ARTIGO

A AGRICULTURA NA ERA DA INFORMAÇÃO:

DESAFIOS E PROPOSTAS PARA AUTOMAÇÃO
EM ANÁLISES DE SOLOS
Resumo Sherlan Guimarães Lemos1,2
Ana Rita de Araujo Nogueria1*
André Torre-Neto3
No presente trabalho é apresentada uma discussão a respeito do emprego de meto-
dologias analíticas automatizadas em análise de solos e sua contribuição à inserção 1
Embrapa Pecuária Sudeste
da agricultura na Era da Informação. São descritas as características da agricultura - Grupo de Análise Instrumental
atual no que tange a análise de solos para fins de acompanhamento dos cultivos e as Aplicada (GAIA)
particularidades envolvidas nesse procedimento analítico, desde sua concepção até o
2
Universidade Federal de São
resultado final. Também são apresentados um pequeno histórico do desenvolvimento Carlos, Departamento de Química
3
Embrapa Instrumentação
das metodologias analíticas visando a automação desse processo de análise, e a influ-
Agropecuária
ência desse novo modus operandi analítico em uma prática que vem tomando força
na agricultura brasileira: a Agricultura de Precisão. Autor para correspondência:
1*

Por fim, é apresentada uma aplicação envolvendo o uso de sensores químicos, com a Rodovia Washington Luiz, km 234,
proposta de um sistema autônomo de análise in-situ de parâmetros físico-químicos de Fazenda Canchim.
solos e sua instrumentação associada. O sistema foi desenvolvido para a determinação Caixa Postal 339
13560-970. São Carlos. SP
de nitrato e da temperatura em solo, com transmissão dos dados via rádio e aquisição
Fone: (16) 261-5611
em planilha eletrônica, e se apresentou viável como nova ferramenta analítica para o Fax: (16) 261 5754
acompanhamento dos processos do nitrato no solo. E-mail: anarita@cppse.embrapa.br

Palavras-chave: Instrumentação agropecuária, sensor potenciométrico, agricultura

de precisão, análise de solos in-situ, nitrato.

Summary

This paper presents a discussion about the use of automated soil analysis methodo-
logies and its contribution to insertion of agriculture in the Information Era. It is pre-
sented the characteristics of the current agriculture concerned to soil analysis for crop
monitoring and the particularities of the soil analysis process, since its conception until
the result. A brief historic concerning to the development of analytical methodologies
looking at automation of this process, and the influence of this new analytical modus
operandi on an activity that has been growing up in the Brazilian agriculture, the Pre-
cision Agriculture, are also presented.
Finally, an application using chemical sensors, with the purpose of autonomous
in-situ soil physical-chemical parameters analysis system and its associated ins-
trumentation are demonstrated. The system was developed for nitrate and soil
temperature determinations, via radio data transmission and data acquisition in an
electronic worksheet mode, showing viability as a new analytical tool for monito-
ring of nitrate soil processes.

Keywords: Agricultural instrumentation, potentiometric sensor, precision agricultu-

re, in-situ soil analysis, nitrate.

