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O ESTATUTO DA lEITURA NA

REDAÇÃo DO ENEM 2014: o CASO


DA fUGA Ao TEMA
SoLAnGE Dos SAn Tos DÉBo RA R EIS A GUIAR

Introdução

O desenvolvimento das habilidades de leitura e de escrita é imprescindível para o


progresso escolar. Nas séries iniciais, dominar o código escrito é considerado
critério de avaliação para que o aluno possa prosseguir para as séries posteriores. Para
ingressar no Ensino Superior, um dos requisitos dos processos seletivos consiste em
um bom desempenho na prova de redação. Além disso, é por meio da leitura que
o educando adquire conhecimento, não só em língua materna, mas também em
outras áreas de conhecimento.
Entretanto, a realidade educacional brasileira mostra que o processo de ensino-
aprendizagem tem apresentado falhas e muitos estudantes acabam sendo
promovidos para séries seguintes sem saber ler e escrever. Nesse sentido, por
mais que se enfatizem alternativas de se trabalhar a leitura em sala de aula,
muitos alunos chegam às séries finais do Ensino Fundamental e até mesmo ao
Ensino Superior com dificuldades relativas às habilidades de leitura e de escrita,
evidenciando, assim, problemas que não foram solucionados nas séries iniciais.
Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), na introdução da caracterização
da Língua Portuguesa, é apresentada a visão de que “no Ensino Fundamental, o
eixo da discussão, no que se refere ao fracasso escolar, tem sido a questão da leitura
e da escrita” (BRASIL, 1997, p. 19). Os índices de repetência na primeira e quinta
séries (atuais 2º e 6º anos) são atribuídos à dificuldade da escola em ensinar a ler e
a escrever: i) na primeira série, por problemas no ensino de alfabetização; ii) na
quinta série, por não desenvolver o uso eficaz da linguagem. Com relação ao
Ensino Superior, os PCN ressaltam que
a dificuldade dos alunos universitários em compreender os textos propostos para leitura e organizar
ideias por escrito de forma legível levou universidades a trocar os testes de múltipla escolha dos
exames vestibulares por questões dissertativas e a não só aumentar o peso da prova de redação na
nota final como também a dar-lhe um tratamento praticamente eliminatório. (BRASIL, 1997, p. 19)

As dificuldades quanto à proficiência em leitura e escrita fazem parte de debates


pedagógicos há tempo. Porém, embora seja um tema muito estudado, ainda nos
deparamos com situações que revelam a falta de êxito da escola no
desenvolvimento dos alunos, notadamente, no baixo desempenho destes nos
resultados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), dos exames do
Programa para Avaliação Internacional de estudantes (Pisa) e do Exame Nacional do
Ensino Médio (Enem).
Na edição de 2014 do Enem, o número de textos com “fuga ao tema” chamou a
atenção, fazendo surgir questionamentos acerca dos motivos que provocaram
essa queda de desempenho. Diante desse panorama, este capítulo tem como objetivo
problematizar o número expressivo de fugas ao tema na prova de 2014, ressaltando-
o como decorrente da má compreensão/interpretação da proposta de redação.
Dentro dessa perspectiva, nota-se um reflexo das dificuldades no ensino de
leitura, o que torna necessário fazer algumas considerações a respeito.

1 O ensino de leitura e seus reflexos na produção escrita

Os PCN atribuem à escola a responsabilidade de formar leitores, tendo em vista


que através da leitura se desenvolve a escrita do aluno. Assim, a perspectiva de
leitura envolve a concepção de linguagem como interação, com o objetivo de
desenvolver a capacidade do leitor e, por conseguinte, as habilidades de escrita,
como podemos confirmar no excerto a seguir:

