caminho pelo silêncio da noite, olhando para os quartos. Eu me viro
quando um choro baixo começa a soar. Franzo as sobrancelhas ao parar na
porta de um quarto à frente do de Gabrielle. Eu a abro e dentro visualizo um
berço. Esse deve ser o quarto do irmão dela. Ando, tentando não fazer
barulho, e entro no cômodo.
Olho para o garoto de olhos grandes e escuros dentro do berço e,
então, em direção à porta. O menino resmunga mais uma vez e com um
suspiro grande eu o pego em meus braços.
— Meu Deus. — Faço careta ao sentir o cheiro que vem da sua fralda.
Porra, não vou limpar bunda de criança. Penso em chamar Gabby,
mas não quero ter que acordá-la. Gabby precisa dormir. Lembrar-me dela me
faz suspirar, eu deveria estar socando a cara do seu pai, e não me preparando
para limpar a bunda do seu irmão.
O menino sorri quando eu o coloco sobre um móvel e começo a trocar
sua fralda. Demora mais do que o previsto, mas, enfim, eu o tenho limpo. Eu
o coloco no berço novamente e limpo minhas mãos com alguns lenços que
tiro do pacote que tinha ao lado.
Começo a sair do quarto, mas ele chora novamente e eu respiro fundo,
tentando manter a calma. Merda!
— Shiu. Eu preciso ir — resmungo, querendo sair dali. Gabby pode
acordar e ficar preocupada. O moleque me dá os braços e eu reviro os olhos,
o pegando novamente.
Eu o colo junto ao meu peito nu e ele, devagar, fica calado. Eu
balbucio uma ou duas músicas que não sei a letra e respiro aliviado quando
vejo que ele adormeceu.
— Kieran. — Eu me viro para encontrar Gabby na porta, de olhos
arregalados. — O-o que estava fazendo? — Sua voz está tremida e ela parece
apavorada.
— Eu? Nada. Ouvi o choro dele e vim aqui — minto devagar e ando
até ela. — Ele tinha feito cocô. Meu Deus, como seu irmão pode fazer algo
tão fedorento? — eu questiono, rindo, e ela me encara com o olhar cheio de
lágrimas. — O que foi? – questiono colocando o bebê adormecido no berço.
— Nada. Eu pensei que tinha ido embora ou que tivesse ido atrás do
meu pai. — Ela se joga em meus braços e eu a aperto junto de mim. Saio do
quarto do seu irmão ainda a abraçando.
— Por que ele viria atrás de mim? — Eu elevo minha cabeça apenas
para ver o homem de meia-idade me encarar. Não o conhecia antes, mas só
por sua fala eu sei que ele é o pai de Gabrielle.
— Pai… — As pernas de Gabby perdem a firmeza, e eu a seguro em
meus braços.
— O que estava fazendo no quarto do meu filho? O que porra você
faz em minha casa?! — Seu olhar é felino. Eu seguro Gabby, a fazendo se
erguer, e a deixo atrás de mim.
— Não que eu esteja muito preocupado com você, mas eu vim dormir
com minha mulher — respondo, firme e ele aperta as mãos e o maxilar com
uma força que me pego pensando se não vai fazer algum dano.
— O que você tem na porra da cabeça, Gabrielle? Trazer esse
marginal para minha casa? Eu sabia que ele tinha sido solto, mas não que
você já estava fodendo com esse vagabundo novamente! — ele grita e eu
sinto Gabrielle estremecer sob meus dedos.
— Pai…
— Você, traficantezinho de merda, eu posso te prender agora, sabia?
— Ele eleva a sobrancelha espessa e de pelos escuros. — Quer, Gabby, que
seu namorado vá para trás das grades novamente?
— Pai, por favor — ela suplica atrás de mim, e eu a mantenho no
lugar.
— Eu não invadi sua casa, minha namorada me pôs para dentro. —
Eu sorrio frio e puxo Gabrielle para meus braços.
— Isso é engraçado, já que ela estava hoje mesmo com o André. — O
pai dela ri e eu tiro a cara de escárnio do meu rosto. — Será que ela é uma
putinha que brinca com vocês dois? — Ele coça seu queixo e Gabby se solta
de mim.
— Pare com isso! Pare de mentir…
— Eu vou te matar — rosno me aproximando dele, enquanto Gabby
tenta me manter no lugar, sem sucesso.
— Isso vai ser algo bom de se ver. — Ele sorri, mas logo para quando
retira a arma da calça. — Saia da minha casa. Não volte a procurar minha
filha…
— Pai! — Gabby grita horrorizada, mas o pai dela parece se divertir.
— Vou trancafiá-lo lá, Gabby, e depois eu vou te chutar dessa casa —
ele fala sorrindo, enquanto ela chora desesperada.
— Por favor…
— Você só tem que mandá-lo ir embora, querida — seu pai diz
tranquilamente, e ela se afasta mais de mim.
— Por favor, não vamos mais nos ver, eu juro! — ela grita
desesperada, e eu dou um passo para trás, sendo atingido por algo muito
maior do que seu pai.
Gabby abrindo mão de nós dois por ele.
— Ele não pode me prender, Gabby. Eu não devo nada à justiça.
Vamos embora dessa casa. Vamos, Gabrielle — eu peço, quer dizer,
imploro, vendo-a de cabeça baixa com os ombros tremendo.
— Você não contou. Isso é bom, querida. Você fez bem. — Seu pai
anda até ela e a puxa para ele. Eu estou totalmente paralisado.
— O que não me contou? O que, Gabrielle? — eu grito, fazendo
minha voz ecoar na casa e, de repente, o choro começa do quarto.
— Você fez uma boa escolha. Vá cuidar do seu irmão. Esse rapaz vai
embora agora. — Ele a empurra para o quarto e eu uso esse tempo para
chegar até ele.
Meu soco é forte em seu nariz e eu sorrio quando o sangue começa a
jorrar. A arma cai e eu escuto o grito de Gabby, mas não ligo, pois minha
sede de vingança, de raiva e temor toma posse do meu corpo, e eu chuto seu
pai mais forte. No rosto, na barriga, em qualquer lugar que eu possa atingir,
eu o chuto.
Eu me ajoelho ao lado do seu corpo ensanguentado e puxo seu cabelo
enquanto ele cospe no chão sangue, talvez, até alguns dentes.
— Chame a polícia, seu infeliz. — Minha mão aperta mais seu cabelo
e ele geme de dor. — Se amanhã eu for preso, não se preocupe, pode passar o
tempo que passar, eu vou vir atrás de você e te matar — eu sussurro olhando
em seus olhos já inchados. — E no dia que eu sonhar que bateu em Gabby
novamente, isso aqui vai ser como um carinho em você. — Solto seus
cabelos e sua cabeça cai.
Eu me ergo e me viro para encarar Gabby com seu irmão adormecido
em seus braços.
— Você fez sua escolha, Algodão Doce, agora viva com ela. — Olho
seu rosto apavorado e completamente molhado com lágrimas.
Eu me viro, indo para seu quarto, e pego minha camiseta em cima da
cama. Limpo os nós ensanguentados dos meus dedos esfolados e puxo meus
sapatos, calçando-os em seguida.
Ela entra no quarto assim que me ponho de pé. Ainda está com medo,
mas não perco tempo olhando para ela.
— Kieran, por favor.
— Não. — É apenas uma palavra, mas ela sabe que é ela que
determina o fim de nós dois.
Saio pela sua janela e vou embora.
Enquanto corro em meu carro pelas avenidas, eu me pergunto o que
Gabby me esconde. Foda-se. Não importa mais.
Assim que chego à casa do meu pai, ele está sentado no sofá. Não sei
como ele sente quando eu estou atormentado, mas ele sente. Quando eu
estava naquele presídio enlouquecendo, uma ligação dele brotava. Ele só me
perguntava por quem eu lutava, eu sempre respondi que era pela nossa
família. Ele me mandou focar nessa merda, então.
— O que aconteceu? — Ele já sabe que fiz alguma idiotice.
— Amanhã talvez eu volte para o presídio — murmuro simplesmente,
e ele engole em seco, virando o rosto para a porta.
Vislumbro as cicatrizes em sua barriga e aperto meus punhos. Eu
ainda vou encontrá-la, pai, juro em pensamento. Eu ainda irei encontrar
minha mãe e a farei pagar pelo que fez a ele. Ela tentou matá-lo enquanto ele
dormia. Ela o esfaqueou da forma mais cruel e indigna. As perfurações de
faca não atingiram nenhum órgão, fora o fígado. Meu pai sobreviveu, ainda
bem, mas ela fugiu e nunca a encontraram. Eu ainda irei.
— O que foi dessa vez, filho?
— O pai dela a socou. Eu tentei me segurar, mas depois que ele a
convenceu de me deixar, eu perdi a cabeça. — Seguro meus cabelos,
tentando encontrar dentro de mim algum arrependimento, mas não tem. Por
mim, eu teria matado o infeliz e isso não seria um arrependimento.
— O cara é da Polícia Federal, Kieran. — Ele fecha os olhos e eu
engulo em seco.
— Não ligo, pai. Eu posso ser preso, mas assim que eu sair de lá, eu
mato ele…
— Eu odeio esse seu jeito frio, impassível. Olha o que você se tornou,
Kieran…
— Eu também odeio, pai. Pensei que eu pudesse mudar por Gabrielle,
mas não posso. Isso está dentro de mim, encravado na minha alma. — Encaro
meus dedos e escuto meu pai se erguer e se sentar ao meu lado.
— Não está. E quando Gabby voltar, você vai se curar para ela. — Eu
o deixo falar e me abraçar.
Porque há alguns anos que eu não sou abraçado. Eu sabia que
precisava.
“Vê-la a distância dói,
mas ficar sem vê-la é bem pior.”
Kieran
Gabrielle

Minha cabeça dói quando enfim acordo. Adormeci contra a janela,


esperando Kieran voltar, mas foi inútil, ele não vai voltar. Agora eu sei.
— Hum. É, bom dia… oh, meu Deus! — Marcia grita, entrando em
meu quarto com Nico em seus braços. Seus olhos estão grandes, olhando para
meu rosto. Imagino o quão inchado tenha ficado de ontem para hoje, ainda
mais com o choro.
— Marcia, pode me trazer gelo, por favor? — peço calmamente,
pegando Nico dos seus braços e o segurando contra mim.
Ela acena e sai às pressas. Eu beijo meu filho e me sento na cama, o
aconchegando a mim.
— Eu acho que perdi seu pai — murmuro e pisco, querendo afastar o
choro, cansada de chorar. — Eu só preciso resolver nossas vidas, Nico.
Assim que tudo estiver certo, nós dois vamos lutar por ele — eu juro tanto
para mim mesma quanto para meu filho.
Nico sorri, talvez, sabendo do que falo, e eu beijo sua bochecha ao me
lembrar de ontem. Ver Kieran com nosso filho nos braços foi como se algo
dentro de mim colasse. Eu não posso apenas fazer o que Kieran deseja. Eu
nunca deixaria meu pai prendê-lo novamente e deixar Nico aqui sem mim.
Nunca. Porém, quando tudo se arrumar, eu vou trazê-lo de volta para mim.
Eu juro que vou.
Depois que Marcia volta, eu a deixo brincando com Nico e vou para o
banho. Com alguns truques de maquiagem, logo o meu ferimento está
coberto e o inchaço sumiu quase que completo, por causa do gelo.
Beijo Nico antes de sair e tento não me preocupar quando Marcia me
avisa que meus pais não estão em casa. Mamãe deve levado meu pai ao
hospital. Eu me encolho ao me lembrar de Kieran o chutando diversas vezes.
“Você fez sua escolha, Algodão Doce, agora viva com ela.”
A frase que ele me disse retumba em meus pensamentos durante todo
o meu trajeto até a galeria. Assim que passo pela porta, encontro Alícia
sentada em um mini estúdio que ela fez na parte de trás do lugar.
— Bom dia! — Ela sorri animada e eu chego mais perto, sem
responder.
Ali pula do banco quando me olha. Passo a mão pelo rosto, com medo
de a maquiagem ter saído, mas tudo está no lugar.
— O que fizeram com você? — ela pergunta me puxando, e eu
balanço a cabeça, fechando os olhos.
— Minha casa caiu completamente ontem. — Suspiro cansada e lhe
conto tudo, desde meu pai enforcando Lorena na parede.
— Jesus Cristo! Como ela está? — Minha amiga parece realmente
preocupada e eu agradeço imensamente por isso.
— Tentei ligar para ela no caminho, mas o seu celular está desligado
— explico, também preocupada.
— E você? Fora a dor física, como está por Kieran ter terminado
tudo? — Sua pergunta envia uma picada longa de dor por meu corpo.
— Eu… estou arruinada — confesso, enquanto ela me abraça.
— Vai ficar tudo bem, Gabby, você só precisa ser forte pelo filho de
vocês, só isso — ela fala carinhosamente e eu aceno.
— Sim, eu preciso de um advogado. Vou pedir a guarda do Nico —
eu lhe conto minha decisão e ela relaxa instantaneamente. — Você conhece
alguém de confiança? — questiono ansiosa.
— Claro. Theo que conseguiu a guarda provisória dos meninos
quando Kieran foi preso. Não é completamente a área dele, mas ele também
atua. Vou ligar para ele vir aqui. — Ela parece empolgada ao falar, então
relaxo, pois sei que ficarei em boas mãos.

— E é isso. — Termino de falar meu caso olhando para Theo à minha


frente.
Eu engulo em seco, nervosa com seu olhar em mim, mas tento relaxar
porque ele parece ser brincalhão. E isso talvez seja apenas uma brincadeira.
Eu quero acreditar que sim.
— Entendi. Antes de tudo, tenho que te dizer que eu estou meio bobo,
porque nunca ouvi falar que uma mãe rouba o neto e o registra como dela.
Seus pais cometeram um crime ao registrarem seu filho como deles, o que
fizeram é falsidade ideológica. Eles vão responder por isso, agora que
entraremos com o pedido de regularização. — Theo está me encarando
enquanto segura uma caneta e faz anotações. Eu nunca soube de verdade o
que mamãe fez para que pudesse registrar Nico. Será que ela pagou alguém?
Engulo em seco, mais nervosa ainda.
— Eu entendo. — Aceno, ainda confusa.
— Você quer a paternidade e a guarda do seu filho, Gabrielle? — Sua
pergunta é séria e eu não penso nem por um segundo quando respondo que
sim. — Então vamos fazer isso. Primeiramente devemos pedir o DNA do
Nicolas para confirmar que ele não é filho dos seus pais. Depois disso vai
ficar provado que o filho é seu, e não deles. Em seguida entraremos com o
pedido de guarda e reconhecimento de maternidade. — Eu aceno nervosa e
ele se inclina em minha direção, mordendo a ponta da caneta. Sua beleza me
faz querer desviar o olhar. — Vai dar tudo certo — ele afirma e eu me apego
à sua frase.
— Sim. Tem que dar — murmuro firme e me ajeito sobre a cadeira.
— Agora preciso ir.
Eu me levanto e o sigo para fora. Theo deve ter sentido minha
angústia, pois ele falou que entraria com o pedido de DNA naquele mesmo
dia. Eu agradeci por isso. Mesmo com o coração um pouco dolorido de
pensar que talvez mamãe possa ser presa por ter, provavelmente, comprado o
escrivão do cartório.
Não quero pensar nisso, só quero pensar no futuro. Quando, enfim, eu
puder sair daquela casa com Nico. Meus pensamentos são interrompidos por
um abraço de Theo. Engulo em seco e o agradeço novamente.
— Não há de quê. Ainda essa semana eu te ligo — ele murmura e eu
sorrio aliviada. Theo franze o cenho ao olhar para a rua e eu sigo seu olhar,
encontrando Kieran dentro do seu carro. — Esse é Kieran? Meu Deus, quanto
tempo…
— Eu preciso ir — aviso, já correndo até o outro lado da rua.
Não tenho tempo de chegar perto, pois ele já sai cantando pneus em
seu carro escuro. Mordo meu lábio forte e só paro quando o gosto metálico
banha minha língua.
O que ele veio fazer aqui? Será que… engulo em seco e balanço a
cabeça. Não. Ele não queria conversar, era para apenas me observar. Ele
sempre fez isso. Dou um suspiro e me viro, vendo Theo de pé, sorrindo para
mim.
— Então, hum, Kieran, hein?
— Eu preciso entrar, desculpe. — Minha voz é fraca e ele perde o
sorriso.
— Não se preocupe. Desculpe a brincadeira. — Eu balanço a cabeça e
ele logo se vai.
Assim que entro na Galeria meu celular vibra com mensagem, eu
corro para ler, mas murcho ao ver que é apenas Alícia me dizendo que está
em casa e que não voltará mais para a galeria. Eu a tranquilizo e digo que já
estou indo também.
Assim que chego em casa vejo meus pais na sala. Eu me encolho
quando olho para meu pai. Ele está com ataduras pelo rosto e algumas saindo
da blusa. Será que foram as costelas?
Meu Deus, Kieran as quebrou?
— Você está feliz? — mamãe rosna no seu lugar e eu engulo em seco.
Seus cabelos pretos estão em um coque na cabeça, seus olhos fundos, e eu sei
que ela está preocupada com meu pai. — Isso é culpa sua! Você colocou
aquele delinquente em nossa casa, e olhe o que ele fez com seu pai,
Gabrielle! — seu grito ecoa e eu me forço a me acalmar. Não adianta brigar
com ela.
— Ele fez isso porque papai me bateu mãe, a senhora viu.
— Seu pai lhe deu o que mereceu e você sabe disso. Uma tapa,
Gabrielle, foi isso que fez. Quem já viu um filho bater no próprio pai? — Ela
se levanta e meu pai fecha os olhos, sentado.
— Ele ia matar minha irmã! — grito, cansada, e me arrependo
instantaneamente. Nicolas engatinha da cozinha para a sala. Eu engulo em
seco e dou um passo para encontrá-lo no caminho, mas meu pai se levanta e o
pega antes de mim.
— Minhas férias saem daqui a duas semanas — ele começa e eu sinto
minhas pernas fraquejarem enquanto ele cheira Nico. — Primeira vez de
Nico na Europa. — Ele ri devagar e eu sinto minha barriga dar voltas.
— Eu falarei com Alícia. Não tiro férias há algum tempo… — Minha
fala é interrompida por mamãe.
— Só nós três, Gabrielle. — Ela anda até eles dois e sorri, beijando a
bochecha de Nico. — Família. — Sua voz me faz sentir o meu sangue
correndo rápido pelas minhas veias. Eu quero empurrar os dois e fugir com
Nicolas.
Eles me olham, esperando que eu responda algo, mas apenas viro e
subo as escadas, sentindo que meu coração ficou lá nos braços dos dois.
Eu me tranco em meu quarto e aperto o celular contra meus dedos.
Sento-me na cama e disco o número de Kieran. Mordo meu lábio, com medo
de ele me ignorar, mas suspiro aliviada quando ele atende.
— Gabrielle — ele me saúda com a voz grave, e eu engulo em seco,
tentando ouvir algum ruído no fundo.
— Eu… — Minha voz é cortada quando sinto o choro começar. É
bem irritante chorar em quase todos os momentos da vida, eu queria não
chorar, eu queria ser fria. Eu queria que as agressões psicológicas dos meus
pais não me afetassem tanto, mas afetam. Nicolas é minha vida, sem ele
minha existência fica sem sentido.
— Você vai falar algo? — Ele não parece apressado, é apenas
curiosidade.
— Eu estou tentando… — Minha voz é totalmente fraca. Aperto o
celular e me deito sobre meus lençóis.
— Seu pai te tocou, Gabrielle? — Meu nome em seus lábios parece
tão estranho. Algodão Doce já é mais comum. Parece que quando esse
apelido sai dos seus lábios é como um abraço que ele me dá. Carinho, essa é
a definição.
— Não. Eu… por que fugiu hoje? Eu pensei que iria descer e falar
comigo.
— Não temos mais nada para falar. E você estava bem ocupada. — O
ciúme em sua voz envia uma onda de alívio pelo meu corpo. Saber que ele se
importa comigo é a melhor sensação que eu poderia ter hoje.
— Theo é apenas o advogado da empresa — falo uma meia verdade.
Nunca tinha o visto antes disso, mas Alícia leva todos os nossos contratos
para ele ver. Ele é o advogado da Galeria, sim.
— Eu preciso desligar — ele murmura e, ao fundo, escuto batidas
como se fossem contra uma porta.
— Kieran! Vamos! — A voz de uma mulher ecoa e eu fico paralisada.
— Quem é? — pergunto instantaneamente irritada.
— Minha vizinha. — Sua resposta é rápida.
— E ela entra assim na sua casa? — Eu me levanto com o aparelho
celular no ouvido.
— Não temos mais nada, Gabrielle. Você terminou tudo ontem — ele
me responde, respirando fundo, e parece se mover enquanto eu permaneço
calada.
— Para onde está indo? — Eu mordo meu lábio com força por
perguntar.
— Gabrielle… — E um aviso. Eu tiro o celular do ouvido e clico em
desligar.
Seguro minha cabeça, sentindo as ondas de dor começarem. Nunca
tivemos nada, realmente. Eu tenho que dar espaço para ele. Talvez ele, com o
tempo, perceba que fiz isso para nosso bem. Eu nunca seria feliz com ele
preso.
Na manhã seguinte eu saio de casa com Nicolas. Meus pais estavam
no Jardim nos fundos da casa e não me viram pegando-o. Lorena ligou e me
pediu para encontrá-la na casa de uma de suas amigas, e eu decidi trazer Nico
para que ela o visse.
— De quem é essa casa? — pergunto quando entro numa casa bonita.
Não é uma mansão como a dos nossos pais, mas é uma casa de pessoas ricas.
— Uma amiga, já falei — ela resmunga enquanto pega Nico dos meus
braços.
Eu aceno e minha irmã lidera o caminho até um quarto no andar de
cima.
— Kieran bateu no nosso pai — falo baixinho e ando pelo quarto.
— O quê? Como? — Lorena deixa Nico brincando com seu boneco
na cama e se levanta, me encarando chocada.
— Kieran foi à nossa casa depois que você saiu. Ele viu meu olho e
enlouqueceu. — Eu suspiro olhando para os olhos arregalados de Lore. —
Nosso pai me mandou dispensá-lo, senão eu podia ir embora e ele iria
mandar Kieran para a prisão. — Minha irmã tem os olhos aflitos. — Eu jurei
que não iria mais ver ele e fui ver Nico que chorava, quando voltei, Kieran
estava socando papai e lhe dando chutes. — Eu respiro fundo e aperto minha
tatuagem.
— Meu Deus. E nosso pai? Morreu? — Lorena pergunta, e eu escuto
a malícia em sua voz. Sei que ela não deseja a morte do nosso pai, mas isso
iria trazer alívio para a vida da minha irmã.
— Ele está todo arrebentado — murmuro, vendo Lorena acenar e
morder o lábio.
— Isso é bom. — Ela sorri e pega Nico nos braços, o fazendo rir.
— Eles vão viajar para a Europa em duas semanas — digo, olhando o
jardim através da janela. — E querem levar Nico. É como uma punição, eu
sei que é. — Mordo meu lábio, escutando as risadas do meu filho cessarem.
— O quê? — Eu me viro, encostando-me à janela, e encaro Lore.
— Eles disseram que vão viajar. Nosso pai vai entrar de férias daqui a
alguns dias e jogaram na minha cara que vão viajar e levar Nico. — Engulo
em seco e me sento na cama. — Será que eles não acham que estou sendo
punida o suficiente por Kieran me deixar?
Lorena balança a cabeça e me puxa para seus braços. Eu não aguento
mais esse jogo psicótico que meus pais fazem comigo e com meu filho. Ele é
só uma criança, não merece passar por isso, Nico não merece ser um objeto
nas mãos deles.
— Eu já falei, procure um advogado. Pegue seu filho de volta — ela
sussurra e eu aceno, me adiantando, e explico que já falei com um.
— Theo me assegurou que ontem mesmo daria entrada no pedido de
DNA. —Sorrio quando ela bate palmas.
— Você fez certo. Logo você estará fora daquela casa. — Lorena ri e
eu relaxo em seus braços enquanto observo Nico engatinhar pelo quarto de
hóspedes em que Lorena está ficando.
— Eu só espero que isso tudo se resolva antes que eles viajem. Não
posso impedir que levem Nico porque, legalmente, ele é filho deles. Porém,
quando o processo começar a correr, eles não poderão deixar o país com ele
— confesso meu maior medo e me levanto, caminhando em direção a
Nicolas. Eu o pego em meus braços e respiro fundo contra o seu pescoço. Seu
cheiro de bebê envia ondas de calmaria por meu corpo e, principalmente, para
meu coração.
— Eles não viajarão com Nico — Lore fala e eu aceno, pois preciso
que isso seja verdade. — E Kieran? — ela sussurra e eu mordo meu lábio,
colocando meu cabelo atrás da orelha.
— Não sei. Eu acho melhor resolver logo minha vida, sabe? Arrumar
uma casa, organizar tudo e pegar a guarda do Nico. — Eu suspiro longamente
e me pergunto se Kieran ainda estará solteiro. Se não encontrará alguém.
— Gabby — minha irmã me chama e eu elevo meus olhos para
encará-la. — Você não acha que deveria falar logo para ele? — Lorena torce
as mãos e eu sei que está nervosa.
— Eu quero arrumar tudo antes…
— Gabby, ele vai ficar furioso — ela me avisa, mas não preciso que
ela me diga isso, eu sei que ele ficará.
— Eu sei, mas seria bem pior se eu contasse e ele fosse procurar
Nicolas. — Encaro meu filho sorrindo com seu boneco. — Nossos pais não o
deixariam ver o filho. Não quero que ele sofra com isso. Você entende? —
tento convencer minha irmã, mas ela desvia o olhar.
— Eu entendo, mas vai ser pior, irmã…
— Eu só preciso arrumar minha vida, quero dar estabilidade a Nico.
Depois vou contar tudo, eu juro, Lore. — Eu aperto Nico em meus braços e
suspiro ao ver minha irmã apenas acenar.
Que Deus me dê coragem para aguentar a ira de Kieran.
“Eu sou ruim.
Sempre fui, mas por ela
eu me torno pior.”
Kieran.

