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AgRg no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 2078054 - DF (2022/0057537-4)

RELATOR : MINISTRO MESSOD AZULAY NETO


AGRAVANTE : ANDERSON MARTINS DE OLIVEIRA
ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL
AGRAVADO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E
TERRITÓRIOS

EMENTA

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.


CRIME DE LESÃO CORPORAL. CONTEXO DE
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. EXAME DE CORPO DE DELITO. AUSÊNCIA.
FOTOGRAFIA NÃO PERICIADA. INSUFICIÊNCIA DE OUTROS MEIOS DE
PROVA. AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVA PARA A NÃO REALIZAÇÃO DE
PROVA TÉCNICA. SÚMULA 83 AFASTADA. ABSOLVIÇÃO.
I - Segundo a jurisprudência deste Tribunal, a palavra da vítima detém
especial importância nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica,
devido ao contexto de clandestinidade em que normalmente ocorrem. Todavia, a
aludida tese não deve ser vulgarizada a ponto de esvaziar o conteúdo normativo do
art. 158 do Código de Processo Penal.
II - Por um lado, incumbe ao Poder Judiciário responder adequadamente aos
que perpetram atos de violência doméstica, a fim de assegurar a proteção de pessoas
vulneráveis, conforme preconiza a Constituição. Por outro, é um consectário do
Estado de Direito preservar os direitos e garantias que visam a mitigar a
assimetria entre os cidadãos e o Estado no âmbito do processo penal.
III - O exame de corpo de delito poderá, em determinadas situações, ser
dispensado para a configuração de lesão corporal ocorrida em âmbito doméstico, na
hipótese de subsistirem outras provas idôneas da materialidade do crime acostadas
aos autos. Precedentes.
IV - Todavia, especificamente no caso em análise, o exame de corpo de delito
deixou de ser realizado e os elementos de prova restantes - fotografia não periciada,
depoimento da vítima e relato de informante que não presenciou os fatos - se
mostraram insuficientes para a manutenção do édito condenatório. Súmula 83
afastada.
V - A absolvição é medida que se impõe diante da falta de prova técnica
exigida por lei, e cuja ausência não foi adequadamente suprida, nem devidamente
justificada.
Agravo regimental provido.
ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam
os Ministros da Turma, por unanimidade, dar provimento ao agravo regimental, nos
termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros João Batista Moreira (Desembargador convocado do TRF1),
Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e Joel Ilan Paciornik votaram com o Sr.
Ministro Relator.

Brasília, 23 de maio de 2023.

Ministro Messod Azulay Neto


Relator
AgRg no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 2078054 - DF (2022/0057537-4)

RELATOR : MINISTRO MESSOD AZULAY NETO


AGRAVANTE : ANDERSON MARTINS DE OLIVEIRA
ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL
AGRAVADO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E
TERRITÓRIOS

EMENTA

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM


RECURSO ESPECIAL. CRIME DE LESÃO CORPORAL.
CONTEXO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. EXAME DE
CORPO DE DELITO. AUSÊNCIA. FOTOGRAFIA NÃO
PERICIADA. INSUFICIÊNCIA DE OUTROS MEIOS DE
PROVA. AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVA PARA A NÃO
REALIZAÇÃO DE PROVA TÉCNICA. SÚMULA 83
AFASTADA. ABSOLVIÇÃO.
I - Segundo a jurisprudência deste Tribunal, a palavra
da vítima detém especial importância nos crimes praticados
no âmbito de violência doméstica, devido ao contexto de
clandestinidade em que normalmente ocorrem. Todavia, a
aludida tese não deve ser vulgarizada a ponto de esvaziar o
conteúdo normativo do art. 158 do Código de Processo
Penal.
II - Por um lado, incumbe ao Poder Judiciário
responder adequadamente aos que perpetram atos de
violência doméstica, a fim de assegurar a proteção de
pessoas vulneráveis, conforme preconiza a Constituição. Por
outro, é um consectário do Estado de Direito preservar os
direitos e garantias que visam a mitigar a assimetria entre os
cidadãos e o Estado no âmbito do processo penal.
III - O exame de corpo de delito poderá, em
determinadas situações, ser dispensado para a
configuração de lesão corporal ocorrida em âmbito
doméstico, na hipótese de subsistirem outras provas idôneas
da materialidade do crime acostadas aos autos. Precedentes.
IV - Todavia, especificamente no caso em análise, o
exame de corpo de delito deixou de ser realizado e os
elementos de prova restantes - fotografia não periciada,
depoimento da vítima e relato de informante que não
presenciou os fatos - se mostraram insuficientes para a
manutenção do édito condenatório. Súmula 83 afastada.
V - A absolvição é medida que se impõe diante da falta
de prova técnica exigida por lei, e cuja ausência não
foi adequadamente suprida, nem devidamente justificada.
Agravo regimental provido.

RELATÓRIO

Trata-se de agravo regimental interposto por ANDERSON MARTINS DE


OLIVEIRA contra decisão que negou provimento ao agravo em recurso especial.

