Você está na página 1de 23

Daniel Gustavo Mocelin,

Luís Fernando Santos Corrêa da Silva

O TELEMARKETING E O PERFIL SÓCIO-OCUPACIONAL DOS


EMPREGADOS EM CALL CENTERS

Daniel Gustavo Mocelin*


Luís Fernando Santos Corrêa da Silva**

Este artigo traz resultados de pesquisa sobre trabalhadores de um call center, em Porto Alegre,
buscando analisar combinadamente como se trabalha e quem trabalha em atividades de
telemarketing. Os call centers são organizações empresariais de prestação de serviços de
telemarketing. Seus operadores são trabalhadores com escolarização elevada, frente aos níveis
do mercado de trabalho brasileiro, o que apontaria para uma profissionalização da atividade.
Paradoxalmente, as condições de trabalho, caracterizadas pela intensificação do trabalho e
baixa remuneração, mas com exigência de qualificação média, influenciam as estratégias e os
sentidos desse emprego para jovens trabalhadores, acabando por defini-lo como “emprego
trampolim”, que responde apenas a uma superação transitória da condição material e simbó-
lica e não a busca de profissionalização e estabilidade, mesmo com as exigências de conheci-
mentos técnicos especializados e reciclagem constante. As características do setor e a emer-
gência desse novo tipo de trabalhador auxiliam compreender o trabalho no setor de serviços.
PALAVRAS-CHAVE: Sociologia do Trabalho, call centers Porto Alegre, perfil sócio-ocupacional de
trabalhadores, rotatividade do emprego, serviços.

O telemarketing é a atividade desempenha- das atividades em que os trabalhadores es-


da pelos empregados em call centers, situando-se tão mais organizados, como nas empresas
entre as ocupações que mais geraram empregos nos de setores tradicionais, nem mesmo segue o
últimos anos. Nas análises recentes, aponta-se para padrão do mercado de trabalho em geral,
uma tendência de não-profissionalização dos em- apresentando especificidades vinculadas à
pregados nesse tipo de atividade laboral, devido natureza do trabalho executado em call
ao pouco tempo de permanência desses trabalha- centers e às aspirações dos trabalhadores,
dores no emprego, o que se refletiria, inclusive, com perfil mais arrojado do que o regular-

CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 53, p. 365-387, Maio/Ago. 2008


em baixa taxa de sindicalização. mente verificado no mercado de trabalho.
Essas considerações têm constituído um Esse tipo de ocupação apresenta não
paradoxo, uma vez que se observa serem os opera- apenas a tendência a um alto grau de
dores de telemarketing trabalhadores com rotatividade no emprego, resultante não só
escolarização elevada frente aos níveis gerais do das baixas remunerações, mas também ca-
mercado de trabalho no Brasil, o que poderia apon- racteriza um contingente de trabalhadores
tar para certo grau de profissionalização nessa ati- com baixa média de idade e com escolarida-
vidade. Contudo, o perfil sócio-ocupacional dos de relativamente elevada e (ou) escolarização
operadores de telemarketing não segue o padrão crescente.
A atividade de telemarketing tem se
* Doutorando em Sociologia pela Universidade Federal do
Rio Grande do Sul. Integra o grupo de pesquisa sobre caracterizado como uma ocupação no senti-
Trabalho na Sociedade Contemporânea da UFRGS. do preciso do termo: os trabalhadores estão
Av. Bento Gonçalves, 9.500 - Campus do Vale, IFCH, Pré-
dio 43311, sala 103. Bairro Agronomia. Cep: 90501.900. nesses empregos “temporariamente”, e os call
PortoAlegre - RS - Brasil. dmocelin@terra.com.br
** Doutorando em Sociologia pela Universidade Federal centers têm se constituído como empresas de
do Rio Grande do Sul. Integra o grupo de pesquisa sobre passagem. Essa seria uma tendência que tem
Trabalho na Sociedade Contemporânea da UFRGS.
lfscorrea@hotmail.com perpassado a realidade do telemarketing,

365
O TELEMARKETING E O PERFIL SÓCIO-OCUPACIONAL...

mesmo quando se observam diferentes condições estrutura hierárquica, polivalência e


de emprego, segundo o tipo ou a forma da ativida- heterogeneidade da mão-de-obra. Em sua maioria,
de de telemarketing, que se distingue entre empre- tais empregos demandariam dos trabalhadores
sas e, às vezes, no interior de uma mesma empre- maiores competências tanto em termos de qualifi-
sa. Nesse sentido, o trabalho de telemarketing pa- cação pessoal como de escolaridade formal. Po-
rece caracterizar um emprego trampolim.1 rém, em muitos casos, não há uma contrapartida
O objetivo do presente estudo é buscar re- ou recompensa pelo maior grau de exigências das
velar elementos que comprovem essa tese. Para atividades laborais. Defrontados com essa realida-
tanto, são analisados características do conteúdo de do trabalho, segmentos da população têm rea-
da atividade do telemarketing, associadas ao perfil gido a ela de diferentes maneiras: enquanto alguns
dos trabalhadores empregados em call centers e às sofreriam com as mudanças nas condições de em-
condições de trabalho e emprego oferecidas nes- prego, outros produziriam novas estratégias de
sas atividades laborais. inserção profissional.
Estudos no campo da Sociologia do traba- Nesse contexto, o setor de telecomunicações
lho (Castells, 1999; Batt, 2000; Kovács, 2001; foi um dos mais marcados pelas transformações
Cattani, 2002; Larangeira, 1998, 2003) constataram, desencadeadas nas últimas décadas. Em quase to-
nas últimas três décadas, a constituição de um dos os países do mundo, observou-se a reestruturação
paradigma socioeconômico distinto do taylorista- do setor, movida, sobretudo, por inovações
fordista. Com as mudanças ocorridas no contexto tecnológicas que alteraram sua lógica funcional e
da organização do trabalho, desde então, novos organizacional, com impactos importantes sobre o
perfis sócio-ocupacionais têm surgido, diferencia- perfil dos empregados. A digitalização das redes
dos dos perfis tradicionais tanto em termos de como de comunicação, o desenvolvimento da Internet, a
se trabalha como de quem trabalha. Efetivamente, invenção da telefonia móvel, entre outros, foram
as mudanças no trabalho, bem como no emprego, inovações que poderiam ser exploradas de forma
resultam de transformações no padrão tecnológico bastante lucrativa. Desse modo, observa-se o fim
da base produtiva, na dinâmica econômica, nas dos monopólios, privados ou estatais, que havi-
formas de gestão das empresas, na estrutura do am caracterizado o funcionamento do setor até
mercado de trabalho e na emergência de novos ti- então, abrindo esse mercado para as empresas pri-
pos de ocupações. vadas segundo a perspectiva da exploração dos
CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 53, p. 365-387, Maio/Ago. 2008

Muitos dos empregos típicos da atualidade serviços, da concorrência e do atendimento a no-


se distinguem do modelo de emprego predomi- vas demandas sociais, muito mais heterogêneas
nante que marcou o período compreendido entre (Larangeira, 1998, 2003).
o pós-guerra e a década de 1970. Entretanto, essa No contexto da reestruturação das empre-
distinção não seria apenas um reflexo de mudan- sas de telecomunicação, as atividades de tele-aten-
ças organizacionais, mas também seria produzida dimento, responsáveis pelo contato com o cliente
pela mudança do perfil e das aspirações pessoais por via telefônica, mas também por e-mail e fax, e
e profissionais dos trabalhadores. Há um conjun- que, antes da extinção dos monopólios, eram par-
to de características desses empregos da atualida- tes das empresas de telecomunicações, foram
de: instabilidade, baixos salários, achatamento da externalizadas, ainda que a maior parte dessas
empresas seja de propriedade das próprias em-
1
A acepção do conceito “emprego trampolim” contou com presas de telecomunicações. Denominadas de call
a colaboração do bolsista de iniciação científica Elvis
Vitoriano da Silva. Deve-se destacar que trabalhos sobre centers, as novas empresas de telemarketing inte-
esse tema foram apresentados no XII Congresso Brasi- gram tecnologia e recursos humanos, combinando
leiro de Sociologia, realizado em Belo Horizonte, bem
como no II Simpósio Internacional sobre Juventude Bra- telecomunicações e informática, para processar trá-
sileira, realizado na Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul. fego de chamadas telefônicas e administrar o rela-

366
Daniel Gustavo Mocelin,
Luís Fernando Santos Corrêa da Silva

cionamento entre uma empresa e seus clientes. a permanecer vigente. Nas empresas característi-
Os call centers assumem posição central no cas da sociedade informacional, a execução das
novo cenário desenhado para o setor de telecomu- tarefas que envolvem atividades repetitivas ficaria
nicações, mas também para praticamente todos os a cargo de equipamentos pré-programados e pré-
outros setores econômicos. No caso do setor de codificados, dispensando, dessa forma, o traba-
telecomunicações, essas empresas não apenas lho humano.
empregariam cerca de 40 a 50% do contingente de Segundo Kovács (2001), haveria três pers-
trabalhadores, como também seriam, no âmbito co- pectivas para a interpretação das transformações
mercial, fundamentais para a constituição de van- organizacionais decorrentes do processo de
tagens competitivas entre elas, considerando que reestruturação por que passaram as empresas capi-
o telemarketing seria responsável pelo contato com talistas, após a década de 1980. A primeira acredita
o cliente, promovendo vendas de serviços, oferta na emergência de um novo tipo de economia, mar-
de planos de consumo e fidelização. Um melhor cado pelo paradigma pós-taylorista-fordista, em que
atendimento poderia contribuir na prospecção de o conhecimento, a flexibilidade e a utilização de
novos clientes e na manutenção dos atuais na car- novas tecnologias ocupariam espaço central. A se-
teira de prestação de serviços das empresas de te- gunda afirma que o modelo taylorista-fordista per-
lecomunicações. maneceria ocupando o papel de modelo econômico
Parte da expansão dos serviços de call center dominante. A terceira perspectiva configurar-se-ia a
decorre do crescimento do acesso aos serviços de partir da combinação dos dois modelos citados, em
telecomunicações, o que tem resultado na expan- que as formas de organização das empresas e do
são de novas formas de contato e relacionamento processo de trabalho estariam segmentadas de acor-
entre empresas de telefonia, televisão por cabo e do com o ambiente social, coexistindo em vários
provedores de Internet e seus clientes, substituin- contextos, em âmbito nacional, setorial, ou no inte-
do o atendimento face a face. Nesse contexto, os rior de uma mesma empresa (2001).
call centers têm ocupado lugar destacado como fer- Sob tais condições, discutem-se as formas de
ramentas para gerenciar o contato e o relacionamen- organização do trabalho e as vantagens da tecnologia
to a partir de novos canais de interação e comunica- da informação no setor de serviços (Batt, 2000).
ção. No âmbito empresarial, os call centers seriam A estratégia “low road”, similar à produção
também uma ferramenta competitiva, consideran- de massa na indústria, estaria ancorada na utiliza-

CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 53, p. 365-387, Maio/Ago. 2008


do a sua potencialidade, abrangência e custo baixo. ção da tecnologia (automação de processos) para
substituir trabalhadores não-qualificados e proce-
der ao monitoramento de desempenho, na busca
DESAFIOS À CONTEXTUALIZAÇÃO DO de alto volume e baixos custos de produção. A
TRABALHO EM CALL CENTERS E ATIVIDA- organização do trabalho conduziria à padroniza-
DES DE TELEMARKETING ção e à racionalização de tarefas, permitindo o re-
crutamento de trabalhadores com baixa qualifica-
Nos dias de hoje, muitos estudiosos discu- ção (2000).
tem mudanças nas formas de organização do tra- Por sua vez, a estratégia alternativa, deno-
balho. Para Castells (1999), as novas tecnologias minada de “high road”, ou modelos participativos,
de informação teriam lançado as bases para o de- possuiria como princípio o recrutamento de em-
saparecimento das tarefas rotineiras e repetitivas, pregados mais qualificados, com treinamento es-
normalmente relacionadas ao paradigma taylorista- pecializado, utilização inteligente da tecnologia e
fordista de organização do trabalho, sobretudo nos relativa autonomia de negociação com o cliente ou
grandes centros capitalistas, visto que, nos países consumidor, o que os proveria de maiores respon-
em fase de industrialização, o taylorismo tenderia sabilidades, tendo em vista oferecer qualidade e

367
O TELEMARKETING E O PERFIL SÓCIO-OCUPACIONAL...

personalização dos serviços. A organização do tra- Equivocam-se os que concluem generalizadamente


balho tenderia a valorizar formas participativas, que o trabalho em call centers seria precário, pois
buscando construir uma relação duradoura com negam a complexidade envolvida na questão, tan-
os clientes ou consumidores. O pressuposto seria to na perspectiva dos trabalhadores que estão em-
de que tal relação conduziria ao crescimento de pregados nas atividades de telemarketing quanto
vendas de serviços (bridging to sales) e, portanto, na da heterogeneidade da organização do trabalho
a uma maior lucratividade (Batt, 2000). nos call centers. A perspectiva mencionada não
A atividade de telemarketing e os call centers leva em consideração, por exemplo, quem traba-
parecem configurar um desafio analítico para as lha em call centers. Deixando de incorporar essa
mais diversas questões teóricas antes citadas, pois, dimensão, os estudos perdem parte da capacida-
nessas empresas, seria executado um trabalho par- de de constatar elementos importantes, como as
celado, mas que exige qualificações. Supõe-se que, aspirações profissionais e os desejos dos trabalha-
nelas, esteja se constituindo um nicho ocupacional dores, que nem sempre dizem respeito diretamen-
híbrido: por um lado, um trabalho parcelado e, te apenas às condições de trabalho e de emprego.
por outro, trabalhadores qualificados ou em pro- O presente estudo detém-se na definição de
cesso de qualificação. Nesse sentido, hipotetica- alguns aspectos relativos à atividade de
mente, supõe-se que as atividades de telemarketing telemarketing e ao perfil sócio-ocupacional dos
configurariam empregos-trampolim, ou seja, pos- empregados em call centers. O estudo desenvol-
tos de trabalho temporariamente ocupados pelos ve-se sobre dois eixos de análise, como se traba-
trabalhadores, mas que não são atrativos profissi- lha e quem trabalha nas empresas de call center,
onalmente, sendo descartados quando eles encon- apresentando dados de uma pesquisa realizada em
tram uma melhor oportunidade ou concluem seus uma operadora de call center ligada a empresas de
estudos, sua formação ou sua graduação. telecomunicações de Porto Alegre, confrontando-
Alguns estudiosos defendem que muitas os com dados sobre a ocupação, definida por ope-
dessas atividades estariam associando o trabalho radores de telemarketing, segundo a Classificação
repetitivo e intenso com as habilidades de comu- Brasileira de Ocupações2 (CBO, 2002), obtidos na
nicação, exigindo trabalhadores qualificados para Relação Anual de Informações Sociais3 do Ministé-
tarefas repetitivas. As atividades de telemarketing rio do Trabalho e Emprego do Brasil (MTE).
e o trabalho em call centers seriam objetos privile- O interesse da pesquisa é contribuir para a
CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 53, p. 365-387, Maio/Ago. 2008

giados de investigação de estudos que defendem compreensão de uma nova atividade que tem gran-
tal tese (Venco, 1999; Oliveira, 2004; Braga, 2006, 2
É o documento normalizador do reconhecimento, da no-
meação e da codificação dos títulos e conteúdos das ocupa-
2007; Rosenfield, 2007a, 2007b). As abordagens ções do mercado de trabalho brasileiro. É, ao mesmo tem-
dessa natureza são importantes, pois evidenciam po, uma classificação enumerativa e uma classificação des-
critiva. Como classificação enumerativa, ela codifica em-
as contradições que emergem da situação atual do pregos e outras situações de trabalho para fins estatísticos
de registros administrativos, censos populacionais e ou-
trabalho e do emprego no âmbito da sociedade tras pesquisas domiciliares. Inclui códigos e títulos
ocupacionais com sua descrição sumária. Ela também é
informacional, no Brasil. Porém, igualmente im- conhecida pelos nomes de nomenclatura ocupacional e
portante seria abordar a atividade de telemarketing estrutura ocupacional. Como classificação descritiva, ela
inventaria detalhadamente as atividades realizadas no tra-
sob a perspectiva dos trabalhadores, examinando- balho, os requisitos de formação e experiência profissio-
nais e as condições de trabalho. Ministério do Trabalho e
se como esses atores sociais desenvolvem estraté- Emprego; Disponível em: www.mtecbo.gov.br/informação
- Acesso em: 31 ago., 2006.
gias na tentativa de superar crises e dificuldades, 3
A Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), insti-
na busca por novas oportunidades e novos cená- tuída em 1975, fornece informações estatísticas sobre o
mercado de trabalho formal no Brasil, funcionando em
rios de mobilização. conjunto com o Cadastro Geral de Empregados e De-
Neste artigo, argumenta-se que a perspecti- sempregados (Caged), criado em 1965, que instituiu o
registro permanente de admissões e dispensa de empre-
va acima referida não seria suficiente para compre- gados; são mantidos pelo Ministério do Trabalho e Em-
prego. As bases estatísticas podem ser acessadas em
ender a realidade das atividades de telemarketing. www.mte.gov.br, mediante cadastro como pesquisador.

368
Daniel Gustavo Mocelin,
Luís Fernando Santos Corrêa da Silva

de potencial na geração de emprego, ocupando binem tanto a natureza e a heterogeneidade das ati-
posição de destaque em termos de quantidade de vidades laborais realizadas nessas empresas, quan-
empregos gerados. to às características das práticas de trabalho vincu-
ladas ao telemarketing, bem como os perfis
sócio-ocupacionais predominantes nesse
contingente de trabalhadores.
Cabe destacar que este estudo resul-
ta de pesquisas realizadas entre 2003 e 2006
e está fundamentado, sobretudo, em infor-
mações obtidas junto a uma empresa de
call center, através da aplicação de 35 ques-
tionários aos seus empregados. Ademais,
baseou-se também, em informações obtidas
através da realização de quinze entrevistas
semi-dirigidas, realizadas com gerentes de
recursos humanos e trabalhadores.
A empresa investigada permitiu en-
trevistas semidirigidas, mas não a aplica-
ção de questionários. Os questionários fo-
ram aplicados diretamente aos empregados,
Segundo dados da Associação Brasileira de de forma aleatória, quando eles se deslocavam da
Telemarketing (ABT), as empresas de call centers empresa, uma vez que não havia a autorização para
empregavam, ao final de 2006, aproximadamente a aplicação no seu interior. Deve-se ressaltar, entre-
675 mil trabalhadores no Brasil. Os dados do Mi- tanto, que essa dificuldade permitiu a aplicação dos
nistério do Trabalho e Emprego indicam que eram questionários sem intermediação, ou seja, num con-
241 mil empregos formais, em 2005, com cresci- tato direto com os trabalhadores e fora do ambiente
mento superior a 90% em relação a 2003, quando da empresa. Destaca-se, contudo, que os dados ob-
foram contabilizados 125 mil empregos. A signifi- tidos, quando contrastados com as informações sobre
cativa diferença no número de empregos, revelada a ocupação de operadores de telemarketing do ban-

CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 53, p. 365-387, Maio/Ago. 2008


entre os dados das organizações especializadas, em co de dados da Rais-Caged, que engloba o universo
contraste com os dados oficiais, aponta para o do emprego formal nessa atividade, apresentam
momento singular de expansão do segmento de importantes aproximações.
call centers e das atividades de operadores de No período do estudo, o call center investi-
telemarketing no Brasil. Tal fato caracterizaria a si- gado era o líder desse mercado no Brasil, com 20%
tuação de uma atividade laboral em franco cresci- das atividades de telemarketing e cerca de 10%
mento. Além disso, deve-se considerar que have- dos empregados. Convém destacar também que
ria, nessa atividade, uma leva considerável de tra- esse call center é de propriedade de um grupo
balhadores autônomos. Se não há consenso quan- multinacional de telefonia, atuante no Brasil des-
to ao número de empregos criados na atividade de de 1999. A controladora do call center atua em 13
telemarketing, muitos menos há em termos quali- países, consolidando-se como uma das maiores
tativos, o que impede generalizações como as pro- companhias de telecomunicações do mundo e está
postas por alguns estudos. entre as primeiras na América Latina. Segundo a
No Brasil, apesar de os call centers terem revista Infoexame (2002, n.197, p.76-77), o call
sido objeto de pesquisas acadêmicas nos últimos center investigado estaria entre as maiores empre-
anos, ainda se necessita de investigações que com- sas de outsourcing (serviços operacionais) do Bra-

369
O TELEMARKETING E O PERFIL SÓCIO-OCUPACIONAL...

sil, com receita operacional bruta de US$ 256 mi- pregos no setor de serviços. Além disso, apresen-
lhões, em 2001, 26 mil empregados, cerca de dois tou números expressivos no que se refere ao
mil no Rio Grande do Sul, com crescimento da faturamento do setor, que foi de US$ 1,2 bilhão,
receita operacional chegando a 77,3%, entre 2000 em 2001. Contudo, o dado mais importante seria
e 2001. o volume estimado de transações apoiadas por
O campo de atuação do call center investi- serviços de telemarketing, que chegou a R$ 67,4
gado não se restringe exclusivamente a empresas bilhões, o que representa uma participação de 6,3%
de telecomunicações, pois seu trabalho envolve do PIB brasileiro, naquele ano.
diversos segmentos: no Brasil, eram 140 clientes O crescimento expressivo do mercado de
de segmentos como governo, bancos, mídia, pro- call centers tem merecido destacado interesse do
vedores, telecomunicações, companhia aérea, e meio acadêmico no Brasil e no exterior. No âmbito
outros de menor porte. das discussões sobre as transformações no traba-
No Rio Grande do Sul, o call center atende lho e no emprego, frente às mudanças conduzidas
a cinco clientes, sendo que 90% do seu quadro pelas tecnologias de comunicação e informação,
pessoal está direcionado para o atendimento de observam-se duas categorias de serviços: tanto
uma empresa de telefonia celular e um provedor aqueles potencializados pelas tecnologias da in-
de acesso à Internet. Esses são os dois maiores formação como os serviços possibilitados por elas.
contingentes da mão-de-obra do call center, e algu- Na primeira categoria, incluem-se, especialmente,
mas distinções entre os dois segmentos serão apon- aqueles de produção de software, marketing e
tadas no decorrer do estudo. Ressalta-se ainda que design, nos quais se executa um trabalho dito “in-
a empresa investigada realiza telemarketing ativo e teligente”, que exige dos trabalhadores grande qua-
receptivo e opera em sede própria, exceto no caso lificação e escolarização formal de alto grau, com
de um cliente do setor financeiro, que fornece a elevado grau de autonomia na execução do traba-
estrutura física para a realização das atividades. lho e valorização no mercado de trabalho.
Os call centers estariam entre as atividades
que caracterizam a categoria de serviços possibili-
CALL CENTERS E TELEMARKETING: novas tados pelas novas tecnologias, com um trabalho
atividades laborais “menos inteligente”, pouco valorizado no merca-
do de trabalho, heterônomo e com pouco grau de
CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 53, p. 365-387, Maio/Ago. 2008

