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A Sexualidade, a saúde reprodutiva

REVISÃO DE LITERATURA
Isabel C. F. da Cruz

e a violência contra a mulher negra:


aspectos de interesse para
assistência de enfermagem

SEXUALITY, REPRODUCTIVE HEALTH AND VIOLENCE AGAINST THE AFRICAN


BRAZILIAN WOMEN: ASPECTS OF INTEREST FOR NURSING CARE

SEXUALIDADE, SALUD REPRODUTIVA Y VIOLENCIA CONTRA LA MUJER NEGRA:


REVISIÓN DA LITERATURA DE INTERES PARA EL CUIDADO DE ENFERMERÍA

Isabel Cristina Fonseca da Cruz1

1 Doutora em RESUMO ABSTRACT RESUMEN


Enfermagem pela
Escola de Enfermagem
Com base no referencial da Based on the referential of the Con base en el referencial de la
da USP (EEUSP). teoria racial crítica, foi feita uma critical racial theory, a review teoría racial crítica, se realizó una
Professora Titular da revisão da literatura com o of the literature was made with revisión de la literatura con el
Universidade Federal
Fluminense. objetivo de buscar informações the objective of searching for objetivo de buscar informa-
Coordenadora do que fundamentem uma ação information that leads to an ciones que fundamenten una
Núcleo de Estudos profissional afirmativa contra o affirmative professional action acción profesional afirmativa
sobre Saúde e Etnia
Negra. Editora da racismo e o sexismo, baseada against racism and sexism, based contra el racismo y el sexismo,
Revista Online Brazilian em evidências científicas e on scientific evidences and basada en evidencias científicas
Journal of Nursing. culturalmente competente. culturally competent. It was y culturalmente competentes.
isabelcruz@uol.com.br
Evidenciou-se que a sexua- evidenced that the sexuality, Se evidenció que la sexualidad,
lidade, a saúde reprodutiva e a reproductive health and la salud reproductiva y la
violência contra a mulher negra violence against African violencia contra la mujer negra
são temas com literatura Brazilian women are themes son temas con literatura escasa,
escassa, sugerindo que o ra- with scarce literature, suggesting sugiriendo que el racismo y
cismo e o sexismo estão ope- that racism and sexism occur by el sexismo están operantes
rantes por meio da omissão ou the omission and neglicence of por medio de la omisión o
negligência do Estado pese a State to weigh on African negligencia del Estado, pese
mobilização das mulheres Brazilian women’s mobili- a la mobilización de las
negras. Concluiu-se que a zation. The study concluded mujeres negras. Se concluyó
discriminação institucional that institutional discrimination que la discriminación institu-
precisa ser explicitada e comba- in health needs to be neutralized cional precisa ser explicitada y
tida por meio de várias ações by affirmative actions regarding combatida por medio de varias
afirmativas em relação à mulher to African Brazilian women that acciones afirmativas en relación
negra que devem ser imple- must be implemented or a la mujer negra y deben ser
mentadas ou fortalecidas para strenghten to promote equity in implementadas o fortalecidas
a promoção da eqüidade em health. para la promoción de la equidad
saúde. en salud.

DESCRITORES DESCRIPTORS DESCRIPTORES


Mulheres. Women. Mujeres.
Saúde da mulher. Women’s health. Salud de la mujer.
Violência. Violence. Violencia.
Sexualidade. Sexuality. Sexualidad.
Discriminação racial. Racial discrimination. Discriminación racial.

