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Motrivivência Ano XXV, Nº 41, P. 305-320 Dez.

/2013

http://dx.doi.org/10.5007/2175-8042.2013v25n41p305

O CONTEÚDO DAS LUTAS NAS SÉRIES INICIAIS


DO ENSINO FUNDAMENTAL: possibilidades para a
prática pedagógica da Educação Física escolar

Nathalia Chaves Gomes1


André Minuzzo de Barros 2
Fernando Paulo Rosa de Freitas3
Suraya Cristina Darido4
 Luiz Gustavo Bonatto Rufino5

RESUMO

As lutas são conteúdos da Educação Física que devem estar presentes na prática
pedagógica. Contudo, há ainda lacunas e incompreensões em seu desenvolvimento
pedagógico. Assim, por meio de uma revisão de literatura, este estudo objetivou analisar
as lutas compreendendo sua importância, bem como apresentando uma forma de
classificação. Em um segundo momento, apresentou-se uma proposta de organização
curricular das lutas nas séries iniciais do ensino fundamental. Conclui-se ser importante
compreender as lutas enquanto conteúdos das aulas de Educação Física propondo
uma organização dos conteúdos que pode contribuir com a apropriação crítica dessa
manifestação da cultura corporal de movimento.

Palavras-chave: Lutas; Prática pedagógica; Organização dos conteúdos.

1 Especialista em Educação Física/UNICAMP. Professora da UNESP. Rio Claro/São Paulo, Brasil.


E-mail: nathichaves@hotmail.com
2 Doutorando em Desenvolvimento Humano e Tecnologias - UNESP. Rio Claro/São Paulo, Brasil.
E-mail: andreminuzzo@terra.com.br
3 Mestre em Ciências da Motricidade Humana – UNESP. Rio Claro/São Paulo, Brasil.
E-mail: fer_edfis@hotmail.com
4 Doutorado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano – USP. UNESP/Rio Claro, Brasil.
E-mail: surayacd@rc.unesp.br
5 Mestre pelo Programa Interdisciplinar de Desenvolvimento Humano e Tecnologias. UNESP/ Rio Claro, Brasil.
E-mail: gustavo_rufino_6@hotmail.com
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INTRODUÇÃO transformadas e usufruídas pelos alunos ao


longo das aulas de Educação Física. Dessa
De acordo com os Parâmetros Curri- forma, representam um importante conteú-
culares Nacionais (PCN/BRASIL, 1998) nas do que deve fazer parte dos processos de
práticas corporais, o movimento humano é ensino e aprendizagem ao longo dos ciclos
sistematizado, ressignificado e transmitido de escolarização (SOARES et al., 1992).
de geração a geração, resultando em um Contudo, Rufino e Darido (2013)
patrimônio histórico-cultural de práticas ou apontam que o conteúdo das lutas ainda
manifestações corporais que são denomina- é pouco explorado por grande parte dos
das de cultura corporal de movimento. Para professores de Educação Física escolar.
esse documento à Educação Física na escola Tal fato decorre por diversos fatores como
deve ser incumbida da possibilidade de preconceito com relação a esses conteúdos,
introduzir e integrar os alunos na esfera da falta de materiais e vestimentas adequadas,
cultura corporal de movimento, de modo a incitação sobre questões relacionadas à
contribuir com a formação do cidadão, que violência, entre outros (CARREIRO, 2005;
vai tanto produzi-la quanto reproduzi-la, BRARROS e GABRIEL, 2011).
bem como transformá-la. Os autores acreditam, por outro
Diversas são as manifestações lado, que a maior dificuldade está na in-
corporais que fazem parte desse amplo segurança em relação ao tratamento desse
patrimônio, como os esportes, as danças, tema pelo fato dos professores considerarem
as ginásticas, os jogos, as atividades físicas erroneamente que é necessário ser ou ter
de aventura, as práticas circenses, as lutas, sido um praticante de alguma modalidade
entre outras. É preciso permitir ao aluno o para desenvolvê-lo na escola.
contato e vivências significativas com esses Outra questão que merece destaque
conteúdos, possibilitando-os articular refle- e que dificulta o ensino das lutas na escola
xões críticas sobre estas práticas e sobre o em diversos contextos refere-se à defasagem
mundo em que vivem. na formação profissional. Tal fato levou Del
No entanto, devido à amplitude Vecchio e Franchini (2006) a alertarem para
de possibilidades apresentadas pelas prá- diversas lacunas no que corresponde ao
ticas corporais, há ainda dificuldades no não ensino das lutas no Ensino Superior ou
desenvolvimento pedagógico de algumas então a restrição desse ensino, decorrido
delas, de modo que a prática pedagógica do tratamento de somente uma ou outra
da Educação Física escolar, muitas vezes, modalidade (como judô e capoeira, por
fique ainda restrita ao ensino de algumas exemplo) nos currículos dos cursos de
modalidades esportivas coletivas (BETTI; formação profissional em Educação Física.
ZULIANI, 2002; BRACHT et al., 2002; Contribuindo ainda mais com a
BRASIL, 1998; DARIDO et al., 1999; lacuna na compreensão das lutas nas aulas
RANGEL-BETTI, 1999). de Educação Física está a pouca produ-
No caso das lutas, entende-se que ção acadêmica a esse respeito. Correia e
elas são uma das manifestações da cultura Franchini (2010) afirmam haver carência
corporal de movimento, de modo que tam- de publicações sobre lutas, artes marciais
bém podem ser produzidas, reproduzidas, e modalidades esportivas de combate no
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Brasil, principalmente os estudos de caráter como apresentando uma forma de classifica-


