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O LUGAR DA BRINCADEIRA NO COTIDIANO DAS CRIANÇAS DA

EDUCAÇÃO INFANTIL

Jordânia Lopes Nunes 1


Kamila David Alves2
Flávia de Oliveira Coelho3

RESUMO: Este artigo tem o objetivo de apresentar o lugar que a brincadeira ocupa no
cotidiano das crianças da Educação Infantil na Creche. O interesse por esse tema surgiu
no decorrer do curso de Pedagogia, a partir de visitas às creches e pré-escolas, por
ocasião do estágio supervisionado e do PIBID (Programa Institucional de Bolsa de
Iniciação à Docência). O presente trabalho trata-se de uma revisão bibliográfica, pautada
em autores que discutem o tema e na experiência observada ao longo do estágio e do
PIBID. Conclui-se que o educador deve estar atento às práticas de mediações e
intervenções a serem realizadas através das brincadeiras livres ou dirigidas, de modo que
essas contribuam para o desenvolvimento integral da criança.

Palavras-chave: Brincadeiras, Crianças, Educação Infantil.

INTRODUÇÃO

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil- DCNEI’S,


elaboradas em 2010, estabelecem princípios que norteiam o trabalho na Educação Infantil.
Nessa perspectiva, as DCNEI´S definem a Educação Infantil como a “primeira etapa da
educação básica, oferecida em creches e pré-escolas, as quais se caracterizam como espaços
institucionais não domésticos que educam e cuidam de crianças de 0 a 5 anos”, o que
confirma o papel da creche como instituição educativa. (DCNEI’S, 2010, p.12). Tais
princípios têm, como eixos norteadores, as interações e as brincadeiras.

_______________________________________________________
1Estudante concluinte do curso de Pedagogia, da Universidade Vale do Rio Doce.-UNIVALE
E-mail: jordaniallopes@hotmail.com
2Estudante concluinte do curso de Pedagogia, da Universidade Vale do Rio Doce. - UNIVALE
E-mail: kamila.david@outlook.com
3Professora orientadora, Mestre do Curso de Pedagogia, da Universidade Vale do Rio Doce. - UNIVALE

1
A partir de vivências percebemos, no entanto, que a consideração da brincadeira
como elemento potencializador do desenvolvimento da criança tem sido,para grande parte
dos professores, um desafio constante, já que, em algumas situações,os momentos
destinados ao brincar constituem-se em períodos não planejados.
As experiências vivenciadas por ocasião do Estágio Curricular Supervisionado em
Educação Infantil e como bolsistas do Programa de Iniciação à Docência - PIBID -
mostraram que, em algumas instituições, a brincadeira, por vezes, não possuía
intencionalidade, pois alguns alunos vivenciavam os momentos reservados ao brincar sem
que houvesse uma preparação das situações lúdicas por parte do professor. Assim, as
crianças brincavam aleatoriamente dentro da finalidade pré-estabelecida por elas mesmas,
pois não tinham uma atividade planejada pelo educador. Diante da situação observada,
surgiram algumas indagações, principalmente, no tocante à relação entre brincadeira, prazer
da criança e o envolvimento do professor. As questões levantadas seriam, a saber: Qual o
papel do professor frente à brincadeira? Como o brincar acontece na creche? Há tempo e
um espaço específico para o ato de brincar? Brincar é uma questão de hábito ou uma
necessidade?
Este artigo busca apresentar o lugar da brincadeira no cotidiano das crianças da
Educação Infantil, tendo em vista a mediação do professor. Para tanto, apresentamos, na
primeira parte, as concepções atuais que norteiam o trabalho na Educação Infantil, alguns
conceitos relacionados ao brincar, mostrando as contribuições do brincar para o
desenvolvimento das crianças. Já, na segunda parte, através das apresentações de dados de
observação, abordamos o papel que o professor deve desempenhar para favorecer o brincar,
fazendo com que a brincadeira contribua para o desenvolvimento integral da criança. O
artigo foi escrito a partir de uma revisão bibliográfica e tem como referência os estudos de
alguns autores, fazendo um contraponto entre as experiências observadas como estagiárias
e bolsistas do PIBID.