Os call centers movimentaram grande volu- autonomia na execução do trabalho, mas que ne-
me de recursos financeiros nos últimos anos. Em cessitam de certo nível de qualificação e
2000, os call centers movimentaram, apenas no mer- escolarização formal, sobretudo ensino médio,
cado brasileiro, US$ 521 milhões, segundo o levan- habilidades comunicacionais e capacidade de usar
tamento do instituto de pesquisas International Data o computador.
Corporation (IDC). Na fase inicial de implementação Na atualidade, o mercado de call centers
dessas empresas no país, o faturamento dos call tem sido objeto de estudos realizados no âmbito
centers, segundo o estudo “Brazil Call Center Services, da Sociologia do Trabalho. Entretanto, se os pri-
2001”, representa apenas 3,1% do total movimenta- meiros estudos realizados relacionavam-se a uma
do pelo segmento nos Estados Unidos e 1,7% do abordagem generalista do trabalho nos call centers,
mercado mundial; em relação à América Latina, o destacando, sobretudo, a repetitividade do traba-
percentual sobe para 55,7%. lho e o excesso de controle dos trabalhadores (Del
Realizada pela Larc Pesquisa de Mercado e Bono, 2000; Venco, 1999; Oliveira, 2004; Braga,
divulgada pela ABT, a “6ª Pesquisa Anual de 2006, 2007; Rosenfield, 2007a, 2007b), seria pos-
Telemarketing” mostrou que a atividade de call sível afirmar que, na atualidade, outros aspectos
center continuava sendo a maior geradora de em- são considerados para a compreensão das situa-

370
Daniel Gustavo Mocelin,
Luís Fernando Santos Corrêa da Silva

ções concretas de trabalho, tais como: a posição tes foram encontrados por Oliveira (2004) ao estu-
que ocuparia o call center nos processos da em- dar as relações de trabalho na cadeia produtiva da
presa, a importância econômica do telemarketing telefonia fixa do estado de São Paulo, mais especi-
para a empresa que utiliza esse serviço, a natureza ficamente a Atento Brasil, uma das maiores empre-
das operações desenvolvidas, se relacionadas ao sas de call center do país. Segundo a autora, os
telemarketing ativo ou receptivo, o segmento de call centers comportariam relações de trabalho ba-
mercado atendido, o tamanho da empresa, a com- seadas na busca por uma produtividade precisa,
plexidade e o ciclo de trabalho. Tais aspectos, in- articulada a uma racionalização crescente do traba-
corporados ao debate acadêmico, possibilitaram o lho. A autora ressalta que há um grande controle
surgimento de uma abordagem relacional do tra- do trabalho realizado, que determina o ritmo, as
balho realizado nessas empresas (Kerst; Holtgrewe, cadências e os procedimentos, sem deixar espaço
2001; Taylor et al., 2002; Glucksmann, 2004). para uma possível autonomia dos teleoperadores.
A abordagem relacional, apesar de difun- Oliveira sustenta que a qualidade nos servi-
dida internacionalmente, tem sido preterida, no ços prestados e a humanização do trabalho estari-
Brasil, em detrimento de análises ancoradas na am colocadas em segundo plano, visto que a alian-
abordagem generalista. Nesse sentido, destacam- ça entre a empresa de telefonia fixa e a Atento Brasil
se os estudos realizados por investigadores como teria seguido a “lógica que interessa as grandes em-
Venco (1999), Oliveira (2004) e Braga (2006, 2007). presas” (sic), tendo em vista o aumento das possibi-
Um dos estudos pioneiros no Brasil sobre lidades de redução de pessoal e de controle de cus-
as relações de trabalho nas empresas de call center tos através da racionalização extrema (2004, p.271).
foi desenvolvido por Venco no final da década de Recentemente, Braga (2006, 2007) argumenta
1990. Em seu estudo sobre a realidade de um call que os call centers representariam o lado negativo
center ligado a uma instituição financeira, a autora do trabalho informacional. Para o autor, o trabalho
afirma que, nele, a organização do trabalho carac- nos call centers estaria submetido à “pressão do
terizar-se-ia por princípios tayloristas. Fatores pre- fluxo informacional”, o que, por sua vez, acarreta-
sentes nas atividades de teleatendimento, como a ria rotinização da comunicação e subordinação a
divisão entre execução e concepção do processo um script de atendimento pré-definido.
de trabalho, controle dos tempos e movimentos Sobre o trabalho em call centers, Braga sus-
no ciclo de trabalho e a seleção científica dos tra- tenta que:

CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 53, p. 365-387, Maio/Ago. 2008


balhadores garantiriam a implementação dos mé-
todos tayloristas nas empresas de call center. O Em última instância, trata-se de um tipo de tra-
balho que testemunha como nenhum outro a
emprego do taylorismo, para Venco, seria taylorização do trabalho intelectual e do campo
das relações de serviço: uma comunicação ins-
viabilizado pelo alto grau de informatização pre- trumental sob a coação do fluxo informacional e
sente nos call centers, o que possibilita o aumento prisioneira do script tendente a transformar o
teleoperador em um autômato inquieto. (2007,
da produtividade do trabalho e o controle eletrô- p.364)
nico das atividades: os sistemas de software seri-
am como ferramentas essenciais na conformação Para Braga, o objetivo do emprego do
da organização do trabalho (Venco, 1999, p.63). taylorismo nos call centers seria, basicamente, de
Nessa perspectiva, as novas tecnologias intensificar o ritmo do trabalho, tendo em vista a
informacionais seriam analisadas sob o ponto de redução dos custos operacionais, tornando a co-
vista determinista de que as tecnologias contribui- municação um ato instrumental (Braga, 2007, p.364).
riam para a inevitável degradação do trabalho no Contudo, cabe ressaltar limitações dos estu-
âmbito do capitalismo. dos realizados por Braga, pois, quando o autor se
Passados cinco anos da publicação do estu- refere aos dados coletados na pesquisa empírica, não
do pioneiro de Venco (1999), resultados semelhan- há especificação da natureza das operações realiza-

371
O TELEMARKETING E O PERFIL SÓCIO-OCUPACIONAL...

das e das atividades que foram investigadas. Nesse heterogeneidade do trabalho realizado nos call
sentido, assim como nos estudos de Venco e Olivei- centers, levando em consideração os aspectos des-
ra, considera-se que o estudo realizado por Braga tacados na abordagem generalista, pois eles possi-
considera os call centers como um objeto de investi- bilitariam alargamento da compreensão das relações
gação homogêneo, desconsiderando possíveis dife- de trabalho presentes nesse ramo de atividade.
renças presentes no interior desse segmento de mer-
cado, ou até no interior de uma mesma empresa.
Por outro lado, autores de outros países, TELEMARKETING: como se trabalha no call center
situados no contexto da abordagem relacional,
como Kerst e Holtgrewe (2001), enfatizam que a A atividade de telemarketing: especificidades,
organização do trabalho nos centros de natureza da atividade, recrutamento e condições
teleatendimento pode assumir variadas formas, e de emprego
a aplicabilidade dos princípios tayloristas tem se
mostrado limitada (Kerst; Holtgrewe, 2001, p.1-2). A atividade de telemarketing se distingue do
Para os autores, a flexibilidade tem surgido antigo trabalho de telefonista. Até o final dos anos
como fundamento principal na conformação das 1980, o telefonista caracterizava-se predominante-
práticas organizacionais dos call centers, poden- mente pelo atendimento massificado, baseado em
do ser atingida de duas formas: através da flexibi- script memorizado. A partir da década de 1990, o
lidade externa ou da flexibilidade interna. Suas operador passou a executar um atendimento inicial
diferenças residem no fato de que a flexibilidade ao cliente, menos complexo. No caso de uma ques-
externa estaria relacionada ao uso que a empresa tão mais complexa, a ligação deveria ser encami-
faz das condições do mercado de trabalho, enquan- nhada a outro atendente mais qualificado. Recente-
to que a flexibilidade interna refere-se ao pleno mente, seria possível afirmar que a atividade envol-
uso das potencialidades da força de trabalho. Cabe ve novas competências. Os teleoperadores possu-
ressaltar que, em determinadas situações, tais for- em, ou precisariam possuir, capacidade de solucio-
mas podem estar presentes em uma mesma em- nar dúvidas do cliente sem transferir esse atendi-
presa (2001, p.5). mento para outros setores. O desenvolvimento e a
Para Kerst e Holtgrewe, o surgimento de introdução constante de novos produtos e serviços
novos call centers tem levado os observadores a no mercado das telecomunicações, por exemplo,
CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 53, p. 365-387, Maio/Ago. 2008

pressupor níveis mais elevados de flexibilidade requer que os empregados os conheçam, tendo em
externa e trabalho precário no mercado de call vista realizar um atendimento satisfatório, bem como
centers, na Alemanha. Entretanto, diferentes ti- devem estar capacitados a solucionar eventuais
pos de call centers têm empregado trabalhadores dúvidas dos clientes.
com características distintas, estabelecidas segun- Em termos de formação e experiência, a des-
do as especificidades ou necessidades dos clien- crição da CBO4 indica que o acesso a essas ocupa-
tes atendidos (p.6-16). ções requer o ensino médio completo até o ensino
O exame dessa literatura leva à conclusão de superior incompleto, seguidos de cursos básicos
que as generalizações acerca das formas de organi- de qualificação. A qualidade da voz e da audição
zação do trabalho em call centers, como as encon- são requisitos para o trabalho e, em poucas sema-
tradas nos estudos realizados até o presente mo- nas, o profissional estaria apto ao desempenho ple-
mento, no Brasil, tendem a equivocar-se, posto que, no das atividades. Como competências pessoais, a
em geral, baseiam-se em estudos apenas sobre uma
4
atividade específica, num conjunto amplo de ativi- A Classificação Brasileira de Ocupações pode ser consul-
tada através do endereço eletrônico www.mtecbo.gov.br.
dades relacionadas ao teleatendimento. Assim, tor- Nesse site, é possível consultar todas as ocupações defi-
nidas na classificação, segundo descrição, características
nam-se necessários estudos que abarquem a da ocupação, requisitos, entre outros.

