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Relato acerca do Seminário “Faixa de Fronteira – Novos Paradigmas”

1. O Seminário Faixa de Fronteira: Novos paradigmas foi promovido pelo


Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República e pelo Centro de
Estudos Victor Nunes Leal, da Advocacia-Geral da União. O evento ocorreu no Anexo I
do Palácio do Planalto nos dias 7 e 8 de outubro, tendo por público um grande número
de advogados e consultores da União, assim como, funcionários de diversos órgãos do
governo, inclusive militares
2. O evento foi aberto pelo Vice-Presidente da República, José de Alencar
que teceu breves considerações sobre a importância do tema e a ameaça do crime
organizado que tem se utilizado das fronteiras nacionais em seus intentos. O Ministro do
Desenvolvimento Regional, Ciro Gomes, apenas saudou a realização do seminário e
adiantou que o seu Ministério tem como uma das áreas prioritárias de atuação a Faixa
de Fronteira.
3. A seguir, o Ministro-Chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Gen.
Jorge Armando Felix, fez uma breve exposição na qual enfatizou a dificuldade colocada
pela legislação que trata a Faixa de Fronteira de modo homogêneo como se a
diversidade das situações regionais não interferissem diretamente nas formas de atuação
governamental nessas áreas. Citou dados numéricos para dar noção do tamanho dessa
faixa: 150 km de largula, 16.886 km de comprimento, um país com essa área seria o 12º
maior pais do mundo; envolve 588 municípios em 10 Estados brasileiros, com uma
população de aproximadamente 10 milhões de pessoas. O Ministro pontuou ainda a
necessidade de se manter as áreas de proteção ambiental e as Terras Indígenas, assim
como, sobre a necessidade de promover a integração sul-americana, demonstrando uma
certa abertura para novas visões de proteção da Faixa de Fronteira.
4. Por outro lado, o Ministro Felix parece ainda estar preso à ideologia da
segurança nacional, em especial à doutrina da geopolítica, ao continuar prescrever a
vivificação das fronteiras (no caso da região amazônica) como instrumento necessário
para a preservação da integridade territorial brasileira. Ao ser questionado sobre a
convivência entre índios e militares nas terras indígenas localizadas na Faixa de
Fronteira, novamente esqueceu o papel de sujeito dessas populações na defesa do
território nacional, reservando-lhes apenas o papel de eventuais colaboradores dos
militares.
5. O Consultor-Geral da União, Dr. Manoel Lauro Volkmer de Castilho,
abordou os marcos legais da Faixa de Fronteira. Inicialmente, historiou o conceito de
Faixa de Fronteira desde sua primeira menção oficial ainda no Império, quando a pela
Lei de Terras de 1850 que definiu a faixa de fronteira, como a área de 10 léguas (66
quilômetros) adjacentes à fronteira; passando pelas Constituições Federais de 1934 e
1937 que a alargaram para 100 km e 150 km, respectivamente; até a Constituição de
1988 que consagrou a definição de faixa de fronteira como fundamental para a defesa
nacional. Refletiu ainda sobre as restrições colocadas à prática de determinados atos na
Faixa de Fronteira, conforme a Lei nº 6.634/79. Discorreu também sobre o debate
conceitual-legal acerca da definição dessa área como Faixa de Fronteira ou Faixa de
Segurança.
6. O representante do Departamento Nacional de Pesquisa Mineral, cuidou
essencialmente de defender a concessão de permissões de exploração mineral na Faixa
de Fronteira, argumentando ser essa atividade fundamental para o desenvolvimento
dessas regiões, bem como, para melhorar as condições de vida de sua população.
Afirmou, surpreendentemente, que a exploração mineral é uma atividade que não
degrada o meio ambiente. O Professor João Dumond (UNB) apresentou o caso da
mineração da Serra do Navio, no Amapá, buscando demonstrar os muitos benefícios
que a empresa mineradora concedeu à região.
7. Flávio Montiel, diretor de proteção ambiental do IBAMA, que falou em
substituição a Marcus Barros, salientou que os crimes ambientais praticados na faixa de
fronteira não ocorrem somente em relação aos países vizinhos, destacando que por
serem áreas ainda muito preservadas são visadas por traficantes de animais e material
genético que em sua maioria não são dos países vizinhos. Outro dado citado pelo diretor
do IBAMA refere-se à ocorrência de 10% dos casos de trabalho escravo nos municípios
da Faixa de Fronteira.
8. A segunda mesa discutiu o problema fundiário na Faixa de Fronteira. O
primeiro a falar, Joaquim Modesto, Coordenador-Geral Agrário do Ministério do
Desenvolvimento Agrário, centrou sua exposição no destino das terras públicas e teceu
considerações jurídicas sobre o regime dessas terras, pareceu-me significativo seu
entendimento que as terras públicas destinam-se à privatização, cabendo ao Estado
apenas a tarefa de arrecadá-las. A seguir o Presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes,
destacou as principais ações da FUNAI nas 185 Terras Indígenas localizadas na Faixa
de Fronteira. Argumentou sobre o papel dos povos indígenas na definição da fronteiras
atuais do país, assim como, para a preservação do meio ambiente. O terceiro palestrante
foi o Professor João Pacheco de Oliveira Filho, do Museu Nacional, que fez uma