Gabrielle
Dias depois…

Tento focar minha atenção na tela à minha frente enquanto o pincel


completamente negro desliza pela tela branca. Não sei que horas são, mas sei
que já faz algum tempo que todos foram dormir.
Meu celular vibra em cima da cômoda e eu sorrio quando vejo o
nome de Alícia. Hoje ela não pôde ir à Galeria, pois teve reunião dos irmãos
de Luca na escola. Tiro o celular do carregador e volto a me sentar na
bancada de frente para o cavalete, atendendo-a em seguida.
— Ei.
— Estou me arrumando nesse momento para ir a uma festa na pista
em que os meninos corriam. Eu sei que não deveria ir, mas é só uma noite, e
Luca quer muito correr hoje, tipo uma despedida que não aconteceu, sabe? —
Alícia murmura enquanto escuto algumas coisas caírem e ela xingar.
— Que legal. Você tem que ir mesmo. É apenas uma despedida, não
se faça de rogada — eu brinco e ela gargalha do outro lado.
— Estou te ligando porque quero que vá conosco. Não vai demorar
nada eu juro. — Ela fala nervosa e eu sei o motivo. Alícia sabe que saio no
meio da noite para dar de mamar a Nico.
— Eu não estou no clima, sério — murmuro, olhando para o quadro
que estou pintando. É uma paisagem com uma floresta de árvores altas e
densas. Eu estou gostando do resultado.
— Por favor… — Ela arrasta a voz e eu fecho os olhos, aceitando em
seguida.
Não minto que preciso sair daqui. Preciso respirar, sair e arejar.
Talvez ir com Alícia e Luca seja bom para mim.
Uma hora depois eu saio de casa, depois de me arrumar. Vesti um
vestido preto com listras brancas nas mangas e que também transpassam a
parte da frente, formando um X, e com uma pala preta e branca na cintura. Eu
o achei um pouco justo e curto, mas não demais, já que fica logo acima do
joelho. O problema é que sobe enquanto ando.
Suspiro e olho para a janela do meu quarto. Antes de descer, vou ao
quarto de Nico e lhe dou sua mamada mais cedo, ele não reclama nada,
apenas adormece em seguida.
Toda vez que saio eu sinto um incômodo na barriga. Sei que é por
deixar Nico. Porém me forço a relaxar e sigo para a pista. É inútil fazer esse
trajeto e tentar não me lembrar de Kieran. Pensar que dias atrás ele me levou
àquela pista e ficamos sobre o capô do seu carro, namorando, faz um caroço
crescer em minha garganta.
Meus olhos com rímel e sombra se arregalam quando me questiono se
ele estará lá. Luca é seu amigo…. Mordo meu lábio e me concentro na
estrada, querendo esquecer Kieran, pelo menos por agora.
Estaciono ao lado do carro de Luca e saio, pegando minha bolsa no
banco do passageiro. As tiras dela são de correntes e ela parece uma carteira.
Só a trouxe porque estou de vestido e não posso deixar o celular no carro. Vai
que algo acontece com Nico? Preciso estar atenta.
— Gabby! — Escuto Alícia e me viro, fechando a porta. Meu sorriso
cresce quando vejo minha amiga se jogar em meus braços.
— Ali, você parece que não me vê há dias. — Eu gargalho, a
abraçando de volta.
— Estou feliz que esteja aqui. — Eu beijo sua bochecha e me afasto,
abraçando Luca e Theo, que parece que veio com os dois.
— Gostou das notícias? — ele pergunta, e um sorriso de verdade se
forma em meus lábios.
Meus pais serão notificados ainda essa semana. Eles deverão fazer o
exame de paternidade. Eu estou nervosa, mas também muito feliz. Meu filho
vai voltar a ser meu.
— Foram as melhores dos últimos tempos. — Eu sorrio e ele acena,
também sorrindo.
— Vamos ver a primeira corrida. — Alícia me puxa enquanto Luca a
mantém por perto. Eu sorrio, mas paro quando meu salto entorta e eu quase
caio. Porém, para minha sorte e do meu vestido, Theo me segura pelo braço
rapidamente.
— Meu Deus, obrigada! — eu grito sob a música de funk que toca em
um carro de som. Theo balança a cabeça e me guia pela cintura enquanto
seguimos Alícia.
— Você tem que relaxar mais vezes. — Escuto o grito de Theo
quando já estamos perto da pista e cada um com uma cerveja nas mãos.
Menos Luca, pois vai correr. Eu finjo bebericar, mas não posso beber. Estou
dirigindo e a última coisa que eu quero é que meus pais me peguem chegando
bêbada.
— Vou anotar isso. — Eu pisco brincalhona e ele acena, virando sua
cerveja.
Eu me viro quando um tumulto de pessoas começa ao nosso lado.
Vigia anda até nós e balbucia algo no ouvido de Theo. Eu me viro, dando-
lhes privacidade, mas a voz do amigo de Luca chega a mim com facilidade.
— Eu não corro, Kieran deve ter enlouquecido. — Eu tento não me
virar assim que Theo pronuncia seu nome, mas eu acabo me virando. Ele está
com o rosto franzido e procura alguém do outro lado da pista, onde está o
carro de som.
— É apenas brincadeira…
— Ele não corre — Luca interrompe Vigia com a voz completamente
séria. — Ele não vai entrar num carro e dirigir por essas curvas. Kieran deve
ter enlouquecido. Onde ele está? — O marido de Alícia está furioso e eu
engulo em seco, pensando em alguém com raiva de Kieran.
— Olha, está tudo bem. — Vigia bate nas costas dos meninos e faz
seu caminho pela multidão. Theo e Luca relaxam e voltam a conversar, mas
eu sigo Vigia com os olhos e vejo quando ele para, falando com alguém.
Em menos de um segundo os olhos escuros travam nos meus. Kieran
está de pé, com um casaco preto com um capuz que não está em sua cabeça.
Seus olhos estão cravados em mim, mas logo mudam e focam em Theo.
Eu engulo em seco, desviando o olhar, e dou um longo gole na minha
cerveja. Theo sorri, dançando, e eu sorrio fraco, não estando mais no clima
para rir. Ele faz careta e me puxa pelo braço, me dizendo para dançar. Não sei
como dançar, mas pela sua insistência eu me balanço um pouco.
— Eu só vou mandar uma vez… — Eu me viro tensa ao ouvir a voz
de Kieran contra meu ouvido. — Se afaste do Theo, eu juro, Gabrielle, que
vou socar ele. — Seus olhos se prendem nos meus e eu engulo em seco, me
virando para ver que meus amigos não prestam atenção em nós. Somente
Theo.
— Pare com isso — resmungo irritada e dou um passo para trás. —
Nós terminamos. Você saiu com alguma menina naquela noite e desde então
não me ligou mais. — Meus dentes estão apertados, meu coração bombeia
rápido.
Não sou idiota. Kieran pensa que eu vou apenas acatar sua ordem?
— Não temos mais nada, mas você não vai apenas ficar com o amigo
de Luca, Gabrielle — ele rosna dando um passo em minha direção, mas me
afasto, indo diretamente para o peito de Theo.
— Eu fico com quem eu quiser, Kieran…
— Concordo. — Theo me segura pelos ombros como se fosse me
proteger, mas eu me afasto ao mesmo tempo que Luca se agita.
— Não concorda nada, Theo. Vamos. — Luca pega seu amigo pelo
braço, o arrastando, e eu volto a encarar os olhos negros do pai do meu filho.
— Ele sabe que iria morrer depois que te tocasse, certo? — Ele
arqueia a sobrancelha, sugando um cigarro. Eu me viro à procura de Alícia e
a encontro a alguns metros, ao lado de Luca e Theo, que parecem estar
brigando.
— Não precisa me dizer certas coisas, Kieran. Eu sei que você não
mudou, não é mesmo? — Eu faço careta, saindo de perto dele, mas meus
passos cessam quando ele me segura pelo cotovelo.
— Quando se trata de você, nem o diabo me fará mudar. — Sua fala
controlada passa toda a verdade que eu nunca quis enxergar. Eu me viro,
vendo seu olhar cheio de malícia preso ao meu.
Puxo meu braço de uma vez e vou para onde estão meus amigos.
Theo é o primeiro a me ver, mas fica no seu lugar, pois Luca o prende pelo
braço. Theo parece irritado e fala algo, assim que me ponho ao lado deles,
escuto a resposta de Luca.
— Ele não é qualquer cara com ciúmes da sua mulher, Theo. Ele não
vai apenas te dar uma surra ou coisa parecida. Ele mata, eu já vi ele matar. —
Minha barriga dá voltas com sua fala sincera. Luca está apenas preocupado
com o amigo e eu o coloquei na linha de fogo.
Fecho meus olhos mais uma vez, me perguntando se Kieran merece
saber do Nico. Será que ele mudaria por nosso filho? Eu não tenho resposta
para essa pergunta, então me viro para minha amiga, que me olha
preocupada.
— Você está bem? Ele te machucou? — Eu me afasto dela assim que
me pergunta isso.
— Ele nunca faria nada contra mim, Alícia. Nunca — eu a respondo
séria e ela engole em seco, acenando. — Eu sei do passado dele, sei que
ele… é ruim. — A palavra ruim, nos meus lábios, ao falar dele, parece uma
ferida dolorida. — Mas a mim, não. Ele nunca me deu nada além de carinho
e amor — eu reforço, querendo que minha amiga entenda isso.
— Tudo bem. Eu só me apavorei por Theo, apenas.
— Eu também. — Eu me viro, vendo Theo me encarando, e peço
desculpas, mexendo apenas meus lábios. Ele balança a cabeça e vira sua
cerveja, dando um gole longo.
Minutos depois eu me viro, procurando por Kieran, mas ele sumiu, ou
não, deve estar me vigiando. Volto minha atenção para a pista e Luca sorri
quando Vigia o chama para correr. Alícia me manda beijo, indo com ele.
Theo permanece onde está e eu mordo meu lábio nervosa novamente.
— Não se sinta acuada por causa dele, Gabby — ele resmunga atrás
de mim, e eu me viro, colocando distância entre nós.
— Eu não estou, Theo, apenas não quero que ele machuque você por
algo que nem sequer acontece ou acontecerá, entende? — Eu mordo meu
lábio e ele acena, olhando para longe.
— Eu sei. Mas talvez, se você quiser…
— Eu não quero. Eu só preciso que me ajude a ter meu filho de volta.
Só isso, e, claro, eu preciso da sua amizade. — Eu sorrio, tentando suavizar
minhas palavras. Theo sorri de lado e relaxa, se inclinando para mim. Seus
lábios escovam meu ouvido e eu engulo em seco.
— Você terá seu filho de volta. Eu prometo.
E eu acredito nele.
Theo sai do meu espaço pessoal e logo se afasta, indo conversar com
alguns amigos. Eu relaxo e jogo minha cerveja ainda cheia longe. Alícia e
Luca voltam depois de ele vencer a corrida, o que já era esperado.
Eu me despeço e digo que já vou. Alícia não me pergunta nada, pois
sabe que preciso ir cedo por causa de Nicolas.
Caminho para meu carro e paro quando o vejo deitado sobre o meu
capô. Justo ele.
— Eu pensei que ficaria o resto da noite com Theo. — Sua voz tem
escárnio e eu reviro os olhos, entrando em meu carro. — Gabrielle — ele fala
frio, e eu paro de me mover, vendo-o descer do capô.
— Não sei por que está aqui — eu falo sincera, enquanto ele me
encara. — Não temos mais nada, Kieran. Eu não vou deixar minha família e,
muito pior, deixar você ser preso novamente…
— Eu sei que não vai. Isso é bom, Gabby, eu não sou o cara certo
para você… — Ele coloca as mãos dentro dos bolsos do casaco. Sua calça
jeans está apertada e seu tênis está dento da grama alta. Ele parece tão
relaxado, é raro vê-lo assim.
— Eu sei. Você me mostrou isso minutos atrás, enquanto ameaçava
Theo.
— Eu não vou deixar você ficar com outro cara me amando,
Gabrielle. Foda-se, mas não vai…
— Que idiotice é essa? — pergunto totalmente mortificada.
— Diga agora que não me ama e você pode voltar lá e ficar com
quem quiser. — Seu olhar me paralisa e eu desvio os olhos dos seus. É isso?
Enquanto eu o amar ele ameaçará quaisquer homens por quem,
possivelmente, eu me interesse?
— Você é patético. — Abro minha porta e me sento em meu banco de
couro.
— Eu sou ruim, Gabby. Sou um marginal, como seu pai me chama.
Eu não mereço nada de bom que acontece em minha vida. Eu não mereço
você e muito menos o amor que sente por mim.
Ele não fala, mas meu pensamento completa sua frase.
Ele não merece o filho que tem. Ele não merece Nicolas.
Saio com meu carro e vou embora para o lugar onde atualmente está a
minha felicidade e me distancio do homem que amo.
“Eu sinto a sua dor como minha,
só não sei se ela sente a minha como dela.”
Kieran

Gabrielle

Na manhã seguinte eu encaro meu teto escutando meu iPhone tocar


músicas aleatórias. Meus olhos se fecham quando a letra de uma delas
começa.

Feeling used
But I'm still missing you
And I can't
See the end of this
Just wanna feel your kiss
Against my lips
And now all this time
Is passing by
But I still can't seem to tell you why
It hurts me every time I see you
Realize how much I need you
I hate you, I love you
I hate that I love you
Don't want to, but I can't put
Nobody else above you

Sentindo-me usada
Mas eu ainda sinto sua falta
E eu não consigo
Ver o final disto
Só quero sentir seu beijo
Nos meus lábios
E agora todo esse tempo
Está passando
Mas eu não consigo dizer-lhe por que
Me dói cada vez que eu vejo você
Percebo o quanto eu preciso de você
Eu te odeio, eu te amo
Eu odeio te amar
Não quero, mas não consigo colocar
Mais ninguém acima de você

Eu quero rir da coincidência dessa história com a minha e a do


Kieran. Amar e odiar aquele homem é minha sina. I hate u, I love u do
Gnash. Gravo o nome da música e o cantor para ouvir mais vezes depois.
Levanto-me quando batem na minha porta. Desligo a música e abro a
porta, encarando meu pai. As ataduras foram embora e ficaram apenas os
machucados quase imperceptíveis. Seu rosto está retorcido e
instantaneamente eu me encolho.
— O que você fez, Gabrielle? — Ele dá um passo para dentro do meu
quarto e eu vejo sua mão amassar um papel. — Nico é nosso filho. O que
diabos você tem na cabeça? — ele grita e eu engulo em seco, me mantendo
calma.
— Nicolas é meu filho e do Kieran. Vocês sabem disso, pai. Foi um
crime o que cometeram e vocês vão pagar por isso — eu afirmo. Não vou
demonstrar o medo que se espalha pelas minhas veias.
— Saia da minha casa agora, Gabrielle. Você está proibida de entrar
em minha casa, e não se atreva a pegar em meu filho. — Eu tremo assustada,
mas eu já previ que ele iria me mandar embora.
— Eu só vou sair dessa casa quando ele for comigo. E isso está perto
de acontecer. Não se preocupe. — Eu o encaro, vendo que a raiva que antes
borbulhava está prestes a explodir.
— Você se acha muito esperta. — Ele ri, passando a mão pela barba.
— Eu vou matar aquele marginal e depois te jogarei na rua, sua puta
malcriada. — Ele sai pela porta e eu mordo meu lábio, impedindo-me de
chorar.
Corro para o quarto de Nico e estanco na porta ao ver minha mãe com
ele.
— Você ainda dá mamar para meu filho, Gabrielle? — Sua voz está
fria e eu sei que ela já sabe que entrei com recurso contra os dois.
— Ele ainda é um bebê, não vejo problema em lhe dar um pouco —
respondo irritada e me aproximo.
— O problema é que ele é meu, Gabrielle. Você pensa que vai tirá-lo
de mim, mas não vai. — Ela deixa Nico no berço de pé e eu me aproximo
mais, querendo pegá-lo, mas ela me para no caminho enquanto segura meu
braço com força, fincando suas unhas em minha pele.
— Me solte.
— Saia dessa casa antes que seu pai faça algo contra seu
marginalzinho — ela cospe as palavras e eu a empurro para longe de mim.
— Tentem. Vocês não sabem com quem estão se metendo. Kieran
deixou seu marido irreconhecível. Quando souber o que fazem com o filho
dele… eu vou ter pena de vocês dois — eu murmuro as palavras na defensiva
e vejo os olhos claros dela se arregalarem com o medo aparecendo.
— Você se vangloria por ter um homem assim ao seu lado?
— Não estou me vangloriando. Ele é o que é, diferente do meu pai,
que se esconde por trás de uma farda para fazer maldades. — Eu pego Nico
em meus braços enquanto ela me encara com raiva.
— Seu pai vai matar vocês dois. — Sua promessa me faz tremer por
dentro, mas escondo isso com um sorriso.
— Não sei por que vocês odeiam tanto a mim e a Lorena — eu
murmuro, porque isso é um mistério para mim.
Sempre foram relapsos conosco. Brigavam por tudo e sempre que
podiam arruinavam nossas brincadeiras. Sorrir perto deles era considerado
uma afronta.
— Vai ficar sem saber.
Ela sai do quarto e eu aperto Nico, cheirando seu pescoço. Preciso ir
embora daqui, penso, encarando o quarto do meu filho. Pego algumas coisas
de Nico e coloco em sua bolsa maior. Escuto o carro sair e rezo para que isso
dê certo. Desço as escadas com ele nos braços, minha mochila e sua bolsa.
Marcia aparece e seus olhos se expandem ao me ver.
— Eu estou saindo. Eu não volto hoje, mas se algo ocorrer, me liga.
Por favor, me liga — eu peço, temendo que meus pais enlouqueçam ao ver
que Nico não está na casa.
— Menina, pelo amor de Deus — ela começa a falar, mas balanço a
cabeça e ando para o lado de fora. Procuro por meus pais, mas eles devem
estar no escritório.
Entro em meu carro e coloco Nico em sua cadeirinha. Marcia me
encara da porta, e eu saio da casa dos meus pais sem olhar para trás. Penso
em ir para onde Lorena está, mas não quero me meter também na casa de sua
amiga.
Resolvo ir até Alícia. A casa está maior, depois da reforma. Eu só
preciso passar a noite, amanhã procurarei um apartamento. Tenho dinheiro no
banco e posso vender meu carro. Por algum tempo vai ser suficiente.
Assim que estaciono em frente à casa dela, eu vejo o carro de Kieran.
Quero correr daqui, mas quando olho para a porta, Alícia já me viu.
— O que houve? — ela pergunta apreensiva e eu procuro por Kieran
pelos lados.
— Ele não pode me ver. Se ele vir que saí de casa com Nico ele vai
estranhar. — Eu estou nervosa. Nico está batendo palmas enquanto uma
música infantil toca na TV pequena.
— Você saiu de casa? Como assim? — Ela abre minha porta e eu
coloco os pés para fora.
— Meus pais já sabem que pedi o exame e que logo quero regularizar
a situação do registro de Nicolas. Eles enlouqueceram, me ameaçaram,
ameaçaram Kieran. — Eu começo a tremer, abrindo a porta de trás para tirar
Nico da cadeira. — Eu tenho certeza que eles levariam meu filho para longe.
Meu pai pode sair do Brasil sem levantar suspeitas…
— Gabby? — Eu me viro, ouvindo a voz de Theo, e o encontro
descendo as escadas da casa de Alícia. Ele me encara com meu filho nos
braços.
— Eu saí de casa. Eles souberam do processo hoje…
— Você tem que voltar e deixar o menino…
— Não, Theo. Ele é meu, eu não o deixarei lá com eles. — Eu quero
gritar, mas estou tão nervosa e com tanto medo.
— Gabby, eles vão fazer o exame hoje. Precisa levar o bebê, porque
ele vai com eles. — Ele se aproxima, segurando meus ombros, e eu sinto as
lágrimas se acumularem. — Eles podem dizer que você sequestrou o menino.
Isso vai complicar demais para que Nico possa ficar com você — ele explica,
devagar e eu soluço, abraçando meu filho.
— Eles vão tirá-lo de mim, Theo. Eles são influentes, eu sei que vão
conseguir. — Eu respiro fundo e olho para Nico. Suas mãozinhas deslizam
por meu rosto e eu sorrio ao vê-lo limpar minhas lágrimas. — Ele é meu filho
e eu não posso perdê-lo.
— Você não vai, Gabby… — Ele me puxa para seus braços e eu me
deixo chorar enquanto Nico me abraça também.
Entro na casa de Alícia para me acalmar. Não vejo Kieran em lugar
algum e minha amiga me diz que ele saiu com Luca para fazer um serviço em
um carro que deu problema na rua.
Nico brinca com Felipe enquanto eu me concentro na janela. Theo me
aconselha a ir deixar Nico mais uma vez e eu resolvo que fugir não vai dar
em nada. Pego meu filho e me despeço de todos.
Pensei que nunca viveria para ver meus pais chorando por algo. Mas
quando chego em casa estão os dois no sofá, com lágrimas não derramadas.
Ambos estão arrumados e eu sei que eles estão indo fazer o exame.
— Aonde você foi? — minha mãe pergunta se erguendo, enquanto
meu pai limpa os olhos.
— Fui ver Alícia — respondo subindo as escadas. — Já trago Nico.
Só vou lhe dar um banho e comida — aviso, mas eles não falam nada e nem
me seguem.
Depois que Nicolas sai com eles para fazer o exame, eu tento relaxar.
Eles não fugiriam. Eu não quis ir para deixá-los à vontade para pensar com
calma nisso tudo. Meus pais podem perceber que Nico sempre estará com os
dois, mas como neto.
Eu me sento à frente do meu computador e pesquiso por apartamentos
à venda. Mordo minha caneta quando entro em um site de corretores de
imóveis. Os apartamentos parecem ser maravilhosos. Envio um e-mail e peço
uma visita a um dos locais. O corretor me responde em seguida, falando que
fará uma lista com alguns imóveis parecidos com o primeiro que eu lhe pedi.
Desligo o computador mais calma e certa de que as coisas vão se
ajustar. Como posso pagar o apartamento com o que tenho na conta, só
venderei meu carro para mobiliar tudo e comprar um carro mais barato.
Eu me deito e me pego pensando em como será minha vida e a de
Nico quando formos embora daqui. Um sorriso cresce em meus lábios
quando imagino nossa rotina. Eu o deixando na escola e seguindo para o
trabalho. Diversões em parques…
Eu gostaria de ver Kieran em todas essas imagens que criei, mas sei
que não vai acontecer. Pelo menos não enquanto ele continuar a agir de modo
cretino. Não que eu não vá falar do Nico para ele, eu vou. Porém não vamos
virar uma família. Ele poderá ver o filho sempre que quiser, mas ficar comigo
é outra coisa.
Eu quero estabilidade para Nicolas, se Kieran não pode dar isso para a
gente, não posso ficar com ele. Mesmo que isso machuque profundamente
meu coração.
Enquanto espero meus pais chegarem, eu finalizo a pintura do quadro
que eu estava fazendo ontem, antes de Alícia me chamar para ir à festa. Uma
hora depois eu escuto meu celular tocar e o pego no criado-mudo. O nome de
Alícia pisca na tela e eu a atendo de prontidão.
— Como está? — minha amiga murmura assim que atendo. Sei que
ela está preocupada por meus pais terem ido fazer o exame de DNA.
— Bem. — Pigarreio e solto um suspiro longo. — Eu temi que eles
fossem embora com Nico, mas é loucura, não é? — Eu rio de nervoso
enquanto ando até a janela, esperando que o carro do meu pai entre.
— Não quero te preocupar, Gabby, mas eles parecem tão sem
controle. Desnorteados mesmo, sabe? — Enquanto escuto minha amiga,
medo se instala em minhas entranhas. Por Deus, não.
— Eles não podem sair do Brasil… — Minha voz morre, porque eu
sei que meu pai pode sair a qualquer momento. Ele tem influências.
— Gabby, liga para eles. — Meu lábio treme enquanto o pedido de
Alícia se faz presente.
— Eles não fariam isso, Nico é só um bebê… — Minha voz quebra
novamente e eu escuto Alícia se movimentar.
— Assim que falar com eles, me liga. Qualquer coisa irei aí. — Eu
desligo a chamada e ligo para meus pais.
Jogo o celular na cama depois da quinta tentativa de falar com cada
um. Escuto pneus rasparem lá fora e pego meu celular e minha bolsa, ligando
para Alícia. Corro para a janela e meu coração volta a disparar batidas mais
calmas.
— Eles chegaram. — Minha voz sai carregada de alívio. Desço os
degraus enquanto Alícia diz que graças a Deus nada fizeram. Eu a aviso que
ligarei depois e desligo.
Encontro meus pais na entrada, mas Nico não está nos braços deles.
Meus olhos se expandem e eu vou ao encontro deles.
— Cadê ele? — questiono.
— Gabrielle, fizemos o que era o melhor para ele…
— Cadê meu filho!? — grito, avançando em minha mãe, que
começava seu discurso.
— Se comporte! — O grito do meu pai não me para enquanto eu
tremo, querendo puxar minha mãe pelos braços.
— Onde está Nicolas? O que fizeram? — Minha garganta parece
diminuir e eu sinto como se o oxigênio não chegasse mais aos meus pulmões.
— Não somos pais dele, mas eu desejo o melhor para aquele garoto.
Nós sabemos que você não é psicologicamente capaz de cuidar do seu filho
— meu pai murmura calmamente, colocando uísque em um copo de vidro.
— Meu Deus, onde…
— Nós o demos para a adoção. — Eu grito enquanto meu corpo
inteiro parece ter sido reduzido a pó. Meus gritos ultrapassam as paredes e eu
acho que até na rua as pessoas são capazes de me ouvir.
Meu queixo treme diversas vezes e as lágrimas embaçam minha visão
das pessoas que deveriam sempre cuidar de mim, mas que não cuidam. Eles
só pensam em me machucar dia após dia.
Mamãe fala tão serena. Eu não entendo como ela pode falar algo
assim do bebê do qual ela cuidou diversas vezes.
— Como vocês fazem essas coisas? — Respiro fundo, apertando meu
celular. — Como vocês podem me machucar assim? Ele é meu filho! Vocês
não podem fazer algo assim… — Meus gritos não somem, mesmo que os
dois se retirem, me deixando falar sozinha. — Monstros! É isso que vocês
são!
Meu peito sobe e desce constantemente, mas não encontro o oxigênio.
Procuro em minha bolsa minha bombinha de asma e pisco, levando-a à minha
boca. Aperto os olhos, querendo acordar desse pesadelo. Querendo estar com
Nico nesse momento, querendo não ter ouvido meus amigos e voltado para
essa casa.
Querendo morrer.
“Desespero, angústia e aflição.”
Gabrielle

Kieran

— Você não tem dinheiro? — Eu esfrego meu rosto, querendo matar


o filho da puta do Luca por ter ido embora e me deixado aqui nessa merda.
Recebemos um telefonema dizendo que tinha um carro com um pneu
furado no centro e que devíamos ir lá para arrumar. Nada fora do normal, até
agora. Encaro a mulher de cabelos ruivos tingidos e respiro longamente.
— Eu posso pagar de um jeito mais vantajoso para você… — Ela
morde seu lábio olhando diretamente para meu corpo e depois lambe sua
boca, em um gesto de sedução.
Que não funciona merda nenhuma.
— Sabe, eu não sou paciente. Você pediu um serviço, eu fiz e agora
quero a porra do meu dinheiro, não seu corpo ou sua boca — eu digo sério, a
encarando.
— Que grosseiro…
— Chame alguém para pagar meu serviço ou vou tirar o pneu que
coloquei. — Indico seu carro e ela bufa, puxando seu celular. Em alguns
minutos tudo está resolvido. Algum idiota disse o número e senha do cartão
de crédito, pagando pelo serviço.
Dirijo de volta para a oficina e vislumbro o carro de Theo na entrada.
Anos atrás eu o conheci, ele é uma boa pessoa. Uma pena que ele quer a
mulher que eu amo.
— Tem um minuto? — pergunto assim que o encontro dentro da
oficina do meu pai e de Luca.
— Kieran. — Meu nome não sai da sua boca de forma amistosa.
— O próprio. — Eu esfrego meu rosto e me aproximo dele sob os
olhares do meu pai. — Não sei o que pensa de mim, ou se me conhece, mas
eu quero deixar claro que Gabrielle é a mulher que amo. — Encaro seus
olhos enquanto cada palavra sai por meus lábios. — E ninguém vai tirar ela
de mim.
Meu pai se eleva com o rosto franzido, completamente confuso. Eu
lhe dou um olhar e ele sabe que logo falaremos sobre isso.
— Eu não quero Gabby. Ela é linda, mas, ainda assim, é apenas uma
amiga. — Sua voz é firme e eu dou um passo para trás, para ver bem seus
olhos.
— Que bom.
Eu saio, o deixando para trás, e entro no escritório que Luca e meu pai
dividem. Meu amigo está falando ao celular enquanto eu me concentro em
algumas mensagens de texto que chegam.
— Ei! Como foi? — Desvio minha atenção do aparelho para Luca e
faço careta.
— Ela não tinha dinheiro. — Ele faz careta também e eu continuo: —
Ela queria me pagar com um boquete, porra! — eu meio que grito, fazendo-o
cair na risada.
— Meu Deus, você aceitou?
— Claro que não! Eu a mandei ligar para alguém e logo algum idiota
deu o cartão para o pagamento — eu resmungo, caindo na cadeira. — Essas
cadelas são loucas.
— Isso é hilário. — Ele ri mais e grita, chamando meu pai e Theo.
Luca lhes conta o que aconteceu e isso diverte a todos, menos a mim.
Horas mais tarde eu estou debaixo de um carro, quando pernas suaves
e grossas param ao lado das minhas. Já estamos quase fechando, irá anoitecer
em breve e meu pai, juntamente com Luca, já foram embora. Eu reviro os
olhos por dentro e suspiro, saindo de baixo do carro. Com certeza deve ser
uma dessas novinhas que vivem atrás de macho aqui.
Porém, não é. A donas das pernas é também a dona do meu coração.
Seus olhos estão completamente inchados, e seu rosto, vermelho.
Gabrielle parece que chorou por dias e não importa quem se atreveu a fazê-la
chorar, eu vou matar o infeliz.

Gabrielle

Horas atrás…
Disco o número de Alícia enquanto desço pela parede. Marcia está na
minha frente com os outros empregados da casa. Não ligo de eles me verem
arruinada. Eu só quero meu bebê.
— Alícia, eles deram Nicolas para adoção! — eu grito, ainda com
lágrimas descendo por meu rosto.
— O quê? Meu Deus, estou indo, Gabby. Fique calma — minha
amiga pede enquanto se movimenta, e eu aperto minha mão contra meu peito.
— Eu quero acordar desse pesadelo…
— Gabby, nós vamos encontrar ele. Eu prometo. — Eu escuto sua
promessa, mas, pela primeira vez, eu não acredito nela.
Subo os degraus da escada, querendo matar aqueles dois. Eu me
encosto à porta entreaberta, respirando profundamente, e penso em abrir, mas
a voz deles me faz parar com a mão na maçaneta.
— Ele é o nosso menino… — Mamãe está chorando e eu me
aproximo mais, querendo ouvir qualquer pista de onde eles podem ter
deixado meu filho.
— Leandro cuidará dele, Mirian — meu pai resmunga, parecendo
impaciente, e eu arregalo os olhos ao ouvir o nome Leandro. Quem é? Então
não é um abrigo. Eles deram meu filho a alguém… — Você prefere que ela,
logo ela, fique com ele? — Sua voz demonstra desprezo e mais uma vez eu
me pergunto o que fiz para que ele me odiasse tanto.
— Você está certo. Ela não merece Nicolas. — Ela funga,
concordando.
Eu me afasto e sigo para minha porta rapidamente. Pego todas as
minhas coisas, colocando-as dentro de malas. Corro até o quarto de Nicolas e
pego também tudo que é dele. Peço a Marcia que mande desmontar o berço
dele e que entreguem em minha nova casa. Ela fica assustada, mas faz o que
solicito. Ligo para o corretor de imóveis que iria me levar amanhã para ver o
apartamento. Peço que me encontre lá ainda hoje e ele diz que o fará.
Não saio de casa até avisar a Alícia por mensagem que estarei no
endereço que envio para ela. Ela me responde que já está indo e eu vou
embora sem olhar para trás.
Assim que estaciono, eu vejo um homem de terno em frente ao prédio
onde viverei a partir de hoje. Eu vi as fotos no site e gostei do apartamento.
Quando o rapaz abre o imóvel, eu me sinto relaxar. Não sei como ou por que,
eu apenas sinto algum tipo de alívio.
O corretor me mostra a casa inteira e eu suspiro, lhe dizendo que vou
ficar com o apartamento. O quarto principal é grande, e o menor, que será do
Nico, também é espaçoso. Meu coração aperta ao olhar para as paredes lisas.
Será que vou vê-lo aqui dentro? Quando, meu Deus?
Assino o contrato e permaneço logo no apartamento. Subo minhas
malas e vou para o quarto assim que a campainha toca. Jogo as bolsas na
cama e vou para a sala, ainda vazia. A cama no quarto já tinha, parece que os
últimos moradores a deixaram para trás.
— Ali. — Eu respiro fundo, e ela me puxa para seus braços. Luca está
atrás dela e me olha com pesar.
— Eu tive que contar a Luca. Me desculpe, mas ele não entendeu
nada e só me deixou sair depois que falei — Alícia se explica de modo rápido
e eu balanço a cabeça, limpando minhas lágrimas.
— Não tem problema…
— Você precisa contar do Nico para Kieran. — Luca entra na casa e
se encosta à parede. — Você não entende, né, Gabrielle? — Ele balança a
cabeça com um sorriso triste.
— Do que está falando? — Estou em confusão total.
— Nicolas seria a salvação do Kieran. No momento que ele souber do
filho, ele vai ter algo por que lutar. Ele vai querer ser melhor…
— Luca, o menino está perdido, esse não é o momento — Alícia
interfere e eu pisco mais lágrimas.
— Ele vai rodar o mundo e encontrará o filho. Não duvide disso. —
Eu engulo em seco, olhando para o marido da minha amiga. Eu sei que ele
está certo, mas o medo me paralisa.
— Ele vai me odiar — afirmo enquanto seguro meu rosto, soluçando.
— Não. Ele ficará triste, Gabby, mas não vai te odiar.
Eu o escuto e saio de casa, indo até Kieran. Luca me avisa que ele
ainda está na oficina e eu vou diretamente para lá. Meus dedos tremem,
parece que vou vomitar a qualquer momento quando enfim seus olhos batem
nos meus.
— O que aconteceu? — Seu olhar está afiado. Suas mãos seguram
meus ombros e ele me apoia no carro.
— Nós precisamos conversar. — Eu forço as palavras e Kieran franze
as sobrancelhas. — Podemos ir para minha casa? — Mordo meu lábio
piscando. Contar tudo em minha casa será melhor.
— Seu pai fez algo a você, Gabrielle? — Sua voz rouca está
preocupada e eu balanço a cabeça. Dessa vez não foi a mim.
— Por favor — peço, e ele acena, se distanciando.
Observo-o fechar a oficina sem nem mesmo se limpar, apenas trocou
de roupa. Seus dedos ainda estão sujos de graxa, mas ele parece não ligar.
Entro em seu carro calada e ele sai do estacionamento. Eu já vim de táxi
pensando nisso.
— Eu não moro mais na casa dos meus pais — aviso e coloco o meu
novo endereço em seu GPS.
— O que diabos aconteceu para que saísse de lá? — Eu tremo
escutando a raiva e frustração em sua voz. Ele está com ódio por não saber o
que está acontecendo.
— Algo horrível — murmuro somente e o deixo soltar maldições o
caminho inteiro.
Kieran olha para o apartamento ainda vazio e se vira para mim. Seu
rosto está severo e ele parece que vai me sacudir a qualquer momento.
— O que…
— Dois meses depois que foi preso… — Eu engulo, criando coragem,
e dou um passo em sua direção. — Eu descobri que estava grávida. — Seus
olhos se arregalam e eu tento parar a onda de tremor nas minhas mãos.
— Que porra é essa? — Ele chega a mim rapidamente e me puxa pela
cintura, em sua direção.
— Eu queria te contar. Eu juro, Kieran, mas meus pais não deixaram.
Eles me ameaçaram, e ameaçaram matar você lá dentro. Eu não podia…
— Caralho, fala que está brincando, Gabrielle! — ele grita, se
afastando, e eu abraço minha cintura, pensando em Nico.
— Eu não estou brincando. Eu tive nosso bebê…
— Nosso… — Ele suspira, esfregando o rosto, e eu aceno me
afastando. — Onde ele está? É um menino? Uma menina? — Seus olhos
estão completamente sem foco.
— É um menino. Nicolas. — Eu me sento no chão da sala, abraçando
minhas pernas.
— Como você pôde? — ele questiona andando pela sala. — Eu quero
ver ele. Agora, Gabrielle! — Sua voz quebra e eu vejo o homem sempre
centrado e firme se tornar uma bagunça de lágrimas.
— Eu não terminei.
— O que mais pode dizer, porra?! — Seu grito me faz encolher.
— Meus pais o registraram como deles. Ele é o menino que eu disse
ser meu irmão…
— Você mentiu para mim? — Ele balança a cabeça e puxa meu
braço, me erguendo. — Gabrielle, o menino de quem troquei a fralda é meu
filho e você não me disse nada? — Seu aperto aumenta e eu puxo meu braço,
querendo me afastar.
— Você está me machucando — murmuro com um gemido, e ele
afrouxa a mão.
— Você está me machucando muito além do físico. — Suas palavras
me fazem encolher. — Eu quero ver meu filho — ele exige enquanto seus
olhos escuros me partem ao meio.
— Deixa eu explicar tudo, por favor — eu peço, e ele me solta, se
afastando de mim novamente. Ele parece um bicho enjaulado, querendo
liberdade. — Eu contratei Theo para reaver a paternidade e a guarda do Nico.
Hoje foi marcado o exame de DNA, para comprovar que o Nicolas não é
filhos deles. Meus pais o levaram e eu esperei em casa. Porém, quando
chegaram, eles não estavam com Nicolas. Eles me disseram que o tinham
dado para adoção.
— Jesus Cristo! Eu vou matar os dois! — As suas palavras são firmes
e ele as pronuncia olhando diretamente para meus olhos.
— Kieran, eu estou apavorada. Não sei o que fazer, eu só quero meu
filho. Perdão por não ter te contado antes, eu estava com tanto medo. — Eu
me encolho e meu coração sangra, imaginando onde meu filho está. Minha
visão embaça e eu soluço contra minhas mãos.
— Você vai ficar aqui até eu te ligar — ele murmura, já caminhando
para fora.
— Não. O que vai fazer? — Eu o sigo, puxando sua camisa.
— Eu vou trazer nosso filho, Gabrielle. — Uma onda de calor atinge
meu coração e eu soluço, abraçando seu corpo.
— Não faça uma loucura, Kieran. Nicolas precisa de você. — Eu o
aperto mais até que ele segura meu queixo, fazendo com que eu encare seus
olhos escuros.
— Arrume o quarto dele, Gabby. Nosso filho dormirá em casa hoje.
— E não é apenas uma frase, é uma promessa.
Eu acreditei nela.
“Medo e esperança batalham
pelo maior espaço do meu coração.”
Gabrielle