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Rev Esc Enferm USP Recebido: 27/02/2003
2004; 38(4): 448-57. Aprovado: 08/07/2003
INTRODUÇÃO Uma vez que o racismo é um viés, tanto
A sexualidade, a saúde
das epistemologias tradicionais quanto con- reprodutiva e a violência
temporâneas, que orienta a condução de pes- contra a mulher negra:
Este estudo teve como motivação inicial aspectos de interesse
o Fórum Internacional Sobre Sexualidade, quisas e interpretação de resultados que para assistência de
refletem e reforçam a história social, racial e enfermagem
Saúde Reprodutiva e Violência Contra a Mu-
lher na Amazônia Ocidental, promovido pela de gênero do grupo hegemônico, surgiu a ne-
Universidade do Acre, em setembro de 2003, cessidade de construir uma epistemologia que
por ter aberto uma oportunidade de discutir estivesse associada ao desenvolvimento do
com os profissionais e gestores da saúde pensamento afrodescendente formado ao
sobre a condição das mulheres negras no longo de cinco séculos de exclusão nas
Brasil e no mundo. Eventos desta natureza Américas.
têm relevância científica porque permitem tra-
zer à tona assuntos que a sociedade insiste Neste sentido, como parte do pensamen-
em manter fora da sala de visita: racismo e to afrodescendente, observou-se que o sis-
sexismo. Em Fóruns como este, podemos de- tema social de direitos civis, liberal e conser-
linear um quadro atualizado sobre as condi- vador, estava estruturado de modo a valori-
ções de saúde/doença, bem-estar e mal-estar zar a propriedade em vez da justiça e que os
das mulheres negras, a partir de suas própri- avanços sociais só seriam promovidos pelo
as representações e propor políticas afirmati- grupo hegemônico caso também promoves-
vas que ajudem na promoção da saúde das sem seus próprios interesses. Por fim, o
clientes e na superação dos problemas. Têm grupo hegemônico só aceita o custo das
ainda relevância social por propiciarem a soluções para os problemas raciais e de gê-
explicitação das condições de desigualdade nero caso estas soluções não ameacem seu
em que vivem as mulheres negras, quando status quo.
comparadas aos demais estratos sociais, de-
Por meio da teoria racial crítica, fenôme-
vido à sua cor ou grupo étnico e por darem
nos e eventos tidos como reais ou naturais,
subsídios para os gestores e profissionais
cristalizados na estrutura social (como o ra-
de saúde formular políticas que favoreçam o
cismo e o sexismo), foram modelados por uma
acesso ao cuidado e à qualidade do mesmo.
série de fatores sociais e precisam ter seus
significados mais profundos revelados para
DESCRIÇÃO DO PROBLEMA, que se possa compreender e abordar os pro-
DO REFERENCIAL CONCEITUAL blemas sociais contemporâneos.
E DO OBJETIVO DO ESTUDO
A teoria racial crítica reconhece que a pes-
O problema de pesquisa que trataremos soa discriminada racialmente tem seu discur-
neste estudo é a escassez de informação so- so referenciado pelo racismo, porém, de modo
bre a demanda ou necessidade que a mulher a estudar sua perspectiva, este discurso pre-
negra possui em relação às instituições e aos cisa ser compreendido. Portanto, as histórias
profissionais de saúde, em especial às enfer- das pessoas vitimizadas por iniqüidades ra-
meiras, quanto à sua sexualidade, sua saúde ciais e de gênero sobre suas experiências
reprodutiva e às situações de violência. Tam- constituem uma evidência empírica sobre a
bém se dirá do quanto essa demanda justifi- realidade. Por meio destas evidências, o pes-
ca o estabelecimento de políticas afirma- quisador orientado pela teoria racial crítica
tivas de promoção da saúde a serem imple- busca revelar as forças sistêmicas enraizadas
mentadas, visando à eqüidade. na sociedade que atuam na opressão racial e
de gênero.
Assim, para melhor compreensão do pro-
blema racial e de gênero no Brasil e para aná- Com base neste referencial, procuramos
lise do conhecimento produzido sobre a con- observar o quanto a condição da mulher ne-
dição das mulheres, buscamos utilizar como gra se aproxima ou se distancia da justiça e
referencial a teoria racial crítica(1). Esta teoria igualdade de chances em conquistar as opor-
estrutura-se em torno de dois eixos funda- tunidades apresentadas pela sociedade (prin-
mentais: a equidade e a democracia. Assim,
constructos como meritocracia, neutralidade,
objetividade, entre outros, são todos
cípio da eqüidade), assim como quanto a sua
condição feminina propicia a sua participa-
ção plena nas instituições de controle social
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questionáveis. (princípio da democracia). 2004; 38(4):448-57.
Além disso, quando se estuda a mulher tual Mulher (BVM), no período 1990-2003.
Isabel C. F. da Cruz
negra brasileira, julgamos importante frisar a Foram encontrados quatro artigos relacionan-
existência do fator extrínseco histórico-soci- do mulher e violência; cinco artigos: mulher e
ológico caracterizado por quatro séculos de negra; e quatro sobre mulher e sexualidade.
escravidão e um século de exclusão, sob o Dos encontrados, selecionamos aqueles re-
arcabouço do patriarcado(2). Assim, por meio lacionados ao tema proposto.
da análise crítica da história brasileira, inclu-
indo a contemporânea, observamos que as DESENVOLVIMENTO
condições de escravização, colonização, pa-
triarcado e exclusão moldaram uma realidade Os resultados da pesquisa bibliográfica
e cristalizaram estruturas que são inadequa- com base no recorte temporal, no nosso
damente entendidas como legítimas e impu- entendimento, mostraram que são escassos
seram às mulheres negras, no que tange os números de textos sobre saúde da mulher
a sua saúde, fatores de risco extra-biológicos negra, assim como o número também restrito
os quais apontaremos mais adiante neste de publicações específicas sobre violência
estudo. contra as mulheres ou violência doméstica,
Nossa experiência profissional e de vida, ainda que pelo senso comum saibamos que
nos autoriza partir do pressuposto que tam- a dimensão do fenômeno não é pequena.
bém na área da saúde existe racismo Para nós, do Núcleo de Estudos sobre Saúde
institucional(3) e este pode ser evidenciado/ e Etnia Negra – NESEN(4), esta escassez revela
detectado em processos, atitudes ou compor- o contínuo descompasso entre os problemas
tamentos que denotam discriminação deriva- que a academia considera “pesquisáveis” e
da de estereótipos, preconceito inconscien- os reais problemas vivenciados pela clientela.
te, ignorância ou falta de atenção e que colo- O não reconhecimento das diferenças e o
cam pessoas e grupos em situações de des- desrespeito a elas também constituem pa-
vantagem. Portanto, a persistência de uma drões de violência e discriminação(5). Os re-
estrutura de discriminação pode ser decor-
sultados deste continuado desconhecimen-
rente, entre outras razões, do desconhecimen-
to, isto é, deste racismo epistemológico(1),
to existente a respeito da demanda da mulher
sobre aspectos relativos às mulheres negras,
negra sobre suas condições de vida e saúde.
em particular, podem ser notados pelos bai-
Diante do exposto, traçamos como objeti- xos indicadores sociais e de desenvolvimen-
vo a realização de um estudo bibliográfico to, assim como pela demora em se estabele-
sobre a literatura profissional que propicie cer políticas públicas afirmativas na área da
relacionar os problemas de saúde/doença, saúde e da educação que promovam o bem-
bem-estar/mal-estar vivenciados pelas mulhe- estar social e a qualidade de vida deste seg-
res negras, particularmente aqueles relacio- mento da população.
nados à sexualidade, à saúde reprodutiva e à
violência, assim como apontar intervenções Análise e interpretação
afirmativas, que visam a equidade, passíveis
Os resultados do perfil de saúde/doença
de ser implementadas pela própria cliente,
da mulher negra de uma região rural da Gran-
pelos profissionais/instituições de saúde,
de São Paulo(6) revelaram que a maioria era
pela sociedade civil organizada e pelos
casada, católica, possuía o 1º grau incomple-
gestores do Sistema Único de Saúde (SUS).
to, encontrava-se entre 26 e 35 anos, e traba-
Enquanto o SUS não viabiliza a coleta de lhava no lar. Quanto à sexualidade, 21,7%
dados empíricos e a sua análise desagregada negaram ter satisfação sexual; a pílula era o
por raça/cor e gênero, consideramos relevan- método contraceptivo de maior freqüência,
te a investigação do discurso acadêmico so- seguido pela laqueadura (17,9%). A pressão
bre o problema, tendo em vista que é ele quem alta era o fator de risco familiar mais
molda a formação e a atuação dos profissio- freqüente (50,3%) e, enquanto patologia,
nais e gestores de saúde. estava presente em 24,8% da clientela
(PAD >=90 mmHg). As autoras concluíram