372
Daniel Gustavo Mocelin,
Luís Fernando Santos Corrêa da Silva

CBO destaca: qualidade vocal, clareza de dicção, em torno de 200 segundos por chamada. No pro-
capacidade de expressão oral, compreensão oral (sa- duto massificado, o operador receptivo fornece res-
ber ouvir), capacidade de compreensão e expressão postas limitadas. O trabalho caracteriza-se por cum-
escrita, de registro de informações com precisão, prir metas quantitativas, com tempo de atendimento
paciência, autocontrole, poder de persuasão, baixo. No produto customizado, o trabalho do tele-
empatia, agilidade no atendimento e agilidade de atendente receptivo é mais complexo, pois envol-
digitação. Além disso é preciso ter capacidade de ve uma demanda de serviços de suporte ao clien-
administrar conflitos e de ser objetivo para tomar te. O tempo de atendimento é menos restrito.
decisões, visto que, em muitos casos, trabalha-se Por outro lado, o operador ativo tem a inici-
sob pressão. Como recursos de trabalho, são desta- ativa do contato com o cliente, realizando a cha-
cados, nessa descrição: a voz, os acessórios de pro- mada. Em relação ao operador receptivo, a preo-
teção individual, o computador e periféricos, o tele- cupação do operador ativo com ritmos de veloci-
fone fixo e call máster, os aplicativos (software), o dade de atendimento é menor, pois ele deve cum-
headset, o correio eletrônico e a Intranet, um posto prir metas qualitativas, voltadas para a área de ven-
de atendimento regulável (mesa ergonômica), com das e de fidelização. Existem campanhas de ven-
apoio de teclado e mouse-pad, e os manuais. das e campanhas motivacionais. No produto
A definição oficial é bastante precisa em re- massificado, o teleoperador ativo tem como tarefa
lação ao que se observa na rotina de uma empresa a tele-venda, com autonomia para oferecer o pro-
de call center. Contudo, nossa pesquisa permitiu duto. O tempo de atendimento é médio. No pro-
observar que, além das diferenciações entre os ti- duto customizado, o operador tem metas de venda
pos de telemarketing executados, também há dife- e deve conhecer as características do produto, com
rentes condições de emprego vinculadas aos tipos autonomia para negociar com o cliente. O tempo
de telemarketing, o que não está de todo claro na de atendimento é flexível, podendo ser longo.
definição oficial da CBO. A atividade de telemarketing exige trabalha-
No call center investigado em Porto Alegre, dores com algumas competências bem desenvol-
a atividade desenvolvida pode ser de dois tipos: vidas. Contudo, as condições de emprego, especi-
atendimento receptivo e ativo. Entre os trinta e cinco almente os aspectos relativos à remuneração e à
trabalhadores que responderam ao questionário intensidade do trabalho, não podem ser conside-
aplicado, oito eram do telemarketing de tipo ativo radas condições retributivas ou recompensadoras

CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 53, p. 365-387, Maio/Ago. 2008


e 24, a maior parte dos empregados entrevistados, para os trabalhadores. Ficou claro, na entrevista
do telemarketing de tipo receptivo, o que expressa com os gerentes de recursos humanos, que a exi-
o contingente interno da empresa, em que 80% gência desse perfil de trabalhador trouxe algumas
dos empregados eram atendentes receptivos. O dificuldades quando da abertura da empresa: “No
Quadro 1 relaciona as características de cada uma início, houve dificuldades de recrutamento em fun-
das duas funções, segundo as atribuições do tra- ção da carência de profissionais treinados para a
balho e segundo o tipo de produto oferecido. atividade” (Gerente de RH, entrevista, fev., 2003).
O operador receptivo recebe a chamada dos A escassez de trabalhadores conduziu as empre-
clientes, sobretudo na área de reclamações, troca sas de call center a oferecer o treinamento especí-
de endereço, recebe solicitações de conserto e for- fico para a atividade de tele-operador, especialmente
nece informações sobre produtos e serviços. No para o uso do computador. Contudo, os candida-
seu trabalho, opera diretamente com o computa- tos ao emprego têm chegado com as habilidades
dor e é basicamente dirigido por um script a ser computacionais, e os treinamentos passaram a ser
seguido. Os operadores receptivos não têm metas realizados mais para a obtenção de informações
qualitativas a atingir, mas respondem por índices sobre novos produtos e para desenvolver estraté-
como qualidade e tempo médio de atendimento – gias de diálogo com o cliente:

373
O TELEMARKETING E O PERFIL SÓCIO-OCUPACIONAL...

Quadro 1 - Características segundo o tipo de telema rketing


Ativo Receptivo
Vendas de produtos e serviços Atendimento de campanhas de marketing direto
Agendamento de visitas Atendimento a clientes
Fidelização e satisfação de clientes Recepção de pedidos de vendas
Pesquisas de opinião Suporte de eventos
Validação e atualização de cadastros 0800
Qualificação de mailing
Atribuições da Divulgação de produtos, serviços e
atividade eventos
Confirmação de presença em
eventos
Prospecção
Wellcome call (ligação de boas -
vin das)
An ti-Attriction
Ligações de cobrança
Tele-vendas/Telemarketing,
sondagens, pesquisa de opinião, Informações limitadas: campanhas temporárias
Welcome Calls, prospecção
Objetivo: Quantitativo Objetivo: quantitativo
Tempo de atendimento médio:
Controle permanente do tempo de atendimento:
relativa flexibilidade
Suporte Técnico medição de tempo, rapidez
Produto Média e Baixa complexidade de Script freqüen te: sof t e hard con trol
serviço
Massificado
(simples) Programação de número de Menor qualificação: treinamento reduzido (1-2
chamadas semanas)
Metas Taylorização
Baixo salário + comissão
Flutuações de atendimento

Distribuição automática de chamadas


Ausência de autonomia
Baixo salário
Objetivo: qualitativo; fidelização, Demanda diversificada, Help desk, suporte técnico
CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 53, p. 365-387, Maio/Ago. 2008

satisfação do cliente; vendas informático, multi-funcional


Qualificação: capacidade de
Objetivo: quantitativo
negociação; língua estrangeira
Maior autonomia Qualificação técnica: treinamento longo (4-6 semanas)
Produto
Customizado Metas de vendas Tempo de atendimento médio
(complexo) Complexidade média ou forte Maior autonomia na formulação de respostas
Programação de número de
Complexidade média ou alta
chamadas
Tempo mais elástico; mais flexível Menor controle
Pagamento "alto" + comissão. Pagamento "mais alto".

Os funcionários precisam ser pessoas de específica. Eu quero pessoas que tenham capaci-
discernimento muito rápido, de autogeren- dade de relacionamento, capacidade de venda
ciamento. Não há necessidade de as pessoas te- (Gerente de RH, jan., 2005).
rem capacitação em telecomunicações ou enge-
nharia. Mas não podemos descartar que a
tecnologia fica cada vez mais complicada, mas Esse trecho de entrevista destaca a preocu-
nunca precisaremos ter um funcionário progra- pação da empresa em desenvolver capacidades que
mador. Então, eu não entendo as pessoas que vão
ser teleoperadores precisando de uma capacitação permitam ao operador negociar e argumentar com

374
Daniel Gustavo Mocelin,
Luís Fernando Santos Corrêa da Silva

o cliente. A tendência seria a de fornecer “autono- tele-operadores para atendimento e oferta dos tipos
mia relativa” para o operador, para que ele seja de serviços e produtos, cada um desenvolvendo
capaz de, numa estratégia de fidelização e retenção diferenciadas atividades: atendente receptivo, ati-
de clientes, convencer através de argumentos, ou- vo, generalista (fornece informações no Serviço de
vir, diagnosticar, decidir pela situação mais ade- Atendimento ao Cliente) e especialista; atendimen-
quada. Dessa forma, o operador seria visto como to para telefonia fixa (mais simples, trabalha apenas
uma espécie de “assessor” do cliente. com uma tela); ou celular (necessário navegar nas
A contratação de pessoal requer exigências telas, saber os planos em que o cliente está cadastra-
consideradas básicas pelos gerentes de recursos do e oferecer novos planos de acordo com o valor
humanos. Há duas ordens de exigências: a de cu- da conta). Cada uma dessas atividades apresenta
nho formal e a de cunho pessoal. No aspecto for- um tipo maior ou menor de dificuldade.
mal, é indispensável o ensino médio concluído. As atividades de atendimento, mesmo
Quanto ao aspecto pessoal, destacaram-se as capa- diversificadas, seguem uma organização-padrão,
cidades boa dicção, objetividade, raciocínio rápi- segundo a forma de gestão adotada pelo call center.
do e conhecimentos de informática. O treinamen- Cada grupo de 20 operadores tem um supervisor,
to inicial ocorre quando da contração e é realizado que os avalia mensalmente, em termos de desem-
num período de 20 a 30 dias, no qual se destacam penho. Há uma proposta de plano de carreira, mas
os cursos de apresentação de produtos, manuseio a possibilidade de ascensão profissional é peque-
dos equipamentos e correção da dicção. na: de operador apenas para supervisor e rara-
Entretanto, além desse treinamento inicial, mente coordenador ou gerente.
há treinamentos periódicos para a reciclagem com o A atividade se define com determinada rigi-
produto e (ou) serviço, além de reciclagem com o dez. Segundo os gerentes de recursos humanos,
próprio equipamento. Além desses aspectos, o não há número fixo de atendimento, mas uma ava-
empregado também precisa responder às exigênci- liação segundo “as curvas de atendimento”. Isso
as do cliente da operadora para quem vai trabalhar. foi possível constatar no questionamento aos em-
A forma de organização do trabalho ficaria, pregados, pois as respostas deles indicaram gran-
portanto, a cargo da gerência do call center. A de variação, de 20 a 150 atendimentos diários.
empresa-cliente da operadora apenas contrata o Segundo os resultados obtidos nos 35 questioná-
serviço de telemarketing, deixando toda a admi- rios aplicados, o número médio de atendimentos

CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 53, p. 365-387, Maio/Ago. 2008


nistração do trabalho e contratação a cargo do call realizados por cada teleoperador ficou em 53 por
center. Em alguns casos, a supervisão será contra- dia. Os gerentes não escondem que a atividade é
tada da empresa-cliente. Os teleoperadores são estressante, mas ressalvam que a empresa procura
contratados pelo call center com exclusividade para resolver tais problemas “da melhor forma possí-
uma determinado empresa-cliente, e a qualifica- vel”. O “desgaste emocional” seria compensado
ção do empregado também depende das exigênci- com campanhas motivacionais: comemoração de
as dessa empresa: datas, eventos, “brincadeiras”, “sorteios”, mas es-
sas não são formas que agradam os empregados,
Quando uma empresa contrata os nossos servi- servindo, em alguns casos, para aliviar a tensão,
ços, nós, já no princípio, na seleção, traçamos o
perfil daquele funcionário que vai trabalhar para mas que também podem criar situações de cons-
aquele cliente e para os diferentes segmentos. trangimento.
Nas tratativas com o cliente, é estabelecido o
perfil, se vai ser ativo ou receptivo (Gerente de A atividade desenvolvida pelos emprega-
RH, nov., 2003). dos do call center aponta para um novo perfil só-
cio-ocupacional, principalmente em função de ser
É importante considerar que o trabalho numa essa uma ocupação muito recente, que há poucos
operadora de call center é diversificado. Existem anos não existia. Mas os empregados gostam do

375
O TELEMARKETING E O PERFIL SÓCIO-OCUPACIONAL...

que fazem? Nos 35 questionários, solicitou-se que com a empresa, entre outros.
os empregados atribuíssem uma nota, em escala Um estudo de Bibby (2000), realizado com
de zero a dez, para a empresa em que trabalham. O empregados de call center na Grã-Bretanha, apre-
resultado foi uma média final de 7,1. Uma per- senta resultados semelhantes aos encontrados no
gunta também foi elaborada em relação à atividade Quadro 2. Os aspectos negativos registrados pelos
desenvolvida pelos empregados: solicitados a atri- dois levantamentos referem-se a: trabalho monó-
buir uma nota para sua satisfação com o emprego tono, passar o dia todo ao telefone, trabalho
no call center, a média foi 7,2. repetitivo (apontado por 37% dos entrevistados
Solicitou-se também aos empregados que na pesquisa de Bibby), monitoramento e supervi-
relacionassem os aspectos que consideram bons e são (34,6%), pressão, estresse, sobrecarga, veloci-
ruins em seu trabalho. O Quadro 2 permite obser- dade do trabalho (16,3%), pausas reduzidas
var os pontos positivos e os negativos apontados (11,7%), poucas oportunidades de crescimento
pelos 35 entrevistados. Dentre os pontos positi- (10,8%) e os pagamentos e salários (6,0%).
vos, destacam-se o pagamento em dia, o cumpri- Em relação às condições de trabalho, seria
mento das leis trabalhistas, a jornada de trabalho importante destacar a falta de identidade dos em-
mais curta, entre outros. Entre os pontos negati- pregados com o call center, em razão do fato de a
vos, os entrevistados destacaram o banco de ho- empresa prestar serviços para outras empresas. Essa
ras, o trabalho repetitivo, a falta de identificação condição faz com que os empregados confundam o

