Sempre é difícil definir quais são nossos autores preferidos, ao longo desses
quase vinte anos de leitura, me deparei com Machado de Assis, Tolkien,
George R.R. Martin, Julio Verne, Isaac Asimov, entre muitos outros que construíram meu gosto literário ao fantástico. Porém, foi lá próximo a casa dos vinte anos, que li o conto “Ratos nas paredes” do americano Howard Philips Lovecraft. Foi nesse momento que meu interesse pelo terror literário se encontrou com a ficção científica, não necessariamente nesse conto, mas no universo que ele me apresentou: o universo dos Mythos de Cthulhu e de quebra as publicações pulp dos anos vinte a quarenta. H.P. Lovecraft, escreveu sobre o medo do desconhecido em muitos de seus contos, lá o imaginável, o inominável, o abominável, se concretizavam em criaturas, cultistas, lugares. A insanidade era companhia constante durante as leituras. Personagens trancados em sanatórios, presos em terras oníricas, outra coisa que chama a atenção nos personagens é que a grande maioria dos protagonistas são professores, curiosos ou vítima desses grandes monstros interdimensionais. O que nos aproxima dos protagonistas. Os deuses do panteão dos Mythos, são criaturas poderosíssimas, que foram capazes de povoar, criar e influenciar a vida no nosso universo. Porém, em contrapartida dos poderes imensuráveis desses deuses, a maior parte deles dependem do auxílio de cultistas e de rituais para que possam existir ou influenciar no cotidiano de nosso mundo. Alguns deles caminharam entre os homens e foram banidos, outros lutaram com outros deuses e foram confinados em terras desconhecidas. Nas histórias, homens e mulheres comuns, deparam se com heranças malditas, tomos enlouquecedores e são jogados nesse mundo onde devem tomar conhecimento e enfrentar criaturas que existem para além do nossos tempo, compreensão e dimensão. Lovecraft trouxe a minha experiência de leitura, um novo significado para o medo. Não existem os mesmos fantasmas, lobisomens e demônios, mas sim criaturas extradimensionais alienígenas que nos observam e controlam nossa existência. A própria magia existente nos contos lovecraftianos, se tornam intrincadas fórmulas matemáticas além de nossa capacidade de compreensão. Outro autor do universo pulp, que conheci, antes mesmo que Lovecraft, foi Robert E. Howard, criador do guerreiro cimério CONAN e do emblemático caçador de criaturas sobrenaturais, tataravô dos Winchesters e afins, Solomon Kane. Quando criança, assisti ao longa-metragem estrelado por Arnold Schwarzenegger, a luta, a magia, a força despertada pelo guerreiro. Claro que não tinha a menor dimensão sobre quem seria Conan e muito menos que ele era fruto de uma obra literária. Tão logo vi os filmes, encontrei em um sebo uma revista em quadrinhos sem capa, do Conan; consegui ler na página inicial o nome da história “A TORRE DO ELEFANTE”. Neste conto o jovem Conan, ainda um ladrão, que um dia viria a tornar-se pirata e rei, invade uma torre para roubar uma jóia de valor inestimável. La chegando, se depara com uma criatura disforme, cuja cabeça igual a de um elefante se sustenta num frágil corpo alado. A criatura, que revela ser um habitante das estrelas, está acorrentada, pois foi traída pelo povo que ela havia ensinado magia, um ponto interessante da história é a mudança de perspectiva do final. A criatura feia e disforme, acorrentada e aprisionada, não era má. Em sua benevolência, buscou evoluir os seres humanos com auxílio de artes mágicas, porém foi enganado pela malicia humana e aprisionado por um mago sedento por mais poderes. Então, alguns anos depois, já conhecedor da vasta gama de contos de Lovecraft e de boa parte das aventuras de Conas, me pego lendo a introdução da coletânea das aventuras de Solomon Kane, do criador de Conan. As palavras apaixonantes com as quais Robert Howard era descrito, tocavam meu coração, inclusive por já saber do fim trágico do autor e pelos deuses antigos da Aquilônia, qual foi a minha surpresa ao ver a assinatura no fim da introdução: H. P. Lovecraft!!! Os dois autores, eram correspondentes e amigos. Inclusive, chegaram a se encontrar pessoalmente em duas ocasiões. O que a geografia separava, pois Howard era do Texas e Lovecraft era de Rhode Island, os dois se correspondiam graças as revistas pulp, se tornando “pen pawns” , nome dado aos autores que se correspondiam com outros, através de cartas. Ambos eram autores constantes das publicações “Weird Tales”, onde pipocavam aventuras e terrores dos mais variados tipos. Porém, a escrita de Lovecraft influenciou a obra de Howard, a ponto de que o texano, escreveu e desenvolveu a cultura dos mitos, algo que na contemporaneidade chamamos de Spin-off. É estranho que a morte dos dois tem uma conexão, triste e poética a sua maneira. Howard cometeu suicídio ao saber que sua mãe não sairia do coma, Lovecraft, solitário, interrompe o tratamento do câncer do estomago, após o golpe duríssimo da morte de seu amigo escritor. Por fim, hoje , quando leio as mais variadas coletâneas dos contos dos dois autores, é possível perceber a relação dos dois, é muito interessante localizar as influências de Lovecraft nos monstros enfrentados por Conan, embora a forma como os dois tipos de enfrentamento aconteçam nas histórias sejam diferentes. Os personagens de Lovecraft, são pessoas comuns, que encontram o mundo fantástico a sua volta, existe magia, mas ela é uma forma de conhecimento antigo ignorado e perigoso, seus deuses ancestrais e criaturas são alienígenas, existentes em órbita a nosso mundo ou em espaços dimensionais diferentes e de eras longínquas a frente ou atrás. O enfrentamento quando acontece, pois é comum os protagonistas fugirem ou sucumbirem a loucura, custa muito dos protagonistas, sua sanidade, credibilidade e a própria existência. Já os personagens de Howard, são grandes guerreiros, que enfrentam a magia com a coragem e o aço, no caso de Solomon Kane, com a fé, embora alguns embates sejam praticamente impossíveis de serem vencidos, existe uma força, uma chama nascente dentro dos corações dos protagonistas que os leva a não ceder terreno ao mal. Essas profundas dicotomias entre os dois autores, complementam grandiosamente o arcabouço das possibilidades que ambos escrevem, a fantasia dos mundos de Conan e Kull, os demônios e criaturas do mundo de Solomon Kane, a ficção cientifica e o horror cósmico de Lovecraft e seus Shoggoths, Mi – Go e do grande e poderoso Cthulhu. Não é a toa que a obra desses dois grandes autores, influenciaram profundamente o gênero de fantasia e ficção ao longo das décadas, embora em seu próprio tempo, não obtiveram o reconhecimento merecido e tenham tido tristes fins. Tudo fugiu tudo está feito, então levem-me à pira O banquete acabou, e as lâmpadas expiram. (Robert E. Howard, manhã de 11 de junho de 1936)