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A Cidade

Fumaça. A fuligem preta cobre os céus, estendendo uma noite escura e rubra em pleno dia, o
manto negro estende-se pela cidade recobrindo toda sua extensão com uma atmosfera de
decadência. Poluído. A corrupção do céu caminha junto a um odor rançoso e férrico, o ar se
torna um gás metálico, viver sob este teto opressivo torna respirar um esforço doloroso
extremamente pesado e cansativo.

Abaixo deste cenário decadente se estende a cidade, uma conjunção desarranjada de prédios
malfeitos e caricatos. A cidade não abriga uma escala de cores muito abrangente e a pouca luz
avermelhada que atravessa as camadas de sujeira que pairam sob as cabeças dos taciturnos
moradores revelam ruas insípidas de cor. Um cinza contaminante que mistura cimento sujo
com corrosão, não existem luzes na cidade elas foram devoradas a muito tempo. Angustiante.
Se alguém observasse com atenção as ruas da cidade veria um certo fluxo de pessoas andando
de lugar nenhum em direção a falta de sentido, mas ninguém pararia para observar pois olhar
para as paisagens da cidade cansam os olhos. Um esforço cegante que não traz nenhuma
recompensa.

O ar metálico preenche os pulmões dos moradores com desânimo e a mórbida ausência de cor
diante dos olhos tiram o gosto da vida. A cidade não gosta de seus moradores tanto quanto
eles não gostam dela. Os parasitas asquerosos que percorrem suas ruelas, meandros e
avenidas desgastam sua estrutura com seus passos de barata. Quando o céu sangra suas
parcas chuvas, estas carregam a corrosão da fumaça e queimam a cidade abrindo feridas.

Feridas estas as quais os habitantes com toda sua imundície infeccionam atirando lixo sobre
elas, sendo assim a cidade nunca se regenera. Ela nunca muda. Não fazem menção de cuidar
dela.

O rançoso odor de chorume permeia pelas ruas e por dentro das casas, misturando-se ao
arranhado ar metálico tornando-se alergia para a pele e uma agressão aos sentidos. Essa
cidade tem seu próprio perfume e ele relembra a decomposição de corpos queridos.

Os habitantes da cidade andam pelas ruas sem ter pra onde ir, vagam a esmo e entram em
qualquer casa quando precisam dormir. O interior das moradias é sempre vago e
desorganizado, um caótico cenário onde geralmente não há nenhuma mobília. Quando
raramente existem estes objetos estão destruídos ou corrompidos, quartos com camas
mofadas e cortinas carcomidas são o aconchego daqueles que ali moram. Cozinhas fermentam
e apodrecem alimentos em geladeiras desligadas oxidadas pelo tempo. As salas recepcionam
os invasores com sofás de couro rasgado com molas sobressaindo para fora de sua pele e
televisores que chiam sem parar mesmo que alguém queira desliga-la.

Amordaçando a cidade em um estrangulamento sufocante de sofrimento está o silêncio que


recobre sua planície urbana. O silêncio abafa a respiração forçada dos moradores e os passos
apressados dos imundos que vagueiam por este cenário desgostoso e fétido. Estas pobres
criaturas não possuem mais voz, porque esta foi deteriorada por completo pelo ar que arranha
como espinhos de ferro por entre suas vias aéreas. Seus passos são esquecidos em meio a
imensidão taciturna que também habita aqui, os poucos sons emitidos parecem ser jogados
para dentro deste vácuo que talvez seja o vazio permanente de continuar. O céu escurecido
pela fumaça, partida da ponta dos cigarros que moram nos dentes sujos dos habitantes,
pressiona as paredes deste vácuo e algo sempre parece prestes a estourar.
Esta é a cidade. Ela não parece ter fim e nem mesmo um começo. Não se sabe até onde ela vai
e nem se os moradores conseguem sair dali.

Sob à vista do perpétuo horizonte tudo que se observa são trevas e elas engolem todas as
esperanças.

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