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De Præstigiis Dæmonum, et Incantationibus ac Veneficiis
Pseudomonarchia Dæmonum

De Johann Wierus

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Índice

7
Prefácio do Tradutor

27
Prefácio do Autor

41
Capítulo I

Sobre a Origem do Diabo nos Tempos da Criação


Sobre a sua Essência e sua Queda
De Præstigiis Dæmonum, et Incantationibus ac Veneficiis

Prefácio do Tradutor

1. Localização, Época e Obra

Johann Wierus (1515-1588), nascido em Grave, Holanda.


Filho de um comerciante de lúpulo, viveu num ambiente comum
à Europa de sua época: um mundo habitado por lutins, duendes,
gnomos, elfos, sílfides, demônios, aparições fantasmagóricas,
poções mágicas, bruxas e seus Shabbat, magos e até libelos de
sangue. Percebemos isso neste próprio tratado, quando Wierus
menciona o comércio de seu pai habitado por lutins ou pelos casos
que ele testemunhou em seu ofício de médico.
Entretanto, Wierus pode ser colocado como um importante
marco na história da Inquisição e da própria medicina psiquiátrica.
Sendo discípulo de Heinrich Cornelius Agrippa von Nettesheim
(1486–1535), famoso polímata e ocultista alemão, passou a
rejeitar a postura da Inquisição quanto às bruxas. Ainda que entre
justificativas mágicas e teológicas, foi pioneiro em enxergar razões
psiquiátricas nos relatos das bruxas, obtidos diante de torturas
atrozes. As mulheres que confessavam cerimônias e Shabbaths
pavorosos, tidas como servas de Satanás na terra, foram tidas por
Wierus como doentes mentais e histéricas, das quais os demônios
se aproveitavam para impor pequenos truques e inspirar relatos
fantasiosos. Para ilustrar sua importância na medicina psiquiátrica,
trago algumas citações acadêmicas:

“Heinrich Cornelius Agrippa (1486-1535) lutou contra a


hipocrisia e a sede de sangue da lei da Inquisição. Como
Acadêmico, Agrippa foi perseguido e esquecido por suas
visões, morreu na pobreza. Johann Wierus (1515-1588)
foi um médico que estudou com Agrippa. Em 1563, publicou
uma análise científica da bruxaria, rejeitando o demônio
como causa das doenças mentais. Suas descrições clínicas das
doenças mentais foram bem concisas, mas misturadas com
opiniões e ilusões teológicas. Wierus é tido por alguns como
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De Præstigiis Dæmonum, et Incantationibus ac Veneficiis

pai da medicina psiquiátrica.”. – “Abnormal Psychology”,


Sarah Sifers. Ed. Minnesota State University. Mankato,
MN. 3ª ed, pg. 24.

“Johann Weirus (1515–1588) foi um médico alemão


que inovou na Idade Média, afirmando que as doenças
mentais eram de ordem física. Weirus foi particularmente
afetado com a forma como as pessoas com doenças mentais
eram tratadas, principalmente pelas crenças espirituais em
torno delas. Naquela época, entretanto, suas visões foram
tidas como contrárias à Igreja. Consequentemente, foi
perseguido por suas hipóteses.”. – “The Neuropsychology
of Psychopathology”, Chad A. Noggle e Raymond S.
Dean, Ed. Springer Publishing Company, 2013, NY.
Pg. 41.

As acusações de fantasia, crueldade e credulidade dos


caçadores de bruxas da inquisição é documentada. Na análise
abaixo, temos um pequeno pano de fundo histórico do que Wierus
enfrentou em sua época.

“O infame Malleus Maleficarum (O Martelo das Bruxas)


tornou-se rapidamente a bíblia dos caçadores de bruxas
através da Europa. Segundo a perspectiva de hoje, não passa
de um documento misógino e cruel, talvez o livro mais cruel
da história. Tomando todo rumor obscuro e todas as lendas
como verdades literais, Sprenger e Krammer justificavam
legalmente a perseguição sistematizada de todas as mulheres
suspeitas de bruxaria. Eles detalharam formas precisas de
interrogatório, prisão, tortura e execução das suspeitas. A
paranoia, crueldade e ódio em relação as mulheres eram
intrínsecos aos Martelo das Bruxas. Nos séculos seguintes,
o livro proliferou em edições e traduções. [...] Entre essa
loucura, uma voz surgiu em protesto. Era a voz de Johann
Weirus, um médico que vivia e trabalhava na Holanda.
Weirus (1515 – 1588) olhava para as mulheres acusadas de
voar pelos ares, de fazer sexo com demônios nos Shabbaths
das bruxas, de envenenar crianças ainda no útero e de
causar pragas em plantações como mulheres instáveis e
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De Præstigiis Dæmonum, et Incantationibus ac Veneficiis

vítimas de doenças mentais.” – “Medical Firsts - From


Hippocrates to the Human Genome”, Ed. Wiley &
Sons, New Jersey, 2005. Pg. 104 e 105