Kieran

Não me importa se o que estou prestes a fazer, possivelmente, poderá


me colocar de volta na prisão. Eu vou levar meu filho para casa. Não
perdoarei Gabrielle por escondê-lo de mim, mas ela não merece passar por
isso.
Seus pais mexeram com a pessoa errada.
As batidas do meu peito estão rápidas, a adrenalina corre em minhas
veias assim que saio do meu carro em frente à casa dos pais de Gabrielle.
Lembro-me da noite em que peguei Nicolas em meus braços e engulo
em seco, afastando a emoção. Porra, eu sou pai. O peso disso em meus
ombros me faz imaginar o que poderei dar a ele. Se eu não sou digno da mãe
dele, não serei de Nicolas também.
— Pois não? — Volto ao presente e encaro uma senhora mais velha.
Ela parece pronta para ir embora, e eu aprecio isso.
— Gostaria de falar com os pais de Gabrielle — resmungo, entrando
na casa. Está tudo silencioso e eu olho ao redor, vendo que não tem ninguém
em casa.
— Oh, eles estão no jardim. Eu estou atrasada para um jantar em
família, por isso não poderei lhe acompanhar. Mas entre, entre. — Ela aponta
para o jardim e eu aceno.
— Pode ir, obrigada.
Ela vai embora e eu me movo, me sentando no sofá de couro. Passam
apenas alguns minutos até que os dois entram. Seus olhos se expandem e eu
sorrio.
— Que maravilha. No primeiro momento, só mandarei os dois se
sentarem. — Minha voz sai amistosa e eu retiro minha pistola da calça.
— O quê? — o pai de Gabby começa, mas para quando vê minha
arma. Sua esposa já está sentada e eu fico à frente dos dois, retirando o lenço
do bolso e limpando minha arma.
— Hoje eu descobri que sou pai, olha que maravilha. — Eu sorrio,
sentando na mesa de centro. — E eu também descobri que vocês dois
foderam com a cabeça da minha mulher dia após dia. — Eu suspiro e encaro
os pais do meu Algodão Doce.
A mãe dela está tremendo e seus olhos estão cheios de lágrimas. Seu
pai, no entanto, é outra história. O homem está neutro, apenas me encarando
como se quisesse me matar.
— Sua mulher… Gabrielle é uma idiota. Foi correndo te dizer tudo,
não é? — Ele ri, mas para quando eu lhe dou uma coronhada na cabeça. A
mulher dele pula, chorando, e eu me abaixo na frente dos dois.
— Ela me disse, sim, e é por isso que estou aqui. — Eu suspiro e
coloco minha arma de frente para eles. — Onde está meu filho? — murmuro
encarando o homem desprezível, que sangra na sobrancelha, e a mulher que
está apavorada. Nenhum deles se mexe para dizer o paradeiro dele, então
aponto a arma diretamente para a cabeça da mulher. — Eu vou dar duas
opções para vocês dois; vocês me falam onde meu filho está e nós três não
vamos nos encontrar mais, ou eu coloco fogo nessa casa com vocês dois
dentro. — Eu nunca fiz algo tão ruim em minha vida, mas, porra! Se eles não
disserem, eu vou matar os dois.
Eu juro pelo meu filho.
— Você não é louco… — o pai dela começa, mas para quando eu
atiro em sua coxa. Seu grito envia adrenalina por meu corpo e eu sorrio
novamente.
— Eu sou, quando se trata de Gabrielle e, agora, de Nicolas —
murmuro e escuto o choro da mulher aumentar.
— Ele está com um amigo. Nico está bem, nós só queríamos que ele
tivesse o melhor — ela diz exasperada e eu me inclino para perto do seu
rosto. — Gabby não tem condições de cuidar de uma criança, ela é louca. —
Eu enfio o cano da minha arma em sua cintura e ela para de falar.
— Você vai ligar para esse amigo e vai mandar ele trazer meu filho
agora. Dez minutos, é isso que vou dar para ele chegar aqui — eu aviso, já
lhe dando meu celular.
Ela liga e com alguns minutos explica que foi uma loucura e que quer
o filho de volta. Leandro, o homem com quem ela fala, diz que está vindo. Eu
desligo o celular e me sento na poltrona, de frente para eles.
— Gabrielle deve estar assustada, pensando no filho. Olha o que
vocês fizeram com ela… Que tipo de pais vocês são? — questiono, relaxando
no estofado.
— O tipo que odeia os filhos. — Isso quem fala é a mãe da Gabby.
— Por quê?
— Isso não interessa — o pai grunhe e eu aceno, não querendo me
estressar.
Com o passar dos dez minutos eu me levanto, andando de um lado
para o outro. O pai da Gabby diz que o seu amigo mora um pouco longe, eu
aceno e resolvo esperar mais.
Assim que escuto um carro entrar, eu me movo para as escadas e
espero o cara entrar. Minha arma está apontada diretamente para a porta, mas
a escondo quando meu filho aparece nos braços de um rapaz. Ele parece novo
e eu me aproximo.
— Ele é meu filho, me entregue — peço, porém, já pego o bebê em
meus braços.
— O quê? Fabiane? — Ele parece confuso, mas não faz nada para me
deter.
— É verdade. Ele é o pai — ela murmura, e eu me viro para vê-la de
pé, e o pai da Gabby ainda no sofá, por causa do tiro.
— Eu estou indo e espero ver vocês apenas quando for para
regularizar a paternidade do Nicolas — eu apenas aviso e saio da casa, indo
embora.
No carro eu encaro Nicolas e respiro fundo, sentindo algo grande se
formar em meu coração. Beijo seu rosto, fazendo-o sorrir, e o abraço, jurando
a mim mesmo e a ele que nunca mais iremos nos separar.
Gabrielle
Eu tento me acalmar fazendo o que Kieran pediu. No quarto de Nico,
eu coloco o berço dele, que já vieram deixar. Luca começa a montar com
Alícia, enquanto arrumo suas roupinhas que eu também trouxe de casa. Seu
armário não veio, então eu apenas deixo as coisas na mala.
Meu quarto já está arrumado na medida do possível. Ajeitei minhas
roupas nas malas e deixei tudo no canto da cama. Alícia saiu para comprar
legumes e carnes para que eu faça a sopa de Nicolas e eu preparo no fogão
que já estava no apartamento. Eu me encosto à porta, depois de deixar a
cozinha limpa, pedindo que Kieran esteja bem. Que ele não tenha feito
nenhuma loucura.
— Ele está bem — Alícia murmura, segurando meus ombros.
— Qual deles? — Mordo meu lábio, piscando as lágrimas.
— Os dois, amiga. — Seu sussurro é calmo e eu me apego a isso.
Sento-me no chão da sala e rezo para que Kieran entre por aquela
porta com nosso filho nos braços. Eu preciso disso, logo.
Pensamentos rondam minha cabeça com o passar dos minutos. Será
que meu pai fez algo? Kieran pode estar preso nesse momento…
A porta abre e eu me ergo, ansiando por alguma novidade. Minhas
pernas amolecem assim que vejo Nico nos braços de Kieran. Dou passos
desestabilizados até ele e pego nosso filho dos seus braços enquanto meu
coração se enche de alívio.
— Oh, meu Deus! Você voltou. — Eu beijo o rosto do Nico,
abraçando seu corpo, e ele sorri ao me reconhecer. — Mamãe te ama.
Desculpa por ter te deixado com eles…
— Gabby, você não tem por que se desculpar. — Minha amiga me
abraça enquanto eu continuo balbuciando desculpas para meu filho.
Luca aparece saindo do quarto e eu lhe agradeço por montar o berço
de Nico ao passar por ele. Viro-me com Nicolas sorrindo e encaro Kieran.
— Obrigada. Você não faz ideia do quanto me fez feliz hoje. — Meu
queixo treme, encarando seus olhos escuros.
Eu sei que ele não vai me perdoar por ter escondido Nico dele, sei que
não ficaremos juntos. Porém, eu vou ser eternamente grata a ele.
— Ele é meu filho também, Gabrielle. — Eu aceno assim que sua voz
rouca pronuncia as palavras.
Alícia e Luca se despedem e eu vou para o quarto de Nico. Ele já
adormeceu, então o coloco no berço recém-montado. Deslizo meus dedos por
seu rostinho e limpo minhas lágrimas, beijando-lhe.
— Eu estou indo. — Eu me viro para encontrar Kieran de pé na porta.
— Obrigada novamente. — Engulo em seco e ando até ele.
Kieran anda para a sala e eu o sigo com passos curtos.
— Você se mudou hoje — ele afirma olhando para a sala sem nada.
— Sim. Eu só trouxe o berço do Nicolas e nossas roupas. — Aperto
minhas mãos enquanto ele me encara, cruzando os braços.
— Como trouxe o berço?
— Um dos empregados desmontou e veio deixar.
Seu olhar fica no meu por alguns segundos e ele logo suspira.
— Amanhã eu comprarei o restante dos móveis — explico, olhando
para o apartamento. — Eu quero vender meu carro, então, se você souber
aonde devo ir, eu peço que me ajude…
— Claro. Amanhã eu venho vê-lo e darei uma olhada em seu carro.
— Sua voz é tão robótica. Meu coração aperta ao ter certeza de que ele não
me perdoará.
— Kieran…
— Eu vou indo — ele me corta e eu me aproximo, ficando a
centímetros dele.
— Eu te amo. — Pisco, querendo me aninhar a seu peito, mas sei que
não é certo. — Isso não vai mudar — eu digo, porque essa é a verdade.
Kieran respira profundamente e eu inspiro o mesmo ar que sai por
seus lábios. É como se ele estivesse me dando ar, me forçando a respirar, a
viver… a emergir.
— Muita coisa vai mudar daqui para frente, Gabby — ele fala, e eu
pego todas as suas palavras como uma promessa. Mais uma delas e, como as
outras, eu sei que ele vai cumprir.
Acordo Nicolas devagar e lhe dou a sopa enquanto nos sentamos na
minha cama. Seu cabelo ainda está molhado do banho e eu beijo sua
bochecha enquanto ele mastiga.
— Que tal dormimos juntos hoje? — questiono, quando deixo meus
dedos fazendo cosquinhas nele. Sua gargalhada aquece meu coração e, depois
que ele termina de comer, peço comida por telefone e logo também estou
saciada. Tomo meu banho rapidamente e volto para o quarto. Eu puxo Nico
para meus braços e adormeço abraçada ao meu filho.

Coloco Nico no carrinho de bebê que comprei assim que cheguei ao


shopping minutos atrás. Acordamos cedo para virmos às compras. Alícia não
se incomodou por eu não ir hoje à Galeria, o que agradeci imensamente.
Eu passo a manhã de loja em loja comprando móveis e
eletrodomésticos. Pago taxa para que eles possam entregar amanhã pela
manhã, o que me faz ficar aliviada. Quero colocar tudo no lugar, deixar
minha casa própria para meu filho.
Passo em lojas de brinquedos e compro algumas pelúcias para decorar
seu quarto. Eu me sento na praça de alimentação, me perguntando se esqueci
algo, abro minha agenda — onde escrevi tudo que eu precisava comprar — e
respiro aliviada ao ver que não esqueci nada.
Foco minha atenção em dar comida a Nico e beijo sua bochecha
quando ele termina e descansa em seu carrinho bem confortável. Peço minha
comida e me alimento, o olhando dormir. Meu coração aquece em estar
passando por esse momento.
Meu celular vibra e eu sorrio ao ver o nome da minha irmã. Atendo e
logo lhe digo que estou na praça de alimentação. Marcamos de nos encontrar
aqui no shopping. Ela quer ver como nós dois estamos.
— Ei! — Eu sorrio quando ela se senta à minha frente. Seu cabelo
liso está mais curto, ontem não percebi, porque ela estava com o cabelo em
um coque.
— Meu garotinho adormeceu? — Ela sorri ternamente para Nico e
aperta minha mão enquanto me encara. — Tive que sair mais cedo hoje,
arrumei um trabalho — ela me diz e eu arregalo os olhos.
— Sério? — pergunto e ela acena com um sorriso grande.
— Sim, agora poderei te ajudar mais. — Ela sorri e engole em seco,
se ajeitando sobre a cadeira. — Como foi ontem? Eu não quis fazer você
acordar completamente, mas fiquei preocupada. — Ela dá de ombros e eu
lambo meus lábios, pensando.
— Foi o que esperei que fosse. Ele não me perdoou, me odeia,
possivelmente, mas quer saber do filho… — Eu paro de falar quando o
caroço grande e pesado começa a crescer em minha garganta. — Ele não me
disse onde ou como pegou Nico, mas eu não preciso de explicação, não é
mesmo? Meu filho está comigo novamente…
— Isso é o que importa. — Ela sorri apertando minha mão e eu aceno.
— Dê tempo para ele, Gabby. — Eu aceno novamente, pois sei que é disso
que ele precisa no momento.
— Eu estou dando — murmuro ao mesmo tempo que o meu celular
toca.
Mostro para Lorena e ela sorri um pouco, me mandando atender.
— Kieran — saúdo e escuto o barulho de carros ao fundo.
— Onde está? Estou em sua casa. — Sua voz é impaciente e eu reviro
os olhos.
— Estou no shopping. Vim comprar os móveis e eletrodomésticos
que estavam faltando…
— Você está trazendo muitas coisas? — Sua pergunta é apreensiva e
eu não entendo por quê.
— Algumas. Artigos de decoração, o carrinho novo de Nicolas.
Alguns conjuntos de cama e mais algumas coisas — murmuro olhando para
as diversas sacolas pelo chão ao meu lado.
— Vai caber tudo no seu carro? Quem vai te ajudar a levar tudo para
o estacionamento? — ele pergunta acelerado, e eu sorrio, erguendo minha
sobrancelha para Lorena.
— Lorena está comigo. Em breve chegarei aí. — Ele murmura um
“está bom” e eu desligo, já me erguendo.
— Humm. — Lore ri quando eu empurro seu ombro.
— Ele está lá em casa. Vamos. — Eu junto todas as sacolas e divido
entre nós duas. Empurro algumas para a parte inferior do carrinho e saio até o
estacionamento.
— Então, você vai colocar Nico na creche? — minha irmã pergunta
assim que entro em meu carro. O seu está mais à frente, porém ela ainda vai
fazer algumas coisas no shopping.
— Ainda não sei. — Suspiro olhando para ele na cadeirinha,
adormecido. — Agora que me mudei, fique à vontade para ir para lá. Eu e
Nico vamos amar ter você conosco. — Eu a convido, mas ela balança a
cabeça negando.
— Vou comprar um aparte em breve. Não se preocupe comigo. —
Ela beija meu rosto e se afasta para que eu possa ir.
— Eu te amo, Lorena — afirmo sincera, e seus olhos brilham com
lágrimas. Ela volta para minha janela e me abraça.
— Eu sei, você é a única. — Ela deixa as lágrimas caírem e eu seguro
seu pulso.
— Nico também — sussurro, e ela acena, beijando minha bochecha.
— Eu também amo vocês.
Eu a deixo parada e saio da vaga, indo para casa. Assim que
estaciono, vejo Kieran apoiado em seu carro em uma das duas vagas que meu
apartamento tem. Eu sorrio e retiro as sacolas do carro, tirando Nico da
cadeirinha.
— Acho que darei duas viagens. — Eu rio falando, e ele balança a
cabeça, pegando todas as sacolas e colocando dentro do elevador.
Eu o sigo depois que coloco Nico em seu carrinho. Pego mais duas
sacolas na parte da frente e Kieran suspira, me repreendendo. Oras, eu
preciso de roupas também.
Abro minha porta e levo Nico para dentro de casa. Pego o tapete com
alguns bichinhos para ele brincar e o coloco lá. Kieran pergunta onde pode
colocar as sacolas e eu digo que em meu quarto.
— Você almoçou? — questiono quando ele volta já sem nenhuma
sacola.
— Sim. Eu só vim ver como estão — ele balbucia olhando para Nico
e de volta para mim. Suas mãos parecem inquietas enquanto ele as coloca nos
bolsos do moletom que está usando.
— Eu vou arrumar… — Fecho a boca e não finalizo, apenas vou para
meu quarto.
Retiro algumas coisas das sacolas, mas logo coloco de volta. Não tem
como arrumar nada. Entro em meu banheiro e vejo meu reflexo no espelho.
Elevo minha mão e encaro minha tatuagem. Quero pintá-la no meu teto. É
apenas um sussurro dentro da minha cabeça, mas é o que sinto.
À noite eu farei isso, digo a mim mesma enquanto vou para a sala.
Paro desnorteada ao ver Kieran sentado, encostado na parede, com Nico
ainda no tapete à sua frente. A felicidade recai sobre mim de uma maneira
inexplicável. Kieran sorri, acariciando nosso filho, e eu suspiro, piscando
minhas lágrimas.
Ele pode não querer me perdoar, agora, mas eu vou sempre lutar por
nosso amor. Eu preciso lutar.
“Uma onda de dor invade meu peito.
Não me arrependo de mentir, mas me
arrependo de não ter antecipado esse momento.”
Gabrielle

Kieran

Viro quando escuto passos e vejo Gabby. Ela está com um vestido
curto e suas coxas estão à mostra. Foda-se, ela me enlouquece. Desejo outra
vez me perder em seu corpo, acordar com ela nua ao meu lado. Jesus…
— Eu já vou. Só vim ver Nico — digo, beijando meu filho e o
colocando no tapete. Eu me ergo e olho para ela. Seu lábio está sendo moído
pelos seus dentes. Quero esticar a mão e retirá-lo, mas não faço.
— Tudo bem. — Ela acena e estala seus dedos. Eu a sigo para a porta
e ela a abre, me deixando passar. — Tchau, Kieran. — Eu aceno e saio de sua
casa.
Soco o painel do elevador assim que as portas se fecham. Droga. O
que tem de errado comigo? Gabrielle é minha, foda-se se escondeu algo. Ela
me ama.
Balanço a cabeça espantando esse pensamento. Não vou perdoá-la.
Ela me enganou, mentiu e me manteve longe do nosso filho.
Quando chego à casa do meu pai, mais tarde naquele dia, eu sorrio
para Dani. Ela larga os cadernos e livros e pula em mim.
— Tenho uma novidade — começo, a fazendo arregalar os olhos. —
Cadê o pai? — questiono assim que ele sai da cozinha, com um pano no
ombro.
— Acabei de fazer o jantar. Venham para a mesa — ele manda, já se
encaminhando, e eu o sigo com Dani.
— Pai, Kieran falou que tem uma novidade. — Ela parece
supercuriosa e eu bagunço seu cabelo, recebendo um tapa na mão em
seguida.
— Sério? Fala aí. — Ele sorri, colocando sua comida.
— Eu tenho um filho — digo de uma vez, e os dois paralisam. Meu
pai está de olhos arregalados e com a colher parada a meio caminho da boca.
Dani está me encarando sem ação. — O que foi? — pergunto confuso. —
Pensei que ficariam felizes.
— Kieran, como assim? Quem é a mãe?
— Ora, quem! Gabrielle, é logico. Você acha que eu teria filho com
mais alguém? — eu brinco sorrindo, e meu pai sorri pela primeira vez.
— É o menino com quem ela estava naquele dia na oficina — papai
murmura certo, e eu franzo as sobrancelhas.
— Como sabe?
— Ele é sua cara quando bebê, Kieran. Tão parecido que fiquei
assustado ao olhar para ele. — Meu pai sorri e eu pisco completamente
atordoado.
— Eu quero conhecer ele. Será que Gabby viria aqui? Ainda é cedo.
— Dani pula da cadeira, já com seu celular, e eu não tenho nem tempo de
dizer para não ligar.
Meia hora depois Gabby estaciona em frente à casa do meu pai. Nico
bate palmas assim que me vê. Meu coração se aperta de amor. Como posso
amar alguém tão mais do que acho possível amar a mãe dele?
— Vamos conhecer o vovô e a titia? — questiono, sorrindo ao pegá-
lo dos braços de Gabby. Ela sorri para mim e abre a boca para falar, mas
volta a fechá-la. — O quê? — pergunto sorrindo.
— Eu posso dar uma volta e deixar vocês sozinhos com ele um
pouco. Tipo, para dar privacidade a vocês — ela explica apressada, e eu
balanço a cabeça.
— Não precisa, desce do carro — eu mando e ela revira os olhos,
tirando o cinto de segurança e me seguindo.
Assim que entro em casa meu pai está na minha frente. Dani sorri
com os olhos marejados e eu entrego Nico ao meu pai primeiro. Ele beija sua
bochecha e o abraça. Nico pega a barba dele e começa a rir.
— Eu sou o vovô — ele murmura no pescoço do meu filho, e, pela
primeira vez, em anos, eu vejo meu pai se emocionar.
— Eu sou a titia — Dani se intromete e Nico ri quando ela o beija na
bochecha.
Minha família senta no sofá, brincando com ele, e eu fico de pé
apenas observando os três. Gabby limpa a garganta e eu a vejo de braços
cruzados na porta.
— Eu nem sei como começar a falar… — Ela esfrega o nariz e
continua: — Me desculpem por não ter dito nada sobre Nicolas. Eu não vou
explicar muito, Kieran pode fazer isso, mas eu só quero dizer que eu não fiz
isso, manter Nico longe e sem vocês saberem dele, com a intenção de
machucá-los. Eu nunca faria algo assim. — Seus olhos transbordam lágrimas
e ela morde seu lábio fortemente.
— Gabby… — Dani começa, mas papai a interrompe.
— Você me viu mais vezes do que eu posso contar nos anos que
Kieran estava preso… Você poderia ter me falado. Eu te ajudaria com
qualquer coisa. — Meu pai está magoado e eu sei o que ele está sentindo.
— Eu sei, mas eu era… — Ela pisca mais lágrimas e encara a parede.
— Fraca — finaliza e eu engulo em seco, vendo o tormento que essa palavra
causa nela.
— Gabrielle, isso não importa mais. Nós estamos juntos e vamos
permanecer — Dani fala, sorrindo, e pega Nico dos braços do nosso pai.
Gabby sorri para minha irmã e acena. Seu celular começa a tocar e ela
limpa as lágrimas, levando o aparelho à orelha.
— Theo, olá — ela saúda e eu inclino a cabeça, vendo-a sorrir e ir
para o lado de fora.
Que merda!? Dou um passo para segui-la ao vê-la encostada em seu
carro, rindo do que o idiota fala na outra linha, mas Vina aparece.
— Ei! — Ela sorri e eu sinto o cheiro de bebida de longe.
— O que faz por essas bandas? — pergunto. Ela é minha vizinha, e eu
moro a algumas quadras daqui.
— Estou na casa de uma amiga. — Ela se aproxima, mas me afasto
assim que ela tenta beijar minha boca. Está louca? Vina sorri e vê minha
família no sofá. — Quem é esse garoto lindo? — Ela se aproxima do sofá e
eu respiro aliviado por ela não ter tentado dar em cima de mim, porra!
Meu pai franze o cenho para mim, e eu dou de ombros. Assim que
Vina abre os braços para Dani lhe entregar Nico, Gabrielle entra na casa.
— Com licença. — Ela quase grita e eu me viro, franzindo o cenho.
— Estou indo. — Ela vai para frente de Vina e pega nosso filho, sem deixar a
outra mulher tocar nele.
— Mas já? — Dani murmura desanimada, e Gabby engole em seco,
se afastando deles.
— Sim. É, meu amigo vai à minha casa. Por isso tenho que ir — ela
fala e eu sinto meu sangue esquentar.
— Essa hora? — questiono, olhando que já passa das oito horas.
Ela não responde, apenas me dá um olhar de raiva.
— Preciso ir mesmo, mas vocês podem ir lá em casa também. Sempre
irei receber a família de Nico. — Ela sorri e eles se despedem do meu filho
enquanto Vina cruza os braços, assistindo.
Eu a sigo quando sai da casa do meu pai. Gabrielle coloca Nico em
sua cadeirinha e eu agarro seu braço quando ela já está para entrar em seu
carro.
— Que diabos é isso? Theo vai fazer o que lá? — eu quero gritar, mas
permaneço calmo vendo-a empinar seu nariz, me desafiando.
— Não te interessa — ela murmura e se solta de mim. — Quando
suas putas estiverem na casa da sua família ou na sua, me avise. Meu filho
não vai conviver com elas. — Ela bate a porta do carro e eu respiro fundo
com ódio.
Ela sai com o carro e eu murmuro alguns palavrões. Vejo Vina e
passo por ela, a deixando falar sozinha.
Gabrielle

— Incrível — murmuro irônica, abrindo a porta dez minutos depois


de chegar em casa. Kieran está com a mandíbula cerrada quando o deixo na
porta e volto para a cozinha, onde deixei Nico.
Eu recomeço a esfriar o leite de Nico. Ele já jantou, mas foi cedo, e
ele sempre dorme melhor depois de tomar sua mamadeira.
— Onde ele está? — Kieran pergunta irritado, e eu reviro os olhos
suspirando. Pego Nico do carrinho e o levo para o meu quarto.
Kieran me segue e assiste a mim dando mamadeira ao nosso filho. No
final, Nico já adormeceu e a mamadeira está seca. Eu o levo para seu quarto e
o coloco no berço. Beijo seu rosto e deixo a porta entreaberta. Mesmo que eu
esteja com a babá eletrônica, eu ouvirei com mais nitidez se ele acordar.
Vou para a sala e arrumo o que tem ali, ainda com Kieran nas minhas
costas.
— Eu estou cansada, se puder ir, eu vou agradecer — explico,
colocando minhas mãos na cintura. Seu olhar desce por meu corpo e eu
engulo em seco. Estou com um vestido de verão, curto e de sandálias. Meu
colo aquece com seus olhos sobre mim.
— Você mentiu. — Não é uma pergunta. Eu não desminto. Theo
apenas me avisou que amanhã vem aqui para darmos continuidade ao
processo. Ele não vem aqui hoje, então, sim, eu menti. Eu vi aquela mulher
quase o beijando, querendo tocar em meu filho. Merda, eu não ligo se eu
estou parecendo uma louca. É meu filho, nenhuma das mulheres que ele fode
vai conviver com ele. Não mesmo.
— Sim — respondo, cruzando meus braços.
— Ela não ia fazer mal a ele — Kieran diz e eu sorrio, fingindo
surpresa.
— Sério? Coitadinha. Eu devo pedir desculpas?
— Deveria, porque você foi mal-educada…
— Foda-se. Você e ela. Espera sentado nesse sofá enquanto vou lá me
desculpar. Quer me fazer rir? — eu explodo, querendo lhe dar um tapa.
— Gabrielle.
— Eu quero que vá embora. E como já falei antes de sair de lá, eu
repito: meu filho não vai conviver com as suas vagabundas. Na próxima vez
que aquela ou outra quiser tocar nele, eu desço a mão na cara dela. — Abro a
porta, tremendo de ódio. Kieran está com a boca aberta e esfrega o rosto,
ainda abismado.
— Eu não…
— Vá embora — mando firme, e ele para de falar.
Bato a porta quando ele passa por ela.

Dias depois…
— Não precisa ficar nervosa. Será apenas a mudança de paternidade.
Nada de mais. — Eu me viro ao ouvir a voz de Theo. Ele veio até o cartório
comigo e Kieran para o caso de ocorrer alguma coisa.
— Não estou — minto, voltando a me sentar corretamente.
Theo conseguiu a autorização do juiz e agora podemos mudar o
registro civil de Nicolas. Estou nervosa, pois eu esperei por isso por muito
tempo. Não é apenas um papel, não é apenas uma formalidade… é a minha
família.
É a pessoa que mais amo no mundo e, depois de hoje, ninguém vai
poder tirar ele de mim. Eu sou mãe dele.
— Você não precisa ficar rondando Gabrielle, Theo — Kieran
resmunga, cruzando os braços na cadeira ao meu lado.
— Ele não está me rondando, Kieran — murmuro impaciente.
Em menos de meia hora nós três saímos do cartório com a certidão de
Nicolas totalmente reformulada. Eu encaro o papel entre meus dedos
trêmulos, já sentada no carro, ao lado de Kieran. Theo foi embora e como
vim com Kieran, estou voltando com ele também.
Nico ficou em casa com Lorena e Dani, que resolveu passar o dia em
minha casa.
— Eu acho que a gente deveria conversar. Passamos esses dias nos
evitando dentro da sua casa e… — Ele suspira, e não termina. Seus dedos
estão contra seus lábios e seu cotovelo apoiado na porta.
— Eu concordo — digo, sendo sincera.
— Eu vou estar aqui para o que precisar, Gabby. Nicolas é nosso filho
e eu vou tentar com todas as minhas forças ser uma pessoa boa para ele —
Kieran fala olhando da pista para mim. Dói em algum lugar dentro do meu
coração ver que eu não fui citada.
Acabou? Eu acho que sim.
— Eu sei que vai. É incrível o quão apegado ele se tornou com você.
— Eu sorrio, disfarçando meu incômodo, e ele parece contente ao me ouvir.
E eu não menti. Nico escuta a porta bater e seus olhos escuros
crescem, pensando ser Kieran. Assim que o pai aparece ele bate palmas e
sorri, mostrando seus dois dentinhos da frente. Basta Kieran sair para ele
estranhar e ficar mais calmo.
Eu adoro isso. Amo que meu filho goste da presença do pai e anseie
por isso.
— Eu o amo. É estranho eu dizer que o amo o conhecendo há pouco
tempo? — Seu rosto está franzido e eu aperto sua mão, querendo lhe passar
confiança.
— Não é. Eu também o amei assim que digeri a gravidez. — Eu
sorrio e volto meus olhos para a certidão do nosso filho.
Assim que chegamos em casa Kieran pega Nico e vai dar banho nele.
Dani o espera enquanto Lorena já se despede de mim, dizendo que vai sair
hoje. Eu a mando criar juízo e ela me dá língua. Sim, muito infantil.
Preparo almoço para nós três enquanto Dani assiste à TV. A casa já
está toda mobiliada e eu agradeço por isso. Estou decorando aos poucos, mas
já a acho uma fofura.
Escuto o celular de Kieran tocar e o pego em cima da mesa de centro.
Dani está entretida na série de alguns Zombies, por isso volto para a cozinha.
O nome de uma mulher acende na tela e eu engulo em seco.
— Kieran, estão te ligando! — grito, avisando, e deixo o aparelho na
mesa.
— Deixe tocar, estou terminando! — ele responde gritando também, e
aceno, deixando a música soar.
Quando começa a tocar pela terceira vez, eu atendo. Merda, não ligo.
— Kieran, merda, por que não me atendeu? — uma mulher grita do
outro lado e eu permaneço calada. — Você vai vir ou não? Se não vier, eu
vou com o Otávio.
— Se eu fosse você, iria, sim, com o Otávio. Kieran está com o filho
dele. Não vai a lugar nenhum — eu resmungo irritada e ela fica calada.
Quando penso que vai responder, ela encerra a chamada.
Eu respiro fundo e me viro, querendo voltar para meu almoço, mas
dou de cara com Kieran parcialmente molhado. Nico está em seus braços,
batendo palmas.
“Eu a desapontei.
Eu me culpo por isso.”
Kieran.

