Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
MESTRADO EM DESIGN
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU
SÃO PAULO
Janeiro / 2013
UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
SÃO PAULO
Janeiro / 2013
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução
total ou parcial do trabalho sem autorização do autor.
CDD 741.6
UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI
SÃO PAULO
Janeiro / 2013
Dedico esta obra à minha sobrinha mais que especial,
Ana Carolina Nogueira Gouveia.
Agradecimentos
Foram dois anos de muito esforço, dedicação e aprendizado. Em sinceras
palavras, venho descrever meus agradecimentos a todos que participaram e foram
fundamentais para essa conquista.
Em primeiro lugar, sou eternamente grata ao meu Deus. Obrigada pela força,
coragem, proteção, paciência e, principalmente, pela sabedoria para discernir
caminhos a seguir durante o intenso percurso. Sem Suas bênçãos, nada seria possível.
À família que, sempre carinhosa, esteve ao meu lado com apoio e incentivo.
Aos meus lindos, amigos e amados pais Milton e Tita, sou profundamente grata pelo
amor incondicional, pelas conversas, conselhos, carinho, suporte, paciência; sem
contar os esforços e sacrifícios das longas viagens semanais para que eu pudesse
conciliar trabalho e estudos. Às minhas maravilhosas irmãs e amigas Jóice, Jesana
e, em especial, à Talita, minha eterna Táta. Com muita paciência, ela se dispôs
a me orientar no pré-projeto, ainda na fase do processo seletivo – seu incentivo
e dedicação foram fundamentais para realização desse trabalho. Aos meus
sobrinhos Carol, Nanda e Davi, que tornaram mais alegres e doces os meus amargos
e angustiados dias. Às minhas tias Marly e, principalmente, Meire, sou grata pela
compreensão dos meus esforços, pelo apoio, incentivo e, claro, pela companhia
a Guimarães, em Portugal. Com certeza, você, Meire, tornou minha viagem muito
mais divertida, tranquila e especial.
Às minhas orientadoras, Profa Dr.a Agda Carvalho e Profa Dr.a Kathia Castilho.
Durante o percurso, tive o privilégio de conhecer e conviver com duas maravilhosas
e excelentes profissionais. Agradeço pelo carinho de mãe que vocês tiveram
comigo e por terem me acolhido tão pacientemente. À Profa Dr.a Agda, sou grata
pela dedicação que a fez, por muitas vezes, deixar de lado seus momentos de
descanso para me ajudar com orientações. Obrigada por sempre ter depositado
sua confiança em mim. Sem a sua sábia orientação, confiança, apoio e amizade,
não seria possível a concretização desta pesquisa.
Agradeço também à Profa Dr.a Luisa Paraguai e Profa Dr.a Mirtes Oliveira,
membros da banca de qualificação e defesa do mestrado, que incrivelmente
aconselharam e sugeriram caminhos relevantes, que contribuíram de modo eficaz
para este resultado.
À Elidia Novaes, que foi uma mãe, uma irmã, uma amiga, um anjinho que suportou
de maneira tranquila meus momentos de crise e desespero, de choro, respondendo
a meus pedidos de socorro e transmitindo-me calma e a certeza de que tudo ia dar
certo.
E por fim, o agradecimento aos meus alunos da graduação, por quem tenho um
enorme carinho. Vocês fazem parte dessa conquista.
Obrigada,
Jaq
“O design é para todos”
– Issey Miyake
– Jum Nakao
Resumo
Esta pesquisa se propõe discutir a relevância da modelagem no design de moda,
onde, através do conhecimento e domínio da técnica, além da experimentação dos
processos construtivos, elaboram-se peças com estruturas inovadoras, permitindo o
uso por distintos e diferentes corpos, e abrindo possibilidades de utilização da roupa
nas várias espacialidades, numa vivência de constante transformação. Para tanto,
vale analisar algumas criações de Issey Miyake. Pela experimentação e peculiaridade
da modelagem nas criações deste designer, cujo trabalho é reconhecido desde os
anos 70, criam-se soluções construtivas inovadoras. É fato que, em ritmo acelerado,
aquela década impôs grandes e profundas transformações – novos comportamentos e
atitudes reformularam os conceitos e propósitos do design. E essa revolução conceitual
refletiu-se nos trabalhos do designer japonês Miyake. Os projetos contemporâneos
selecionados para esta análise: Pleats Please, A-POC e 132 5 ISSEY MIYAKE – expressam
as modelagens que propõem ao corpo e à roupa trabalharem e ocuparem o espaço
como lugar de experimentação.
INTRODUÇÃO .......................................................................21
1. DESIGN DE MODA
E MODELAGEM ....................................................................25
ANEXOS ...........................................................................115
Introdução
No design de moda, “a forma que se projeta é a do vestuário, que é fundamentalmente
uma forma têxtil e delimita um espaço para conter o corpo”. (SOUZA, 2005, p. 340). Como
atividade que requer método e planejamento, o processo do design resulta em produtos
derivados de experimentações que vão sendo propostas ao longo de sua construção. A
roupa inicialmente esboçada é compreendida, a matéria prima manipulada e explorada,
e então executada. E finalmente se torna um produto com múltiplas possibilidades de
interação com o corpo.
[...] os responsáveis por fazer roupas eram inspirados pelo corpo e sua
interação com os materiais para criar vestuários novos, funcionais e
decorativos. Para que o vestuário seja eficaz e confortável, o estilista
precisa ter conhecimento dessa estrutura móvel que é o corpo humano.
(JONES, 2005, p. 78).
21
do conhecimento teórico acerca das grandes mudanças no vestir e da flexibilidade
proporcionada ao corpo. E realizadas pesquisas nos suportes vídeo e foto, em busca
de formas radicais e distintas de uso, que provocassem sensações de liberdade, de
movimentações. Ao reconhecer, identificar e analisar produtos e peças de moda nos
trabalhos de Miyake, percebe-se a participação efetiva e revolucionária da modelagem
no contexto de atuação do designer, dando forma a um procedimento de metodologia
fundamental nesta pesquisa.
Projetos tão significativos, desenvolvidos para criar roupas universais com o propósito
de melhor vestir foram selecionados para análise, visto que a base da filosofia proposta
reside na elaboração e construção das roupas. Esse processo construtivo funciona como
meio para demolir categorias e indicar novas direções na modelagem. Reforça-se a ideia
de que, por meio da modelagem, as experimentações contribuem significativamente
para a execução de inovadoras formas. Os projetos analisados nesta pesquisa foram:
Pleats Please (1989), A-POC (1998) e 132 5 ISSEY MIYAKE (2010).
22
utilizar múltiplos meios como recursos para comunicar ideias e registrar experiências,
desde o desenho bi ou tridimensional até a construção de modelos tridimensionais.
O capítulo 3, “Contribuições de Issey Miyake – Um para todos e... todos em um”, aborda a
técnica construtiva nos seus trabalhos, exemplificando soluções e destacando seu aporte
para a modelagem no design de moda. Esse capítulo apresenta a modelagem como um
dos caminhos de transformação de ideias e materiais têxteis em produtos de vestuário,
permitindo a exploração do corpo no espaço com a aderência dos tecidos ou a criação
de espaços, o que demanda conhecimento da espacialidade determinada pela estrutura
anatômica e a mobilidade corporal. Aqui, também é discutido o aspecto investigativo e
experimental da modelagem, na medida em que interfere na compreensão do corpo
e dos materiais, abrindo possibilidades para a ação deste corpo, o que desencadeia os
modos de uso. O capítulo se divide em três subcapítulos, respectivamente apresentando
seus projetos em ordem cronológica: Pleats Please (1989), A-POC (1998) e 132 5 ISSEY
MIYAKE (2010).
23
– com a possibilidade de intervir, reformular, reconstruir e adaptar o design, obtendo um
vestir em diferentes corpos – das mais jovens às mais senhoras, das orientais às ocidentais,
das magras às volumosas, das baixas às altas. Isso pode levar à criação de novas
categorias de espaços, na medida em que apresenta revolucionárias transformações
em padronizações, estruturas e funcionalidades.
24
1. DESIGN
DE MODA
E MODELAGEM
Para maior clareza quanto à importância da contribuição do designer Issey Miyake para
a modelagem, torna-se necessário, primeiramente, compreender o que é a modelagem
no design de moda. Para tanto, este capítulo vai abordar conceitos do design, além da
reflexão acerca dos contextos e dos processos de modelagem para, então, evidenciar
a elaboração das formas de um design que amplie possibilidades ao corpo, em projetos
do designer estudado.
26
De séculos em séculos, reelabora-se a modelagem, principalmente no vestuário
feminino. No século XVIII, os corpetes eram verdadeiras armaduras de ferro (Figura 1)
que chegavam a causar deformações na estrutura óssea feminina, em razão do uso
prolongado (Figura 2). Aos poucos, foram sendo substituídos por arcabouços menos
rígidos, como barbatanas e entretelas, entre outras (Figuras 3 e 4).
27
Figura 3 - Camisola 1, circa 1760-1780. Figura 4 – Modelagem (construção técnica do corpete da camisola da Figura 3).
Fonte: (FUKAI et al, 2006, Tomo I, p. 127). Fonte: (FUKAI et al, 2006, Tomo I, p. 126).
A Figura 5 traz um vestido do século XVIII, mais precisamente o ano de 1775. Além de
um corpete bem justo ao corpo, há uma saia com ancas nas laterais do quadril, a fim
de proporcionar volume. Para tal forma, a modelagem exige uma estrutura rígida de
armações de ferro, as quais impossibilitam ao corpo liberdade de movimento no espaço.
Segundo Castilho, “a arquitetura dos castelos e o mobiliário tinham que ser modificados
para que as mulheres com tais vestimentas pudessem ocupar e se locomover nesse espaço”
(2004, p.122). E Braga comenta “que ao sentarem num banco de jardim, ocupavam-no
praticamente todo” (2004, p.55). Nesse sentido, observa-se uma modelagem distante de
ser agradável ao cotidiano, chegando a determinar o alargamento de portas de edifícios
e poltronas para adaptação ao vestuário feminino, num ambiente onde a relação entre
corpo, espaço e vestuário sustenta-se fortemente pelas relações sociais e culturais.
1
A preocupação com o afunilamento da silhueta era tão obsessiva que a estrutura rígida fazia parte da composição,
até mesmo dos trajes de dormir.
28
Figura 5 - Vestido à francesa, 1775. Saias com estruturas rígidas.
Fonte: (FUKAI et al, 2006, Tomo I, p. 68).
29
Figura 6 – Vestido de rua, 1860. Figura 7 – Estrutura rígida, de ferro.
Saias com estruturas rígidas. Armação da saia da Figura 6, 1860.
Fonte: (FUKAI et al, 2006, Tomo I, p. 232). Fonte: (FUKAI et al, 2006, Tomo I, p. 275).
Ainda no século XVIII, com o mesmo propósito de dar volumes às saias, surgia um novo
tipo de armação (Figura 8) – a estrutura de ferro se estreita na barra, concentrando volume
traseiro, especificamente na altura do quadril, e salientando uma parte sensual do corpo
feminino – as nádegas. Em aspectos construtivos, a modelagem desse vestuário também
exige o ferro na composição do suporte, o que dificulta a amplitude de movimentação
do corpo. Na Figura 9, vê-se a armação na construção da saia demonstrada na Figura 8.
Figura 8 – Vestido à inglesa. Saias com estruturas rígidas. Figura 9 – Estrutura rígida, de ferro. Armação da saia Figura 8
Fonte: (FUKAI et al, 2006, Tomo I, p. 97). Fonte: (FUKAI et al, 2006, Tomo I, p. 274).
