Você está na página 1de 4

INSTITUTO TEOLÓGICO SÃO PAULO- ITESP

INSTITUTO SÃO PAULO DE ESTUDO SUPERIOR- ISPES

Aluno: José Rafael Rodríguez Franco Turma: 2 de Teologia

Disciplina: Antropologia Teológica I

Professor: Edvaldo Araújo Data: 15 de março de 2021

1. A criação na perspectiva do Antigo Testamento


O homem, desde a sua liberdade, optou por dar sentido e resposta a tudo o que o rodeia.
Esse questionamento sobre as coisas o levou a passar décadas se conhecendo e,
principalmente, investigando o que aparentemente não tem explicação científica. Nesse
sentido, as questões relativas ao plano espiritual, ou melhor, teológico, têm sido altamente
controversas. Uma das maiores questões do homem é quem nos criou? De onde viemos?
Somos um acidente? Diante dessas questões, a teologia dá uma resposta a partir da Sagrada
Escritura e do conhecimento dos homens que, durante a sua vida terrena, se dedicaram com
paixão ao estudo, para dar uma resposta desde o plano da fé, à origem da à existência do ser
humano.
O ser humano deu tanta importância ao tema da criação que esse conceito expressa um ato
que inaugura uma história. A Sagrada Escritura ensina-nos que é o ato pelo qual Deus
coloca à disposição do homem um universo bom e harmonioso e apresenta ao homem um
universo novo e mais profundo: a relação do homem com Deus. Agora, para avaliar a
opressão que o povo de Israel sofreu como resultado do exílio na Babilônia surgiu à
explicação da origem do mundo e do homem na Bíblia. Daí as experiências de libertação e
a consequente conceituação de uma aliança que foi estabelecida coletivamente em um Deus
Salvador, fundamentando a fé bíblica na criação. “Embora para alguns autores não se possa
admitir que o povo de Israel tenha formado sua concepção de criação, a partir da ideia de
uma aliança, a experiência da salvação é certamente uma prioridade fundamental para a fé
de Israel, desempenhando um papel fundamental1.”
Como discutimos em sala de aula, e como você não os explicou bem, o relato da criação em
Gênesis foi uma reflexão teológica que estabeleceu uma ponte entre “as experiências de
crenças passadas e a fé em Yahweh2”. Por isso, deve ser analisado em seu contexto bíblico,
1
Para alguns especialistas do Antigo Testamento a fé no Deus criador seria mais antigo do que a fé no Deus
salvador porque existem textos antigos onde provavelmente Israel atribuiu a Iahweh a criação do mundo. A
tese de G. Von Rad de que a fé na criação de Deus surgiu em função da fé no Deus salvador prevalece entra a
maioria dos autores. A explicitação e a elaboração da fé na criação se realizaram no contexto da experiência
israelita do encontro com o Deus salvador. Cf. RUBIO, A.G. Unidade na Pluralidade. São Paulo: Paulus,
2006. P.145.
2
A renovação da exegese bíblica e o emprego de novos métodos hermenêuticos forneceram recursos para
uma análise literária confiável dos textos bíblicos que os libertou de uma interpretação literalista. Com relação
desde um amplo contexto histórico e ideológico, desde os antecedentes da fé na criação e
desde suas primeiras formulações explícitas nos textos dos profetas exilados.
Certamente, os poderes cósmicos específicos não são aqueles que identificam Yahweh, mas
a história de um povo. Dt 26,5-10 mostra como foi capturada a existência de Deus protetor,
devido à série de acontecimentos que retratam as dificuldades vividas pelo povo de Israel.
Por outro lado, como discutimos em aula os textos de Is 10,5-13, Jz 4-5 e Ex 15,1-8, a
consolidação do poder e da fé em Yahweh. “No primeiro texto mencionado, Yahweh falou
sobre ajudar seu povo, provando ser poderoso o suficiente para intervir na natureza e salvá-
la. O segundo, conforme o primeiro destaca o poder de Javé sobre a natureza, utilizando-o
em seu serviço. Yahweh salva e nada pode resistir a ele. O terceiro celebra a saída do Egito,
fato definitivo para a persuasão de que o Deus de Israel era um Deus salvador3”.
O conceito de aliança seria o primeiro conceito teologicamente explícito cunhado pela fé de
Israel, e celebrado na Páscoa. Conforme nos explica Juan L. Ruiz de La Peña, o conceito de
aliança provocou a explicitação da ideia de criação. A partir dos profetas do exílio,
Jeremias e principalmente Isaías, respondiam à crise de fé que o exílio provocara entre os
israelitas. Portanto, “a fé na criação foi tardia, respondeu a um determinado contexto
histórico, a motivos exclusivamente religiosos, e se remetia a ideia fundamental de aliança.
A criação serviu de base para a recriação de Israel e para a revelação histórica de um Deus
salvador capaz de reerguer seu povo (Is 40ss.) 4”.
Em termos de sua própria origem, Israel interpretou a origem do mundo. Como povo de
Deus e por meio de histórias inicialmente orais, cresceu para formar a unidade narrativa, o
pano de fundo de sua história. “Tudo o que aconteceu desde a origem do mundo foi
concatenado pelas gerações que conduziram o fluxo dos acontecimentos até chegarem a
Abraão, estabelecendo suas raízes no umbral da história e do tempo 5”. Os estudos
exegéticos desenvolvidos sobre o texto do Gênesis apresentam indícios para sua
compreensão teológica: é a obra livre de um Deus na história com poder sobre a natureza
que assume um poder ilimitado a serviço de uma aliança de salvação com seu povo.

