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MUDANÇAS NO MUNDO DO TRABALHO: UMA NOTA ∗

Luiz Antonio Machado da Silva


IUPERJ e IFCS/URFRJ

Poucos discordarão que as turbulências que nos tornam cada vez mais
perplexos, inseguros e irados não são apenas os efeitos passageiros de mais uma
das inúmeras crises que de vez em quando abalam a acumulação de riquezas, nos
inquietam durante algum tempo, e depois se mostram até positivas para a
continuidade da estrutura social que conhecemos. Nos últimos vinte ou trinta anos
vêm se consolidando a convicção de vivemos mudanças profundas, que nos
encaminham para um padrão de sociabilidade que pode ser angustiante1. Não
obstante as divergências quanto aos conteúdos e ao sentido histórico, há consenso
no que diz respeito à identificação da reorganização da vida econômica em escala
mundial, que tem se mostrado muito heterogênea e rebelde às tentativas de controle
por parte de governos e outras coletividades organizadas2.

É claro que o mundo do trabalho está no olho do furacão destas mudanças


e tem concentrado as atenções de todos, especialistas e leigos. Entretanto, salvo as
exceções de praxe, este interesse mostra-se fortemente unilateral, enfocando a
questão a partir dos resultados materiais do trabalho, isto é, da riqueza produzida e
sua distribuição. Aliás, talvez fosse melhor dizer “a pobreza produzida”, relembrando
Marx, dado que é incontestável o aumento da desigualdade e da pobreza em todo o
mundo (Paugan, 1998; Fassin, 1996; Souto, 1996; Xiberras, 1996; Walzer, 1996);. O
peso do debate sobre esta dimensão tem limitado a consideração sobre “o outro
lado” do trabalho, qual seja, sua característica de importante elemento de integração


Este texto é uma versão ligeiramente modificada de trabalho publicado em Travessias, nº 2/3-
2000/2001, Associação de Ciências Sociais e Humanas em Língua Portuguesa, Rio de Janeiro,
setembro de 2002.
1
Cfr., Bauman, 1999 e Sennet, 1999, como exemplos de tentativas de formulação racional para
questões desta natureza.
2
Também aqui os exemplos se multiplicam. A título de ilustração, cfr. Rosanvallon, 1995; Castel,
1997a, 1997b, 1997c; 1998; Lautier, 1999.
2
social3 – e aqui o outro fundador da moderna ciência social a ser relembrado
é Durkheim, que não se cansou de insistir sobre este ponto.
Proponho que o desequilíbrio no tratamento destas duas faces do trabalho
é prejudicial a uma compreensão adequada do tempo presente. É fora de dúvida
que por todo o lado o desemprego e a miséria alimentam os pesadelos de grandes
massas da população do mundo inteiro. Mas esta não é a única, e talvez nem
mesmo a principal, fonte da perplexidade, do medo e da raiva (substitutos
contemporâneos da atitude blasé, correspondente à fase “organizada” do
capitalismo moderno?) que compõem o clima emocional da atualidade. Este é
nutrido em boa parte pelas carências de integração sistêmica, às vezes disfarçadas
sob a forma de conservadorismo ou alienação nos comportamentos observados
(como parece ser o caso da defesa – e da prática – da competição irrestrita em
todos os domínios da vida social), outras vezes explicitadas discursivamente para
justificar práticas que podem ser, elas mesmas, disruptivas (como quando a
criminalidade organizada se defende apelando para a “crítica social”). Desta ótica,
pode-se dizer que estamos em pleno período de desconstrução do assalariamento,
um multifacetado processo de reorganização do trabalho que diz respeito a
praticamente todos os aspectos da estrutura social. É claro que esta afirmativa só
pode fazer sentido se considerarmos que o termo designa não a mera forma
contratual das relações de trabalho mas todo um regime de organização social da
produção. Porém, nesta acepção mais ampla (e mais forte), “assalariamento” corre o
risco de tornar-se uma expressão omnibus que, incluindo tudo, acaba por não
significar mais nada. Por isso, não é ocioso indicar os dois principais aspectos de
suas transformações que podem ser considerados significativos para a questão da
integração social.