aplicado. Os conhecimentos sistematizados ção. Além disso, em um segundo momento,
sobre as múltiplas dimensões dessas práticas procurou-se apresentar uma proposta de
corporais são fundamentais para subsidiar organização curricular das lutas nas séries
os professores em suas práticas, tanto na iniciais do ensino fundamental.
formação inicial como na continuada,
evidenciando a importância de ampliar a
produção a esse respeito. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Esses dados vão de encontro com
o que Drigo (2007) salienta ao constatar a Para o presente estudo realizou-se
pouca produção acadêmica sobre as lutas uma revisão de literatura acerca das temá-
e artes marciais. O autor enfatiza ainda a ticas referentes à inserção do conteúdo das
escassez de produções em uma perspectiva lutas na Educação Física escolar. A revi-
pedagógica e sócio-cultural, uma vez que são de literatura compreende uma busca
a grande maioria dos estudos que existem sistemática pelo que já foi produzido – e
abordam as áreas da fisiologia e treinamento publicado – em alguma(s) determinada(s)
de atletas (subárea da biodinâmica). área(s) de investigação, conforme sugerem
Tal fato é corroborado por Nasci- Thomas, Nelson e Silverman (2007).
mento (2008, p. 2) quando o autor indica Essa técnica é importante por nos
que a temática das lutas “necessita de permitir uma imersão no estado da arte de
estudos e sistematizações que subsidiem uma determinada área. Sendo assim, procu-
o seu trato pedagógico efetivo na escola”. rou-se averiguar as compreensões das lutas
Ainda para o autor, a questão da sistemati- no âmbito da Educação Física. Para isso, par-
zação do conteúdo das lutas na Educação timos das considerações apresentadas por
Física escolar é ainda uma grande carência Correia e Franchini (2010), os quais ao anali-
desta área. Ou seja, a despeito das poucas sarem 11 periódicos nacionais entre os anos
publicações a respeito das lutas enquanto de 1998 até 2008 encontraram que apenas
conteúdos da Educação Física escolar, é 2,93% dos trabalhos abordavam as lutas.
necessário ainda compreender formas de Destes, somente 10,7% relacionavam-se
organizar sistematicamente a abordagem com o âmbito pedagógico.
pedagógica desse conteúdo ao longo dos Buscamos ampliar a busca acerca da
processos de ensino e aprendizagem. produção científica sobre as lutas trazendo
Sendo assim, buscando avançar uma análise qualitativa sobre os artigos
nas lacunas ainda existentes e corroborar produzidos no que corresponde à temática
a necessidade de desenvolvimento de pedagógica. Para isso, compreendemos
propostas de organização curricular para o o período entre os anos de 2008 e 2012,
trato pedagógico das lutas durante as aulas buscando atualizar os dados de Correia e
de Educação Física, este trabalho objetivou, Franchini (2010) nos mesmos periódicos
por meio de uma revisão de literatura, em apresentados pelos autores, a saber: Co-
um primeiro momento, analisar as lutas nexões, Corpoconsciência, Movimento,
como conteúdos da Educação Física esco- Motriz, Revista Brasileira de Ciências do
lar, compreendendo sua importância, bem Esporte, Revista Brasileira de Ciência e
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Movimento, Revista Brasileira de Cineantro- Para Rufino (2012a, p. 17): “a palavra ‘lutar’
pometria e Desempenho Humano, Revista pode conter em si uma série de significados
da Educação Física, Revista de Educação que variam de acordo com o contexto. Luta-
Física, Revista Mineira de Educação Física -se pela vida, por objetivos pessoais, pela
e Revista Brasileira de Educação Física e terra, com um oponente em alguma prática
Esporte. Acrescida desses periódicos inse- esportiva, e assim por diante”. Ao abordar
rimos na análise as revistas Motrivivência e especificamente as lutas enquanto práticas
Pensar a Prática, que também apresentam corporais, esse mesmo autor destaca que:
produções relacionadas às lutas, totalizando
13 revistas científicas analisadas. Em termos de esportivização, as lutas
compreendem uma série de práticas,
Para as análises, foram abordados os
com diferenças e similaridades entre si,
seguintes tópicos de discussão: Lutas: algu- na qual possuem objetivos distintos. Há
mas definições; As lutas na escola: motivos, lutas em que não se pode tocar no outro,
importância e significados; O conteúdo das em que só valem golpes com os braços
(punhos), lutas de agarramento, lutas
lutas na escola: possível classificação; As
que se utilizam de técnicas à distância,
lutas nas séries iniciais do ensino funda- lutas com artefatos, numa infinidade de
mental: proposta de organização curricular. práticas (RUFINO, 2012a, p. 17).
Cada tópico será discutido a seguir.
Sendo assim, embora difícil de pre-
cisar uma vez que a histórica não decorre
Lutas: algumas definições por processos lineares, as lutas como as
conhecemos, representam uma forma que
As definições sobre lutas podem
as sociedades encontraram para superar as
contribuir com maiores compreensões
adversidades de seu meio físico. Com o
acerca dessas práticas corporais. Contudo,
passar do tempo, foi sistematizada e com
não há consensos na literatura uma vez
aplicações práticas nas guerras, em eventos
que transitam na área diversas acepções
distintas, algumas limitando a compreensão diversos, nos esportes, entre outros.
apenas ao que corresponde ao combate e à Os PCN (BRASIL, 1998) trazem uma
oposição entre duas pessoas, outras trazen- definição de lutas partindo das ações pro-
do sentidos mais filosóficos e holísticos ao cedimentais originárias dessas práticas, mas
entendimento dessas práticas. Em muitos também compreendendo valores e atitudes
contextos o verbo “lutar” apresenta diversos circunscritos. Para esse documento oficial
significados. as lutas são definidas como sendo disputas
Segundo Mazzei (2006) a palavra em que os oponentes devem ser subjugados
luta vem do latim: lucta. Ela pode ser de- com técnicas e estratégias de desequilíbrio,
finida como combate entre duas ou mais imobilização ou exclusão de um determina-
pessoas, com ou sem armas, mas também do espaço na combinação de ações de ata-
pode ter um sentido mais abrangente e estar que e defesa. Os parâmetros destacam ainda
ligado ao esforço de um ser em alcançar que as lutas podem ser caracterizadas por
um objetivo, conflito entre doutrinas ou uma regulamentação específica que busca
oposição entre forças materiais ou morais. punir atitudes de violência e deslealdade.
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Bechara (2004, p. 73), por sua vez, adaptando tais pressupostos para as lutas.
aponta que as lutas “são manifestações cul- Para isso, estas práticas corporais são carac-
turais da Cultura Corporal que reproduzem terizadas pelos seguintes aspectos: contato
as formas históricas de enfrentamento (...) e proposital; fusão ataque/defesa; imprevisi-
de preparação para o combate, totalmente bilidade; oponente/alvo e regras (GOMES,
ineficientes no mundo atual comandado 2008; GOMES et al., 2010).
pela tecnologia, porém cheias de tradições Independente da modalidade ou es-
e formas simbólicas de combate”. O autor pecificidade da luta proposta, tais princípios
não apresenta explicações, no entanto, so- salientados anteriormente são condições
bre os motivos de considerar as ações das indispensáveis para que possamos classi-
lutas ineficientes no mundo atual. ficar uma prática como sendo relacionada
Para a Proposta Curricular do Estado às lutas. Ou seja, tais princípios revestem as
de São Paulo (SÃO PAULO, 2008) as lutas práticas das lutas de características próprias,
apresentam em suas origens, características permitindo-nos diferenciá-las das demais
práticas corporais. Por isso, a compreensão
atribuídas à sobrevivência, ao exercício
de tais características é fundamental para
físico, ao treinamento militar, à defesa e ao
que haja subsídios que possam permitir aos
ataque pessoal, além das implicações das
professores ensinar tais manifestações da
tradições culturais, religiosas e filosóficas.
cultura corporal de movimento na escola,
Com o surgimento de outras necessidades
durante as aulas de Educação Física.
e o desenvolvimento de novas técnicas, o
Rufino e Darido (2011) trazem para
ser humano atribuiu outros significados às a pauta a busca pela compreensão se as
lutas. Atualmente há um amplo processo lutas são ou não são esportes. Os autores
de esportivização de muitas modalidades concluem que algumas práticas associadas
bem como de espetacularização, haja vista às lutas passaram por um processo de
a projeção atual dos eventos de Mistura de esportivização, enquanto que outras não.
Artes Marciais (ou Artes Marciais Mistas), da Além disso, os autores ressaltam que ora
sigla em inglês MMA (PAIVA, 2009). estas práticas podem ser consideradas como
Em Gomes (2008) e Gomes et at. esportivas, caso se incluam nas definições
(2010) encontramos uma definição a qual da sociologia do esporte, ora podem ser
compreende as lutas enquanto práticas compreendidas como jogos e brincadeiras,
corporais imprevisíveis que são caracteri- por exemplo, quando vinculadas às aulas de
zadas por apresentar determinado nível de Educação Física na escola.
contato entre os participantes, bem como A partir de tais apontamentos acre-
possibilitar a execução de ações ofensivas ditamos que é possível convergir propostas
e defensivas realizadas simultaneamente. de compreensão das lutas nos contextos es-
Estes autores salientam ainda que o objetivo colarizados, buscando romper paradigmas
das lutas é mútuo, sobre um alvo móvel, que outrora relacionaram tais práticas com
personificado no oponente. aspectos vinculados à violência ou falta de
Para tais definições Gomes (2008) e respeito entre os participantes. Portanto, é
Gomes et al. (2010) buscam contemplar os preciso ter clareza do universo plural e mul-
princípios condicionais do modelo proposto tifacetado relacionado às lutas (CORREIA;
por Bayer (1994) para os esportes coletivos, FRANCHINI, 2010).
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Corroboramos com Rufino (2012a, cimento socialmente produzido e acumula-