Revista Analytica • Dezembro/Janeiro 2004 • Nº 08

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 Análise de Solos
Dos três meios que contribuem com elementos para
o desenvolvimento de uma planta (ar, água e solo), o solo
contribui com os chamados elementos minerais essenciais,
sem os quais a planta não poderia viver (1). Esses elementos
se classificam de acordo com a proporção em que aparecem
na matéria seca, em dois grandes grupos:
• Os macronutrientes: nitrogênio (N), fósforo (P), po-
tássio (K), enxofre (S), cálcio (Ca) e magnésio (Mg), e
representam praticamente o total de porcentagem em
peso do conjunto dos nutrientes.
• Os micronutrientes: ferro (Fe), manganês (Mn), cobre
(Cu), zinco (Zn), molibdênio (Mo), boro (B) e cloro
(Cl). Também são essenciais para as plantas, mas em
quantidades muito menores.
Com o decorrer dos tempos, o homem vem modificando
suas técnicas de cultivo para obter um maior rendimento da
produção na agricultura. Esse fato provocou uma alteração
na concentração natural dos elementos essenciais disponí-
veis. Com os elementos essenciais exauridos devido ao cul-
tivo intenso, recorreu-se então à introdução de técnicas de
fertilização artificiais para garantir a manutenção dos níveis
de produção adequados.
A quantidade e o tipo de fertilizante necessário variam
segundo o cultivo, a época e a evolução deste. A escolha, a
quantidade e a freqüência de aplicação do fertilizante depen-
dem principalmente de parâmetros decorrentes da observação
direta do cultivo, da análise do solo e da análise foliar. A determi-
nação dos elementos essenciais, do pH e da condutividade, por
exemplo, fornecem informações sobre as carências inerentes ao
cultivo e ajudam a decidir, sobretudo, o tipo e a composição dos
corretivos que necessitariam ser aplicados (2).
A fertilização inadequada provoca um desequilíbrio dos
nutrientes essenciais através da falta ou excesso destes (prin-
cipalmente nitrogênio, fósforo, potássio e cálcio), e tem por
conseqüência um aumento no custo de produção do cultivo,
acarretando também no aparecimento de doenças nas plantas
e efeitos ecológicos indesejáveis. Dentre os malefícios causados
ao cultivo estão os processos de desidratação por falta de oxi-
gênio, limitações no crescimento da planta, asfixia das raízes
etc. Contaminação das águas subterrâneas e superficiais, alte-
ração do pH e salinização do solo são alguns dos efeitos ecoló-
gicos negativos causados pela má fertilização do solo (3).
Na agricultura convencional a fertilização é definida em
valores médios (kg/ha) para grandes áreas. Para a obtenção
desse tipo de informação, são executadas numerosas etapas
(tomada da amostra, extração, separação de interferentes
etc.). Esse processo implica na sua realização em pessoal qua-
lificado em laboratórios centrais de análise. Sua complexida-
de limita o número de amostras a analisar, proporciona um
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custo muito maior por análise e impede um monitoramento
em tempo real do processo de fertilização / assimilação /
empobrecimento que se verifica nas terras de cultivo, tanto
intensivo quanto extensivo.
O processo de uma análise química possui uma série de
etapas a serem cumpridas para a produção de resultados con-
fiáveis. Inevitavelmente, na maioria das determinações físico-
químicas para este tipo de matriz realizam-se a amostragem e o
pré-tratamento das amostras, etapas extremamente laboriosas,
onde se cometem mais erros e mais tempo é gasto (4). Particu-
larmente, o processo de análise de solos para fins de fertilidade
é ainda mais crítico, pois os resultados devem refletir os teores
de minerais que estariam disponíveis para o cultivo. Por isso, os
passos de um procedimento de pré-tratamento e amostragem
deverão ser sempre considerados cuidadosamente.
Procedimentos envolvendo o emprego de métodos
automatizados inicialmente foram desenvolvidos visando
principalmente a etapa da quantificação, como foi o caso
dos sistemas de análise por injeção em fluxo. Desenvolvidos
a partir do final da década de 70, diversos métodos para a
determinação da fertilidade de solos foram propostos (5).