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O estudo bibliográfico foi realizado na
base de dados SciELO, utilizando como pala-
vras-chave: mulher, mulher negra, violência,
sobre a necessidade de estender este estudo
à população urbana e aprofundar a investi-
gação sobre os indicadores negativos e seu
2004; 38(4): 448-57. sexualidade, entre outras; e na Biblioteca Vir- impacto no processo saúde/doença.
Com base nos dados fornecidos pela estima e distúrbio do auto conceito. Verifi-
A sexualidade, a saúde
RIPSA (Rede Interagencial de Informações cou-se(8) uma acentuada insatisfação das mu- reprodutiva e a violência
para a Saúde) sobre a taxa de mortalidade no lheres negras com a aparência, pois 46,5% contra a mulher negra:
aspectos de interesse
Estado de São Paulo, no ano de 1999, verifi- delas mudariam algo no corpo (cabelo e o para assistência de
cou que a expectativa de vida ao nascer é, em nariz). Com base na teoria racial crítica, consi- enfermagem

média, 70 anos para homens e mulheres(7). deramos que os dados encontrados revelam
Porém, há significativa diferença entre os uma mulher discriminada racialmente, cujo
gêneros e os grupos étnicos. A mulher negra discurso é referenciado pelo racismo e, por
tem uma expectativa de vida de 66 anos, con- conseguinte, suas experiências podem ser
trariando a tese de que as mulheres vivem consideradas como uma evidência empírica
mais, pois o homem branco tem uma expecta- sobre a realidade brasileira que se auto-defi-
tiva de vida de 69 anos. A maior expectativa ne como uma democracia racial.
de vida é a da mulher branca: 71 anos en-
Neste sentido, o distúrbio da auto-estima
quanto o homem negro é a menor: 62 anos.
e o distúrbio do auto conceito podem ser con-
Ainda que mulheres e homens negros se be-
seqüências do sofrimento psíquico. Igualmen-
neficiem de algum modo dos avanços da ci-
te, este sofrimento psíquico decorrente da
ência e da economia, a manutenção da discri-
opressão pode estar materializado na taxa de
minação, da pobreza e da violência contra os mortalidade por transtornos mentais, cuja di-
grupos não hegemônicos explica os valores ferença numérica nos óbitos entre os grupos
inferiores quanto ao tempo de vida. étnicos pode ser resultante de um tratamento
Um exemplo da política discriminadora racializado. Isto porque, nas mulheres pretas,
institucional de gênero e raça é não só o índi- a taxa de mortalidade por transtornos men-
ce de mortalidade materna como também a tais é de 3,29; enquanto que nas mulheres
diferença escandalosa e criminosa desta taxa brancas é de 1,92.
em relação às mulheres negras e brancas. A A título de ilustração, no que se refere à
taxa de mortalidade materna é de 51,7/100.000 taxa de mortalidade por transtornos mentais,
nascidos vivos(5), mas nas mulheres brancas parece-nos também que a mulher negra apre-
é de 37, 73. Se esses números já são inadmis- senta um resultado (outcome) de enfermagem
síveis, era de se esperar um clamor de indig- que é o enfrentamento do estresse(9) quando
nação quanto à taxa de mortalidade materna comparada ao homem negro. Além do racis-
nas mulheres pretas ser de 212,80! Quase seis mo, há para o homem negro o peso do patriar-
vezes mais do que a taxa de mulheres bran- cado, ou melhor, o peso do fracasso em cum-
cas! Cabe observar ainda que a taxa mortali- prir o estereótipo de patriarca e provedor, pois
dade de 65,51 nas mulheres não-brancas tam- a taxa de mortalidade por problemas mentais
bém é elevada. Porém, uma importante impli- é neste grupo é de 19,58, ao passo que para
cação sobre estes dados para as(os) os homens brancos é de 6,38.
enfermeiras(os) é que estas mortes são em
sua maioria por causas evitáveis (síndromes No que tange à sexualidade da mulher
hipertensivas, hemorragias, infecções negra, a autora observou que a compreensão
puerperais e complicações do aborto) e, infe- sobre saúde sexual da mulher negra (sujeito)
lizmente, indicam o grau de (má) qualidade da não deve levar em conta o corpo (sensualida-
assistência de saúde prestada durante o ci- de), as relações de gênero (sexualidade) e as
clo grávido-puerperal. A brutal diferença das relações políticas (emancipação)(10). A partir
taxas de mortalidade materna entre os gru- deste entendimento de que a sexualidade
pos étnicos aponta para a possibilidade de compreende as relações que extrapolam os
os profissionais de saúde poderem vir a ser limites da alcova, verificamos que além da
denunciados pelo crime ético negligência em insatisfação das mulheres negras com a pró-
razão de preconceitos sobre a característica pria aparência, há neste grupo um maior nú-
racial da clientela. mero de casamentos formais e endogâmicos
(59,2%) ou vida marital (18,8%)(8).
Além das diferenças na expectativa de vida
e na taxa de mortalidade materna, podemos No que se refere à família, gostaríamos de