Quadro 2 - Pontos positivos e negativos do trabalho, apontados pelos funcionários da operadora de ca ll center,
segundo indicadores selecionados
Pontos positivos Pontos negativos
Salário compatível com atividade (20) Salário Baixo (15)
Pagamento pontual (25) Baixo valor do cartão lanche (15)
Remuneração
Cumprimento de leis trabalhistas (30) Não tem comissão (exceção vendas) (10)
Plano de saúde (10) Banco de horas (20)
Jornada curta/compatível com estudo ou outra
atividade profissional (22) Metas (15)

Contato com clientes/relações pessoais (15) Monitoria (16)


Possibilidade de ascensão (6) Intervalo curto (15 min + 5 min) (14)
CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 53, p. 365-387, Maio/Ago. 2008

Ambiente agradável (15) Trabalho mecânico e repetitivo (16)


Folgas durante a semana e trabalho sábados,
Equipamentos atualizados (10)
domingos e feriados (12)
Condições de
Trabalho Trocas de horário (10)
Lanche pouco saudável (15)
Contato entre colegas limitado (10)
Stress (5)
Trabalho no final de semana (12)
Falta de identidade com a empresa (22)
Velocidade do trabalho (11)
Posição ruim (12)
Han d set (6)
Ergonomia
Muito tempo sentado (7)
Não tem ginástica laboral (7)
Cursos (10)
Capacitação
Reciclagem com o produto (12)
Fonte: Pesquisa empírica.
Observação: Entre parênteses destaca-se o número de referências ao determinado ponto positivo ou negativo sobre o total de 35 entrevistas.

376
Daniel Gustavo Mocelin,
Luís Fernando Santos Corrêa da Silva

seu real empregador, produzindo a chamada neração. No período analisado, a partir dos dados
“desterritorialização”. Essa concepção é muito dis- da Rais, observa-se que, em 2005, mais de 80% dos
cutida nos call centers e em suas associações. A empregados recebiam remuneração de até três salá-
“desterritorialização” consistiria na dificuldade que rios mínimos, como operadores de telemarketing,
os empregados de uma empresa terceirizada experi- sendo que mais de 60% dos empregados recebiam
mentam, uma vez que são contratados por uma até dois salários mínimos. Entre 2003 e 2005, ob-
empresa, mas trabalham para outra. Seria difícil para serva-se um crescimento das faixas de menor remu-
o empregado criar uma identidade com a operado- neração nessa atividade laboral. Os dados analisa-
ra, uma vez que oscilam entre o empregador – que é dos permitem constatar que a remuneração desses
a operadora – e o cliente da operadora – para quem trabalhadores está aquém das exigências para a in-
o empregado da operadora presta o serviço de serção nas atividades de telemarketing.
telemarketing. Entre os empregados entrevistados, No que se refere ao tempo de emprego, no
11 (um terço) deles afirmaram que se identificam período de 2003 a 2005, observa-se que 80% dos
com ambas as empresas, tanto com o empregador operadores de telemarketing não possuíam mais do
como com o cliente; apenas dois afirmaram que se que dois anos de emprego. Mesmo se consideran-
identificam com o empregador, que é o call center, e do que há significativa geração de postos de traba-
a grande maioria (22 dos 35 entrevistados) identifi- lho entre os três anos, esse índice de empregados
ca-se apenas com o cliente da operadora. com até dois anos não sofreu modificação significa-
tiva; ao contrário, houve redução da participação
dos empregados com mais de dois anos de empre-
CONDIÇÕES DE EMPREGO DOS OPERADO- go, o que indica uma tendência à não-permanência
RES DE TELEMARKETING NO BRASIL dos trabalhadores no mesmo emprego.
Os vínculos de emprego dos operadores de
No mercado de trabalho dos operadores de telemarketing, ao contrário do que poderia pare-
telemarketing, observa-se um baixo grau de remu- cer, devido aos dados disponíveis,
não se caracterizam por contratos por
Gráfico 2 - Evolução da participação percentual dos empregados tempo determinado ou temporários.
como operadores de telemarketing segundo a faixa de remuneração
em salários mínimos (em dezembro) - Brasil, 2003-2006 Nos três anos analisados, os contra-
tos celetistas por tempo indeterminado

CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 53, p. 365-387, Maio/Ago. 2008


100% 3,08 3,17 3,59
estiveram na casa de 96%, com redu-
11,72 7,84 4,74 ção do número de temporários, que
6,06
80% 12,25
9,10 caiu de 3,1%, em 2003, para 1,8%,
20,71 em 2005. Essa situação indica que o
27,46
60% 30,58 caráter de emprego temporário assu-
mido para a ocupação de operador de
40% telemarketing não provém da condi-
60,53 ção contratual, mas do índice eleva-
49,90
20%
40,89 do de desligamento por iniciativa dos
empregados ou de demissões.
1,48 2,53 4,37
0%
2003 2004 2005

Até 1,00 1,01 2,00 2,01    3,00

3,01    4,00 4,01    ou mais Ignorado

Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego, RAIS.

377
O TELEMARKETING E O PERFIL SÓCIO-OCUPACIONAL...

Gráfico 3 - Evolução da participação percentual dos empregados dores de telemarketing no Brasil. Observou-
como operadores de telemarketing segundo o tempo de emprego se que mais de 70% dos empregados nessa
(em meses) - Brasil, 2003-2006
atividade são do sexo feminino, tendência
100% que não sofre modificação no período.
4,94 4,37 4,36
8,19 7,54 5,88 O que também chama atenção é a
8,18 8,15
80%
9,02 grande participação de empregados com
20,6 19,42 ensino médio completo, de 70%, em 2005,
22
60%
percentual que representa o dobro da mé-
17,65 22,66 dia do mercado de trabalho brasileiro no
21,85 seu conjunto, cujo percentual foi de 35%
40%
de trabalhadores com ensino médio. Além
41,66 39,53
disso, há uma grande participação de em-
20%
34
pregados com ensino superior incomple-
to, o que indica que, em grande parte, eles
0%
2003 2004 2005 são trabalhadores que estão cursando o ní-
Até 5,9 6,0  A  11,9 12,0  A  23,9 vel superior. Em 2004, a taxa de trabalhado-
24,0  A  35,9 36,0  A  59,9 60,0  ou mais res com ensino superior incompleto no mer-
cado de trabalho do Brasil é de 4%, enquan-
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego, RAIS.
to que, nas atividades de telemarketing, essa
taxa é de 20%.
QUEM TRABALHA NO CALL CENTER Outro aspecto que se destaca no perfil dos
operadores de telemarketing, que condiz com as evi-
O perfil sócio-ocupacional dos operadores de dências antes expostas, refere-se à idade dos empre-
telemarketing no Brasil gados. Entre 2003 e 2005, ocorre o crescimento da
participação de empregados na faixa entre 18 e 24
Os dados da Rais também permitem fazer anos, que passa de 46% para 52%. Em conseqüên-
importantes inferências sobre o perfil dos opera- cia, há uma redução constante nas duas faixas se-
guintes de idade, ou seja, nas faixas de 25 a 29 anos
e de 30 a 39 anos.
CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 53, p. 365-387, Maio/Ago. 2008

Gráfico 4 - Evolução da participação percentual dos empregados


Tais dados evidenciam que have-
como operadores de telemarketing segundo o sexo
Brasil, 2003-2006 ria uma constante inserção de trabalha-
100% dores mais jovens nas atividades de
90% telemarketing, o que implica não haver
80% envelhecimento dos empregados, sobre-
70% tudo devido à elevada rotatividade da
60% mão-de-obra. A partir de 25 anos de ida-
50% de, ocorre uma redução da participação
40% de empregados nas faixas de idade que
30%
vão de 25 a 29 anos e de 30 a 39 anos.
20%
Isso indica uma tendência de esses em-
10%
pregados saírem do emprego quando atin-
0%
gem uma determina faixa de idade, o que
2003 2004 2005
parece coincidir com o crescimento da
Masculino Feminino
formação.
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego, RAIS.

378
Daniel Gustavo Mocelin,
Luís Fernando Santos Corrêa da Silva

Gráfico 5 - Evolução da participação percentual dos empregados


Lembremos que o call center inves-
como operadores de telemarketing segundo a escolaridade tigado trabalha com dois grandes clientes:
Brasil, 2003-2006
uma operadora de telefonia móvel e um pro-
vedor de Internet. No telemarketing dos ser-
100%
7,6 7,1 6,22 viços de telefonia móvel, é mais abrangente
17,66
o número de mulheres, enquanto, no tra-
18,4 20,13
80% balho com o provedor de Internet, estão mais
presentes os homens, embora, em termos
de qualificação formal (escolarização), ne-
60%
nhum dos segmentos seja mais adequando
a um ou a outro gênero.
65,6 70,99
40% 66,77 A maior parte dos empregados são
pessoas bastante jovens: dos 35 entrevis-
tados, 29 têm até 29 anos. Não há traba-
20%
lhadores com idade inferior a 18 anos,
8,4
pois essa seria a idade mínima para a
6 5,13
0% contratação. O Gráfico 7 mostra que 17
2003 2004 2005
entrevistados têm entre 18 e23 anos, se-
Até fundamental Ensino médio comp
guidos de 12 que estão na faixa entre 24 e
Sup.  incomp Sup.  comp
29 anos, enquanto que apenas 6 têm mais
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego, RAIS. de 30 anos. Segundo entrevista realizada
com a coordenadora do call center, a em-
presa tende a contratar pessoas jovens, pois essas
O PERFIL SÓCIO-OCUPACIONAL DOS OPE- possuiriam mais facilidade para lidar com as fre-
RADORES DE TELEMARKETING
NO CALL CENTER INVESTIGADO Gráfico 6 - Evolução da participação percentual dos empregados
como operadores de telemarketing segundo a idade
Brasil, 2003-2006
As evidências sobre o perfil só-
100%
cio-ocupacional dos operadores de 6,39 6,33

CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 53, p. 365-387, Maio/Ago. 2008


6,96

telemarketing, constatadas para o caso 17,33


20,84 18,42
do Brasil, confirmam-se também para 80%
o caso analisado em Porto Alegre, ape-
sar da pequena amostra. Consideran- 23,91 23,4
60% 25,27
do-se o conjunto dos empregados, as
entrevistas realizadas mostram que as
mulheres são a maioria dos trabalha- 40%
dores, pois representaram 25 dos 35
indivíduos que responderam ao ques- 46,37
50,88 52,48

tionário. No caso do call center investi- 20%

gado, a divisão sexual do trabalho apre-


senta peculiaridades que não são facil- 0%
mente constatadas pelos dados gerais 2003 2004 2005
para o Brasil, embora as tendências ge- Até  17 18  a  24 25  a  29 30  a  39 40  e mais
rais entre as duas bases de dados (Rais
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego, RAIS.
e pesquisa direta) coincidam.