30
Nas Figuras 10 e 11, observam-se vestidos do século XIX. Na modelagem das saias, os
volumes exagerados minguam a ponto de extinguirem as armações de ferro; é quando
aumenta o volume dos tecidos e afunila-se a cintura no corpete.
Figura 10 – Vestido para recepção, de Charles Frederick Figura 11 - Vestido para noite, de Charles Frederick Worth,
Worth, 1892. Saias sem armações de ferro, porém volumosas. 1894. Saias sem armações de ferro, porém volumosas.
Fonte: (FUKAI et al, 2006, Tomo I, p. 292). Fonte: (FUKAI et al, 2006, Tomo I, p. 294).
Até aqui, foi observada a vestimenta dos séculos XVIII e XIX. Segundo Nery (2009), o
vestir permaneceu inalterado por muito tempo, com poucas transformações estruturais.
Observam-se os crescentes volumes dos tecidos e as cinturas cada vez mais marcadas,
ambos firmemente inseridos na construção, em roupas que provocam movimentações e
articulações limitadas do corpo.
31
Observam-se na Figura 12 algumas dessas características: os drapeados que substituem
saias volumosas e rodadas, além dos incômodos corpetes. A modelagem passa a abrir
algumas possibilidades às articulações do corpo, visto que o drapeado permite aderência
e/ou afastamento do tecido em relação ao corpo, além da diminuição do peso.
32
[...] ainda na década 10, [...] a moda retoma seu ritmo, “a saia ampla
que atravessara a guerra foi substituída pela linha ‘barril’.” O efeito era
completamente tubular. As saias ainda eram compridas, mas houve uma
tentativa de confinar o corpo em um cilindro. O busto era de menino, e as
mulheres começaram até a usar ‘achatadores’, a fim de se adaptarem
à moda. [...] (ibid., p.230).
Mesmo que a década de 10 apresente indícios de androginia, é nos anos 20 que essa
tendência atinge seu apogeu. Um novo tipo de mulher passara a existir: “Todas as curvas
– o atributo feminino admirado por tanto tempo – foram completamente abandonadas”
(ibid., p. 232). Em meados da década de 20, veio a revolução das saias curtas e, no final do
período, mais precisamente em 1929, devido a acontecimentos políticos e econômicos,
como a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque e a consequente crise econômica
que se alastrou pelo mundo, o prestígio e o domínio da alta-costura parisiense sofreram
forte abalo (MOUTINHO; VALENÇA, 2000).
Nas Figuras 13 e 14, observam-se vestidos de caráter andrógino, datados dos anos
20, com modelagem reta e ausência de pences que permitissem acentuar as curvas do
corpo – detalhe concentrado na cintura e no quadril, admitindo o afastamento do tecido
no corpo e criando espaços.
Figura 13 – Vestido para noite, de Madeleine Vionnet Figura 14 – Vestido para noite, de Madeleine
(1922). Vionnet (1929).
Fonte: (FUKAI et al, 2006, Tomo II, p. 402). Fonte: (FUKAI et al, 2006, Tomo II, p. 458).
33
Com a chegada dos anos 30, a moda feminina abandona o visual andrógino,
característico da década anterior, com formas distanciadas das curvas e com uma
modelagem que oferecia possibilidades de movimentação do corpo, substituindo-o
por roupas mais esculpidas, acentuando os contornos e a sensualidade feminina. Após
anos de achatamento dos seios, os corpetes foram substituídos por sutiãs, e as cinturas
demarcadas por espartilhos com leves amarrações, conforme Mendes e Haye (2009, pp.
87-88).
Para Laver (1989), a ênfase mudou das pernas para as costas, desnudadas até a
cintura. De fato, muitos vestidos parecem ter sido criados para ser vistos por trás. Observa-
se também o ajustamento das saias na altura dos quadris, como que para revelar – talvez
pela primeira vez na história – a forma das nádegas.
34
Segundo Mendes e Haye (2009, p. 101), “em tempo de paz, o gasto em moda sempre
foi motivado pelo consumo ostensivo; em tempo de guerra, é determinado, em boa
parte, pela necessidade”. Durante a Segunda Guerra Mundial, as mulheres precisavam
de peças versáteis. Vários designers de moda de Paris apresentaram modelos enfatizando
a praticidade. Para Laver (1989), o início dos anos 40 foi um período de mudanças
constantes nos modelos, embora em variações nada radicais, mais contidas em detalhes
como cor ou bolsos, pois devido à guerra, os tecidos encontravam-se escassos e regras
eram estabelecidas para limitar sua metragem.
Em 1945, com o fim do confronto, as lojas parisienses haviam perdido suas clientes
americanas. Para voltar a seduzi-las, era necessário fazer inovações. Dior foi quem melhor
soube explorar a situação e dar nova feição à alta costura (MOUTINHO; VALENÇA, 2000).
A Figura 16 retrata seu famoso “New Look”, em observância à feminilidade resgatada:
cintura demarcada e saias com imensa quantidade de tecido, favorecendo a ideia de
que, com o final da Guerra, terminara a escassez de matéria prima.
Na sequência, anos 50. Esse período marcou o fim do apogeu da alta costura parisiense.
Porém, a atmosfera em Paris continuava sofisticada: mulheres deveriam ter a aparência
perfeitamente cuidada e o luxo predominava, como se observa na complexidade da
modelagem e nos tecidos (Figura 17 e 18).
Figura 17 – Vestido para noite, Christian Dior, 1956. Figura 18 – Vestido de festa, Cristóbal Balenciaga, 1955.
Fonte: (FUKAI et al, 2006, Tomo II, p. 514). Fonte: (FUKAI et al, 2006, Tomo II, p. 524).
35
com o vestuário. Contudo, as indústrias de roupas prêt-à-porter se fortalecem e a moda
volta-se aos jovens, principalmente nos Estados Unidos, segundo Moutinho e Valença
(2000).
Já nos anos 60, os jovens procuravam roupas diferentes. O mundo tinha mudado
muito: a emancipação feminina havia avançado, a vida estudantil exigia roupas práticas
e a juventude norte-americana abriu caminhos. Os cuidados com o corpo se acentuam
e começam a proliferar academias de dança e ginástica (ibid.). Até por toda essa
mudança, o período foi caracterizado pelo uso das minissaias (Figura 19). “As saias eram
mais curtas do que haviam sido durante o século, mesmo nos dias mais loucos da década
de 20” (LAVER, 1989, p. 262).
36
Enfim, os anos 70. Segundo Cardoso (2004), essa década foi marcada por grandes
e profundas transformações nos âmbitos social, econômico e político, os quais, por
conseguinte, interferiram nas atitudes e comportamentos da população. Nesse período,
as mulheres foram incentivadas à emancipação, e passaram a compartilhar tarefas até
então exclusivas dos homens. As roupas femininas, agora exigidas por certas atividades,
demandavam conforto e liberdade de movimentos.
É nessa mesma década que surgiriam as propostas de Issey Miyake, como relevantes
contribuições para a modelagem, que é o foco desta pesquisa.
37
Figura 20 – Casaco superdimensionado de Issey Miyake – Figura 21 - Casaco e saia, amplos e sobrepostos, de Issey
Primavera-Verão 1976. Miyake – Primavera-Verão 1984.
Fonte: (BENAIN; RIBEIRO, 1999, p.50). Fonte: (BENAIN; RIBEIRO, 1999, p. 25).
Figura 22 – Peças superdimensionadas e sobrepostas de Figura 23 – Vestido amplo de Issey Miyake, 1985.
Miyake, 1982. Fonte: (KITAMURA, 1999, p. 68). Fonte: (KITAMURA, 1999, p. 85).
38
Em análise das imagens acima, assim como os contextos até aqui discutidos,
percebe-se um design de estrutura ampla, assimétrica e geométrica, com características
contracultural e revolucionária: contracultural pela oposição ao consenso em vigor,
apresentando formas contrastantes às tradicionais estruturas ocidentais; e revolucionária
por projetar designs inovadores, em aspectos formais, que ampliam a possibilidade de
uso para todos, em razão das soluções construtivas. Com ele, a roupa caminha com
olhos postos na produção industrial flexível, buscando segmentar e adaptar produtos por
diferenciação e projetando soluções para o mundo real, contemporâneo e pluralista.
Nesse sentido, pode-se observar que, em suas criações, são expressas as raízes ancestrais
moduladas ao contexto contemporâneo, visto que apresentam uma modelagem onde o
design ultrapassa as fronteiras das nações, do gênero e da estrutura etária. Para Cardoso
(2004, p. 206), a contemporaneidade assim se caracteriza:
Segundo Saltzman (PIRES, 2008, p.307), “o designer é quem percebe os sinais do meio
e compromete-se a dar uma resposta através do objeto de design”. Portanto, todo
projeto exige uma visão profunda do meio e das circunstâncias nas quais o objeto irá
se incluir. Saltzman (ibid.) complementa que cabe ao designer essa função integradora
e abrangente de pensar o espaço e dar-lhe coerência, estabelecendo conexões
fundamentadas nas reais necessidades do indivíduo inserido nos contextos em que
habita. Esse pensar torna-se realizável, na medida em que reflete uma analogia entre a
concepção e a materialidade. Portanto, ao expressar a criação para conferir a forma,
o designer pode utilizar-se de recursos para comunicar ideias e registrar experiências, os
quais vão desde o desenho bidimensional ou tridimensional até a construção de modelos
tridimensionais.
39
vestimenta constitui sua forma”. Sendo sua referência, a forma resultante pode traduzir
harmonia ou desacordo com o corpo. A capacidade de analisar e articular o tecido e o
corpo permite ao designer ampliações no desenvolvimento da criação.
40
possibilidades de movimento. Portanto, quando o designer faz uso desse conhecimento
e da interação entre corpo, espaço e tecido como meios de construção da roupa, é
capaz de flagrar inovadoras formas e probabilidades de apropriação e uso; de vislumbrar
alterações morfológicas, tanto do corpo quanto da roupa, geradas pela interação entre
os movimentos físicos e têxteis, além de sugerir formas a partir de formas, em constantes
transformações.
Sabra (2009) argumenta que as populações são compostas por indivíduos de tipos físicos
díspares, com proporções diferenciadas em cada segmento do corpo. Assim, observa-
se que medir pessoas não é uma tarefa simples, quando se almeja medidas confiáveis e
representativas de uma população, visto que estudos antropométricos confirmam que
as dimensões corporais são influenciadas pela alimentação, genética, gênero, idade e
até mesmo pelo clima. Com tantos biótipos e proporções corporais, pode-se dizer que
padronizar medidas para execução da modelagem com o propósito de vestir os corpos
de maneira universal trouxe um desafio para os designers – além do domínio técnico de
construções do vestuário, faz-se necessária a compreensão da estrutura corpórea.
41
Rosa (2009, p. 27) reflete que “o aparecimento da antropometria na história da
civilização não é recente”. As proporções do corpo humano já foram estudadas por
artistas, arquitetos, filósofos, teóricos e estudiosos, e observou-se a variedade de dimensões
corpóreas, em razão do grande número de etnias distintas. Uma das mais significativas
representações das proporções do corpo humano e sua relação é o Homem Vitruviano,
elaborado por Leonardo da Vinci, como ilustra a Figura 24. Nessa imagem, observa-se
um corpo inserido num quadrado e num círculo, com braços e pernas em movimento,
reconstruindo proporções.