O trabalho com leitura tem como finalidade a formação de leitores competentes e,


consequentemente, a formação de escritores, pois a possibilidade de produzir textos eficazes tem sua
origem na prática de leitura, espaço de construção da intertextualidade e fonte de referências
modalizadoras. A leitura, por um lado, nos fornece a matéria prima para a escrita: o que escrever.
Por outro, contribui para a constituição de modelos: como escrever. (BRASIL, 1997, p. 40)
Essa percepção condiz com a abordagem das Orientações Educacionais
Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN+), que
consideram a prática de leitura como processo interativo, como é ressaltado no
tópico Competências e habilidades: “No plano da escrita, espera-se que, durante a
leitura, o aluno interaja com o texto de tal forma que possa produzir respostas a
perguntas formuladas e, assim, consolidar progressivamente seu texto escrito”
(BRASIL, 2002, p. 65).
Tanto os PCN destinados ao Ensino Fundamental (BRASIL, 1997, 1998) quanto os
dedicados ao Ensino Médio (BRASIL, 2000) e o PCN+ (BRASIL, 2002) sugerem a
atividade de leitura interligada à atividade de escrita, como se esta só se realizasse por
intermédio daquela. Apesar disso, por mais que se cultue a relevância da leitura,
não só para o ensino de língua materna, como também para outras disciplinas, ainda
fica a impressão de que a leitura não está sendo trabalhada adequadamente em
sala de aula. E isso fica mais evidente em resultados de avaliações de larga escala,
como podemos notar na prova de redação do Enem.
Apesar de consistir em uma prova que avalia competências concernentes à atividade
de produção textual, a redação do Enem requer do candidato a leitura da proposta,
que geralmente é composta por um enunciado e três textos motivadores. Nesse
sentido, para chegar à escrita, torna-se necessária a habilidade de leitura atrelada à
atividade de interpretação, exigindo do leitor uma interação entre seus
conhecimentos prévios e estratégias que estão muito além da decifração das
palavras.
Nessa perspectiva, a produção textual do Enem se volta para a noção de texto como
uma atividade interativa, na qual o participante deverá fazer pontes com as noções
linguísticas e sua cultura. Evidencia-se, assim, a importância de o leitor interligar o
texto a seus conhecimentos extralinguísticos, pois a atividade de leitura se dá por
meio da ativação de vivências e experiências que o leitor possui, havendo,
consequentemente, “uma pluralidade de leituras e sentidos em relação a um mesmo
texto” (KOCH; ELIAS, 2011, p.21). De acordo com Solé (1998), espera-se que o
leitor da concepção interacional “seja um crítico, que ele refute, avalie, dê
significado e sentido ao que lê”, pois o ato de ler exige a mobilização de um conjunto
de conhecimentos, uma vez que um texto pode ou não exigir conhecimento
prévio do assunto. Assim, para o leitor compreender o texto, é necessário lançar
mão de seus conhecimentos armazenados na memória e acionar seu conjunto
de saberes.
Porém, a própria concepção de leitura, por vezes, não é devidamente
considerada nas práticas escolares. O texto é usado como pretexto para outras
atividades, desprezando a atividade de leitura propriamente dita. Na maioria das
vezes, o texto serve apenas de base para o ensino gramatical ou, quando se
pretende trabalhar a interpretação de textos, a abordagem se limita em extrair
informações objetivas. Quando isso ocorre, a leitura não passa de um processo de
decodificação e perde-se a oportunidade de desenvolver a criticidade do aluno.
Essas noções distorcidas proclamadas no espaço escolar causam o desinteresse
pela leitura. E não é de se admirar o grande número de alunos que não gostam de ler
e apenas leem quando obrigatório os livros didáticos. Estes, por sua vez, são
apontados como um dos elementos responsáveis pelo insucesso do ensino de
leitura por não oferecer, em suas atividades de compreensão/interpretação,
subsídios que auxiliem ao professor no desenvolvimento das habilidades de
leitura dos alunos (cf. MARCUSCHI, 2008; SANTOS; SILVA, 2015, entre
outros).
Dessa maneira, muitos alunos chegam ao final do Ensino Básico sem desenvolver
as habilidades de leitura e escrita necessárias para o acesso ao Ensino Superior,
apresentando muitas dificuldades de interpretação e produção textual. Logo, a
compreensão de uma proposta de redação torna-se uma atividade complexa e a
elaboração de um texto mais complicada ainda, no que diz respeito, principalmente,
ao eixo temático e à construção da argumentação, uma vez que é imprescindível ter
uma bagagem de conhecimento, um repertório sociocultural produtivo, o que
geralmente é adquirido por intermédio de muita leitura.
Em outras palavras, as dificuldades concernentes às habilidades de leitura podem
ocasionar a má interpretação da proposta de redação e, consequentemente, a
fuga ao tema. É sobre os casos de fuga ao tema no Enem, da edição 2014, que
trataremos a seguir.