p. 17) quando o autor arremata: “dessa do historicamente, independentemente da
forma, antes de pretender encontrar um con- condição social do aluno, devendo ir além
ceito ‘rígido e fechado’ ao termo das ‘lutas’, da mera transmissão, cópia ou reprodução
é evidente que, por tudo isso, o ser humano do conhecimento. O autor ainda aponta
luta há muito tempo, desde as épocas mais que a Educação escolar não é condição
remotas de sua existência”. suficiente, mas é condição necessária para
Ou seja, mais do que buscar por de- desabrochar a cidadania, com vistas à for-
finições a priori acerca da pluralidade de sig- mação do sujeito, num contexto de direitos
nificados adjacentes às lutas, é fundamental e deveres.
compreender seu processo de construção Diante disso e considerando que a
histórica, fato que se torna preponderante Educação Física está inserida num contex-
quando relacionamos tais práticas como to maior, que é a Educação escolar, fica
pertencentes à cultura corporal de movi- evidente a sua participação na formação
mento. A partir de tais relações, podemos da cidadania e a necessidade que isso seja
construir um panorama que contribua com considerado na elaboração e concretização
a prática pedagógica na Educação Física da prática pedagógica.
escolar, dando subsídios para o desenvol- Neste contexto, as lutas representam
vimento de propostas de implementação uma das práticas integrantes da cultura
das lutas na escola. No próximo tópico, corporal de movimento, cujo tratamento pe-
buscaremos enfocar a importância das lutas dagógico deverá ampliar os conhecimentos
na escola e como elas podem se inserir ao relacionados a conceitos, procedimentos e
longo dos processos de ensino e aprendiza- atitudes dos alunos, para que possam fazer
gem na Educação Física escolar. opções mais conscientes e autônomas
(BRASIL, 1998).
Ao conhecer as lutas em diversos
As lutas na escola: motivos, importância aspectos (políticos, econômicos, sociais,
e significados históricos, estéticos, fisiológicos etc.), os
alunos poderão se apropriar de elementos
Entendemos que, a escola, desde que contribuirão com a construção crítica
seu primeiro nível de ensino, deve ter de conhecimentos, valores, atitudes, fatos
como objetivo que os alunos se apropriem e procedimentos que auxiliarão na amplia-
de saberes que irão contribuir para a sua ção de suas visões de mundo. No caso das
formação enquanto indivíduos que venham lutas, é possível além de vivenciar diversas
a exercer a cidadania com valores demo- práticas corporais, compreender o enfoque
cráticos, de forma crítica e autônoma, em apontado pelas mídias, diferenciando-as dos
busca da construção de uma sociedade mais contextos violentos, possibilitando a tomada
justa e igualitária. de decisões sobre opções mais conscientes
Palma Filho (1998) afirma que a es- para sua vida cotidiana, entendendo estas
cola torna possível a existência do cidadão, práticas corporais como possibilidades de
na medida em que cumpre a sua função de lazer, saúde, rendimento, comunicação,
viabilizar o acesso da população ao conhe- expressão corporal, entre outras.
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No entanto, é ainda corriqueiro o têm grande responsabilidade pela associa-