Wierus não deixou de enxergar as mulheres como criaturas


inferiores e mais sujeitas às doenças mentais. Como os homens
de sua época, acreditava em tal inferioridade. Mas mesmo com o
forte peso de sua misoginia, já foi um avanço para uma época de
casos grotescos e desumanos. Esta mistura entre ciência e visões
teológicas era muito comum na época de Wierus. Na Renascença
e no auge do Hermetismo, homens como Dee, Agrippa, Arnaldo
de Vilanova, Raimundo Lúlio foram curiosos e investigadores das
ciências naturais e ocultas, numa época em que não havia uma
separação muito precisa entre elas.
Jacques Auguste Simon Collin de Plancy (1794-1881),
escritor do “Dicionário Infernal”, célebre dicionário sobre
ocultismo, oráculos, superstições, deuses, demônios e tudo que
é relacionado ao oculto, tomou muitas informações dos livros
de Wierus. Ocultista e livre pensador convertido ao catolicismo
romano e numa época já não tão dada ao fanatismo, ainda acreditava
no poder dos demônios e nas possessões, mas de uma forma ainda
mais cética do que Wierus. Em seu verbete Wierus:

“Wierus ou Wier ( Johann), célebre demonólogo holandês,discípulo de


Agrippa. A obra de Wierus está repleta de credulidade, bizarrices,
contos populares e imaginações, mas é rica em conhecimento. Também
publicou um curioso tratado sobre demônios e a falsa hierarquia de
Satanás (Pseudomonarchia Dæmonum) sobre quase todos os espíritos
das trevas mencionados em nosso dicionário”.

Entretanto, só é possível entender a situação através de


uma análise profunda e com exemplos. A Europa de Wierus,
desde a cristianização, ainda era assombrada pelas lendas das
antigas tradições locais. Apesar da perseguição dos caçadores de
bruxas, inquisidores, pregadores e padres, o povo ainda era crente
nos antigos elementais, espíritos, gnomos, duendes, elfos, fadas e

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De Præstigiis Dæmonum, et Incantationibus ac Veneficiis

farfadetes. O próprio Wierus vem relatar, neste mesmo livro, um


caso de lutins ocorrido em sua família, que ele toma como uma
impostura dos demônios. Mas é preciso salientar que esta não era a
crença do povo. Entre um mundo ainda assombrado pelos antigos
espíritos, mas perseguido pela fogueira dos frades e teólogos, casos
envolvendo a ação das antigas crenças interpretadas como ações de
demônios levaram às fogueiras acesas, queimando quase sempre
mulheres. Trarei aqui alguns exemplos do “Dicionário Infernal”, de
De Plancy, para situar o leitor nesta questão.
Primeiro, algumas bruxas conhecidas e condenadas por
participação nos Shabbats:

“Biscar ( Jeannette). A bruxa manca de Labourd, a quem o diabo,


em forma de bode, levava no Sabbath, onde, para agradecer-lhe, fez,
segundo Delancre, cambalhotas e travessuras.”