observar o impacto que o racismo, o sexismo
e a discriminação podem ter sobre a saúde
mental por meio de dois diagnósticos de en-
ressaltar para as(os) enfermeiras(os) que, além
da menor expectativa de vida, as mulheres
negras ainda têm mais uma sobrecarga ideo-
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fermagem importantes: distúrbio da auto- lógica para superação: o sexismo. Portanto, 2004; 38(4):448-57.
um dos desafios atuais na prevenção e con- a divulgação de uma recente pesquisa na ci-
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trole do HIV/AIDS é justamente a proteção dade do Rio de Janeiro, feita pela Fiocruz
das mulheres casadas, com relação estável, e (Fundação Oswaldo Cruz), onde se verificou
que foram submetidas ou optaram pela que os hospitais e maternidades, públicos e
laqueadura de trompas como método de particulares, tratam melhor as gestantes bran-
contracepção. Neste grupo estão as mulhe- cas do que as negras. Conclusão: o tipo de
res negras. Das mulheres contaminadas com atendimento é diferenciado pela cor durante
HIV, a forma de contágio foi o relacionamento a gravidez e até na hora do parto(12). Cabe
conjugal para 98%. Nas mulheres contamina- ressaltar que a desigualdade aconteceu mes-
das por HIV/AIDS, 82% são negras(11). Con- mo quando as entrevistadas, brancas e ne-
seqüentemente, vemos que a taxa de mortali- gras, pertenciam à mesma classe social e ti-
dade no Estado de São Paulo(7), por exemplo, nham o mesmo nível de escolaridade. Esta
em decorrência da AIDS, é de 11,39 em mu- evidência faz cair por terra o mito comparti-
lheres pretas e 5,56 em mulheres não-brancas lhado pela direita e pela esquerda de que o
(pardas, amarelas e indígenas ou não –decla- problema racial no Brasil é de classe e não de
radas), enquanto que nas mulheres brancas a origem étnica. A pesquisa revelou que os
taxa é de 4,92. profissionais de saúde não são anjos, mas
humanos e, por conseguinte atuam segundo
Assim, ressaltamos neste estudo que para referenciais subjetivos. Conforme estes
nós, enfermeiras(os), os fenômenos apresen- referenciais, podem violar direitos humanos
tados pela clientela (mulher, família e comuni- fundamentais e, assim, também violar seu
dade) na esfera da sexualidade, em decorrên- código de deontologia.
cia da sobreposição (ou intersecção) do se-
xismo e do racismo, são passiveis de diag- Infelizmente, pesquisas sobre a qualida-
nósticos, tratamentos e resultados de enfer- de do cuidado prestado conforme a origem
magem. Para tanto, sugerimos implementar étnica do cliente ainda são escassas no Bra-
intervenções que possibilitem o empodera- sil e, apesar da força dos dados, não conse-
mento da cliente, assim como o desenvolvi- guiram ainda sensibilizar os gestores para o
mento de estratégias de negociação e deci- combate à discriminação nas instituições de
são. Porém, um complicador importante no saúde. Em atenção ao Plano de Ação da Con-
processo de fortalecimento das relações ferência da Organização das Nações Unidas
interpessoais e da emancipação feminina é contra o Racismo, em Durban, África do Sul
que as mulheres negras, em sua maioria em 2001, a OPAS/OMS(13) elaborou uma pro-
(74,7%), não têm o 2º grau, situação que colo- posta sobre política de saúde da população
ca esta parcela da população em desvanta- negra brasileira. Contudo, até o momento o
gem quanto às condições de vida e trabalho, Ministério da Saúde não se mobilizou no sen-
necessárias para garantia de bem-estar e saú- tido nem de adotar nem de rechaçar a pro-
de(8). Contudo, as autoras evidenciaram que posta. Afinal, não tomar posição também é
as mulheres negras possuem uma compreen- uma decisão política.
são, em sua maioria absoluta (93%), sobre a
necessidade de se organizarem para a supe- Assim, mais um desafio é posto para
ração dos problemas sociais. E isto, no nos- as(os) profissionais de saúde: compreender
so entender, abre uma perspectiva de que a saúde reprodutiva da mulher negra é
mobilização deste grupo para, entre outros uma questão política e como tal deve ser abor-
aspectos, aumentar sua participação no con- dada, pois os sistemas de opressão fazem no
trole social do SUS. corpo da mulher negra uma intersecção onde
vários estereótipos se sobrepõem. Os resul-
No que se refere à saúde reprodutiva da tados mais visíveis deste processo são a
mulher negra, analisamos anteriormente as manutenção da ignorância, a desumanização
diferenças na taxa de mortalidade materna da vida sexual e procriativa e a “culpabi-
entre os grupos étnicos e constatamos que, lização” da vítima pelos resultados negati-
por vivermos em uma sociedade que tem vos. Objetivamente, a(o) enfermeira (o) cul-
referenciais de opressão na sua estrutura(5), turalmente sensível e comprometida (o) com