EDUCAÇÃO INFANTIL: LUGAR DE BRINCADEIRA

O atendimento à criança em creches foi, ao longo dos séculos XIX e XX,


caracterizado por uma concepção assistencialista. Com as novas concepções de Educação

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Infantil, surgidas na segunda metade do século XX, essa realidade vem mudando. No
Brasil, foi a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional –LDBEN 9394/96,
que a Educação Infantil passou a ser considerada como primeira etapa da Educação Básica.
As creches assumiram, então, uma perspectiva educativa, não ficando restritas apenas às
atividades do cuidado. Hoje, em nosso país, percebemos que a educação das crianças em
creches não passa apenas pelo acesso e o atendimento, mas por uma perspectiva educativa.
Às funções do cuidar, antes vistas como práticas assistencialistas,acrescenta-se o educar,
que traz consigo uma intencionalidade educativa nas ações de cuidados básicos. O cuidar e
o educar uma criança precisam ser vistos de forma articulada, proporcionando-lhe o
desenvolvimento integral.
Isso significa que às funções de cuidado estão aliadas as funções educativas, que
compreendem todo um olhar pedagógico para o desenvolvimento integral da criança. A
esse respeito, Craidy & Kaercher (2001) comentam que “atividades que envolvam o
cuidado e a saúde são realizadas diariamente nas instituições de Educação Infantil e não
podem ser consideradas na dimensão estrita de cuidados físicos.” (p.70). A dicotomia
vivida entre o cuidar e o educar deve ser desmistificada de modo que os momentos nas
creches se constituam em momentos pedagógicos e de cuidados com crianças. (CRAIDY &
KAERCHER, 2001, p.70).
O cuidar e o educar devem estar entrelaçados às situações de brincadeira. As
Diretrizes que regulamentam o trabalho na Educação Infantil enfatizam a importância das
interações e brincadeiras no desenvolvimento das crianças, concebendo-as como eixos
norteadores de todo o trabalho escolar.
Sabemos que a presença da brincadeira no contexto infantil não é recente. Iniciou-
se com a criação dos jardins de infância, ainda no século XIX, fruto da expansão da
proposta Froebeliana, que influenciou a Educação Infantil de todos os países. Frederich
Froebel defendia que o brincar permite o estabelecimento de relações entre os objetos
culturais e a natureza. Froebel concebeu o brincar como atividade livre e espontânea,
responsável pelo desenvolvimento físico, moral e cognitivo;já, os brinquedos, objetos que
subsidiam atividades infantis. Para Oliveira (2002).
Froebel, partia também da intuição e da ideia de espontaneidade infantil,
preconizando uma auto educação da criança pelo jogo, por suas vantagens
intelectuais e morais, além de seu valor no desenvolvimento físico. Elaborou

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canções e jogos para educar sensações e emoções, enfatizou o valor educativo da
atividade manual, confeccionou brinquedos para aprendizagem[...] Além de propor
que as atividades educativas incluíssem conversas e poesias e o cultivo da horta
pelas crianças. (OLIVEIRA, 2002, p.11).
O brincar se constitui como o meio mais importante para o desenvolvimento e a
aprendizagem, pois propicia o exercício da imaginação. Encontramos em Vygotsky (1991)
apud Rojas (2007) uma definição clara desta contribuição:
O desenvolvimento e a aprendizagem estão inter-relacionados, desde o
nascimento da criança. Ainda muito pequena, através das interações com o meio
físico e social, a criança realiza uma série de aprendizados. Então, as
experiências, realizadas por meio das brincadeiras, contribuem de forma
elementar para a aquisição de conhecimentos que alicerçam os saberes ao entrar
na escola. (ROJAS, 2007, p.30).