Gabrielle

— Que merda você fez? — ele rosna baixo, não querendo assustar
Nicolas.
— Só falei a verdade. — Dou de ombros e volto para o fogão. —
Você não ia passar o dia com Nico? — Elevo minha sobrancelha e ele bufa.
— Você não deveria ter atendido meu celular e muito menos dizer aos
outros o que fazer, porra! — Sua voz eleva e Nico se vira, o encarando.
— Você pode ir embora. — Eu ando até ele e tento pegar Nico, mas
Kieran se afasta. — Devolva meu filho — mando, sentindo minha respiração
acelerar.
— Nosso filho — ele me corrige, e eu tento pegar Nicolas novamente.
Nico olha de mim para ele e logo seus lábios gordos formam um bico que
antecede seu choro.
— Kieran — murmuro assim que Nico começa a chorar. Quero
embalá-lo em meus braços, mas Kieran faz isso por mim.
— Ei, garotão. Não foi nada — ele fala suavemente, abraçando e
balançando Nicolas. — Desculpa, papai não vai mais brigar com a mamãe.
Eu juro. — Ele beija um dos dedos e dá outro no rosto vermelho do filho.
Eu quero desviar o olhar, jesus, eu quero, mas não consigo. Ver o
sorriso que logo cresce nos lábios do meu filho faz meu coração derreter.
Assim que ele está mais calmo, Kieran chama sua irmã. Dani pega
Nico e vai trocá-lo, nos deixando a sós.
— Você deveria ir — eu murmuro em meio ao silêncio.
— Você sabe que morro de ciúmes de você. Se qualquer cara te olha,
me deixa louco, mas você não precisa ter ciúmes de mim. — Ele fica atrás de
mim, mas eu me esquivo e vou para o outro lado do balcão. — Não temos
mais nada, Gabby, sua mentira… — Ele esfrega em minha cara e para de
falar. Eu fecho meus olhos, não querendo ver o quão idiota ele se tornou.
— Nós nunca tivemos. — Eu sorrio, colocando minhas mãos em meu
casaco. — Nossa única ligação é nosso filho — minto, pois não aguento
mais.
Foda-se que eu não preciso ter ciúmes. Eu tenho e ele é um hipócrita
ao dizer que eu não preciso disso. Não temos mais nada… ótimo.
— Gabrielle.
— Eu não vou tocar em seu celular. Amigas, putas ou o que for?
Tenha aos montes, não vou mais me importar. Quer sair com elas? Saia. —
Eu suspiro e encaro seu rosto duro, com raiva. — Mas não me venha com sua
pose idiota de ameaçar os outros homens por estarem perto de mim…
— Isso não…
— Deixe de ser um escroto! Eu sou livre. Não é por causa das suas
ameaças que deixarei de viver! — eu o desafio, e em questão de segundos
seus olhos estão pretos. Raiva borbulha em seu interior e eu vejo isso pelos
seus punhos formados.
— Você está certa. Você é livre. Pode ficar com quem quiser — ele
fala e eu encubro o meu choque. Nunca pensei que ele falaria isso. Porém,
alguma coisa dentro de mim diz que é o certo.
— Que bom.
Eu não o levo até a porta. Ele sai com sua irmã antes mesmo que
almocem.

Rolo na cama, escutando algo ao longe. Assim que o algo se torna um


choro forte, eu me sento rapidamente e pulo, indo para o quarto do Nicolas.
— Ei, o que aconteceu? — sussurro, o tirando do berço. Seu rostinho
está vermelho e minhas mãos queimam contra sua pele. — Febre? —
questiono a mim mesma, preocupada.
Pego seu termômetro e coloco nele, esperando-o apitar. Arrumo Nico
assim que o aparelho mostra que sua febre está nos 39 graus. Pego meu
celular, ligando para Kieran, pois ele vendeu meu carro e preciso de carona.
Tenho que comprar outro ainda essa semana.
O celular chama até que a ligação cai, eu tento mais umas duas vezes
e desisto, ligando para Lorena. Minha irmã atende no primeiro toque.
— Ei! — ela grita sob uma música alta, e eu suspiro.
— Você está bem? Está bebendo?
— Por quê? Aconteceu algo? — Ela se agita e eu engulo em seco.
— Nicolas está com febre. Tentei falar com o pai dele, mas ele não
me atende. — Eu mordo meu lábio com força enquanto encaro o rosto de
Nico.
— Esse filho da puta! — ela amaldiçoa e eu me torno alerta.
— O quê?
— Ele está aqui, Gabrielle — minha irmã fala e eu engato minha
respiração.
— Ele está fazendo algo… errado? — questiono. Se ele estiver
usando drogas, eu juro por Deus como ele nunca mais vai entrar em minha
casa.
— Gabby…
— Mande foto pelo WhatsApp e venha por mim, Lorena. Preciso
levar Nico ao hospital. — Eu desligo e seguro Nico em meus braços,
enquanto ando pela sala esperando por ela.
Nem dois minutos depois, meu celular apita e eu vejo a foto que
Lorena me enviou. Minha barriga dá voltas vendo a mesma mulher que
queria pegar Nico de pernas abertas no colo do pai do meu filho. Eu quero
vomitar, mas me mantenho firme. Não sou mais uma adolescente, eu sou uma
mulher, sou mãe.
Me encontre no hospital, pedi um Uber.
Clico em enviar e espero pela minha irmã.

Kieran
Viro minha cerveja assistindo a Vina se sentar em meu colo. Eu quero
rir disso aqui, ela tentando fazer meu pau subir e ele apenas pensando no meu
Algodão Doce. Só o pensamento de suas pernas torneadas faz com que ele
comece a ganhar vida.
Esfrego meu rosto e assim que eu elevo minha mão para empurrar
Vina para seu lugar, alguém a tira de cima de mim. Eu elevo meus olhos,
confuso ao ver Lorena de pé à minha frente.
— É engraçado. — Ela ri com as mãos na cintura. — Eu sempre quis
que minha irmã acabasse com alguém que amasse e cuidasse dela. Depois
que ela engravidou eu pensei que poderia ser você, mas como me enganei…
— O que quer, Lorena? — Eu me ergo, vendo os rostos dessa festa se
virarem para mim.
— Seu filho está doente, enquanto você está aqui. — Ela me olha com
raiva e eu franzo o cenho. Merda. — Se você atendesse minha irmã, saberia.
— Ela se vira, indo para a saída, e eu a sigo, pegando meu celular.
Chama duas vezes até Gabrielle me atender.
— Algodão Doce…
— Eu liguei porque Nico está com febre, mas já estou a caminho do
hospital e Lorena vai me encontrar lá, então não se preocupe. Qualquer coisa
aviso por mensagem — ela murmura e eu escuto barulho de portas sendo
fechadas.
— Você está indo de táxi?
— Uber. Eu preciso desligar. — Ela não espera por resposta. Apenas
finaliza a chamada.
Eu sigo Lorena, apertando minhas mãos em punhos. Como eu não a
atendi? É a primeira vez que ela me procura para algo, e eu não atendo seu
chamado. Soco o volante e me concentro em chegar até lá.
Gabrielle
Eu sorrio quando Mateus me tranquiliza. É apenas uma mudança de
ambiente. Nico gripou um pouco e consequentemente veio a febre.
— Ele já está medicado, só vou esperar a febre baixar e vocês podem
ir, tudo bem? — Mateus fala, olhando para Nico adormecido, na cama de
hospital.
— Tudo, sim. — Eu sorrio e vou para perto do meu filho.
— Se quiser, deite-se com ele. Voltarei daqui a alguns minutos. —
Ele sai e eu me deito, colocando Nico em cima de mim.
Passa algum tempo e eu vejo Lorena entrar no quarto. Ela está
preocupada e logo corre para perto de mim e de Nicolas.
— Ele está bem. É só uma gripe — eu a acalmo e a vejo relaxar. —
Mateus logo vai deixar a gente ir para casa.
— Ainda bem. — Ela se inclina e beija a bochecha gorda do sobrinho.
— Kieran está lá fora — ela fala devagar e eu bufo.
— Não quero ver ele.
— Ele é um idiota, mas está preocupado com Nico — ela esclarece e
eu aceno, ainda contrariada.
Minha irmã vai chamá-lo e eu foco minha atenção em Nico.
— Ei… — Escuto sua voz e vejo-o pelo canto do olho se aproximar.
Kieran se inclina, cheirando nosso filho. — Como ele está?
— Melhor — murmuro.
Assim que ele vai começar a falar, Mateus entra. Ele franze o cenho
para Kieran, pois não o conhece, e vem para mim, medindo a temperatura de
Nico.
— Vocês já podem ir. — Ele sorri ao falar, e eu assinto, já me
erguendo.
— Obrigada, Mateus. Como sempre eu corro para cá parecendo
descontrolada e você diz que é algo simples… — Eu sorrio dando de ombros
e pego Nicolas.
— Já me acostumei com vocês dois. Corra sempre que quiser e
precisar. — Ele pisca gentil e eu aceno.
Saio da sala e ando na frente de Kieran com Lorena ao meu lado.
Nico ainda está dormindo e eu agradeço por isso.
— Gabrielle — eu escuto Kieran murmurar, mas não me viro para o
encarar.
— Eu vou te levar para casa — Lorena fala, e eu aceno, já indo para
seu carro.
Fecho minha porta, deixando Kieran do lado de fora, e foco minha
atenção na paisagem à minha frente. Lorena sai com o carro e eu relaxo,
apertando Nico.
Minha irmã me leva até meu apartamento e eu sorrio, agradecendo
por ela ir até lá.
— Você quer que eu durma aqui? — Ela acaricia Nico e eu balanço a
cabeça.
— Não precisa — murmuro e beijo seu rosto. — Cuidado. — Ela
acena e sai, indo para o elevador.
Coloco Nico em seu berço e o deixo adormecido. Volto para meu
quarto e troco de roupas, indo para minha cama. Assim que minha cabeça
bate no travesseiro, eu me abraço, querendo encontrar algum alívio dentro de
mim.
Hoje foi a primeira vez que precisei do Kieran, de fato, e ele não me
socorreu. Eu posso dizer que esperei por isso. Tenho que me conformar.
Kieran não é o cara que vai mudar por mim ou Nico. Esse é o estilo de vida
dele, eu não vou tentar mudar isso.
Minha campainha soa e eu suspiro, imaginando que eu devo ter
esquecido algo em seu carro. Mas, assim que saio da cama, imagino que pode
ser Kieran. Meu coração acelera e eu sinto a raiva inflamar em meu peito.
Assim que abro a porta, eu o vejo. Seus ombros estão elevados e seu
olhar está preso ao meu. Depois de segundos, sua atenção desce para meu
colo e seios. Cruzo os braços, cobrindo a transparência da camisola curta, e
seus olhos mudam para minhas pernas nuas.
— O que foi? — questiono, descendo mais a minha roupa.
— Eu vim cuidar do Nico — ele murmura, engolindo em seco. Eu
sorrio e aceno devagar.
— Ele está bem. Ainda está dormindo. Você deveria ir para casa.
Amanhã você vem…
— Vou ficar — ele me corta e entra na minha casa. Eu fecho a porta
cansada e engulo minha frustração.
— Tudo bem — murmuro e ando para meu quarto.
Pego um dos meus travesseiros e um cobertor dentro do meu guarda-
roupas. Volto para a sala, mas não o encontro, então apenas deixo as coisas
no sofá. Ando a passos silenciosos até o quarto do Nico e vejo Kieran ao lado
do berço.
— Deixei cobertor na sala — murmuro, chamando sua atenção, e ele
acena.
Vou para meu quarto e me deito, querendo esquecer que ele está aqui.

Kieran
Eu me sento no sofá e aperto meus punhos. Eu devo ir até seu quarto?
Eu me pergunto isso algumas vezes até eu me levantar. Sigo calmo até sua
porta e bato nela. Passam-se minutos, mas ela não abre. Bato mais algumas
vezes, mas Gabby não responde.
— Eu sei que está acordada. Abre — murmuro, batendo novamente, e
logo a porta range, abrindo-se.
— Aconteceu alguma coisa? — ela pergunta, levando sua mão para o
rosto e o esfregando.
Sua tatuagem fica à minha frente e eu engulo em seco ao ver que o
nome de Nico está ao lado da pena longa e bonita. Meu olhar desce e eu vejo
seus seios grandes contra a camisola transparente. Seus mamilos rosados
estão à minha frente e eu sinto minha calça ficar apertada. A camisola está
amontoada na cintura e suas pernas estão completamente à mostra, igual sua
calcinha branca. Merda, como posso pensar direito?
— Kieran — ela murmura, ajeitando sua roupa, e eu ergo o olhar para
ver seu rosto.
— Eu quero explicar por que não atendi sua ligação. — Eu forço
minha voz e Gabby morde o lábio, me encarando.
— Eu sei por que você não atendeu. — Sua voz é certa e eu franzo o
cenho.
Gabrielle entra no quarto e volta com o celular na mão. Ela o empurra
em meu rosto e eu faço careta ao ver a foto. Vani está em meu colo, e eu sei
que foi Lorena que enviou para Gabby.
— Isso é besteira. Não estava fazendo nada de errado, Vani estava
brincando e eu já ia…
— Não estou pedindo explicações. Não temos mais nada, você pode
ficar com quem quiser, mas que bom que agora eu sei o que esperar de você
quando eu precisar novamente…
— Não fale assim. Eu vim para Nico e eu viria sempre.
— E eu fico feliz por isso. — Ela sorri e começa a fechar a porta, mas
eu a seguro e entro em seu quarto.
— Você ficou com ciúmes e quer me crucificar, mas não vai
acontecer…
— Eu não falei nada disso. — Ela cruza os braços e sorri. — Eu sei
que você está ficando com essa menina. Eu tenho ciúmes como qualquer
mulher que ama o seu ex, mas não se preocupe, Kieran. Ele está morrendo.
— O que está morrendo? — pergunto, apertando minhas mãos.
— O amor. O nosso amor. — Ela acena e engole em seco. — Pouco a
pouco, e logo você não precisar mais se preocupar com isso…
— Você pensa que é fácil esquecer o que fez? Você me escondeu meu
filho…
— Eu sei e eu já pedi perdão por isso — ela murmura, colocando seu
cabelo atrás da orelha. — Não sei o que quer que eu faça…
— Não é fácil…
— Não digo que é, porém, não se preocupe, logo seguirei minha vida
e não precisaremos discutir meus ciúmes com relação a você! — ela grita a
frase e eu trinco meus dentes, imaginando o que ela está falando.
— Seguirei? O que diabos isso significa?
— Significa que vou deixar de me importar com o que faz. Que terei
alguém com quem me importar, sem ser você.
— Você quer outro homem, é isso? — eu rosno, dando passos em sua
direção.
— Sim. Quero alguém que me ame o suficiente, não uma pessoa que
não me entende e que o sentimento que diz sentir por mim é quase zero…
— Você está falando de mim. Eu te amo e você sabe disso. Eu não
preciso te dizer… — Ela arqueia a sobrancelha e eleva o celular novamente.
— Ótimo jeito de demonstrar. — Ela ri e eu a seguro contra a parede
ao lado da cama.
— O que quer que eu faça? — questiono, segurando seu pescoço e
sua cintura fina.
— Eu quero que saia do meu quarto…
— Mentirosa. Você quer que nós dois fiquemos nus para fazermos
amor — eu resmungo, sentindo sua respiração bater em meus lábios.
— Isso quem quer é você. Eu vi o jeito que me olhou…
— Quem não olharia, porra? Você está nua na minha frente. — Ela ri
com meu descontrole.
— Olha para você, Kieran. Me prendendo contra a parede. Minta o
quanto quiser, fale que não pode me perdoar. Nós dois sabemos que isso é
apenas a desculpa que arrumou para me manter longe! — ela grita em meu
rosto e eu vacilo, encarando seu belo rosto. — Longe da sua vida suja com
aqueles traficantes, com suas drogas e vagabundas. Eu sempre soube disso…
— Eu não mereço você ou o Nicolas…
— Eu concordo. — Ela empurra meu peito e eu a solto.
— Durma comigo hoje. — As palavras saem da minha boca antes que
eu pense nelas. Gabrielle se vira e sorri, mordendo o lábio.
— O que acha que eu sou? — ela pergunta e vem para minha frente.
— Acho que você me quer — eu resmungo e ela acena, me dando a
certeza.
Em um segundo ela retira sua camisola, ficando apenas de calcinha à
minha frente. Seus seios redondos e cheios me fazem salivar. Merda.
— Nossa despedida — ela murmura e eu afasto suas palavras da
minha cabeça.
Seguro seus cabelos, atacando sua boca com fome, e ela sobe em meu
corpo enquanto seguro suas pernas. Sua língua invade minha boca com fome
e desespero. Desço meus lábios para seu pescoço e chupo a pele branca,
deixando-a marcada.
Deito-a na cama e desço para seus seios. Esfrego meu dedo em um
deles e Gabrielle geme mais alto. Coloco o bico rosado em meus lábios e
chupo, fazendo-a se contorcer. O gosto do seu leite bate em minha língua e
eu sorrio, gemendo.
Retiro minha roupa e puxo sua calcinha de renda branca pelas suas
pernas. Eu me encaixo em suas pernas e entro nu em seu corpo. Nunca usei
camisinha com Gabrielle, não vou começar agora, porra! Se amanhã ela
aparecer grávida, vai ser apenas mais uma bênção na minha merda de vida.
Ela se remexe, me estimulando a entrar e sair do seu corpo cheio de
curvas. Eu me perco em seu corpo e beijo seus lábios cheios de gemidos
baixos. Sinto-a se contorcer e ela chega ao prazer, me levando a ele em
seguida.
Nós tomamos banho juntos e calados. Gabby parece aérea e eu não
quero que briguemos agora novamente. Eu visto minha boxer enquanto ela
veste uma nova camisola. Nós nos deitamos juntos e eu a puxo para meus
braços.
Ela deixa. Parece que o que ela falou é verdade; é a nossa despedida.
“Retirando o que foi dito.
A mentira dita.”
Kieran.

Gabrielle

Eu sinto seu olhar sobre mim. Nico está mamando, eu fui buscá-lo.
Adormeci nos braços de Kieran e eu estaria mentindo se dissesse que não foi
uma das minhas melhores noites.
— Eu estou indo. Vou para a oficina. — Eu apenas aceno quando ele
avisa da porta. — Gabby…
— Tudo bem — eu o tranquilizo, e, suspirando, ele se vira, indo
embora.
Eu mordo meu lábio, querendo manter as lágrimas ao longe, mas
quando vejo os pingos molharem meus seios, apenas tento ficar em silêncio.
Eu não acho que tudo isso tenha sido melhor para nós dois. Sei que Kieran
não é o homem mais íntegro do mundo, mas eu o amo.
Cada fibra do meu corpo anseia por ele, e perceber ontem que tudo
acabou é doloroso demais. Minha razão grita, dizendo que isso está certo.
Que ele não vai mudar por mim e que eu vou ficar melhor sem ele, mas meu
coração sangra, me avisando do contrário. Eu estou perdida sem ele aqui.
Muito mais do que quando ele foi preso.
Arrumo Nicolas e me visto, indo para a Galeria. Disco o número da
Marcia, antiga babá de Nico, enquanto estou no Uber em direção ao meu
trabalho.
— Oi.
— Marcia, sou eu, Gabby — falo, tentando soar alegre, e ela logo
começa a fazer perguntas de como eu e Nico estamos. — Te liguei para saber
se ainda está trabalhando lá em casa. É que preciso de uma babá. — Suspiro
aliviada quando ela diz que meus pais a despediram e que ela poderá começar
quando eu quiser.
Desligo, lhe dizendo que amanhã ela começará. Mando meu novo
endereço para seu celular e sorrio para Nico em sua cadeirinha.

Dias depois…
— Eu venho logo — aviso novamente a Alícia, enquanto aperto
minha têmpora. A dor de cabeça atacou ferozmente hoje e não encontrei um
analgésico sequer na bolsa.
— E, por favor, tome café. A dor de cabeça pode ser por isso também.
Você e sua mania de não comer — ela resmunga, digitando no computador, e
eu suspiro acenando.
— Certo…
— Não estou brincando. Faz horas que almoçou — ela me lembra e
eu concordo. É verdade. Nosso expediente está acabando e eu não comi nada
depois do almoço.
Caminho até a farmácia duas quadras depois da Galeria e compro meu
remédio. Pego meu troco e sigo para o café ao lado. Assim que abro a porta
eu acabo trombando de frente com alguém. Minhas bochechas queimam
olhando para o médico do meu filho.
— Doutor Mateus. — Aceno, dando um passo para o lado, deixando
espaço para ele passar.
— Mateus, Gabrielle. Só Mateus. — Ele sorri, colocando as mãos nos
bolsos do casaco.
— Mateus. Desculpe — eu peço, ainda envergonhada, e ele sorri,
balançando a cabeça.
— Você vai tomar café? — ele pergunta suavemente, e eu encaro seus
olhos azuis e cabelos escuros com a boca meio aberta. Mateus é lindo, eu já
reparei nisso, é claro. Sem seu jaleco, ele parece ainda mais charmoso. O que
estou pensando?
— Hum, sim. — Eu aceno, olhando para o café bem aconchegante.
— Posso me juntar a você? — Sua voz é mais baixa do que o normal,
e eu me viro, o vendo parado bem rente a mim.
— Cla-claro — eu balbucio, me sentindo uma idiota, e juntos nos
sentamos.
Peço pão de queijo e café preto enquanto Mateus pede apenas um
pedaço de bolo de chocolate. Eu sorrio quando ele se lambuza.
— Como está Nicolas? — Meus olhos se iluminam quando ele fala o
nome do meu filho.
— Vai ótimo. Você recebeu a papelada nova dele? Eu fiz o envio…
— Sim, e eu confesso que fiquei bem confuso. — Suas sobrancelhas
estão franzidas e eu dou de ombros, desviando os olhos dos dele.
— Foi uma confusão. Ele foi registrado como filho dos meus pais,
mas ele é meu. Eu o gerei e tudo. Depois eles o roubaram de mim e eu não
tinha forças para…
— Calma. — Ele sorri, pegando em minha mão. — Não precisa
explicar, sabe? Você sempre o acompanhou nas consultas. Eu, por vezes,
imaginei que fosse a mãe mesmo. Isso é maravilhoso. — Ele me acalma
sorrindo e eu aperto sua mão, me sentindo mais leve.
— Obrigada. Eu estava enlouquecendo… mas agora tenho meu filho
comigo. Nada mais importa — eu sussurro, tirando minha mão da sua.
— Isso mesmo! — Mateus ri, comendo mais do seu bolo, e juntos
terminamos o café.
— Você já está indo para casa? Posso te levar…
— Não precisa…
— Faço questão — ele insiste, e eu aceno, me dando por vencida.
Volto com Mateus para a Galeria para pegar apenas minha bolsa.
Assim que saio de lá e me encaminho para o carro dele, escuto outro se
aproximar e estacionar. Eu me viro e engulo em seco ao ver o carro de
Kieran.
Todos os dias ele passa em minha casa para ver Nicolas. Os dois
brincam pelo resto da tarde até Nico ir para a cama. Eu aprecio isso, pois
Nico está cada vez mais apegado a ele.
— Hum. Oi. — Eu sorrio para ele e me viro, fazendo sinal para
Mateus, lhe pedindo um minuto. Ele acena de dentro do carro e eu relaxo, me
voltando para Kieran.
— Eu vim te buscar. Estava aqui nas redondezas — ele murmura,
olhando para além de mim, e eu mordo meu lábio.
— Então, eu já tenho carona — eu aviso incerta, observando-o me
encarar.
— Quem é? — Sua mandíbula está trincada, e eu suspiro, fechando
meus olhos.
— É um amigo — digo apenas isso e começo a me afastar.
— Você está…
— Não estou nada. Eu tenho que ir — eu o interrompo e me viro,
indo para o carro de Mateus.
Ainda o vejo apertar seus punhos, mas apenas vai para seu carro.
— Hum, desculpe — peço assim que eu me sento no carro. Mateus
acena sorrindo e sai do estacionamento. Coloco meu endereço em seu GPS e
em minutos já estou chegando em casa.
— Aquele cara é o…
— Pai do Nico. Sim, é — eu o interrompo, segurando minha bolsa
firmemente.
— Ele não parece alguém com quem você se relacionaria…
— Por quê? — Eu me viro, elevando minha sobrancelha. Mateus
sorri, dando de ombros, e eu continuo o encarando.
— Sei lá. Pensei que você se relacionava com pessoas do seu mesmo
nível social…
— Isso é uma besteira imensa — murmuro, retirando meu cinto.
— Eu também acho — ele fala, me fazendo parar de me mover.
— Kieran é o pai do Nico, e eu me relaciono com pessoas que eu
gosto, com pessoas que me atraiam. Não as diferencio pelo nível social. —
Eu o encaro, querendo que ele compreenda, e ele sorri, acenando.
— Somos dois, então. — Ele fala sério e eu me inclino, o abraçando.
— Obrigada pela carona. — Eu sorrio e ele segura meu queixo entre
os dedos.
— De nada, moça. — Ele pisca, encarando meus lábios, e eu engulo
em seco. Se ele pensa que vai me beijar… eu vou ficar um pouco louca.
— Gabrielle. — Eu pulo, me virando ao ouvir um chamado seguido
de batidas na porta, e vejo Kieran ao lado do carro de Mateus. Merda.
— Obrigada — sussurro, antes de sair do carro rapidamente.
Vejo Kieran parado, esfregando o rosto, e passo por ele indo, para
meu prédio. Escuto seus passos e, calmamente, eu e ele dividimos o elevador.
Seu rosto está rígido e eu mordo meu lábio, achando que esse troço está indo
devagar demais.
— Quem é o cara? — Sua pergunta ecoa assim que as portas duplas
se abrem no andar antes do meu. Uma senhora entra e eu me aproximo de
Kieran, deixando mais espaço para ela. — Gabrielle. — Ele volta a falar e eu
me viro, cruzando meus braços.
— É o Mateus, médico do Nico — sussurro apenas isso, e ele acena,
me encarando enquanto morde seu lábio.
Respiro aliviada quando entro em casa. Marcia está com Nico no
quarto e eu passo direto para lá, pegando-o em meus braços. Cheiro seu
pescoço, escutando sua risada, que envia ondas de carinho diretamente para
meu coração.
Kieran o toma de mim e sorri quando Nico começa a brincar com seu
boné. Eu vou para a cozinha e me despeço de Marcia, que já vai embora.
Coloco meu jantar e do Nico para cozinhar e faço um pouco a mais, para o
caso de Kieran ficar, o que acho que não vai acontecer.
Alimento Nico sob os olhares de Kieran e deixo os dois juntos, indo
tomar banho. Quando saio do quarto, já arrumada para dormir, procuro os
dois e os encontro no quarto de Nicolas. Meu bebê dorme e Kieran está
ajoelhado ao lado do berço, apreciando nosso filho.
— Ele está grande — ele sussurra e eu engulo em seco, me
aproximando.
— Também acho — murmuro e me sento em minha poltrona.
— Ele é a única coisa boa que eu ganhei dessa vida. — Sua frase me
faz balançar a cabeça, concordando, porque eu sei o que ele está sentindo.
— Eu te entendo. — Devagar, deslizo a mão pela minha tatuagem. —
Ele é a melhor coisa que me aconteceu. Ele dá sentido…
— A tudo. Eu sei que não sou o melhor pai do mundo, mas eu estou
tentando…
— Você não precisa me dizer isso, eu sei. — Eu o encaro e o vejo me
olhando diretamente.
— Eu te perdi, não foi? — Seu questionamento me faz virar o rosto.
— Nós dois nos perdermos — respondo baixo e saio do quarto
rapidamente.
Deito-me na cama e espero a porta bater, me avisando que ele se foi,
mas passam alguns minutos, e depois uma hora, e ele não sai. Engulo em
seco e fecho meus olhos fortemente, tentando esquecer a sua presença em
minha casa.
Aceitar o fim de nós dois foi difícil, mas eu aceitei. Minhas emoções e
minhas decisões estão focadas em Nicolas. Não quero martirizar a minha vida
por causa do nosso fim.
Eu quero emergir, mesmo que Kieran não esteja ao meu lado.
A porta do Nico bate e meu corpo tensiona. Não consigo escutar seus
passos e mordo meu lábio, ansiosa. Ele vai embora, eu sei que sim. Todos os
dias depois da nossa noite juntos ele vai. Nem mesmo me dá adeus.
— Quero conversar com você. — Eu me viro assustada e encaro seu
rosto. Kieran está de braços cruzados, em frente à porta do meu quarto, que
está fechada.
— Eu estou cansada…
— Quero retirar o que eu disse dias atrás. — Sua voz corta minha fala
e eu franzo o cenho, sem entender a que ele está se referindo.
— Você disse várias coisas, dias atrás — resmungo, me sentando e
trazendo meu travesseiro para meu colo.
— Eu falei que você era livre. Que poderia ficar com quem
quisesse…
— Hilário. — Eu reviro os olhos e me levanto, o vendo dar passos em
minha direção.
— Não pode, Algodão Doce. — Sua voz se torna grave, rouca em um
nível que faz minhas pernas amolecerem. — Na próxima vez que aquele
médico tocar em você, teremos alguém ferido… ou morto. — Aperto meus
lábios, encarando o pai do meu filho sem acreditar em nada do que ele fala.
— Você não seria capaz de machucar alguém só porque…
— Tocou em você? Que quer você? — ele me interrompe, se
inclinando em minha direção. Seus dedos tocam meu queixo e eu me
esquivo. — Eu sou. Gabrielle, você não tem noção do que farei se alguém
tirar você ou Nicolas da minha vida…
— Você que me tirou da sua vida! — grito, apertando minhas mãos.
Foi só ele que me afastou. Decidiu por nós dois e terminou tudo.
— Eu já avisei. — É apenas um murmúrio antes de ele sair do meu
quarto.
Eu o sigo a passos rápidos e o pego abrindo a porta.
— Não me ameace, Kieran. Eu juro por Deus, você vai se arrepender!
— grito descontrolada e ele para de se mover, virando para mim.
Seu boné de aba reta está um pouco mais baixo e a luz não alcança
seus olhos. Sua camiseta preta é um pouco longa e cobre o começo da sua
calça jeans surrada.
— Nunca ameaçaria a mãe dos meus filhos, Gabrielle — ele murmura
e eu engulo em seco, ao perceber o plural na sua frase.
— Mateus é um cara legal. Nico gosta dele…
— Foda-se! Meu filho gosta dele? Que porra é essa? — ele grita se
aproximando e eu ergo meu rosto, cansada.
— Ele cuida dele desde bebê. Eu só estou dizendo que se eu fosse me
relacionar com alguém, seria uma pessoa em quem eu confiasse. Que não
representasse perigo para Nicolas…
— Você não entendeu. — Ele esfrega o rosto e se aproxima mais. —
O único homem que entra nessa casa ou fica com você sou eu — afirma e
eu desvio os olhos dos seus escuros.
Permaneço calada até ele se afastar. Assim que a porta bate fechada
eu sorrio.
Vamos ver, Kieran.
“O ponto alto… ”
Gabrielle.