2
Na França, o termo “alta-costura” é patenteado e só pode ser usado por empresas que cumpram os requisitos determinados
pela Chambre de Commerce et d’Industrie de Paris. Segundo Fischer (2010), apenas se tornam membros os que seguem as
regras oficializadas desde 1945, e que só eventualmente sofrem alterações. No restante da Europa, o termo é utilizado livremente
para descrever alfaiataria e alta moda. Para Jones (2005), a alta-costura é o topo do mercado da moda e dita os preços mais
elevados. Edificada não somente pelas finalizações a mão, mas também pelo sucesso e o prestígio de peças únicas e sob
medida, essa linha é vendida a um público abastado e socialmente versátil.
Os alfaiates criavam os trajes sob medida, tomando como base as medidas tiradas do cliente com uma espécie de fita
ou cordão, e as repassavam para um gabarito, que consistia em um cartão de papel todo marcado. Pelo cartão, o
alfaiate traçava no tecido a forma dos trajes. (SABRA, 2009, p. 66).
Conforme Sabra, a alfaiataria é a técnica mais antiga, da qual derivam as demais técnicas geométricas. “Os alfaiates
combinavam a modelagem plana desenvolvida diretamente sobre o tecido e os ajustes realizados sobre o corpo do usuário”
(ibid., p. 98). Aliou-se à antropometria a partir do século XIX, e diversos estudos e sistemas de modelagem criados por alfaiates
foram publicados.
3
O prêt-à-porter, do francês, também conhecido como a expressão em inglês ready-to-wear, corresponde a “pronto para
vestir” e, na moda, representa “uma ampla variedade de roupas feitas para o mercado de atacado, lojas de departamentos e
boutiques de diferentes faixas de preços”, afirma Jones (2005, p. 40).
42
Da alta-costura à indústria do prêt-à-porter, vale ressaltar o surgimento de importantes
mutações, principalmente relacionadas à execução das construções do vestuário. Com
o desenvolvimento de roupas prontas em escala industrial e em diferentes tamanhos,
surgiu a demanda por tabelas de medidas representativas do corpo, servindo de base
para a construção das modelagens (SABRA, 2009).
Quanto às medições do corpo, Ilda (2005 apud SABRA, 2009, p. 46) as distingue entre
“estáticas e dinâmicas”. A primeira, também conhecida como estrutural, diz respeito às
medidas com pouco ou nenhum movimento. Já a segunda, funcional, alude às medidas
de alcance máximo dos movimentos. No processo da modelagem, as medidas estáticas
são fundamentais para o traçado do plano, bidimensional. Porém, com o acréscimo
da compreensão das dinâmicas, ou seja, das articulações e movimentações do corpo,
obtêm-se formas que, ao longo do processo de experimentação do tecido com o corpo,
tornam-se inesperadas, de caráter inovador.
Boueri (PIRES, 2008) comenta que essa medição da variedade de formas do corpo
humano – o levantamento antropométrico – tem sido praticada pelo escaneamento de
imagens do corpo com o uso de tecnologias computadorizadas, como o body scanner.
Segundo Sabra (2009), esse método concede ganho de tempo, além de exatidão nos
projetos de pesquisa. Uma vez definidas, tais medidas padronizadas tornam-se ponto
de partida, interferindo diretamente na construção de vestuário: aplicadas por meios
técnicos da modelagem, estabelecem um molde que se torna guia de corte do modelo.
43
1.2.2. Processos construtivos
Rosa (2009) define a modelagem plana como uma arte e técnica conforme os
princípios da geometria, para o traçado de diagramas que resultarão em formas a
envolver o corpo. Tal procedimento, que possibilita ao designer transformar algo plano
(papel ou tecido) em algo volumétrico, adota diversas e distintas ferramentas: tesoura,
papel, lápis, borracha, cola, régua reta, curva francesa e esquadro de ângulo reto (90o)
e de 45o, alicate de pique, fita métrica, carretilha, entre outros. Embora esses materiais
pareçam tradicionais perto de um mundo tecnológico, a Figura 25 apresenta processo
de construção que ainda se serve desses recursos para execução dos moldes.
Tais diagramas são combinações de curvas e retas em planos retangulares, nos quais
se aplicam linhas com as medidas do corpo. Como visto anteriormente, estas medidas
seguem uma tabela padronizada, concebida a partir do estudo anatômico, originando
formas que irão vestir o corpo (ibid.). A Figura 26 demonstra como tirar medidas da
44
circunferência do corpo. Essas medidas estão posicionadas e representadas na imagem
por linhas verdes. Já na Figura 27, observa-se o modo de obter medidas referentes ao
comprimento do corpo.
As bases de modelagem são moldes sem apelo estético, normalmente sem folgas e sem margens para costura, pois servem de
4
ponto de partida para o desenvolvimento de modelagens mais complexas. Pode-se dizer que as bases são a ‘segunda pele’ do
corpo, ou seja, elas devem reproduzir fielmente as medidas de um determinado tamanho de manequim da tabela de medidas
e conter marcações dos pontos anatômicos e linhas referenciais do corpo. [...] O teste dos moldes básicos é imprescindível para
que os modelos derivados destes não apresentem problemas” (SABRA, 2008, pp. 78-79).
45
linhas horizontais do traçado correspondem às linhas de contorno do corpo: cabeça,
pescoço, cintura, pequeno quadril e quadril. Algumas linhas horizontais equivalem às linhas
de largura do corpo, como as entrecavas da frente e das costas. Já as linhas verticais
referem-se às linhas de comprimento do corpo: meio da frente, meio das costas, altura do
busto, altura do pequeno quadril, altura do quadril, altura do joelho e altura até o chão.
No entanto, há uma linha vertical que corresponde à linha da largura do corpo, relativa
à abertura do busto.
Figura 28 – Linhas correspondentes do corpo e base de blusa. Transposição das medidas reais do corpo para o papel.
Fonte: (FISCHER, 2010, pp. 22-23). Adaptada pela autora
Esse mesmo procedimento de transferência das medidas reais do corpo para o papel
através da técnica da modelagem bidimensional acontece nas construções de outras
bases: de saia (Figura 29), calça (Figura 30), mangas (Figura 31) e golas (Figura 32).
Na Figura 29, observa-se o diagrama da base de uma saia. Para tal construção, não
há a necessidade de todas as medidas do corpo; tanto porque, tradicionalmente, a saia
posiciona-se da cintura para baixo. Porém, sempre haverá a necessidade das medidas
da circunferência e do comprimento. No caso, as circunferências referem-se às medidas
da cintura, pequeno quadril e quadril. Quando se trata das medidas de comprimento,
inserem-se também a altura do pequeno quadril, altura do quadril e altura do joelho,
conforme imagem (Figura 29).
46
Figura 29 – Diagrama da base de saia – Frente e Costas. Figura 30 – Diagrama da Base de Calça –
Fonte: (FISCHER, 2010, p. 20). Frente e Costas.
Fonte: (Elaborada pela autora).
Em cada base traçada, verifica-se seu posicionamento ao vestir um corpo para, então,
estabelecer medidas necessárias para a construção. A Figura 31 refere-se ao diagrama
da base da manga. Pelo fato de vestir o braço, suas medidas consistem na circunferência
e comprimento do braço. Esse diagrama demanda a altura do braço e do cotovelo, o
contorno do cotovelo e do pulso, além das medidas da cava, obtidas pela base de blusa
configurada.
47
Já a Figura 32 ilustra o diagrama da gola. Por posicionar-se no pescoço, as medidas
necessárias consistem no contorno do pescoço e na altura da gola. Esta medida,
especificamente, depende das variações de modelos, podendo ser estreita ou larga.
Em análise da construção, Jones (ibid.) afirma que a estrutura física do corpo humano
é simétrica em torno de um eixo vertical. Portanto, mesmo que a assimetria esteja
relacionada à desordem e desconstrução, é preciso equilíbrio e, mais ainda, conhecimento
antropométrico, pois até peças desestruturadas se constroem sobre a dimensão de uma
massa corpórea estruturada. A Figura 33 ilustra as etapas de construção do molde de uma
saia e a configuração no tecido. Mesmo que a intenção seja assimétrica e desconstruída,
a modelagem parte de um molde básico da saia, com medidas precisas do corpo, além
de métodos de construção.
Jones (ibid.) alude à ideia de que equilibrar os efeitos das linhas do modelo é uma das
primeiras tarefas ao rascunhar roupas. Diferentes reações emocionais e psicológicas se
exprimem sob as linhas, onde se criam ilusões tanto amplas quanto estreitas, podendo
enfatizar ou disfarçar traços.
Tratando de Miyake, Benain (1999, p. 11) considera que “com ele, as linhas se movem,
ondulam, são figuras livres num espaço indefinido entre Oriente e Ocidente, arte e
moda, instante e eternidade...”. Mais uma vez, transgride tradições metodológicas da
modelagem, pois, em oposição à rigidez do vestuário ocidental, cria formas atemporais e
livres. Sendo assim, permite ao corpo flexibilidade e compartilha sensações.
48
Figura 33 – Construção de uma saia assimétrica a partir da Base de Saia.
Fonte: (FISCHER, 2010, p. 33).
Figura 34 – Vestido de forma Figura 35 – Vestido Circular Figura 36 – Vestido Construído sobre
geométrica, no caso, circular. Pleats Please. formas geométricas quadradas.
Fonte: (KITAMURA, 2012, p. 411). Fonte: (HOLBORN, 1995, p. 111). Fonte: (HOLBORN, 1995, p. 127).
49
No entanto, já se observa uma reorganização das formas – uma construção
transgressora em oposição a métodos tradicionais da modelagem, visto que, mesmo não
construídas a partir de uma base de corpo, que esboçaria curvas e contornos (Figura 37),
as peças derivam do conhecimento do corpo e sua ocupação do espaço (Figura 38),
somados à sua interação com o tecido.
Figura 37 – Modelagem Geométrica circular, configurada a Figura 38 – Modelagem geométrica circular – configurada
partir da base do corpo. por meio da ocupação do corpo no espaço.
Fonte: (Elaborada pela autora). Fonte: (Elaborada pela autora).
50
Pode-se dizer que, mesmo não configuradas a partir do diagrama de base da
modelagem bidimensional, as peças se estabelecem por meio do conhecimento
do corpo em interação com o tecido no espaço. Portanto, discute-se a segunda
técnica fundamental no desenvolvimento do equilíbrio e formas, que é a modelagem
tridimensional. Esse processo envolve experimentações concretas, e suas variadas facetas
podem ser vistas por diferentes ângulos. Segundo Souza (PIRES, 2008), a moulage exige
raciocínio espacial, por ser técnica que permite desenvolver formas diretamente sobre o
corpo. Não é obrigatório o recurso de um corpo vivo, podendo ser ele representado por
um busto-manequim com medidas anatômicas.
Entendendo o corpo como suporte, essa técnica promove a relação com o tecido
e lida com medidas de comprimento, profundidade e largura. Tal aproximação permite
novas soluções, além de favorecer diversas possibilidades e metodologias construtivas
para modelagem plana. Ideias se materializam e geram-se formas têxteis, as quais, ao
longo do processo de construção, podem ser transformadas e reformuladas. Nesse
contexto, a configuração tridimensional é ressaltada pela sua linguagem – linhas, planos,
volumes, proporções e texturas, num processo dinâmico e criativo, pois o fato de visualizar
situações reais de uso possibilita criar formas e dar significados aos elementos que vão
formar o vestuário, conforme reflete Souza (ibid.).
51
Figura 42 – Peças desenvolvidas por meio da experimentação da modelagem tridimensional.
Fonte: (JONES, 2005, p. 147).