Esses métodos permitem um aumento na confiabilidade dos
resultados, além de diminuírem os gastos com reagentes,
com a geração de resíduos e com o tempo para a emissão
de resultados. Entretanto, ainda não se ocupavam em auto-
matizar o processo de pré-tratamento ou de amostragem,
mantendo-os ainda como o gargalo do processo analítico.
Essa tendência se manteve ainda nas décadas de 80 e 90,
sendo que grande parte dos procedimentos desenvolvidos
era adaptação de métodos já estabelecidos.
Como exemplo, existem na literatura vários artigos que
descrevem métodos para a determinação de parâmetros ine-
rentes à análise de extratos de solos. Uma vez obtidos esses
extratos, determina-se o pH com o emprego de eletrodos de
vidro integrados em sistemas de fluxo (6), ou empregando
estações robotizadas (7-9). Também é possível se encontrar
na literatura sistemas similares para a determinação de nitra-
to (10-12). Esses procedimentos não eliminam as etapas de
tratamento prévio da amostra, permitindo apenas automati-
zar o processo final de medida.
Atualmente, o objetivo das pesquisas neste campo estão
voltadas à obtenção de informações sobre as propriedades
do solo ou da planta sem a necessidade de métodos de extra-
ção e análises caros e demorados. Tentativas de inclusão da
etapa de preparo aos procedimentos de determinação em-
pregando sistemas em fluxo foram realizadas (13-14). Nesses
casos, ainda persistem os problemas relacionados à coleta no
campo, transferência ao laboratório e as dificuldades relativas
à substituição das amostras durante as determinações.
Dentre as tecnologias desenvolvidas, as de pesquisa mais
promissora estão na área de sensoriamento, tanto que nos úl-
43
 ARTIGO
timos anos, instrumentos baseados no contato direto ou sen-
soriamento remoto próximo do solo ou da planta têm sido
introduzidos. A grande vantagem dos sensores está na sua
robustez, seu tamanho reduzido, versatilidade e baixo custo
de produção. São dispositivos de funcionamento simples se
comparados a outras técnicas analíticas como a cromatogra-
fia ou a espectroscopia, dando possibilidade de criação de
sistemas de análise “in situ” (15).
Nesse enfoque, estudos iniciais empregando ISFETs (ion
selective field effect transistors - transistores de efeito de campo
seletivos a íons) como sensores alternativos para determina-
ções diretas no solo foram propostos (16,17). Porém, apesar
de ser uma forma rápida de medida em campo, não elimina
a necessidade de um operador capacitado para a realização
das medidas, não sendo também definida uma forma de
padronização da leitura dos sensores em solo. Além disso, os
ISFETs ainda representam uma tecnologia de alto custo.
Uma situação hipotética ideal em análise de solo para fins
de fertilidade e acompanhamento dos processos ocorrentes
nos cultivos é o que está mostrado na Figura 1. Com a utiliza-
ção de sensores diretamente no solo, coletam-se informações
tais como a concentração de nutrientes de interesse (nitrogê-
nio, potássio e outros), o pH do solo, a temperatura e o teor
de umidade, dentre outras, sendo todos esses dados trans-
mitidos via rádio e recebidos em uma estação de aquisição,
armazenamento e tratamento, onde o operador (agricultor
e/ou pesquisador) está apto a tomar as decisões quanto ao
desenvolvimento da produção.
O desenho destes processos permite a análise do solo
de maneira contínua e específica, obtendo-se informações
de diferentes pontos do campo, e promovendo o estabeleci-
mento de processos racionais e controlados que dependem,
a todo o momento, das condições e características do terre-
no, do cultivo e/ou das plantas envolvidas e do rendimento
da produção que se deseja, características de uma tendência
atual na agricultura e muito popular nos países desenvolvidos
que se denomina agricultura de precisão.
Agricultura de Precisão
No novo milênio, o homem está enfrentando o desafio
crucial de assegurar as provisões de alimentos e o desenvolvi-
mento sustentável da agricultura. Com uma população mun-
dial em torno de seis bilhões de habitantes, cujo suprimento
de alimentos provém de uma área cultivada de 1,5 bilhões
de hectares, a produção ainda é insuficiente para atender a