O agravante foi condenado pela prática dos delitos do art. 129, §9º e do art.
147, caput, ambos do Código Penal, na forma da Lei nº 11.340/06, à pena de 04 (quatro)
meses e 05 (cinco) dias de detenção em regime inicial aberto (fls. 229-242).

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios negou provimento ao


apelo da defesa para que absolvesse o réu por insuficiência de provas, em virtude da não
realização do laudo do exame de corpo de delito e da impossibilidade de se comprovar
que as fotografias juntadas aos autos foram produzidas no dia do crime (fls. 288-300).

Inconformada, a defesa interpôs recurso especial com fundamento no art. 105,


inciso III, alínea a, da Constituição Federal, para sustentar violação ao art. 158 do Código
de Processo Penal, uma vez que se reconheceu a materialidade do crime de lesão corporal
sem que fosse realizado o exame de corpo de delito (fls. 305-312).

O recurso especial foi inadmitido na origem devido aos óbices das Súmulas nº.
7 e nº. 83 do STJ (fls. 320-321).

Ato contínuo, a defesa interpôs agravo em recurso especial (fls. 331-337), o


qual não foi provido em razão do disposto na Súmula nº. 83 do STJ (fls. 365-367).

No presente agravo regimental, a defesa alega, em síntese, que embora o


Superior Tribunal de Justiça entenda que o exame de corpo de delito possa ser suprido
por outros meios de prova, não teria havido, no caso concreto, justificativa idônea para a
não realização do ato. Acrescenta que os vestígios ainda não teriam desaparecido e que o
exame só não ocorreu por responsabilidade do Estado. Por fim, destaca que as fotografias
juntadas aos autos não podem ser consideradas corpo de delito indireto porque não foram
periciadas (fls. 373-378).

O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios defendeu a manutenção


da decisão recorrida ao pontuar que ambas as turmas criminais do STJ admitem a
dispensa do exame de corpo de delito para a comprovação da materialidade nos delitos de
lesão corporal em contexto de violência doméstica quando for possível a demonstração
por outros meios de prova (fls. 382-384).

Em sentido semelhante, o Ministério Público Federal se manifestou pela


manutenção da decisão recorrida por seus próprios fundamentos (fl. 389).

É o relatório.

VOTO

Compulsando os autos, verifico que a materialidade do crime de lesão corporal


foi constatada a partir dos seguintes elementos (fl. 230):

"[...] ocorrência policial nº 10.687/2019 – 13ª DP (ID 72085317), pelo termo


de requerimento de medidas protetivas (ID 72085325 – Pág. 13), pelas fotografias
anexadas aos autos (ID 72085328), bem como pelo depoimento judicial da ofendida, por
meio do qual ratificou substancialmente as declarações prestadas durante a fase
investigatória (termo de ID 72085318)."

Trata-se de situação complexa. Por um lado, incumbe ao Poder Judiciário


responder adequadamente àqueles que perpetram atos de violência doméstica, a fim de
assegurar a proteção de pessoas vulneráveis, conforme preconiza a Constituição. Por
outro, é um consectário do Estado de Direito preservar os direitos e garantias que visam a
mitigar a assimetria existente entre os cidadãos e o Estado no âmbito do processo penal.

Embora a decisão recorrida tenha considerado que o recurso


interposto esbarra no enunciado 83 da Súmula do STJ, uma análise mais detida do
caso aponta para a necessidade de reforma da decisão recorrida.

Isso porque precedentes citados para justificar a incidência da referida


Súmula se referiam a situações em que a ausência do exame de corpo de delito foi
suprida por provas robustas, como atestados médicos não oficiais ou depoimentos de
testemunhas que presenciaram os fatos, por exemplo. Ocorre que, na hipótese dos autos,
não havia laudo emitido por médico particular, nem testemunha que tivesse presenciado o
momento das agressões. Ao revés, o exame de corpo de delito deixou de ser realizado, e
as fotografias que instruem o feito não foram periciadas, a despeito de terem sido
produzidas pelo irmão da vítima (fl. 297, grifei):
"E, conforme consta da ocorrência policial, em 28.12.19, foram tiradas
fotografias das lesões corporais sofridas pela vítima e encaminhadas ao e-mail do
Ministério Público. As fotografias foram tiradas pelo irmão da vítima, tendo em vista
que não havia, na delegacia, policiais femininas (ID 25320230, p. 1/4)."

Ademais, o irmão da ofendida não presenciou diretamente as agressões, mas


apenas reproduziu o que ouviu da própria irmã (fl. 231, grifei):

"Por sua vez, a testemunha BRUNO REIS ALVES MARTINS – não


compromissada por ser irmão da vítima – afirmou que não presenciou os fatos
narrados na denúncia; que ficou sabendo do ocorrido através da vítima; que a vítima
contou que havia se envolvido numa confusão com o acusado; que o depoente foi até a
casa onde estava a vítima para auxiliá-la; que a vítima disse que já estava em processo
de separação do acusado; que ela discutiu com o acusado pois ele queria pegar seu
celular; que ela contou que havia sido empurrada pelo acusado, vindo a cair no chão;
que ela também disse que havia sido ameaçada pelo acusado; que orientou a vítima a
comparecer na delegacia para requerer medidas protetivas; que viu lesões no pescoço e
no braço da vítima; que viu um arranhão na perna da vítima e também notou que seu
rosto estava avermelhado[...]."