A Figura 43 exemplifica peças dos anos 80. Segundo Ceia (2010), o termo desconstrução
surge como crítica ao estruturalismo e depois, entre as décadas de 70 e 80, os debates se
ampliam e discute-se como movimento de rupturas. Migrando o conceito para o design
de moda, essas peças referem-se à desconstrução da dimensão corpórea, visto que a
amplitude da forma distorce a estrutura anatômica e pouco ou quase nada das formas do
corpo pode ser observado. Porém, pode-se também transportar tal desconstrução para o
processo construtivo, visto que, na prática, transgride e desestrutura métodos tradicionais
utilizados para elaboração das formas.
Pelo fato de ser superdimensionada, a roupa permite vestir inúmeras proporções, além
de conceder mobilidade ao corpo – são peças minimalistas, gerando roupas geométricas
com cortes geométricos, de estruturas simples, sem rigidez e constrição do corpo. Já a
configuração assimétrica refere-se às diferenças e distorções das formas, sejam elas no
comprimento ou na lateral, visto que os dois lados são distintos.
52
Figura 43 – Estruturas desconstrutivas, minimalistas e assimétricas, de Miyake. Coleção Primavera-Verão 1984.
Fonte: (MOUTINHO e VALENÇA, 2000, p. 255).
53
Na Figura 46, observam-se dobraduras com referência à prática de origamis que, em
segundos, desconstruídas, assumem a forma de roupas. Em aspectos formais, essa prática
de construção geométrica e assimétrica é uma das correlações no vestir das distintas
dimensões corpóreas, visto que, em sua configuração, criam-se espaços entre o corpo e a
roupa. Além de universalizar o grupo de usuários, essas criações multiplicam a perspectiva
de usos, abrindo possibilidades de interação com o corpo.
Segundo Saillard (KITAMURA, 2012, pp. 48-49), estas peças parecem ter alguma forma
própria de inteligência e entendimento como ingredientes básicos.
5
No cruzamento de fios para formação do tecido, o fio disposto verticalmente corresponde ao comprimento do tecido e
refere-se ao urdume. A borda longitudinal é chamada de ourela. O fio horizontal corresponde à largura e é chamado trama.
A estrutura do tecido pode ser modificada por alterações em padrões no cruzamento do fio de urdume e o fio da trama.
Normalmente, o fio segue os fios de construção de um tecido, em especial os de urdume. Ele também pode ser marcado
atravessado, ou seja, paralelamente em relação aos fios da trama, ou a 45o em relação ao fio de urdume, conhecido como
fio enviesado (SABRA, 2009, p.93)
54
Observam-se na Figura 47 as três maneiras de cortar uma peça: no urdume, na trama
e no viés.
Figura 47 – Posicionamento de fios no tecido – Fio Reto. Fio Atravessado. Fio Viés.
Fonte: (FISCHER, 2010, p. 124).
Cardoso (2004) sustenta que, por mais opções que ofereça determinado programa
desenvolvido para a modelagem, a maioria deles opera a partir de menus de
6
Computer-Aided Design/ Computer-Aided Manufacturing
55
comandos, o que torna cada vez mais difícil pensar em possibilidades não incluídas no
cardápio oferecido. Ainda assim, Souza (PIRES, 2008, p.340) observa que até mesmo a
“bidimensionalidade é, às vezes, uma limitação enganosa quando falamos da vestimenta”,
pois tende a privilegiar uma única vista do produto, geralmente a parte frontal. Para a
autora, “é fundamental a exploração de possibilidades no campo tridimensional”, o que
evidencia que a distinção na construção está na pesquisa de processos da configuração
poética da modelagem.
56
Analisando a Figura 48, percebem-se, em azul, metragens de tecido. Ao olhar
atentamente, nota-se que ele tem traçadas marcações da modelagem; no caso,
várias partes de moldes. Cabe ao usuário inteirar-se das formas e vesti-las da maneira
que preferir – não é mister fazer uso de todas as partes, mas, caso queira, nada impede
que sejam sobrepostas. Por outro lado, por que não utilizar poucas partes e, a cada dia,
acrescentar mais? Essa proposta de metamorfose da roupa, ou seja, através de uma
única forma adotar vários usos, apresenta a reorganização da modelagem também por
meios tecnológicos.
57
2. O IMPACTO
DO DESIGN DE
ISSEY MIYAKE
o design da
modelagem
deleitável
Abordando o design, o design de moda e os processos da modelagem em face do
contexto e suas influências, este capítulo fundamenta a reflexão acerca dos projetos de
modelagem propostos por Miyake, cujas soluções causam certo impacto no ambiente
da moda e enfatizam sua atuação.
Aqui, será discutido o impacto de seu design na moda, pela análise de contextos e de
seu trabalho desde a década de 70, com ênfase em três projetos desenvolvidos nos anos
de 1989, 1998 e 2010, baseados na elaboração da roupa.
Nascido no Japão em 1938, Miyake apresentou sua primeira coleção em Nova Iorque
no ano de 1971, e em Paris no ano de 1972. Porém, foi em 1973 que impôs sua marca
registrada, pela relação entre um tecido bidimensional e um corpo em três dimensões – a
essência de seu processo em design (FUKAI, 2006). Issey Miyake formou-se na Givenchy
após os ensinamentos da École de la Chambre Syndicale de la Haute Couture, em Paris.
Através de uma vivência quase artesanal, cultiva a capacidade de dimensionar suas
criações em escala mais genérica. Foi com esse intuito que pesquisou com olhos postos
no desenvolvimento dos seus projetos em design, considerando o corpo, estimando
os gestos, observando os diferentes estilos de vida para tornar seu design relevante
(KITAMURA, 2012). Castilho complementa que:
Assim aconteceu com Miyake, que reinventou as roupas femininas segundo os seus
próprios padrões. Utilizou-se de técnicas, mas não somente. Observa a multiplicidade
de identidades humanas que mudam ao longo do tempo, de acordo com as épocas,
traduzindo momentos flexíveis de fusão cultural.
59
Figura 49 – Macacão de Issey Miyake, 1983.
Fonte: (KITAMURA, 1999, p. 37).
60
Segundo Saltzman (PIRES, 2008, p. 309):
A autora confirma que toda forma implica funções. Em um dos exemplos, ela cita
a adaptação à vida cotidiana e complementa que essa condição exige pensar no
comportamento do corpo, de modo a apropriar-se do design. Ampliam-se limites e
possibilidades de uso da roupa, além das constantes alterações de movimentação do
corpo para um mundo contemporâneo, pela reorganização e reformulação construtiva,
resultando em uma modelagem deleitável.
Forty (2007) complementa essa ideia de um design ideal para a vida cotidiana com
algumas considerações estabelecidas nos anos 70, mas que refletem nos tempos atuais
de modo intenso, especialmente na saúde, estética e moda, entre outras:
61
ideia sugerida para uma estação materializa-se na estação seguinte. Com ele, o design
de moda reflete um mundo de liberdade e movimento, traduzido nas formas anárquicas
geradas pela experimentação que vincula corpo, espaço e tecido.
Figura 50 – Roupa assimétrica de Issey Miyake, 1984. Figura 51 – Vestido de Miyake, 1984.
Fonte: (KITAMURA, 1999, p. 9). Fonte: (KITAMURA, 1999, p. 59).
Por recursos que permitem criar movimentos de expansão e redução para liberar
a adaptação da roupa ao corpo, permitindo que as peças se ajustem em corpos
de diferentes tamanhos, gêneros, idades e silhuetas, Miyake faz uso de pregueados,
drapeados, plissados e torceduras nos tecidos. Através dessas inovações flexíveis, elabora
verdadeiras esculturas, muito leves, articuladas com a anatomia, que interagem com o
usuário, permitindo movimentos e expressões do corpo.
Pode-se considerar que a roupa, criada por Miyake, em seu processo de uso,
experimentação e interação com o corpo, modifica o reconhecimento do espaço.
A cada vivência, surgem novas possibilidades relativas à comunicação não verbal,
expressões sentimentais e movimentações do corpo; é um vivenciar de situações
traduzidas na modelagem dos trabalhos de Miyake, ou seja, no projeto da modelagem.
62
Miyake (apud BENAIN, 1999, p. 15) diz: “com espírito e modéstia, faço apenas a
metade do caminho. Quem usa minha roupa percorre a outra metade.” Com isso, ele
amplia o entendimento das formas complexas que possibilitam infinitos modos de uso. Por
um lado, elas concretizam os conceitos por trás de sua criação: obedecem a uma lógica
construtiva, qual seja a soma das ideias de um projeto e seus materiais em experimentação
com o corpo e o espaço. Por outro lado, as roupas são passíveis de adaptação pelo uso
e sujeitas novas percepções, conforme a experiência do vestir.
Ainda assim, Miyake (KITAMURA, 2012, p. 37) reflete que buscava: “[...] desenvolver
roupas com base em teorias de tecnologia e engenharia modernas, interessava-me
aprofundar o potencial, não da moda, mas das roupas enquanto produto”. Nesse
contexto, o designer de moda nota alguns paradigmas de suas criações a fim de elaborar
formas que permitam ao usuário continuidade no processo construtivo. Primeiro, quando
Miyake usa a expressão “aprofundar-se ‘não na moda’”, nos leva à reflexão de que, hoje
em dia, a roupa, referida como moda no sentido de identificação de gênero, idade,
status, etnia, costume e efemeridade, adquire valores e significados que amanhã podem
ser outros. O material pode se tornar algo imaterial – cair em desuso, e logo, em descarte.
A intenção de preservar a roupa, tornando-a parte da história pessoal, no sentido de
a peça permanecer com o usuário por vários anos de sua vida, faz com que Miyake a
interprete como produto, para que adquira formas inovadoras, tanto funcionais quanto
estéticas, atemporais e universalizadas.
Depois, quando ele relata que as roupas são baseadas em teorias de tecnologia e
engenharia contemporâneas, observa-se a relevância da modelagem no processo
de desenvolvimento do design de moda, uma vez que engenharia e modelagem são
responsáveis pela concretização das formas. Para tanto, Miyake desenvolve estudos
aprofundados acerca das construções, em especial a roupa. Em suas apresentações,
destaca-se uma arquitetura do devir, procurando variações e possibilidades enquanto
mantém a continuidade – um trabalho em que o processo e o material (tecido) colidem,
se sobrepõem e se fundem como camadas de uma surpreendente estrutura que se
desdobra em outras formas, como contornos que respondem a outros contornos.
63
como se já fizesse parte do corpo, e não algo passageiro e propenso ao descarte.
64
Citado e considerado por Baudot (2000) como grande arquétipo e arqueólogo do
vestuário de registro simplificado, Miyake explora campos de criação, na busca por
romper com uma concepção de normas e padrões construtivos do design do vestuário,
revolucionando códigos de sedução, redefinindo a relação com o corpo, para objetivar
uma forma inusitada em face da incompreensão quase geral. Ligado à contracultura,
advogando ampla rejeição ao consumismo, alimenta um desejo de inventar novas
formas, transformando o “vestir” num terreno de experimentações. O design se estrutura
em propostas a acomodar-se em corpos distintos e variados, solucionando um vestir para
todos, e também em uma única forma em constante transformação, desdobrando-se
em vários modelos a se apropriar, além das funcionalidades mutantes, criando soluções
do tipo “faça você mesmo”.
Nesse contexto, Issey Miyake pode ser apontado como um dos designers recriadores do
vestuário no século XX, com extensão até o século XXI. No percurso de seu trabalho, nada
está fixo, e ele esboça o corpo numa variedade de formas geométricas, concebendo-o
de modo a transgredir limites e costumes, Oriente e Ocidente, idade e gênero, onde o
tecido e o corpo já não lutam, e renasce o despojamento estrito e harmonioso.
