Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Tabela de conteúdo
"Estimado Cesar Vidal: Poderia me dizer, com base na análise patrística feita
pelo 'Padre Launoy', quais Padres acreditavam que a Rocha de Mateus 16,18 era a
confissão de fé; quais acreditavam que era Pedro; e quais acreditavam que era a Fé
Apostólica?
Mais uma pergunta: com base em quê você sustenta que Santo Agostinho, nas suas
'Retratações', nega que Pedro seja a pedra de Mateus 16,18?
Obrigado desde já."
Amigo Jose Miguel Arráiz: faço-o com base na leitura das 'Retratações', onde
Agostinho afirma claramente que por algum tempo ele pensou que a rocha pudesse ser
Pedro, porém que chegou à conclusão de que essa interpretação era errônea. E é
lógico, porque assim o é. Agostinho não apenas aponta nas 'Retratações' que a rocha
é a confissão de que Jesus é o Messias e Filho de Deus - e não Pedro - como também
afirma o mesmo no seu Sermão 229 e no Tratado 26 sobre o Evangelho de João
No tocante ao Padre Launoy, ele chegou à conclusão de que apenas uns 20% dos
Padres, aproximadamente, aceitava tão disparatada interpretação - é um puro dislate
linguístico, para não dizer dogmático - frente a 80% que não a aceitava. Eu deveria
te cobrar por esta lição, mas entre os que a negavam estavam: Cirilo de Alexandria,
que identifica a rocha com a fé dos Apóstolos; Hilário de Poitiers, que diz que a
rocha é a fé confessada pela boca de Pedro; João Crisóstomo, que assinala que a
rocha é a confissão de fé: 'Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo'; Fabiano, que a
identificou com a confissão; Agostinho de Hipona, que também a identificou com a
confissão - e não apenas nas 'Retratações'; e Jerônimo, Epifânio, Cirilo etc., até
chegar aos 80%. Mas não fosse isso, ainda que Pedro fosse a pedra - o que não é, já
que ele mesmo diz que essa rocha é Cristo - dever-se-ia demonstrar que essa
situação permite sucessão, e que passou para o Bispo de Roma, ainda que o Bispo de
Roma estivesse em Avignon. Tudo isso é ilógico, ainda que o católico preze por um
raciocínio circular; e apesar da repetição do mantra: 'o papa é o sucessor de
Pedro', isto não se concretiza. Quem foi que disse isso? O papa! E eu sou Frederico
da Prússia. Quem foi que disse? Eu, que sou Frederico da Prússia.
Como a minha resposta será um pouco longa, dedicarei por ora esta breve resposta.
Uma observação: ainda que Cesar Vidal, ao interpretar a Escritura, cometa o típico
erro exegético de aplicar um padrão fixo de significados aos elementos metafóricos,
não vou abordar esse tema aqui, pois já o fiz em outros artigos:
Comecemos, então:
SANTO AGOSTINHO E MATEUS 16,18
Cesar Vidal começa reiterando que Santo Agostinho em suas "Retratações" negou a
possibilidade de se entender que Pedro é a pedra mencionada em Mateus 16,18. Porém,
se examinarmos bem o texto, veremos que isto não é verdade, pois o que este texto
diz é o seguinte:
"Disse aqui em algum lugar, 'sobre o Apóstolo Pedro, que nele, como na pedra,
está fundada a Igreja', sentido que muitos cantam com os versos do beatíssimo
Ambrósio, quando fala sobre o canto do galo: 'Ao cantar o galo / ele, pedra da
Igreja, / chora seu pecado'. Mas lembro-me de ter exposto posteriormente,
muitíssimas vezes, aquilo que disse o Senhor: 'Tu és Pedro e sobre esta pedra
edificarei a minha Igreja', de maneira que se entendesse sobre esse a quem Pedro
confessou quando disse: 'Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo', como se Pedro,
assim chamado por essa pedra, representasse a pessoa da Igreja, que é edificada
sobre essa pedra, e que recebeu as chaves do reino dos céus. Isto porque não lhe
foi dito: 'Tu és a pedra', mas: 'Tu és Pedro'. Visto que a pedra era Cristo, a quem
Pedro confessara, assim como o confessa toda a Igreja, foi chamado Pedro. Quanto a
essas duas sentenças, que o leitor escolha a mais provável" (Santo Agostinho;
Retratações 1,21,1; cf. "Obras Completas de Santo Agostinho", Tomo 15, Biblioteca
de Autores Cristianos, Madri, 1995, pp.723-724).