Kieran

Estaciono em frente à casa do meu pai. Passa das dez horas da noite,
mas sei que ele está acordado. Abro a porta e o vejo à mesa da cozinha,
tomando café.
— Fez alguma merda — ele resmunga com um suspiro. Meu pai me
olha e eu dou de ombros, fechando a porta e atravessando a sala em direção à
cozinha. Apenas um balcão divide os cômodos.
— Pode ser. — Eu me sento à sua frente e ele coloca café numa
caneca para mim.
— Como anda Gabby e Nico? — Ele sorri ao falar do meu filho e eu
relaxo, retirando o boné e bagunçando o cabelo.
— Vão bem — resmungo e, em seguida, bebo o líquido quente sob
seu olhar questionador.
— O que fez a mãe do seu filho agora? — ele pergunta com o rosto
severo, e eu abaixo a cabeça, dando atenção aos meus tênis.
— Eu posso ter lhe dito que eu mataria o cara com quem ela se
envolvesse…
— Kieran! — meu pai me recrimina. Posso até imaginar seu olhar,
mas não o encaro. — Pelo amor de Deus. Ela não acreditou, não é? Você não
faria isso, filho…
— Por ela eu faria, pai — eu murmuro, agora, olhando diretamente
para seus olhos. Quero que ele entenda que sim, se eu a vir com alguém, sou
capaz de matá-lo.
Ele deve pensar que estou louco. Qualquer pessoa pensaria, mas não
estou. Eu sei o que eu tenho, eu sou apaixonado por aquela mulher. Ela é
dona de mim, só de imaginar que alguém pode roubá-la, fazer o amor que ela
nutre por mim sumir, eu enlouqueço.
Gabrielle é como um raio de sol em meio à minha escuridão. Tudo
estava negro, sem vida e sem sentido. Ela chegou e tudo isso virou pó. A luz,
a cor que ela colocou em minha vida não tem explicação. Gabrielle me
mantém são. Essa é a definição.
Ela coloriu meu mundo e foda-se se isso parece uma coisa
sentimental. É a verdade. Minha vida era preta e branca, mas bastou um olhar
na direção dos seus cabelos cor-de-rosa para que tudo se preenchesse com
cor.
— Vocês não estão juntos — meu pai me lembra, apertando a xícara,
e eu respiro fundo.
— Eu sei. Tentei deixar ela comandar sua vida. Eu até disse para ela
que ela era livre e que poderia ficar com quem quisesse… — Esfrego meu
rosto e bufo, negando. — A quem eu queria enganar? Eu não consigo, pai.
— Kieran…
— Eu a vi hoje com um cara, médico do nosso filho, ele ia beijar ela,
porra! — eu esbravejo furioso. — Eu terei que estar morto para que alguém
toque nela, você entende? — pergunto desesperado.
— Você deveria conversar com ela como alguém que a ama, e não
como um idiota ciumento que quer mandar nela. — Ele revira os olhos e se
inclina para mim. — Ela pode fazer o contrário só para te infernizar. Você
não conhece as mulheres…
— Eu conheço a minha. Ela não faria isso. — Balanço a cabeço certo.
Meu pai ri e bebe o restante do seu café.
— Espero que sim — ele resmunga e fica sério. — Mas se o contrário
ocorrer, não faça nada, Kieran. Venha para casa. Para cá. — Eu reviro os
olhos, bufando, e ele segura meu pulso. — Você é pai agora, filho. Nicolas
precisa de você. — Eu paro de me mover e assinto.
Ele está certo. Não sou apenas eu agora. Tenho Nico.
— Tudo bem — murmuro e me ergo, me preparando para ir para
casa.
— Gabrielle se importa de deixar Nico aqui amanhã? Para passar a
tarde. — Eu me viro para meu pai e mordo meu lábio, incerto.
— Eu não sei, pai. Gabby não gosta de ficar longe dele. Ela vai em
casa só para o ver na hora do almoço — resmungo, me lembrando de uma
das vezes que liguei e ela disse estar em casa, vendo como nosso filho estava.
Meu pai suspira, acenando.
— Eu imagino.
— Mas vou falar com ela. A babá pode vir, se o senhor quiser…
— Não. Eu cuido do meu neto. Eu cuidei de você e sua irmã desde
bebês — ele me lembra, fazendo careta, e meus olhos correm para sua
barriga. Vejo duas cicatrizes paralelas fazendo o sangue ferver novamente em
meu corpo.
Ainda vou te encontrar…
Juro a mim mesmo novamente e me despeço do meu pai, dizendo que
falarei com Gabby amanhã.

Gabrielle
— Eu só estou esperando Kieran vir deixar Nicolas. Assim que ele for
embora eu começo a me arrumar — resmungo no celular, falando com
Lorena.
Kieran me pediu para deixar Nico passar a tarde com sua família. Não
me importei, até gostei da ideia. Quero que meu filho conviva com a família
paterna. Porém, é claro que estou um pouco apreensiva.
— Tudo bem — minha irmã murmura e eu escuto o som de um
secador de cabelos sendo ligado. — Assim que eu estiver pronta passo aí! —
ela grita sobre o som ensurdecedor e eu sorrio.
— Beleza! — grito de volta e desligo.
Marcia sorri na cozinha, lavando alguns pratos que eu não lhe mandei
lavar. Ela vai cuidar de Nico enquanto eu e Lorena vamos a uma festa. Pela
primeira vez, eu quero realmente ir a uma festa. É uma boate nova no centro
e eu espero que ela seja boa.
Lorena me disse que preciso me distrair e é isso que vou fazer.
Deixei para me arrumar depois que Kieran fosse embora porque não
quero que ele fique me questionando. Porém, eu adiantei meus cabelos, que
já estão escovados. Prendo-os em um coque e relaxo, me sentando mais à
vontade em meu sofá.
A porta abre e eu sorrio, me erguendo ao ver Nicolas nos braços do
seu pai. Ele está com uma bermuda jeans e uma camisa cavada. Eu elevo a
sobrancelha ao perceber que essa roupa é nova e que os dois estão
combinando.
— Não fale. Dani resolveu que deveríamos ir ao shopping. — Ele
revira os olhos, mas lá no fundo do seu olhar escuro eu vejo a satisfação.
— Estão lindos. Dani escolheu bem. — Eu sorrio e cheiro o pescoço
do meu filho.
Kieran entra em casa e eu me sento no chão, brincando com Nico. Ele
ri levemente enquanto olha para seu pai às minhas costas e eu vislumbro
Kieran fazendo caretas engraçadas para ele.
— A Marcia ainda está aqui? — Kieran vira, vendo a babá do nosso
filho enxugando a louça.
— Hum, sim. Ficou um tempo a mais — minto, pois ele mesmo a
mandou ir embora pela manhã, quando veio buscar Nico. Eu lhe pedi que
viesse no começo da noite, pois eu iria sair com minha irmã. Ela resolveu
ficar logo, pois mora um pouco longe e fazer duas viagens não é algo legal.
— Isso…
— Eu vou pintar hoje e pedi a ela para ficar com Nico no começo da
noite — eu o interrompo e ele se vira com o cenho franzido.
— Eu ficaria com ele…
— Hoje é sexta, Kieran. Não quis te importunar. — Eu sorrio e me
ergo, já indo para o quarto.
— Importunar — ele fala irônico e eu finjo que não ouvi. — Estou
indo, então…
— Ok. Vá com Deus — digo mais animada do que eu pretendia,
fazendo-o franzir mais o cenho. Merda.
— O que está aprontando? — ele questiona, cruzando os braços com
a sobrancelha elevada.
— Eu? Nada! — finjo demência e volto a brincar com Nico.
Silenciosamente, Kieran se despede do filho e logo vai embora. Eu
entrego Nicolas a Marcia e corro para me arrumar. Em meia hora Lorena
chega e juntas vamos para a tal festa.
— Eu acho que vamos nos divertir muito hoje — Lorena fala
animada, saindo do estacionamento, e eu aceno sorrindo. Espero que sim.

O som da música eletrônica ecoa pela boate e eu me remexo contra o


corpo de Lorena. Ela levanta as mãos e sensualmente desce até o chão e sobe
sorrindo. Minha garganta está seca e eu viro o copo com caipirinha, deixando
um rastro da bebida descer pelo decote cavado do vestido justo.
— Vou ao banheiro! — grito para Lorena, deixando o copo que
sequei no balcão.
— Te espero aqui. Cuidado! — ela grita para mim e eu aceno, já me
virando e caminhando para os banheiros.
Meus passos cessam quando no meio da multidão avisto um homem
alto, de cabelos escuros e olhos tão escuros quanto o luar. Minha barriga gira
e eu volto para perto de Lorena.
— Kieran está aqui. — Aumento minha voz para que minha irmã me
escute. Olho para onde o vi e o observo virar um copo enquanto está parado.
Ele não me viu ainda e é por isso que meus olhos se prendem nele.
Sua roupa é a de sempre, camiseta branca com uma calça jeans escura, porém
dessa vez uma jaqueta de couro está sobre seus ombros.
— Sério? Ele te viu? — Lorena me puxa de volta para que eu a olhe e
eu nego.
— Não, mas logo vai. O que faço? — questiono, mordendo meu
lábio.
Estou nervosa, sim. Nem sei bem explicar por que, mas eu apenas
sinto um frio rastejar pelas minhas veias.
— Não faz nada. Pare de temer esse idiota — minha irmã resmunga e
eu suspiro.
— Eu não temo ele, Lore. De onde tirou isso? — Franzo as
sobrancelhas e peço mais uma bebida ao barman.
— Então é pior. Você teme vê-lo com alguém, fazendo algo errado…
Pisco, me virando para ela, e vejo o quão certa ela está. É isso que
estou sentindo? Medo de vê-lo com outra mulher? Ou que ele use drogas
novamente?
— Eu…
— Você é livre, Gabrielle. Você pode ficar aqui e, sim, você pode ver
ele com outra mulher. Você é uma mulher formada. Já é mãe. — Sua mão
segura meu pulso de maneira firme e eu aceno, engolindo em seco.
— Você está certa. — suspiro e me viro, o procurando novamente.
Assim que o encontro, seus olhos estão focados em mim.
Minhas pernas tremem e eu desvio o olhar, virando a bebida de pouco
teor alcoólico. Lorena sorri, voltando a dançar, e me arrasta para a pista de
dança. Minha cabeça está focada nele, mas meu corpo se remexe, querendo
absorver a música ao máximo.
— Eu preciso ir ao banheiro. Vamos lá. — Lorena agarra minha mão
e me puxa em direção aos banheiros. Eu respiro aliviada quando saio da
multidão, mas para meu desespero Kieran está parado a poucos metros de
mim.
— Vai lá. Preciso falar com ele. — Aponto para Kieran e Lorena
acena com uma careta, entrando no banheiro.
Caminho até o canto da parede e vejo o maxilar dele apertar. Seus
olhos estão em meu decote e depois descem para minha cintura e coxas.
— O que está fazendo aqui, Gabrielle? — sua voz rouca pergunta no
meu ouvido. Sinto a quentura do seu corpo tocar o meu quando ele se inclina
em minha direção e eu estremeço.
— O mesmo que você — devolvo, encarando seus olhos.
— Onde você deixou Nicolas? — Sua voz está irritada e eu elevo meu
rosto, fazendo-o se afastar alguns centímetros.
— Você sabe que o deixei com a Marcia…
— Você deixou nosso filho com outra pessoa para vir desfilar com
esse pedaço de roupa? — ele grita na minha cara, e eu, calmamente, me
inclino em sua direção, deixando nossos lábios quase se tocando.
— Sim, Kieran — respondo firme e suas mãos sobem, segurando um
punhado de cabelos na base do meu pescoço.
— Você vai para casa agora…
— Eu acabei de chegar, baby — sussurro contra seus lábios. — Sou
livre, Kieran. Você tem que me assistir, ainda não chegou o ponto alto da
noite. — Eu me desvencilho do seu aperto e ando para o banheiro a passos
rápidos.
Kieran
Eu a observo sair do banheiro minutos depois. Seu batom está intacto,
parece até que ela passou novamente. Lorena ri, olhando para mim ao me dar
um tchau. Mando apenas meu olhar irritado para ela e vejo as duas voltarem
para a pista de dança.
Algodão Doce rebola sua bunda redonda na pista, elevando seus
braços para depois deslizar por suas curvas. Minha respiração acelera e logo
minhas calças estão justas. Olhando para os lados, eu vejo alguns rostos
virados em sua direção. As caras de desejo desses filhos da puta estão me
levando ao limite.
Deixo David — um amigo que fiz esses dias, na oficina — na mesa e
faço meu caminho em direção a Gabrielle. Vou arrancar esse vestido do seu
corpo quando chegarmos em casa.
— Vamos. Agora. — Eu pego seu braço e a puxo em direção à saída.
Mandarei mensagem para David depois.
— Kieran, me solta! — ela grita, arranhando meu pulso, mas não
paro. Lorena dá tchau para a irmã, a deixando chocada, e eu balanço a cabeça
com a certeza de que ela é uma louca. — Lorena! — Gabby chama.
— Tenham uma ótima noite! — ela grita e volta a dançar na pista.
No estacionamento, Gabrielle já está mais calma, e eu a solto,
deixando-a andar por si mesma.
— Você me trata como uma idiota, Kieran — ela resmunga, sentando
no carro, e eu entro, colocando meu cinto.
— Eu não te trato como uma idiota — murmuro, franzindo as
sobrancelhas.
— Como vou fazer você entender que não temos mais nada? — Ela se
vira, piscando, e eu engulo em seco, saindo do estacionamento.
— Não vou deixar você dançar para outros homens, porra! — Soco o
volante, me descontrolando. Piso no acelerador, irritado, enquanto ela coloca
seu cinto de segurança.
— Está vendo? Pelo amor de Deus! Eu sou solteira! Se eu quiser
transar com um cara qualquer, eu vou, porque eu posso. — Suas palavras
retumbam em minha cabeça, me fazendo ver vermelho.
— Nunca! — grito, enlouquecido. — Eu te amo, porra! Você não
entende? Como eu vou deixar você ficar com outro cara? Eu vou enlouquecer
— tento explicar a ela.
— Então é assim? Você não me quer, e eu não posso ficar com
ninguém? — Ela se vira, e eu vejo seus olhos repletos de lágrimas.
— Quem te disse que eu não te quero, Gabrielle? — pergunto,
entrando na sua rua. Ela mora a poucas quadras da boate.
— Você! — ela grita, abrindo a porta e saindo do meu carro. — Você
não vai subir. Vá para sua casa — ela decide, já entrando e me deixando para
trás.
Foda-se, Gabrielle! Vamos ver se amanhã você já não vai estar de
volta em meus braços. Cansei de bancar o idiota. Você é minha e eu vou te
manter ao meu lado.
“É uma decisão.
E quando eu a tomo,
ninguém a tira da minha cabeça.”
Kieran

Gabrielle

Eu acordo na manhã seguinte com barulhos na sala. Olho para o


relógio e me assusto ao ver que já passa das nove. Pulo, indo para o quarto do
Nico, mas lembro que Marcia já deve tê-lo pegado.
Assim que entro na sala meus olhos crescem. Kieran está colocando
duas malas enormes para dentro da minha casa e atrás delas ainda vêm duas
caixas de papelão.
— O que está acontecendo? — pergunto, vendo Nico sentado no chão
enquanto brinca com um boneco que ganhou do avô ontem. Meu filho encara
o pai sorrindo, e eu volto a minha atenção para Kieran.
— Estou me mudando — ele apenas resmunga isso enquanto fecha a
porta e deixa a última caixa no chão.
— Você enlouqueceu? — questiono, o vendo pegar nosso filho.
Nicolas bate palmas animado, e eu pisco, ainda totalmente confusa. — Onde
está a Marcia? — questiono, e a vejo sair da cozinha com a mamadeira de
Nico cheia de suco.
— Vai com a Marcia, filho. — Kieran dá Nico a ela e eu sorrio, lhe
dando bom dia.
Ando para a cozinha e me assusto quando Kieran agarra minha
cintura e me leva para seu peito. Seus lábios descem por meu pescoço e eu
fecho meus olhos, tentando inutilmente não responder a suas carícias.
— Eu vim para ficar, Algodão Doce — ele resmunga, me virando, e
eu encaro seus olhos escuros sorrindo. — Eu te amo. — Sua boca desce para
a minha e eu o abraço, beijando-o de volta.
Minhas pernas rodeiam sua cintura e ele me senta no balcão, sorrindo
contra meus lábios. Kieran desfaz o cinto da sua calça jeans e sobe minha
camisola, afastando minha calcinha. Quero mandá-lo parar, pois Marcia está
no quarto do nosso filho, mas não tenho forças. É rápido e logo estamos
suados e sorrindo de orelha a orelha.
— Eu te amo — murmuro aliviada enquanto vejo o amor que ele
sente por mim refletido em seus olhos.
— Desculpa por tudo. Eu juro que agora eu vou tentar entender sua
decisão. Eu só não quero que fiquemos separados, Algodão Doce — ele
repete isso mais e mais, olhando para mim, e eu acredito. Deus, eu acredito,
sim.
— Eu nunca quis isso. Estou feliz que está aqui. Vamos ser uma
família completa, agora. — Eu sorrio contra seus lábios e ele me eleva depois
que arruma nossas roupas e juntos vamos para meu (nosso) quarto.
Fechamos a porta e Kieran me carrega para o banheiro. Com lentidão,
suas mãos despem meu corpo. Entro no chuveiro com ele completamente nu
e juntos tomamos banho. Suas mãos esfregam meu corpo e eu me mantenho
com os lábios pressionados contra os seus.

Ao longe escuto algo tocar. Numa lentidão de lesma, eu acordo e


percebo que Kieran entrou em meus sonhos. Esfrego meu rosto rigidamente e
me viro para pegar o celular, mas acabo caindo diretamente no chão. Meu
Deus, pode ficar pior?
Pego o celular ainda deitada no chão e gemo, atendendo a ligação de
alguém.
— Bom dia! Como foi a noite de ontem? — minha irmã grita na linha
bem animada, e eu resmungo um bom-dia me sentando no chão com as
costas contra a cama. Pressiono minha têmpora com dor de cabeça e suspiro.
— Pior impossível. Acabei de cair da cama. — Minha voz está rouca
e eu esfrego meu rosto, engolindo em seco.
— Sério? — Lorena ri na linha, e eu reviro os olhos. — Kieran não
dormiu aí para te segurar?
— Mandei ele ir embora. — Eu me levanto e caminho em direção ao
banheiro. Solto um gemido ao olhar para meus cabelos e rosto amassado.
— Sério? Pensei que iriam fazer um irmão para Nico. — Ela volta a
rir e eu reviro os olhos.
— Nos seus sonhos. Kieran é um… escroto — resmungo, colocando
o celular no viva-voz para escovar os dentes.
— Eu sei que ele é, mas você o ama — ela me lembra algo que não
preciso lembrar.
— Sim, amo, mas estou cansada do seu jeito idiota — balbucio depois
de cuspir a pasta. — Ele não me perdoa por esconder Nico e não quer que eu
siga minha vida — digo, começando a me irritar.
— Faz ciúmes, Gabby. Ele vai voltar correndo. — Ela ri no final e eu
suspiro, rindo também.
— Não te falei, mas ele ameaçou qualquer cara com quem eu pense
em ficar — digo, saindo do banheiro. Ando para o quarto de Nico, mas logo
me encaminho para a sala.
— Deus, como Kieran é um idiota — ela pragueja.
— Bom para mim, que não quero ficar com ninguém — respondo,
chegando à sala. Meus olhos crescem quando vejo o próprio demônio no
sofá. — Preciso desligar — murmuro e dou as costas a Kieran, indo para a
cozinha, onde Marcia está com Nico.
— É ele. Boa sorte, mana — ela ri desligando. Vaca.
— Bom dia! — saúdo Marcia e Nicolas e o pego, beijando seu rosto
gorducho.
— Bom dia! — A babá do meu filho sorri e logo se levanta, indo para
o quarto dele.
Sento Nicolas em sua cadeira de comer e logo preparo meu café.
Como devagar e logo Kieran aparece. Seus braços estão cruzados e seu rosto
está sério.
— Bom dia! — murmuro e ele acena, sentando. Nico aponta para um
dos pães e seu pai corta um pedaço, lhe dando na mão. Devagar, ele chupa e
morde o pão, não deixando nada, além de migalhas.
— Precisamos conversar — Kieran fala, e eu ergo a cabeça, o
encarando.
— Sobre o quê? — questiono curiosa. Ele se inclina, ficando bem
perto de mim, e eu engulo em seco, me lembrando do meu sonho. Parecia tão
real.
— Sobre onde vamos morar. — Eu pisco, abrindo e fechando a boca
algumas vezes. O quê?
— O quê? — Minha voz sai baixa, mas Kieran escuta. Seus olhos
escuros se prendem nos meus enquanto seus lábios estão a centímetros da
minha boca.
— Eu quero meu algodão doce de volta. — Sua respiração beija meus
lábios e eu os umedeço, sentindo-os ressecarem instantaneamente.
— Você está falando sério? — murmuro, não acreditando que meu
sonho está acontecendo. Não idêntico, mas acontecendo.
— Mais sério impossível. — Eu sorrio devagar, ouvindo sua frase. —
Agora me diz, onde quer morar? Aqui ou na minha casa? — Seus dedos
deslizam pela minha pele e eu me afasto um pouco, para encarar seus olhos.
— Isso está estranho. No meu sonho você foi bem grosso. Só chegou
com as malas e disse que estava se mudando, agora você está sendo fofo e,
Kieran, você nunca é fofo! — eu desato a falar e o vejo sorrir de lado.
— Eu posso ser, Gabby. — Ele ri novamente, eu pulo da cadeira e me
sento em seu colo. Nicolas sorri para nós dois e eu sinto meu coração inchar
de amor.
— Você não pode ser fofo agora. Quero o Kieran bruto — murmuro
contra seus lábios e ele rosna, atacando minha boca.
— Foda-se, vamos morar aqui. Quando engravidar novamente vamos
para a minha casa, que é maior — ele decide com a voz rouca, segurando
meu rosto entre suas mãos.
Sim, esse é o meu Kieran.
“Feliz e completa…
até quando?”
Gabrielle

Kieran

Meus dedos deslizam pelas ondas que os fios macios do cabelo de


Gabby formam. A cor deles, de um jeito completamente estranho, me
apavora. Assim que eu vi que ela tinha mudado, eu senti dor se alastrar pelo
meu corpo.
Foram eles que me prenderam a ela, eles me enfeitiçaram. A cor deles
me puxou da escuridão e, quando ela sorriu, minha vida escura foi inundada
por luz.
— Pinte eles novamente — peço, pressionando meu nariz contra seu
pescoço.
— Kieran… — Sinto sua respiração acelerar e seu corpo ficar tenso.
— Por que mudou? Eu não entendo. — Minha frustração parece
crescer quando ela se afasta de mim, se sentando na cama. Passa das dez da
noite e Nico já adormeceu.
Passei o dia com eles e à noite eu trouxe Gabrielle para dormirmos
mais cedo no seu quarto. Encaro os olhos dela e me sento também, enquanto
suas mãos apertam o lençol, cobrindo seu corpo nu.
— Não podia estar descolorindo por causa da gravidez, depois foi por
causa do leite. — Ela dá de ombros, olhando para suas unhas, e eu me
aproximo, segurando seu rosto.
— Tem certeza? Não tem nenhuma tinta que possa ser usada? — Eu a
estava encurralando e sei que isso a deixa nervosa. Seu lábio está sendo
moído e, suas mãos, apertadas uma na outra.
— Eu não procurei, Kieran. Eu só…
— Quis apagar tudo que eu gostava em você? — Sua mão desliza na
minha e eu aperto seus dedos, desviando dos olhos dela.
— Não! Eu só… eu não sei — ela sussurra e leva as mãos ao rosto. —
As coisas foram acontecendo e eu me perdi. Eu estava completamente
perdida. — Seus olhos estão atormentados e eu me aproximo, puxando-a para
meu peito.
— Tudo bem — eu murmuro e encaro a cortina da janela.
Mordo meu lábio, pensando que talvez eu tenha sido dramático. O
que eu não sou. De jeito nenhum, mas os cabelos dela… isso é importante
para mim, ou foi. Não sei mais.
Nós nos deitamos novamente e, aos poucos, Gabrielle adormece. Eu
demoro um pouco mais, pensando nos meus demônios pessoais. Um deles é
perdê-la. Acaricio seu rosto e enfim o sono me vence.

Dias depois…
— É legal ter um bebê em casa? — Eu me viro, deixando o macaco
mecânico de lado. Estava trocando um pneu, mas já finalizei. Sorrio vendo
Luca bater o pé e coçar a cabeça.
— Por quê? Você quer um com Alícia? — instigo rindo, e meu pai
eleva a cabeça de onde está, separando algumas ferramentas.
— Ela está estranha ultimamente. Pensei que poderia ser gravidez. —
Ele dá de ombros, tentando falar baixo, pois ela está no escritório.
— Deixe de ser um palerma. As mulheres são estranhas. Não fique
procurando coisas onde não há — meu pai fala, rindo, e eu me viro para
Luca.
— Cara, Nico é a coisa mais importante da minha vida. Não é legal
ter um bebê em casa, é especial ter o seu filho — eu respondo com
sinceridade. Meu pai acena, me dando razão, e Luca sorri, acenando também.
Saio do trabalho mais tarde do que eu gostaria. Luca veio comigo,
pois Alícia levou seu carro para casa. Os dois vieram juntos de manhã.
— Eu preciso de uma cerveja — murmuro apertando o volante, e
Luca franze as sobrancelhas. — É rápido, pau mandado. — Eu gargalho da
careta que ele faz.
— Rápido. Tenho que ir para casa logo. — Eu sorrio acenando e
paramos em um bar. Peço duas cervejas e bebo a minha calmamente,
observando o lugar.
Meia hora depois, Luca recebe uma ligação e diz que precisa ir agora.
Eu me levanto para segui-lo, mas ele me diz que posso ficar, pois pegará um
táxi. Não me opus.
Volto a sentar e bebo o restante da minha cerveja. Escuto meu celular
tocar e sorrio ao ver o nome de Gabrielle.
— Oi, Algodão Doce — atendo, pagando minha bebida.
— Onde está? Fiquei preocupada, você chegou cedo os outros dias.
— Sua voz é cautelosa e eu sei que é pelo barulho de som.
— Só parei para tomar uma cerveja. Estou indo — respondo, já me
erguendo.
— Uma dose de tequila. — Eu me viro, atordoado pela voz da
mulher. Essa voz é a mesma que me colocava para dormir quando eu era um
bebê, eu a reconheceria em qualquer lugar.
— Kieran — Gabby chama no outro lado da linha, e eu vislumbro
minha mãe sentada a dois bancos de distância de mim. Meu sangue ferve,
minha mandíbula cerra e eu quero pegar seu pescoço entre minhas mãos e
mandá-la para o inferno.
“Aperto meu cobertor, tentando parar de escutar os gritos. Meus pais
brigam o tempo todo, e sempre é por coisas bobas. Dessa vez minha mãe
gritou com meu pai porque ela estava com fome e não tinha jantar. Eu, Dani
e meu pai comemos pizza fora, enquanto minha mãe tinha saído.
Os gritos aumentam e eu solto o cobertor, pegando o travesseiro e
tampando meus ouvidos. Diminui, mas logo o afasto, pois sinto Dani entrar
em meus lençóis. Seus olhos brilham mesmo na escuridão, e eu me dou conta
de que ela está chorando.
— Shiu. Já, já eles vão parar e dormir — sussurro e a puxo para meu
peito.
Dani para de chorar enquanto eu coloco um pedaço do meu cobertor
sobre seus ouvidos. O barulho cessa e eu respiro aliviado. Eles vão para o
quarto e eu deixo o sono me vencer.
Meus olhos se arregalam assim que escuto um grito longo de horror.
Meu coração bombeia rápido quando escuto meu pai gritar mais alto.
— Monica! — Seu grito de dor após esse me fez levantar às pressas.
Não prestei atenção em minha irmã, apenas corri o mais rápido possível.
— Pai. — Minha voz quebra e eu engulo em seco, tentando ser forte.
Não posso chorar.
— Eu avisei… — A voz da minha mãe estava diferente.
Seus olhos estavam focados na cama. Eu me aproximo devagar e,
quando percebo que o que ela olha fixamente é o corpo do meu pai, meu
coração despenca. A poça de sangue entre os lençóis me apavora.
Corro, caindo, e ele sorri, levando a mão até sua boca, me mandando
parar de chorar. Eu me viro, à procura da minha mãe, e a vejo sair pela
porta e sumir. Meu pai sorri e tenta se levantar, mas não consegue.
— Pai.
— Kieran… Telefone, pegue para mim. — Sua voz é fraca e logo faço
o que ele pede. Meu pai me ensinou a ligar para a ambulância e naquele dia
eu o vi quase morrer.
Os médicos o reanimaram ainda em cima da sua cama, e, quando
pensei que eu e Dani ficaríamos sozinhos, ele voltou.
Ele foi um guerreiro.”
E foi naquele momento que eu jurei que quando eu encontrasse essa
ordinária, eu a mataria.
— Preciso desligar — murmuro para minha mulher, que já gritava
histérica.
— Quem está aí? — Gabrielle grita e eu respiro fundo.
— Minha mãe. — Eu desligo, não esperando por resposta.
Dou passos cautelosos na direção da mulher que parece estar pronta
para se divertir e seguro seu braço em um aperto de morte. Assim que ela se
vira, seus olhos se arregalam e eu a puxo do banco, jogando dinheiro para
pagar a bebida dela.
— Meu Deus… — Seu murmúrio é baixo e eu a arrasto para o
estacionamento em silêncio. Avisto meu carro, escutando-a sussurrar
palavras completamente surpresa.
— Pensou que nunca mais me veria, não é?! — grito em seu rosto e
puxo seu braço com mais força. Jogo-a dentro do meu carro e corro, indo
para o lado do motorista.
— O quê? O que está fazendo? Kieran, Deus, como você cresceu. —
Ela está desacreditada. Seus olhos ainda estão arregalados e eu sorrio frio.
Dirijo para casa e abro minha porta, vendo a casa do mesmo jeito que
a deixei dias atrás, quando me mudei para a casa da Gabby. Puxo minha mãe
e a coloco sentada numa cadeira da cozinha.
— O que está fazendo? — ela grita quando eu junto suas mãos atrás e
as prendo na cadeira com uma corda.
— Você quase matou meu pai, Monica. Hoje eu que vou te matar. —
Seu olhar se torna apavorado e eu me sinto bem.
Foda-se ela. Hoje eu a farei pagar por tudo que fez ao meu pai.
“Estou fora de controle,
porém, ao ouvir sua
voz doce, eu retorno.”
Kieran

Gabrielle

Suspiro olhando para o celular. Kieran apenas desligou, merda. Vou


matá-lo. Eu me preparo para ligar para ele, mas meu celular toca antes, com
Lorena ligando.
— Marcia ainda está aí? Preciso que venha me ajudar… — Minha
irmã geme no final da fala e eu arregalo os olhos. O que está acontecendo?
— O que foi? Está machucada?
— Estou com dores na barriga. Eu não sei o que comi. Preciso ir ao
médico, Gabby. — Ela geme enquanto fala e eu pego minha bolsa no sofá, já
me preparando para sair.
— Estou indo. Não se preocupe, fique deitada, por favor — peço e
desligo, pedindo a Marcia que fique com Nico enquanto vou socorrer minha
irmã.
Seus olhos se arregalam preocupados e eu a aviso que ligarei com
novidades.
— Como está se sentindo? — questiono, vendo minha irmã sentar em
seu sofá. Fomos ao hospital e ela estava com uma pequena infecção
alimentar. Seu rosto está pálido e eu engulo em seco, ainda preocupada.
— Estou bem. Vou me deitar. — Ela se ergue e juntas adentramos o
pequeno aparte que ela alugou. Assim que entro em seu quarto, eu franzo as
sobrancelhas.
Tem alguns quadros espalhados pelo espaço e eu respiro com
dificuldade enquanto olho para a beleza das telas. Quem as pinta?
— De quem são? — pergunto me aproximando. Deslizo meus dedos
pelo tecido e sorvo uma grande quantidade de ar, vendo que não são pinturas
comuns. São feitas à mão. Com as pontas dos dedos.
— Gabby. — Mesmo não querendo tirar os olhos da tela, eu olho para
minha irmã, pois meu nome sai de maneira apavorada dos seus lábios.
— O quê? — questiono, vendo seu olhar ir de mim para os quadros.
— Quem os pintou? Você ganhou de presente? — Afasto minha mão e
sorrio. — É maravilhoso demais…
— Eu pintei. — Franzo as sobrancelhas e me aproximo dela. — Eu
faço pinturas em um atelier há algum tempo. — Suas palavras são sussurros e
eu me sento sem entender.
— Como assim? Eu nunca…
— Eu não queria que ninguém soubesse… — Sua voz se parte e eu
fico na sua frente, completamente chocada.
— Nem eu? Eu pinto, tenho uma galeria…. Você não gosta? Tipo,
você se envergonha? — Estou tão confusa. Por que ela não me contou?
— Não. Eu só…
— É um hobbie? — Aperto sua mão e sorrio. — Eu estou surpresa,
mas… entendo. Você queria seguir nosso pai na carreira? Eu não estou
assimilando direito você não contar a ninguém.
— Eu amo pintar, como você, mas também amo ser administradora.
Não sei por que não quis contar, apenas não contei. — Ela dá de ombros e eu
balanço a cabeça, entendendo.
— Não há problema. Mas quero ir a esse atelier e também quero seus
quadros na galeria. Vou ficar rica! — Eu gargalho de sua expressão
assustada.
— Você está louca! De jeito nenhum. — Como se possível, ela está
mais horrorizada do que quando me viu perto dos quadros.
— Preciso ir agora, mas vamos conversar sobre isso — digo e beijo
sua cabeça, vendo que seu rosto até melhorou um pouco. — Se precisar, me
ligue. — Ela acena e eu vou embora.
Assim que entro em casa, eu estranho ver Júlio e Dani na sala.
Nicolas deve estar dormindo e Marcia já está pronta para dormir também. Ela
sempre dorme aqui quando não dá tempo de ir para casa. Eu a agradeço e a
deixo ir para o quarto de Nico, e eu me encaminho ao meu sogro e cunhada.
— Hum. Oi. — Sorrio e me sento na poltrona. — Kieran está aqui?
— questiono, olhando ao redor da casa. Ele já deveria ter chegado.
— Eu estranhei ele não estar aqui. Vim deixar Dani para passar a
noite com vocês, pois vou sair, mas não os encontrei. — Júlio se levanta e eu
mordo meu lábio, preocupada.
— Eu liguei mais cedo. Ele disse que parou em um bar e que já estava
vindo. Porém, quando desligou, disse que a mãe estava com ele, acho que por
isso deve estar demorando…
— O quê? — O copo com água cai das mãos de Júlio e seu rosto fica
completamente branco. — Por Deus, isso faz quanto tempo? — Júlio está a
um passo de entrar em colapso. O que diabos estava acontecendo?
— Faz umas duas horas, Júlio. O que está acontecendo? — Eu estou
começando a me preocupar.
— Monica tentou matar nosso pai quando éramos pequenos. Kieran
jurou matá-la quando a encontrasse. — Dani está tremendo e eu me
aproximo, sentindo o compasso do meu coração acelerar.
— Matar? Ela tentou te matar? — Minha voz é fraca, e eu vejo os
olhos escuros do pai do meu quase marido transparecerem uma dor crua.
— Sim. Kieran que ligou para a polícia e ambulância. Meu Deus, ele
já deve ter matado ela. — Júlio corre, pegando seu celular, e eu balanço a
cabeça veemente.
— Não. Ele não faria isso… ele não é capaz de matar ninguém… —
Minha voz some quando Dani se vira para me encarar com os olhos cheios de
lágrimas.
— Ele é, Gabby. Kieran é meu irmão, eu o amo, mas sei tudo de que
ele é capaz de fazer… ele já matou outras vezes, Gabby. — Dani parecia tão
devastada e eu começo a tremer, piscando e tentando afastar a dor que se
alastra pelo meu corpo.
— Pelo amor de Deus! Ele não fez… Kieran não pode matar a mãe.
Isso… — Eu não consigo formar palavras. Sei que o vi uma vez pronto para
matar um homem, mas nunca tive a certeza de que ele tivesse, de fato,
matado alguém.
Eu me sinto caindo. E eu não sei como vou me erguer.
O celular de Kieran toca até cair na caixa postal. Seu pai implora ao
celular para que ele não faça nada. Nós três saímos em direção à antiga casa
de Kieran. Seu pai afirma veementemente que ele a levou para lá.
Estaciono e os dois descem correndo. Eu os sigo, temendo o que irei
encontrar em sua casa. Meu coração dói por ele. Ele viu sua mãe quase tirar a
vida de seu pai. Não imagino a dor que ele sentiu.
— Quietas. Vou entrar pelos fundos — Júlio murmura e nos manda
ficar caladas. Eu o vejo pular o murro e entrar na casa. Meu coração corre
acelerado e eu peço a Deus para que Kieran não tenha feito nada com essa
mulher.