estabelecimento de associações errôneas ção com contextos de violência. Desde
das lutas com questões relacionadas à in- as séries iniciais do ensino fundamental é
citação à violência, às brigas, entre outras preciso contextualizar pedagogicamente
questões (BARROS; GABRIEL, 2011; CAR- os desenhos animados, brinquedos, jogos
REIRO, 2005; RUFINO; DARIDO, 2013). de cartas e tabuleiros, mangás, histórias em
Tais relações estão revestidas não apenas de quadrinhos, elementos que fazem parte do
preconceitos, mas de concepções limitadas universo infantil.
e pautadas em distorções sobre o que de Por essas e outras razões as lutas
fato as lutas podem significar para a prática devem estar relacionadas às aulas de Edu-
pedagógica a partir de sua vinculação como cação Física, desde os mais tenros anos de
uma das manifestações da cultura corporal escolarização. Dessa forma, é possível res-
de movimento. significar visões ainda dicotomizadas e per-
No caso especificamente das crian- meadas pela ótica do preconceito para com
ças, Olivier (2000) aponta que desde cedo estas práticas. Ademais, a diversificação de
podemos constatar nas escolas jovens dis- conteúdos propicia uma ampliação da apro-
putando objetos ou territórios, e que isso faz priação da cultura corporal de movimento,
parte de seu processo de desenvolvimento de modo que tal processo deve ocorrer já
para aprender a regular conflitos. Para esse nas séries iniciais do ensino fundamental.
autor, tais processos são formas de comu- Para que as lutas possam efetivamente fazer
nicação e expressão pela qual a criança parte da prática pedagógica, apresentare-
possa reagir a um estresse, a uma frustração, mos, na sequência, algumas possibilidades
provocação, entre outros. de classificação.
Jogos e brincadeiras envolvendo
elementos das lutas podem contribuir para
O conteúdo das lutas na escola: possível
que a criança aprenda a gerir e a controlar classificação
a complexidade das relações violentas no
interior do grupo social, tal como apontam As práticas corporais, em sua ampla
Rufino e Darido (2011). Portanto, as lutas magnitude de formas, sentidos e manifesta-
apresentam notável presença no universo ções, para serem ensinadas na escola devem
infantil e podem ser tratadas desde as séries ser adaptadas aos objetivos e possibilidades
iniciais do ensino fundamental, permitindo da instituição escolar. De acordo com
que a criança diferencie lutas e brigas. Para González e Fensterseifer (2010) a Educação
isso é fundamental que elas compreendam Física tradicionalmente pouco tem sido
os sentidos e significados de tais práticas e pensada dentro de uma perspectiva educa-
como elas se distinguem das brigas e outras cional pautada na compreensão de leitura
atitudes pautadas pela ótica da violência. de mundo, o que passa, impreterivelmente,
Outro fator fundamental no qual as pela necessidade de entendimento do que
lutas estão presentes, sobretudo na infância, significa ser um componente curricular
refere-se às relações que estas práticas es- obrigatório no sentido de matéria escolar.
tabelecem com as mídias, que, por vezes, Nesse sentido, os autores salientam:
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Nessa linha, a EF escolar, na condição • Compreensão por parte do educan-