Percebe-se, então que, a partir de meados dos anos 90, Miyake desenvolve projetos
com um design que permite a intervenção criativa do usuário – A-POC e 132 5 ISSEY MIYAKE
– permitindo um sortimento de resultados, em função da composição entre as peças.
65
Figura 52 – Bailarino vestido de Figura 53 – Elementos do Ballet de Frankfurt, dirigido por William Forsythe,
Pleats Please. posam com peças Pleats Please, 1996.
Fonte: (KITAMURA, 2012, p. 43). Fonte: (KITAMURA, 2012, p. 47).
Observa-se nas imagens abaixo (Figuras 54 e 55), o modo como a peça Pleats Please
se acomoda no corpo dos bailarinos. A leveza do material plissado, em interação com o
corpo, proporciona articulações extremas no espaço.
Figura 54 – Possibilidades de movimentações que Pleats Figura 55 - Possibilidades de movimentações que Pleats
Please permite ao corpo. Please permite ao corpo.
Fonte: (KITAMURA, 2012, p. 173). Fonte: (KITAMURA, 2012, p. 183).
66
2012, p.39). Este pensamento reavivou a resolução – fazer roupas tão universais quanto os
jeans e as t-shirts.
Nessa declaração, soma-se outra solução desenvolvida por Miyake – uma modelagem
flexível, num caminho de constante transformação. As peças se transformam com o
passar das horas; os tecidos se sobrepõem, os vestidos deslizam e as mudanças vão sendo
percebidas. É como um esboço onde tudo pode mudar. O próprio Miyake complementa:
As imagens a seguir comprovam as soluções construtivas criadas por Miyake, visto que
a flexibilidade e livre mobilidade do corpo proporcionadas pelo vestir Pleats Please faz-se
presente no cotidiano de pessoas das mais distintas etnias e atividades.
67
Figura 56 – Pleats Please em uso nas diferentes etnias. Figura 57 – Pleats Please em uso nas diferentes etnias.
Fonte: (KITAMURA, 2012, p. 216). Fonte: (KITAMURA, 2012, p. 217).
Figura 58 – Pleats Please em uso nas atividades cotidianas Figura 59 – Pleats Please em uso nas atividades cotidianas
– Índia. – Índia.
Fonte: (KITAMURA, 2012, p. 463). Fonte: (KITAMURA, 2012, p. 475).
68
Ainda na Índia, as imagens a seguir ilustram outras atividades exercidas com o vestir
Pleats Please. A Figura 60 refere-se à atividade artesanal, especificamente, bordados
manuais, com suas movimentações também extremas, visto que demanda movimentos
de abre e fecha braços, estica e comprime o corpo, além da observância de que a
forma está interagindo com corpos de dois gêneros: homem e mulher. Já na Figura
61, observa-se outra atividade num outro ambiente, porém destaca-se a posição de
agachamento da mulher – liberdade e possibilidades de mudanças constantes e
ilimitadas da movimentação do corpo.
Figura 60 – Pleats Please em uso nas atividades cotidianas Figura 61 – Pleats Please em uso nas atividades cotidianas
– Índia. – Índia.
Fonte: (KITAMURA, 2012, p. 474). Fonte: (KITAMURA, 2012, p. 479).
A Figura 62 aborda questões do uso da roupa desenvolvida por Miyake, que ultrapassa
fronteiras, em distintas culturas e corpos, voltada ao uso cotidiano. Portanto, uma
atividade já discutida anteriormente – a pesca – ressurge, vestindo corpos de outra etnia,
em outro país – Quênia, com destaque para a proposta de Miyake e sua roupa flexível
derivada do efeito das pregas em interação com a modelagem simples e geométrica,
oposta à construção e estrutura rígida do ocidente. Na Figura 63, o Pleats Please chega à
China: corpos de dimensões mais estreitas e miúdas, bastante distintas daquelas da Índia
e até mesmo do Quênia – praticamente opostas. Contudo, Pleats Please se dissemina
graças a experimentações da relação entre corpo, espaço e matéria, reformulando
e reorganizando técnicas da modelagem com propostas solutivas. A imagem traz um
chinês num percurso ciclístico com leveza e ilimitadas articulações proporcionadas ao
corpo pela Pleats Please.
69
Figura 62 – Pleats Please em uso nas atividades cotidianas Figura 63 – Pleats Please em uso nas atividades cotidianas
– Quênia. – China.
Fonte: (KITAMURA, 2012, p. 497). Fonte: (KITAMURA, 2012, p. 522).
Para muitas pessoas, estas roupas nômades funcionam como uma t-shirt ou um
par de calças; um artigo de viagem inevitável, um inesquecível vestido, um agasalho
imprescindível, que nos segura e nos protege. Contudo, como reflete Edelkoort, as pessoas
são diferentes, e há muitas para quem estas pregas agradam por ser excêntricas, únicas e
padronizadas, revestidas, ou por vezes até cortadas a laser, transformando-se em rendas
contemporâneas (KITAMURA, 2012, p. 26).
Para Miyake, “o poder do design é fazer produtos que vão se tornar anônimos”
(apud BENAIN, 1999, p.7). Por essa razão, elaborou processos construtivos inteiramente
novos. Nem alta-costura, nem moda, as Pleats Please são simplesmente roupa. Roupas
que abraçam e acomodam-se no corpo, de tal forma que criam vínculos. Tornam-se
familiares, como se fossem uma extensão do corpo, de tão atemporais e flexíveis. Assim,
seu propósito essencial é conceder o melhor vestir aos distintos corpos, invadindo diferentes
espaços. Por outro lado, disseminam um projeto inovador criado por Miyake, diferentes
das peças de vestuário que são desenvolvidas para ser da moda, extinguindo-se a cada
estação, com características temporais e efêmeras. “Ao lançar a Pleats Please por todo o
mundo, sinto que me tornei, finalmente, designer”, relata Miyake (KITAMURA, 2012, p. 46).
70
confortável e flexível, que permite ao corpo intervir nas funcionalidades da roupa com
possibilidades frequentes de transformação. Para Saltzman,
Issey Miyake faz uso de seu academicismo, ou seja, explora o conhecimento técnico
construtivo que adquiriu ao longo de sua formação, e o soma à experiência profissional.
Com isso, ostenta novas virtudes, esculpe novos contornos do corpo, gerando espaços na
relação com o tecido, num esforço de transportar suas peças para o terreno do cotidiano,
do mundo contemporâneo; envolve novos sistemas de criação e intencionalmente os
materializa.
Tudo depende de como o tecido é cortado – camisas, saias, até mesmo uma única
peça de vestuário pode emergir – e inclusive o comprimento das mangas fica a critério do
usuário. Quando os pedaços de tecido são sobrepostos ao corpo, eles parecem ganhar
vida, acentuando a figura do usuário (MIYAKE DESIGN STUDIO OFFICIAL SITE, 2009).
71
Figura 64 - Conceitos da A-POC – formas demarcadas no tecido a Figura 65 – Permutações possíveis a partir de um
fim de compor a roupa. único pedaço de tecido.
Fonte: <http://serurbano.wordpress.com/2009/12/18/dialogo-brasil- Fonte: <http://mds.isseymiyake.com/mds/en/
japao/>. collection/>.
72
Miyake afirma: “Eu pretendo continuar a desenvolver peças de vestuário com uma
gama de possibilidades, nas quais o usuário possa criar uma variedade de designs”. (apud
TRENDS IN JAPAN, 1999, tradução nossa).
O designer procederia da mesma forma com a sua coleção “132 5 ISSEY MIYAKE“, a
qual será discutida a seguir. Segundo Saillard, “a coleção foi, não só uma surpresa, como,
repentinamente, tornou obsoleta a moda até então em vigor” (KITAMURA, 2012, p. 49).
Issey Miyake tem sido inovador na moda. Desde que assumiu a função de designer,
passou a explorar novas maneiras de fazer roupas, a fim de torná-las mais eficientes,
acessíveis e contemporâneas. Ele lidera o Reality Lab 7, um consórcio de jovens designers
que “desafia, explora e celebra as infinitas possibilidades da criatividade” (THOMAS, 2010,
tradução nossa). Na busca por inovações, tecnologias, formas e resultados, as muitas
experimentações levaram a um novo projeto em 2010, mais precisamente no dia 7 de
setembro: o método tecnológico denominado 132 5 ISSEY MIYAKE.
7
Formado em 2007, hoje tem oito membros. O Reality Lab é um projeto baseado no princípio de colaboração e trabalho em
equipe. Seu objetivo é, através da pesquisa, explorar o futuro de fazer coisas. Procura sempre criar produtos que reflitam aquilo
de que as pessoas precisam, e também encontrar novas formas de estimular a produção criativa (DEZEEN MAGAZINE, 2010,
tradução nossa).
73
O próprio nome faz alusão a todo o conceito da marca (Figura 67): o número 1
representa o tecido, num único pedaço. O número 3 justifica a forma tridimensional, que
se reduz a duas dimensões (o número 2, que vem em seguida). O espaço que antecede
o número 5 não é gratuito: refere-se ao tempo que as pessoas ocupam desdobrando as
formas planas ou bidimensionais e transformando-as em roupas, e também ao tempo
que usam para vesti-las. Já o número 5 se traduz como quinta dimensão, referindo-se
ao momento em que a peça é usada e ganha vida pela comunicação entre pessoas
(Em física, a quinta dimensão é hipotética, subsequente às três dimensões espaciais e à
quarta, que é o tempo) (TALL, 2010).
74
3. CONTRIBUIÇÕES
DE ISSEY MIYAKE
um para todos,
e... todos em um
Issey Miyake propõe uma forma que vista todos os corpos, sem restrição de gênero,
etnia, estatura, peso... – Um. Para todos. De outro lado, vários modelos que se encaixam
numa única peça, metamorfoseados – Todos em um.
Para Miyake, “[...] um simples lenço, dobrado em quatro e pregueado num determinado
ângulo, deu vida a uma nova técnica de conceber pregas, técnica através da qual era
possível criar roupas com formas absolutamente novas” (KITAMURA, 2012, p. 34).
Sendo uma espécie de ingrediente básico, estas peças têxteis parecem mesmo possuir
mente própria, pois servem a um enorme grupo de mulheres, transgredindo limites e
comportamentos do corpo com roupa. Dialogam com elementos do Oriente e Ocidente
na execução do projeto, e ampliam a questão da idade e gênero. Nada está fixo,
mas em troca constante. Esboça-se o corpo numa variedade de formas geométricas.
Nas palavras de Edelkoort, “As formas geométricas funcionam como corpos flexíveis e
esticados no espaço, que originam uma superfície moduladora” (KITAMURA, 2012, p. 26).
76
Figura 69 - Vestido geométrico Pleats Please de Miyake.
Fonte: (HOLBORN, 1995, p.11).
Figura 70 – Vestido geométrico Pleats Please de Figura 71 – Vestido geométrico Pleats Please de
Miyake, 1990. Miyake, 1991.
Fonte: (KITAMURA, 1999, p.5). Fonte: (KITAMURA, 1999, p.7).
77
Nas palavras do designer japonês Yohji Yamamoto, em videodocumentário realizado
por Wim Wenders em 1989:
Pode-se considerar que o tecido exige determinada forma, assim como uma forma
estabelece uma textura – ambos caminham juntos. Portanto, a técnica da modelagem,
na busca por configurar estruturas, se aplica em conformidade com a interação entre
tecido e corpo no espaço.
