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Comentários sobre o texto Trazendo as coisas de volta à vida, de Tim Ingold

O texto aborda os emaranhados criativos no mundo de materiais, vê a


“forma definida” como a morte do movimento, como um fim que
acompanha todas as coisas. Posso dizer que as palavras de do autor, de
alguma maneira me trouxeram de volta a vida ao me ampliar o meu olhar
sobre a vida e em relação as coisas. Como quem descobre um grande
segredo, estou profundamente conectada á uma maneira fluida de ver a
vida – que é a capacidade geradora - e a criatividade como um gás ou líquido
que leva a forma sólida final de uma obra de arte. Nas palavras de Paul Klee,
"Dar forma é movimento, ação. O dar forma, é vida”

Certa vez ouvi de um amigo que estuda alquimia que todo alquimista
é um artista e todo artista é, necessariamente, um alquimista. Só ao ler o
esse texto do antropólogo Ingold, realmente pude compreender a
similaridade entre artistas e alquimistas: ambos percebem a essência dos
seres e das coisas criadas. Segundo esse autor, “alquimistas e pintores
redirecionam o fluxo já existente de materiais e substâncias”. O papel do
artista seria de juntar-se e seguir as forças e fluxos já existentes dos
materiais que dão forma ao trabalho. Ou, nas palavras de Deleuze e
Guattari "matéria é fluxo, só pode ser seguida".

Um olhar quase místico da realidade do artista é descrito por Tim


Ingold quando ele diz que materiais são ativados pelas forças do cosmos,
misturados e fundidos na geração de coisas. Na descrição do antropólogo,
o mundo é feito por coisas e não por objetos e a ideia dele é abordar nessa
obra não a materialidade, mais os fluxos de materiais.

Outra ideia amplamente debatida no texto é a de ler à criatividade


"pra frente", ou seja, seguir uma narrativa entre a criação do objeto até
chegar na forma final da obra, chamada de “forma morta” pelo autor
britânico. Enquanto na história da arte e na maior parte das explorações
atuais, a criatividade é debatida no sentido inverso: parte da obra finalizada
até chegar na ideia inicial. Esse conceito me faz sentir uma liberdade
enorme de criação artística. Ler a criatividade no sentido "para frente"
demanda enfoque na improvisação ao passo que ler a criatividade a partir
de traz, seria uma abdução da agência segundo Alfred Guell. Além disso,
artisticamente, Ingold acrescenta: “a arte não reproduz o visível, ela torna
visível.”
Para uma melhor compreensão do fluxo das coisas, devemos pensar
tudo o que há na Terra e no cosmos como um grande organismo em
constante movimento. Segundo a composição de Ingold, “a Terra pode ser
habitada pois entre o chão e o ar (terra e céu) onde há lugar à mútua
permeabilidade e conectividade.”

A vida é inerente às próprias circulações de materiais que


continuamente dão origem a forma das coisas, ainda que elas anunciem a
sua dissolução: a pipa no ar existe no seu voo, é um movimento que ser
resolvido na forma de coisa e não objeto que pode ser colocado em
movimento (pássaro no ar, peixe na água) pensar a pipa (poderíamos
considerar aqui a interação pessoa vento) como objeto é omitir o vento.

Conceber o movimento do mundo me faz pensar as obras da artista


Ligia Clark, como o Bicho e os Parangolés do também brasileiro e grande
gênio, Hélio Oiticica. A movimentação do objeto artístico e mesmo do
expectador era essencial para a existência e fruição dessas obras, o que me
leva novamente para as conclusões sempre poéticas de Tim Ingold: “As
coisas só estão vivas porque vazam.”

Quanto físicos descrevem como materialidade bruta, fisicalidade


dura do mundo é como se o mundo tivesse interrompido a sua
mundificação e cristalizado na forma de precipitado sólido e homogêneo
(um mundo onde nada flui) sem vento ou clima por exemplo. Uma árvore
não existe sem a ação de seus vermes habitantes ou sem a ação dela
mesmo que cresce e se move a cada momento em busca de luz e água. A
agência é percebida mesmo ao estarmos ocupando um espaço entre
paredes. O antropólogo descreve: “habitar uma casa é participar com a
coisa na sua coisificação”. É a ideia de ocupar versus a de habitar (ação que
demanda agência) o mundo. E cita Pollard, que nota que coisas e pessoas
são processos que sua agência real está justamente no fato de que "elas
nem sempre podem ser capturadas e contidas." Deixados ao léu, os
materiais fogem do controle: potes se quebram, corpos desintegram,
esforços e vigilâncias são necessários para manter as coisas intactas.

Para concluir, o autor atinge então o que considero o apogeu da


composição quando diz existir uma malha de conexões, como numa trama
entre todas as coisas existentes. Essa trama não funcionaria como uma rede
(que possui conexões entre cada linha) e sim com linhas que são relações
entre si, como uma trama. Ele cita a forma como os micélios são formados
pelos fungos e me faz pensar as fáscias, tecido que envolvem os ossos,
músculos e órgãos do nosso corpo. Deleuze e Guatari são citados
novamente na afirmação de que "o artista é um itinerante e seu trabalho
comunga com a trajetória da sua vida". O que leva a pensar a importância
das conexões que faço e na vida que levo enquanto artista e enquanto
pessoa.

Considerando a energia das teias (ou poderia chamar aqui de rendas,


sutratma ou vários outros nomes, dependendo da cultura) que vão sendo
tecidas nos caminhos da vida e da arte, necessito realçar a importância de
cuidar bem dos caminhos que traço, das pessoas com que convivo e de tudo
aquilo que me alimenta emocionalmente, intelectualmente,
artisticamente. Cada conversa, cada referência deve ser cuidada com o
mesmo cuidado que tenho com o que alimenta meu corpo: assim como não
comeria comida estragada, não devo alimentar-me com obras que não me
elevem o espírito artístico. Sendo assim, me sinto grata por estar inscrita e
cursando essa Unidade Curricular que calhou ter um professor visionário e
esclarecido – o que me levou ao privilégio de ler/me alimentar desse texto
inspiradíssimo do grande Tim Ingold.

Obrigada!

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