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995/2012 do Conselho
Federal de Medicina – CFM – Brasileiro
01/09/2017. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-penal/eutanasia-
e-ortotanasia-a-luz-da-resolucao-n-1-995-2012-do-conselho-federal-de-medicina-cfm-
brasileiro/
A morte do Papa João Paulo II em 2005, por escolher “aceitar o decurso natural da sua doença
terminal” em casa, trouxe novamente à tona questionamentos no mundo inteiro sobre os limites
de decisão do indivíduo no que se refere à disposição da sua própria vida na fase terminal de uma
doença. Que cuidados quer ter, se pode decidir sobre a dispensa de procedimentos e tratamentos
médicos que prolongariam o seu tempo de vida, ou encurtariam o tempo da morte. Isso não seria
atentar contra a própria dignidade humana? No Brasil e diversos países estrangeiros, essa conduta
descrita, não.
Como se observa, é um tema que gera posições divergentes, pois envolve a moral, a ética médica,
a dignidade humana, o sofrimento físico e psíquico do paciente e da sua família. A reflexão acerca
do tema em questão, diferenciando os conceitos, fundamentando na visão, por exemplo, de
Fernando Capez (2003) e do que preleciona o Código de Ética Médica – Resolução 1931/2009-
2010 enriquecerá a elaboração desse artigo como se observará.
Existem alguns pontos interessantes nesta prática; o Conselho Federal de Medicina buscou a
preservação da relação médico-paciente, de acordo com posicionamento do presidente deste
Conselho, Roberto D´Ávila, em entrevista à jornalista Marina Marquez do R7 Notícias em agosto
de 2012. Essa preservação dar-se-á através da garantia da “tranquilidade no momento da partida”.
Vale ressaltar que não se confunde tal prática com eutanásia. D´Ávila destaca a diferença,
exemplificando: “[…] Não vamos desligar aparelhos. A pessoa não será abandonada, vai receber
cuidados paliativos para ter conforto o tempo necessário e morrer em paz”. Ainda afirma que o
CFM defende a ortotanásia e não a eutanásia.
Outro ponto importante relativo a esse assunto é a definição do que seriam estas “diretivas
antecipadas de vontade” ou “testamento vital”. De acordo com o que está publicado no site oficial
do CFM (2012), seria o instrumento que:
“[…] permite ao paciente registrar, por exemplo, a vontade de, em caso de agravamento do quadro
de saúde, não ser mantido vivo com a ajuda de aparelhos, nem submetido a procedimentos
invasivos ou dolorosos. Nos países onde existe, o testamento vital tem respaldo legal e deve ser
observado pelos profissionais de saúde; o documento recebe a assinatura de testemunhas e é
elaborado enquanto o paciente ainda está consciente. O testamento também tem caráter de
procuração: por meio dele, o interessado pode indicar uma pessoa de sua confiança para tomar
decisões sobre os rumos do tratamento a que será submetido a partir do momento em que não
tiver condições de fazer escolhas.”
Por fim, a Resolução 1.995/2012 está em sintonia com o atual Código de Ética Médica –
Resolução 1931/2009 – 2010 – que dispõe em seu Capítulo V (Relação com pacientes e
familiares), a vedação ao médico de:
“Art. 41. Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal.
Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os
cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou
obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua
impossibilidade, a de seu representante legal.”
“[…] significa boa morte. […] Consiste em pôr fim à vida de alguém, cuja recuperação é de
dificílimo prognóstico, mediante o seu consentimento expresso ou presumido com a finalidade de
abreviar-lhe o sofrimento. Troca-se, a pedido do ofendido, um doloroso prolongamento de sua
existência por uma cessação imediata da vida, encurtando sua aflição física.”
“[…] provocar a morte rápida, através de uma ação deliberada, como por exemplo, uma injeção
intravenosa de potássio.” Já a forma passiva, seria […] deixar morrer através da suspensão de
uma medida vital, e que levaria o paciente ao óbito em um espaço de tempo variável.”
Exclusão de ilicitude
§ 4º Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se previamente
atestada por dois médicos, a morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento
do paciente, ou na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou
irmão.”
CONCLUSÃO
O tema eutanásia e ortotanásia perpassaram os séculos sem um consenso na questão dos limites
do ser humano no que tange a disponibilidade da sua própria vida. É majoritário apenas o
entendimento de que não se deve utilizar de meios cruéis ou degradantes que atentem contra a
vida, ainda que em fase terminal, de um indivíduo enfermo que deseje findar com o sofrimento
físico e psíquico.
Como se sabe, a eutanásia é considerada como uma conduta incriminada pelo ordenamento
jurídico brasileiro, embora não esteja esse termo expresso no Código Penal ou mesmo no Código
de Ética Médica. A questão precípua da não aceitação desta conduta está fundamentada na
impossibilidade de terceiro dispor de um direito que é intransferível: a vida. Compete, portanto
apenas ao seu titular abdicar ou dispor deste direito – o caso, por exemplo, do suicídio -, não lhe
sendo lícito consentir a terceiros o encurtamento ou abreviação da própria vida.
Já a ortotanásia não pode ser considerada uma conduta praticada por terceiro, pois, não há de fato
a interferência do médico no momento da morte do paciente, antecipando ou adiando a mesma.
Em verdade é evidente que inexiste sequer o que se entende por encurtamento do período de vida,
pois, o mesmo, em regra já se encontra em avançado e inevitável estado de esgotamento. Enfim,
nada é feito em termos de procedimentos médicos, além dos cuidados básicos necessários
mantidos, como higiene e alimentação, por exemplo. A prática da ortotanásia visa também evitar
a “distanásia”. Essa nada mais é do que o prolongamento da vida pela desnecessária utilização de
recursos médicos reiteradamente em estados terminais de pacientes, fazendo com que haja
sofrimento pela desproporcionalidade dos procedimentos, sem a reversão do processo de morte
em curso indiscutível.
Enfim, há que se buscar a razoabilidade no caso concreto, e pelo que se observa, respeitando
resoluções, códigos e a Constituição Federal vigente em seus direcionamentos, no que couber.
Acima de tudo, respeitar a vontade do paciente, familiares ou representantes legais que detenham
a informação sobre a diretiva do enfermo e buscar a Comissão de Ética Médica do hospital ou
recorrer ao Conselho Regional e Federal de Medicina quando inexistir as hipóteses anteriores de
expressão de vontade.
Referências
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