O brincar é a primeira forma de experimentar do mundo. É uma linguagem que


possibilita à criança descobertas e conhecimentos sobre si mesma, sobre o outro, sobre o
mundo que a rodeia. Conforme Vygotsky (2007), a brincadeira é uma linguagem natural
das crianças e é importante que esteja presente na Educação Infantil, para que elas possam
se expressar através de atividades lúdicas. Pelo brincar,a criança comunica consigo mesma
e com o mundo, percebe a existência do outro, estabelece relações sociais, constrói
conhecimentos, desenvolvendo-se integralmente.
A brincadeira compreende, portanto, uma situação privilegiada de aprendizagem,por
causa das possibilidades da interação entre os pares, como, por exemplo, numa situação
imaginária ou pela negociação de regras de convivência. De acordo com Vygotsky (2007),
é durante o brincar e por meio do brinquedo4 que a criança aprende a agir cognitivamente,
dando vida aos objetos e determinando sua ação sobre eles. O autor ressalta que o brincar é
uma atividade que estimula a aprendizagem, pois cria uma zona de desenvolvimento
proximal5 na criança. A esse respeito, esse teórico esclarece:
No brinquedo, a criança sempre se comporta além do comportamento habitual de
sua idade, além do seu comportamento diário; no brinquedo é como se ela fosse
maior do que ela é na realidade. Como no foco de uma lente de aumento, o
brinquedo contém todas as tendências do desenvolvimento sob forma
condensada, sendo ele mesmo uma grande fonte de desenvolvimento.
(VYGOTSKY, 2007, p.134).

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4
Nas traduções dos textos de Vygotsky aparece o termo “brinquedo” quando o autor faz referência ao ato de brincar.

5
Zona de desenvolvimento proximal é um conceito elaborado por Vygotsky. Define a distância entre o nível de desenvolvimento real, determinado pela
capacidade de resolver um problema sem a ajuda de outrem, pois os conhecimentos já estão consolidados; e o nível de desenvolvimento potencial,
determinado pela resolução de um problema sob a orientação de um adulto ou em colaboração com outro companheiro. É a distância entre o nível de
desenvolvimento real (conhecimentos consolidados) e o potencial (conhecimentos prospectivos, que a pessoa tem a potencialidade de aprender, mas que
ainda estão em desenvolvimento).

4
Vygotsky (2007) destaca a importância do “faz de conta” ou da vivência do jogo
simbólico para a criança. Segundo ele, esses são momentos em que a criança se utiliza de
um simples objeto para desenvolver uma brincadeira lúdica e que traz para si grandes
significados, quando, por exemplo, brinca de casinha; de escolinha ou com um cabo de
vassoura, como se fosse um cavalo. O autor valoriza e atribui grande importância à
brincadeira do “faz-de-conta”, por essa trabalhar o papel da imaginação, que coloca uma
estreita relação com a atividade criadora da criança, pois, no jogo simbólico,ela representa e
produz com desenvoltura aquilo que viu ou aquilo que lhe contaram.
Brougère (1998), em seus estudos, também reconhece a importância do jogo
simbólico para a criança. Sobre isso esclarece:
O jogo simbólico ou faz-de-conta, particularmente, é ferramenta para a criação da
fantasia, necessária a leituras não convencionais do mundo. Abre caminho para a
autonomia, a criatividade, a exploração de significados e sentidos. Atua também
sobre a capacidade da criança de imaginar e de representar, articulada com outras
formas de expressão. (BROUGÈRE 1998.p.159).

Durante o período do estágio na Educação Infantil, percebemos o quanto um objeto


pode ser potencializador e desencadeador de situações imaginárias, como podemos
verificar nesta citação do Diário de Campo:
No dia destinado ao brinquedo, uma criança levou para a sala uma caixa de
papelão e, com essa caixa, desenvolveu várias brincadeiras dizendo, por exemplo,
que havia uma princesa em um castelo.Imaginou que estava num carrinho e nele
várias outras crianças entraram e participaram da brincadeira, a partir de situações
de faz de conta e do imaginário. A caixa se tornou o centro das atenções e, por
meio dela, as crianças descobriram outras maneiras de brincar com um objeto tão
simples, mas que para elas se tornou de grande significado. Através dessa ação,
várias outras crianças deixaram seus brinquedos industrializados e começaram a
brincar de faz de conta com a caixa trazida pela colega. (DIÁRIO DE CAMPO
16/09/2015).