O mais importante deles talvez seja o processo de terciarização, já bem


conhecido dos economistas. Aqui, importa salientar que sua contrapartida social é
um movimento de “desobreirização”4, na medida em que o trabalho fabril encontra

3
Para uma análise de uma face desta questão que não será abordada nestas notas – a
desintegração das funções da escola enquanto promessa de integração econômica, forjada durante
os anos dourados do capitalismo, ver Gentili
4
Vinte anos atrás, J.S.Leite Lopes e eu mencionamos a existência de um processo conjugado de
obreirização-desobreirização para indicar a oscilação dos trabalhadores em um mercado segmentado
(“Introdução”, in J.S.Leite Lopes et allii: A Reprodução da Subordinação, Paz E Terra, S.Paulo, 1979).
Atualmente, com o galopante desemprego industrial que, além da economias centrais também atinge
3
cada vez mais dificuldades para se manter como referência central na
organização da existência de crescentes contingentes de trabalhadores5 . Além
disso, se autores como Claus Offe têm razão, a semelhança formal das relações de
trabalho na indústria e nos serviços – o contrato de trabalho assalariado – esconde
diferenças substantivas nos conteúdos das atividades realizadas, na formação da
auto-imagem dos trabalhadores e em sua visão de mundo, dificultando o
reconhecimento de que os serviços tornam-se cada vez mais uma condição da
produção industrial, não sendo mera conseqüência da expansão desta, como se
costumava pensar (Offe, 19... texto do curso). Assim, a terciarização parece ser um
fenômeno muito mais profundo do que a simples queda da participação da indústria
no emprego total. É desnecessário dizer que afirmar isto não implica tomar partido
em favor de modelos de sociedade “pós-industrial”, nem muito menos defender o fim
da subordinação do trabalho ao capital – um tipo de discussão que não interessa
aqui.

O segundo aspecto a ser mencionado diz respeito à contrapartida social


das características dos empregos ofertados e à estrutura do mercado (Mattoso e
Baltar, 1997; Oliveira, 1998; Pochman, 1999 a/b). Mesmo nos países em que a
regulação estatal das relações de trabalho é mais fraca (o Brasil entre eles), tem
havido intensa pressão para uma maior “flexibilidade” (Camargo, 1996; Valle e
Wachendorfer, 1996) ou, em bom português, para reduzir as áreas das relações
trabalhistas legalmente protegidas (Cardoso, 2000). Além de reduzir o poder de
barganha dos trabalhadores, isto afeta também a forma da reprodução material, com
a provisão não-mercantil da cesta de consumo expandindo-se e se tornando mais
visível (Mingione, 1991). É claro que tudo isto repercute sobre a estrutura da família,
que permanece sendo a principal mediação entre produção e consumo mas, em que
pese o significativo aumento dos estudos a respeito, esta é uma área ainda pouco
conhecida. Por isso, mesmo sublinhando a importância desta questão para o
raciocínio aqui desenvolvido, prefiro deixá-la em aberto.

Estes dois amplos conjuntos de processos desestabilizam o padrão de


integração sistêmica de longa maturação que teve seu ponto culminante em nosso

países em desenvolvimento como o Brasil, torna-se necessário enfatizar a tendência unidirecional


deste processo.
5
Além do conhecido texto de Offe (1985), cfr., por exemplo, Paiva (1999) e Featherstone (1996).
4
passado recente, caracterizado pela tendência à harmonização entre
produção e consumo, cujo coração foi o assalariamento, um modo de regulação que
mostrou-se capaz de compatibilizar os requisitos técnicos e sociais da produção,
isto é, de minimizar a contradição entre exploração do trabalho e ampliação dos
direitos de cidadania, organizando e canalizando o conflito social (Antunes, 1995,
2000; Cardoso, 2000; Castel, 1998). É claro que a implantação deste modo de
integração jamais foi completa e passa por inúmeras variantes nacionais (a
reconstrução da noção de informalidade contida neste texto é uma evidência desta
afirmativa), mas seu sucesso pode ser medido pelo fato de, apesar disso, ter-se
tornado um ideal e uma referência cultural praticamente universais, além de uma
força objetiva em expansão, capaz de destruir e/ou transformar profundamente
outras formas de organização social do trabalho.