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no corpo e na mente da(o) oprimida(o) é que
estas ideologias se expressam. Assim, fica
fácil entender a relação entre violência racial
a eqüidade já compreendeu que na área da
saúde reprodutiva não bastam mais as seis
consultas pré-natais básicas. É preciso incluir
2004; 38(4): 448-57. e saúde reprodutiva quando atentamos para os quesitos qualidade, cidadania e huma-
nização no cotidiano do cuidar, durante todo Portanto, tomando por base a definição
A sexualidade, a saúde
o ciclo grávido-puerperal, ao menos! citada anteriormente sobre racismo reprodutiva e a violência
institucional, avaliamos que a fixação do Mi- contra a mulher negra:
Ainda que quase tudo o que foi apresen- aspectos de interesse
nistério da Saúde em uma política que, ano para assistência de
tado constitua em violência racial e, por con- após ano, ignora estas mórbidas diferenças enfermagem
seguinte, uma forma de violência contra a entre os índices sociodemográficos e as ta-
mulher negra, há necessidade de se conside- xas de mortalidade, constitui discriminação
rar ainda outros tipos quando diagnostica- institucional de gênero e raça. A finalidade
mos e tratamos os fenômenos de saúde apre- de tal discriminação só pode ser a manuten-
sentados pela nossa cliente afrodescendente. ção de um prejuízo que conduza regular e
O conceito de violência contra a mulher paulatinamente à redução e ao enfraqueci-
deve basear-se na Convenção para Prevenir, mento de um determinado grupo popula-
Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher cional (mulheres e negras[os]), visando o for-
(Convenção de Belém do Pará)(14), aprovada talecimento de uma estrutura de exploração
pela Organização dos Estados Americanos - do capital.
OEA, em 1994, e ratificada pelo Brasil, em 1995.
Neste sentido, são violência contra a mu- Para que se neutralize o racismo insti-
lher igualmente o assédio sexual, a violência tucional e o seu impacto sobre a saúde e o
racial, a violência contra mulheres idosas, a bem-estar da mulher negra é necessária a pro-
revista íntima, entre outras. moção de um contexto político voltado para a
equidade, cidadania e a emancipação que seja
Uma vez que a violência contra a mulher é também culturalmente sensível, isto é, que
um problema de Estado, pois significa uma observe as particularidades da população
violação dos seus direitos humanos, este tem negra brasileira. Isto porque os conceitos de
responsabilidade na adoção de ações que “mulher” e “negra” foram definidos social-
eliminem a violência oficial e privada, em es- mente e relacionados à submissão. A
pecial para as mulheres potencialmente vul- alteridade é uma categoria do pensamento
neráveis devido à sua origem étnica, idade humano, pois nenhuma coletividade se defi-
ou outro aspecto determinado ideologica- ne nunca como Uma (essencial) sem colocar
mente como inferior. Quando o Estado não a Outra (“inessencial”) diante de si(16). A au-
toma providência quanto à violação, a tora avalia que a submissão da mulher (o
Convenção outorga às pessoas e grupos Outro) vem justamente dessa relação de
o direito de recorrer à Corte Interamericana alteridade, de reciprocidade relativa entre os
de Direitos Humanos para garantia de sua grupos (para autora, homens e mulheres).
integridade. Baseamo-nos no conceito de alteridade para
explicar a condição de submissão da mulher
A violência contra a mulher é também um para ilustrar a forma das relações verticais
problema de saúde. Em sua pesquisa sobre a entre a população branca e negra no Brasil(16).
violência doméstica contra a mulher, evi-
denciaram que o setor de emergência é a por- É necessário, portanto, desconstruir esta
ta de entrada e também, na maioria das vezes, relação de alteridade para que se promova a
o único contato da mulher vítima de violên- emancipação da pessoa e a construção de re-
cia com o Sistema de Saúde(15). Não havendo lações interpessoais baseadas na liberdade.
nem o acompanhamento posterior; nem o re-
gistro da ocorrência, o que caracteriza a dis- Medidas chaves para a mudança:
criminação nesses casos é que, dependendo ações afirmativas em saúde?
da idade da vítima - uma criança, por exemplo
- a atenção é outra. Se um resultado óbvio que um único sis-
tema de opressão produz é extração da cida-
Diante do que foi discutido, em que pese a dania, mais de um sistema de opressão pode
universalidade ser um dos pilares do Sistema produzir a completa desumanização da pes-
Único de Saúde, há, neste momento, que soa. Assim, ainda que a pessoa cumpra com
se considerar mais atentamente um outro pi- todos os seus deveres sociais e pague todos
lar: o da equidade. A profunda diferença entre os seus impostos, ela não é considerada (sub-
