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A luz vermelha
lê o valor. Você coloca seu dedo ali
onde tem a forma de um dedo,
uma luz vai ler o desenho do seu dedo.
Todas as peles mortas, o leitor sabe
que sou eu.
Que não posso...
Sabem meu nome composto que disseram
enquanto apontavam pra mim
chorando.
Decidem o nome assim – ao
ver a gente chorando.
A máquina escreve meu nome.
Aprendi a me defender desse
nome. As pessoas acham que o outro,
em seguida, é japonês. Tenho os olhos
apertados, facilitando. Minha família nunca foi
ao Japão. A depiladora
se chamava Islândia, ela nunca foi
à Islândia – me disse.
Também nunca mais me depilei.
Os pelos crescem sobretudo
lá no meio, de modo que escondem
minha buceta, e eu não preciso mais
ser alguém que visivelmente tem
uma buceta. Só aparo, eventualmente,
pra que possam me chupar melhor.
O cabelo cresce há quatro anos, agarrando
nas coisas, prendendo na boca dos outros,
mas ainda não
chega à altura do umbigo. De modo
que meu umbigo seja mesmo sempre um buraco
ali
no centro.
Sem ocupação.
Se subitamente parassem
de me reconhecer, penso,
eu talvez tivesse mais dinheiro.
In: IORIO, Maria Isabel. Aos outros só atiro o meu corpo (2019), p. 20
***
In: IORIO, Maria Isabel. Aos outros só atiro o meu corpo (2019), p. 83
***
Você tá me ouvindo?
In: IORIO, Maria Isabel. Aos outros só atiro o meu corpo (2019), p. 138
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as guerras
um bicho
mesmo que mínimo,
mínimo, veja
é todo o delírio
da floresta
que a palavra
óculos
surgiu na antiguidade pra chamar os orifícios
redondos
nas armaduras dos soldados
os primeiros óculos
tinham lentes
não tinham grau
já o cachorro, dicromata,
não distingue
o verde do vermelho
mas enxerga nítido
o azul
e enxerga no escuro
e enxerga de costas
e fareja
qualquer lama
as pessoas dizem
que o céu é azul
humana
tá muito calor
e nesses dias a R. diz, rindo, que tem
um sol pra cada um, na rua
e se você atravessar
três sinais vermelhos
ou corpos
sem chorar ou sequer ficar
triste
você já não é
e não tem nada que não seja
ou não fique
vermelho
o vermelho
que existe
In: IORIO, Maria Isabel. Aos outros só atiro o meu corpo (2019), pp. 139-143
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In: IORIO, Maria Isabel. Aos outros só atiro o meu corpo (2019), pp. 135-136