Kieran
Meus dedos não tremem quando pego a faca na cozinha. Preciso
matá-la. Preciso vingar meu pai. Eu me aproximo dela enquanto seus olhos
estão repletos de lágrimas.
— Kieran, eu sou sua mãe. Quão cruel você se tornou? — Suas
lágrimas me fazem repudiar mais ainda essa mulher.
— Você é a culpada. Me tornou isso quando atravessou uma faca no
corpo do meu pai. Você queria de verdade matar ele, não é? — Meu
ressentimento surge como uma lâmina afiada. Dói quando relembro o medo
que senti ao ver meu pai sangrando.
— Eu o odiava. O odeio, mas nunca você e Daniela. — A pronúncia
do nome da minha irmã em seus lábios me dá nojo.
— Nós te odiamos, eu e Dani. Sempre e para sempre — eu rosno
completamente furioso. Minha visão está vermelha e eu quero fazê-la sofrer,
só por dizer que odeia meu pai.
— Kieran — meu pai fala horrorizado, e eu puxo Monica pelos
cabelos e prendo meu braço em seu pescoço, me virando para vê-lo parado e,
ao seu lado, Gabby e Dani.
— Pai… — murmuro e vejo o olhar apavorado no rosto do meu
algodão doce. — Baby. — Eu engulo em seco, e a faca que antes estava
quase tocando a garganta de Monica se afasta.
— Amor, o que é isso? — Gabby dá um passo em minha direção e eu
fecho meus olhos, envergonhado.
— Ela tentou matar ele, Gabrielle — explico, apontando para meu
pai.
— Eu sei, e nós vamos levar ela para a polícia. Não faça isso. Pense
em Nico. Por favor, ele precisa de você. — Seus olhos estão cheios de
lágrimas e eu pisco, temendo que Gabby e Nico se afastem de mim.
— Por favor, escute ela. Nico é seu filho? — Monica chora e eu
aperto meu braço, aproximando a faca do seu pescoço.
— Cale a boca! Não diga o nome dele nunca! — grito e ela para de
falar, chorando silenciosamente.
— Kieran, você quer voltar para aquele lugar? — Dani questiona e eu
balanço a cabeça.
— Não! — grito. Não posso imaginar ficar distante da minha família
novamente.
— Quem cuidará de Nico? E Gabby? Quem cuidará dela? — Minha
irmã chora ao me questionar. — Solte-a, por favor.
— Ela quase matou nosso pai, Dani — eu a lembro, vendo seu queixo
tremer.
— Dani — Monica sussurra surpresa, e minha irmã retrocede, com
visível medo.
— Eu sei, mas ele está bem e nós só desejamos que a gente
permaneça juntos. — Minha irmã chora e eu balanço a cabeça, acenando,
meio segundo antes, do meu pai me agarra por trás, me fazendo soltar minha
mãe.
— Filho. — Meu pai chora em meu ouvido e nós dois caímos no
chão, sentados. Seu braço me prende pelo peito enquanto ele está atrás de
mim.
— Pai — resmungo, tentando sair do seu controle. Gabby cai sentada
em minha frente e segura meu rosto entre seus dedos.
— Kieran, olhe para mim. — Eu encaro seu rosto bonito, e ela se
inclina, beijando minha cabeça. — Ela não merece isso, amor. Nosso filho
precisa de você. Olhe seu pai, querido. Ele está bem. Ele está conosco. — Ela
chora, me fazendo ver seu rosto torturado.
— Eu jurei vingar ele…
— Mas não é certo. Nosso filho não merece ficar sem pai novamente,
Kieran. — Sua testa cola na minha e eu aceno, a puxando para meu colo.
Por mais que doa em todo o meu coração deixar Monica ir, eu faço e
deixo Gabby me parar.

Gabrielle
Vejo Júlio levar a ex-mulher para longe de Kieran. A polícia chega e
a leva para prestar esclarecimentos diante do atentado que aconteceu anos
atrás, e Júlio vai com ela, me deixando com Kieran e Dani.
— Eu vou… para o quarto — a irmã do Kieran diz e logo sai da sala,
me deixando com seu irmão.
Sento-me no sofá e puxo minhas pernas, abraçando-as. Kieran está no
chão, ainda sentado. Seu foco está em suas mãos.
— Eu nunca cheguei a odiar alguém o quanto odeio essa mulher —
ele pronuncia com a voz grossa. Eu o encaro, mordendo meu lábio.
— Eu entendo…
— Eu era um menino quando vi meu pai quase morrer em cima da
cama. Ele dormia enquanto ela o atacou, Gabby. Ela foi covarde. — Seu
olhar escuro se prende ao meu e eu me ergo, andando até ele e sentando em
seu colo novamente.
— Eu sei, e eu também não gosto dela, Kieran, mas… não é você
quem a fará pagar por isso. Nicolas não merece isso, e eu… — Mordo meu
lábio, encarando seu olhar. — Eu não mereço também — finalizo e escuto
sua respiração pesada.
— Eu sei. Só fui tomado pelo ódio e desejo de vingança — ele
murmura e eu o abraço mais forte.
— Eu sei e juro que não importa o quão ferido você está, a dor não
diminuiria depois de matá-la — eu sussurro e ele acena contra meu corpo,
abraçando minha cintura com mais firmeza.

Quando chegamos em casa, ainda naquela noite, eu pego Nicolas do


quarto e o coloco no meio, entre mim e Kieran. Enquanto acariciamos o rosto
do nosso filho, eu me permito relaxar e ver de verdade quem é o homem por
quem me apaixonei perdidamente.
Kieran é o menino machucado que foi exposto à violência desde cedo,
que seguiu caminhos errados e pagou por suas escolhas. Meu amor eterno é
um homem que ama sua família acima de tudo e que protege todos de quem
gosta.
Meu Kieran diz que eu colori o mundo dele, mas ele está enganado.
Sua escuridão e a minha se juntaram e formaram uma coisa muito melhor que
as cores: o amor. Sem explicação ou causa, o mais belo e puro amor.
“Eu vi o seu pior lado.
Eu sei que não deveria, mas
eu também amo essa escuridão.”
Gabrielle

Kieran

Eu finjo dormir na manhã seguinte enquanto Gabrielle está me


observando sentada na cadeira ao lado da cama. Com algumas espiadas,
abrindo os olhos rapidamente eu vejo que em suas mãos tem uma xícara
grande com o que acho que deve ser café. Ela olha para a janela do quarto e
de volta para mim. Respira fundo e vejo seu rosto brilhar com lágrimas que
caem por suas bochechas. É nessa hora que eu paro de agir como uma
criança.
— Algodão Doce. — Minha voz é grave e ela se vira com um pulo
assustado.
— Bom dia, amor. — Ela limpa as bochechas e eu estico minha mão,
querendo que ela a pegue. Gabby vem para a cama e senta entre minhas
pernas, deixando as suas abertas por cima das minhas coxas.
— Eu sei que te desapontei ontem…
— Kieran… — Eu a calo, colocando dois dedos sobre seus lábios
macios.
— Deixa eu falar — peço calmamente, e ela acena, fechando os
olhos. — Eu… me envergonho por ontem, por perder o controle daquela
maneira. Me perdoe por eu ter feito você passar por aquela cena. Eu não te
mereço, Gabby. Mesmo que eu odeie e despreze o homem que fui ontem,
aquele é um pedaço de mim — eu confesso envergonhado, enquanto ela
balança a cabeça, negando. — Sim, Algodão Doce. Eu tenho escuridão nas
veias, eu levo a morte de pessoas nas minhas costas…
— Pare, por favor…
— Esse sou eu. Eu matei, eu trafiquei e roubei. Eu usei drogas na
minha adolescência e começo da vida adulta. Eu sou um monstro. E eu sei
que nem em um milhão de anos eu vou ser merecedor da família que você me
deu. — Deslizo meus dedos pelo seu rosto coberto de lágrimas enquanto ela
soluça, chorando. — Eu nunca vou merecer essas lágrimas que caem por seu
rosto, baby — murmuro, e ela segura meu rosto entre suas mãos pequenas e
macias.
— Eu não ligo para o que disse, eu não me importo com o que fez, eu
vejo coisas diferentes, eu presencio coisas diferentes. Você é um pai
maravilhoso, Kieran. Nico te ama. Você cuida da Dani e do seu pai. Você
ficou tão machucado pelo que sua mãe fez com ele que quis fazer justiça com
as próprias mãos. Isso me diz coisas sobre você e nenhuma delas é algo cruel.
Você é bom. Eu te amo e me apaixonei por algo bom que existe dentro de
você. — Ela me encara com os olhos sérios e eu me inclino, beijando sua
boca devagar.
Gabby me abraça enquanto minha língua entra em sua boca e eu
devoro o gosto doce que só ela é capaz de me dar. Suas mãos passeiam pelo
meu peito nu até chegar à minha calça de moletom. Ela me deixa nu em
poucos segundos e sobe em meu colo, já sem a sua calcinha e sem o meu
casaco. Entro em seu corpo, segurando seus quadris, e observo sua boca
soltar pequenos gemidos.
Prendo um bocado dos seus cabelos em meu punho e a puxo em
minha direção. Chupo um dos seus mamilos e ela geme, alcançando o prazer.
Eu me desfaço em seu corpo e juntos caímos na cama, completamente
exaustos.
— Eu te amo e você é o meu mocinho. — Eu sorrio para o que
Gabrielle fala enquanto deixa pequenos beijos em meu peito.

Gabrielle
Dias depois, no final da tarde, eu estaciono na pista onde Kieran
corria. Eu o procuro, respirando fundo. Meia hora antes ele me ligou e me
disse para que eu o encontrasse aqui. O que ele está aprontando é o que eu
quero saber, afinal, hoje é um dia de semana, ele deveria estar trabalhando, e
não correndo aqui.
Avisto o carro dele no final da pista, vindo em alta velocidade
enquanto escuto mais carros, se aproximando. Sorrio ao perceber que são
Alícia e Luca. Os dois descem cada um do seu carro e vêm na minha direção
na mesma hora que Kieran estaciona.
Ele sorri, bagunçando seu cabelo, e me puxa, fazendo-me inclinar e
beijar sua boca.
— Traga seu carro para a linha de saída — ele manda sorrindo e eu
elevo a sobrancelha. — Vamos lá. Vamos correr, eu e você. — Ele sorri mais
largo e eu aceno, apenas porque isso está o divertindo.
— Tudo bem. Mas não quero que me deixe ganhar. Quero uma
corrida de verdade. — Eu pisco para ele e Luca assobia ao lado. Eu lhe
mando o dedo do meio e Kieran acena.
Assim que meu carro e o dele estão alinhados, Alícia vai para nossa
frente dá a largada.
— Eu sempre quis fazer isso. — Ela ri, dando pulinhos enquanto
segura um pedaço de pano na mão. Meus dedos doem do quão apertado é o
meu domínio sobre o volante, mas por incrível que pareça eu me sinto bem.
A adrenalina corre pelas minhas veias e eu sorrio grata por isso.
Assim que Alícia baixa o pano, eu piso no acelerador. Kieran está ao
meu lado, ora acelerando, ora retrocedendo. Vou deixá-lo brincar. Piso
novamente e em segundos eu o ultrapasso. Damos a volta com ele ora na
minha frente ora atrás. Assim que ultrapasso a linha de chegada, vejo que
ganhei. Minha boca se abre e eu grito, pisando no freio.
Alícia corre para mim e nos abraçamos, rindo muito.
Kieran tira nossos carros da pista, pois agora quem vai correr é Alícia
e Luca. Eles sorriem um para o outro dentro do carro e, em segundos, depois
que abaixo o pano, eles voam na pista. Infelizmente, para minha amiga, Luca
a deixa comendo poeira e em menos de três minutos ele ultrapassa a linha,
deixando Alícia furiosa.
— Por que você não pode ser como Kieran? Me deixar ganhar? — ela
grita batendo o pé, enquanto Luca está rindo contra a porta do seu carro.
— Ei! Eu ganhei por mérito… — reclamo.
— Nem a pau. Kieran deixou você ganhar. — Luca ri de mim e eu me
viro, cruzando os braços ao encarar Kieran.
— Kieran, eu falei para não fazer isso!
— Relaxe, agora vamos ver corrida de verdade. — Kieran beija meu
pescoço e se afasta. — Vamos lá, pau mandado — ele chama Luca, que faz
careta para o insulto.
— Pau mandado? Luca não é pau mandado… — Alícia desata a falar
e eles saem, deixando-a sozinha comigo.
Nós duas vamos para o meio da pista e juntas nos viramos, deixando
nossos traseiros para o alto, ao baixar o pano. Eu me viro para saber por que
diabos não saíram e os dois estão parados, olhando cada um para sua mulher.
Idiotas.
— Vão logo! — Alícia grita e eles saem em alta velocidade.
Eu observo Kieran e Luca ficarem lado a lado até a primeira curva.
Luca sai na frente e eu torço, vendo Kieran se aproximar. Eles gritam quando
passam pela linha de chegada, juntos. Isso mesmo, empate.
Saímos da pista cada um em seu carro e vamos para uma lanchonete.
Confiro meu celular para ver se Marcia ou Lorena ligou, mas não há
chamadas. Isso me acalma e eu me divirto pelo resto da tarde e início da noite
com meu quase marido e nossos amigos.

Três meses depois…


— Eu… hum… — Júlio está vermelho como um tomate enquanto eu,
Dani, Kieran e Nico olhamos para ele.
— Pai, desembucha! — Kieran resmunga impaciente, e eu aperto sua
mão, lhe mandando parar.
— Eu conheci uma pessoa. Estou saindo com ela há alguns meses e
decidi que era a hora de apresentar ela à minha família. — Ele está
completamente nervoso e eu abro a boca para lhe acalmar, mas Kieran
começa a rir.
— Cara, pelo amor de Deus, você está nervoso por quê? Já estava na
hora. — Ele continua rindo e eu balanço a cabeça, me erguendo e indo até
Júlio.
— Vamos amar conhecer ela. Posso fazer um jantar hoje à noite, o
que acha? — Sorrio, tranquilizando-o, e ele acena agradecido.
Conhecemos Carla naquela noite e eu adorei o modo cuidadoso que
ela olha para Júlio. Eu sei o quanto ele sofreu com a mulher que agora estava
respondendo processo e o filho no mundo do perigo. Eu me sinto aliviada ao
ver que ele conheceu alguém que poderá cuidar dele.
Na manhã seguinte, eu arrumo Nico para seu primeiro dia na creche.
Depois de muito conversar com Kieran, decidimos deixar nosso filho ir.
Claro, ainda são apenas três horas que ele vai passar lá. Até porque, eu não
quero mais que isso. Ele ainda é um bebê.
Pego sua mochila enquanto Kieran o carrega até o berçário onde ele
vai ficar. Meu celular toca e eu vejo uma mensagem da minha irmã. Lorena
pede que eu vá até lá, ela tem uma novidade.
Eu sorrio curiosa e respondo que em alguns minutos chegarei lá.
Volto a caminhar e procuro por Kieran, mas ele já deve estar na sala. Assim
que chego, eu o vejo de braços cruzados, olhando para Nico sentado ao chão
— que está forrado com um tapete divertido — com outros bebês.
— Ele parece muito com o senhor. Os dois são lindos. — Eu encaro
uma professora se aproximando ao falar isso e aperto meus punhos.
— Hum. Obrigado. — Ele aperta o olhar para a mulher e se afasta, se
encostando à parede.
— Todo mundo acha que ele tem meus cabelos. Você concorda? —
questiono à professora, a vendo arregalar os olhos.
— Gabby.
— Se aproxime dele novamente que eu arrancarei esses fiapos da sua
cabeça — rosno para a mulher, que corre indo para o outro corredor.
— Meu Deus… — Kieran resmunga, mas se cala quando a professora
do Nico aparece. Ela sorri angelicalmente para mim e eu relaxo.
Converso por alguns minutos com ela e saio com Kieran, olhando
para Nico. Ele não percebe quando vamos embora, mas eu choro ao deixá-lo
lá.
— Ele vai ficar bem — Kieran murmura, beijando meus cabelos.
— Eu sei. — Limpo minhas lágrimas e sorrio, entrando no carro. —
Me leve para a casa da Lorena, ela quer me contar algo — peço e ele logo
atende.
Kieran vai para a oficina e me deixa em frente ao prédio de Lorena.
Subo e, assim que abro a porta, eu sorrio ao ver minha irmã sentada no chão,
com um quadro à sua frente. Seus olhos estão fechados e ela desliza os dedos
pela tela de forma vagarosa. Eu permaneço calada, apenas absorvendo a
imensidão de talento que ela tem dentro de si.
A figura à sua frente vai se formando e eu perco um pouco o fôlego
quando vejo meu Nico no quadro belíssimo. Em alguns minutos, ela finaliza,
e só no final é que seus olhos se abrem. Lorena pinta com a ponta dos dedos e
de olhos fechados.
— UAU! — exclamo encantada, e ela se vira, abrindo e fechando a
boca, surpresa.
— Mana. — Ela sorri e se ergue. — Eu vou dar de presente para
Nico. — Dá de ombros e eu me aproximo, fechando a porta atrás de mim.
— Você é muito talentosa — murmuro, e ela fica vermelha, indo para
a cozinha.
Eu a sigo e me sento no balcão, bebendo água que ela me serve depois
de lavar as mãos. Seu sorriso é radiante e eu me pego querendo guardar esse
momento para sempre.
— Vou viajar. Passei em um curso em Paris para aperfeiçoar minha
pintura — ela fala empolgada, e eu arregalo os olhos e pulo da cadeira,
abraçando seu corpo.
— Meu Deus! Isso é maravilhoso! — Eu sorrio mais empolgada que
ela, e com um imenso sorriso ela me conta que viajará em dois meses.
Passo as três horas que Nico fica na escola com Lore e vou buscá-lo
com ela. Seguimos para casa e ela passa o resto do dia conosco.
“Ela voltou.
Meu algodão doce voltou.”
Kieran

Gabrielle

Balanço o cabelo, sorrindo amplamente. A cor rosa bebê é a coisa


mais estranha que estou vendo hoje, mas eu me sinto viva ao sair do banheiro
com os cabelos já secos. Pesquisei na internet tintas que não interfeririam na
amamentação e achei algumas. Comprei pela internet e chegaram ontem.
Aproveitei Kieran dormindo e decidi pintar logo. Então, hoje eu acordei mais
cedo, para pintar e fazer uma surpresa.
— Sua irmã ligou e disse que vai te esperar no shopping mais tarde. O
que vão fazer? — Kieran entra no quarto apenas com seu moletom folgado e
com os cabelos bagunçados. Seu peito largo e barriga trincada me fazem
morder o lábio.
Seus olhos escuros avaliam meu cabelo e logo um dos sorrisos
misteriosos e quentes, que sempre me oferece, nasce em seus lábios grossos e
suaves. Eu engulo em seco, me aproximando e vendo seus braços se
cruzarem.
— Eu vou ajudar ela a comprar as malas para a viagem — explico,
umedecendo meus lábios. Kieran me segura pela cintura e junta nossos
corpos. Nem mesmo uma fina camada de ar passaria entre nós.
Sua mão se enche com um punhado dos meus cabelos não tão mais
curtos e puxa, me fazendo inclinar.
— Puta que pariu… — ele balbucia, cheirando meu cabelo e indo
para o pescoço, me fazendo sentir os pelos eriçarem.
— Precisamos começar… — murmuro baixinho enquanto Kieran
desliza a alça da minha camisola preta e transparente, ainda segurando com
firmeza meu cabelo rosa.
— Dez minutos e iremos, Algodão Doce. — Ele respira novamente
contra meu pescoço e desce, distribuindo lambidas pelo meu colo.
— Kieran. — É apenas uma lamúria, nada que ele vá escutar de fato.
Ele termina me deixando nua e me deita na cama enquanto sua boca
rasteja pelo meu corpo, parando entre minhas pernas. São doces e pequenas
lambidas e logo estou ansiando por ele dentro de mim. Kieran é impiedoso
enquanto investe dentro de mim. Sua boca está em meus seios e logo nós dois
nos perdemos.

— Você acha que está melhor que a outra? — Minha voz sai abafada
pelo pescoço de Kieran. Estamos entrelaçados no chão, bem no meio do
nosso quarto. Tintas estão espalhadas pelo cômodo e pincéis sujos completam
o cenário.
Encaro o teto com a pintura do meu antigo quarto e sinto meu coração
acelerar. Tantas coisas passam pela minha mente, tantas conversas comigo
mesma e tantos sonhos. Lembro-me do dia em que Kieran viu o meu teto, o
pedaço de mim que ninguém nunca viu. Aquele dia marcou a minha vida, não
apenas porque foi o dia que concebi Nico, mas também porque foi a primeira
vez que eu deixei alguém se aproximar tanto a ponto de ver e entender o meu
maior medo.
— Eu acho que, quando estou ao seu lado, você faz tudo melhor —
ele comenta com um riso na voz, e eu me ergo, colocando minha mão em seu
peito para apoiar meu queixo enquanto o encaro.
— Você é tão modesto…
— Eu sou sincero. Eu falo a verdade. — Kieran nos vira, se
colocando por cima, no meio das minhas pernas, e se inclina, olhando dentro
dos meus olhos. — Você quer que eu fale verdades, Algodão Doce? — Seu
nariz se arrasta pelo meu rosto e seus lábios deixam beijos molhados em
minha pele.
— Sim. — Minha voz é baixa, e ele continua com as lambidas em
minha pele.
— Você é uma mãe incrível para nosso filho, sua beleza me põe tonto
e completamente rendido, os melhores dias da minha vida aconteceram
quando eu estava com você, toda vez que te toco, sei que me anulou para
qualquer mulher. Quando chora, eu quero matar o estúpido que se atreveu a
fazer você se sentir triste, eu amo você, eu adoro seu corpo e eu nunca serei
capaz de esquecer o que você faz por mim ou o quanto sua presença na minha
vida mudou tudo. — Meu queixo treme sob seus olhos intensos e
apaixonados. Eu vejo tanta sinceridade que meu coração se enche de puro
amor. Nada que ele falou me faz mais feliz do que ele achar que sou uma boa
mãe para Nico.
— Kieran…
— Eu tenho mais verdades. — Ele me cala e pisca, ficando a
pequenos centímetros de mim. — Eu só aguentei dois anos trancafiado
naquele lugar porque eu sabia que você voltaria para meus braços, eu já te
perdoei por esconder Nico, eu amo seu cabelo rosa e eu adoro que sempre
procura me fazer feliz… — Ele desliza os dedos por meu cabelo e sorri. —
Porque hoje, Algodão Doce, é um dos dias mais felizes da minha vida.
Eu beijo sua boca, tentando abraçar seu corpo mais e mais. Kieran
retira algo do bolso enquanto eu tento aprofundar nosso beijo.
— Ultima verdade… — Ele se afasta e eu pisco, ainda arfante pelo
nosso beijo. — Você vai se casar comigo. — Ele eleva uma caixa de veludo
completamente preta e a abre bem na frente do meu rosto. O meu batimento
cardíaco acelera e eu sinto as lágrimas se acumularem novamente. Ele nos
rola, me colocando por cima, e senta comigo em seu colo.
— Kieran…
— Algodão Doce, Gabrielle e mãe do meu filho, você aceita casar
com esse homem que pode parecer escuro e cruel, mas que nunca vai colocar
nada acima de você ou do nosso filho? O cara que pode ser temido por
outros, mas que nunca te dará motivos para temê-lo? Você aceita ser minha,
Algodão Doce? — Suas palavras são sussurros enquanto ele tira um solitário
com pedra completamente negra.
— Eu sempre fui e sempre vou ser sua. Eu te amo, Kieran, e de todas
as verdades que você falou, apenas uma ficou de fora, você não é ruim. — Eu
me inclino e deixo meus lábios contra os seus enquanto encaro seu olhar. —
Você é maravilhoso e é o cara que escolhi para ter meus filhos e passar minha
vida junto. — Ele sorri ao me ouvir e desliza o anel de uma beleza
assustadora em meu dedo.
Com rapidez, Kieran beija meus lábios, enquanto voltamos a nos
deitar pelo chão do quarto completamente bagunçado. Com tintas espalhadas
pelo chão, reverenciamos o corpo um do outro.

