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“Eu sou o Bom Pastor. O Bom Pastor dá a vida por suas ovelhas1”.
Essas sãos as palavras de Jesus, palavras que nos revelam o ofício do Salvador:
pastorear.
Um pastor não é para si mesmo; não pode apascentar-se a si próprio, e se o
fizesse, estaria faltando com negligência ao seu dever, movido por uma
grande desordem. Não podendo ser um pastor alguém “para si”, deve ser
“para alguém”.
Assim também Jesus, o Bom e Supremo Pastor, não veio para Si. Ele próprio o
afirma: o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir, e para dar
a sua vida para redenção de muitos2. Toda a vida de Jesus cá na terra foi
voltada para a glória do Pai Celeste e para Salvação das almas.
Conforme narra o Apóstolo, Jesus: existindo na forma de Deus, não julgou que
fosse uma rapina o seu ser igual a Deus; mas aniquilou-se a si mesmo, tomando
1 Jo 10, 14
2 Mc 10, 45
a forma de servo, tornando-se semelhante aos homens, e sendo reconhecido por
condição como homem. Humilhou-se a si mesmo, feito obediente até à morte, e
morte de cruz3. Assim, pela via do aniquilamento de Si próprio, o Salvador veio
ao mundo: veio exercer Seu ofício de Pastor para conosco, as ovelhas
transviadas da casa de Israel4, a fim de restabelecer a vida da graça, perdida
pelos nossos primeiros pais, e reconduzir-nos a Deus. Assim, Jesus Cristo foi
para nós, e não para Si. Consideremos, pois, aquilo que fez o Senhor:
Por nós, homens, e para a nossa salvação desceu do Céu e Se fez Homem,
assumindo a nossa natureza enfraquecida;
Por nós, anunciou o Santo Evangelho, a fim de retirar-nos do abismo da
ignorância na qual nos encontrávamos;
Por nós, submeteu-Se aos flagelos de Sua Paixão, assumindo em Seu próprio
Corpo – pelo sofrimento externo - e Alma – pelo sofrimento interno - o preço
das nossas culpas;
Por nós, deixou ser açoitado, coroado de espinhos e esmagado pela pesada
Cruz – cujo pesadíssimo fardo era a nossa infidelidade – e a carregou até o
Gólgota;
Por foi crucificado, morto e sepultado;
Por nós, aos pés da Cruz, nos entregou Sua própria Mãe, a fim de que
tivéssemos uma via segura, eficaz, curta e infalível até Ele;
Por nós, ressuscitou dentre os mortos ao terceiro dia, deixando o Sepulcro
vazio, e tonou a aparecer aos Doze a fim de manifestar-lhes a Sua vitória e Sua
paz;
Por nós, ascendeu aos Céus, a fim de enviar o Espírito Paráclito em auxílio de
nós, pobres; Por nós, há de vir em Sua glória para julgar os vivos e os mortos,
e dar a cada um segundo suas obras5.
Contemplemos ainda que o Salvador:
Para nós, instituiu a Santa Igreja Católica, a fim de congregar numa só família
os seus filhos dispersos – as ovelhas transviadas;
Para nós, instituiu o Sacerdócio, a fim de deixar-nos aquele sublime ministério
iniciado por Ele próprio, e transmitido aos Doze, a fim de que nossos pastores
– os sacerdotes – fizessem a Suas vezes no pastoreio de Suas ovelhas – nós;
Para nós, instituiu a Santíssima Eucaristia, deixando-nos nela a Sua presença
real e substancial: o remédio para nossas enfermidades, o alimento que nos
sacia, a fortaleza de nossa fraqueza, a salutar garantia de perdão, a proteção
3 Fp 2, 6-9
4 Mt 10, 6
5 Rm 2, 6
contra todo o mal, a libertação dos vícios, a correção das desordens, o
refrigério nas aflições, o compêndio de todas as virtudes de Seu Divino
Coração, a fonte de todas as graças, o penhor da Vida Eterna;
Para nós, instituiu os demais Sacramentos, como meio de nos transmitir a
graça ou de aumentá-la;
Para nós, realizou tantos prodígios na História da Salvação, na vida dos
Santos, na peregrinação da Santa Igreja pela terra e em nossas próprias vidas;
Mas a grande lástima é que, por vezes, o homem não caminha ao Fim para o
qual foi criado. As mais irracionais criaturas, respeitando sua natureza,
realizam aquilo para o que foram criadas: os peixes nadam, os pássaros voam,
e o homem... não ama! Sim, Senhor, vergonhosamente devemos confessar, que
enquanto as Vossas criaturas irracionais cumprem todas as Vossas ordens, já
inscrita em sua natureza, nós, apesar de dotados de inteligência e vontade,
não cumprimos como deveríamos as Vossas ordens, e por vezes fugimos de
Vós...
Lembremo-nos que, assim como o Bom Pastor foi, não para Si, mas para Suas
ovelhas, também nós, Suas ovelhas, devemos Ser todos de nosso Bom Pastor:
assim como para Deus, existir, amar e nós amar é uma só e a mesma coisa,
assim também nós devemos tomar a firme resolução de unir nossa vida e todo
o nosso “ser” – que não possuiríamos se Deus não nos tivesse criado –, isto é,
o nosso existir, num ato de amor a Deus, a fim de que para nós, viver e amar a
Deus de todo o coração e sobre todas as coisas seja uma só e a mesma coisa!
Pois então, deixemos que o Rei reine em nós, e nós, à imitação da Santíssima
Rainha, despojemo-nos de nós: ecce ancilla Domini, fiat mihi secundum
verbum tuum (Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a vossa palavra),
a fim de que repitamos com o Apóstolo: vivo, já não eu, mas é Cristo que vive
em mim. E a vida com que eu vivo agora na carne, vivo-a da fé do Filho de Deus,
que me armou e se entregou a si mesmo por mim.
6 Jo 15, 19
7
Cl 3, 1-4