A COVID-19 como doença ocupacional e seus reflexos
trabalhistas
Luciana Paula Conforti
Juíza do Trabalho do TRT6 Doutora em Direito Apresentação do tema: - A COVID-19 pode ou não ser considerada como doença ocupacional e isso dependerá de vários fatores, alguns dos quais serão tratados aqui
- A ideia é a de discorrer sobre a decisão do STF que
suspendeu o art. 29 da MP 927/2020, que dizia que a COVID-19 não era considerada doença ocupacional, salvo prova do nexo de causalidade, e, ainda, sobre a decisão do STF que declarou a constitucionalidade do NTEP - nexo técnico epidemiológico - A Lei n. 13.979, de 06.02.2020, trata da emergência de saúde pública, de importância internacional decorrente do novo coronavírus (COVID-19) e o Decreto-Legislativo n. 6, de 20.03.2020 declarou estado de calamidade pública, com efeitos até 31.12.2020
- Entre as medidas impostas pelas autoridades
sanitárias, temos o isolamento social, a quarentena, o fechamento do comércio e de empresas, o fechamento de fronteiras, o Lockdown, o rodízio de circulação de veículos, entre outras - Por outro lado, os trabalhadores das atividades essenciais continuam trabalhando e, alguns, mais do que outros, sofrem alto risco de contaminação, como os profissionais de saúde, os caixas bancários, os caixas de supermercados, funcionários de farmácias, etc.
- Para os trabalhadores que estão mais diretamente sujeitos ao
risco de contaminação há uma presunção legal de que, caso contraia a doença, será considerada como doença do trabalho. Porém, essa presunção não ocorrerá em todos os casos (exemplo: bancário em atividade interna ou o funcionário do supermercado que não atende ao público). Outras atividades poderão ensejar a contaminação pelo coronavírus, ainda que não essenciais?
Sim. Mas tal identificação dependerá da análise do tipo de
atividade, e como essa atividade era desenvolvida (se havia contato com muitas pessoas, se o trabalhador foi treinado, se havia proteção, se as cautelas recomendadas pelas autoridades sanitárias foram ou não observadas), em resumo, qual a provável forma de contágio e de que forma o trabalhador pode ter sido exposto ao risco. O TEMA ENVOLVE VÁRIAS REFLEXÕES IMPORTANTES, MAS O PRIMEIRO ALERTA QUE DEVE SER FEITO: - É O DE QUE PARTE DA MÍDIA, SINDICATOS, ASSOCIAÇÕES E ATÉ PROFISSIONAIS DO DIREITO, TALVEZ PELA FALTA DE COMPREENSÃO DA EXTENSÃO DA MATÉRIA OU PARA CHAMAR MAIS ATENÇAO AO TEMA, DISSEMINARAM A IDEIA, EQUIVOCADA DE QUE:
“STF RECONHECE COVID-19 COMO DOENÇA
OCUPACIONAL” Decisão: O Tribunal, por maioria, negou referendo ao indeferimento da medida cautelar tão somente em relação aos artigos 29 e 31 da Medida Provisória 927/2020 e, nos termos do voto do Ministro Alexandre de Moraes, Redator para o acórdão, suspendeu a eficácia desses artigos, vencidos, em maior extensão, os Ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski, nos termos de seus votos, e os Ministros Marco Aurélio (Relator), Dias Toffoli (Presidente) e Gilmar Mendes, que referendavam integralmente o indeferimento da medida cautelar. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello. Plenário, 29.04.2020 (Sessão realizada inteiramente por videoconferência - Resolução 672/2020/STF). Na verdade, na ADI 6354-DF (REL. MINISTRO MARCO AURÉLIO – REDATOR MINISTRO ALEXANDRE MORAES), AJUIZADA PELA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES NA INDÚSTRIA – CNTI. O STF SUSPENDEU, NA SESSÃO PLENÁRIA DO DIA 29.04.2020, A EFICÁCIA DO ART. 29 DA MEDIDA PROVISÓRIA 927/2020, QUE TEM A SEGUINTE REDAÇÃO:
Art. 29. Os casos de contaminação pelo coronavírus
(Covidovid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal. - E esse decisão se deu, justamente pela consideração das atividades essenciais, vez que, exigir desses trabalhadores a prova do nexo causal traria o que se chama de “prova diabólica”, conhecida no Direito, como aquela “prova impossível ou excessivamente difícil de ser produzida”
- E, na verdade, o STF apenas suspendeu a eficácia do
art. 29 da MP 927/2020, porque a sua redação contrariava o art. 20 da Lei 8213/91, que trata do pagamento dos benefícios previdenciários. De acordo com o art. 20 da Lei 8.213/91:
Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo
anterior, as seguintes entidades mórbidas:
I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada
pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;
II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou
desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I. § 1º Não são consideradas como doença do trabalho: a) a doença degenerativa; b) a inerente a grupo etário; c) a que não produza incapacidade laborativa; d) a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho. § 2º Em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação prevista nos incisos I e II deste artigo resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho. - A referida decisão possui íntima relação com a outra decisão também proferida pelo STF, sobre a constitucionalidade do NTEP - O Plenário Virtual do STF decidiu pela constitucionalidade do instrumento legal intitulado NTEP, que estabelece a presunção da ocorrência do acidente de trabalho a partir do cruzamento dos dados do código da Classificação Internacional de Doenças (CID) com os do código da Classificação Nacional de Atividade Econômica (CNAE), em julgamento virtual da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3931, que se encerrou na sexta-feira, 17/4 Os advogados apresentaram razões que se opuseram aos pedidos apresentados na ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), em 26/7/2007, por meio da qual foi suscitada a inconstitucionalidade do artigo 21-A da Lei nº 8.213/91, acrescentado pela Lei nº 11.430/2006, e dos §§ 3º e 5º a 13 do artigo 337 do Regulamento da Previdência Social, com a redação que lhes conferiu o Decreto nº 6.042/2007. (Art. 21-A. A perícia médica do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) considerará caracterizada a natureza acidentária da incapacidade quando constatar ocorrência de nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo, decorrente da relação entre a atividade da empresa ou do empregado doméstico e a entidade mórbida motivadora da incapacidade elencada na Classificação Internacional de Doenças (CID), em conformidade com o que dispuser o regulamento). - O NTEP foi instituído em razão da alta subnotificação dos acidentes de trabalho e doenças ocupacionais, com a alteração trazida pelo Decreto 6.042, de 12.02.2007 ao Decreto 3.048, de 06.05.99 (Regulamento da Previdência Social)
Art. 337. O acidente do trabalho será caracterizado tecnicamente pela
perícia médica do INSS, mediante a identificação do nexo entre o trabalho e o agravo. (Redação dada pelo Decreto nº 6.042, de 2007). I - o acidente e a lesão; II - a doença e o trabalho; e III - a causa mortis e o acidente. (...) - § 3o Considera-se estabelecido o nexo entre o trabalho e o agravo quando se verificar nexo técnico epidemiológico entre a atividade da empresa e a entidade mórbida motivadora da incapacidade, elencada na Classificação Internacional de Doenças (CID) em conformidade com o disposto na Lista B do Anexo II deste Regulamento. (Incluído pelo Decreto nº 6.042, de 2007)
- Com a referida alteração, o médico/perito do INSS considera, para
fins de concessão de benefício previdenciário por incapacidade, a relação entre o Código Internacional de Doenças – CID e a CNAE – Classificação Nacional de Atividades Econômicas, decorrente do componente epidemiológico constatado, a partir de pesquisas sobre a o adoecimento e/ou acidentalidade de certas atividades ou profissões, chamado de NTEP, que tem o fim de acompanhar a avaliação do FAP – Fator Acidentário Previdenciário A justificativa do NTEP foi o elevado grau de descumprimento pelos empregadores das regras da CAT e das dificuldades de fiscalização das condições de trabalho. Ex. de doenças do trabalho - Tuberculose – trabalhadores em laboratórios com análise biológica ou profissionais de saúde que lidam com pacientes em tratamento pela doença, diversos tipos de neoplasias – trabalho com asbesto ou amianto, neoplasia dos ossos – radiação ionizantes, leucemia – benzeno, neoplasia da bexiga – alcatrão
Fator Acidentário de Prevenção (risco baixo, médio ou alto) e, por