demanda, pois existe 30% da população passando fome ou
subnutrida. No ano 2025, estima-se que a população ultrapas-
se os oito bilhões, com a expansão da área cultivada não sendo
proporcional, devendo chegar em torno de 1,6 bilhões de hec-
tares. A satisfação da demanda crescente por alimentos depen-
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Figura 1. Sistema de monitoramento das variáveis físico-
químicas do solo. Análise direta in situ com o uso de sensores
químicos e físicos e transmissão digital
de do desenvolvimento da agricultura com base na geração de
tecnologia que proporcione aumentos da produtividade das
culturas em termos sociais, econômicos e ambientalmente
sustentáveis. Novos patamares de produtividade e o alcance
de padrões mundiais de qualidade são fatores decisivos para a
competitividade da produção agrícola no mercado internacio-
nal e mesmo para o abastecimento interno de um país.
Nos últimos 50 anos, a agricultura mundial tem expe-
rimentado enormes mudanças. Nos países desenvolvidos
foram criados modernos sistemas agrícolas com alta produti-
vidade e tecnologia avançada. Enquanto isso, nos países sub-
desenvolvidos ou em desenvolvimento, a população ainda
está arraigada na agricultura convencional, devido à defasa-
gem tecnológica em ciências agrárias e ao apoio limitado à
agricultura por parte dos governos (18).
A renovação da forma tradicional de cultivo através das
técnicas de agricultura de precisão é um objetivo estratégi-
co e está trazendo a agricultura à era digital. Baseado nas
práticas da agricultura de precisão, é possível integrar um
conjunto de tecnologias para melhorar a forma de cultivo
tradicional em acordo com as condições locais. Essa é a gran-
de proposta atual para resolver o equacionamento da máxi-
ma produtividade com mínimos danos ambientais, devido à
alocação adequada de insumos (19).
Visto como um sistema de gerenciamento, a agricultu-
ra de precisão é uma seqüência de atividades que, na sua
maioria, exige ferramentas sofisticadas e domínio de novos
conhecimentos. Como aplica a Tecnologia de Informação ao
agronegócio para possibilitar o gerenciamento de informa-
ções georeferenciadas, essa nova filosofia no campo pode ser
chamada também de Agricultura da Informação, visto que
faz uso das informações advindas de várias áreas do conheci-
mento (Ciências do Solo, Computação, Ciências Exatas etc.).
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Neste século, o homem está em plena era da informação e
do conhecimento e a escassez de informação tem-se torna-
do uma nova forma de restrição social e econômica para os
países em desenvolvimento. Entretanto, os desafios e a opor-
tunidades coexistem, devendo aos países o planejamento
de suas próprias estratégias de utilização das oportunidades
vislumbradas pela era da informação.
O primeiro uso do termo agricultura de precisão foi em
1929, nos Estados Unidos, quando pesquisadores tentaram
fazer uma aplicação localizada de calcário, como forma de
minimizar o uso deste insumo durante a aplicação (20).
No final do século XX, Strauch define a agricultura de pre-
cisão como um conjunto de tecnologia capaz de auxiliar o
produtor rural a identificar as estratégias a serem adotadas
para aumentar a eficiência no gerenciamento da agricultu-
ra, maximizando a rentabilidade das colheitas e tornando o
agronegócio mais competitivo (21). Isso possibilita otimizar
o uso dos recursos edafoclimáticos e minimizar os insumos
utilizados no sistema de produção de um local.
O efeito destas práticas é retornar ao estágio anterior ao
desenvolvimento da agricultura mecanizada, onde o cultivo
era realizado minuciosamente e o agricultor observava direta-
mente o progresso de cada parte do campo. Com o advento
da mecanização agrícola, houve a remoção do agricultor do
contato direto com o campo, resultando em consideráveis
economias de tempo e trabalho, com a aplicação de insumos
de forma uniforme (22). Porém, essa prática causou uma re-
dução da eficiência no uso dos mesmos, com a aplicação de
forma desapropriada em algumas partes do campo, gerando
desperdícios, com aumento nos custos da produção e desvan-