2 A redação no Enem e a fuga ao ttema na edição 2014

De acordo com o Guia do Participante: A redação no Enem 2013 (versão mais


recente), disponibilizado no portal do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (Inep), a prova de redação solicita “a produção de
um texto em prosa, do tipo dissertativo-argumentativo, sobre um tema de ordem
social, científica, cultural ou política” (Guia do participante).
A fuga ao tema, foco deste capítulo, é uma das razões para se atribuir nota zero a
uma redação. Vale ressaltar que a fuga ao tema ocorre quando o texto não trata do
tema proposto nem do assunto mais amplo vinculado ao eixo
temático. O Guia do participante de 2013 esclarece esse aspecto da Matriz de
Avaliação do Enem, utilizando como exemplo o tema da redação do Enem de
2012: “O movimento imigratório para o Brasil no século XXI”.
Nesse tema, o assunto mais amplo é a imigração. Logo, segundo as explicações
do Guia do participante, não fogem ao tema o direcionamento temático que trate
sobre a imigração para o Brasil em geral sem focar no século XXI, e abordagens a
respeito da presença do estrangeiro sem tocar no fenômeno imigratório para o Brasil.
Por apresentarem uma abordagem parcial, nos limites do assunto mais amplo, essas
orientações temáticas configuraram-se como casos de tangenciamento ao tema,
conferindo nota mínima na competência 2 (40 pontos).
De acordo com o Guia, foram consideradas fuga ao tema as redações que
enfocaram apenas acerca de fluxos migratórios dos brasileiros de uma região para
outra, de emigração de brasileiros para o exterior e de êxodo rural e urbano.

FIGURA 1: BA lA nço DAS REDAçõES Dos pARTICIpA nTES (FONTE: ColETIVA Do En EM 2014)

Os dados divulgados pelo Inep referentes aos resultados da edição 2012 não
especificam a quantidade de textos anulados por fuga ao tema. O mesmo ocorre
na edição 2013, cujos dados publicados só mostram o número geral de textos
anulados, sem especificação ou detalhamento da motivação para a nota zero na
redação. Na edição de 2014, os dados não só explicitam a quantidade de
textos por razão de anulação, como também ressaltam que a fuga ao tema foi o
maior motivo para a atribuição de nota zero.
Vejamos, inicialmente, o balanço das redações dos participantes apresentado na
coletiva de imprensa do Enem 2014, realizada pelo então Ministro de Estado da
Educação, Cid Gomes, em janeiro de 2015.
A partir dos dados da figura 1, podemos constatar que 8,5% dos candidatos
obtiveram nota zero e somente 0,004% atingiram a nota máxima. Predominaram
notas entre 501 e 600 pontos, demonstrando que maior parte dos participantes
atingiram níveis medianos. Se comparado ao resultado da edição 2013, nota-se
uma queda de 9,7% na nota média da redação, como pode ser observado na
figura 2:

FIGURA 2: D ESEMpENHo Dos conclUInTES EM 2013 E 2014 (FONTE: ColETIVA Do En EM 2014).

Ainda que se trate de uma prova que afere as habilidades concernentes a uma
produção textual, o resultado negativo na nota da redação do Enem 2014, em relação
à edição anterior, chamou a atenção de especialistas, mais uma vez, para o baixo
desempenho das habilidades de leitura. Isso porque, dentre os casos que receberam
nota zero, destacou-se o número de fuga ao tema. Para corroborar essa
afirmação, destacamos a tabela da figura 3:
FIGURA 3: CASos DE AnULAÇÃo. (F ONTE: ColETIVA Do En EM 2014)

Ao analisarmos a tabela da figura 3, constatamos que o número de redações


com nota zero apresentadas na figura 1 não condiz com o número total apresentado
na tabela que especifica os casos de anulação. Enquanto na figura 1 o número é
529.374, a soma da tabela da figura 3 é 248.471. Com o intuito de encontrar o
possível equívoco, buscamos analisar outras tabelas da apresentação da coletiva e
pesquisamos nos sites que trazem matérias decorrentes dessa coletiva, mas não
desvendamos a razão dessa diferença, que pode ser um mero erro de digitação, ou
a falta de algum dado. Em virtude disso, optamos por mostrar apenas o cálculo
da porcentagem de cada motivo de anulação.
Por meio desse cálculo, verificamos que, das redações anuladas, 87,47% são de
redações que fugiram ao tema, denotando que há um problema relacionado à
compreensão do tema proposto e, consequentemente, à interpretação dos textos
motivadores, que devem servir de base para o candidato articular suas ideias e
construir sua argumentação.
O Ministro da Educação, em coletiva, afirmou que o tema proposto para a redação em
2014 não teve uma discussão nacional como o tema de 2013, mas também
ressaltou a necessidade de analisar as causas para a queda do desempenho,
reconhecendo as deficiências do ensino público e a falta do hábito de leitura dos
estudantes.
Para um melhor entendimento de como se configurou a na edição 2014, observemos a
proposta de redação:

FIGURA 4: PRoposTA DE REDAÇÃo En EM 2014.