os grupos étnicos quanto aos indicadores de
saúde e doença aponta que apenas as abor-
dagens universalistas não são capazes de
jetiva ou objetivamente) como uma cidadã
plena com direitos ou com os mesmos direi-
tos daquela que pertence ao grupo hege-
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atingir as especificidades das mulheres negras. mônico. Um dos mecanismos de neutra- 2004; 38(4):448-57.
lização ou minimização dos sistemas de opres- período. Ainda que o parto seja um fenôme-
Isabel C. F. da Cruz
são é a ação afirmativa que se refere a políti- no natural ele não pode ser negligenciado.
cas e procedimentos obrigatórios e/ou Portanto, a cliente em risco para déficit do
voluntários estabelecidos com a finali- volume de líquido deve receber os mesmos
dade de garantir a igualdade e a proteção cuidados que um cliente submetido a uma
de direitos de indivíduos historicamente dis- cirurgia quanto ao monitoramento dos sinais
criminados, assim como combater as fontes vitais, dos lóquios e da dor. Isto é uma res-
de discriminação e retificar as práticas ponsabilidade inalienável da(o) enfermeira(o).
discriminatórias(17).
No nosso entendimento, nós enfer-
De suma importância para a área da saúde meiras(os) podemos contribuir muito para
é a ação afirmativa decorrente da aprovação uma ação afirmativa configurada pela criação
da Lei 4.493/01, que exige a Notificação Com- de um sistema de referência e contra-referên-
pulsória da Violência Contra a Mulher atendi- cia que vincule o pré-natal ao parto e regule a
da em serviços de urgência e emergência, as- disponibilidade de leitos nas maternidades
sim como a criação da Comissão de para evitar que a mulher negra cidadã, em tra-
Monitoramento da Violência Contra a Mulher balho de parto, seja obrigada a peregrinar
no Ministério da Saúde e nas Secretarias Es- pelas instituições mendigando uma assistên-
taduais de Saúde(18). Mas um lei pode não ser cia a qual tem direito(19).
suficiente, pois, segundo a teoria racial críti-
ca(1), a ação afirmativa poderá ser imple- Uma relevante ação afirmativa que deve
mentada apenas se o avanço social provoca- ser implementada pelas enfermeiras para a
do represente também um progresso social promoção da saúde reprodutiva da mulher
para o grupo hegemônico. Mas caso esta ação negra, em particular, é o exercício pleno
afirmativa possa ameaçar o status quo do gru- da especialidade de obstetriz. Esta ação
po hegemônico, ele trabalhará para que a lei pode garantir, no nosso entendimento, duas
se torne letra morta. Para que isto não acon- emancipações: a da cliente quanto ao seu
teça, é necessário sensibilizar, capacitar e corpo e ao processo do parto e a da obstetriz
monitorar os profissionais e instituições de quanto à realização profissional e aos gan-
saúde quanto ao tema, admitindo que a vio- hos financeiros.
lência contra as mulheres é um problema de
saúde também, não só da polícia ou do casal. Uma outra ação afirmativa que deve ser
implementada é o monitoramento da mortali-
Quanto à saúde reprodutiva, uma ação dade materna e, para tal, enfermeiras e usuárias
fundamental para a redução da morte mater- devem ter um papel relevante. Primeiramente,
na no Brasil refere-se à necessidade premen- garantir que o item cor/raça nos documentos
te de as escolas médicas e de enfermagem do SUS seja devidamente preenchido, obser-
reverem seus conteúdos de obstetrícia, entre vando o método da auto-declaração. Exigir a
outros. É imprescindível que os procedimen- criação e a manutenção de Comitês Munici-
tos básicos sejam ensinados e os aspectos pais e Estaduais é fundamental para o acom-
mais simples da obstetrícia possam ser diag- panhamento e o combate da mortalidade ma-
nosticados pelo profissional generalista a ser terna no Brasil, com recorte étnico. Cabe lem-
formado. Porém, para que esta ação seja tam- brar que assim como a violência contra a
bém afirmativa, torna-se necessário que a for- mulher, o óbito materno também é um evento
mação dos profissionais de saúde contemple de notificação compulsória.
o debate sobre o racismo, sua forma de atua-
ção e as estratégias de neutralização. Igual- Com base nos dados discutidos anterior-
mente é importante desenvolver nos profis- mente, uma importante ação afirmativa para a
sionais a sensibilidade em relação à diversi- redução da mortalidade materna é focalizar a
dade de culturas e visões de mundo. atenção na usuária negra. Garantir o cumpri-
mento de protocolos baseados em evidênci-
Outra ação afirmativa importante que as científicas por meio de uma prática cultu-
as(os) enfermeiras(os) devem implementar ralmente competente deve ser o compromis-
para a redução da mortalidade materna no