Assim, tanto objetiva quanto subjetivamente nossas percepções foram


moldadas pela experiência da homogeneização da estrutura social e da
universalização de uma cultura do trabalho baseada no trabalho livre, mas protegido.
Em meio a todos os percalços, este foi o “milagre” do assalariamento: de um lado,
conferir univocidade às hierarquias sociais, gerando afinidades entre inserção
produtiva, chances de consumo e estilos de vida; de outro, transformar o paradoxo
representado pela ligação entre liberdade e proteção numa conquista societal, mais
que de grupos específicos (Paiva, 1999; Potengy, 1998) É este edifício que a
terciarização e a desregulação fazem “desmanchar-se no ar”, para lembrar a frase
que ficou famosa.

Um dos sintomas mais visíveis da desestruturação do assalariamento se


encontra em seu efeito sobre a estratificação social. De fato, a perda da afinidade
entre suas várias dimensões – uma convergência que vem há muito tempo sendo
pressuposta tanto na vivência cotidiana quanto na análise sociológica – se
generaliza a ponto de se tornar fonte de desorientação na vida prática e problema
para a ciência social. Para mencionar as principais, as íntimas relações entre a
ocupação, a renda e a educação parecem ameaçadas, sendo que crescentes
inconsistências, como seria de esperar, também se manifestam na relação entre
posição sócio-econômica (cada vez mais diferenciada), estilo de vida e
comportamento político. Estas dificuldades não caracterizam mais apenas as
5
ambigüidades das posições intermediárias, como sempre se
reconheceu – parece haver evidência suficiente para sugerir que o processo de
diferenciação das posições sócio-econômicas confere um caráter crescentemente
“gelatinoso” à estratificação social.

Esta é provavelmente uma das principais fontes das incertezas que


marcam a experiência contemporânea, ainda mais se considerarmos que se trata
de uma situação que vem se formando há apenas duas ou três décadas. Não creio,
como já deve ter ficado claro, que as constantes referências a tendências de
polarização e dualização da estrutura social presentes nas análises que recorrem à
noção de exclusão social6 ofereçam um quadro adequado destes problemas de
integração sistêmica e do modo pelo qual eles têm sido socialmente apreendidos.
Nem tampouco que as imagens do caos que estaria associado à desestabilização
do assalariamento sejam uma alternativa convincente. Acredito que, pelo menos nos
países ocidentais, muito mais do que dualização ou caos, enfrentamos um processo
de fragmentação. De fato, todas as variáveis que estruturaram a vida social no
capitalismo continuam a operar e portanto não faz muito sentido falar em caos ou
desintegração. Entretanto, suas relações são cada vez mais tópicas, imprevisíveis e,
na medida em que aprofundam a heterogeneidade da experiência social, dificultam a
formação de uma ação coletiva que produza afinidades entre elas, tornando o
conflito social confuso e descentrado.

Vejamos agora a contrapartida destes problemas no plano dos valores e da


subjetividade dos trabalhadores. A produção social do assalariamento deu forma
concreta aos princípios de solidariedade que organizam a conduta, canalizando e
limitando os interesses individuais e estruturando a formação da ação coletiva e o
conflito social segundo a fórmula trabalho livre, mas protegido, conforme já foi
comentado acima. Contra este pano de fundo a compra e venda de trabalho no
mercado pôde “humanizar-se”, articulando-se a uma ética do produtor que inverteu
simbolicamente a subordinação dos vendedores, elevando o trabalho à condição de
dever moral e fonte de dignidade pessoal e de classe (Colbari, 1995).

6
É desnecessário mencionar a imensa literatura latino-americana e européia sobre a exclusão social
e suas variantes, como a discussão americana sobre a “underclass” (Wacquant, 2001), Paugam
(1998), Véras (1999).
6
Entretanto, esta combinação virtuosa entre um desenvolvimento
técnico (“natural”, “espontâneo”, não intencional) cujo requisito é a crescente
proteção da capacidade de reprodução dos trabalhadores (“intencional”,
“consciente”), gerando ao mesmo tempo a expansão da produção de massa e uma
auto-imagem positiva da população trabalhadora, se volatiliza com as mencionadas
tendências à fragmentação social. Esvaziada de sua sustentação, a cultura do
trabalho que conhecemos tem cada vez menos condições de se reproduzir como um
sistema coerente e significativo de orientações de valor, capazes de organizar as
identidades e os conflitos de parcelas cada vez maiores da população de nossos
países – embora, sem dúvida, muitos de seus elementos continuem presentes
(Heloani, 1994; Pinto e Silva, 2000; Linhart, 2000; Rummert, 2000)

