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Relatório confidencial sobre o grupo

de investigadores conhecido como a


Confraria dos Veteranos
e sua luta contra os Grandes Antigos
Ilustríssimo Sr. Thomas Faraday,

Após uma exaustiva inquirição, chegou ao meu conhecimento que


o senhor é o único parente vivo de nosso paciente William Faraday, que se
encontra internado nesta instituição desde dezembro de 1926.

Na qualidade de diretor do Manicômio Newcastle, relato aqui


o infeliz estado de vosso parente, que ao longo da última década não
apenas não apresentou melhora, mas desenvolveu uma moléstia que permanece
incógnita aos nossos melhores médicos. Lamento dizer que neste momento
não há diagnóstico definitivo ou tratamento possível, além de cuidados
paliativos. O Sr. William Faraday apresenta, entre outros sintomas, úlceras
espalhadas por todo o corpo, glossolalia (falando numa língua desconhecida
ou imaginária), vocalizações anormais e agitação extrema, além de uma força
que não parece condizer com sua atual esqualidez. Peço perdão pelas palavras
diretas, Sr. Faraday, mas me faltam os termos polidos para expressar a
gravidade da situação.

A condição do paciente vem se deteriorando com grande rapidez e o


prognóstico é nefasto. Solicito sua presença para extrair de William Faraday
qualquer informação que possa ser útil na última tentativa de salvar sua
vida. Ou, no mínimo, para oferecer algum conforto a essa pobre alma.

Peço urgência, pois não sabemos quanto tempo resta a seu parente.

Com pesar e respeito me despeço.

DR. JOHANN VON STRAUSS


Diretor do Manicômio Newcastle
19 DE DEZEMBRO DE 1926

NOTA DE INTERNAÇÃO

IDENTIFICAÇÃO William Faraday, 52 anos, masculino, branco, solteiro, religião Anglicana,


geógrafo, membro da Sociedade Geográfica Nacional

MOTIVO DA INTERNAÇÃO Busca voluntária pela internação (!) sem queixas aparentes (!)

HISTÓRIA DA DOENÇA ATUAL Membro ativo e importante da sociedade, W Faraday buscou aten-
dimento junto a esta casa neste mês sem queixas aparentes. Chamou atenção o fato de querer
internar-se nesta instituição para os desafortunados e desvalidos, uma vez que não apre-
senta qualquer traço de doença mental. Consta que recentemente esteve no Cairo, organizan-
do uma expedição para o interior do Egito, como já feito em outras ocasiões e em Colônias
ainda mais distantes de Sua Majestade. No regresso bucou acolhimento da nossa instituição.

HISTÓRICO PSÍQUICO PREGRESSO Conforme protocolo, o paciente foi inquirido de alterações


psiquiátricas no passado, não tendo apresentado relato de qualquer situação digna de nota.
Não apresenta alterações do Humor ou quadros ansiosos, tampouco sintomas psicóticos. Como
veterano da Grande Guerra, passou por período de estresse mental, mas não apresenta sinais
de traumas duradouros provenientes deste evento.

HISTÓRIA MÉDICA PREGRESSA Também no que diz respeito à sua saúde física, não apresenta
quaisquer comorbidades dignas de nota. Apesar de incontáveis excursões para o exterior e
terras longínquas, além de eventuais parasitoses locais, não apresenta nenhuma sequela ou
alteração que comprometa sua integridade física no momento atual.

REVISÃO DOS SISTEMAS Sem alterações cardiovasculares ou pulmonares; nega alergias ou


uso de medicamentos de forma continuada. Tabagista, uso de álcool de forma eventual, não
podendo ser considerado vício.

HISTÓRIA FAMILIAR Entre parentes consanguíneos nega qualquer tipo de alteração mental,
como psicose maníaco depressiva, melancolia ou histórico de suicídio. Ainda, entre parentes
próximos, não possui casos demência precoce ou que pudessem motivar busca pelo tratamento.

AO EXAME DO ESTADO MENTAL

Consciência Lúcido Afeto Modulado


Atenção Normoprosexia Humor Eutímco
Sensopercepeção Sem alterações Pensamento Lógico, agregado, vel normal
Orientação Orientado auto e alopsiquicamente Juízo Crítico Preservado
Memória Preservada globalmente Conduta Colaborativo
Inteligência Dentro da média Linguagem Normolalia
HIPÓTESE DIAGNÓSTICA Nada consta, indivíduo hígido do ponto de vista mental e físico.
CONDUTA Apesar de não apresentar nenhum achado ou traço de doença ou alienação mental,
concordo em indicar internação para observação neste nosocômio tendo em vista a insistência
do paciente e por se tratar de indivíduo de sabida relevância moral para nossa sociedade.