— Estou achando que essa é pequena — Lore resmunga enquanto


olha para a mala de cor laranja no tamanho grande. Eu acho um eufemismo a
chamar assim, ela é BEM grande mesmo.
— Eu acho que você levando duas dela consegue levar tudo que vai
precisar. Quando chegar lá você compra outras coisas — indico sorrindo ao
alisar a mala bonita. Ela vai passar seis meses lá, é tempo para cacete, mas
não acho legal pagar excesso de bagagem sendo que ela pode comprar coisas
lá muito mais baratas.
— Você está certa. — Ela sorri e pede ao vendedor para embalar.
Enquanto almoçamos na praça de alimentação, eu deslizo a tela do
celular, vendo as postagens do Instagram. Sorrio ao ver Alícia e Luca com
Tina e Felipe jantando ontem em algum restaurante. Minha irmã eleva a
sobrancelha, questionando meu sorriso, e eu lhe mostro o celular.
— Lindos. — Ela faz careta e me devolve.
— Deixe de ser chata — resmungo rindo ao guardar o celular.
Quando uma pergunta invade meus pensamentos, eu elevo meus olhos vendo
minha irmã bufar.
— Não, não ligo para nenhum deles. Nem Alícia, nem Luca — ela me
corta antes mesmo de eu começar a falar. Eu faço sinal positivo, não
querendo falar mais nada. — Puta que pariu! O que é isso? — Lore grita,
fazendo meia dúzia de cabeças virarem em nossa direção enquanto tenta
arrancar minha mão do meu braço.
— Lorena…
— Ele te pediu em casamento? Merda, pensei que ele nunca faria algo
do tipo romântico! — ela começa a tagarelar e eu sorrio, vendo-a olhar
admirada para meu anel de noivado.
— Ele não é, mas hoje foi diferente. Foi um sonho. — Eu suspiro
apaixonada, e ela sorri, me puxando para um abraço.
— Muito feliz por você. Você merece tudo, Gabby. Te amo e espero
que Kieran seja merecedor da mulher maravilhosa que você é e do filho
abençoado que vocês têm. — Ela beija meu rosto e limpa o rosto molhado
com um sorriso grande.
— Obrigada. Te amo e você será minha madrinha. Não me casarei
com você em Paris, não se preocupe. — Sorrio e a abraço, beijando seu rosto
e lhe dizendo novamente que a amo.
— Ora, ora. — Eu me afasto de Lorena ao ouvir a voz da nossa mãe.
Seus cabelos estão impecáveis, suas unhas recém-feitas e o sorriso debochado
de sempre nos lábios.
— Mãe. — Eu aceno devagar e ela faz careta com a palavra.
— Gostaria de ver Nico. Estamos com saudades. — Sua fala é baixa e
envergonhada. Ela deve estar querendo morrer por ter que me pedir isso.
— Imagino. Eu vou falar com Kieran. Depois te ligo — murmuro e
me viro, vendo minha irmã sentada tomando seu milk-shake.
— Não pense que ficará a sós com ele. Não vai — Lore avisa e eu
aceno, dando a certeza disso.
— Vocês sempre foram mal-agradecidas. Não sei por que aguentei
tanto tempo, sinceramente — ela resmunga tremendo, e eu franzo as
sobrancelhas. O que foi agora?
— Você deveria se tratar. Sério — Lorena fala calmamente ao meu
lado.
— Você foi a que mais odiei. Assim que olhei para você vindo na
minha direção. — Ela suspira, encarando Lore, e eu engulo em seco sem
saber o que diabos ela está falando.
— Vocês foram um mal necessário. Eu precisava da herança, mas não
podia ter filhos, aí eu encontrei uma idiota que não queria os bebês dela, no
caso, vocês. — Ela revira os olhos abanando a mão em desdém enquanto eu
abro a boca, em choque.
— O que diabos está falando? Para com isso…
— Vocês duas foram adotadas. Estou sendo boa em deixar isso bem
explicado para vocês. Só preciso que entendam e que me deixem ver o
Nico…
— Como você é capaz de modificar uma vida dessa maneira? —
Minha voz sai trêmula.
— Do que ela não é capaz? Deu o próprio neto para um estranho.
Ops, esqueci que ele não é seu neto de verdade. Ficou mais fácil, sabendo
disso? — Lorena cospe, completamente enfurecida.
— Você ainda vai falar com Kieran sobre mim e seu pai vermos o
Nico? Gabby, estamos com saudade do menino…
— Meu Deus, é para rir? Isso é uma piada, não é? — Lorena se ergue
e eu seguro seu braço.
— Depois de hoje, ele vai querer te esfolar viva, não deixar nosso
filho aos seus cuidados. — Sou sincera ao falar. Eu me ergo, pego minha
bolsa, uma das sacolas de Lorena e a puxo para irmos embora.
Assim que entro em meu carro, eu sinto a comporta do choro abrir.
Soluço contra minha mão enquanto Lorena acaricia minhas costas.
— Agora a gente entende. Foi bom saber, porque eu ficava me
questionando o motivo de eles não amarem nós duas. Eu ficava querendo
mudar por eles… Meu Deus, como fui estúpida — Lorena fala suspirando, e
eu me viro para encará-la.
— Eu sei, mas eu sinto que minha vida foi uma grande farsa. Tudo
em que eu sempre acreditei evaporou.
— Eu entendo, e, se você pensar, é até bom, quero dizer, é ótimo que
evaporou. Não precisaremos mais pensar nela ou nele. Eu sempre os odiei. —
Minha irmã parece dura ao falar, mas é a verdade.
— Eu só estou emotiva — murmuro e Lore sai do estacionamento.
Assim que chego em casa, corro para o banheiro, sentindo minha
barriga se contorcer. Lembrar-me de tudo me faz querer vomitar mais vezes.
Permaneço algum tempo e saio, dando de cara com Nico de pé, perto da
cama.
— Olá, meu amor. — Eu me sento à sua frente, ao lado da cama, e
vejo Marcia na porta. Eu aceno sorrindo, e ela sai, indo fazer algo.
Encaro Nico sorrindo enquanto mexe em meus cabelos rosa e sorrio
ao ver que ele parece gostar. Suas pequenas mãos gordinhas seguram as
mechas e ele ri, olhando delas para meus olhos.
— Eu te amo. Eu acho que nunca amei nada com essa intensidade.
Você faz tudo que vivi valer a pena. Nada nunca ficará à frente de você,
Nicolas, eu te juro. — Beijo sua bochecha e o coloco de pé em meu colo. —
Mamãe nunca vai fazer você se sentir indesejado ou não amado. O amor que
sinto por você ultrapassa tudo — afirmo enquanto encaro seus olhos escuros
como os do seu pai.
— Onde estão os amores da minha vida? — Kieran grita da sala e
logo aparece no quarto sorrindo. Porém, com apenas um olhar na minha
direção, ele para de sorrir. — Quem foi? — ele só pergunta isso.
São nesses momentos que eu percebo que a minha dor o atinge, que
minhas lágrimas lhe causam aflição… São nesses momentos que eu tenho
certeza de que ele me ama.
“Eu fico bobo ao ver que
a sua família ainda pode fazer
mais estragos na vida dela.”
Kieran

Gabrielle

— Descobri por que meus pais odeiam tanto eu e minha irm ã . —


Dou de ombros, mordendo meu l á bio e o vendo se aproximar. — Somos
adotadas. N ã o adotadas como acontece normalmente, eles nos compraram
porque precisavam de filhos para conseguir uma heran ç a. — Eu pisco,
tentando n ã o chorar novamente.
Kieran se senta na minha frente e me puxa para seus braços, deixando
nosso filho entre nós dois. Sua mão acaricia meu cabelo e ele se inclina,
beijando meu rosto, que só agora percebo estar molhado.
— Eu não sei como te consolar, baby, então apenas vou te segurar
contra mim até não restar mais lágrimas para você derramar e nem dor em
seu coração — Kieran promete sussurrando, ao olhar diretamente para meus
olhos. Seus braços me rodeiam e novamente estou presa entre eles.
— É só isso que preciso, amor. Só você, seus braços e nosso filho —
murmuro abafado contra seu pescoço.
Não sei quanto tempo se passa, não sei se foram horas ou minutos. Só
me dou conta de que passou tempo suficiente para Nico adormecer em meu
colo. Kieran sorri, beijando meus lábios, e eu o abraço apertado.
— Obrigada.
— Sempre aqui, gatinha. — Ele sorri ao falar e eu semicerro os olhos.
— Não me chame de gatinha…
— Oras, por quê? — Ele sorri, brincando comigo.
— Não sou suas antigas piriguetes, Kieran. Sou sua mulher — eu o
lembro, brincando também.
Ele se ergue rindo e pega Nico, colocando-o sobre a cama. Eu me
levanto e vou para a cozinha enquanto ele fica lá, deitado com nosso filho.

Uma semana depois…


Encaro o bastão branco com duas listras cor-de-rosa e fecho os olhos,
engolindo em seco. Isso é loucura. Eu suspiro e saio do banheiro, segurando
o pequeno pedaço de plástico entre meus dedos.
Sei que Kieran e eu não nos cuidamos. Sinceramente, eu até me
esqueci dessa parte. Meu coração está dividido entre a alegria e apreensão.
Será que Kieran vai ficar calmo diante de mais um filho? Meu Deus, o que
estou falando?
Seguro minha cabeça entre minhas mãos e suspiro sorrindo. Está tudo
bem, não preciso surtar. Eu repito isso algumas vezes até que abrem a porta
do quarto. Eu me viro e dou de cara com Kieran.
— Você está bem? Saiu de repente e quando voltou se enfiou nesse
banheiro. — Sua testa está franzida e ele está preocupado.
Faz três dias que acordo com enjoo, então hoje, cansada de adiar, eu
corri para a farmácia. Seguro o bastão entre meus dedos, que diz que espero
mais um bebê, e olho para o homem que amo, para o pai dos meus filhos.
— Eu fui à farmácia — digo e mordo meu lábio, ansiosa.
— Você está doente? Eu te levaria ao médico, acho mais confiável,
pois ainda está amamentando o Nico. — Ele se aproxima e eu retiro o bastão
de trás de mim, mostrando para ele.
— Estou grávida. — Pisco, vendo-o parar de andar e olhar do bastão
para mim, confuso. — A gente não estava esperando e eu sei disso, eu acho
que deveríamos ter tido cuidado, pois Nico ainda é um bebê, deveríamos
preparar nosso casamento e agora eu preciso ir a consultas, fazer compras
para um bebê, pensar numa casa maior porque essa não vai dá para ter dois
bebês…
— Por que você está falando tanto? — Ele faz careta e se coloca de
joelhos. Sua mão paira em minha barriga e, com lentidão, ele eleva minha
blusa e beija minha barriga. — Dessa vez vou estar aqui para cuidar de vocês.
Eu juro! — Ele beija minha pele novamente e se ergue, me puxando
enquanto segura meu rosto entre suas mãos.
— Kieran… — Pisco com lágrimas e ele se inclina, me beijando.
— Vamos nos mudar, baby. — Eu suspiro sorrindo e aceno.

Um mês depois…
— Você pode me ajudar, seu inútil? — Lorena resmunga para Kieran,
que a vê retirando as malas do carro, mas não ajuda.
— Não. Eu acho melhor você se apressar. Não sei o que diabos foi
fazer em salão de beleza no dia da viagem — ele responde se afastando, e eu
me aproximo, pegando uma das malas. — Não, baby.
— Então leve. E parem de discutir. Estou grávida, não posso ficar
aborrecida — mando cruzando os braços, e ele suspira, pegando as duas
malas.
Abraço minha irmã em frente ao portão de embarque e limpo minhas
lágrimas. Lore sorri e me abraça mais forte.
— Você é forte, você é a melhor irmã do mundo e vai ver como o
tempo vai passar super-rápido e logo estarei aqui, para ficar com você na
maternidade escutando o choro desse pequeno encrenqueiro. — Ela suspira,
ainda limpando meu rosto. Descobrimos que meu bebê será outro menino.
Estou com três meses de gravidez e o médico até se assustou por ver que era
um menino na primeira consulta.
— Tudo bem. Me ligue assim que chegar, por favor — peço, a vendo
se afastar para pegar Nico.
— Eu vou, Gabby. Eu te amo! — Ela solta um beijo para mim e beija
meu filho, entregando-o para mim.
Meu coração aperta quando ela passa do portão, sumindo da minha
vista.
— Ela vai ficar bem. Minha cunhada é durona. — Kieran abraça
minha cintura e beija Nico.
— Ela é, não é? — Eu sorrio e relaxo, indo embora com meu noivo e
filho.
Assim que chego em casa, vejo Alícia e Luca na minha sala nova.
Nós nos mudamos poucos dias depois que descobri a gravidez. A casa do
Kieran estava reformada, mas eu não quis ir morar lá. É distante do meu
trabalho, da escola do Nico… de tudo, aliás. Então eu conversei com ele e o
mandei vender ou alugar, ele escolheu o último. Eu comprei um apartamento
maior, no mesmo prédio que moro. Ele tem quatro quartos, cozinha espaçosa,
sala maior que a do antigo e ainda temos uma sala de jogos para Nico e o
bebê brincarem.
— Ei! Lorena viajou? — Alícia pergunta, e eu aceno, sorrindo.
— Sim, eu estou um pouco preocupada. Porém, era o desejo dela…
— Você fala como se ela estivesse indo embora. Ela volta em seis
meses. Vai ficar com você na maternidade. Ela mesma falou — Kieran me
interrompe e eu reviro os olhos.
Ele vai para a sala de jogos com Luca e Nico, deixando a mim e a
minha amiga a sós.
— Ela vai voltar logo, logo. Não se preocupa — Lili me assegura e eu
aceno.
— Vou tentar — garanto e deixo minha mão em cima da barriga dela.
— Você já contou? — pergunto, me referindo à gravidez.
Alícia descobriu a gravidez ontem e me ligou, perguntando o que eu
acho que Luca faria. Respondi o óbvio: vai ficar muito feliz.
Ela sorri e acena, enrolando uma mecha do meu cabelo.
— Ele surtou. Alegre, sabe? Até eu me assustei. — Ela sorri enorme e
eu a abraço.
— Te falei que seria assim. Ele te ama, sua bobona. — Ela ri e se
afasta, acariciando sua barriga.
— Tenho medo de que Tina e Lipe pensem que os deixarei de lado
por estar esperando um filho. Não é o caso, mas eu tenho medo, sabe? Tina
está tão grande. Ela já é uma mulher, se você a vir, vai saber o que quero
dizer. — Ela torce as mãos e sorri. — Ela é independente. Mesmo com Luca
dizendo que ela não precisa trabalhar, ela arrumou um emprego…
— É normal, Alícia, ela já está com…?
— Faz dezessete esse ano.
— Então, ela logo estará saindo do colégio e indo fazer faculdade. Ela
já é uma mulher — eu a acalmo e ela acena, suspirando.
— Você está certa. Hoje mesmo contaremos a eles. — Ela sorri
decidida e eu relaxo, ouvindo o barulho do videogame surgir na sala de jogos.
— Meninos e seus brinquedos. — Ela ri da frase e eu a sigo também.

Seis meses depois…


— Onde está? — questiono a Kieran, segurando o celular com o
ombro. Já passa das sete e ele não chegou em casa ainda.
— Estou indo. Chegou um carro de última hora e precisei ficar um
pouco. Porém, já estou fechando a oficina. Luca está comigo também — ele
fala cansado e eu aceno, mesmo que ele não seja capaz de ver.
— Eu estou te esperando. Meus pés estão mais inchados…
— Mas você está bem, não é? O bebê não quer sair agora, quer? —
ele pergunta parecendo assustado.
— Não, está tudo bem. Só volte para mim, okay? Preciso de você —
murmuro me deitando em minha cama, enquanto vejo Marcia entrar no
quarto de Nico com ele banhado, pronto para dormir.
— Eu sempre voltarei.
— Eu te amo, Kieran.
— Eu também te amo, Algodão Doce.
Eu permaneço com o celular no ouvido mesmo que ele tenha
desligado.
Pego meu notebook quando minha irmã manda SMS avisando que me
ligará. Assim que atendo a chamada, Lorena aparece, linda como sempre.
Seus cabelos com algumas luzes estão soltos e ela está suja de tinta.
— Ei! Como está a gravida mais linda de todas? — ela questiona
sorrindo, e eu acaricio minha barriga.
— Bem, você sabe que meu parto está previsto para a próxima
semana, não é? — pergunto calma, e ela acena, pegando algo do lado.
— Já comprei minha passagem, chego aí um dia antes. — Ela balança
a passagem aérea na frente da câmera e eu relaxo, tendo a certeza de que a
terei aqui.
— Obrigada — digo sorrindo, e ela dá de ombros.
— Até parece que eu iria deixar passar a oportunidade de te ver toda
feiosa numa cama de hospital com leite vazando de tudo que é lugar. — Eu
faço careta para sua observação.
— Estou aliviada que estará comigo. Preciso descansar um pouco,
ainda irei jantar com Kieran quando ele chegar — aviso sorrindo, e ela acena,
dizendo que eu permaneça deitada, e logo desliga.
Relaxo na cama e devagar, meus olhos pesam e eu adormeço.
Escuto algo tocar ao longe e abro meus olhos, vendo o quarto à meia-
luz.
— Kieran, atende — resmungo, me virando para o balançar, porém
seu lugar está vazio. Eu me sento, estranhando isso, e pego meu celular. Vejo
o nome de Alícia e logo atendo, preocupada.
— Luca dormiu aí, amiga? Eu adormeci antes de ele chegar e até
agora nada dele. — Ali parece preocupada e eu me levanto devagar, saindo
do quarto.
— Não sei, amiga. Também adormeci antes de o Kieran chegar.
Talvez estejam na sala de jogos — indico suspirando e abro a porta da sala,
mas está tudo escuro.
— Eles não estão aí, não é? — Sua voz treme e eu me sento, sem
entender. Kieran disse que já estava vindo.
— Não. Aonde eles foram? — questiono à minha amiga, que começa
a chorar. — Lili? O que foi? — Franzo o cenho e ela soluça.
— O tal do Rick fugiu ontem.
— Quem é Rick, Alícia? — questiono aflita.
— É o chefe da gangue de que Kieran e Luca faziam parte. Ele estava
preso, mas fugiu. Theo avisou a gente hoje pela manhã. — Ela parece se
mexer e logo escuto a voz de Tina.
— Você acha que eles voltaram para essa gangue? — pergunto,
forçando minha respiração.
— Não. Eu acho que esse Rick pode fazer algo com eles.
— Lili, pelo amor de Deus…
Ela não responde por alguns segundos. Quando Alícia fala é apenas
para me mandar ficar calma e dizer que logo estará aqui em casa com Theo.
Eu não percebo minhas lágrimas, mas quando começam, elas não param.
“Sufocada com dor física e dor
emocional. Não sei qual é a pior.”
Gabrielle

Kieran
Horas antes…

Desligo o celular e guardo no bolso. Luca ri de mim e eu lhe mando o


dedo do meio.
— E eu que sou o pau mandado, né? — Ele se afasta, indo para seu
carro, e eu reviro os olhos, abrindo a porta do meu.
— Você sempre foi. Eu estou mais calmo porque Gabby já está perto
de ter nosso filho. Não quero irritar ela — resmungo, ainda fora do carro,
vendo-o se inclinar na porta.
— Para a Alícia faltam dois meses, então estou mais calmo. — Ele
sorri alegre e eu aceno. — Kieran — ele chama assim que entro no carro.
Bufo e saio para vê-lo ainda perto do seu carro.
— Ele fugiu, você acha que ele virá…
— Quem fugiu, Luca? — Minha posse sobre a porta do carro aperta e,
antes mesmo que ele fale, eu sei quem fugiu.
— Rick. — Ele perece nervoso e eu me pergunto o que Rick faria
com nós dois.
Não preciso pensar muito, pois em segundos três carros nos fecham.
Vejo o olhar de Luca atirar pela rua e mordo meu lábio, cruzando os braços.
— Que bom que estão juntos. Me poupa tempo. — Rick fuma um
cigarro de maconha ainda sentado em seu carro. — Vamos lá, meninos!
Vamos dar uma volta. — Ele ri, olhando de mim para Luca, e eu aperto meus
punhos.
— Rick, nossas mulheres estão grávidas. Cara, deixa para outro dia,
beleza? — Luca dá um passo à frente, tentando convencer o bastardo idiota.
Não preciso dizer que é em vão.
— Luca, entre no carro. Vai ser melhor para você — Rick resmunga e
eu me aproximo lentamente.
— Rick, quanto tempo. Como foi a estadia no presídio? Tenho que
confessar que pensei que ficaria mais alguns anos lá dentro. — Eu tiro um
cigarro velho do meu bolso e o acendo, fumando. Faz anos que não coloco
um nos lábios, é estranho.
— Foi melhor do que a sua, com certeza. — Ele ri, ainda em seu
carro, e abre as portas em um convite silencioso para que entremos.
Eu entro no carro, seguido por Luca. Rick está dirigindo e ao seu lado
tem um menino de não mais que dezesseis anos de idade. Observo sua mão
tremer enquanto segura uma pistola. Foda…
— Parabéns pelos bebês que estão a caminho. Sabem, agora precisam
trabalhar dobrado. — Ele sorri, deixando que a gente veja a falta de dois
dentes da frente.
— Eu trabalho — eu e Luca falamos ao mesmo tempo.
Com o passar dos minutos, eu vejo a gente entrando em um galpão.
Não é o antigo, onde a gente se encontrava, esse é novo. Rick para o carro e
eu contabilizo os homens que estão aqui conosco. Rick e o menino, três no
carro, que para ao lado direito, e dois que descem do outro veículo, que para
do lado esquerdo.
— Vamos lá, meus filhos. — Eu reviro os olhos para isso. Idiota do
caralho.
Assim que entramos no lugar, meu plano de matar todos eles vai por
água abaixo. Dentro tem mais de dez homens, infelizmente, eu não tenho
tanta munição na pistola. Talvez, Luca tenha, mas não vou arriscar nossas
vidas sem certeza. Eu tenho um filho para criar e outro chegando.
Meus planos para essa noite eram cuidar da minha mulher, não morrer
pelas mãos de um idiota. Vislumbro o rosto da Gabby e meu coração aperta.
— Rick, eu quero falar com você — Luca diz firme e eu me ponho ao
seu lado.
— Estou escutando, mas seja breve, temos que organizar toda a merda
que ficou para trás depois que fomos presos. — Rick se senta num banco
alto, no meio do lugar vazio.
— Nós dois não queremos mais fazer parte disso. Meu acordo com
você acabou no dia em que fui preso por sua culpa. — Luca dá passos
cautelosos e eu me ponho ao seu lado novamente.
— Nós? — Rick eleva a sobrancelha, rindo.
— Sim, eu também não quero. Luca te disse que nossas mulheres
estão grávidas. A minha vai ter bebê essa semana. Não quero que ela fique
preocupada com a minha demora e isso faça mal ao bebê — tento explicar,
mas eu sinto raiva borbulhar dentro de mim quando vejo que ele continua a
rir.
— Kieran, meu homem escuro, você se apaixonou? — Ele ri
novamente e Luca aperta meu braço, me mantendo no lugar, nem mesmo
percebi que estava me movendo.
— Só estamos te dizendo que é o que queremos. Luca já pagou o
acordo, e eu… eu quero sair de tudo que envolva o crime — encaro-o frio, e
ele para de sorrir, se erguendo.
— Luca talvez possa sair, porque o acordo entre nós dois era de seis
meses, mas você, Kieran? — Ele inclina a cabeça e fuma mais um pouco do
seu charuto. — Você entrou aqui porque quis. Você mesmo me pediu, então
por que eu iria abrir mão de você? — Seu olhar é completamente cruel e eu,
por mais preocupado com Gabby e Nico que possa estar, sinto satisfação ao
ver que trago o lado pior desse homem à tona.
— Eu sou um homem livre. Eu não quero mais fazer parte dessa
sujeirada toda, eu tenho família, Rick, já tenho um filho de dois anos e vou
ter outro em breve. É por isso que quero sair… — começo a falar, mas ele ri
mais um pouco.
— Um filho, sabe que eu tenho alguns por aí? Aquele ali… — Ele
aponta para o garoto que estava em seu carro e sorri, puxando-o pelo
pescoço. — É meu filho. Vai ser meu herdeiro. — Ele solta o garoto e eu o
vejo voltar para seu lugar, tremendo.
— Rick, nos deixe ir — Luca fala novamente, ainda me segurando.
— Vá, Luca. Kieran fica. Se ele sobreviver a essa noite, pela manhã
ele poderá voltar para sua mulher grávida e filho pequeno. — Rick encara
Luca, que nega repetidamente, e eu lambo meus lábios.
— Vá, Luca. Só cuide da Gabby, tudo bem? Ela deve estar
preocupada, a essa hora. — Eu me viro, o pegando pelos ombros.
— Não vou embora sem você. — Ele é firme ao dizer. Eu bato em sua
cabeça e me inclino em sua direção.
— Você é meu amigo e eu confio a vida da minha família a você. Vá
e cuide da minha mulher — eu digo sério, e ele balança a cabeça novamente.
— Se a Gabby passar mal ou perder meu filho, eu nunca vou te perdoar, Luca
— minto, fazendo-o recuar.
— Ela está bem, Alícia deve estar com ela, fora a Marcia… — Seu
olhar está arregalado e ele engole em seco.
— Eu não confio a vida da minha família a elas, eu confio a você.
Então, vá. — Eu não preciso falar novamente. Ele sai de cabeça baixa e eu
vislumbro seus ombros tremerem.
— Que emocionante. — Rick sorri e chama seus homens com as
mãos. — Ainda quer sair, Kieran? Posso reconsiderar, você é um dos meus
melhores homens. Você é cruel e é disso que eu preciso. — Seu filho se
encolhe quando Rick olha para ele.
— Nunca. Comece seu jogo idiota — eu cuspo irritado.
Em um segundo eu sinto meu corpo ser jogado para frente. Alguém
me deu um chute bem no meio das minhas costas. Assim que pouso no chão,
sinto chutes e socos se chocarem contra meu corpo. Tento me pôr de joelhos,
para me erguer, mas não tenho tempo, pois logo outro puxa meu pescoço
enquanto um e outro socam meu rosto.
Sinto o sangue derramar da minha boca para minha camiseta branca.
Os olhos de Nico hoje de manhã entram em meus pensamentos e eu sinto
minha respiração acelerar. Meu filho precisa de mim, minha mulher…
Eu me ergo e desvio de alguns golpes. Miro no homem forte que está
à minha frente e o soco na boca do seu estômago, lhe deixando sem ar. O
próximo é um chute forte que dou em suas pernas. Porém, é somente esses
golpes que consigo desferir em algum deles, no próximo momento eu estou
no chão, encarando o sangue que sai da minha boca e se espalha pelo piso de
cimento.
Não sei quanto tempo fico levando pancadas de mais de quinze
homens, eu sinto meu corpo inteiro inchar, dor se alastrar por ele todo e
qualquer pedaço do meu corpo. Eu sinto que vou morrer e não conhecerei
meu filho.

Gabrielle
Meus joelhos doem, meu coração sangra e eu sinto as dores na minha
barriga começarem de maneira vagarosa. Rezo silenciosamente em frente à
santa que comprei para abençoar minha casa. Peço que ela enviei Kieran bem
para casa e que não deixe meu bebê nascer agora. Já passa da uma da
madrugada e nada dele ou do Luca.
— Gabby, precisamos ir ao hospital. Seu filho vai nascer — Alícia
murmura com o rosto inchado, e meu queixo treme com o choro. — Sua
bolsa estourou, amiga. Por favor, a gente precisa ir. — Minha amiga me
ergue e eu vejo a água em volta de mim. Limpo meu rosto, tentando não
chorar mais. e vejo Marcia com lágrimas nos olhos na porta do meu quarto.
— Onde ele está, Lili? Por favor, o traga para mim… — Minha fala
treme e Alícia me abraça enquanto eu soluço.
— Querida…
A gente escuta a porta bater e eu saio dos seus braços, correndo para a
sala. Meus joelhos perdem a força ao ver apenas Luca.
— Onde ele está? — Eu quase caio, mas Luca me segura em seus
braços.
— Precisamos levar ela ao hospital — Marcia fala rapidamente
enquanto Luca me senta no sofá e Alícia se aninha no peito do marido. Dói
ver os dois assim.
— Você está em trabalho de parto? — Luca arregala os olhos e eu
aceno, soluçando novamente.
— Onde ele está, Luca? Aquele Rick o pegou, não foi? Ele voltou a
ser bandido? Por favor, me fala. Eu não estou aguentando. — Eu fecho meus
olhos, sentindo mais uma contração ao mesmo tempo que meu bebê começa a
mexer.
— Ele não voltou, ele só quer sair. Gabby, ele pediu que eu cuidasse
de você, então, por favor, vamos para o hospital. Ele está bem, eu te juro que
ele está bem — ele fala tão firme que eu acredito nas suas palavras.
Eles me levam ao hospital às pressas e eu silenciosamente peço que
Kieran chegue a tempo de ver nosso bebê nascer. Nico ficou em casa
dormindo, com Marcia, estou aliviada por isso. Não quero que ele veja a
bagunça que nossa vida se tornou em menos de três horas.
— Alícia — chamo enquanto eles me sentam em uma maca, para que
eu me deite. Lili se vira para mim, e seus olhos estão cheios de lágrimas. —
Me prometa que, assim que ele chegar, você vai me avisar. Eu posso estar em
trabalho de parto, mas eu quero que me avise. Você promete, amiga? — Ela
acena várias vezes.
— Prometo. Ninguém vai me impedir de te avisar, eu juro. — Aceno
e fecho meus olhos, deixando que me levem para longe dos meus amigos.
Uma hora depois, a dor aperta e eu mordo o pano, tentando não gritar
como várias dessas meninas. O médico sorri, me incentivando a não gritar, e
sai andando. Ainda não tenho dilatação para o bebê sair, mas o doutor disse
que logo terei.
Meus olhos pesam depois da contração e eu vejo quando Alícia entra
no meu quarto seguida por uma maca e um corpo moreno em cima dela.
Pisco e abro meus olhos novamente, para ver meu Kieran ensanguentado e
ferido.
— Kieran — chamo devagar, e ele ergue o rosto completamente
inchado e ferido, eu quase não o reconheço. Meu coração dói e ele me dá sua
mão enquanto a maca para ao lado da minha. Aperto sua carne, sentindo o
alívio e a gratidão correndo em minhas veias.
— Está tudo bem, Algodão Doce. Eu estou aqui e vou cuidar do nosso
guerreiro e de você. — Sua fala é enrolada, por causa do inchaço nos lábios.
Eu tampo minha boca com o pano para que meu soluço não seja tão alto.
Alícia segura minha mão e eu agradeço, lhe dizendo que a amo.
— Não me agradeça, ele fez um escândalo, mesmo acamado, para vir
ficar com você. — Eu me viro, olhando para meu noivo, e vejo as
enfermeiras trabalharem nele, limpando seus ferimentos e o medicando.
— Não me dê remédios para dormir. Meu filho vai nascer e eu quero
estar lúcido — Kieran resmunga ao mesmo tempo que mais uma contração
chega. — Está tudo bem, amor. Você é forte, Gabrielle. Você é mais forte
que muita gente, e eu te amo, Algodão Doce. — Sua voz é como uma recarga
de força entrando em minhas veias.
— Eu te amo. Nosso filho vai chegar. — Eu me inclino um pouco,
beijando sua mão, e ele tenta sorrir, mas falha ao sentir dor.
O doutor volta e diz que vai preparar a sala para que possamos ir.
— Não. Eu terei meu bebê aqui com ele ao meu lado.
— Esse não é o procedimento…
— Não ligo, eu pensei que iria perder o amor da minha vida e que
nosso filho ia chegar sem ter o pai dele ao meu lado. Não importa o
procedimento, eu quero ter meu bebê aqui. — O médico me olha algumas
vezes, mas logo seu rosto se torna gentil.
— Tudo bem. Preparem tudo aqui mesmo, essa menina quer que seu
bebê nasça com o pai por perto. — Ele ri, balançando a cabeça, e eu sinto
Alícia beijar meu rosto.
— Como ele chegou aqui? — questiono confusa. Kieran não poderia
vir sozinho de onde quer que ele tenha vindo.
— Luca chamou a polícia assim que saiu de lá. O tal Rick não
imaginou que ele faria algo assim, se deu mal. Está preso novamente. — Eu
sorrio, pedindo a ela que avise a ele que estou agradecendo. Ela sorri e vai
para a sala de espera.
Existem momentos que a gente sente que é o ponto alto da nossa
existência. Eu acho que já tive três deles; o primeiro foi quando eu encarei os
olhos escuros do homem que amo, o segundo foi quando o primeiro fruto do
nosso amor nasceu e, hoje, é o terceiro, nosso segundo filho nascendo e
Kieran tendo a chance de recomeçar.
Assim que escuto o choro do meu bebê as lágrimas de dor e alegria se
misturam. Pego meu filho em meus braços por apenas alguns segundos, pois
logo peço à enfermeira para colocá-lo sobre o peito de Kieran.
As lágrimas dele descem pelo rosto ferido e ele se inclina, mesmo
gemendo de dor, deixando um beijo casto no rosto do nosso filho.
— Qual o nome dele? — uma das enfermeiras pergunta, sorrindo.
— Luca — Kieran murmura me olhando, e eu sei que foi esse nome
que ele escolheu para nosso bebê. Ele demorou para me dizer o nome do
nosso filho, porque não sabia mesmo. Mas agora ele sabe e eu não poderia
estar mais feliz.
— Bem-vindo ao mundo, Luca — ela saúda e eu repito suas palavras.
— Bem-vindo ao mundo, meu Luca. — Deslizo a mão pelos seus
cabelos escuros enquanto ele ainda está nos braços do pai.
“Ele nasceu e me fez renascer.”
Kieran