Verifico, pois, que a condenação por lesão corporal foi proferida sem a
realização de exame de corpo de delito. E que as provas que deveriam suprir essa
deficiência consistem em fotografia não periciada, depoimento da vítima e relato de
informante que não presenciou diretamente os fatos.

Conquanto o Superior Tribunal de Justiça confira especial importância à


palavra da vítima nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica, devido ao
contexto de clandestinidade em que normalmente ocorrem, tal conclusão não deve ser
vulgarizada a ponto de esvaziar o conteúdo normativo do art. 158 do Código de Processo
Penal.

Os fatos ocorreram em Brasília, capital dotada de boa infraestrutura no que se


refere aos órgãos de persecução penal, mas não há qualquer explicação sobre o porquê de
não terem sido feitos o exame de corpo de delito e a perícia das fotografias. Aplicam-se,
portanto, os precedentes de que a absolvição se impõe diante da falta de prova técnica
exigida por lei, e cuja ausência não é adequadamente suprida, nem devidamente
justificada:

"[...] 2. Nos delitos de lesão corporal em sede de violência


doméstica, o exame de corpo de delito propriamente dito pode ser
dispensado, acaso a materialidade tenha sido demonstrada por outros
meios de prova (AgRg no AREsp 1.009.886/MS, Relator Ministro
Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 24/2/2017).
3. No caso, onde nada disso ocorreu, uma simples
fotografia do rosto da vítima, não periciada, não constitui prova
suficiente de materialidade, senão um indicio leve, sendo a absolvição
de rigor (portanto).
4. Agravo regimental provido" (AgRg no HC n. 691.221/DF,
Sexta Turma, Rel. Min. Olindo Menezes - Desembargador Convocado
do TRF 1ª Região, DJe de 29/4/2022, grifei).

"[...] 1. Conforme entendimento desta Corte Superior, a


substituição da prova pericial por outros elementos probatórios nos
crimes que deixam vestígios, notadamente a prova testemunhal, deve
ser adotada com parcimônia, somente nos casos em que as evidências
desaparecem e quando o depoimento testemunhal seja hábil a
comprovar a ocorrência do delito.
2. Inexistente qualquer justificativa para a falta do exame
de corpo de delito e ausente prova testemunhal capaz de atestar a
ocorrência de lesão corporal na vítima, como na hipótese, inviável a
condenação por ausência de prova da materialidade do crime.
3. Agravo regimental improvido" (AgRg no AREsp n.
1.300.952/ES, Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de
14/12/2018, grifei).

"[...] 3. Na hipótese, não foram apresentados prontuários ou


laudos médicos, tampouco realizado exame de corpo de delito com o
intuito de comprovar a existência de lesões. Deveras, nos crimes que
deixam vestígios, a ausência de motivação idônea para justificar a
excepcional dispensa da prova técnica acarreta a absolvição do
acusado" (AgRg no REsp n. 1.968.165/PR, Sexta Turma, Rel. Min.
Rogerio Schietti Cruz, DJe de 21/12/2022, grifei).

Assim, não obstante a possibilidade jurídica de o exame de corpo de delito ser


suprido por outras provas, entendo que, especificamente no caso concreto, os
elementos probatórios efetivamente acostados aos autos são insuficientes para respaldar o
édito condenatório.

Diante do exposto, dou provimento ao agravo regimental para absolver o


réu, nos termos do art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.

É como voto.
Superior Tribunal de Justiça S.T.J
Fl.__________

CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUINTA TURMA

AgRg no
Número Registro: 2022/0057537-4 PROCESSO ELETRÔNICO AREsp 2.078.054 /
DF
MATÉRIA CRIMINAL

Números Origem: 07081971520208070006 20200610003780 322020 7081971520208070006


EM MESA JULGADO: 23/05/2023

Relator
Exmo. Sr. Ministro MESSOD AZULAY NETO
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. MÁRIO FERREIRA LEITE
Secretário
Me. MARCELO PEREIRA CRUVINEL
AUTUAÇÃO
AGRAVANTE : ANDERSON MARTINS DE OLIVEIRA
ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL
AGRAVADO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS
ASSUNTO: DIREITO PENAL - Lesão Corporal - Decorrente de Violência Doméstica

AGRAVO REGIMENTAL
AGRAVANTE : ANDERSON MARTINS DE OLIVEIRA
ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL
AGRAVADO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUINTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"A Turma, por unanimidade, deu provimento ao agravo regimental, nos termos do
voto do Sr. Ministro Relator."
Os Srs. Ministros João Batista Moreira (Desembargador convocado do TRF1),
Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e Joel Ilan Paciornik votaram com o Sr.
Ministro Relator.

C542524155218122<5050<@ 2022/0057537-4 - AREsp 2078054 Petição : 2022/0046612-4 (AgRg)

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