de disciplina, tem como finalidade for- do do ato de lutar (por que lutar,
mar indivíduos dotados de capacidade
crítica em condições de agir autonoma- com quem lutar, contra quem ou
mente na esfera da cultura corporal de contra o que lutar);
movimento e auxiliar na formação de • Compreensão e vivência de lutas
sujeitos políticos, munindo-os de ferra- no contexto escolar (lutas versus
mentas que auxiliem no exercício da ci-
dadania (GONZÁLEZ; FENSTERSEIFER, violência; vivência de momentos
2010, p. 12). para a apreciação e reflexão sobre
as lutas e a mídia);
Ainda para esses autores, é ne- • Análise dos dados da realidade po-
cessário que cada componente curricular sitiva das relações positivas e nega-
se constitua enquanto um elemento que tivas com relação a prática das lutas
contribua com a ampliação das visões de e a violência na adolescência (luta
mundo das pessoas. A Educação Física como defesa pessoal e não para
escolar deve, por conseguinte, corroborar “arrumar briga”).
com tal intencionalidade de modo que as Ainda para esse documento de
diversas manifestações da cultura corporal caráter oficial o processo de ensino e
de movimento possibilitam. aprendizagem das lutas requer, entre outros
aspectos, a vivência de situações que envol-
No caso das lutas, a literatura tem
vam perceber, relacionar e desenvolver as
apontado algumas formas de abordagem
capacidades físicas e habilidades motoras
teórico-metodológica buscando outras ma-
presentes nas lutas praticadas na atualidade;
neiras de compreensão que não se limitem,
vivência de situações em que seja necessá-
ou ao menos não redundem, no ensino de
rio compreender e utilizar as técnicas para
apenas algumas vivências de uma ou pou-
a resolução de problemas em situações
cas modalidades em específico (RUFINO,
específicas – tais como as técnicas e táticas
2012b; GOMES et al., 2010; GOMES, 2008;
de ataque e defesa – e também vivências de
BREDA et al., 2010).
atividades que envolvam as lutas, dentro do
Para se pensar em formas de ensino
contexto escolar (BRASIL, 1998).
das lutas que vão além da dependência de Tais proposições apresentam a con-
apenas uma ou outra modalidade é preciso juntura de ilustrar algumas possibilidades
que se compreendam as unidades didáticas de intervenção pedagógica, entretanto,
enquanto processos de vivência, reflexão, não aprofundam em termos de quais co-
ação e interpretação sobre essas práticas. nhecimentos devem ser ensinados, bem
Nesse contexto é necessário compreender como não demonstram uma organização
elementos que possam ser concebidos curricular para o ensino das lutas ao longo
como conhecimentos que farão parte do dos diversos ciclos de escolarização.
conteúdo das lutas na escola. A busca por uma forma de clas-
De acordo com os PCN (BRASIL, sificação introduz a perspectiva de am-
1998), há alguns objetivos da prática das pliação das compreensões acerca dessas
lutas na escola, os quais podem ser siste- manifestações corporais. Nesse contexto,
matizados da seguinte maneira: podemos encontrar alguns critérios para a
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seleção/classificação das lutas na escola, levando em consideração, em primeiro


tais como: compreensões dos objetivos de lugar, os aspectos de organização da
identificação e da categorização dos
um enfrentamento, qual o tipo de contato movimentos de combate corpo-a-corpo.
entre oponentes, quais as ações motoras Depois, abordando a iniciação da siste-
desenvolvidas, a distância entre os opo- matização desses movimentos, a partir
nentes, o tipo de meta no enfrentamento, da compreensão do sentido/significado
de cada uma de suas formas. Por fim,
entre outras. Porém esses agrupamentos ao chegando até a ampliação dessa sistema-
mesmo tempo em que unem as lutas pelo tização, de maneira que sejam compre-
que possui em comum, também as separam endidas as técnicas mais aprimoradas e
por suas diferenças (GOMES, 2008). sejam criadas outras formas de combate
(PERNAMBUCO, 2008, p. 26).
Para Espartero (1999) a classifica-
ção das lutas, denominado pelo autor de
Gomes (2008) considerando as
esportes de luta, promove uma organiza-
ideias de Bayer (1994) à luz das classifica-
ção de elementos ou categorias de acordo
ções pesquisadas, apresenta a classificação
com um determinado critério, que permite
organizada a partir das distâncias existentes
estabelecer uma diferenciação entre eles,
entre os oponentes, bem como às ações
o que facilitaria o ensino e a escolha do
empregadas em cada uma dessas distân-
mais adequado a ser ensinado. As orienta-
cias, perspectiva corroborada por outros
ções teórico-metodológicas do Estado de
autores, tais como Breda et al. (2010) e
Pernambuco (2008) contribuem com essa
Rufino (2012b). O quadro a seguir ilustra
perspectiva ao assinalar:
tal proposição.
A luta, assim como os outros temas da
cultura corporal, precisa ser abordada