tagens ambientais (23). Aliás, a agricultura de precisão, como
é concebida hoje, tem suas raízes na pressão por uma agricul-
tura menos agressiva ao meio ambiente nos países europeus
e logo em seguida nos Estados Unidos. A necessidade da do-
sagem de corretivos e fertilizantes que permitam maximizar a
produção, sem que potenciais excedentes de fertilizantes e de-
fensivos comprometam a qualidade, especialmente da água,
foi o carro-chefe no desenvolvimento da tecnologia.
Toda a logística desse novo método de trabalho em
agricultura está num ciclo de atividades que vão da coleta
dos dados de interesse em campo, seguidos da construção
dos mapas de produtividade e outros indicadores, da análise
desses mapas, diagnóstico (identificação do(s) “culpado(s)”
pela baixa produtividade onde ela se manifestar) até a cor-
reção pontual das variáveis que apresentaram influência
sobre a produtividade do cultivo. É consenso que o mapa
de colheita é a informação mais completa para se visualizar
a variabilidade espacial das lavouras (Figura 2). Sem dúvida,
a melhor informação do resultado de uma lavoura é o total
colhido. Entretanto, sabe-se que é uma informação que
apresenta suas limitações e erros. Várias outras ferramentas
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Figura 2. Exemplo hipotético de um mapa de produtividade
mostrando a variabilidade dentro de uma propriedade
estão sendo propostas e testadas, visando sempre identifi-
car a variabilidade existente em uma área, como as fotogra-
fias aéreas, as imagens de satélite e a localização de focos
de infestação de doenças, pragas ou invasoras. Resumida-
mente, existem três modos de se conhecer tal variabilidade:
continuamente (monitoramento), discretamente (amostra-
gem pontual do solo ou do cultivo) e remotamente (através
de fotografias aéreas). Como a agricultura de precisão está
objetivada na influência da variabilidade espacial das pro-
priedades do cultivo sobre o rendimento da produção, o
monitoramento é o coração desta filosofia (22). Essa nova
filosofia tem levado ao uso tecnologias tais como o senso-
riamento remoto, os sistemas de informações geográficas
(GIS), o sistema de posicionamento global (GPS), sensores
em tempo real e/ou quase-real, entre outras.
A técnica que tem se tornado bastante popular e que se
soma às informações da cultura é a geração do mapa indivi-
dual para cada indicador da fertilidade do solo (parâmetros
físico-químicos e biológicos). Para isso é necessário um certo
investimento na coleta de amostras em um dado quadricu-
lado com a localização do amostrador via GPS. Esse é um
ponto de estrangulamento do processo, a caracterização da
fertilidade do solo. O sistema hoje adotado é fazer amostra-
gem em grande quantidade, tirando amostras de locais co-
nhecidos para então gerar os mapas de fertilidade. Esse pro-
cesso é trabalhoso e caro. Outro grande desafio que existe é
a automação dessa etapa de amostragem e a caracterização
da fertilidade do solo. Poder acompanhar o crescimento e o
desenvolvimento de uma cultura com o monitoramento di-
reto, em condições de campo, é o objetivo final, que irá per-
mitir a tomada de decisões e o estabelecimento de critérios,
visando o manejo racional, a sustentabilidade e a preservação
do meio ambiente. Alguns passos até já foram dados nesse
sentido, porém há muito ainda por ser feito.
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 ARTIGO
Sistema Autônomo de Análise de Nitrato
em Solo In situ
O controle em tempo real está se tornando uma parte
integrante dos modernos sistemas para uma produção agro-
pecuária de alta qualidade e uma alternativa aos métodos
clássicos de análise. Os sistemas de sensoriamento e controle
podem reduzir a necessidade do trabalho em laboratório e
permitir uma avaliação dos estados físico-químicos varian-
tes do solo. Em vista disso, foi desenvolvido um sistema de
análise de solos baseado na utilização de sensores químicos
(eletrodos íon-seletivos) e sensores de temperatura para a
determinação de parâmetros físico-químicos diretamente no
solo, transmissão digital dos sinais gerados via rádio e aquisi-
ção dos dados em forma de planilha eletrônica.