Kishimoto (1999), pesquisadora do brincar, destaca o papel da brincadeira que,


segundo ela, “é universal e própria da criança, pois facilita o crescimento, desenvolve o
potencial criativo e conduz aos relacionamentos sociais. No momento em que a criança
sente que os outros estão livres e também podem brincar, ela se torna mais confiante para
fazê-lo. Quando a criança não é capaz de brincar, há algo errado, fazendo-se necessário
trazê-la para o seu estado natural para que ela possa brincar”. Para Kishimoto (1999)apud
Rojas (2007):

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As práticas lúdicas proporcionam subsídios para a compreensão da brincadeira
como ação livre da criança e o uso de dons e objetos. São valiosos suportes da
ação docente, que enriquecem o trabalho pedagógico, permitindo a aquisição de
habilidades e conhecimentos, justificando, assim, os jogos educativos.
KISHIMOTO (1999), apud ROJAS (2007, p. 52).

Visto dessa forma, a criança brinca por ser essa uma de suas necessidades básicas,
assim como se alimentar, tomar banho e dormir. Brincar é, portanto, uma ação essencial
para o desenvolvimento infantil. Em nosso estágio, percebemos o quanto as crianças
necessitam brincar, jogar, criar e inventar. Essas atividades lúdicas se tornam mais
significativas à medida que ela inventa e reinventa a brincadeira. A partir dos autores
citados, respondemos a um dos questionamentos apresentados no início deste artigo:
brincar é sim uma necessidade!
Maria Carmen Silveira Barbosa e Maria da Graça Souza Horn, autoras que
pesquisam sobre a organização do espaço e do tempo na Educação Infantil, sinalizam a
importância de percebermos as necessidades do grupo de crianças e do brincar, como
possibilidade para o desenvolvimento integral das mesmas. Nesse sentido, observam:
Organizar o cotidiano das crianças da Educação Infantil pressupõe pensar que o
estabelecimento de uma sequência básica de atividades diárias é, antes de mais
nada, o resultado da leitura que fazemos do nosso grupo de crianças, a partir,
principalmente, de suas necessidades. É importante que o educador observe o que
as crianças brincam, como estas brincadeiras se desenvolvem, o que mais gostam
de fazer, em que espaços preferem ficar, o que lhes chama mais atenção, em que
momentos do dia estão mais tranquilos ou mais agitados. Este conhecimento é
fundamental para que a estruturação espaço-temporal tenha significado. Ao lado
disto, também é importante considerar o contexto sociocultural no qual se insere
e a proposta pedagógica da instituição, que deverão lhe dar suporte. (BARBOSA;
HORN, 2001, p. 67)

Realizar um trabalho de qualidade com crianças da Educação Infantil que contemple


as dimensões do cuidar e educar implica, necessariamente, pensar a brincadeira, o espaço e
o tempo em que as crianças estão inseridas, o que requer do educador valorização desses
momentos, pois é ele quem organiza e planeja as brincadeiras, banho, alimentação e
repouso. Assim, o educador deve levar em conta os muitos focos da Educação Infantil,
dentre eles, o brincar, visando exatamente à percepção da criança em seu crescimento e
desenvolvimento físico, intelectual, afetivo e social. Sobre isso, Navarro (2009) afirma:

É importante entender do que se fala quando se fala em brincar e perceber a


relevância de um tempo no cotidiano das crianças destinado a um brincar de

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qualidade, em um espaço adequado, com materiais interessantes para as crianças
e que estimulem a criatividade. (NAVARRO, 2009, p.2.123).

