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Eutanásia e ortotanásia à luz da Resolução nº 1.

995/2012 do Conselho
Federal de Medicina – CFM – Brasileiro
01/09/2017. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-penal/eutanasia-
e-ortotanasia-a-luz-da-resolucao-n-1-995-2012-do-conselho-federal-de-medicina-cfm-
brasileiro/

Resumo: Os avanços biotecnológicos à disposição de profissionais de saúde facilitaram a


realização de procedimentos médicos e geraram benefícios transitórios a pacientes de forma
crescente com o passar dos séculos. À disposição dos médicos, tais aparatos, não trouxeram
apenas benefícios. A manutenção da dignidade da pessoa humana – art. 5º, Constituição Federal
– é a grande questão a ser analisada na aplicação das novas intervenções médicas no final da vida
humana. Interromper ou permitir o decurso natural da morte por consequência de uma doença
terminal, com procedimentos e “cuidados” médicos serão, neste artigo analisados sob a ótica
jurídica. Esclarecer o teor da Resolução 1.995/2012, do Conselho Federal de Medicina no tocante
à prática da eutanásia, ou “aceleração da morte” e ortotanásia ou “morte natural” e o reflexo desta
no ordenamento jurídico brasileiro é a investigação que se propõe esse artigo. É licito permitir
que o doente em estado terminal morra naturalmente, sem interferência ostensiva dos modernos
procedimentos médicos que prolongam a vida, por escolha expressa do paciente: a ortotanásia. É
regulamentada pela Resolução supramencionada. O Código de Ética Médica – Resolução
1931/2009-2010 compartilha do entendimento. A eutanásia não se confunde com tal conduta. É
prática que encontra penalização e adequação do ato do sujeito ativo na legislação penal brasileira.

Palavras-chave: Ortotanásia. Eutanásia. Conselho Federal de Medicina. Resolução 1.995/2012.


Código Penal.

Abstract: Biotechnological advances available to health professionals have facilitated medical


procedures and have generated transient patient benefits over time over the centuries. At the
disposal of doctors, such devices did not bring only benefits. Maintaining the dignity of the human
person – art. 5, Federal Constitution – is the great question to be analyzed in the application of
new medical interventions at the end of human life. To interrupt or allow the natural course of
death as a consequence of a terminal illness, with medical procedures and "care" will be analyzed
in this article from a legal point of view. Clarifying the content of Resolution 1995/2001 of the
Federal Council of Medicine regarding the practice of euthanasia, or "acceleration of death" and
orthatanasia or "natural death" and the reflection of this in the Brazilian legal system is the
research proposed in this article . It is permissible to allow the terminally ill patient to die
naturally, without overt interference of the modern medical procedures that prolong life, by
express choice of the patient: ortho- thasia. It is regulated by the aforementioned resolution. The
Code of Medical Ethics – Resolution 1931 / 2009-2010 shares the understanding. Euthanasia is
not confused with such conduct. It is a practice that finds penalization and adequacy of the act of
the active subject in Brazilian criminal law.

Key-words: Orthopathy. Euthanasia. Federal Council of Medicine. Resolution 1,995 / 2012.


Criminal Code.

Sumário: Introdução. 1. A ortotanásia, a eutanásia e a Resolução 1.995/2012 do Conselho


Federal de Medicina – CFM- do brasil. Conclusão. Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO.

A morte do Papa João Paulo II em 2005, por escolher “aceitar o decurso natural da sua doença
terminal” em casa, trouxe novamente à tona questionamentos no mundo inteiro sobre os limites
de decisão do indivíduo no que se refere à disposição da sua própria vida na fase terminal de uma
doença. Que cuidados quer ter, se pode decidir sobre a dispensa de procedimentos e tratamentos
médicos que prolongariam o seu tempo de vida, ou encurtariam o tempo da morte. Isso não seria
atentar contra a própria dignidade humana? No Brasil e diversos países estrangeiros, essa conduta
descrita, não.

Em países estrangeiros como a Holanda, por exemplo, especificamente a prática da eutanásia, ou


“antecipação da morte” já é legalizada e a ortotanásia, ou “morte natural” aceita no seu
ordenamento jurídico. No Brasil, a eutanásia é considerada uma conduta criminosa, ou melhor,
homicídio privilegiado, como dispõe o art. 121, §1º do Código Penal brasileiro vigente, se a
conduta estiver de acordo com o que dispõe o texto normativo. A ortotanásia, defendida pela
Resolução 1.995/2012, embora não utilize explicitamente o termo, busca a preponderância da
vontade expressa do paciente quanto à prática de tratamentos ou não em estado crítico de vida e
por obrigação, a aceitação do médico. São as chamadas “diretivas antecipadas de vontade”, ou
“testamento vital”.

Como se observa, é um tema que gera posições divergentes, pois envolve a moral, a ética médica,
a dignidade humana, o sofrimento físico e psíquico do paciente e da sua família. A reflexão acerca
do tema em questão, diferenciando os conceitos, fundamentando na visão, por exemplo, de
Fernando Capez (2003) e do que preleciona o Código de Ética Médica – Resolução 1931/2009-
2010 enriquecerá a elaboração desse artigo como se observará.