Quadro 1: Os grupos de aproximação das Lutas – Adaptado de Gomes (2008)

Curta Distância Média Distância Longa Distância


Desequilibrar
Tocar
Rolar Tocar (intermediado por
Golpear (Mãos, braços,
Projetar implementos)
cotovelos, pernas, joelhos,
Cair Manipular (implemento)
pés, etc.)
Controlar

Com relação às ações de curta dis- desequilibrar, que demonstram a necessi-


tância destaca-se que elas possuem pouco dade do contato direto entre os oponentes
espaço entre os oponentes e para a reali- e alunos na prática dessas modalidades.
zação das técnicas e alcance dos objetivos As ações de média distância em-
da luta é necessário que os praticantes se preendem um espaço médio, ou modera-
coloquem em contato direto (contato como do entre os envolvidos no qual permite a
um meio para o fim). Como habilidades aproximação em situações de ataque entre
específicas da curta distância estão ações os oponentes, pois a intenção e o propósito
como segurar, pegar, projetar, rolar, cair, ofensivo vão determinar a distância entre os
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lutadores. Os golpes caracterizam o contato para reter, imobilizar e livrar-se; jogos para
e não dependem dele para acontecer como combater (OLIVIER, 2000). Esses jogos
na curta distância (o contato é um fim e abrangem ações motoras fundamentais
não o meio). Na média distância estão que as crianças são capazes de realizar nas
presentes os chutes, socos e as sequências atividades de oposição. É possível ainda que
combinadas. os professores incluam outros elementos nas
Finalmente, as ações de longa dis- unidades didáticas relacionadas às lutas nas
tância são definidas pela presença de um séries iniciais, desde que haja clareza dos
implemento e, por isso, deve haver uma objetivos pretendidos, bem como do nível
distância maior entre os oponentes para que desenvolvimento dos alunos.
os mesmos possam manipular de forma ade- Reconhecemos que as classificações
quada esse implemento, fazendo com que apresentadas não contemplam a diversida-
o contato entre eles seja por meio de uma de de lutas existentes e que tão adoção,
espada, por exemplo. Na longa distância há como toda tomada de decisão, implica em
ações como as empunhaduras, habilidades uma seleção de procedimentos e conheci-
manipulativas e posturas. mentos (FORQUIN, 1993). Contudo, tal
perspectiva permite ilustrar possibilidades
Para se desenvolver tais perspectivas
concretas de contextualização didática das
na escola, ao longo das aulas de Educação
lutas na escola haja vista, dentro de outras
Física, os professores podem lançar mão
questões, a grande amplitude de práticas
de uma série de estratégias teórico-meto-
existentes relacionadas às lutas (CORREIA;
dológicas. Nessa visão, os jogos podem
FRANCHINI, 2010), bem como às perspecti-
ser compreendidos enquanto elementos
vas de formação profissional atualmente em
que proporcionam potenciais de ensino.
voga (DEL VECCHIO; FRANCHINI, 2006).
Para Olivier (2000) os jogos podem ser
Acreditamos ainda que nos anos
compreendidos enquanto uma simplifi-
iniciais do ensino fundamental é possível
cação na abordagem de lutar, no qual os aprender as lutas por meio de jogos que
alunos devem desempenhar papéis que enfatizem os elementos das lutas. Sendo
serão previamente definidos pelo professor assim, modificamos e adaptamos a classifi-
(o jogador ataca ou defende, imobiliza ou cação de jogos de Olivier (2000), tratando
livra-se, desequilibra ou tenta manter o dos elementos de lutas que prevalecem nos
equilíbrio), ao invés de desempenhá-los jogos de combate, resultando na seguinte
simultaneamente. Tais perspectivas, ao classificação:
menos ao longo das séries iniciais do ensi- • Jogos de esquivar: consiste em jo-
no fundamental facilita a aprendizagem e gos de ações de desvio dos ataques
conscientização quanto os elementos das desferidos, sendo que é preciso al-
lutas (RUFINO; DARIDO, 2011). ternar os papéis de quem ataca e de
O autor ainda classifica as lutas den- quem defende, evitando o contato
tro de seis categorias, as quais podem estar com o adversário;
permeadas pela classificação das distâncias: • Jogos de imobilizar: são jogos em
jogos de rapidez e de atenção; jogos de que há a necessidade de contato
conquista de objetos; jogos de conquista para se chegar a ações de imo-
de territórios; jogos de desequilibrar; jogos bilização e de saídas ou fugas de
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imobilização. Os papéis podem fundamental por meio de outras estratégias