O tema proposto foi “Publicidade Infantil em questão no Brasil”. Logo, a
argumentação deveria girar em torno dos aspectos da publicidade infantil dentro do
contexto brasileiro e da perspectiva apresentada nos textos motivadores.
A proposta é composta por três textos motivadores. O primeiro indica em que
contexto se deve desenvolver a argumentação, ao abordar sobre a resolução, emitida
pelo Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda),
que determina como abusiva toda propaganda que, com o propósito de levar
crianças ao consumismo, recorre a aspectos apelativos. O texto também toca nas
controvérsias relacionadas à implementação da resolução, expondo as opiniões das
ONGs de defesa dos direitos das crianças e os setores contrários, como as
empresas e os profissionais do mercado publicitário.
O segundo texto consiste em um infográfico com informações referentes à
publicidade infantil em alguns países do mundo, mostrando as diferentes
maneiras de controlar a publicidade voltada às crianças, indo da
autorregulamentação à proibição. Esse texto acrescenta informações relevantes
para a construção da argumentação, e até mesmo para a elaboração de uma
proposta de intervenção.
O terceiro texto, fragmento do livro intitulado A Criança e o marketing, também traz
subsídios para a elaboração de um ponto de vista e de uma proposta de intervenção
pautada na necessidade de formar consumidores conscientes.
Nesse âmbito, a partir da leitura dos textos motivadores, é possível depreender
que o assunto mais amplo da proposta de redação da edição 2014 é a publicidade
infantil. Por conseguinte, de acordo com o exposto pelos textos motivadores, o
eixo temático se direciona para as propagandas destinadas ao público infantil, ou
seja, para a publicidade que, com o intuito de persuadir as crianças, apela com a
utilização de desenhos animados, bonecos, linguagem e trilhas sonoras infantis,
oferta de prêmios, brindes ou artigos colecionáveis.
Desse modo, fazendo uma analogia com o que foi considerado no exemplo da
edição 2012, citado anteriormente, podemos inferir que se caracteriza como fuga ao
tema: i) o direcionamento temático limitado à publicidade em geral, sem ligação
com o mundo infantil; ii) tratar somente da infância sem estabelecer uma
relação com a publicidade; iii) discutir somente a respeito de problemas ligados
à infância, entre outros enfoques que não relacionem publicidade e infância.
Diante dessa perspectiva, é aceitável que se encaixem no grupo de
tangenciamento ao tema o direcionamento temático voltado para participação de
crianças no ramo da publicidade, como a exposição de crianças em propagandas, ou
até mesmo a conscientização de crianças com relação ao consumismo.
A par do entendimento de que o Enem exige do participante, na competência
2, a compreensão da proposta temática e a aplicação de um repertório
sociocultural produtivo, isto é, uma argumentação fundamentada em várias áreas do
conhecimento, torna-se imprescindível que, na leitura da proposta, sejam acionados
conhecimentos linguísticos e conhecimentos denominados de mundo, aqueles
interligados com a experiência, adquiridos a partir de interações sociais, o que
demonstra aptidão em adequar o contexto à produção textual requerida,
construindo sentidos.
Todavia, o que ainda se observa é uma grande falha nesse processo de ensino de
leitura e produção textual nas escolas, muitas vezes, enraizado num ensino
descontextualizado, o que pode estar gerando a falta compreensão dos textos
motivadores por parte dos participantes do Enem. Dessa maneira, os fracassos
podem estar relacionados a diversos fatores, desde o processo de ensino-
aprendizagem, especificamente a metodologia adotada na escola, até a própria falta
de interesse dos alunos.
Neste âmbito, é possível citar algumas hipóteses para o alto índice de redações
zeradas por fuga ao tema. Uma delas diz respeito aos problemas no ensino de
leitura, que está intrinsecamente atrelado à escrita. Muitas vezes, a escola forma
o cidadão como um leitor mecânico, não abre o leque de possibilidades
interpretativas, não apresenta estratégias e/ou adota materiais didáticos que não
favorecem a prática de leitura.
Nas séries iniciais, a leitura é colocada como critério de avaliação, contudo, só
costuma levar em consideração o processo de decodificação. Nas séries
posteriores, quando o aluno já domina o código escrito, a leitura é trabalhada
com atividades de compreensão/interpretação textual, no entanto, o esquema
seguido por tais atividades é crítico, destacando-se o uso constante de perguntas e
respostas vazias, seguindo uma literalidade e, igualmente, uma temporalidade
condicionada, mantendo uma regularidade discursiva, afetando no desenvolvimento
da criticidade do aluno que, por vezes, fica preso à prática da cópia de informações
explícitas do texto.
Assim, comumente, desde os primeiros anos de alfabetização, o aluno é “ensinado”
a decodificar, ao invés de ser orientado a interpretar e a fazer conexões com seus
conhecimentos de mundo. Deste modo, fica um estudo restrito à
superficialidade do texto, gerando falhas no processo de ensino-aprendizagem e
ocasionando o não desenvolvimento das habilidades leitoras. Em decorrência
disso, surgem problemas de leitura, como a má interpretação/compreensão da
proposta de redação e de seus respectivos textos motivadores. Sem falar que o
candidato acaba se colocando como leitor passivo, ao invés de se posicionar na
construção dos sentidos do texto.
A partir do momento que um participante não tem em sua bagagem
conhecimento sobre o assunto, não consegue interpretar a proposta e não traça
uma linha de conhecimento com os textos motivadores, a probabilidade de fugir ao
tema aumenta. Por esse viés, o participante deve fazer pontes com outras
construções de sentidos e sua bagagem sociocultural deve se fazer presente.
Portanto, como a leitura encabeça a escrita, precisa-se de um participante leitor para
que se tenha uma boa produção textual.

