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02/03/2021 Harvard Business Review

Startups: a hora de pensar


como camelos, e não como
unicórnios
Alex Lazarow

1 de março de 2021

O mundo mudou. Como consequência da pandemia da covid-19 e da


recessão por ela causada, líderes empresariais, inovadores,
empreendedores e investidores estão se preparando para um longo
período de enormes desafios no mercado mundial. Como startups e
inovadores de todos os tipos conseguirão sobreviver em tais
condições? Muitos não estão preparados.

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A situação atual é especialmente complicada para as empresas do Vale


do Silício, onde o modelo predominante é a criação de unicórnios,
como são chamadas as startups com valor superior a US$ 1 bilhão.
Normalmente, elas têm rápido crescimento. No entanto, o problema

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agora é que esse modelo de crescimento a qualquer custo,


especialidade do pessoal do Vale do Silício, só dá certo em um
mercado de alta, e em ótimas condições de funcionamento.

Mas vamos considerar algo que eu chamo de “fronteira”: aqueles


ecossistemas de negócio fora da bolha, onde as startups têm menor
acesso ao capital, ou a um capital humano treinado para as startups, e
onde, principalmente nos mercados emergentes, elas estão mais
suscetíveis a choques macroeconômicos severos e imprevisíveis. Em
vez do unicórnio, o camelo é o mascote mais adequado. Camelos são
capazes de sobreviver por longos períodos sem se alimentar,
suportando as altas temperaturas do deserto e se adaptando a
variações climáticas extremas. Sobrevivem e prosperam nas regiões
mais inóspitas da Terra.

Essas startups camelo oferecem a empresas de todos os setores lições


valiosas de como sobreviver durante a crise, e de como se sustentar e
crescer em condições adversas, ainda que a metáfora não seja das
mais interessantes. Para isso, usam três estratégias: praticar o
crescimento equilibrado, olhar para o longo prazo e ter um modelo de
negócio diversificado.

Equilibrar, em vez de queimar.

Camelos não têm interesse em “blitzscaling”, ou seja, construir


empresas rapidamente, priorizando a velocidade em detrimento da
eficiência, em busca da escala em massa. Têm tanta ambição de
crescer, quanto qualquer empresa do Vale do Silício, mas escolhem o
caminho do equilíbrio. Essa abordagem equilibrada tem três
elementos principais.

Precificação correta desde o início. Para começar, os empreendedores


nos mercados emergentes não oferecem produtos de graça ou com
subsídios visando ganhar mais consumidores e, com isso, resultando
em uma elevada “burn rate”, ou o valor gasto, ou “queimado”, na
operação do negócio. Em vez disso, cobram o valor do produto de
seus consumidores desde o início. Camelos sabem que o preço não
deve ser visto como uma barreira ao crescimento. Na verdade, ele é
uma característica do produto que reflete sua qualidade e posição no
mercado.

Gestão de custo em todo o ciclo de vida. Da mesma forma, camelos


fazem a gestão de custos durante todo o ciclo de vida da empresa, em
alinhamento com uma curva de crescimento de prazo mais longo.
Matt Glotzbach, CEO da Quizlet, empresa de educação à distância,
entende essa estratégia como um custo de aquisição e sua despesa
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principal: as pessoas. “Você quer uma empresa que consiga sobreviver


a altos e baixos”, diz ele. “A resiliência, para mim, depende de dois
fatores: um deles são os indicadores financeiros para aquisição de
clientes, e o outro é o quanto se deve investir em pessoal antes de a
curva da receita começar a crescer. É assim que tomamos decisões
calculadas e criamos expectativas para investimentos; se estivermos
certos, cresceremos, e, se estivermos errados, o prejuízo não será tão
expressivo”.

Mudança de trajetória. Gerenciar a burn rate durante todo o ciclo de


vida da empresa ajuda as startups a se prepararem para atravessar
condições desafiadoras por um período sustentado.
Uma startup típica do Vale do Silício tem uma trajetória de caixa com
um acentuado “vale da morte”, a linha do gráfico que reflete perdas
abruptas antes de se atingir a rentabilidade. A linha para
as startups “de fronteira” é diferente. Obviamente, camelos não
deixam de buscar crescimento ou financiamento com capital de risco,
mas sua trajetória de escala e a burn rate associada são menos
extremas. Em alguns casos, como o da Grubhub, as empresas camelo
crescem em arrancadas controladas, optando por somente pisar no
acelerador e investir (normalmente por meio de capital de risco),
quando a oportunidade disponível assim determina. Após uma certa
arrancada, a sustentabilidade (normalmente acompanhada da
rentabilidade) estará ao alcance delas, se necessário. A diferença é que
camelos têm sempre a opção de adaptar sua trajetória de crescimento
e voltar a ser um negócio sustentável.

Camelos percorrem longas distâncias.