ser combinados, ou seja, tanto se didático-metodológicas que possibilitem
pode imobilizar quanto escapar, apropriações críticas de mais essa manifes-
ou separados, quando apenas um tação da cultura corporal de movimento aos
trabalha imobilizando enquanto o alunos. Contudo, as propostas preconizadas
outro somente tenta escapar; no presente texto podem contribuir com a
• Jogos de conquistar território: são fundamentação teórica, bem como com
jogos que consistem em conquis- subsídios práticas que contribuam efetiva-
tar, defender ou excluir o adver- mente com o ensino das lutas na escola.
sário de um determinado espaço.
Implicam aproveitamento e diver-
sificação das ações desequilibra- As lutas nas séries iniciais do ensino funda-
doras para chegar a seus fins. È mental: proposta de organização curricular
preciso também puxar, carregar,
empurrar, fazer virar, esquiva-se, Além da proposta de classificação
desviar, resistir. O contato é quase das lutas que corrobore com a prática pe-
sempre inevitável; dagógica de professores de Educação Física
• Jogos de desequilibrar: consiste nas séries iniciais do ensino fundamental, o
em jogos que tem o objetivo de presente trabalho objetivou também ilustrar
desfazer os apoios do adversário uma proposta de organização curricular
no solo, podendo ser finalizado para esse conteúdo. Em princípio, reco-
com o toque de determinada parte nhecemos que essa é uma possibilidade
do corpo no solo ou exclusão de entre outras que podem ser elaboradas, fato
determinado espaço ou marca. Os que deve fazer parte das ações curriculares
papéis de ataque e defesa também de seleção e organização dos conteúdos
podem ser, ora alternativos, ora si- (FORQUIN, 1993), ao longo dos processos
multâneos. de ensino e aprendizagem das aulas de
Consideramos que é possível abor- Educação Física. Nossa proposta pode ser
dar as lutas nas séries iniciais do ensino visualizada a seguir.
316

Quadro 2: Organização curricular sobre o conteúdo das lutas ao longo das séries iniciais
do ensino fundamental

1º ANO 2º ANO 3º ANO 4º ANO 5º ANO

Revisão
O que são Revisão Revisão Revisão
conteúdos
lutas? conteúdos já conteúdos já conteúdos já
TEMA 1 já estudados
estudados nos estudados nos estudados nos
nos anos
2 aulas anos anteriores anos anteriores anos anteriores
anteriores

Diferenciação
Elementos das Elementos das Origem e Conhecendo
de lutas e
lutas: jogos de lutas: criação e Possibilidades as Lutas
briga
lutas de transformação de Lutas
TEMA 2 desequilibrar e
conquistar
território
4 aulas 6 aulas 3 aulas 4 aulas
3 aulas

Elementos Lutas X desenho Lutas e Mídia Classificação Técnicas e


das lutas: animado (Mídia) (filmes e jogos das lutas estratégias de
TEMA 3 jogos de lutas virtuais) ações de
de esquivar e ataque e defesa
imobilizar 4 aulas
2 aulas 5 aulas
3 aulas 4 aulas

Total de
8 aulas 8 aulas 8 aulas 8 aulas 8 aulas
aulas

Partimos do ponto de partida apre- Podemos sistematizar a proposta de


sentado por Nascimento e Almeida (2007) abordagem da manifestação corporal das
que salientam que a inserção das lutas na lutas de Nascimento e Almeida (2007) a
escola está atrelada à concepção de Educa- partir das dimensões dos conteúdos: dimen-
ção Física vinculada à perspectiva da cultura são conceitual, dimensão procedimental e
corporal de movimento, ou seja, enquanto dimensão atitudinal. Em cada uma dessas
elementos da cultura, estas manifestações dimensões há proposições distintas que se
corporais devem fazer parte do processo relacionam buscando propiciar possibilida-
educativo, não sendo necessário ao pro- des de ensino e aprendizagem na escola.
fessor ser especialista em lutas, embora ele Na dimensão conceitual é necessá-
deva compreender alguns dos condicio- rio que os alunos apropriem-se dos elemen-
nantes e características dessas práticas para tos que constituem as lutas, como histórico,
melhor ensiná-las. rituais, crenças e principais regras. Tais fatos
Ano XXV, n° 41, dezembro/2013 317

podem ser realizados por meio de trabalhos como um todo.