Tenho certeza de que o tema da criação na perspectiva do Antigo Testamento gira em torno
do que apresentei, baseando-me, da mesma forma, em fontes que sustentam o que foi
a Gênesis, a descoberta de que Gn1 1-2, 4a e Gn 2,4b-3 pertenciam a duas fontes literárias diversas, a
consideração da literatura extra bíblica paralela que também narra acontecimentos semelhantes bem como o
conhecimento das cosmogonias dos povos circunvizinhos ajudou a detectar a originalidade do texto e sua
ótica estritamente teológica. Cf. DE LA PEÑA, J.L. Teologia da Criação. São Paulo: Edições Loyola, 1989.
p.14. 4
3
Cf. DE LA PEÑA, J.L. Teologia da Criação. São Paulo: Edições Loyola, 1989, pp.15-16.
4
Cf. DE LA PEÑA, J.L. Teologia da Criação, pp.18-19.
5
Segundo Jean Louis Ska a grande maioria dos exegetas identifica as fórmulas ‘tôledôt’(gerações) como um
elemento que estrutura o livro do Gênesis. Assim se introduz a história de Noé, a história de Jacó e Esaú e
especialmente a de Abraão entre outros. Às vezes introduz uma genealogia, outras, uma história. O
significado é sempre o mesmo, isto é ‘gerações de... ’, sempre seguido pelo nome de quem gerou. A história
patriarcal une a preocupação pela terra à preocupação pela descendência. Um dos objetivos de uma
genealogia é definir a pertença a uma família, a uma etnia,e a um povo. No Gênesis a intenção é delimitar o
povo de Israel e situá-lo na criação. As diversas fórmulas dos tôledôt (gerações) funcionavam no mundo
antigo como legitimação de indivíduos, grupos ou povos. Cf. SKA, J. L. Introdução à leitura do Pentateuco.
São Paulo: Edições Loyola, 2003. pp.35-39.
discutido acima e expresso nas salas de aula. Sem dúvida, para o homem crente a origem de
sua criação está baseada em Deus, é por Ele que o homem existe e subsiste. Não foi assim
que o povo de Israel os transmitiu por meio de suas experiências concretas, que quisemos
adotar livremente.