Tendo em vista essa realidade, as instituições de Educação Infantil (creches e pré-


escolas), para buscar a evolução da criança como um todo, devem compreendê-la como um
ser de direitos, que aprende a ser e conviver com o próximo e com o ambiente que a rodeia.
Conforme o Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil - RCNEI (1998)
orienta:

Educar significa, portanto, propiciar situações de cuidados, brincadeiras e


aprendizagens orientadas de forma integrada e que possam contribuir para o
desenvolvimento das capacidades infantis de relação interpessoal, de ser, estar
com os outros em uma atitude básica de aceitação, respeito e confiança.
(BRASIL, 1998, p.23).

O que o RCNEI reforça é que as práticas pedagógicas, as quais compõem a proposta


curricular para Educação Infantil, devem ter como eixos norteadores como o cuidar, educar
e brincar, que são um dos pilares para garantir o aprendizado nesse contexto de educação.
As interações e as brincadeiras possibilitam experiências sensoriais, expressivas, corporais,
a expressão da individualidade e o respeito pelos diferentes ritmos e desejos das crianças.
Assim, a criança desenvolve autonomia, despertando a curiosidade sobre o mundo;
habilidades cognitivas, motoras e sociais.
A creche é, portanto, um lugar privilegiado para favorecer o brincar. A seguir,
apresentaremos dados de nossa pesquisa, os quais nos darão oportunidade de refletirmos a
cerca da mediação do professor em situações lúdicas, no espaço da creche.

O PAPEL DO EDUCADOR COMO MEDIADOR DA BRINCADEIRA A PARTIR


DO OLHAR DE ALUNAS

Atualmente, as escolas de Educação Infantil se tornaram espaços onde as crianças


ficam, boa parte do dia, interagindo, socializando, através de diversos momentos que, em
sua maioria, ocorrem por meio de brincadeiras. Isso nos levou a pensar a respeito do papel
do educador frente às brincadeiras. Sabemos que as brincadeiras podem ser livres ou

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dirigidas. A livre se refere ao ato de brincar, o qual proporciona diversão para as crianças,
mas, não possui intervenção, nem regras estabelecidas pelo professor, pois acontece de
forma espontânea. Já a brincadeira dirigida é considerada uma atividade com regras,
supervisionada e orientada pelo docente. Favorecer a brincadeira na Educação Infantil
significa promover diferentes formas de interação e de ludicidade.
Desse modo, o professor deve ocupar-se da organização dos momentos de
brincadeira, dos brinquedos, da sala onde as crianças estão inseridas, dos materiais e da
forma como eles estão organizados. Um contexto bem organizado pelo professor é capaz de
estimular uma criança, como nos mostra Navarro (2009) apud Brougère (2001):

A preparação do ambiente, a forma como são colocados os brinquedos e os móveis


na sala são ações da professora também muito importantes, principalmente quando
se fala de brincar. O contexto educa, a criança aprende por meio dos estímulos que
lhes são ofertados em seu dia-a-dia. Profissionais que trabalham nas instituições de
educação infantil deveriam dar mais valor à forma como o contexto da escola é
organizado, tanto as salas como o parque, como qualquer outro ambiente.
NAVARRO (2009) apud BROUGÈRE (2001, p.2135).

Os professores da Educação Infantil, enquanto mediadores da aprendizagem,


possuem o papel importante de estimular e proporcionar situações lúdicas. Nesse aspecto,
pensar e organizar as situações de brincadeiras pressupõem planejamento, que contemple
brincadeiras livres e também brincadeiras dirigidas, não sendo essa última colocada de
forma impositiva, como bem comentado por Faria (2002):

O modo de mediar do educador não vem no sentido de obrigar ou impor uma


atividade, mas sim de mostrar, incentivar e motivar as crianças sempre. Não é
pela necessidade da livre-escolha nas brincadeiras que as crianças não podem
realizar atividades propostas pela professora. A mediação do educador se faz no
sentido de dar a oportunidade para a criança de participar de atividades dirigidas,
programadas e também possibilitar que a criança crie, manifeste-se e expresse-se
de diferentes formas e sem medo. (FARIA 2002, p.11).