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so ético das(os) profissionais contra o racis-
Brasil é corrigir a falta de quadros de pessoal mo e o sexismo institucionais.
qualificado que possa evitar as mortes por
Rev Esc Enferm USP
hemorragia nas primeiras 2 horas pós-parto, Quanto à violência real ou simbólica con-
2004; 38(4): 448-57. decorrentes da falta de assistência nesse tra a mulher, na nossa avaliação, a prevenção
passa pelas ações de “empoderamento” da Não é crime ter preconceito. Em alguns mo-
A sexualidade, a saúde
mulher. As (os) profissionais de saúde mentos pode ser um salutar mecanismo de reprodutiva e a violência
podem (e devem) contribuir efetivamente defesa. Crime é ofender, discriminar ou impe- contra a mulher negra:
aspectos de interesse
capacitando ou instrumentalizando a mulher dir ao outro o exercício de sua cidadania, de para assistência de
para que ativamente identifique e rechace sua condição humana, sem razões objetivas enfermagem

qualquer conduta que atente contra seus e justas para tal constrangimento ou cercea-
direitos e integridade corporal. Vale des- mento.
tacar as interessantes experiências sobre as
Quanto à mudança nas instituições de
casas de apoio e sobre como as mulheres re-
saúde espera-se, primeiramente, o reconheci-
conhecem o valor da casa de apoio para su-
mento da prevalência do racismo e do sexis-
peração deste problema que não é pessoal,
mo e das suas variadas formas de expressão.
mas social(20-21).
A partir deste reconhecimento, desenvolver
No nosso entender, na área da saúde as competências para a prestação de uma assis-
mudanças são muito lentas, mas elas ainda tência que seja sensível às questões de gê-
assim acontecem. A AACN(22) (American nero e raça, identificando fatores de risco, tais
Association of Colleges of Nursing), elabo- como tratamento desigual, descortês ou hu-
rou um documento no qual ressalta que, em milhante, conversas depreciativas, atendi-
função de sua alta incidência e prevalência, mento com indiferença e/ou repúdio, sujei-
são necessárias intervenções na área da saú- ção à dor ou desconforto prolongado, entre
de e de enfermagem. Por ser uma instituição outros, que tanto vitimizam quanto perpetu-
voltada para o ensino, a AACN recomenda am os sistemas de opressão contra a mulher
que as Escolas de Enfermagem habilitem tan- negra.
to as (os) alunas (os) de graduação quanto No Brasil, os cinco séculos de opressão e
as (os) de pós-graduação por meio de experi- lutas de resistência e as pesquisas que evi-
ências clínicas teóricas e práticas sobre a vi- denciam uma brutal diferença entre cidadãos
olência doméstica e racial, ao longo do ciclo e cidadãs deviam ajudar as(os) profissionais
vital e nos diversos cenários. Sugere ainda de saúde a diagnosticar o impacto do racis-
que as (os) pesquisadoras (os) de enferma- mo e do sexismo sobre a saúde física e mental
gem devem, juntamente com pesquisadoras da clientela, ao longo do ciclo vital, e a tratar
(os) de outros campos do conhecimento, iden- os seus efeitos, de curto e longo prazo, como
tificar os fatores associados com o compor- também a intervir na organização das institui-
tamento violento, assim como as ações efica- ções de saúde e na oferta dos serviços.
zes nos níveis de atenção preventiva.
Da(o) enfermeira(o) que trabalha no sen-
Efeitos da mudança e as implicações tido de neutralizar o racismo e o sexismo, es-
para a(o) enfermeira(o) pera-se que implemente um histórico de en-
fermagem com perguntas desenvolvidas apro-
As mudanças políticas acontecem pela priadamente para a diversidade étnica e de
ação e reação dos atores sociais. Assim, cabe gênero de sua clientela, comunicando-se de
ressaltar que segundo a teoria racial crítica(1), forma compassiva e não julgadora com a cli-
o sistema está estruturado para garantir os ente. Em especial, nos casos de violência físi-
privilégios do grupo hegemônico e que o ca, verbal ou psíquica, que entreviste e exa-
custo das soluções não pode ameaçar as mine particularmente, atentando quanto ao
posições conquistadas. Neste sentido, no que potencial de risco para os demais membros
tange à sexualidade, à saúde reprodutiva e à vulneráveis do grupo familiar (crianças e ido-
violência contra a mulher, um efeito objetivo sos), e documente adequadamente no pron-
que se espera de cada profissional (mulher e tuário e impressos administrativos. Mante-
homem) é que seja capaz de reconhecer sua nha-se informada (o) sobre a legislação a res-
própria atitude quanto à discriminação por peito da violência e discriminação, incluindo
raça e/ou sexo e quanto às suas manifesta- as responsabilidades sobre a notificação com-
ções de violência, incluindo a possibilidade pulsória, observando os princípios éticos que
da vitimização de si própria(o) e de pessoas