2. Quais as conclusões antropológicas y teológico-pastorais nós apresenta a


teológica bíblica da criação?
Em espanhol temos uma frase muito comum: “Desde que el mundo es mundo, siempre ha
habido problemas”. Isso se traduz: "Como o mundo é mundo, sempre houve problemas". O
mesmo acontece com o Cristianismo, ou melhor, com tudo o que tem a ver com fé. O
Cristianismo sempre defendeu o que acredita e proclama ser verdade. Ao longo dos
séculos, houve inúmeras heresias ou falsas doutrinas que ele teve que enfrentar, em muitos
casos não da maneira mais adequada. No entanto, essa luta constante para defender seus
critérios é o que lhe permite sobreviver até agora, por mais difícil que pareça.
Após longos debates, estudos e confrontos ao longo dos séculos, hoje algumas conclusões
antropológicas e teológicas podem ser tiradas em relação à teologia bíblica da criação.
Essas respostas serão baseadas no que vimos durante as aulas e também argumentadas por
alguns autores, para que fique o mais claro possível.
Agora, em aula, vimos que para os Padres da Igreja era necessário buscar um acordo entre o
pensamento filosófico e a revelação cristã, ou buscar uma verdadeira crítica denunciando a
oposição entre o cuidado cristão e o pagão. Essa forma de enfrentar a dificuldade permitirá
que eles tenham uma maior clareza de sua fé.
Do que discutimos em aula, pode-se concluir que a antropologia Irreniana-Tertuliana
enfatiza que o ser humano é a imagem de Deus, principalmente por causa de sua condição
corporal e não apenas de sua alma. Num contexto, influenciado pelo gnosticismo e pelo
platonismo, hostil à matéria, à carne e ao corpo, Irineu e Tertuliano enfatizam que o ser
humano é a imagem de Deus, sobretudo, por meio de seu corpo e, consequentemente,
dedicam cuidados ao Verbo Encarnado.
Da mesma forma, a visão antropológica de Clemente é decisiva para a concepção da
imagem de Deus no ser humano. Clemente nos diz que a imagem se encontra na alma
racional, a parte suprema do homem. O corpo é excluído da condição de imagem de Deus.
Não é possível que uma realidade mortal (corpo) seja semelhante a algo imortal (alma). Só
a alma, dimensão imortal do ser humano, pode ser imagem de Deus, que é imortal. A alma
imortal é a imagem do Deus imortal. O ser humano é imagem de Deus, não por meio do
Verbo encarnado, mas por meio do Logos eterno. Esta é a verdadeira imagem de Deus, de
quem o ser humano é imagem. “O homem não é, a rigor, a ‘imagem’, mas foi criado
‘segundo a imagem’, que é o Logos eterno de Deus” (Ladaria, 1998, p. 53). Ou seja, o ser
humano é imagem porque foi criado por meio do Logos, imagem de Deus por excelência.
É interessante que para Origen, a rigor, somente o Verbo é a imagem verdadeira de Deus. O
Verbo é consubstancial e possuidor dos mesmos atributos divinos que o Pai. Cristo é a
imagem e a semelhança daquilo que constitui a essência de Deus. O ser humano é imagem
de Deus por participação na imagem do Logos eterno. Criado à imagem do Verbo eterno, o
ser humano participa da vida de Deus pela mediação da filiação de Jesus Cristo. O ser
humano foi criado semelhante à imagem do Logos, e não segundo a semelhança de Deus. O
ser humano é a imagem, e não a semelhança de Deus. A semelhança se adquire pela
imitação do Verbo encarnado, o rosto visível de Deus, ou seja, é “imitando a imagem se
adquire sua semelhança” (Hamman, 1983, p. 145).
Por fim, o Vaticano II (GS 12) reafirma a centralidade antropológica da criação. Como
imagem de Deus, o ser humano constitui o “senhor” das realidades terrestres, que deve ser
“dominado e usado” como forma de glorificar a Deus. Como imagem de Deus, o homem
pode amá-lo e conhecê-lo (GS 12.3). O concílio recupera o seu caráter dinâmico,
representativo e dialógico, típico do ponto de vista bíblico, a imagem de Deus. O centro da
concepção cristã do ser humano é sua condição de imagem de Deus.
Todavia, apesar dos diferentes matizes históricos sobre a imagem, permanece a visão de
que o ser humano deve ser visto sob o desígnio criador e salvador de Deus. O ser humano,
do ponto de vista cristão, não pode ser visto como uma realidade hermética, isolada e alheia
ao criador. Criado à imagem de Deus, o ser humano está, naturalmente, ordenado para ele,
ainda que não tenha consciência disso. “O ser humano tem uma vocação escatológica:
participar da vida divina. É aqui que a imagem-cópia se encontrará com a imagem-modelo.
Isto é possível pela mediação da “imagem da Imagem”, o Filho. Através da cristologia, a
antropologia pode chegar à sua imagem-arquetípica, a teologia6”.

6
LADARIA, Luis. Antropología Teológica. Roma: Università Gregoriana Editrice, 1987.

Você também pode gostar