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Competência sobre crimes militares dolosos contra a vida de civil

(Iosef Arêas Forma 1)


Há algum tempo discute-se qual a Justiça que deve prevalecer quando ocorre crime
militar doloso contra a vida. O entendimento jurisprudencial e doutrinário predominantes nesses
casos era o de se reconhecer a prevalência do foro castrense, em face do que determina a
Constituição Federal de 1988 (CF/88), art. 124 (“À Justiça Militar compete processar e julgar os
crimes militares definidos em lei”), ainda que se mitigasse o direito individual do autor do fato de
ser processado e julgado pelo Júri (art. 5º, XXXVIII). O Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de
1969 (Código Penal Militar), a quem a CF/88 incumbiu a definição de crime militar, define as
situações configuradoras do referido delito especial em tempo de paz (art. 9º) e em tempo de guerra
(art. 10).
Todavia, com a inserção do parágrafo único no art. 9º do CPM (“Os crimes de
que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil, serão da competência da
justiça comum”), decorrente do que preceitua o art. 1º da lei nº 9.299, de 7 de agosto de 1996, foi
reavivada a divergência acerca do tema.
A corrente que outrora defendia a exceção da competência da Justiça Militar da
União nos crimes militares dolosos contra a vida, a partir da aduzida modificação, ganhou força.
Houve até uma declaração incidental de constitucionalidade do supracitado parágrafo único do art.
9º pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal (STF). Em síntese, a Suprema Corte entendeu que o
combatido parágrafo estaria, em verdade, redefinindo o crime militar ao excluir das hipóteses de
configuração deste os dolosos contra a vida de civil2.
Em rumo contrário, há quem argumente que a alteração do art. 9º do CPM não foi
suficiente para modificar o conceito de crime militar. Ao invés de redefinir crime militar, a
inovação teria se limitado a estabelecer expressamente uma regra de competência (“serão da
competência da justiça comum”), o que afronta a citada norma constitucional do art. 124. É nesse
sentido que leciona o Exmo. Sr. Juiz Civil do Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais, Dr.
FERNANDO ANTÔNIO NOGUEIRA GALVÃO DA ROCHA, in verbis: “Vale observar que a
inconstitucionalidade da Lei 9.299/96 foi observada na própria Casa Legislativa, que procurou
corrigir o erro com o Projeto de Lei n° 2.314/96 com a alteração do conceito de crime militar”. 3
Acrescente-se que o Egrégio Superior Tribunal Militar já havia reconhecido incidentalmente a
inconstitucionalidade do dispositivo em questão4.
Amenizando o problema, por meio da Emenda Constitucional nº 45/2004, o Poder
Legislativo deslocou a competência das Justiças Militares Estaduais para o Júri no caso de crime
militar doloso contra a vida de civil (art. 125, § 4º, da CF/88). O legislador pátrio já assinalava

1
Capitão do Exército, do Comando Militar do Planalto, à disposição da Auditoria da 11ª Circunscrição
Judiciária Militar da Justiça Militar da União para assessoramento jurídico. E-mail: <iosefforma@terra.com.br>.
2
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 260404-MG, de José Felicio da Silva e
Tadeu do Espírito Santo, julgado em 22 de março de 2001. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/jurisprudencia/nova/pesquisa.asp?s1=RE.SCLA.%20E%20260404.NUME.&d=SJUR&l=1>.
Acesso em: 25 jun. 2007.
3
ROCHA, Fernando Antônio Nogueira Galvão da. Tribunal do Júri na Justiça Militar Estadual. Disponível
em: <http://www.amb.com.br/portal/index.asp?secao=artigo_detalhe&art_id=567>. Acesso em: 27 jun. 2007.
4
BRASIL. Superior Tribunal Militar. Recurso Criminal (FO) nº 1997.01.006449-0-RJ, do Ministério Público
Militar junto à 2ª Auditoria da 1ª CJM, julgado em 17 de março de 1998. Disponível em: <http://www.stm.gov.br/cgi-
bin/nph-brs?
s1=9299&s2=&s3=&s4=&s5=&s6=&s7=&s8=&s9=&s10=&s11=&s12=&s13=&s14=&s15=&s16=&l=20&d=JURI&
p=1&u=jurisprudencia.htm&r=1&f=G&sect1=NOVAJURI>. Acesso em: 25 jun. 2007.

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nesse sentido. Na Exposição de Motivos da lei nº 9.299/96, se justificava o deslocamento da
competência para a Justiça Comum para barrar a crescente incidência de crimes praticados contra
civis no exercício de função de policiamento, que decorreria da crença na impunidade oriunda da
sujeição desses infratores ao foro especial. Assim, sobrou o problema para a Justiça Militar da
União (JMU).
Uma das conseqüências negativas da manutenção da validade do parágrafo único do
art. 9º do CPM é a ocorrência de entendimentos paradoxais envolvendo crimes militares sob a
competência da JMU. Embora o e. STF tenha decidido pela prevalência do Júri nos crimes militares
dolosos contra a vida de civil, recentemente a mesma Corte Magna acordou pela competência da
Justiça Militar sobre um crime militar doloso contra a vida de um militar da Aeronáutica praticado
por civil5.
Tudo parece originar-se de certa confusão entre os temas competência e organização
judiciária. Entende-se que não é possível alterar a competência constitucional da JMU com vistas a
homenagear certo órgão judicial com rito especial, o Júri.
Assim, o que se poderia fazer, diante da Constituição Federal vigente, é:
- criar um Júri na Justiça Militar, com fundamento no art. 92, inciso VI, da
CF/88, alterando-se a lei nº 8.457/92 (Lei de Organização Judiciária Militar – LOJM); ou
- simplesmente manter a organização atual da JMU, o que parece mais
razoável, pois o julgamento por pares, que é o traço marcante do Júri, já vinha sendo realizado pela
Justiça Castrense desde a sua concepção, e também porque o scabinato do juízo criminal militar não
pode prescindir de julgadores especializados (juízes militares), ainda que leigos (pares), em razão
da especialidade dos bens jurídicos tutelados pelo Estado Brasileiro por intermédio da Justiça
Castrense.
Em conclusão, nota-se que ainda persiste divisão de entendimentos sobre a
constitucionalidade do parágrafo único do art. 9º do CPM, contudo, ante o exposto, parece que sua
validade não deve prosperar diante da atual disposição constitucional atinente à competência da
Justiça Militar da União.

5
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 91003-BA, de Adhemar Santos Xavier, julgado em
22 de maio de 2007. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/noticias/informativos/anteriores/info468.asp#Crime
%20Doloso%20contra%20a%20Vida%20e%20Justi%E7a%20Militar>. Acesso em: 25 jun. 2007.

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