Sendo assim, cabe ao educador o papel de acompanhar as brincadeiras, bem como o


de promover oportunidades em que a criança possa fazer escolhas. É através da organização
do espaço, da criação das brincadeiras, dos materiais disponíveis, que o ambiente se torna
lúdico.

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Para abordarmos o papel do professor durante as situações das
brincadeiras,destacamos duas experiências observadas em instituições de Educação Infantil,
que aqui serão nomeadas como creche A e creche B, ambas no município de Governador
Valadares.Na primeira situação, atuávamos como bolsistas do PIBID(Programa de
Iniciação à Docência) e, na segunda, éramos estagiárias do Curso de Pedagogia.
Na creche A, participando como bolsistas do PIBID, desenvolvemos um projeto em
uma turma de 4 anos, que buscava resgatar as brincadeiras tradicionais. A escolha do
projeto se deu a partir de reuniões com os professores da instituição e por ir ao encontro do
projeto institucional da creche. No decorrer de dois anos, duas vezes por semana,
frequentávamos a creche, tendo como objetivo observar e resgatar as brincadeiras
tradicionais.
As brincadeiras desenvolvidas pela professora da creche A, na turma de 4 anos, a
qual acompanhávamos, ocorriam de forma livre, a docente sempre propunha brincadeiras
sem intervenção alguma. Durante o tempo em que estivemos na creche, não observamos a
professora da sala realizar brincadeiras dirigidas. As únicas brincadeiras dirigidas que
presenciamos foram as realizadas por nós e por uma professora de outra sala. Essa
professora sempre levava brincadeiras diferentes, como corrida de saco, jogo da memória,
corrida da colher, bambolês, entre outras. De outra forma,a professora que
acompanhávamos optava sempre por brincadeiras livres, que ocorriam nos espaços da
instituição.
Essas observações nos levaram a refletir o quanto o educador pode e deve propor
situações significativas no cotidiano das crianças, que podem transformar a rotina dessas
crianças, além de contribuir para o desenvolvimento desses. A seguir, apresentamos um
relato do diário de campo realizado na creche A, demonstrando o lugar que a brincadeira
ocupava naquele contexto.

A educadora levou as crianças para o pátio e pegou uma mala grande,lotada de


brinquedos quebrados, faltando peças, para idades diferentes e deixou disponível
para eles brincarem. Naquele momento, uma das crianças pegou uma caixinha com
várias peças de quebra-cabeça misturado e começou a tentar encaixá-las. Vimos
que, apesar da situação deplorável em que se encontravam o quebra- cabeça e os
brinquedos, a brincadeira ocorria do mesmo jeito, pois percebemos que as crianças
começaram a montar e a brincar do seu modo, uma vez que o prazer da brincadeira
acontecia no ato de encaixar as peças, mesmo não o fazendo conforme a regra do
jogo. E a educadora, por sua vez, ficava só olhando, sem mediar a brincadeira, em

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quaisquer situações, nem se preocupando com quais brinquedos as crianças de 4
anos estavam brincando. (DIÁRIO DE CAMPO, 24/06/2014).

Por diversas vezes, observamos a falta de planejamento da professora,enquanto


mediadora das brincadeiras, uma vez que as situações de brincadeira transcorriam sempre
de forma improvisada e livre. Em outra situação, a professora fez a opção de atividades na
sala de vídeo, em detrimento da brincadeira livre ou dirigida no pátio. O trecho abaixo
realça ainda mais a falta de brincadeiras dirigidas no cotidiano daquela turma da creche A,
a saber:

Nas brincadeiras dirigidas no pátio, a professora, a qual nós acompanhávamos na


sala, disse-nos que, ao invés de dar a brincadeira dirigida, levaria as crianças à sala
de vídeo, onde elas veriam o filme Cinderela, o qual já havia sido passado várias
vezes para aquela turma. Isso nos chamou muita a atenção, pois, nesta sala, em que
desenvolvíamos as atividade do PIBID, havia um cronograma com o dia estipulado
para as brincadeiras dirigidas no pátio, mas, mesmo assim, a professora não
contemplava essa situação, optando por uma outra atividade. (DIÁRIO DE
CAMPO,06/05/2015).