78
Figura 74 – Modelagem da Regata – Largura e profundidade das pences.
Fonte: (Elaborada pela autora).
Nas imagens, observam-se as etapas de construção das peças Pleats Please. Vale
ressaltar que as pregas são desenvolvidas e fixas nos tecidos; portanto, não há a
necessidade de introduzi-las no molde. A sequência de um processo tradicional parte
da modelagem, que é desenvolvida sobre a base de um corpo com medidas reais, o
corte, e finalmente a montagem (costura). Já no processo do Pleats Please, de modo
inverso, é preciso desenvolver a modelagem (Figura 75), o corte, a montagem (Figura
76) e, por fim, preparar a peça costurada (Figura 77) para inserir as pregas (Figura 78).
No entanto, observa-se que a execução das pregas deixa de pertencer ao processo da
modelagem e passa a ser aplicada na fase final com as técnicas de tecelagem, sendo
ambas desenvolvidas no tecido (Figura 79).
79
Vale ressaltar que como a peça montada ainda irá passar pela etapa de encolhimento
ao submeter-se às pregas, é preciso uma reorganização quanto à construção das formas.
A modelagem é desenvolvida com a medida de um corpo amplificado (Figura 80). Nesse
caso, é preciso analisar quanto as pregas irão reduzir seu tamanho para, então, iniciar o
processo de construção.
Figura 75 – Corte no tecido. Figura 76 – Costura da peça ampla. Figura 77 – Preparação da peça
Modelagem com medidas amplas Fonte: (KITAMURA, 2012, p. 66). costurada para o plissado.
do corpo. Fonte: (KITAMURA, 2012, p. 67).
Fonte: (KITAMURA, 2012, p. 59).
80
Figura 79 – Regata plissada Figura 80 – Peça ampla. Modelagem
Fonte: (KITAMURA, 2012, pp. 75 e 287). ampla, antes do processo de redução do
plissado.
Fonte: (KITAMURA, 2012, p. 261).
Nesse caráter de roupa simples, que parece completamente sem efeito, com poucos
detalhes, é onde o mistério aumenta. Uma peça despojada e reta não é desenvolvida com
base num corpo hipoteticamente congelado: é o resultado de muito trabalho, pesquisa
e experimentação do corpo, assim como sua ocupação no espaço, interagindo com
materiais têxteis, manuseados com tesouras, réguas, curvas francesas, fita métrica para
inserção ou isenção de pences, pregas, recorte; enfim, detalhes adicionais que permitam
a configuração das surpreendentes formas (DUARTE; SAGGESE, 2008).
81
Mesmo que contornos, alturas, larguras e comprimentos do corpo estejam representados
num caráter geométrico elementar, há o conhecimento da proporção e das medidas,
assim como há o domínio das técnicas aplicadas nos processos da modelagem, em razão
da preocupação com as aberturas para vestir um corpo. Portanto, vê-se um triângulo para
colocação da cabeça e aberturas nas laterais para os braços. Mesmo que a abertura
do pescoço seja estreita, o tecido plissado de efeito sanfona permite a ampliação e
diminuição das pregas a fim de proporcionar vestibilidade às dimensões distintas do corpo,
além de melhor caimento e conforto, como se pode analisar na Figura 82.
Figura 81 – Vestido Geométrico – estrutura retangular de Figura 82 – Vestido geométrico – retangular – em uso.
Miyake, 1990. Miyake, 1990.
Fonte: (KITAMURA, 1999, p. 14). Fonte: (KITAMURA, 1999, p. 90).
As mesmas construções geométricas, com aberturas para inserção dos braços, cabeça
e corpo de diferentes estaturas e dimensões, se ilustram nas Figuras a seguir. Observa-se
na Figura 83, uma peça confeccionada em modelagem geométrica, acomodada no
corpo na Figura 84, demonstrando uma das possibilidades de uso. A mesma proposta
construtiva é apresentada na Figura 85 e demonstra um modo de vestir na Figura 86.
82
Figura 83 – Vestido - Estrutura geométrica de Miyake, 1990. Figura 84 - Vestido geométrico da figura 83, em uso.
Fonte: (KITAMURA, 1999, p. 44). Fonte: (KITAMURA, 1999, p. 90).
Figura 85 - Vestido - Estrutura geométrica de Miyake, 1991. Figura 86 - Vestido geométrico da figura 85, em uso.
Fonte: (KITAMURA, 1999, p. 7). Fonte: (KITAMURA, 1999, p. 46).
83
Figura 87 - Vestido - Estrutura geométrica – círculo - de Figura 88 - Vestido geométrico da Figura 87, em uso.
Miyake, 1991. Fonte: (HOLBORN, 1995, p. 13).
Fonte: (HOLBORN, 1995, p. 11).
Na Figura 87, observa-se uma peça do vestuário, mais precisamente um vestido, que
se configura a partir de um círculo. A forma geométrica desenvolveu-se em interação
com o material têxtil plissado. Camadas e camadas de tecido se sobrepõem durante o
processo, a fim de atingir um determinado comprimento para vestir os corpos. O fato de o
plissado e formas geométricas fazerem parte da composição garante que a peça vestirá
distintas dimensões corpóreas, e permitirá ao corpo constantes movimentações e infinitas
articulações, lembrando que tais soluções estão integradas nas contribuições de Miyake.
84
Para tal, o círculo posicionado no meio deve ter no mínimo, a medida da maior
circunferência do corpo. Quanto à distância do círculo central ao círculo da extremidade,
refere-se à medida do comprimento que se pretende no modelo da roupa. Sendo assim,
torna-se necessário esse conhecimento para aferir a quantidade de camadas que
será suficiente. E confirma-se a transgressão dos métodos tradicionais da modelagem,
visto que também não se constroem bases, tornando-se necessária uma medida de
contorno do corpo (a maior) e uma medida do comprimento (do corpo ou da roupa).
A montagem se executa em alternâncias para que a forma bidimensional caminhe ao
campo tridimensional. Portanto, ao conectar camadas, a primeira camada se conecta
com a segunda a partir da costura com a extremidade dos círculos maiores. E segue: a
segunda com a terceira, com emendas na extremidade dos círculos menores, e assim
sucessivamente – a terceira com a quarta, a quarta com a quinta, alternando círculos
maiores e menores, até a construção do vestuário, conforme Figura 88. Em análise do
Pleats Please, Benain (1999, p. 9) declara: “Enquanto passam os modelos plissados, [...]
costuras se fundem com o movimento do braço. Ele se levanta, desfaz uma gola, enruga
uma seda, enrola as mangas, desloca as silhuetas, troca cores.”
Até aqui, discutiu-se uma modelagem enfatizada por Miyake que transgride métodos
tradicionais de construção por meio da técnica de modelagem, seja ela bidimensional
ou tridimensional. Formas geométricas e amplas são conferidas às proporções do corpo.
Em observância ao processo de trabalho de Miyake, enfatiza-se que, a princípio, a
tecnologia esteve voltada somente aos materiais têxteis, onde se desenvolvem plissados
permanentes que viabilizam o uso por distintos corpos, e que significativamente interferem
e alteram na elaboração construtiva da roupa.
85
Com a chegada do A-POC, em 1998, a tecnologia abandona a função ligada
exclusivamente à elaboração dos têxteis e passa a integrar também a construção da
modelagem da roupa. Assim, configura-se um design tecnológico num conceito de design
aberto, possibilitando a intervenção do usuário. Na proposta do projeto A-POC, chama
atenção o sistema de produção seriada computadorizada, que une o desenvolvimento
têxtil ao surgimento da peça. Tal proposta permite criar diversos e distintos resultados, em
função da composição entre as partes demarcadas no tecido.
Conforme Scanlon, esse processo quebra uma das regras fundamentais da física
da moda: corte e costura. Normalmente, as roupas são feitas por fios em tecido e, em
seguida, cortadas conforme a referência de um molde. Por fim, são costuradas para criar
uma peça de vestuário. Mas o método A-POC não requer costura. A linha simplesmente
entra no tear e o vestido sai. De um tubo de tecido achatado emerge uma camisa, saia,
calças, blusa ou até mesmo um vestido ou bolsa, que necessita apenas ser cortado ao
longo do fino contorno já costurado no tecido. Nesse sentido, observa-se que o tecido
pode ser cortado naturalmente, sem que desenrole ou descosture (SCANLON, 2004).
A Figura 89 mostra uma das lojas de Issey Miyake que fornece peças criativas
desenvolvidas segundo a A-POC. Penduradas em cabides, veem-se algumas roupas já
criadas dentro da variedade de formas oferecidas ao usuário. Outros cabides expõem
um único pedaço de tecido (malha) com as demarcações de partes a serem recortadas
conforme o desejo do corpo que irá vesti-lo, proporcionando liberdade de uso.
86
Figura 89 – Loja da A-POC em Aoyama. O Computador descreve como as peças da A-POC são
produzidas.
Fonte: <http://androniki.com/A-POC%202004/index.htm>.
87
Figura 91 – Experimentações para configuração da roupa A-POC.
Fonte: <http://androniki.com/A-POC%202004/index.htm>.
88
Em análise técnica do processo construtivo, Miyake possui domínio tanto das formas
quanto dos tecidos. Estes são formados em equipamentos – teares – controlados por
computador, cujas alavancas movem fios para cima e para baixo, de um lado para
outro, em grande velocidade. Parceiro da tecnologia, “Miyake descobriu como usá-
los para tecer roupas prontas em vez de tecidos” (MIYAKE DESIGN STUDIO OFFICIAL SITE,
2006, tradução nossa). Nesse sentido, há uma máquina digital chamada Jacquard –
um anexo de tear – que automatiza padrões de tecelagem. Em vez de usar a máquina
conforme sua função original, a equipe da A-POC planejou e readaptou-a para criar
costuras embutidas. Além disso, emprega o Jacquard para produzir desenhos complexos
e experimentar radicalmente com todas as variáveis possíveis, especificamente nos
aspectos formais (ibid., 2006).
A-POC é uma ideia que derruba totalmente padrões construtivos tradicionais. É feita
em uma sequência na qual o fio literalmente entra na máquina e ressurge tecido, com
formas e costuras (DESIGN BOOM, 2001).
Como são adequáveis a qualquer parte do corpo, exige-se uma modelagem simples,
de preferência geométrica, onde pouco ou quase nada se destaca nos contornos da
silhueta. Assim, uma determinada forma tem possibilidade de uso nas diversas partes do
corpo. Na Figura 93, observa-se uma composição que se configurou numa peça utilizada
como saia. No entanto, em análise, notam-se alguns punhos como partes integrantes.
Essa parte, geometricamente formal, poderia ser usada na parcela superior do corpo,
como blusa, para passagem dos braços, ou até mesmo como manga.
Por outro lado, afirmar que são adaptáveis a qualquer corpo também corresponde a
dizer que vestem corpos de diferentes etnias, estaturas, dimensões, enfim, seja qual for o
motivo da distinção.
89
Figura 93 – Composição das partes demarcadas, resultantes em uma peça do vestuário, mais
precisamente, saia.
Fonte: <http://androniki.com/A-POC%202004/index.htm>.
90
Figura 95 – Diagrama da base de blusa – Frente e Costas. Figura 96 – Base de Blusa confeccionada, de
Fonte: (Elaborada pela autora). Martin Margiela.
Fonte: (FUKAI et al, 2006, Tomo II, p. 665).