1. A ORTOTANÁSIA, A EUTANÁSIA E A RESOLUÇÃO 1.995/2012 DO CONSELHO


FEDERAL DE MEDICINA – CFM- DO BRASIL.

Todo o desenvolvimento do tema exposto, gira em torno da defesa da dignidade da pessoa


humana, princípio fundamental da Carta Constitucional brasileira em vigor. Isso porque, os
avanços tecnológicos existentes no campo da medicina utilizados, acabam por retardar o processo
natural da morte do paciente, o que afeta diretamente a pessoa do paciente. A ortotanásia e a
eutanásia são as condutas investigadas nesse campo de estudo, pois se trata de intervenção ou não
no decurso do tempo de vidado paciente terminal.

A Resolução 1.995/2012 do CFM regulamentou as intituladas “diretivas antecipadas de vontade”


ou “testamento vital” do paciente acometido de doença em estado terminal de vida. Isso significa
afirmar que o indivíduo terá respeitada a sua vontade de não prosseguir com a utilização de
artifícios tecnológicos para atrasar a sua morte. É a ortotanásia, ou como mencionado
anteriormente, a “morte natural”.

Existem alguns pontos interessantes nesta prática; o Conselho Federal de Medicina buscou a
preservação da relação médico-paciente, de acordo com posicionamento do presidente deste
Conselho, Roberto D´Ávila, em entrevista à jornalista Marina Marquez do R7 Notícias em agosto
de 2012. Essa preservação dar-se-á através da garantia da “tranquilidade no momento da partida”.
Vale ressaltar que não se confunde tal prática com eutanásia. D´Ávila destaca a diferença,
exemplificando: “[…] Não vamos desligar aparelhos. A pessoa não será abandonada, vai receber
cuidados paliativos para ter conforto o tempo necessário e morrer em paz”. Ainda afirma que o
CFM defende a ortotanásia e não a eutanásia.
Outro ponto importante relativo a esse assunto é a definição do que seriam estas “diretivas
antecipadas de vontade” ou “testamento vital”. De acordo com o que está publicado no site oficial
do CFM (2012), seria o instrumento que:

“[…] permite ao paciente registrar, por exemplo, a vontade de, em caso de agravamento do quadro
de saúde, não ser mantido vivo com a ajuda de aparelhos, nem submetido a procedimentos
invasivos ou dolorosos. Nos países onde existe, o testamento vital tem respaldo legal e deve ser
observado pelos profissionais de saúde; o documento recebe a assinatura de testemunhas e é
elaborado enquanto o paciente ainda está consciente. O testamento também tem caráter de
procuração: por meio dele, o interessado pode indicar uma pessoa de sua confiança para tomar
decisões sobre os rumos do tratamento a que será submetido a partir do momento em que não
tiver condições de fazer escolhas.”

Por fim, a Resolução 1.995/2012 está em sintonia com o atual Código de Ética Médica –
Resolução 1931/2009 – 2010 – que dispõe em seu Capítulo V (Relação com pacientes e
familiares), a vedação ao médico de:

“Art. 41. Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal.

Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os
cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou
obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua
impossibilidade, a de seu representante legal.”

Já a eutanásia, de acordo com Fernando Capez (2003, p.34):

“[…] significa boa morte. […] Consiste em pôr fim à vida de alguém, cuja recuperação é de
dificílimo prognóstico, mediante o seu consentimento expresso ou presumido com a finalidade de
abreviar-lhe o sofrimento. Troca-se, a pedido do ofendido, um doloroso prolongamento de sua
existência por uma cessação imediata da vida, encurtando sua aflição física.”

Ao observar o conceito de eutanásia e de ortotanásia, é perceptível que as duas intencionam não


prolongar o sofrimento de um paciente em estado terminal. Porém, a eutanásia, pelo conceito
delimitado acima, pode ser encaixada na previsão de homicídio, auxílio ao suicídio, ou ainda uma
conduta atípica. No ordenamento brasileiro, é considerado um “homicídio privilegiado”, art. 121,
§1º, se a conduta for motivada por piedade ou compaixão em relação ao doente. Na ortotanásia
não há comissão ou omissão do sujeito ativo. Apenas deixa-se o curso natural de uma doença
terminal acontecer sem intervenção alguma de terceiros com procedimentos médicos que
extrapolam os cuidados básicos.

A eutanásia pode ser classificada como comissiva, em que há um comportamento ou conduta


ativa do agente e a omissiva, quando há, por conseguinte uma conduta omissiva, ou “passiva” do
agente. A eutanásia ativa seria, segundo citação de Raquel Elias Ferreira Dodge (2009, p.4):

“[…] provocar a morte rápida, através de uma ação deliberada, como por exemplo, uma injeção
intravenosa de potássio.” Já a forma passiva, seria […] deixar morrer através da suspensão de
uma medida vital, e que levaria o paciente ao óbito em um espaço de tempo variável.”