379
O TELEMARKETING E O PERFIL SÓCIO-OCUPACIONAL...

qüentes transformações na base operacional e É interessante observar que oito dos operadores
tecnológica, principalmente as relacionadas à empregados estão cursando o ensino superior, o
informática e à Internet. Mas isso também está que é facilitado pela carga horária diária de 6 ho-
vinculado à perspectiva de que os empregados mais ras. Empregados com ensino superior completo
jovens, quando adquirem outra formação, deixam aparecem em parcela reduzida, o que remete à idéia
os empregos na atividade de telemarketing, fato de que os trabalhadores, ao ascenderem em ter-
evidenciado pela pequena incidência ou ocorrên- mos de formação, não permanecem na atividade
cia de empregados com maior faixa etária. de telemarketing.
A literatura internacional destaca que os call
Gráfico 7 - Número de teleoperadores entrevistados centers empregam muitos trabalhadores em fase
por faixa etária inicial de inserção no mercado de trabalho, mui-
tos deles em situação de primeiro emprego. No
35 anos ou
30-34 anos mais caso investigado, foi possível confirmar tal obser-
4 2
vação, embora essa não seja a situação da maior
18-23 anos parte dos empregados. No Gráfico 9, verifica-se
17
que, dos 35 operadores que responderam ao ques-
tionário, 6 estão ainda em seu primeiro emprego.
12
Entretanto, a posição prevalecente é a de operado-
24-29 anos
res que provieram do setor de comércio (15 dos 35
Fonte: Pesquisa empírica. entrevistados), oriundos de outros empregos, como
vendedores de lojas.
No que se refere à escolaridade, a exigência Fato já mencionado, a atividade de
mínima é de ensino médio completo para os telemarketing possui características em comum com
teleoperadores, mas há estímulo para que o a de vendedor, no que se refere à facilidade em
atendente prossiga os estudos, uma vez que lhes comunicar-se com as pessoas e de convencer o
são “prometidas” oportunidades de ascensão pro- cliente. Assim, no caso de o atendente ativo ter
fissional. Muitos dos funcionários vêem seus co- sido vendedor “presencial”, essa experiência pode
legas ascenderem à função de supervisores, pois, ser um requisito importante para trabalhar com
segundo a política da empresa, ter sido um “bom” televendas. A segunda posição entre as atividades
CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 53, p. 365-387, Maio/Ago. 2008

atendente é condição para ser supervisor. No call anteriores é a do ex-operador, pois oito dos entre-
center estudado, observou-se que 14 dos empre- vistados dizem ser provenientes da própria ativi-
gados entrevistados têm o ensino médio, seguidos dade, tendo exercido a mesma ocupação em outro
de 11 entrevistados com o ensino médio técnico. call center. Contudo, esse dado não parece sugerir

Gráfico 8 - Número de teleoperadores entrevistados Gráfico 9 - Número de teleoperadores entrevistados


por escolaridade segundo as atividades profissionais anteriores

Superior Ex-funcionário de
Superior Completo Outros Primeiro emprego
telecom
Incompleto Médio 4
2 2 6
8 14

Operador de
telemarketing
Médio Técnico 8 Comerciário ou
vendedor
11
15

Fonte: Pesquisa empírica. Fonte: Pesquisa empírica.

380
Daniel Gustavo Mocelin,
Luís Fernando Santos Corrêa da Silva

a existência de um processo de profissionalização tem em serviços de vendas (Gerente de RH, mar.,


2004).
dessa ocupação, como afirmaram os gerentes de re-
cursos humanos: “a atividade pode ser considerada No que se refere às questões de gênero, os
uma profissão, pois já existe uma rotatividade de salários apresentam uma homogeneidade, não ha-
trabalhadores entre as empresas que prestam servi- vendo diferença segundo o sexo. A estrutura de
ços de telemarketing (Entrevista, março de 2003)”. remuneração dos teleoperadores varia conforme sua
Na verdade, essa idéia não coincide com a opinião função ou segmento de atendimento. Nos dados
da maior parte dos trabalhadores, que consideram do Gráfico 10, constata-se que 15 dos 35 trabalha-
ser esse um emprego temporário, ou que ele seria dores que responderam ao questionário recebiam
mais uma ocupação do que uma profissão. Além entre 300 e 400 reais, seguidos de nove
disso, a remuneração é baixa para trabalhadores que teleoperadores que recebiam mais de 500 reais; oito
possuem ensino médio ou superior incompleto, em entrevistados recebiam entre 400 e 500 reais, e
relação ao mercado de trabalho em geral. Os benefí- apenas três recebiam entre 200 e 300 reais (nesse
cios extra-salariais são poucos: vale-alimentação e caso, empregados em contrato de avaliação, mui-
vale-transporte. tos com jornada de 20 horas semanais).
A atividade de telemarketing não se caracte-
Gráfico 10 - Número de teleoperadores entrevistados riza por empregados com longo tempo no empre-
por faixa de remuneração
go. Segundo as entrevistas com os empregados,
R$ 200-300 apenas quatro dos 35 entrevistados têm entre 2 e 3
Mais de R$ 500 3 anos de empresa. Outros quatro entrevistados es-
9
tão há mais de três anos na empresa. Chama a
R$ 300-400
15 atenção o fato de que 27 dos entrevistados esta-
vam empregados há cerca de um ano e meio, sen-
R$ 400-500
8 do que oito deles há menos de seis meses. Para
complementar a idéia de que os empregados em
Fonte: Pesquisa empírica. call centers não permanecem muito tempo no em-
prego, até mesmo por iniciativa própria, podem-
Em 2004, o piso salarial no call center in- se acrescentar os dados do Gráfico 12: dos 35 en-
vestigado era R$ 350,00 para jornada de seis ho-

CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 53, p. 365-387, Maio/Ago. 2008


trevistados, 14 consideram a atividade ocasional e
ras, mas variava de acordo com funções e a área de temporária, e oito dizem estar em constante procu-
atuação, podendo haver ainda ganhos variáveis de ra por uma melhor oportunidade de trabalho, sem
produtividade para cargos de venda, de supervi- mencionar que três deles dizem estar na atividade
são, ou superiores. A maior parte dos empregados
da operadora é constituída de jovens estudantes,
muitos que estão ali apenas para obter renda, ou Gráfico 11 - Número de teleoperadores entrevistados
por tempo de emprego
seja, o trabalho de teleoperador seria uma ativida-
de temporária. Muitos deles têm ainda atividades mais de 3 anos Até 6 meses
2 a 3 anos 4
paralelas. Nesse caso, o emprego de teleoperador 4
8

seria uma forma de aumentar a renda. Sobre a re-


muneração, destacou um gerente:
6 meses a 1
1 a 1,5 anos ano
Hoje [2004], o salário fixo da nossa categoria, 14 5
para uma jornada de quatro horas, é de 220 re-
ais. E de 350 reais para seis horas. Esse é o míni-
mo. Nós contratamos por menos no contrato de
experiência, respectivamente 206 e 310 reais. Fonte: Pesquisa empírica.
Depois de 90 dias, fica normal. Comissões só exis-

381
O TELEMARKETING E O PERFIL SÓCIO-OCUPACIONAL...

Gráfico 12 - Número de teleoperadores entrevistados se refere à perspectiva de seguir uma carreira na em-
segundo a avaliação da pergunta: “por que presa (Gráfico 13), dos 35 entrevistados, 12 dizem
você buscou emprego em um call center?”
que sim, poderiam seguir carreira; entretanto, 23 dos
Atividade entrevistados dizem que não: 16 justificam pelo fato
ligada à
Melhor informática
de ser um trabalho temporário, e por se tratar de
oportunidade Identificação
3 atividade limitada, sem perspectivas futuras.
8 com a área
7
Alguns outros elementos podem ser combi-
Atividade nados entre os dados dos 35 questionários, que di-
ocasional ou Jornada de
temporária trabalho curta zem respeito ao fato de a atividade de telemarketing
14 3 caracterizar-se como um emprego-trampolim. A alta
Fonte: Pesquisa empírica. rotatividade, associada à idade mais jovem, não
permite a existência de empregados com muito tem-
por ela ser, de alguma maneira, relacionada com a po de serviço na empresa. Entre os 35
informática. Três estão no emprego devido à jor- respondentes, observou-se que apenas oito empre-
nada de trabalho ser curta, o que foi indicado como gados têm mais de dois anos de atividade, sendo
um ponto positivo desse tipo de emprego. que 13 responderam estar empregados há menos
A perspectiva defendida de que o trabalho de um ano. Além disso, observou-se que 28 em-
em call center seria emprego transitório se reforça pregados não se identificam com a área (Gráfico
quando se observa que apenas sete dos 35 12). A rotatividade elevada nos call centers também
teleoperadores entrevistados dizem buscar empre- significaria pensar na rápida recolocação de traba-
go no setor por identificação com a área. Esses ele- lhadores, ou seja, quanto maior a rotatividade, mai-
mentos permitem reforçar a idéia de que não há or seria a inserção de novos empregados e menor
um processo de profissionalização nesse tipo de seria o grau de desemprego nessa atividade.
emprego, sobretudo porque os próprios trabalha- Assim, os dados expostos indicam
dores, em grande parte, não querem ser profissio- descontinuidade profissional. No call center, ob-
nais do telemarketing, devido às poucas perspec- servou-se que 23 dos entrevistados não vêem pers-
tivas de ascensão profissional. Não se pode dizer, pectiva de continuar na empresa, como antes foi
portanto, que as atividades de telemarketing seri- destacado, a maior parte deles por considerar a
am atrativas para o trabalhador. A atividade de atividade como ocasional ou temporária. Esse é
CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 53, p. 365-387, Maio/Ago. 2008

telemarketing assumiria esse sentido apenas no que um aspecto que pode estar relacionado a uma ten-
se refere às conveniências particulares dos própri- dência de flexibilidade na própria intenção do jo-
os empregados: atividade ocasional, jornada cur- vem ao se empregar em atividades vinculadas à
ta, pagamento pontual, direitos trabalhistas. No que informática. É interessante observar que, mesmo
quando a pergunta foi diferente (Gráficos 12 e 13),
Gráfico 13 - Número de teleoperadores entrevistados
segundos a avaliação das suas perspectivas as respostas sobre o emprego ser temporário conti-
em seguir carreira no call center nuam recorrentes.
Sim, a
Essas condições também reforçam um falso
Sim, é meta Não, a
operadora pessoal atividade é sentido de participação sindical nos empregados
oferece limitada
oportunidade 3 nos call centers. Eles respondem a questão sobre
9 7
“participação no sindicato” restringindo-se ao pa-
Não, o gamento do imposto sindical. Entretanto, esse
16 trabalho é
temporário imposto é obrigatório. Os empregados não
visualizaram a participação, por exemplo, associa-
da à freqüência às assembléias, para debaterem as-
Fonte: Pesquisa empírica.
pectos relacionados às suas condições de trabalho