Em análise, verifica-se que a base da frente difere da base das costas, uma vez que
as mulheres possuem volumes dos seios. Uma das distinções refere-se ao posicionamento,
largura e comprimento das pences, sinalizadas para serem fechadas quando da
confecção, para que a peça adira ao corpo. Uma vez fechada, a vestimenta se ajusta,
contornando a estrutura anatômica, conforme a Figura 96.
Observa-se que mesmo que a base da frente difira da base das costas, o molde
resultante, geométrico, permite semelhanças entre essas duas partes. Além disso,
percebe-se a amplificação da forma, se comparada aos diagramas de bases. Nesse
sentido, a construção é simplificada, visto que apenas linhas proeminentes compõem a
configuração do traçado. Isso é observado na Figura 99.
91
Figura 97–Construção da Modelagem A-POC a partir do Figura 98 - Construção da Modelagem A-POC a partir do
diagrama da base de blusa - Frente. diagrama da base de blusa - Costas.
Fonte: (Elaborada pela autora). Fonte: (Elaborada pela autora).
Uma vez configuradas, as linhas guias são digitalizadas e aplicadas no tecido ainda em
estruturação. Enquanto posicionam-se nos tecidos, as marcações das costuras embutidas
seguem junto com os moldes.
92
As Figuras 100 e 101 mostram o tecido com as marcações dos moldes e costuras.
Acima do tecido demarcado, veem-se os moldes desenvolvidos, antes mesmo de serem
digitalizados, confirmando a transferência real dos moldes para o tecido.
Figura 100 – Modelagem transposta para o tecido por meios tecnológicos – A-POC.
Fonte: <http://androniki.com/A-POC%202004/index.htm>.
93
Pense que a modelagem acontece de maneira aberta, e que as formas propiciam
diferentes peças, as quais podem ser utilizadas de vários modos. Por meio da
experimentação, o corte revela as estruturas e a inversão da utilização da peça, que
transforma saia em blusa ou vestido em calça. Ou ainda, quem sabe, uma manga em
gola. A Figura 102 sintetiza o passo a passo da composição das partes em peça do
vestuário, pela intervenção do usuário. Observa-se que o design proposto resulta numa
blusa sem golas e mangas curtas, que inicialmente, esboçava-se num único pedaço de
tecido, com golas e mangas compridas.
94
A imagem (Figura 104) expõe a proposta A-POC, demonstrando que um tecido
assume os mais variados modelos, e que distintos corpos apropriam-se a seu gosto. Vale
ressaltar que não se trata simplesmente do uso, mas da realização de estruturas vestíveis,
pois a planificação do tecido, ao interagir com o corpo no espaço, ganha diferentes
formas tridimensionais.
Segundo Mello,
Nesse contexto, complementa Saillard (KITAMURA, 2012, pp. 48-49) que “tratava-se,
sobretudo, do momento certo para inventar uma solução em matéria de vestuário a
serviço de uma filosofia de moda contemporânea”.
Para Mello (PIRES, 2008, p. 89), “o designer de moda Issey Miyake, [...] desde as últimas
décadas do século XX, tem influenciado a cultura e, por que não dizer, até redirecionado
o design ocidental”. Não se pode afirmar que os japoneses sejam responsáveis por uma
mudança de comportamento, mas o fato é que, no âmbito internacional, os criadores –
Miyake entre eles – graças a experimentações com o material, desenvolveram peças que
se metamorfoseiam, que podem ser dobradas ou esticadas, gerando um efeito escultural
ao expandir suas formas no campo tridimensional (ibid., p. 102).
8
Software de desenho dedicado a projetar os padrões de dobras do origami. A característica particular do ORIPA é o cálculo
da forma dobrada a partir do padrão. Primeira versão lançada em 2005 (MITANI, 2012, tradução nossa).
95
observa-se o design final tridimensional, demonstrando posicionamento e sentido (para
baixo ou para cima, para a esquerda ou para a direita) dos vincos.
Conforme Tall (2010), tudo sempre deriva de um único pedaço de tecido, que é
dobrado em um plano de 10 modelos básicos (formas dobradas). Alguns dentre os 10
podem ser vistos nas Figuras 106 a 111.
Figura 106 – Modelo básico de dobraduras bidimensionais. Figura 107 – Modelo básico de dobraduras bidimensionais.
Fonte: <http://www.dezeen.com/2010/10/05/132-5-by- Fonte: <http://www.dezeen.com/2010/10/05/132-5-by-
issey-miyake/>. issey-miyake/>.
96
Figura 108 – Modelo básico de dobraduras bidimensionais. Figura 109 – Modelo básico de dobraduras bidimensionais.
Fonte: <http://www.dezeen.com/2010/10/05/132-5-by- Fonte: <http://www.dezeen.com/2010/10/05/132-5-by-
issey-miyake/>. issey-miyake/>.
Figura 110 – Modelo básico de dobraduras bidimensionais. Figura 111 – Modelo básico de dobraduras bidimensionais.
Fonte: <http://www.dezeen.com/2010/10/05/132-5-by- Fonte: <http://www.dezeen.com/2010/10/05/132-5-by-
issey-miyake/>. issey-miyake/>.
97
Figura 112 - Calça geométrica (origami). Dobrada, ainda Figura 113 - Calça geométrica (origami), da Figura 112, em
em forma bidimensional. uso. Desdobradas, em formas tridimensionais.
Fonte: <http://edelscope.com/2012/06/21/132-5-issey- Fonte: <http://edelscope.com/2012/06/21/132-5-issey-
miyake-autumnwinter-2012-origami-tribute-to-the-fashion- miyake-autumnwinter-2012-origami-tribute-to-the-fashion-
invention/>. invention/>.
Na Figura 112, podem-se ver os tubos considerados versáteis, de modo bidimensional que,
ao vestir um corpo (Figura 113), configura-se em uma confortável forma tridimensional, a calça.
A forma, neste caso, um vestido, é produzida pelas dobras e determinada por triângulos
que compõem a estrutura. Um suave movimento faz surgir uma enorme extensão de
tecido, transformando-o automaticamente em um vestido escultural. Num simples tecido
dobrado que se desembrulha em algo como um cone, é projetada uma forma para vestir
intencionalmente um corpo humano. Portanto, Miyake funde a matemática da dobradura
com técnicas da modelagem, em especial a geométrica, para configuração da roupa.
98
Figura 114 - Calça geométrica (origami). Dobrada, ainda em forma bidimensional.
Fonte: <http://edelscope.com/2012/06/21/132-5-issey-miyake-autumnwinter-2012-origami-tribute-
to-the-fashion-invention/>.
Nesse sentido, observa-se que a 132 5 ISSEY MIYAKE, fundada em 2010, é também uma
extensão natural do trabalho recente de Miyake, em especial da Pleats Please e A-POC,
roupas tubulares feitas de uma única peça de tecido (THOMAS, 2010).
99
Transportando para o vestuário, visto que a peça destina-se a vestir um corpo, o
diâmetro refere-se às medidas do contorno do corpo, assim como o eixo vertical remete
às medidas de comprimento do corpo ou da peça a ser criada. Nesse sentido, discute-se
a relevância do domínio da modelagem para concretização do design.
Mesmo que as roupas resultem em peças tubulares para vestir diferentes corpos, sua
construção parte de formas geométricas, especificamente o quadrado (Figura 116).
Figura 116 – Vestido geométrico, no caso, quadrado. Ainda Figura 117 - Vestido geométrico, no caso, quadrado.
em forma bidimensional. Desdobrado, em forma tridimensional.
Fonte: <http://edelscope.com/2012/06/21/132-5-issey-miyake- Fonte: <http://edelscope.com/2012/06/21/132-5-issey-miyake-
autumnwinter-2012-origami-tribute-to-the-fashion-invention/>. autumnwinter-2012-origami-tribute-to-the-fashion-invention/>.
100
superfície têxtil, é possível a flexibilidade do corpo, além de permitir o uso de maneira
ampla nos diferentes corpos.
Na base do quadrado, impõe-se uma medida maior, visto que é por onde vai passar
o corpo. No entanto, conforme medidas antropométricas analisadas a partir da tabela
de medidas (Figura 118), o contorno do quadril caracteriza-se pela maior medida de
circunferência do corpo. Assim, o quadrado da base deve ter, no mínimo, a medida
do contorno do quadril com o acréscimo de folgas para permitir mobilidade e conforto
ao usuário (Figura 119). Uma vez que a peça permite a passagem do quadril, as demais
partes do corpo a vestem com facilidade e de maneira acessível.
101
Na Figura 119, veem-se quadrados com as medidas proeminentes do corpo. Isso embasa
a simplificação dos métodos construtivos, uma vez que, pela técnica da modelagem, não
há necessidade do traçado de diagramas de bases: apenas as linhas guias do corpo,
referentes à circunferência e comprimento, como demonstra a Figura 120.
Uma vez definidas, as medidas são transpostas para o quadrado, conforme imagem
anterior (Figura 119). A equipe projeta formas tridimensionais, utilizando o aplicativo CG9.
É através dessa parceria que se estabelecem os vincos. Em seguida, usam os diagramas
para fazer formas 3D a partir de papel, e estudam maneiras de eles poderem voltar a
ser dobrados em formas planas. Para tanto, é necessário incorporar “linhas de dobra”
e “linhas de corte”, não incluídos nos diagramas CG originais (DEZEEN MAGAZINE, 2010).
Figura 121 - Blusa geométrica (origami), no caso, quadrado. Figura 122 - Blusa geométrica (origami) da Figura 121, em uso.
Dobrado, ainda em forma bidimensional. Desdobrada, em forma tridimensional.
Fonte: <http://edelscope.com/2012/06/21/132-5-issey-miyake- Fonte: <http://edelscope.com/2012/06/21/132-5-issey-miyake-
autumnwinter-2012-origami-tribute-to-the-fashion-invention/>. autumnwinter-2012-origami-tribute-to-the-fashion-invention/>.
9
Software para criar formas geométricas que contém formas tridimensionais com eixo de simetria. As suas características são
orientadas para a criação das formas ao dobrar uma folha de papel (DEZEEN MAGAZINE, 2010, tradução nossa).
102
As Figuras 121 e 122 exemplificam a construção bidimensional que, a partir de formas
geométricas e técnicas de dobradura, transformam-se em esculturais peças do vestuário
à medida que se desfraldam. Mais uma vez, observa-se que a peça parte de uma
construção geométrica (Figura 121). O quadrado adquire vincos e dobraduras por meios
tecnológicos. Pelo fato de vestir a parte superior de um corpo, no caso, com o comprimento
desde os ombros até aproximadamente a altura do quadril, observam-se as poucas
camadas de dobraduras sobrepostas no quadrado bidimensional. Essa compreensão de
medidas apenas torna-se possível quando o designer domina os processos construtivos
da modelagem. E vale lembrar que “o processo de desenvolvimento de uma peça do
vestuário se inicia a partir da observação do corpo, do seu mapeamento, e termina com
a aprovação do próprio corpo”, segundo Santos (SABRA, 2009. p. 39).
Nesse sentido, tal domínio técnico é o que faz Miyake utilizar-se do ombro como
suporte da vestimenta, conferindo equilíbrio ao corpo (Figura 122). A roupa, ao apoiar-se
no ombro e apresentar amplitude formal, permite a flexibilidade na movimentação.
103
Considerações Finais
Com o propósito de discutir a modelagem no design de moda e sua inserção no
processo criativo, exemplificando com a análise de peças com estruturas inovadoras,
esta dissertação proporcionou-nos uma oportunidade de reflexão, conjugada com
nossa experiência prévia – ligada à prática e ao ensino da modelagem – e às leituras e
debates que guarneceram o curso de pós-graduação stricto sensu em design. Tal visão
se ampliou até a perspectiva de uma modelagem sem amarras, pronta a vestir corpos
distintos em várias espacialidades e com perspectiva de constante transformação.