Quando tais questões são analisadas (o que não me parece muito


freqüente), elas costumam ser interpretadas como gerando um “vazio de sentido”,
moral e cognitivo. Este é o caso, por exemplo, de Castel (1995), que desenvolve o
conceito de “individualismo negativo”, que acompanharia a “vulnerabilização” de
crescentes parcelas da população trabalhadora decorrente da desestabilização do
assalariamento – chamando a atenção para o fato de que se trataria de um processo
e não de um estado de exclusão social. É o caso também de toda uma linha de
trabalhos dedicados a estudar a juventude, a qual sugere que os jovens vem
manifestando dificuldades de desenvolver projetos de vida organizados e
significativos devido à desestruturação de suas condições materiais de existência
relacionada a uma forte retração do mercado de trabalho e à crônica dependência
da assistência estatal por parte de grande número de famílias pobres (Souto, 1999;
Dubar, 1998; Dubet, 1987; Mingione, 1998b).

Não resta dúvida de que há farta evidência tornando plausíveis estas


conclusões, mas eu gostaria de sugerir que elas param no meio do problema. A não
ser que se queira olhar para trás, é difícil imaginar a perda de vigência de um
complexo de sentidos socialmente construídos sem pensar no que é posto em seu
lugar. E, olhando nesta direção, se a desestabilização do momento virtuoso do
trabalho assalariado é lamentável, por haver proporcionado forte elevação do padrão
de vida dos trabalhadores (mesmo considerando que os benefícios para os países
periféricos foram muito menos visíveis), há perigos ainda maiores. Um deles eu
7
gostaria de mencionar apenas de passagem, mas com ênfase: o caráter
estruturante de um novo quadro de vida -- portanto uma ruptura profunda com o
padrão de sociabilidade conhecido -- que podem ter certas práticas que, vistas do
ângulo da organização social ainda dominante, são claramente disruptivas. Penso, é
claro, na expansão da criminalidade organizada, que é “portadora” de uma forma de
relação social na qual a violência deixa de ser um meio de obtenção de interesses
para tornar-se um princípio de interação. É puro simplismo acreditar que o que vem
acontecendo com o crime comum não passa de “organização do desvio”, imagem
invertida ou intersticial do modo de integração da sociedade que conhecemos. Ao
organizar-se como empresa, ele funda uma “sociabilidade violenta” cuja
característica central é romper com a relação de alteridade tradicionalmente
considerada como condição do processo interativo e da própria vida social. Na
medida em que a força torna-se, ela mesma, a única forma de regulação da vida
social (não é suficiente pensar em Hobbes, pois não há Leviatã no horizonte), está-
se diante de uma ruptura terminal com a sociabilidade conhecida (Machado da Silva,
1993b, 1994, 1996, 1999).

Menos notável mas igualmente decisiva é outra tendência de mudança que


vem sendo produzida. Penso, aqui, no que acontece com a empregabilidade, esta
expressão que vem se tornando quase ubíqua no discurso dos protagonistas da
cena contemporânea, desde tecnocratas e educadores, políticos e líderes sindicais
de todos os matizes e variável importância, até ser incorporada e difundida pela
mídia (Gazier, 1990; Hirata, 1997; Gentili, 1999).

Em sua dimensão instrumental, o termo indica os novos requisitos


funcionais da demanda de trabalho. Nesta linha, “empregabilidade” representa o
elenco dos atributos subjetivos – disposições pessoais, competências, etc. – que as
empresas esperam dos trabalhadores e, simplificando um pouco, correspondem às
necessidades de uma produção “flexibilizada” (Teixeira e Rios, 1996; Hirata, 1994;
Carvalho, 1999; Frigotto, 1995: Rodrigues, 1997 e 1998). A imensa polêmica que
cerca as questões ligadas à “empregabilidade” sugere que aqueles atributos não são
convencionais e que ainda não se produziu consenso em torno deles. Na medida em
que tais qualidades dependem de um esforço social adicional para serem
produzidas, discute-se quais os melhores caminhos para que os trabalhadores se
8
adaptem às “novas condições do mercado”, ditadas pela flexibilização do
paradigma produtivo (Ropé, 1997; Machado, 1998; Frigotto, 1998; Paiva, 1999).