28 DE AGOSTO DE 1927
W Faraday já se encontra há mais de 8 meses aos nossos cuidados e vem se mantendo dentro
do esperado, sem quaisquer condições que motivem maior cuidado. Tem se mantido calmo
e colaborativo, permanecendo a maior parte do tempo no seu quarto e se envolvendo em
atividades laborais com propósito terapêutico. Recentemente passou a apresentar algumas
manchas escuras na pele, ao que atribuo ser deficiência de vitamina.
CONDUTA Indico maior exposição ao sol e dieta rica em cítricos.

02 DE FEVEREIRO DE 1928
Apesar das mudanças de hábitos impostos ao paciente as manchas escuras na pele vêm se
deteriorando, aparecendo como feridas ou chagas. O estado mental permanece inalterado,
embora algumas vezes pareça estar distante como se pensando em terras longínquas que já
visitou. Apesar da insistência deste profissional e de outros membros da equipe para que
saia deste manicômio e permaneça em sua ampla residência, deseja permanecer internado.
CONDUTA Prescrevo emplastro paras as feridas.

13 DE JULHO DE 1929
Paciente já está conosco há mais de dois anos e começa a apresentar manifestações
de deterioro mental. Por vezes pergunto se a longa permanência desncessária não tem
contribuído para tal situação. Por vezes tem arroubos de fala desconexa e sem sentido, do
tipo parafrasias e neologismos. Após algum período volta se comportar da forma habitual.
CONDUTA Laborterapia e banhos gelados.

12 DE DEZEMBRO DE 1929
Hoje W Faraday apresentou uma crise de ansiedade que logo se traduziu em agressividade
voltado contra um paciente enquanto limpava estantes na nossa biblioteca. Falando coisas
sem sentido e palavras desconexas, ficou agressivo, sendo necessária contenção mecânica.
CONDUTA Manter a contenção e aumentar a frequencia dos banhos.

18 DE MAIO DE 1932
O estado mental de W Faraday vem se deteriorando progressivamente. Pouco fala ou se
comunica conosco ou demais membros da equipe. Permanece agressivo, mesmo quando contido
e vem exibindo uma força descomunal, por vezes sendo necessário quatro funcionários para
contê-lo. As novas formações de linguagem têm soado familiares e um funcionário afirmou que
se trata de um dialeto egípcio falado apenas em áreas remotas do país. Parece apresentar
delírios e se comporta como se estivesse vendo ou ouvindo algo que não está ali.
HIPÓTESE DIAGNÓSTICA Psicose maníaco depressiva? Daemencia Precox?
CONDUTA Indico sessões de eletrochoque além dos banhos em frequencia diaria; restrição
máxima de contato com demais pacientes e funcionários; contenção mecânica.

Solicito transferência do paciente W Faraday aos cuidados do Dr. Johann Von Strauss,
diretor de nossa instituição, por requisição do mesmo.

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MÉDICO PSIQUIATRA ASSISTENTE
Ao mui estimado e santificado Josemaría Escrivá,

Rogo para que esta lhe encontre bem. A distância de nossa

Madre Igreja e de nossa beatífica Ordem me causa angústia, mas

continuo cumprindo meu dever, assim como Deus e o senhor me ordenam.

É no cumprimento do dever que lhe envio esta carta. E,

infelizmente, no cumprimento de um dever nefasto, que me colocou em

contato com as mais sórdidas facetas deste mundo pecaminoso.

Por certo o senhor acompanha com a mesma apreensão de

todos os verdadeiros cristãos a ascensão do nazismo na Alemanha, assim

como ocorre com o fascismo de Franco em nossa amada Espanha. Ocorre

que, em minha eterna missão de expurgar os demônios deste mundo, vi-

me face a face com lideranças nazistas. E, assim como o demônio está na

Terra em forma de gente, ostentando a suástica, está também no inferno,

sendo invocado pelos monstros que espalham o ódio na Europa.

Não usarei de meias palavras, meu mestre e guia. Vi com meus

próprios olhos nazistas realizando ritos profanos, sacrificando pessoas

em festins sanguinolentos, adorando demônios que usam a alcunha de

deuses. Entre tais criaturas do abismo existe pelo menos uma que finge

ser Nosso Senhor Jesus Cristo e sussurrou mentiras em meu ouvido na vã

tentativa de me seduzir.
Mas demônios e nazistas pouco podem fazer sem o livro do

demônio, o vil tomo conhecido como Necronomicon. E, por bênção de Deus ou

imposição do Espírito Santo, este livro está em minhas mãos.

Já tentei destruir o livro, sem sucesso. Portanto, penso que

a melhor decisão é deixá-lo num lugar seguro, sob a guarda de

indivíduos puros, que não se deixarão cair em tentação. Penso que o

Necronomicon deve estar em posse da Opus Dei.

Peço que me instrua sobre como proceder, meu querido Escrivá,

pois apenas sua sabedoria pode nos guiar neste tempo de provações.

Há inimigos por toda parte, mas não temo, pois sei que tenho os mais

poderosos aliados.

É com este pedido de ajuda e declaração de obediência que me

despeço e suplico: San Escrivá, diga-me o que fazer.

Com amor e devoção de seu servo,

Javier Francisco Azaghal

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