Analisando a relação entre corpo, tecido e espaço, esta dissertação enfoca as criações
de Issey Miyake e sua relevância para o desenvolvimento das formas. No que tange a
modelagem, seu trabalho denota dificuldades surgidas em vários momentos, tanto do
vestir quanto da construção de moldes. A pesquisa aponta questões sobre o papel da
modelagem e reconhece, nos projetos selecionados para este fim, as particularidades da
construção da roupa de Issey Miyake.
Um dos questionamentos referia-se ao vestir, posto que, em certo período e ainda hoje,
roupas com estruturas rígidas apertam silhuetas, demarcando contornos e acentuando
curvas. Tecnicamente, formas com tais características – adotadas no ocidente – requerem
complexos métodos e cálculos para construção da modelagem, e enfrentam problemas
com respeito à padronização de medidas.
105
expansão e a compressão – os espaços distanciam o corpo da roupa e possibilitam uma
modelagem flexível ao corpo e vestibilidade às inúmeras proporções.
Todos esses aspectos identificados, complexos tanto para o usuário quanto para o
designer, despertaram o interesse de Miyake, que saiu em busca de soluções vestíveis. E
já na década de 1970, ele começava a romper com princípios encapsulados e a propor
o inusitado, suprindo aspectos de uso e aspectos construtivos. Os desdobramentos dessa
iniciativa resultaram eficazes para quem veste, para quem cria e para quem produz. A lida
com essa ocupação do espaço, essa proximidade entre corpo e materiais têxteis, junto
com a tecnologia – vínculos bastante intensificados e prioritários na criação de Miyake –
permitiu a esse designer de moda buscar novas soluções de construção, viabilizando a
produção de roupas mais elaboradas. Assim, a modelagem conquistou importância no
processo criativo, e ele passava a criar vida no espaço amorfo, introduzindo movimento
onde existia rigidez, com um trabalho pleno de peças conceituais, inovadoras e
tecnológicas.
106
O que se procurou refletir e demonstrar com a presente pesquisa diz respeito ao
entendimento da modelagem como processo fundamental na criação e desenvolvimento
do produto de moda. A relevância desse conhecimento ganha volume na medida em
que são propostas soluções, exemplificadas na observação das peças, num exercício
de tradução, de aproximação com o reconhecimento da técnica. Na análise das
criações de Miyake, a modelagem que se vê é simplificada e elimina a complexidade
construtiva. Assim, procuramos despertar o interesse do leitor pelo assunto, abandonando
a perspectiva de um planejamento metodológico árduo, complexo, e abraçando
um campo necessário de domínio, com aplicações talvez consideradas simples, na
medida em que apresentam medidas básicas e linhas proeminentes, produzidas com a
experimentação e a pesquisa. Tais exercícios de experimentação se traduzem em formas
surpreendentes, quiçá inexistentes.
Esperamos que esta análise do trabalho de Miyake sob o viés da modelagem possa
abrir caminhos para outros trabalhos, permitindo a aproximação do processo construtivo,
e a interpretação da modelagem como experimentação fundamental, solutiva e prática
deleitável para configuração de inovadoras formas.
107
Referências Bibliográficas
BAUDOT, F. Moda do Século. 4. ed. São Paulo: Cosac Naify, 2008.
BENAIN, L.; RIBEIRO, E.A. Issey Miyake. São Paulo: Cosac Naify, 1999.
BOUERI, J. J. Sob medida: antropometria, projeto e modelagem. In: PIRES, D. B.(org.) Design
de moda: olhares diversos. Barueri, SP: Estação das Letras e Cores, 2008. pp. 347-369.
CARDOSO, R. Design para um mundo complexo. São Paulo: Cosac Naify, 2012.
CASTILHO, K.; MARTINS, M.M. Discursos da Moda: semiótica, design e corpo. 2.ed. São
Paulo: Anhembi Morumbi, 2005.
DUARTE, S.; SAGGESE, S. Saias: modelagem industrial brasileira. 2.ed. Rio de Janeiro:
Guarda-Roupa, 2009.
EDELKOORT, L. Vestir um Miyake é como vestir uma experiência. In: KITAMURA, M. Pleats
Please: Issey Miyake. Colônia: Taschen, 2012. p. 18-31.
FORTY, A. Objetos de desejo: design e sociedade desde 1750. São Paulo: Cosac Naify,
2007.
FUKAI, A. Fashion: a Fashion history of the 20th century: the Collection of the Kyoto Costume
Institute. Los Angeles: Taschen, 2006.
FUKAI, A.; TAMAMI, S.; IWAGAMI, M.; KOGA, R.; NIE, R. Moda: una historia desde el siglo XVIII
al siglo XX. v.I. In: La Colección del Instituto de la Indumentaria de Kioto. Colônia: Taschen,
2004.
109
______. Moda: una historia desde el siglo XVIII al siglo XX. v.II. In: La Colección del Instituto
de la Indumentaria de Kioto. Colônia: Taschen, 2005.
FULCO, P.T.; SILVA, R.L.A. Modelagem Plana Feminina. 4.ed. Rio de Janeiro: Senac
Nacional, 2008.
GOLDBERG, R.A Arte da Performance: do futurismo ao presente. São Paulo: Martins Fontes,
2006.
GRENIER, C. A Pleats Please na exposição Big Bang. In: KITAMURA, M. Pleats Please: Issey
Miyake. Colônia: Taschen, 2012. pp. 260-265
JEUDY, H.P. O Corpo como Objeto de Arte. São Paulo: Estação Liberdade, 2002.
JONES, S.J. Fashion Design: manual do estilista. São Paulo: Cosac Naify, 2005.
______. Irving Penn regards the work of Issey Miyake. Londres: Jonathan Cape, 1999.
LAVER, J. A Roupa e a Moda: uma história concisa. São Paulo: Cia das Letras, 1989.
LIMA, L. Artes e Moda: caminhos da alta costura e da elegância. São Paulo: Scortecci,
2009.
MELLO, M.M.C. Design, moda, arquitetura e urbanismo: uma geometria transversal. In:
PIRES, D.B. (org.). Design de Moda: olhares diversos. Barueri, SP: Estação das Letras e Cores,
2008. pp.75-93.
MENDES, V.D.; HAYE, A. A moda do século XX. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
MIYAKE, I. O trabalho na Pleats Please. In: KITAMURA, M. Pleats Please: Issey Miyake.
Colônia: Taschen, 2012. pp. 34-47.
MOUTINHO, M.R.; VALENÇA, M.T. A Moda no Século XX. Rio de Janeiro: Senac Nacional,
2000.
110
NERY, M.L. A Evolução da Indumentária: subsídios para criação de figurino. 3.ed. Rio de
Janeiro: Senac Nacional, 2009.
PERAZZO, L.F.; VALENÇA, M.T. Elementos da Forma. Rio de Janeiro: Senac, 2002.
PIRES, D.B. (org.) Design de Moda: olhares diversos. Barueri, SP: Estação das Letras e Cores,
2008.
SAILLARD, O. Para Issey Miyake. In: KITAMURA, M. Pleats Please: Issey Miyake. Colônia:
Taschen, 2012. pp. 48-53.
SALTZMAN, A. O Design Vivo. In: PIRES, D.B. (org.). Design de Moda: olhares diversos. Barueri,
SP: Estação das Letras e Cores, 2008. pp. 305-318.
SANT’ANNA, M.R. (org.). Moda e Produto. Série Modapalavra. v.6. Florianópolis / São Paulo:
UDESC / Estação das Letras e Cores, 2010.
111
VICENTINI, C. G; CASTILHO, K. Design do corpo, design da roupa: uma análise semiótica.
In: PIRES, D. B. (org.) Design de Moda: olhares diversos. São Paulo: Estação das Letras e
Cores, 2008, pp. 132-133.
WENDERS, Wim. Carnets de Notes sur Vêtements et Villes. [filme]. Produção e Direção de
Wim Wenders. Alemanha-Japão, 1989. 79 minutos.
Sites e Blogs
132 5. ISSEY MIYAKE Autumn/Winter 2012 – origami tribute to fashion innovation. 21 jun. 2012.
Disponível em: <http://edelscope.com/2012/06/21/132-5-issey-miyake-autumnwinter-
2012-origami-tribute-to-the-fashion-invention/>. Acesso em: 08 jan. 2013.
112
FRANCESCHINI, S. The new collection “132 5. ISSEY MIYAKE” - The Reality Lab odyssey Miyake
presents the new collection. 2010. 30 nov. 2010. Disponível em: <http://www.abitare.it/en/
design/la-nuova-collezione-123-5-issey-miyake/>. Acesso em: 08 jan. 2013.
ISSEY Miyake + Dai Fujiwara: a-poc - a piece of cloth. 2006. 18 out. 2006. Disponível em:
<http://www.mediaruimte.be/coco/2006/issey-miyake-dai-fujiwara-a-poc-_-a-piece-of-
cloth-1997-%E2%80%A6/>. Acesso em 04 jan. 2013.
KAT CAT. Issey Miyake’s Origami Collection 132 5 is totally magical. 2010. 24 nov. 2010.
Disponível em: <http://thrucolorfuleyes.wordpress.com/2010/11/24/issey-miyakes-origami-
collection-132-5-is-totally-magical/>. Acesso em: 08 jan. 2013.
SARMENTO, C. Miyake: origamis e eco-moda. 2012. 25 mai. 2012. Disponível em: <http://ela.
oglobo.globo.com/blogs/toquio/posts/2012/05/25/miyake-origamis-eco-moda-446892.
asp>. Acesso em: 08 jan. 2013.
SCANLON, J. Seamless: Issey Miyake saw the future of fashion. So he gave up haute couture
to become a softwear engineer. 2004. 14 abr. 2004. Disponível em: <http://www.wired.
com/wired/archive/12.04/miyake.html>. Acesso em: 04 jan. 2013.
TALL, T. 132 5. Issey Miyake: Origami Fashion. 2010. 14 out. 2010. Disponível em: <http://
teagantall.blogspot.com.br/2010/10/132-5-issey-miyake-origami-fashion.html>. Acesso
em: 08 jan. 2013.
THE story of innovative clothing designer Issey Miyake’s “Pleats Please Issey Miyake” is told in
a book for the first time. Disponível em: <http://mds.isseymiyake.com/mds/en/collection/>.
Acesso em: 04 jan. 2013.
TRENDS IN JAPAN, 1999. Tokyo Fashion: 1999-2000 Fall/Winter Collection. 1999. 02 jul. 1999.
Disponível em: <http://web-japan.org/trends00/honbun/tj990618.html>. Acesso em: 08
jan. 2013.
113
Anexos
115
Figura 124 – Imagem da retranca do capítulo 01
Fonte: Disponível em: <http://aneclecticeccentric.wordpress.com/tag/issey-miyake/>. Acesso em: 27 abr. 2013.
116
Figura 125 – Imagem da retranca do capítulo 02
Fonte: Disponível em: <http://mgnsw.org.au/uploaded/Exhibitions/GREAT%20COLLECTIONS/Image1_Miyake_1.jpg>. Acesso em:
27 abr. 2013.
117
Figura 126 – Imagem da retranca do capítulo 03
Fonte: Disponível em: <http://www.katep.it/2866/02-architettura-design/fashion-pleats-please-issey-miyake-taschen/
attachment/mi_miyake_pleats_please_08/>. Acesso em: 27 abr. 2013.
118