Segundo Capez (2003,p.34), as duas modalidades são consideradas homicídio privilegiado.

No tocante a esse assunto, o Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do Código Penal


Brasileiro, ainda em tramitação, prevê no art. 121:
“Eutanásia
§ 3º Se o autor do crime agiu por compaixão, a pedido da vítima imputável e maior, para
abreviar-lhe sofrimento físico insuportável, em razão de doença grave: Pena – Reclusão de três
a seis anos.

Exclusão de ilicitude

§ 4º Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se previamente
atestada por dois médicos, a morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento
do paciente, ou na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou
irmão.”

No parágrafo terceiro do supramencionado Anteprojeto a doença deve ser grave, incurável e o


paciente tem que ser terminal para que haja redução de pena do crime de homicídio. Já no
parágrafo quarto está a ortotanásia descrita, e esta como causa de exclusão da ilicitude da conduta
do sujeito ativo. Seriam estes artigos de grande importância para a regulamentação clara e objetiva
tanto da ortotanásia quanto da eutanásia no ordenamento brasileiro. Uma realidade ainda sem
previsão exata.

CONCLUSÃO

O tema eutanásia e ortotanásia perpassaram os séculos sem um consenso na questão dos limites
do ser humano no que tange a disponibilidade da sua própria vida. É majoritário apenas o
entendimento de que não se deve utilizar de meios cruéis ou degradantes que atentem contra a
vida, ainda que em fase terminal, de um indivíduo enfermo que deseje findar com o sofrimento
físico e psíquico.

Como se sabe, a eutanásia é considerada como uma conduta incriminada pelo ordenamento
jurídico brasileiro, embora não esteja esse termo expresso no Código Penal ou mesmo no Código
de Ética Médica. A questão precípua da não aceitação desta conduta está fundamentada na
impossibilidade de terceiro dispor de um direito que é intransferível: a vida. Compete, portanto
apenas ao seu titular abdicar ou dispor deste direito – o caso, por exemplo, do suicídio -, não lhe
sendo lícito consentir a terceiros o encurtamento ou abreviação da própria vida.

Já a ortotanásia não pode ser considerada uma conduta praticada por terceiro, pois, não há de fato
a interferência do médico no momento da morte do paciente, antecipando ou adiando a mesma.
Em verdade é evidente que inexiste sequer o que se entende por encurtamento do período de vida,
pois, o mesmo, em regra já se encontra em avançado e inevitável estado de esgotamento. Enfim,
nada é feito em termos de procedimentos médicos, além dos cuidados básicos necessários
mantidos, como higiene e alimentação, por exemplo. A prática da ortotanásia visa também evitar
a “distanásia”. Essa nada mais é do que o prolongamento da vida pela desnecessária utilização de
recursos médicos reiteradamente em estados terminais de pacientes, fazendo com que haja
sofrimento pela desproporcionalidade dos procedimentos, sem a reversão do processo de morte
em curso indiscutível.

Enfim, há que se buscar a razoabilidade no caso concreto, e pelo que se observa, respeitando
resoluções, códigos e a Constituição Federal vigente em seus direcionamentos, no que couber.
Acima de tudo, respeitar a vontade do paciente, familiares ou representantes legais que detenham
a informação sobre a diretiva do enfermo e buscar a Comissão de Ética Médica do hospital ou
recorrer ao Conselho Regional e Federal de Medicina quando inexistir as hipóteses anteriores de
expressão de vontade.
Referências
BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Eutanásia, ortotanásia e distanásia: breves
considerações a partir do biodireito brasileiro. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 871,
21, nov.2005. Disponível em http://jus.com.br/revista/texto/7571/eutanasia-ortotanasia-e-
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CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial – dos crimes contra a pessoa, dos
crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos. vol. 2. São Paulo: Saraiva,
2003.
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Código de Ética Médica: Resolução nº 1.931/2009-
2010. Disponível em:
http://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=20660:codigc-de-
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_______________________________. Resolução nº 1.995/2012. Disponível em:
http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2012/1995_2012.pdf. Acesso em 01 de agosto
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DODGE, Raquel Elias Ferreira. Eutanásia – Aspectos Jurídicos. Revista Bioética – Conselho
Federal de Medicina. São Paulo, 2009. Disponível em:
http://www.revistabioetica.cfm.org.br/index.php/revista_bioetica/article/viewFile/299/438.
Acesso em 03 de agosto de 2017.
MARQUEZ, Marina. Médicos são obrigados a respeitar vontade de morrer em casos
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Acesso em 02 de agosto de 2017.
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http://noticias.terra.com.br/educacao/vocesabia/noticias/0,,OI5700268-EI8399,00-
Em+algum+pais+a+eutanasia+e+permitida+por+lei+Veja+casos.html. Acesso em: 10 de agosto
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VILLAS-BÔAS, Maria Elisa. A ortotanásia e o Direito Penal brasileiro. Revista Bioética –
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http://revistabioetica.cfm.org.br/index.php/revista_bioetica/article/viewFile/56/59. Acesso em:
02 de agosto de 2017.

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