explanação sobre as noções de fronteira ao longo da história: 1. A origem medieval – os
muros que cercavam e protegiam as cidadelas; 2. No mundo moderno – formação dos
Estados-Nações (a fronteira significando pertencimento); e, 3. No mundo
contemporâneo – mais para unir que para separar. Destacou que as novas tecnologias da
informação e militar provocaram o “estreitamento espacial” das nações, visto que não
mais é necessário adentrar o território de um Estado para atingi-lo militarmente ou para
disseminar informações contrárias aos interesses nacionais. Dessa forma, a idéia da
faixa de fronteira como área estratégica para a preservação da integridade territorial
perde sua força.
9. A painel vespertino tratou de temas relacionados ao desenvolvimento
econômico e aos aspectos técnicos do assentimento prévio para empreendimentos na
Faixa de Fronteira. Desse painel cabe destacar a interpretação do Professor Sérgio
Augusto de Faria, da Fundação Getúlio Vargas, de que o poder econômico prepondera
sobre o poder político nas relações internacionais e que estas ocorrem mais no nível do
mercado do que de governo.
10. O 4º Painel do Seminário destinou-se a apresentação de questões
relacionadas a faixa de fronteira e a segurança nacional. O Vice-Almirante Murillo
Barbosa afirmou que um dos problemas da faixa de fronteira são os vazios
demográficos causados pela Terras Indígenas e pelas Unidades de Conservação,
prescrevendo também a necessidade de “vivificação das fronteiras”. Ao ser questionado
sobre os problemas ocorridos entre índios e soldados dos Pelotões de Fronteira,
minimizou a existência de conflitos e disse que a situação já se encontra regulada por
Decreto Presidencial. Os demais palestrantes enfocaram a questão da segurança a partir
do prisma da integração política e econômica da América do Sul, pontuando que a nossa
segurança nacional depende do desenvolvimento dos países vizinhos, uma vez que a
instabilidade política e a exclusão social são os verdadeiros perigos para essa região.
Importante ainda ressaltar a afirmação do Professor Eliezer Rizzo de Oliveira
(Unicamp) acerca da necessidade de se descriminalizar as Terras Indígenas,
significando que se trata de um equívoco pensar que essas terras ameaçam a segurança
nacional ou favorecem a prática de crimes transfronteiriços.
11. No último Painel discorreu-se sobre os crimes transnacionais e ações de
integração. O Delegado Mauro Spósito, da Polícia Federal, afirmou que a prioridade na
fronteira amazônica é dada pela ausência do Estado e enumerou o que ele classificou de
“problemas amazônicos”: 1. narcotráfico; 2. Exploração mineral; 3. Questão indígena;
4. Extrativismo; 5. ONGs; 6. Zona Franca de Manaus; 7. Terrorismo; 8. Política; 9.
Meio ambiente; e, 10. Questão fundiária. Para Mauro Spósito deve haver um controle
maior sobre a presença de colombianos e peruanos na região amazônica uma vez que
pode propiciar a entrada de “terroristas” em território nacional. Robson Rubin, da
Secretaria Nacional de Segurança Pública, centrou sua intervenção na fronteira sul,
afirmando que a lei impediu o desenvolvimento econômico da faixa de fronteira. Bruno
Cobuccio, do Ministério do Desenvolvimento Nacional, disse que as ameaças ao Estado
brasileiro não provêem dos países vizinhos, potências estrangeiras, terrorismo ou grupos
guerrilheiros, mas da própria desigualdade social estrutural das sociedades nacionais
sul-americanas; assim, há que se privilegiar a cooperação entre esses países. Afirmou,
ainda, que é preciso superar o estigma da faixa de fronteira como “zona de problemas”,
pois no mundo moderno a fronteira passa a ser uma área privilegiada de integração e
cooperação. Por fim, a Professora Lia Osório Machado afirmou que não há, do ponto de
vista legal, crime internacional, mas sim atividades criminosas que operam
transnacionalmente. Enfatizou ainda que a origem das atividades criminosas presentes
na faixa de fronteira é estranha a ela, razão pela qual o combate dessa criminalidade
perpassa todo o território nacional e não somente as áreas de fronteira.

12. Avaliação geral do Seminário:


O tema do Seminário foi muito mais desafiador do que a maior parte das
palestras refletiu. Uma mudança importante que pude verificar na compreensão da faixa
de fronteira está relacionada à ênfase dada a integração sul-americana como
fundamental à segurança das fronteiras nacionais. Essa integração fica mais clara em
relação a faixa de fronteira sul onde várias cidades-irmãs já estão efetivamente
integradas e cooperam em diversas áreas. O entendimento de que as fronteiras no
mundo contemporâneo não são para isolar um Estado do outro, mas para uni-los parece
também estar se consolidando. O grande problema da faixa de fronteira continua a ser a
região amazônica: vista por uns como alvo da cobiça das potências estrangeiras, por
outros como rota do tráfico e do terrorismo. Os militares, por exemplo, continuam a
perceber a baixa densidade demográfica na Amazônia como um perigo para a soberania
nacional sobre essa região, assim como, a defender a “vivificação de fronteiras” como
sua solução. Senti falta de alguma elaboração sobre o trânsito de pessoas nessas regiões
e de como são tratados os migrantes permanentes ou sazonais.

Jorge Bruno Sales Souza


Antropólogo-PFDC

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