O brincar deve acontecer na creche, por meio de um planejamento feito pelo


professor, considerando a idade da criança, os espaços físicos disponíveis na instituição, o
currículo e as necessidades de quem brinca. A esse respeito, Kishimoto (2013) comenta
que:
Na creche, o currículo deve ser composto por um conjunto de práticas que
articulada o que a criança já sabe - o que traz de sua casa - com o que ela vai
aprender na creche. A criança aprende quando entra em contato com os objetos e
com as pessoas por meio das brincadeiras, tanto em sua casa como na creche. A
criança já conhece muitas brincadeiras e brinca com seus brinquedos em casa.
(KISHIMOTO, 2013, p.10).

Já, na escola de Educação Infantil B, na turma de 4 anos, as situações de brincadeira


aconteciam de forma organizada e planejada. Como estagiárias do curso de Pedagogia,
estivemos presentes nessa creche por um período de 4 meses, durante 5 horas por dia, onde
observávamos as práticas e desenvolvíamos projetos. Nessa experiência, tivemos outra
percepção sobre o desenvolvimento das brincadeiras realizadas pelos professores dessa
instituição. Vimos que as professoras planejavam, organizavam tempo e espaço, além de
propiciarem um brincar que fosse dividido entre momentos livres e dirigidos. Um dos
exemplos é que, quase todos os dias,os professores colocavam as crianças para se
movimentarem em dois períodos da tarde. Essas movimentações foram diversificadas e

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propunham sempre brincadeiras como pular corda, bambolês, jogar bola, obstáculos, dentre
outros. O trecho de nosso diário de campo de estágio ilustra e confirma a descrição
apresentada:
A professora desceu com as crianças para a quadra, e organizou uma
movimentação com diversos obstáculos, sendo eles bambolês, jump, bancos e
cones, ocorrendo, naquele momento, um circuito. Percebemos o quanto a
professora desempenhava seu papel de mediadora e o quanto era importante para as
crianças realizarem as atividades dirigidas. Ela intervinha quando os alunos
realizavam a atividade de forma diferente do que ela propunha. (DIÁRIO DE
CAMPO 06-11-14).

Os episódios narrados acima nos mostram duas posturas distintas sobre o lugar da
brincadeira na creche. Uma que a privilegia como um momento importante e, portanto,
organizado pelo professor e a outra que a desconsidera como elemento potencializador do
desenvolvimento, deixando que as brincadeiras aconteçam, na maioria das vezes, de forma
livre, sem o olhar atento e a intencionalidade do professor. Essa última traz prejuízos à
criança, uma vez que essa fica privada de um momento que poderia ser mais enriquecedor e
significativo, se contasse com a participação ativa do professor e com uma intencionalidade
educativa.
A criança tem o direito de brincar. Entendê-la como sujeito de direitos é
proporcionar um brincar de qualidade, o que inclui pensar o tempo, o espaço, os materiais,
a formação continuada de professores, ou seja, um contexto bem organizado que possa
estimular a criança. Não basta apenas oportunizar momentos livres para brincar. Ao
professor cabe também fazer parte da brincadeira, inserindo-se no contexto lúdico, olhando
as crianças de forma atenta, percebendo suas necessidades, seus discursos, enquanto
brincam. Sendo assim, Santos (1999) apud Dallabona (2008) esclarece que a brincadeira é
uma necessidade para a criança.
Para a criança brincar é viver. Esta é uma afirmativa bastante usada e aceita, pois a
própria história da humanidade nos mostra que as crianças sempre brincam.
Brincam hoje e certamente, continuarão brincando. Sabemos que ela brinca porque
gosta de brincar e que, quando isso não acontece, alguma coisa pode não estar bem.
Enquanto algumas crianças brincam por prazer, outras brincam para dominar
angústias, dar vazão a agressividade. (SANTOS 1999, apud DALLABONA,
2008p.04).