Observe que Santo Agostinho começa sem rejeitar que Pedro figura como a pedra de
Mateus 16,18; pelo contrário, ele afirma que é uma interpretação que ele mesmo tem
sustentado. Logo a seguir, acrescenta que também tem sustentado a outra
interpretação: que a pedra de Mateus 16,18 é Cristo. Nem sequer é possível garantir
que ele chegou à conclusão de que uma dessas interpretações é errônea, pelo simples
fato de mencionar uma antes e outra depois, porque o próprio Santo Agostinho
continua admitindo que ambas as interpretações são possíveis e deixa o leitor
decidir por si mesmo.
É lógico que é bem diferente admitir que há duas interpretações possíveis e deixar
o leitor decidir, e afirmar que uma delas é errônea. Portanto, o que afirma Cesar
Vidal neste comentário é falso.
De fato, um estudo detalhado de suas obras revela ademais que Santo Agostinho
empregou ambas as interpretações de maneira intercambiável, inclusive na mesma
época, razão pela qual a afirmação de Cesar Vidal é ainda mais insustentável.
Recomendo aos leitores complementar este estudo com o seguinte artigo que publiquei
há algum tempo:
Já aqui podemos observar que se tal investigação realmente existiu foi bastante
incompleta. Eu, por exemplo, tenho o livro "Jesus, Peter & Keys", de Butler,
Dahlgren e Hess, e só aqui pude contar pelo menos 41 Padres que reconhecem Pedro
como a pedra de Mateus 16,18 (consultei as páginas 215 a 279), isto sem contar os
Concílios Ecumênicos de Éfeso e Calcedônia, que reuniram centenas de bispos, os
quais reconhecem também Pedro como a pedra de Mateus 16,18.
Uma recopilação de testemunhos sobre alguns destes 41 Padres publiquei aqui:
Os Padres mencionados realmente negavam que Pedro fosse a Rocha de Mateus 16,18?
Cesar Vidal também sustenta que Padres como São Cirilo de Alexandria, Santo Hilário
de Poitiers, São Jerônimo, São João Crisóstomo, Santo Agostinho, Santo Epifânio e
São Cirilo de Jerusalém eram contrários à interpretação de que São Pedro era a
pedra de Mateus 16,18. Eu o convido a reler o artigo Mateo 16,18, el Primado de
Pedro y los Padres de la Iglesia e a procurar os textos patrísticos desses Padres,
para constatar que tal afirmação não procede. E isso sem mencionar que há evidência
histórica suficiente para demonstrar que eles reconheciam a primazia jurisdicional
do Bispo de Roma sobre toda a Igreja!
Com efeito, o que Cesar Vidal sustenta aqui, com base no estudo de um tal "Padre
Launoy", se é que realmente existiu (mas que no fim das contas é irrelevante), é
falso.
CURIOSIDADE
Cesar Vidal sustenta que Santo Agostinho rejeitava a primazia do Bispo de Roma mas,
curiosamente, escreveu ele mesmo outrora, em seu "Dicionário de Patrística":
Sim! Segundo este Dicionário de Patrística, escrito pelo próprio Cesar Vidal, para
Santo Agostinho a Sé de Pedro sempre desfrutou do primado.
CONCLUSÃO
Agradeço a Cesar Vidal por ter perdido seu tempo para me responder, e por fazê-lo
gratuitamente, já que ele mesmo afirmou que deveria ter me cobrado pela lição.
Graças a Deus que não cobrou, porque se o tivesse feito eu seria obrigado a pedir-
lhe a restituição.