Um sensor químico é um dispositivo que transforma a
informação química, variação da concentração de um com-
ponente específico da amostra para análise, em um sinal ana-
liticamente útil. Os sensores químicos contêm geralmente dois
componentes básicos conectados em série: um sistema quími-
co de reconhecimento (receptor) e um transdutor físico-quími-
co. A reação química produz um sinal tal como uma mudança
de cor, emissão de luz fluorescente, mudança do potencial
elétrico da superfície, um fluxo de elétrons, produção de calor
ou a mudança da freqüência oscilatória de um cristal. O trans-
dutor responde a este sinal e o transforma em uma medida da
quantidade do composto analisado (Figura 3). Neste trabalho,
foram utilizados sensores que respondem a uma mudança do
potencial elétrico, ou seja, os sensores eletroquímicos.
Os sensores eletroquímicos são em sua essência células
eletroquímicas consistindo de dois ou mais eletrodos em
contato com um eletrólito líquido ou sólido e podem ser clas-
sificados de acordo com o modo de operação em sensores
de condutividade/capacitância, sensores potenciométricos e
sensores voltamétricos. O sensor potenciométrico, tipo utili-
zado no desenvolvimento do sistema de análise, usa o efeito
da concentração de equilíbrio das reações redox que aconte-
cem na interface eletrodo-eletrólito da célula.
O grupo mais representativo de sensores potenciométri-
cos é o dos eletrodos seletivos a íons (ISE – do inglês ion-se-
lective electrode). A superfície deste eletrodo freqüentemen-
te incorpora uma membrana funcional específica (elemento
de reconhecimento) com propriedades íon-seletivas, íon-per-
meáveis ou trocadoras iônicas. A utilização desta membrana
minimiza a interferência de outros íons e proporciona seleti-
vidade para o íon desejado. A aplicação de um eletrodo ativo
geralmente envolve uma reação da semicélula de interesse e
uma reação fornecendo um potencial de referência (eletrodo
de referência) para completar a medida potenciométrica.
As partículas do solo carregam consigo quantidades
variáveis de cargas em sua superfície, podendo reagir com
46
Figura 3. Funcionamento de um sensor químico: R: elemento
de reconhecimento; T: transdutor elétrico; A: aquisição e
amplificação do sinal; P: processamento do sinal
Figura 4. Desenho esquemático do
sensor “screen-printing” utilizado no
estudo. (A) placa suporte do sensor
– placa de circuito impresso (fibra
de vidro); (B) camada de transdutor
grafite-epóxi; (C) membrana íon-
seletiva de PVC; (D) eletrodo de
trabalho; (E) eletrodo de referência
(Cu ou Ag); (F) trilha metálica de Cu
e contato elétrico
cátions ou ânions. Sob condições naturais, alguns desses íons
podem se solubilizar na solução aquosa do solo. Esses íons,
juntamente com os íons advindos da dissolução da fase sólida
e da ação de fertilizantes, são as fontes de nutrientes para as
plantas. Assim, é importante a avaliação do comportamento
dos íons no solo com vistas a estudos envolvendo química
e fertilidade do solo. Os eletrodos seletivos a íons permitem
a obtenção dessas informações de maneira bastante eficaz.
Não é de se estranhar que em ciência do solo os métodos
potenciométricos têm sido extensivamente aplicados (24).
Uma sonda analítica para a determinação de nitrato
diretamente no solo foi desenvolvida a partir de sensores
potenciométricos. Esses sensores foram produzidos utilizando
a impressão de compósitos de grafite-epóxi (transdutor) e
membranas de PVC no corpo dos mesmos. A instrumentação
eletrônica também foi desenvolvida, permitindo a automação
das medidas e transmissão via rádio. A resposta dos sensores
foi avaliada em vários tipos de solo, com a calibração in situ.
A construção dos sensores e detalhes sobre a instrumen-
tação eletrônica desenvolvida para a aquisição dos sinais
estão descritos na literatura (25). Na Figura 4 temos o sensor
impresso produzido com o transdutor grafite-epóxi onde a
membrana de PVC está depositada. Uma parte da trilha de
cobre foi utilizada como eletrodo de referência. As conexões
elétricas do sensor estão localizadas na parte superior.
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 ARTIGO