Nesta dimensão instrumental-adaptativa, a “empregabilidade” corresponde


à perspectiva das empresas ainda que, como seria de esperar, a estrutura do
mercado de trabalho seja apresentada por elas como se fosse um dado de fato. Em
princípio, dependendo das relações de força, os trabalhadores poderiam opor-se às
exigências de empregabilidade (e, de fato, boa parte do conflito social em todo o
mundo tem este fundamento) ou conformar-se com elas. Mas a polêmica sobre a
“empregabilidade” não diz respeito apenas à aquisição de novas competências
técnicas, melhor adaptadas às mudanças do regime produtivo. Ela contém uma
dimensão simbólico-ideológica de convencimento/adesão (que permanece implícita
em sua maior parte, pouco afetando o conflito social aberto e consciente),
interferindo sobre a formação da auto-imagem e da visão de mundo dos
trabalhadores.

De fato, há indícios de que a “empregabilidade” vem se transformando no


coração de uma cultura do trabalho em gestação, muito distinta da que
correspondeu à história do assalariamento. Como é sabido, o ideal de mobilidade
técnica representado pela proposta de substituir a especialização por uma
polivalência que torne o trabalhador apto ao desempenho de ocupações com
conteúdos diferenciados, caminha junto com a defesa da competitividade, da
autonomia profissional e da independência pessoal. Resumindo e simplificando,
projeta-se a imagem do “novo trabalhador” como um ser que substitui a carreira em
um emprego assalariado de longo prazo pelo desenvolvimento individual através da
venda de sua força de trabalho em uma série de ocupações contingentes, obtidas
através da demonstração pública da disposição e competência para atividades e
condições de trabalho em constante mudança, isto é, como empresário de si mesmo
(Machado, 1998; Hirata, 1997; Spink, 1997; Frigotto, 1998; Souza, Santana e Deluiz,
1999).

Por enquanto, esta representação do trabalho ainda assusta e repele, mas


parece que a adesão a ela tende a se ampliar, inclusive porque as condições do
trabalho assalariado “convencional” se deterioram a olhos vistos. Isto pode
9
compatibilizar as mudanças objetivas com as disposições subjetivas reduzindo,
assim, a parte de nossas angústias proveniente do descompasso entre estes dois
planos – e, portanto, tem um certo apelo que vai além da mera estratégia adaptativa.
Por outro lado, como diz o ditado, “é aí que reside o perigo”. Uma cultura do trabalho
organizada em torno da categoria da “empregabilidade”, como parece ser a que está
em gestação, fere de morte os valores de solidariedade social tão dificilmente
institucionalizados sob a fórmula “trabalho livre, mas protegido” e torna-se o centro
do processo de legitimação ideológica da fragmentação social que, nesta hipótese,
se tornaria irreversível. Enquanto este risco não for afastado, os aspectos positivos
das mudanças culturais em curso precisam ser considerados com muito cuidado.

Até os anos 70, a noção de informalidade estruturou a aceitação


generalizada da “cidadania regulada” (Santos, 1979), pois alimentava para os
contingentes de “trabalhadores informais” a expectativa de uma incorporação
progressiva à cidadania, e marcou um padrão de dominação baseado no controle
externo, objetivado na tutela jurídica simbolizada pela carteira de trabalho. Seu
esvaziamento como categoria analítica e referência ideológica parece coincidir com
a ascensão da noção de empregabilidade como ponto de convergência dos
problemas ligados à configuração do mercado de trabalho e à integração social. Mas
esta equivalência se estabelece por uma espécie de inversão, pois agora a dinâmica
produtiva não remete mais, como antes, a um centro orgânico capaz de comandar
objetivamente a absorção de trabalho – até porque o setor que desempenhava este
papel passou a reduzir e não mais ampliar a demanda. Acresce que a noção de
empregabilidade, tal como a esquematizei acima, remete a requisitos subjetivos
relacionados aos trabalhadores individuais, expressando o que me parece ser uma
fonte muito importante de legitimação de novas formas de controle social, menos
objetivadas, que dependem mais fortemente do engajamento pessoal dos
trabalhadores.

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