382
Daniel Gustavo Mocelin,
Luís Fernando Santos Corrêa da Silva

e realizarem reivindicações. De fato, não há gran- cado de trabalho, pois são atividades que reque-
des perspectivas de mobilização para melhorar as rem trabalhadores semi-qualificados, mas sem exi-
condições de emprego, uma vez que os próprios gência de experiência profissional, de rápido trei-
trabalhadores não se consideram uma categoria namento, fornecendo remuneração, mesmo que
profissional. Em muitos casos, houve relatos de baixa, suficiente para fomentar educação e (ou)
que o sonho dos teleoperadores era trabalhar nas satisfazer necessidades imediatas de consumo.
empresas-cliente que eles representam a partir do Nesse sentido, as atividades em informática pare-
call center. Esse sentimento, somado a todas as cem potencializar a própria empregabilidade de
outras evidências antes destacadas, nos conduz a trabalhadores jovens.
pensar a atividade de operadores de telemarketing
como uma saída para a desocupação e para a falta
de recursos financeiros, ou, ainda, como uma en- SEGMENTAÇÃO INTERNA INDICA ABORDA-
trada no mercado de trabalho, uma vez que garan- GENS MAIS COMPLEXAS
te ao trabalhador remuneração e direitos trabalhis-
tas, o que lhes permite pagar um curso No call center investigado, a segmentação
profissionalizante, seja técnico ou superior. nos tipos de atendimento acarreta distinções no
Mas que características desses empregos perfil dos trabalhadores que compõem cada uma
seriam atraentes aos jovens? As evidências encon- das atividades desenvolvidas. Também ocorre dis-
tradas em entrevistas e depoimentos indicam: tinção no perfil dos empregados do call center se-
· Contratação imediata, devido à alta rotatividade e gundo o cliente atendido. Além das característi-
à rápida substituição do empregado. cas básicas do trabalho no call center, os emprega-
· Jornada de trabalho flexível e mais curta, apro- dos também precisam responder às exigências do
priada para compatibilizar, por exemplo, educa- cliente para o qual vão trabalhar, pois eles repre-
ção com emprego, ou até mesmo dois empregos. sentam com exclusividade a empresa-cliente, de
· Fonte de renda para custear educação técnica ou cujas exigências sua qualificação depende. A ge-
superior e (ou) satisfazer à necessidade de con- rência do call center investigado faz referência ao
sumo; diferente perfil dos empregados quando se trata
· Qualificação mediana como requisito de contratação, do cliente da empresa:
cada vez mais recorrente para os jovens: ensino

CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 53, p. 365-387, Maio/Ago. 2008


Para trabalhar no atendimento, é necessário o
médio e “saber operar um computador”. segundo grau completo, ter o conhecimento de
· Qualificação pessoal: habilidade de comunica- informática básica, e, dependendo do cliente, o
requisito que o cliente pedir... Porque, por exem-
ção e compreensão de procedimentos, comuns plo, um operador do Provedor de Internet não
chega só a isso: é preciso um operador mais pre-
ao jovem de escolarização média; oportunidade parado: que tenha vindo de uma escola técnica,
de aprendizado, no sentido de que esse empre- que tenha um conhecimento maior, que tenha
que ter um perfil, senão eu vou ter dificuldade
go pode ser “mais uma experiência profissional”. de passar, de formar esse funcionário. Há um trei-
· O emprego em call center mais como ocupação e namento de um mês, com 10 ou 12 telas, ele vai
ter de pesquisar para encontrar as informações
menos como profissão: pouca perspectiva de que ele precisa (Gerente de RH, nov., 2003).
crescimento nas empresas ou nas atividades (da Nas tratativas com o cliente, é estabelecido o per-
fil, se vai ser ativo ou receptivo... Dependendo do
mesma forma que a empresa “usaria” o empre- serviço para qual eu estou sendo contratada, eu [o
gado, o empregado “usaria” a empresa). call center] preciso buscar o funcionário adequa-
do para aquela atividade. O funcionário é busca-
· Emprego como “meio”ou passagem para outra do no mercado, e contratado especificamente para
situação, que pode ser idealizada pelo jovem. aquele cliente. Então, ele é um funcionário para
atender àquele cliente, mas é um funcionário do
Tais evidências indicam que os empregos call center. Mas, ele, entre aspas, veste a camiseta
do cliente. Então, todo o funcionário que eu tenho
com base em tecnologia de informática se caracte- hoje, eles foram selecionados, eles têm o perfil
rizam como local para inserção de jovens no mer- que o cliente precisa, e recebendo o treinamento

383
O TELEMARKETING E O PERFIL SÓCIO-OCUPACIONAL...

do cliente, e, por isso, são exclusivos daquele cli- diferentes remunerações. Por exemplo, o prove-
ente (Gerente de RH, mar., 2004).
O provedor de Internet tem uma gama dor de Internet requer mais qualificação técnica na
diversificada de serviços. Nós somos 1.000 fun- área de informática. A atividade do atendente de
cionários trabalhando com o site. Tem ativo, tem
cobrança, tem relacionamento com o cliente, tem bancos também é diferente da atividade do
suporte, tem entrega de Kits, tem resposta a e- atendente de telefonia móvel. O treinamento é mais
mail, tipo uma ouvidoria. Para cada segmento do
provedor, eu tenho um determinado perfil de longo para teleoperadores do provedor (período
funcionário (Gerente de RH, mar., 2004).
de tempo que compreende um mês, visto que ne-
cessita realizar pesquisa em 10 ou 12 telas) e de
Constatou-se que o teleatendimento nos ser-
viços de telefonia móvel é realizado, sobretudo, por bancos (45 dias e, em certos casos, há exigência de
mulheres, enquanto para o provedor de Internet conhecimento de línguas estrangeiras). Entretanto,
seria maior o número de homens, embora nenhum além desse treinamento inicial para assumir a fun-
dos setores seja mais adequando a um só gênero. ção, existem treinamentos periódicos para a
Segundo os gerentes de recursos humanos, no ser- reciclagem com o produto do cliente da operadora,
viço de telefonia móvel predominam mulheres por- além da reciclagem com o próprio equipamento.
que o trabalho envolve atendimento que exige re- As diferenças na atividade de telemarketing,
lativa “docilidade” na comunicação, comportamen- segundo a empresa-cliente, apontadas no Quadro
to que seria naturalizado como característica in- 3, não implicam que, com um ou com outro clien-
trínseca da condição feminina. No provedor de te, haja uma situação diferenciada em termos de
Internet, o atendimento é mais voltado ao suporte essa atividade ser um emprego de passagem. Da
técnico, ou seja, o teleoperador precisa estar pre- mesma forma, como já foi apontado anteriormen-
parado para auxiliar o cliente quanto há dúvidas te, o tipo de telemarketing, ativo ou receptivo, não
referentes à utilização de tecnologias informacionais, conduziu a uma idéia diferente. Mesmo que haja
principalmente conexão à rede mundial de com- uma “melhor” condição segundo o tipo de empre-
putadores e configuração do sistema operacional. sa-cliente e segundo o tipo de telemarketing, as
Nesse caso, os trabalhadores do sexo masculino condições de emprego, especialmente o salário e
são predominantes. as possibilidades de ascensão nas empresas, não
O treinamento do empregado também se são condizentes com o perfil sócio-ocupacional dos
distingue em termos do cliente para o qual traba- trabalhadores, sobretudo no que se refere à quali-
lha, podendo significar diferentes habilidades e ficação e às competências cognitivas requeridas.
CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 53, p. 365-387, Maio/Ago. 2008

Quadro 3 - Distinções de perfil entre os empregados do call center que atendem à operadora de telefonia móvel
celular e os que atendem ao provedor de internet
Cliente do ca ll center
Perfil
Operadora de telefonia Provedor de Internet
Tipo de atendimento contratado Ativo e receptivo Ativo e receptivo
Campanhas, programação de novos Suporte técnico, principalmente
serviços e desativação de serviços, instalação e configuração de serviços;
Atividades atendidas dúvidas sobre aparelhos, serviços e tratamento de contas do usuário,
contas do usuário; mudança de mudança de planos e ativação de
planos, reclamações e resolução de serviços
problemas
Ensino médio, capacidade de Ensino médio e técnico em informática.
comunicação e docilidade. Conhecimento mais apurado de
Qualificação Conhecimento básico em conceitos de informática. Treinamento
informática. Treinamento pelo nos procedimentos do cliente, mas deve
cliente para atendimento ao usuário chegar com conhecimentos técnicos
S exo Predomina feminino Predomina masculino
Idade média (faixa predominante) 20 anos (18-24) 23 anos (20-25 anos)
Remuneração média R $ 450 R $ 750
Fonte: Pesquisa empírica: questionários e entrevistas.

384
Daniel Gustavo Mocelin,
Luís Fernando Santos Corrêa da Silva

As entrevistas qualitativas realizadas com teleoperador limitaria as oportunidades de traba-


teleoperadores complementam as idéias até aqui lhadores do perfil sócio-ocupacional arrojado, caso
apresentadas sobre o emprego em call centers. que parece ser recorrente no meio do telemarketing,
Constatou-se que os trabalhadores envolvidos neste e, além disso, o trabalho seria mais intenso e
estudo são atores que conhecem muito, discursiva repetitivo, bem como limitador.
e tacitamente, a respeito do ambiente social em que
vivem, do seu potencial de inserção no mercado
de trabalho e das suas reais possibilidades profis- CONSIDERAÇÕES FINAIS
sionais. As entrevistas realizadas permitiram cons-
tatar que os empregados de call centers podem A realização do presente estudo sugere que
dizer muito acerca de suas opiniões sobre o ambi- o novo perfil sócio-ocupacional que se desenha
ente empresarial no qual vivem, suas expectativas para esse segmento do mercado de trabalho estaria
profissionais, suas estratégias para almejá-las e tam- relacionado com as transformações no trabalho e
bém sobre o porquê de reagirem do modo como o no emprego, especialmente no caso da emergência
fazem frente à realidade. de novas ocupações, em que haveria necessidade
Mais do que se conformarem com a situa- de um grau elevado de escolarização, como o ensi-
ção que se lhes é “apresenta”, na qual seriam “su- no médio e o uso de tecnologias de informação e
jeitados”, os trabalhadores demonstraram estar comunicação.
reagindo através de estratégias elaboradas a partir Em relação ao como se trabalha, constatou-
das possibilidades por eles encontradas. se que é fundamental ao empregado ser capaz de
Nesse sentido, talvez seja problemático re- utilizar adequadamente as tecnologias necessárias
correr a categorias analíticas tradicionais para ex- para a realização do trabalho. Para lidar com siste-
plicar a situação específica das atividades de mas tecnológicos dessa natureza, o empregado deve
telemarketing ou do trabalho em call centers, tais possuir certa “qualificação”, “ser usuário de com-
como identidade, filiação sindical ou estabilidade putador”, bem como possuir conhecimentos em
(Venco, 1999; Oliveira, 2004; Braga, 2006, 2007; informática e Internet, além de realizar treinamen-
Rosenfield, 2007b), critérios determinados por al- tos de reciclagem com os produtos oferecidos, em
guns estudos para sugerir a precarização do traba- sua maior parte produtos da tecnologia. A maior
lho na atividade de telemarketing. Nosso estudo dificuldade é que o empregado precisaria satisfa-

CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 53, p. 365-387, Maio/Ago. 2008


sugere que tais categorias analíticas são pouco re- zer também às características pessoais exigidas por
presentativas no caso investigado. Em relação à esse segmento, ou seja, possuir boa dicção, capa-
identidade profissional, por exemplo, parece frá- cidade de comunicação, cordialidade e capacida-
gil argumentar acerca de uma identidade provisó- de de negociação. Não se pode deixar de supor
ria ou transitória do trabalhador em call centers que um trabalhador com essas competências e
(Rosenfield, 2007b), pois eles mesmos não alme- portador de escolarização ascendente pretenda
jam essa identidade e buscam tais empregos con- profissionalizar-se em atividade que não o retri-
vencidos disso. No caso da filiação sindical, não bua adequadamente.
há interesse significativo por parte dos emprega- Em relação a quem trabalha, o novo perfil
dos em participar de mobilizações por melhorias sócio-ocupacional é de empregados entre 18 e 30
nas condições de emprego, uma vez que, quanto anos de idade, acostumados a lidar com tecnologias
mais tempo ficam nesses empregos, menos têm informacionais. Não há distinção em relação ao
perspectivas profissionais na atividade. No caso sexo no que concerne a salários, por exemplo. Mas
de estabilidade, os trabalhadores consideram que deve-se destacar que a maior parte dos operadores
um emprego desse tipo que fosse “estável” não de telemarketing são mulheres. A distinção no ní-
seria interessante para eles, pois a ocupação de vel da remuneração ocorre, sobretudo, em relação

385
O TELEMARKETING E O PERFIL SÓCIO-OCUPACIONAL...

ao tipo de atividade desenvolvida. Por exemplo, outro, oferece baixos salários, poucas possibilida-
os homens que trabalham com o provedor de des de ascensão hierárquica, ritmo intenso de tra-
Internet recebem melhores salários que as mulhe- balho, flexibilidade em horários e preocupações com
res, visto que estão mais presentes nessa ocupa- ergonomia. Condições estruturais do mercado de
ção, em que a exigência por qualificação técnica é trabalho influenciam, em grande medida, o aumen-
maior. Convém destacar que o teleoperador pro- to da taxa de rotatividade nas empresas, a falta de
vém, em grande parte, do setor de comércio. Os identificação dos trabalhadores – com a atividade
salários são baixos, embora exista certa satisfação que desempenham e com a sua “categoria profissio-
para os teleoperadores ativos, pois recebem comis- nal” – e a descrença na eficácia do movimento sin-
são por vendas realizadas. dical. Essas condições influenciam a reelaboração
Por outro lado, o teleoperador receptivo tem dos sentidos do estar empregado e do estar desem-
jornadas de trabalho menores, o que também tem pregado, uma vez que o foco das estratégias que
sido um atrativo para trabalhadores em início de definem o emprego-trampolim não estaria fundado
carreira e que estão estudando. na obtenção da estabilidade, e sim na superação
Com base nos dados analisados, não se pode transitória e individual das condições materiais e
dizer que as atividades de telemarketing sejam atra- simbólicas dos atores sociais envolvidos.
tivas para o trabalhador, visto que parcela signifi- O como se trabalha e o quem trabalha apre-
cativa dos empregados considera o emprego em sentam distinções no que se refere ao tipo de
call centers como temporário ou ocasional, a não telemarketing e ao cliente que contrata o serviço do
ser no que se refere às suas conveniências particu- call center, o que pode significar melhor ou pior
lares, como a jornada curta, que facilita o estudo, qualidade de emprego. Nesse sentido, esse seria um
ou atividade paralela, ou complementação da ren- objeto de investigação complexo, que necessita ser
da, entre outros. abordado em toda sua heterogeneidade. Cabe des-
Os resultados apresentados indicam a ten- tacar que os dados obtidos na empresa investigada
dência de que as atividades laborais baseadas em foram contrastados com dados secundários mais
informática, mas que são pouco estimulantes, po- gerais sobre o emprego dos operadores de
dem ser consideradas como um emprego-trampo- telemarketing no Brasil, o que permite uma ampli-
lim, não exclusivamente no âmbito da atividade tude maior de validade das informações qualitati-
de telemarketing, mas especialmente para outros vas obtidas pela pesquisa direta. Nesse sentido, o
CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 53, p. 365-387, Maio/Ago. 2008

rumos sociais, profissionais ou pessoais aspira- estudo demonstra sua importância por ressaltar a
dos pelos jovens. Os empregados do call center perspectiva do setor de serviços, espaço em que
percebem a atividade como temporária, ou seja, são bastante evidentes as mudanças no âmbito do
adequada à sua situação de momento. Ao mesmo trabalho no mundo contemporâneo, instigando a
tempo em que “satisfaz” as conveniências dos novos estudos nessa área.
empregados que são trabalhadores jovens, o em-
prego nos call centers seria percebido como meio
(Recebido para publicação em outubro de 2007)
de suprir transitoriamente necessidade materiais. (Aceito em julho de 2008)
Nessa acepção, a atividade de telemarketing pare-
ce configurar uma forma de emprego típica de al-
guns setores na atualidade, como o trabalho ban- REFERÊNCIAS
cário teria sido nos anos 1980.
O ambiente favorável para a emergência des- BATT, Rosemary. Strategic segmentation in front-line
services: matching customers, employees and human
se emprego-trampolim congregaria duas dimensões resource systems. International Journal of Human
Resource Management., [S.l.], v.11, n.3, p.540-561, 2000.
fundamentais: por um lado, exige um trabalhador
BIBBY, Andrew. Organising in financial call centres.
jovem, escolarizado, qualificado, criativo e, por Discussion Paper. United Kingtom: 30 march, 2000.

386
Daniel Gustavo Mocelin,
Luís Fernando Santos Corrêa da Silva

BRAGA, Ruy. Crônicas de autômato: o infotaylorismo LARANGEIRA, Sônia M. G. Reestruturação no setor das
como contratempo. In: MACIEL, Maria L.; ALBAGLI, telecomunicações: inovações tecnológicas, privatizações
Sarita. Informação e desenvolvimento: conhecimento, e desregulamentação: aspectos da experiência internacio-
inovação e apropriação social. Brasília: UNESCO-IBICT, nal. Revista Latinoamericana de Estúdios del Trabajo,
2007. p.355-384. Buenos Aires, v.4, n.8, p.159-178, 1998.
______. Uma sociologia da condição proletária contempo- ______. A reestruturação das telecomunicações e os sin-
rânea. Tempo Social: revista de Sociologia da USP, São dicatos. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo,
Paulo, v.18, n.1, p.133-152, 2006. v.18, n.52, p.81-86, jun., 2003.
CASTELLS, Manuel. A era da informação: economia, so- OLIVEIRA, Sirlei M. Reestruturação das Telecomunica-
ciedade e cultura. In: ______. A sociedade em rede. 3.ed. ções no Brasil: uma re(visão) das estratégias de gestão da
São Paulo: Paz e Terra, 1999. v.1 produção e das relações de trabalho na cadeia produtiva
(estudo de caso da telefonia fixa em São Paulo – 1990-
CATTANI, Antonio David. Dicionário crítico sobre traba- 2003) 2004. Tese ( Doutorado) – USP, São Paulo, 2004.
lho e tecnologia. 4.ed. Petrópolis: Vozes; Porto Alegre: Ed.
da Ufrgs, 2002. 368p. ROSENFIELD, Cinara Lerrer. Paradoxos do capitalismo e
trabalho em call centers: Brasil, Portugal e Cabo Verde.
DEL BONO, Andrea. Call centers, el trabajo del futuro? El Caderno CRH: revista do Centro de Recursos Humanos,
caso de estratégia telefónicas S.ª (ESTRATEL). Sociologia Salvador, v.20, n.51, p.447-462, set./dez., 2007a.
del Trabajo. Madrid, Siglo XXI Editores, n.39, p.3-61, pri-
mavera, 2000. ______. Construção da identidade no trabalho em call
centers: a identidade provisória. In: CONGRESO
GLUCKSMANN, Mirian. Call configurations: varieties of LATINOAMERICANO DE SOCIOLOGÍA DEL TRABAJO,
call centre and divisions of labour. Work, Employment 5, 18 a 20 de abril. Anais... Montevideo, Ur. Dat.
and Society, Londres, v.18, n.4, p.795-811, 2004.
TAYLOR, P.; MULUEY, G.; HYMAN, J.; BAIN, P. Work
INFOEXAME. 200 maiores empresas de tecnologia no organization, control and the experience of work in call
Brasil. São Paulo, Ed. abril, n.197, ago., 2002. Caderno Centres. Work, Empolyment and Society, Londres, v.16,
especial. n.1, mar., p.133-150, 2002.
KERST, Christian; HOLTGREWE, Ursula. Flexibility and VENCO, Selma. Telemarketing nos Bancos: o emprego
Customer Orientation: where does the slack come from? que desemprega. 1999. Dissertação Mestrado (Educação)
WORK, EMPLOYMENT AND SOCIETY CONFERENCE. - Departamento de Ciências Sociais Aplicadas à Educa-
Nottingham, 11-13 sept., 2001. Dat. ção, UNICAMP. Campinas, 1999.
KOVÁCS, Ilona. Empresa Flexível: Problemas sociais do
pós-taylorismo. In: PEREIRA, Antônio Garcia et al.
Globalização: novos rumos no mundo do trabalho.
Florianópolis: Ed. da UFSC; SOCIUS, 2001.

TELEMARKETINGANDTHESOCIALANDOCCUPATIONAL LETÉLÉMARKETINGETLEPROFILSOCIO-
PROFILEOFCALLCENTEREMPLOYEES OCCUPATIONNELDESEMPLOYÉSDES CALLCENTERS

Daniel Gustavo Mocelin Daniel Gustavo Mocelin


Luís Fernando Santos Corrêa da Silva Luís Fernando Santos Corrêa da Silva

This paper brings research results on workers of a Cet article montre les résultats d’une recherche réalisée
call center, in Porto Alegre, trying to analyze combinedly auprès des employés d’un call center à Porto Alegre. On

CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 53, p. 365-387, Maio/Ago. 2008


how one works and who works in telemarketing essaie d’analyser en même temps comment on travaille et
activities. Call centers are business organizations of qui travaille dans des activités de télémarketing. Les calls
telemarketing services. Their operators are workers with centers sont des entreprises de prestations de services de
high education, compared to Brazilian job market levels, télémarketing. Ses opérateurs sont des employés dont le
what would point to a professionalization of the activity. niveau de scolarité est élevé si on le compare au niveau du
Paradoxically, work conditions, characterized by the marché de travail brésilien en général, ce qui indiquerait
intensification of labor and low remuneration, but with une professionnalisation de l’activité. Paradoxalement les
a demand of medium qualification, influence the conditions de travail, caractérisées par l’intensification du
strategies and the senses of this job for young workers, travail et par une faible rémunération mais exigeant une
defining this as “trampoline job”, that just answers to a qualification moyenne, ont une influence sur le sens que
transitory superation of material and symbolic conditions, les jeunes travailleurs donnent à cet emploi qu’ils finissent
and not the search for professionalization and stability, par définir comme un “emploi tremplin”. Ce travail répond
even with the demands of specialized technical seulement à un besoin matériel et symbolique temporaire
knowledge and constant recycling. The characteristics et non pas à la quête d’une professionnalisation et d’une
of the sector and the emergency of this new type of worker stabilité, même si des exigences de connaissances
help to understand labor in the services sector. techniques spécialisées et un recyclage constant sont exigés.
Les caractéristiques du secteur et le surgissement de ce
nouveau type d’employé aident à comprendre le travail
dans le secteur de services.

KEYWORDS: Sociology of labor, call centers, Porto Alegre, MOTS-CLÉS: Sociologie du Travail, call centers Porto Ale-
social and occupational profile of workers, job rotation, gre, profil socio occupationnel des travailleurs, rotation
services. des emplois, services.

387

Você também pode gostar