consequência, a alíquota que a empresa pagará do RAT (contribuição previdenciária que custeia os benefícios previdenciários acidentários com as alíquotas de 1,2 ou 3%) – quando não há acidentes, existe bonificação de 50% da alíquota - Segundo pesquisa publicada na Revista Brasileira de Medicina do Trabalho, com base em pesquisa feita nos benefícios previdenciários concedidos entre no período de 2007/2008, no Vale do Itajai-SC, ocorreu uma redução de 132,5% no grupo que recebeu auxílio doença previdenciário e o aumento, na mesma proporção, do que recebeu auxílio-doença acidentário, aposentadoria por invalidez e amparo ao portador de deficiência. (Leonardo Rodrigues da Silva; Laryce Galvan; Thiago Mamôru Sakae; Flávio Ricardo Liberali Magajewski)
Motivos da subnotificação e reflexos trabalhista - Prejuízo à imagem da
empresa, estabilidade de 1 ano após o retorno do empregado, FGTS a ser recolhido no período do afastamento, não recolhimento da contribuição especial para a aposentadoria especial dos trabalhadores envolvidos, a CAT seria uma confissão de culpa da empresa, ficando sujeita aos reflexos, civis, trabalhistas e penais. Por qual razão o sistema anterior ao NTEP era considerando inadequado? - A empresa que cumpria com todas as suas obrigações na área de saúde e segurança do trabalho, ou seja, que adoecia e matava menos os trabalhadores não se beneficiava, nem em termos de tributação e nem com o investimento em maquinário e no ambiente de trabalho, para torná-lo mais seguro e saudável – por esse motivo – havia/há concorrência desleal, justamente porque a empresa que não investe em saúde e segurança do trabalho tem um custo menor e pode praticar preço inferior, prejudicando as empresas que cumprem a legislação e em relação ao trabalhador, geralmente era/é dispensado logo após retornar da licença, doente ou incapacitado pelo mercado de trabalho, sem qualquer consequência para a empresa que o admitiu com saúde e íntegro - A empresa assume o risco de não emitir a CAT – para discutir futuramente – pois as multas são baixas, a fiscalização é escassa, a articulação sindical deficiente, a empresa pode depois se beneficiar com um acordo judicial e até se safar da responsabilidade
- Em 2006 – foram 503.890 CAT emitidas e dessas 2717 foram de
acidentes fatais, sendo 4 acidentes por minuto e 10 óbitos por dia útil – esse número não considera militares, servidores públicos, autônomos, empresários, empregados domésticos e informais
De acordo com o MPAS em 2011 foram registrados 711.164 acidentes
e doenças do trabalho, entre os trabalhadores assegurados da Previdência Social, além do alto índice de subnotificações - 14.811 trabalhadores afastados por incapacidade permanente e o óbito de 2.884 cidadãos Responsabilidade objetiva - RE 8228040 Em julgamento finalizado no dia 05/09/2019, o STF decidiu pela constitucionalidade da imputação de responsabilidade objetiva ao empregador, em decorrência de acidente de trabalho em atividades consideradas de risco. A decisão foi tomada com repercussão geral (tema 932) e será objeto de posterior deliberação quanto à fixação de tese sobre a matéria, que deverá nortear as decisões das instâncias inferiores. A repercussão geral foi admitida em decorrência de divergências nas decisões judiciais sobre o tema, confrontando o disposto na Constituição Federal, em seu artigo 7º, inciso XXVIII, que imputa ao empregador a obrigação de indenizar na hipótese de acidente de trabalho, desde que comprovada sua culpa ou dolo, com o Código Civil, no artigo 927, que dispõe que a obrigação de reparação independe de demonstração da culpa se “a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”. A tutela judicial da saúde do trabalhador compete à Justiça do Trabalho (art. 114 da CF) e poderá ser prestada na reclamação trabalhista, no dissídio coletivo e na ação civil pública, dentre outros instrumentos.
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E A COLISÃO DE DIREITOS
FUNDAMENTAIS (a aplicação da responsabilidade objetiva e da inversão do ônus da prova não ofende o art. 7º, XXVIII da CF – igual aplicação do art. 225, Caput e § 3º, art. 200, III, art. 6º e 196 e art. 7º, XXII da CF).