Um tubo de PVC (1,2m de comprimento e diâmetro externo de

3/4’) foi utilizado para a construção da sonda analítica. Na parte supe-
rior do tubo foi utilizada uma conexão em T e na parte inferior o tubo
foi fechado com um plug em forma de cone. A sonda contém em sua
superfície os três sensores para a determinação de nitrato a 15, 30 e
60cm de profundidade. Ao lado de cada sensor químico foi instalado
um sensor físico (LM 35 DZ) para o monitoramento da temperatura.
Toda a instrumentação necessária para a obtenção dos resultados de
modo completamente automático foi desenvolvida pela Embrapa
Instrumentação Agropecuária, em São Carlos, SP. O sistema foi conce-
bido para a aquisição dos dados de vários sensores em rede através de
um único cabo. A transmissão dos dados é digital, usando o protocolo
de comunicação RS-485. O programa de aquisição foi desenvolvido
utilizando LabVIEW TM (National Instruments), uma linguagem gráfica
de programação. Active X foi utilizado para produzir e armazenar os
dados em forma de planilha eletrônica Excel (Microsoft®). Dois con- Figura 5. Esquema de montagem para a avaliação
juntos de dados foram gerados: um conjunto a cada cinco minutos e da sonda em laboratório. (A) Sonda de análise; (B)
o outro gerado pela média dos dados de cada hora. Sistema de aquisição e tratamento dos dados; (C)
Tubo de PVC com aberturas a 15, 30 e 60 cm de altura
A avaliação da sonda incluiu a observação do comportamento de
sua resposta no solo, da instrumentação eletrônica e do perfil do nitrato
após a adição de soluções contendo esse analito ao solo. O esquema
para a realização desta etapa é o demonstrado na Figura 5, onde se
pode observar a sonda instalada dentro de um tubo de PVC preenchido
com solo. O tubo possui três saídas laterais (conexões em T), situadas
nas mesmas alturas em que os sensores estão fixos na sonda, possibili-
tando a coleta de amostras de solo para a determinação de nitrato em
laboratório, para efeito de comparação. A sonda está interligada a um
sistema de conversão e transmissão dos dados, sendo ambos alimenta-
dos por uma bateria de 12 V.
Um pouco acima de cada sensor existe um orifício, o qual é a
saída de um tubo de polietileno projetado inicialmente para ser utili-
zado para calibrar o sensor após sua inserção no solo. Este tubo tem
sua entrada localizada na parte superior da sonda, abaixo da caixa
de controle da instrumentação, por onde são inseridas soluções de
concentração conhecida de nitrato. Durante a instalação da sonda,
após a fixação da mesma no solo, uma grande quantidade de água
era jogada ao redor da sonda para permitir uma melhor fixação e oti- Figura 6. Comportamento do sensor de 15cm
mizar o contato da interface membrana/solo. A avaliação dos senso- frente às variações da concentração de nitrato em
res foi feita da seguinte forma: após o restabelecimento do equilíbrio solo arenoso. 1: adição de solução 1 x 10 -3mol L-1 de
hidrodinâmico do solo (teor de água próximo da sonda igual ao do nitrato; 2: adição de solução 1 x 10 -2mol L-1 de nitrato;
3: adição de água; 4: adição de solução 1 x 10 -3mol
solo das vizinhanças), foram injetadas, com auxílio de uma seringa, L-1 de nitrato; 5: adição de solução 1 x 10 -2 mol L-1 de
alíquotas de 10 ml de água e de soluções com concentrações dife- nitrato; 6: adição de água (lavagem do solo)
rentes de NO3 - nos tubos de polietileno, sendo registradas as leituras
após a estabilização do sinal.
Além desse procedimento, também foi feita outra forma de
avaliação dos sensores e da sonda. Nesta etapa, foi feita adição
de soluções de nitrato ou de água diretamente no solo, por fora
da sonda, sem o auxílio dos tubos de polietileno, ou seja, ao solo
que continha a sonda era adicionada uma quantidade suficiente da
solução de nitrato (geralmente 50ml de uma solução 1 x 10 -1 ou 1
x 10 -3 mol L-1 de nitrato), sendo registrados as variações de poten-