Os episódios narrados não podem ser generalizados, pois existem professores da


Educação Infantil que realizam atividades com qualidade, fundamentação, observando os

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princípios previstos nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil.
Segundo Navarro (2009):
As formas de mediação da professora são decisivas para garantir que as crianças
realmente brinquem na escola, interajam com seus colegas, imaginem, criem
regras, utilizem brinquedos diferentes, de formas diferentes, em ambientes que
estimulem a imaginação. A aprendizagem decorrente da brincadeira vem da
experimentação que a atividade propicia. As maneiras de mediação que o
professor pode utilizar no ambiente da educação infantil são muitas, basta que ele
reconheça o valor dos objetos, do ambiente, da sua ajuda e orientação, e
principalmente da sua organização, para assim possibilitar uma qualidade no
brincar de seus alunos. (NAVARRO 2009, p. 2129).

Em relação ao fato de designar no planejamento um dia específico para o brincar,


entendemos que não existe um dia próprio para brincar dentro da creche, pois a brincadeira
ocorre naturalmente. Todo dia é dia de brincar. Já em relação aos espaços, concluímos que,
apesar de não ser este um determinante para as situações de brincadeira, é bom que eles
estejam organizados. A brincadeira ocorre nas coisas simples até mesmo quando uma
criança manuseia uma tampinha de garrafa, fazendo de conta que essa é um carro, ou seja,
ela ocorre a todo momento, sem autorização prévia do professor. Por isso, o brincar é tão
importante para o desenvolvimento da criança, pois evoca sentimentos e atitudes positivas
sobre si mesma e os outros e faz com que vivam intensamente as emoções, sentimentos,
frustrações, imaginações e fantasias, resolvendo problemas, desenvolvendo
relacionamentos e comportamentos sociais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No transcorrer deste artigo, refletimos, através de teóricos e da observação,a


respeito do lugar da brincadeira no cotidiano das crianças da Educação Infantil, mostrando
que a ludicidade é de extrema relevância para o desenvolvimento completo da criança, pois
para ela, brincar é viver.
Concluímos que a brincadeira é importante para o desenvolvimento da criança, pois
é uma forma de interação, participação e convivência, de aprendizado alegre e espontâneo,
levando-a a enfrentar desafios e a fazer descobertas. As crianças aprendem brincando umas
com as outras, observando-se mutuamente, movimentando-se, imitando e participando de
jogos.
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Pedagogicamente, o brincar representa uma função importante no desenvolvimento
da criança, favorecendo a socialização e a integração dessa. É por meio do brincar, que a
criança tem a possibilidade de experimentar novas formas de ação, exercitá-las, ser criativa,
imaginar situações e reproduzir momentos e interações importantes de sua vida. É através
da ludicidade que elas podem vivenciar situações de prazer, frustrações, desejos. Dessa
forma, podemos afirmar que a brincadeira precisa ter um lugar de destaque no cotidiano da
creche, considerando que todos os dias é dia de brincar, porém é preciso organizar espaço,
tempo, e alternar o brincar livre e o brincar dirigido.
Caberá ao educador um olhar mais atento sobre o brincar, visto que a brincadeira
ocorre em qualquer lugar e com quaisquer objetos, sejam eles mais simples ou
industrializados, o que torna imprescindível o papel do professor como organizador e
mediador desse momento lúdico.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Maria Carmen Silveira; HORN, Maria da Graça Souza. Organização do


espaço e do tempo na escola infantil. In: CRAIDY, C.; KAERCHER, G. E. Educação
Infantil. Pra que te quero? Porto Alegre: Artmed, 2001, p. 67-79.

BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental.


Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil / Ministério da Educação e
do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. Volume 3. Conhecimento de mundo —
Brasília: MEC/SEF, 1998.

BRASIL MEC/SEF. Ministério da Educação e do Desporto. 1998. Parecer CEB/CNE


022/98 Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. 1998.

BROUGÈRE, Gilles. Jogo e educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

13
FARIA, Ana Lucia Goulart. de. Educação pré-escolar e cultura: para uma pedagogia
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