Gabrielle

Com lentidão, eu deslizo a ponta do meu dedo pelo rosto do Luca


adormecido. É estranho o chamar assim, pois o Luca da Alícia é presente
demais em nossas vidas. Porém, eu gosto. Kieran adora e o marido da minha
amiga quase enfartou quando Kieran disse que nosso filho teria o nome dele.
— Mama! — Nico grita rindo enquanto entra no quarto com seu pai
correndo atrás dele. Hoje faz uma semana que Kieran e eu saímos do
hospital. Ele deveria passar mais tempo lá, mas quem disse que ele ficou?
Segundo o pai dos meus filhos, ele está totalmente recuperado.
— Ei! — Eu saio da cama e o encontro no caminho, beijando seu
rosto gordinho. Nico está bem mais falante e eu adoro ouvir sua voz.
— Papa quer comer! — ele grita novamente quando Kieran abre a
boca e faz barulhos.
— Oh, meu Deus, vamos nos esconder. — Eu o coloco no chão e
Nico corre, saindo do quarto. Encaro Kieran e ele sorri, beijando meus lábios
antes de ir atrás do filho novamente.
Suspiro, olhando para o relógio, e sorrio aliviada. Lorena está
chegando hoje, na verdade, ela já deveria estar aqui. Porém, o voo foi
cancelado por causa da chuva e ela só conseguiu embarcar hoje de
madrugada.
Então, depois do almoço, estarei indo pegá-la no aeroporto, e Kieran
vai ficar com os meninos enquanto Marcia não chega de uma emergência em
casa.
— Vamos almoçar? Vou pôr a mesa! — grito para os meninos e pego
Luca da cama, o colocando no carrinho e o levando para a cozinha. Não
quero deixá-lo sozinho, mesmo que ele esteja adormecido.
— Estamos indo, amor. Vou ajudar Nico a lavar as mãos — Kieran
responde e eu suspiro agradecida.
Assim que deixo Luca na cozinha, eu escuto a campainha tocar. Abro
a porta e sorrio ao ver Júlio e Dani na porta.
— Kieran pediu ajuda com os meninos enquanto você busca sua irmã.
A gente veio com prazer! — Dani sorri, já correndo para dentro de casa, à
procura de Nico ou Luca.
— Ela está mentindo. Kieran disse uma e outra vez que pode cuidar
dos filhos sem ajuda, mas Dani só quer um motivo para ficar com os
sobrinhos. — Ele respira fundo e eu o deixo entrar, rindo.
— Sim, eu sei que sim. — Fecho a porta e vamos todos para a mesa,
almoçar.
— Dani, eu sei cuidar dos meus filhos, vocês podem ir — Kieran
resmunga depois do almoço, enquanto Dani pede para limpar o bumbum de
Luca, que já fez cocô.
— Deixe de ser ingrato! Vim ajudá-lo — ela resmunga enquanto
cruza os braços.
— Olha, eu preciso ir — interrompo os dois, suspirando. — Amor,
deixe sua irmã te ajudar. Voltarei logo com Lore. — Eu me inclino, ficando
na altura dele no sofá, e beijo seus lábios. Acaricio a bochecha do Luca e me
despeço. Nico adormeceu assim que terminou de comer, então está no quarto.
Vou até lá e beijo sua testa, saindo de casa em seguida.
Retiro minha placa personalizada com os dizeres para receber Lorena
quando chego ao aeroporto e fico de pé, à sua espera.
“Sim, eu estou mais gorda. E, sim, você vai limpar a bunda do seu
sobrinho recém-nascido!”
Eu sorrio em expectativa. Olho para meu relógio e estranho que o voo
ainda não chegou. Lorena me disse que chegariam às duas em ponto, mas já
passa das duas e meia. Devem estar pousando, é obvio. Espero mais meia
hora e me sento perto do portão de desembarque.
— Algo aconteceu — uma mulher bem à minha frente diz, olhando
para os lados enquanto um homem está ao seu lado, a segurando. — Olhe a
cara deles, Enrique! Eles estão assustados por algo! — ela grita, entrando na
multidão em direção ao balcão.
Eu me ergo, respirando fundo, e olho para as atendentes, que estão de
olhos arregalados e tentando explicar algo para as pessoas. Eu balanço a
cabeça. Essa mulher deve ser louca. Já Lore entrará por esse portão, eu sei
que sim. Vejo mais pessoas se concentrarem nos balcões e me aproximo,
sentindo meu corpo arrepiar inteiro.
— Senhores, eu sinto muito, mas não temos informações. Peço que
esperem alguns instantes… — uma atendente pronuncia alto para que todos
escutem.
— Você não tem informação? Foda-se! Minha filha tem apenas dez
anos e está naquele avião! Diga agora o que aconteceu! — a mesma mulher
que gritou antes volta a falar enquanto vários rostos apavorados se voltam
para ela e a atendente.
— Jesus Cristo. — A atendente respira fundo e eu não sei se é
intuição, sexto sentido ou coisa da minha cabeça, mas eu vejo em seus olhos
a tristeza por todas essas pessoas aqui. Por mim.
— Aconteceu um acidente — um homem fala na multidão enquanto
olha o celular. — Está em todos os sites. O avião caiu! — ele grita,
desesperando a todos, e eu sinto o chão abrir sob meus pés.
Aperto minha bolsa e a placa e ando na direção da atendente, que
tenta a todo custo não chorar.
— É mentira, não é? Eles já estão pousando…
— Eu sinto muito. Eu não tinha mesmo informações, apenas nossos
superiores se agitando, e assim a gente desconfiou. Logo daremos uma
declaração à imprensa e aos senhores. — Ela respira fundo e eu pisco,
sentindo meu rosto ser banhado de lágrimas.
Lorena.
Desço pela parede e soluço, segurando minha mão contra meus
lábios. Lore, por favor. Não pode ser. Por favor, meu Deus!
Meu celular toca em minha bolsa e eu o pego quase derrubando-o por
causa dos meus dedos trêmulos. O nome do Kieran brilha na tela e eu sinto
meu queixo tremer com o choro.
— Onde você está? Que demora — Kieran resmunga e eu fecho meus
olhos, tentando parar de chorar.
— A Lorena… O avião caiu, Kieran. Minha irmã… — As palavras
não saem. Ela está morta, é isso? Eu a perdi? — Ele caiu e ela… eu não sei.
Ela não morreu, né? Ela não morreria assim, por favor…
— Meu Deus! — Escuto algo cair e ele amaldiçoa. — Fique onde
está! Estou indo, baby. — Eu lhe digo que ficarei aqui o esperando e ele
desliga.
Eu olho para as pessoas à minha volta e vejo o caos. A mãe da criança
de dez anos chora desesperada nos braços do marido, e eu o vislumbro
soluçando. Será que todos morreram?
Meu celular torna a tocar e eu atendo Alícia rapidamente.
— Como assim, o avião caiu? — Ela chora ao celular e eu pisco,
ficando confusa. Ela nunca gostou da minha irmã… — Kieran acabou de
ligar para Luca. Gabby…
— Eu não sei, Lili. — Eu soluço e fecho meus olhos. — Estou com
tanto medo. Será que ela…
— Não — ela me corta rapidamente. — Ela está bem, por favor,
pense assim. — Eu mordo meu lábio e aceno sem perceber.
— Eu só queria acordar. Que isso fosse um pesadelo…
— Theo estava no avião também. Parece que foi uma viagem de
última hora dias atrás. Uma conferência, eu não sei direito. Ele estava
voltando hoje… — Sua voz é cortada por um soluço e eu fico calada,
absorvendo a informação.
— Eles devem estar bem. Têm que estar. — Eu desligo o celular
depois que Alícia avisa que está vindo para cá também.

Os braços de Kieran envolvem minha cintura e eu soluço contra seu


peito. Ele beija meu rosto, minhas lágrimas, mas nem o homem que amo é
capaz de curar meu coração desolado.
— A família do Theo já chegou — Alícia avisa e eu me viro, vendo
um casal se aproximar. A mulher é loira e usa roupas bonitas e que devem ser
caras, seus olhos estão inchados e ela chora no peito do marido. O homem
está de terno e, no rosto, uma expressão muito severa.
— Conversamos com o presidente da companhia aérea, ele é um
amigo nosso. Equipes de resgate já estão no local. Em poucas horas teremos
notícias — o pai do Theo fala e eu escuto sua voz quebrar em algumas
palavras. Ele está tentando ser forte pela mulher, mas ele próprio está
devastado.
— Obrigada. Eu não imagino o que eu faria para ter notícias dela
assim tão depressa — murmuro limpando meu rosto. O pai do Theo acena e
envolve sua mulher nos braços.
— Não temos o que fazer aqui. Se eles tiverem sobrevivido, vão para
o hospital. Ninguém vai sair por aqueles portões. — Suas palavras são
realistas, mas doem da mesma forma. Eu aceno e vejo-os se distanciarem.
— Vamos lá, baby. — Kieran puxa minha mão e eu o sigo, tentando
me acalmar.
Alícia e Luca estão conosco e eu olho para o marido da minha melhor
amiga, vendo o quão desolado ele parece estar. Seu olhar está perdido e eu
me pergunto se eu pareço com tanta dor quanto ele. Theo sempre foi o amigo
mais próximo dele, eles são unha e carne. Theo é sua família. Alícia o
acaricia e ele pisca, fazendo as lágrimas descerem por sua bochecha.
— Você precisa se acalmar, Gabby. Ainda está de resguardo e isso
pode te prejudicar — Alícia diz e eu aceno, pois sei que não posso ficar desse
jeito.
— Seu ânimo vai afetar o Luca — Kieran diz e eu aceno novamente,
me aconchegando em seus braços.
— Luca. — Alícia sorri e eu vislumbro o olhar de Luca para Kieran.
Gratidão é a palavra.

Passam apenas algumas horas até que as notícias chegam. Meus


passos são pesados enquanto cruzo o corredor do hospital. Segundo o pai do
Theo, o avião caiu já perto de pousar. Eu não consegui detalhes e tampouco
preciso deles. Meu foco total está em minha irmã.
Olho para Kieran e vejo o quão cansado ele está, eu queria poder ir
para casa, mas não conseguirei sair daqui sem saber da minha irmã. Lorena
não morreu, mas eu temo que ela ainda esteja em perigo.
— Gabby, não vamos poder visitá-la — ele tenta me dizer, mas eu
balanço a cabeça, engolindo o nó em minha garganta. Eu sei disso, mas
preciso ficar aqui.
— Eu só preciso falar com o médico, tenho que saber que ela está fora
de perigo…
— Parentes de Lorena Mercedes? — Eu me viro rapidamente e
levanto a mão, me aproximando.
— Eu sou irmã dela. — Meu queixo treme, pronunciando as palavras.
— Ela está bem? — É apenas um sussurro. Nunca uma frase me causou tanto
medo.
— Eu sinto muito. Lorena sofreu graves ferimentos. Pancadas na
cabeça, quebrou o braço direito e sofreu algumas queimaduras leves. — Eu
aceno, ouvindo suas palavras enquanto ele folheia algumas páginas. — Ela
está em coma. Induzimos, por causa do traumatismo craniano, tememos que
ela possa ter alguma sequela, mas isso só será afirmado quando ela acordar.
— E quando vai ser? — pergunto, sentindo Kieran se erguer e me
puxar para seus braços.
— Eu não sei dizer com exatidão. Tudo vai depender da lesão na
cabeça — ele pronuncia calmamente e eu sinto mais lágrimas chegarem,
então me viro, abraçando Kieran.
— Ela pode ver a irmã? — Eu soluço contra seu pescoço e seu corpo
estremece, ficando tenso. Sei o quanto minha dor o está atingindo e, por mais
que isso mostre que ele se importa comigo, eu desejaria que ele não sentisse o
que estou sentindo agora.
— Somente alguns minutos, e não pode entrar na sala. — Kieran diz
tudo bem e me puxa, nos guiando na direção em que o médico vai.
Meus dedos tremem enquanto toco no vidro que me separa dela. Eu
não consigo sequer ver seus olhos de tanta faixa branca cobrindo sua cabeça.
Seu braço está engessado e ela parece dormir pacificamente.
“Eu estou aqui, Lore. Sempre estarei. Eu te amo e nunca vou te
abandonar. Eu juro, irmã.”
Eu abro meus olhos e a vislumbro novamente. Meu coração dói e eu
me pergunto se Deus não vê que ela não merecia isso. Ela nunca faria mal a
ninguém. Ela é só uma menina perdida, mas que, eu sei, estava encontrando o
seu caminho.
“Ele está tentando curar a minha dor.
Gostaria de dizer a ele que ela não tem cura.”
Gabrielle

Kieran

Seu peito sobe e desce devagar. Os fios cor-de-rosa estão espalhados


pelo travesseiro, suas mãos estão juntas contra sua bochecha e ela suspira
pacificamente. Não consigo dormir, passa das três da manhã e eu ainda não
preguei o olho, apenas observando minha menina dormir.
Seus olhos estavam atormentados quando chegamos em casa. Depois
de muito pedir, ela concordou que deveríamos vir. Luca e Nico estavam bem.
Gabby sempre desmama o leite e guarda na geladeira, por isso Marcia não
teve problemas com o bebê.
Eu me ergo da cadeira e ando para a varanda. Meus dedos coçam e eu
retiro o cigarro do bolso, acendendo-o em seguida. Inspiro devagar e solto a
fumaça, inclinando a cabeça para trás.
Ver minha cunhada naquela cama dói, porque eu sei que Lorena não
merece. Gabby ama a irmã e nada no mundo me machuca mais que ver meu
algodão doce sofrer. Ela já sofreu tanto, eu não entendo por que a vida
sempre dá um jeito de machucá-la.
Dou mais uma tragada e observo a fumaça sumir na escuridão do céu.
Nenhuma estrela, nem a lua está aparente. Tudo escuro, como eu.
— Kieran. — Eu me viro ouvindo sua voz e vejo seu olhar migrar do
meu rosto para o cigarro. — Pensei que tivesse deixado…
— Deixei, mas precisava me acalmar — explico, apagando o cigarro
e andando até ela.
— Luca choramingou e eu fui até lá. Estranhei você não estar na
cama — ela explica suavemente e eu me inclino, roçando meus lábios nos
dela.
— Não consigo dormir — digo, deslizando meus dedos pelos seus, a
levando de volta para a cama.
— Eu estava tão exausta que apenas desmaiei — ela murmura
enquanto se aninha em meu peito.
— Durma, baby. Você precisa dormir. Amanhã pela tarde te levarei
para ver sua irmã — prometo e beijo seus cabelos, sentindo seus dedos
deslizarem por meu peito.
— Vou de manhã cedo…
— Não, Gabby. Luca precisa de você, Nico está maior, mas Luca,
não, ele é recém-nascido — contraponho, e ela acena contra meu peito. Por
alguns segundos, ela fica calada, mas logo sinto a umidade em meu peito e
seu fungado baixo. — Gabby — chamo e me afasto para ver seu olhar
brilhante.
— Tenho medo de ela acordar e eu não estar lá… Porém, estou me
tornando uma péssima mãe…
— Gabrielle, nunca repita isso. Todos entendemos seu medo, e
também a sua preocupação com sua irmã — digo firme, vendo seus olhos
piscarem e mais lágrimas banharem suas bochechas. — Luca e Nico têm a
melhor mãe do mundo. Não se preocupe com isso — peço, deslizando meus
dedos pelo seu rosto, enxugando suas lágrimas.
— Eu te amo. — Sua voz estremece e ela toca meu rosto com a ponta
dos dedos. — Eu quase te perdi dias atrás e agora estou quase perdendo
minha irmã. O que pode acontecer para me castigar mais? — ela questiona,
sofrida.
— Nada vai acontecer. Eu e a sua irmã não vamos sair do seu lado. A
única coisa que eu e aquela menina temos em comum é o amor que sentimos
por você — afirmo, encarando a mulher da minha vida, e ela acena com um
suspiro.
Beijo sua testa e sigo para sua bochecha. Gabby treme sob meus
lábios e eu continuo lhe dando beijos até que ela sorri, sonolenta.
— Eu te amo, Gabrielle. Sempre amarei.

Um mês depois…
— Ei! — Sorrio me erguendo enquanto Nico pula ao lado da cama.
— Papa. Luca. — Ele sorri grande e eu aceno, o pegando nos braços e
indo para o quarto do bebê. Esfrego meu rosto e sorrio, lembrando que ontem
eu prometi que ele poderia segurar Luca hoje. Pelo visto, ele não esqueceu.
Olho para Luca no berço e sorrio ao vê-lo de olhos abertos. Deixo
Nico sentado na poltrona que a mãe dele usa para dar de mamar a Luca e
pego o seu irmão do berço.
— Você já é um rapaz, então pode segurar seu irmãozinho, mas só
quando papa ou mama estiver perto — explico calmamente, e Nico acena
ansioso.
Coloco Luca em seus braços devagar e finjo deixar o bebê ali
livremente, mas ainda seguro Luca. Nico sorri grandemente, olhando
admirado para o irmão. É tanto amor que vejo em seu olhar que meu coração
acelera e eu aceno, beijando a cabeça de ambos.
— Já desmamei, Marcia — Gabby avisa entrando no quarto com
Marcia ao seu lado. — Depois que eu for ao hospital, irei para a galeria,
amor. Preciso ver como andam as coisas por lá — ela me avisa e para ao
olhar Luca no colo de Nico. — Oi, amores. —Sorri para Nico e ele parece
mais confiante depois da fala da mãe, pois abraça o irmão mais apertado.
Deixo apenas alguns minutos e logo retiro Luca dele, o beijando pela
última vez e o entregando a Marcia. Pego Nicolas e o levo para o banho.
Assim que estamos prontos, sua mãe nos manda sentar para comer.
— Podemos ir? — Gabby pergunta assim que Nico e eu finalizamos
nosso café da manhã.
— Claro.
Eu deixo Gabrielle no hospital e sigo para a oficina. Seu olhar era
cauteloso ao observar a fachada do lugar onde sua irmã ainda estava em
coma, mas agora sem os sedativos. Os médicos disseram que ela pode
acordar a qualquer momento.
Pego meu celular e digito uma mensagem rápida para ela, antes de ir
trabalhar.
Gabrielle
Você é forte.
Meus ombros relaxam ao ler o SMS do Kieran. Ele sempre sabe o que
preciso ouvir. Guardo o celular e entro no quarto da Lore. Um movimento na
porta que dá acesso ao corredor chama minha atenção e eu vejo Theo saindo
de mansinho. O que ele fazia aqui? O amigo do Luca não teve tantos
ferimentos como Lorena. Ele já está em casa há tempos e a sua presença aqui
me intriga. Porém, deixo isso de lado quando a enfermeira se aproxima.
Sorrio para ela, que me dá bom dia. Meus olhos vão para minha irmã e eu me
sento próximo a ela.
— Bom dia, dorminhoca. — Sorrio, deslizando meus dedos entre os
seus. — Você já deveria estar acordada, sabe? O médico já retirou os
sedativos e falou que agora tudo depende de você. Volta para mim — peço
calmamente e suspiro, vendo-a ainda adormecida. — Luca fez um mês de
vida. Eu fico pensando no que você está perdendo dormindo. Ele é perfeito
— confesso orgulhosa e beijo sua mão.
— É… — Eu me viro, vendo a enfermeira voltar. — Vou dar banho
nela. — ela murmura e eu sorrio, me erguendo.
— Preciso ir. Qualquer coisa, por favor, me ligue, ok? — eu peço
engolindo em seco. Ela segura minha mão e sorri.
— Fique tranquila. Eu ligarei assim que ela acordar — assegura e eu
relaxo, acenando.
Meia hora depois, eu estou na Galeria. Alícia sorri atrás da sua mesa e
eu franzo o cenho, pronta para lhe repreender.
— Vá para casa, Alícia. Você deve descansar — resmungo,
colocando minha bolsa em cima da mesa e saúdo quando Vera aparece
sorrindo. Nós a contratamos para ficar na Galeria enquanto estou na minha
licença maternidade e Alícia, na sua.
— Já estou indo. Só vim ver como andavam as coisas. Você deve ir
também. — Eu suspiro e maneio a cabeça.
— Eu só vim ver como as coisas estavam, também. Porém, já vou
indo. A próxima mamada do Nico está quase na hora.
— Nico? — Ela ri da minha troca de nomes e eu faço careta.
— Está vendo? Estou enlouquecendo. — Eu rio balançando a cabeça.
— Nos vemos no fim de semana — digo sorrindo e vou embora rapidamente.
Sigo para casa e me assusto ao ouvir meu celular tocar. Vejo o nome
de Kieran e estaciono, o atendendo.
— Você já está em casa? — ele pergunta com um gemido.
— A caminho. O que foi? — questiono com urgência. Ele volta a
gemer e eu suspiro. — O que foi, Kieran?
— Eu posso ter machucado a porra do pé — ele fala devagar e eu
respiro fundo.
— Para você me ligar, deve ter decepado — murmuro, voltando para
a pista. — Estou indo te buscar — aviso e logo desligo.

— Como você fez isso? — pergunto ao chegar à oficina.


— Ele estava olhando para uma moça que veio fazer reparos no carro
e o macaco caiu no pé dele! — Luca grita no fundo da oficina e eu me viro
para Kieran.
— Sério, Kieran? — Minha voz sai forte, mas por dentro eu tremo
toda. — Quem era? — Ele revira os olhos, sentado enquanto o pé está
inchado.
— Luca, seu idiota, pare de mentir! — Eu pulo com seu grito
enfurecido.
— Vamos embora. Será que precisa ir ao médico? — questiono,
ficando distante dele. Kieran me encara e com os olhos me manda me
aproximar. Mas não irei.
— Não. Foi apenas a pancada. Está tudo bem, ele não quebrou nada
— Júlio me explica e eu aceno, suspirando. — Eu o levo até o carro. —
Agradeço e vou para fora rapidamente.
Sento-me no banco do motorista e saio de lá assim que Júlio fecha a
porta após colocar Kieran dentro do carro.
— Você sabe que o Luca estava brincando — ele diz, colocando a
mão sobre minha coxa. — Eu não preciso olhar para ninguém, se tenho você,
Algodão Doce. É só você que eu quero, sempre foi assim. — Sua mão aperta
minha carne e eu aceno, prestando atenção ao transito.
— O que eu sei é que meus peitos estão cheios de leite, minha barriga
está maior e passo a maior parte do tempo cuidando dos nossos filhos do que
dando atenção a você, e isso não é culpa minha…
— Eu nunca reclamei de atenção. Você está linda e nada no mundo
me faz te desejar menos. Pare com isso — ele resmunga me calando e eu
mordo meu lábio.
— Tudo bem.
O silêncio nos acompanha e eu suspiro assim que entramos em casa.
— Lorena está bem? — Kieran pergunta enquanto se deita na cama e
eu o ajudo a colocar um travesseiro debaixo do pé.
— Sim, mas ainda não acordou — digo antes de sair para pegar gelo.
— Logo o fará. — Ele sorri e eu me aproximo com a bolsa congelada.
Coloco sobre o seu pé e Kieran geme com dor.
— Você aguenta muito mais dor que isso, pare de drama — eu brinco
e ele balança a cabeça, cobrindo os olhos com o braço.
— Eu vou dormir um pouco. Se alguém ligar do hospital, me acorde.
Irei com você — ele ordena me encarando, e eu concordo, me inclinando e
deixando um beijo em seus lábios.
— Vou sim. — Saio do quarto e fecho a porta, deixando-o descansar.
Sorrio, pegando Luca no berço e levando-o para o banho. Marcia foi
pegar Nico na escola, então logo tenho que fazer o almoço. Luca sorri
enquanto eu deixo a água deslizar pelo seu rosto. Suas feições são as mesmas
de Nico. Cabelos escuros, olhos escuros e um sorriso matador.
Prevejo corações sendo partidos por causa dos meus filhos.

Eu me deito à noite depois que ajudo Kieran com seu banho e a voltar
para a cama. Seu pé está melhor, mas eu me preocupo que ele possa tropeçar
e machucar mais. Ele adormece rapidamente e eu relaxo na cama, deixando a
babá eletrônica no criado-mudo.
Meus pensamentos voam para meus pais. Sério que eles não se
importaram com Lorena no hospital? Eu mandei mensagem para os dois e
não obtive retorno. É incrível como eles ainda podem me surpreender.
Fecho meus olhos e sinto a mão de Kieran contra minha barriga. Meu
anel brilha na escuridão e eu suspiro apaixonada. Quero me casar, quero ter
tudo que tenho direito. Eu preciso ser feliz completamente, mas eu nunca
serei com Lorena em um hospital.
Não me casarei enquanto ela não sair de lá. Adormeço com essa frase
nos meus pensamentos.

Puxo a mão da minha irmã e aperto, descansando minha testa contra


sua barriga. Lorena, volte para mim, peço suspirando enquanto mordo meu
lábio. Não quero mais chorar. Ela precisa de alguém que seja forte e eu sou
essa pessoa. Ela só tem a mim. Eu sou a sua família.
Ergo meus olhos e me aproximo, beijando sua bochecha. Eu me
assusto ao sentir um aperto fraco na mão. Procuro seus olhos e vejo suas
pálpebras se mexerem, devagar, uma lágrima desce por sua bochecha, e eu
soluço, me erguendo e apertando o botão ao lado da sua cama, para chamar o
médico.
— Ela apertou minha mão, seus olhos se mexeram e olha… —
Aponto para seu rosto. — Uma lágrima. — Eu olho para o médico, que se
aproxima abrindo os olhos de Lore e colocando uma luz neles.
Ele a examina devagar e logo se afasta, sorrindo para mim.
— Ela está acordando — ele pronuncia e eu sorrio, beijando minha
irmã. Pego meu celular, com os dedos trêmulos, ligando para Kieran.
— Ela está acordando. Ela vai acordar. Respondeu aos estímulos do
médico. — Eu suspiro feliz enquanto escuto Kieran se movimentar.
— Estou indo, amor — ele promete e eu me sento, segurando a mão
da minha irmã. — Lorena vai voltar para você. Eu te falei que iria. — Ele
sorri, falando, e eu aceno mesmo que ele não possa ver.
Ele me falou e ela vai voltar. Mais uma de suas promessas que se
realizam. Descanso minha cabeça em sua barriga e suspiro sorrindo. Você vai
voltar, mana. Eu te amo.
Anos depois

— Aqui. Devagar. Isso! — Eu sorrio e beijo os cabelos de Luca


enquanto ele desliza o pincel na tela. De vez em quando ele faz um
acabamento com o dedo e eu acho um charme somente dele.
— Por que Nico está chateado? — ele pergunta baixinho enquanto
seus olhos voam pela janela, olhando para seu irmão debaixo de um carro
com o Kieran sentado ao seu lado.
Os três se parecem muito, mas Nico tem a aura do Kieran. Às vezes
ele se irrita por nada e eu me pergunto se a escuridão que aos poucos vejo
nele vai fazer dele uma pessoa ruim. Não, ele não mata animais e nada dessas
coisas apavorantes. Nico apenas fica com raiva em excesso, é explosivo e, às
vezes violento.
Kieran diz que eu não devo me preocupar com isso, que ele já passou
por isso e que sua experiência vai ajudar nosso filho. Eu espero que sim.
— Não foi nada — sussurro, fazendo Luca voltar para seu quadro. Ele
é apaixonado pela arte como eu, enquanto Nico é pelos carros, como seu pai.
Eu me sento numa poltrona na varanda do meu atelier e observo
quando um caminhão grande para na casa ao lado da nossa. Kieran e eu nos
mudamos do apartamento logo após os meninos crescerem mais. Eu queria
lhes dar espaço aberto para brincar, então comprei uma casa num condomínio
fechado.
Uma família desce de um carro que vinha atrás do caminhão e eu
sorrio, vendo que devem ser vizinhos novos. Saio da varanda e desço para
olhar de perto, mas sigo para a entrada da garagem, onde meus meninos
estão. Não quero que os vizinhos pensem que vou xeretar.
Assim que saio, eu franzo o cenho, vendo uma moça, talvez, com não
mais de vinte anos, se aproximar de Kieran. Ele está sem camisa e seu
moletom é um dos surrados que ele usa para trabalhar. Se antes ele já era
forte, agora seus braços estão maiores e eu salivo sempre que vejo seu
tanquinho. E a menina estúpida também está salivando, pelo que vejo.
— Ei! Acabamos de chegar. — Ela sorri, enrolando uma mecha do
seu cabelo. Sério? Ainda no tempo de enrolar cabelo?
— Sejam bem-vindos! — Kieran sorri, porém contido, e dá um passo
para trás, trombando com Nicolas, que está de braços cruzados sobre o peito.
A mulher morde o lábio, olhando para o peito de Kieran, e eu dou passos
mais rápidos em direção a eles.
— Você sabe de um lugar para sair à noite…
— Minha mãe não vai gostar do jeito que você olha para meu pai. Vá
embora! — Nicolas é grosso ao falar e eu vejo seus olhos fulminarem a
moça, que arregala os olhos.
— Oh. É…
— Sim, eu não vou. Entre, Nico — peço, e ele logo anda a passos
rápidos para dentro de casa. Volto minha atenção para a mulher e ela sorri
falsa para mim.
— Gabby, vamos — Kieran murmura pegando meu braço, mas eu me
desvencilho dele rapidamente. — Gabrielle. — Sua voz é um comando, mas
pouco me importo.
— Você vai ficar bem e com todos os cabelos da sua cabeça, se não
se aproximar novamente do meu marido e dos meus filhos — murmuro séria,
alisando minha barriga avantajada. Minha princesa está quase nascendo e eu
não quero me estressar, é uma pena que logo uma puta se mude para a casa à
frente da minha.
— Me desculpe, eu não sabia que ele era casado. — Ela coloca as
mãos na cintura e eu sorrio, pegando a mão de Kieran.
— Isso aqui explica muito se você olhar para a mão dele antes do seu
tanquinho — digo, mostrando a nossa aliança de casamento.
— Gabrielle, vamos — Kieran rosna, pegando minha cintura e me
levando para perto de casa.
— Não quero ter que estragar sua cara, querida, então tire os olhos do
que é meu — mando sorrindo, enquanto vejo a garota engolir em seco,
voltando para sua casa.
Deixo Kieran me levar e me solto dele assim que entramos na sala.
— Pelo amor de Deus… — ele geme em desagrado, e eu reviro os
olhos.
— Eu que digo isso! Você queria que ela olhasse mais, é isso?
— Eu quero apenas manter você e Letícia com saúde, e sem estresse
— ele me responde calmo, se sentando no sofá.
— Eu não estou tendo estresse. Eu estou tendo raiva de você!
— Isso não é estresse? — Ele abre os braços, me irritando mais.
— Cale-se antes que ela fique mais louca! — Lorena grita firme do
quarto da bebê e eu cruzo os braços, com Kieran bufando.
— Vamos lá. Vamos tomar banho. — Ele me puxa mesmo contra
minha vontade e vamos para o banheiro.
Kieran tira minha roupa e eu mordo meu lábio quando ele segura
minha barriga, fazendo nossa filha se mexer.
— Tudo que eu preciso está aqui dentro dessa casa, Gabrielle. —
Desvio os olhos dele, mas sua mão segura meu queixo, fazendo minha cabeça
inclinar apenas para encará-lo. — Tudo. Que. Eu. Preciso. Está. Aqui. Dentro
— ele fala pausadamente e eu sinto um caroço grande se formar em minha
garganta. Não consigo engolir ou respirar, é doloroso.
— Kieran… — solto um gemido quando sua mão me puxa contra seu
peito.
— Eu te amo, Algodão Doce. Nada fora das portas dessa casa me
importa. — Ele solta o meu lábio e beija devagar. — Eu idolatro o chão que
você pisa, eu sou grato pelos nossos filhos e amo o quanto de amor você
ainda me dá. — Ele se afasta para que eu veja seus olhos.
— Eu sei, Kieran. São os hormônios…
— Eu te amo e nem esses hormônios não serão capazes de me fazer
olhar para outra mulher. — Eu suspiro, o ouvindo, e descanso minha testa na
sua. — Sempre foi você, baby. Sempre vai ser. Você é o meu Algodão Doce.
Você colore o meu mundo. — Eu limpo a lágrima do seu rosto e beijo seus
lábios.
— Você colore o meu também — murmuro antes de ele devorar
minha boca.
O beijo é calmo, mas tem uma grandeza de desejo que me deixa
sobrecarregada. Sorrio enquanto ele explora meu colo e suspiro quando ele
me encara antes de me beijar novamente.
Sim, com certeza, ele colore meu mundo.
Estou imensamente feliz por esse livro estar concluído e que você
tenha o lido até aqui. Obrigada por me dar um pedaço do seu dia para que eu
te contasse essa história tão linda que foi a do Kieran e da Gabby.
Eu me reclusei enquanto escrevia esse livro. Eram tantos sentimentos,
tantas emoções… não sei se para você foi assim também, mas comigo foi. Eu
chorei, eu odiei, eu tremi de raiva e eu me apaixonei loucamente pelo Kieran
e pelo Nico. Nesses momentos eu respirava fundo e depois voltava para sentir
as mesmas coisas.
Enfim, só preciso agradecer às leitoras que me cobraram esse livro,
cobraram o romance entre esse casal que tanto almejei enquanto escrevia
Atroz: Uma Fuga Inesquecível. Foi intenso, foi prazeroso, foi sufocante e
maravilhoso. Eu amei.
Veridiana Silva, por apenas com um olhar dividir tantos sentimentos
comigo quando eu lhe falei que tinha finalizado o livro. Te amo, amiga! Tão
feliz que é minha conterrânea. April Kroes, por ler e me dar o feedback que
eu precisava, ela sabe que eu a amo. Jéssica Miguel e Alice Martins
(@BlogGnomaLeitora) por serem betas excelentes e me apontarem melhoras
significativas para essa história. Amo vocês!
E claro, eu quero agradecer ao meu marido, Nonato, por ser o
mocinho dos livros na vida real. Te amo, amor!
Obrigada você também por ter, mais uma vez, me deixado te contar
um romance!
Te espero no próximo… Théo e Lorena vêm aí!
Com amor,
Evilane Oliveira.
Evilane Oliveira é uma cearense de vinte anos que conheceu o mundo
da literatura aos quinze, quando cursava o ensino médio. Começou a escrever
aos 17 anos, pelo Wattpad, e conquistou alguns leitores que a acompanham
desde seu primeiro romance New Adult.
Casada e com uma filha, a nordestina sonha alcançar o coração de
mais leitores.
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