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se aplicam a garantia do sigilo e do anonima-
de seu círculo comum e a necessidade de to sobre as vítimas.
abordar a questão a partir de tais experiênci-
as. Afinal, as ideologias de opressão conta- Para elaborar um plano de cuidados que Rev Esc Enferm USP
minam a todas(os), em maior ou menor grau. resolva os diagnósticos de enfermagem cau- 2004; 38(4):448-57.
sados pelo racismo e sexismo e vise resulta- reprodutiva e às situações de violência diri-
Isabel C. F. da Cruz
dos de bem-estar para a cliente, recomenda- ge-se a todos os níveis de atenção à saúde,
mos que a(o) enfermeira(o) mantenha-se assim como à estrutura de poder. Essa
informada(o) sobre as instituições governa- demanda supera os aspectos estritamente
mentais e não-governamentais que dão apoio biológicos porque as mulheres e os homens
para as vítimas de discriminação (SOS Racis- solidários, das diversas etnias, credos e
mo, Delegacia de Proteção à Mulher, entre profissões, usuárias(os) e profissionais, se
outros, por exemplo) de modo a poder enca- mobilizaram socialmente pela explicitação
minhar a(o) cliente vítima. O plano deve con- da discriminação institucional e também pela
templar principalmente os cuidados dirigidos mudança.
ao enfrentamento da discriminação.
Os problemas de saúde/doença, bem-es-
No plano comunitário e político, recomen- tar/mal-estar vivenciados pelas mulheres ne-
damos o desenvolvimento de um plano gras não podem ser mais considerados como
assistencial que incremente a consciência conseqüência da falta de desenvolvimento
pública sobre os sistemas de opressão (ra- econômico apenas e precisam ser compreen-
cismo e sexismo), por meio de campanhas in- didos como problemas de saúde que realmen-
formativas, por exemplo. A implementação de te são. Neste sentido, buscamos relacionar
atividades para promoção saúde e para o de- neste estudo, com base na literatura profis-
senvolvimento de estratégias de enfrenta- sional e feminista, algumas intervenções de
mento do racismo e do sexismo, assim como saúde, a título de ações afirmativas, passí-
de empoderamento, na população de mulhe- veis de serem implementadas pela própria cli-
res negras, ao longo do ciclo vital, que propi- ente (autocuidado) e pelas (os) enfer-
ciem mudanças comportamentais relativas à meiras(os), pela sociedade civil organizada e
baixa auto-estima crônica e/ou à síndrome de pelas (os) gestores do SUS.
espancamento. Com base no que foi discutido, reitera-
mos a necessidade de se realizarem mais pes-
CONSIDERAÇÕES FINAIS quisas sobre mulheres negras e sobre os
mecanismos de geração e prevalência da vio-
Em síntese, podemos concluir, com base lência, a partir de um referencial humanista e
na literatura analisada e no referencial da teo- emancipador, tal como o da teoria racial críti-
ria racial crítica, que o discurso da mulher ca. Igualmente urge a proposição de políti-
negra ainda não é considerado uma evidên- cas públicas de saúde e educação que garan-
cia empírica para a maior parte das pesquisas. tam os direitos humanos de um segmento
Mas, ainda assim, foi possível depreender que significativo e vulnerável da população: a
há uma demanda da mulher negra quanto às mulher negra, de modo a propiciar a corre-
instituições e aos profissionais de saúde no ção, em curto e médio prazos, das distorções
que se refere à sua sexualidade, sua saúde apontadas.

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Correspondência para:
Isabel Cristina F. da Cruz
Rua Doutor Celestino, 74
Centro - Niterói
CEP - 24020-091 - RJ

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