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"O maior inimigo é o vírus da ignorância"

Artur Xexéo em 2009, quando era editor do Segundo Caderno, do Jornal O


GLOBO | Foto de Marcos Tristão/Agência O GLOBO

A melhor notícia que a Humanidade recebeu desde março de 2020 foi o anúncio de que
o governo do Reino Unido começa a vacinar a população britânica a partir desta
semana. Boris Johnson não é exatamente o melhor chefe de governo em cartaz. Mas,
pelo menos, tem demonstrado alguma grandeza quando se trata de combater a maior
crise sanitária da História. Tem feito o que é necessário. Decreta lockdowns, estabelece
regras de flexibilização, restringe um pouco mais ou um pouco menos a vida do cidadão
de seu país de acordo com os números da pandemia. É isso que falta no Brasil. Alguma,
nem que seja mínima, grandeza em Brasília.

Quando esta pandemia começou, foi dito que a vacina era a única solução. Passamos a
esperar por ela. Dizia-se que iria demorar no mínimo um ano e meio para ficar pronta.
Isso nos desanimou um pouco. Mas em menos de um ano surgiu a primeira vacina, a da
Pfizer/BioNTech. A notícia é tão animadora que Boris Johnson nem esperou ficar
pronta a vacina que está sendo testada por uma universidade britânica. Enquanto a
vacina de Oxford não fica pronta, tratou de comprar um produto que é fruto da parceria
entre um laboratório com sede nos Estados Unidos e outro de nacionalidade alemã.
Johnson, o homem que comanda o Brexit, se rendeu a uma indústria da União Europeia.

E aqui? Aqui a gente tem que se submeter às idiossincrasias de um presidente que já fez
campanha contra o isolamento, contra o distanciamento, contra a máscara e agora
iniciou uma campanha contra a vacina. Ou seja, tudo que dá certo contra o vírus ele é
contra. Só é a favor da cloroquina, que, como já foi provado, não serve pra nada. De
início, parecia que ele só era contra a vacina que teve o apoio do governo de São Paulo.

Mas agora já demonstrou que é contra qualquer uma. Ele anunciou, através de um
ministro da Saúde incompetente que assumiu dizendo que não sabia o que era SUS, que
a vacinação no Brasil só começa em março e que ele não irá se vacinar. “Não sou
obrigado”, resumiu.

Não é mesmo. Mas podia, então, não se meter. Em meio a já demonstrada segunda onda
da pandemia no país, ele apoiou a ideia da primeira-dama Michele de reunir no jardim
do Palácio da Alvorada (a Damares chama de “quintal”) um grupo de 50 crianças
carentes. Meia dúzia de ministros também compareceu ao evento, onde as crianças
brincaram, nadaram na piscina e receberam presentes de um Papai Noel que, ao chegar
ao local, fez a primeira-dama chorar de emoção. Todo mundo sem máscara, se
abraçando e, possivelmente, espalhando o vírus entre os menores. É verdade que o
presidente e muitos de seus ministros já se contaminaram e talvez tenham anticorpos.
Mas não há prova científica de que quem já teve a doença não transmita o vírus.

O colunista tergiversou. Voltemos ao começo desta coluna e às boas notícias. A gente


acreditava que a vacina seria a nossa salvação. Ledo engano. A vacina está aí, e agora a
gente descobriu que nosso maior inimigo nesta pandemia não é o coronavírus, mas o
vírus da ignorância que se espalha a partir de Brasília. Contra este, tudo indica que a
vacina ainda vai demorar dois anos.

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