de pesquisa, permitindo aos alunos aprofun- A partir das considerações propostas
darem seus conhecimentos sobre as lutas, no presente estudo, apontamos a impor-
tendo em vista que, muitas vezes, as com- tância de se compreender de modo mais
preensões sobre lutas advindas do senso apropriado o processo de organização cur-
comum são superficiais e carregam grande ricular do conteúdo das lutas ao longo das
“dose” de preconceito, atribuindo-lhes aulas de Educação Física. Nesse contexto,
o imaginário de práticas violentas. apresentamos uma proposta de organização
Já na dimensão procedimental, a baseadas em 8 aulas por ano, bem como de
ênfase recai sobre os jogos de lutas, como temáticas para serem ensinadas ao longo
já foi ilustrado anteriormente. Dos jogos das séries iniciais do ensino fundamental,
de lutas que podem ser realizados em baseadas nas dimensões dos conteúdos:
aula, destacam-se o cabo de guerra, briga conceitual, procedimental e atitudinal.
de galo, exclusão de espaço com ombro, Essa é uma possibilidade dentre
mãos, conquista da quadra do oponente e outras que podem ser realizadas. Considera-
conquista de objetos com oposição. Devem -se, no entanto, fundamental que haja uma
ser incorporados também nos jogos de lutas organização sequencial dos conteúdos
a criação de regras e novos jogos propostos a serem ensinados ao longo das diversas
pelos alunos, no qual eles estabelecem o séries escolares de modo que a Educação
nome da luta, o modo de jogar/objetivo, as Física possa ser reconhecida, de fato, com a
regras, proibições e estratégias. importância de um componente curricular
Finalmente, na dimensão atitudinal obrigatório, indo além da perspectiva do
deve ser desenvolvido nos jogos criados/ “exercitar-se para”, criticada por González
adaptados pelos alunos a intenção de pre- e Fensterseifer (2010).
venir atitudes de deslealdade por meio das
proibições contidas em seus jogos, para
demonstrar o respeito, à ética, ao esporte e CONSIDERAÇÕES FINAIS
inibição da violência.
Além disso, é preciso que os alu- As lutas, enquanto manifestações
nos adotem critérios para saber analisar, da cultura corporal de movimento, são um
avaliar e criticar situações de exclusão nas conteúdo relevante que deve ser desenvol-
aulas de Educação Física, contribuindo, vido nas aulas de Educação Física do ensino
desta forma, para a construção do respeito fundamental, desde seus anos iniciais. Por
às diversidades e individualidades dos isso, devem ser produzidas, transformadas,
sujeitos que fazem parte de cada contexto. usufruídas e ressignificadas de acordo com
Nessa perspectiva, Olivier (2000) considera as diferentes intencionalidades do processo
que as lutas são um conteúdo rico para se educativo.
desenvolver atividades que busquem a di- Por questões didáticas, defendemos
minuição da indisciplina na escola, embora a necessidade de uma organização para o
reconheçamos que a dimensão axiológica ensino dos diversos conteúdos escolares.
de valores e atitudes devem permear todas Diante do propósito deste estudo e da carên-
as disciplinas, bem como a cultura escolar cia de publicações neste sentido na área da
318

Educação Física sobre lutas, apresentamos BECHARA, E. C. Educação Física escolar:


uma possibilidade de tratamento de temas proposta para formação de líderes
e subtemas a serem abordados em cada comunitários para alunos de 2ª e
um dos anos das séries iniciais do ensino 3ª séries do Ensino Médio. 2004.
fundamental, que são adequados às diver- 137f. Tese (Doutorado em Educação
sas características dos alunos, favorecendo Física) – Faculdade de Educação Física,
assim a apropriação de tais conhecimentos, Universidade Estadual de Campinas,
bem como o alcance dos objetivos de uma Campinas, 2004.
educação preocupada com a formação para BETTI, M.; ZULIANI, L. R. Educação Física
a cidadania. escolar: uma proposta de diretrizes
Enquanto proposta de organização pedagógicas. Revista Mackenzie de
curricular, buscamos apresentar possibilida- Educação Física e Esporte, São Paulo,
des para a prática pedagógica das lutas nas v.1, n.1, p. 73- 81, 2002.
séries iniciais do ensino fundamental. Para BRACHT, V.; PIRES, R.; GARCIA, S. P.;
isso, nos valemos da necessidade de com- SOFISTE, A. F. S. A prática pedagógica
preender as funções sociais da Educação em Educação Física: a mudança a partir
Física à luz de uma prática permeada por da pesquisa-ação. Revista Brasileira de
intencionalidades educativas claramente Ciências do Esporte, Campinas, v. 23,
definidas, buscando valorizá-la enquanto n. 2, p. 9-29, jan. 2002.
componente curricular de importância BRASIL. Secretaria de Educação
fundamental ao processo educativo. Fundamental. Parâmetros Curriculares
Nesse ensejo as lutas, bem como Nacionais. Educação Física, 3.e 4.
as propostas de organização pedagógica ciclos.Brasília: Mec, 1998.
desse conteúdo e dos processos de ensino BREDA, M.; GALATTI, L.; SCAGLIA, A.
e aprendizagem relacionados são mais um J.; PAES, R. R. Pedagogia do esporte
elemento que compõe a complexidade de aplicada às lutas. São Paulo: Phorte, 2010.
relações desenvolvidas. Dessa forma, tais CARREIRO, E. Lutas. In: DARIDO, S.C.;
ações devem ser valorizadas em prol de RANGEL,I.C. Educação Física na escola:
uma prática pedagógica crítica, reflexiva e implicações para a prática pedagógica.
que ofereça subsídios para a busca pela au- Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,
tonomia e ampliação das visões de mundo 2005, p.244-261.
dos educandos. CORREIA, W. R.; FRANCHINI, E. Produção
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320

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separação dos conteúdos das “lutas” dos Educação do Estado de São Paulo.
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física. Porto Alegre: Artmed, 2007.

FIGHTS CONTENT IN ELEMENTARY SCHOOL’S EARLY GRADES: pedagogical practice


possibilities in School Physical Education

ABSTRACT
Fights are Physical Education contents that should be present in pedagogical practice.
However, there are still gaps and misunderstandings in their educational development.
Thus, through a literature review, this study aimed to analyze fights as contents of School
Physical Education, comprehending its importance as well as presenting a classification
form. In a second moment, we presented a curricular organization proposal of fights in
elementary school’s early grades. We concluded that is important to understand fights
as School Physical Education contents. In this way, the content organization suggested
can contribute to the critical appropriation of this movement body culture manifestation.

Keywords: Fights; Pedagogical Practice; Content’s organization.

Recebido em: agosto/2013


Aprovado em: novembro/2013

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