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cial. Esse tipo de avaliação foi realizado por ser o que mais se
aproximaria da realidade no dia-a-dia do cultivo no campo,
onde os fertilizantes são aplicados sobre o solo.
Um exemplo da calibração obtida com o primeiro pro-
cedimento, referente à calibração do sensor a 15cm de profun-
didade em um solo arenoso é apresentado na Figura 6. Após
a colocação da sonda e a estabilização dos sinais, soluções de
nitrato nas concentrações 1 x 10 -2 e 1 x 10 -3 mol L-1 foram adi-
cionadas, com um ciclo de lavagem com água entre as adições.
A solução da solução 1 x 10 -3 mol L-1 causou uma grande va-
riação do potencial. Como pode ser visto na figura, a adição
das soluções provocaram um decréscimo de potencial de
60mV, confirmando um comportamento “quase nernstiano”
do sensor inserido no solo. A adição final de água (etapa de
lavagem) faz com que o potencial retorne ao valor inicial do Figura 7. Evolução do potencial dos sensores “screen-
experimento. printing” a 15 e 60 cm com as adições de nitrato sobre
o perfil do solo. As setas mostram em que momentos as
Na Figura 7 é apresentado o gráfico que representa a evo- amostras foram obtidas
lução do potencial nos sensores a 15 e 60cm, respectivamente.
Neste caso, foi empregado solo normalmente encontrado em
casas de jardinagem, denominado “terra vegetal”, que contém
grande quantidade de matéria orgânica. Verifica-se que os sen-
sores também respondem satisfatoriamente frente à variação
de nitrato. Foram realizadas análises da quantidade de nitrato
presente no solo em paralelo com a evolução do potencial nos
experimentos. Durante um período de 36 horas, variações na
concentração de nitrato foram impostas e amostras foram to-
madas simultaneamente a cada altura correspondente aos sen-
sores, sendo os teores de nitrato dessas amostras determinados
por método padrão, que emprega a extração de nitrato com
cloreto de potássio e destilação (método Kjeldhal) (26).
A evolução dos nitratos neste tipo de solo em relação
ao tempo de amostragem pode ser observada na Figura
8. No momento em que as concentrações aumentam nas
regiões dos sensores a 15 e 30cm, há uma diminuição da Figura 8. Evolução do nitrato no solo a partir das amostras
concentração na região do sensor a 60cm. Isso se explica tomadas durante o experimento
pelo fato do nitrato, apesar de ser um íon de fácil lixiviação,
ficar retido nas camadas superiores do solo, permitindo a li-
xiviação da água para as camadas inferiores. Também pode
ser observado um aumento progressivo na concentração
de nitrato na região do sensor a 60cm, enquanto há uma
diminuição nas regiões dos sensores a 15 e 30cm. Esse fato
ocorreu após a adição de água ao solo, causando a lixi-
viação dos nitratos da camada superior à camada inferior,
onde se encontrava o sensor (60cm).
Comparações entre os resultados provenientes do méto-
do padrão e os resultados dos sensores mostram tendências
similares, como observado na Figura 9. Isto confirma que
os sensores apresentam resposta satisfatória e demonstra
a viabilidade do uso da sonda para o monitoramento das
tendências de infiltração dos nutrientes do solo de maneira Figura 9. Resultados obtidos a 15cm de profundidade usando
pontual e automatizada. () a sonda de nitrato e (•) através do método Kjeldahl

Revista Analytica • Dezembro/Janeiro 2004 • Nº 08

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 ARTIGO
Conclusões
Para a obtenção de informações de interesse agronô-
mico, verifica-se atualmente um complexo processo, que
incorpora numerosas etapas e limita as alternativas dispo-
níveis a métodos de extração e análises caros e demora-
dos, o que impede o acompanhamento real dos processos
físico-químicos que ocorrem nos solos. Em vista disso, a
demanda pelo controle em tempo real está sendo cada vez
maior nos modernos sistemas para uma produção agro-
pecuária de alta qualidade. A necessidade de obtenção
de informações das diferentes variáveis que ocorrem no
campo, promovendo o estabelecimento de procedimentos
racionais e controlados de cultivo é característica de uma
tendência atual na agricultura: a Agricultura de Precisão. O
uso de sensores no contexto de um sistema analítico auto-
mático permitirá, num futuro bem próximo, a construção
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de sistemas inteligentes de controle da disponibilização de
nutrientes no momento em que se tornarem necessários
aos cultivos, minimizando o impacto negativo do uso
indiscriminado de fertilizantes no meio ambiente. Este
trabalho pretendeu descrever apenas alguns exemplos,
esperando que seja possível a percepção da importância
do envolvimento de especialistas de diferentes áreas, aqui
particularmente incluindo os químicos e engenheiros ele-
trônicos, para o desenvolvimento de tecnologias adequa-
das e competitivas para a agricultura, visando a redução
da vulnerabilidade dos sistemas de produção brasileiros.
Agradecimentos
Agradecemos às agências de fomento Fundação de Amparo
à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP e Generalitat de
Catalunya – GENCAT pelo apoio recebido ao desenvolvimento do
sistema de análise de nitrato em solo.
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