Os fundadores de negócios “de fronteira” sabem que construir uma


empresa não é uma tarefa de curto prazo. Para muitos, os avanços
não são imediatos; acontecem mais adiante na linha do tempo da
empresa. A sobrevivência costuma ser a estratégia primária. Isso
garante tempo para construir o modelo de negócio, encontrar um
produto adequado ao mercado e desenvolver uma operação que
possa progredir. A competição sempre existirá. Mas vencerá a corrida
quem sobreviver por mais tempo, e não quem entrar no mercado
antes.

A Quizlet captou US$ 30 milhões em uma rodada de investimento


Série C, que a avaliou em US$ 1 bilhão em maio deste ano. A empresa
não recebia recursos desde 2015, quando captou apenas US$ 12
milhões em uma rodada Série A, depois de dez anos no mercado. Ela
não se apressou em chegar lá, operando com base na filosofia do
“devagar e sempre” rumo ao crescimento. Segundo Glotzbach, o ritmo

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da Quizlet foi o que evitou sua destruição. “Se a Quizlet tivesse captado
grande quantia em recursos no início do seu ciclo de vida, talvez não
tivesse sobrevivido”, disse ele. “O risco de nutrir altas expectativas e
receber uma injeção de investimentos logo no início talvez tivesse
limitado a rápida aceleração necessária à empresa para fazer frente a
tais expectativas. Como acontece com muitas outras startups,
teríamos prometido demais, entregando menos”. Ter uma visão de
longo prazo é fundamental para gerenciar o equilíbrio entre risco e
retorno.

Abrangência e intensidade constroem resiliência.

Empreendedores operando “na fronteira” encontram restrições


incomuns que costumam se tornar forças em tempos de adversidade.
Como os empreendedores costumam construir startups em mercados
menores por necessidade – mercados que não são capazes de crescer
por conta própria para sustentar a empresa – elas são forçadas a já
nascerem globais, mirando vários mercados desde o início. Frontier
Car Group, uma conhecida plataforma para comercialização de carros
usados, por exemplo, foi lançada originalmente em cinco mercados,
cada um deles atendendo a uma região. Em alguns países, o produto
vingou, em outros, isso não aconteceu, e a empresa aprendeu lições
valiosas no caminho, fechando os mercados em que não se encaixava.
No entanto, se tivesse investido tudo no país errado, hoje talvez já
nem existisse.

Da mesma forma, como não existe uma grande infraestrutura ou um


ecossistema de produtos e serviços adjacentes nesses mercados “de
fronteira”, os empreendedores precisam investir mais fundo e montar
toda a rede de apoio necessária. Isso significa que têm múltiplas linhas
de negócios e produtos, e que oferecem um ecossistema de serviços
desde o início da operação. Quando uma linha desacelera, as outras
mantêm o ritmo. Vejamos o exemplo da Guiabolso, uma plataforma
brasileira de soluções de “Gestão de Finanças Pessoais”, que ajuda
seus clientes a entender sua própria situação financeira para poder
administrá-la melhor. Ao contrário de outras plataformas que
funcionam em ecossistemas mais desenvolvidos, a Guiabolso teve de
construir do zero sua própria rede de interconexões bancárias,
fornecer avaliações sobre idoneidade financeira, sem uma
infraestrutura nacional robusta de avaliação de risco, e iniciar seu
próprio marketplace para permitir que os clientes aproveitassem ao
máximo a nova estrutura.

Obviamente, os empreendedores não podem e nem devem levar essa


estratégia ampla e profunda tão adiante. Montar uma startup é algo

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extremamente complicado, e espalhar-se em múltiplas frentes é


receita para um desempenho pífio em todas elas. Por outro lado,
camelos de sucesso investem recursos apenas em atividades que
tragam benefícios, ou seja, aquelas em que as lições de sucesso ou
fracasso ajudam o negócio como um todo, e promovem equilíbrio, ou
seja, em que uma peça naturalmente compense a outra.

Ao priorizar o crescimento equilibrado, construindo a longo prazo, ao


mesmo tempo que se aprofundam e diversificam, em nome da
resiliência, as empresas camelo são capazes não apenas de sobreviver
a choques de mercado, mas também crescer e prosperar em tempos
bons e em tempos ruins. Resumindo, elas transformam as
adversidades em vantagens. Ao nos prepararmos para os grandes
desafios que se aproximam, as respostas não virão da bolha do Vale
do Silício, mas do aprendizado com as empresas camelo da fronteira,
que sempre souberam qual a solução.

Alex Lazarow é um investidor de risco com atuação mundial e autor do


livro “Out-innovate: how global entrepreneurs—from Delhi to Detroit—
are rewriting the rules of Silicon Valley”. Lazarow colabora com a
Cathay Innovation, é parte do Kauffman Fellows Program, e leciona
empreendedorismo no Middlebury Institute.

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