Considerações finais

A prática de produção textual é um dos meios com que o indivíduo utiliza a


linguagem para exercer seu papel de cidadão e está estreitamente ligada à
prática de leitura e compreensão textual. Apesar disso, as metodologias
empregadas em sala de aula nem sempre são suficientes para desenvolver as
habilidades de leitura e de escrita.
Ao observarmos como se constitui a proposta de redação do Enem, constata-se
que a concepção de leitura como atividade de produção de sentido adotada está
vinculada a propostas de outros documentos oficiais da educação, como os PCN,
que servem de base metodológica para o ensino brasileiro. Assim como os PCN, o
Enem não foca nas concepções de língua como representação do pensamento ou
língua como estrutura, nas quais o sujeito se coloca como passivo desse processo,
mas sim na concepção interacional da língua, pois nesta o leitor se coloca como
sujeito ativo, que constrói os sentidos do texto, não somente pela superfície textual,
como também pelos seus conhecimentos adquiridos além dela. A falta de
compreensão da proposta de redação se dá justamente pelo insucesso no
desenvolvimento dessas habilidades de leitura, além da insuficiência em estabelecer
conexões com outras áreas de conhecimento, ou mesmo o menor grau de bagagem,
seja linguística, cognitiva, cultural, de valores, entre outras, que
o participante possui.
Claro que a compreensão do texto se interliga num conjunto, sendo fatores
relativos e individuais que influenciam e interferem na compreensão global do
texto. Se o participante não fizer nenhuma ponte, ou mesmo associar os textos aos
conjuntos de saberes que possui, logicamente, haverá uma implicatura no resultado,
no caso do Enem, a fuga ao tema.
A leitura adequada da proposta de redação e a interpretação dos textos motivadores são
essenciais para a subsequente escrita. Por isso, se há uma falha no processo de leitura, a sua
escrita estará, evidentemente, comprometida. E para que isso não ocorra, é necessário que a
escola insira o aluno no mundo dos textos de maneira real e significativa.
Em vista disso, a escola, o professor e o livro didático devem estar intrinsecamente
aplicados num projeto que trabalhe na perspectiva interacional: vise o aluno como leitor-
interacional, ensine ou proporcione ao aluno o conhecimento das diversas estratégias de
leitura para que se possa fazer uso delas e tornar-se um leitor eficiente e autônomo. Dentro desta
perspectiva de ensino- aprendizagem, a leitura trabalhada de forma real e significativa, o aluno
perceberá desde a sala de aula, a ampliação de suas visões, o aprofundamento dos saberes, verá
o texto como um campo o qual o leitor atribui sentidos.

Referências
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília: MEC/SEMTEC, 2000. BRASIL. PCN+
Ensino Médio: Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais: Linguagens, códigos
e suas tecnologias. Brasília: MEC/SEMTEC, 2002.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: primeiro e segundo ciclos do
ensino fundamental: língua portuguesa. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC, 1997.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do
ensino fundamental: língua portuguesa. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.
KOCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender os sentidos do texto. São Paulo: Contexto,
2006.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial,
2008.
SANTOS, Solange dos; SILVA, Leilane Ramos da. Tipologia de perguntas nas atividades de mediação para leitura em
livros didáticos. In: FREITAG, Raquel Meister Ko.; DAMACENO, Taysa Mércia Souza Santos. Livro didático –
gramática, leitura e ensino de língua portuguesa contribuições para a prática docente. São Cristóvão: Editora
UFS, 2015.
SOLÉ, Isabel. Estratégias de Leitura. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998.

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