“Blokula. Em 1670, havia na Suécia, na vila de Mohra, na província


de Elfdalen, um caso de feitiçaria que fez um grande barulho.
Juízes foram enviados para lá. Setenta bruxas foram sentenciadas
à morte; uma série de outras pessoas foram presas e quinze crianças
foram misturadas nessas investigações. Foi dito que as bruxas iam
à noite a uma encruzilhada, que elas evocavam o diabo na entrada
de uma caverna dizendo três vezes: ‘Antesser! venha e leve-nos para
Blokula!’ O local do Sabbath era lugar encantado e desconhecido pelo
povo. O demônio Antesser aparecia nas cerimônias em várias formas,
mas na maioria das vezes em túnica cinza, com sapatos vermelhos
adornados com fitas, meias azuis, uma barba vermelha e um chapéu
pontudo. Ele levava as pessoas até Blokula pelo ar, auxiliado por um
número suficiente de demônios, principalmente em forma de cabras;
algumas bruxas mais ousadas acompanhavam a procissão montadas
em vassouras. As cabras que carregavam crianças tinham um encosto
nas costas; todas as crianças estavam empoleiradas e faziam a viagem
em segurança. Quando chegavam até Blokula, segundo acrescentam,
havia uma festa preparada; eles se entregam ao diabo, onde juravam
servidão; os presentes davam as mãos e assinavam ou davam o
sangue num pacto; então eram batizados em nome do diabo, que
tocava os sinos. Então, eram mergulhados na água sob as seguintes
palavras abomináveis: ‘Assim como este toque nunca retornará ao
sino de onde veio, minha alma nunca poderá entrar no céu!’. A maior

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De Præstigiis Dæmonum, et Incantationibus ac Veneficiis

sedução que o diabo usa é boa comida, e ele dá a essas pessoas uma festa
excelente, que consiste em sopa de repolho e bacon, aveia, manteiga,
leite e queijo. Depois da refeição, eles brincavam e brigavam; e se o
diabo estivesse de bom humor, tocava a todos com sua vara, ‘e depois
começava a rir, com as mãos no ventre’. Em outras ocasiões, tocava
harpa. A confissão que o tribunal obteve soube que os frutos surgidos
do comércio das bruxas com os demônios eram sapos ou cobras. As
bruxas novamente revelaram essa peculiaridade, que às vezes tinham
visto o diabo doentio, e que então recebia ventosas das feiticeiras do
grupo. O diabo finalmente deu a elas animais que serviam às suas
incumbências: a uma deu um corvo, a outra a um gato, a quem
chamou de carregador, pois foi enviado para roubar o que era preciso
e isso fazia com habilidade. Ele também ensinou a arte de ordenhar
leite por encantos desta maneira: o feiticeiro colocava uma faca em
uma parede, ligava a essa faca um cordão que era puxado como úbere
de uma vaca, e a vaca projetada em sua mente era ordenhada até
a exaustão. Os mesmos meios eram utilizados para prejudicar seus
inimigos, que sofriam dores incríveis o tempo todo que o cabo era
puxado. Eles até mataram aqueles que os desagradaram, através de
ataques no ar com uma faca de madeira. Nessas confissões, algumas
centenas de magos foram queimados, sobrando pouquíssimas deles na
Suécia; mas o que é surpreendente é que estas mesmas cenas mágicas
estão acontecendo na Suécia hoje.”

Sobre as abominações dos Shabbat, De Plancy relata algo


curioso em seu verbete Boguet (Henri), juiz inquisidor e outra
grande influência de seu dicionário:

“Há a história de Louise Maillat, possuída por cinco demônios aos


oito anos de idade; de Françoise Secrétain, bruxa, que enviou os
ditos demônios; seus assistentes Gros-Jacques e Willermoz, diz o
Bailla; Claude Gaillard, Rolande Duvernois e outros. O autor
detalha as abominações feitas no Shabbat; ele diz que magos podem
fazer cair granizo, o que não é verdade; que eles têm um pó com o
qual envenenam, o que é verdade: eles fortalecem seus tendões com
um unguento para voar no Sabbath; que uma bruxa mata quem
quiser apenas pela sua respiração; que há mil pistas para que sejam
reconhecidos: por exemplo, se a cruz de seu rosário está quebrada,
que eles não choram na presença do juiz, que cospem no chão quando
forçados a renunciar ao diabo, que têm marcas sob os cabelos, que são
descobertos quando seus cabelos são raspados; que as bruxas e bruxos
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De Præstigiis Dæmonum, et Incantationibus ac Veneficiis

têm o talento para se transformar em lobos; que na simples suspeita,


mal provada, de participarem do Shabbat, mesmo sem outra acusação,
devem ser condenados; que todos merecem ser queimados e que aqueles
que não acreditam em bruxaria são criminosos. É um pouco violento,
mas deve-se notar que nessas coisas não eram os clérigos que eram
severos; mas os juízes leigos eram os mais violentos e ferozes.”

No mesmo verbete, ele coloca os princípios jurídicos de


Boguet nos casos de bruxaria, que são, obviamente, repletos de
tirania e superstição:

“1. Os adivinhos devem ser condenados ao fogo, como bruxos e hereges,


e aquele que esteve no Sabbath é digno de morte. Devemos, portanto,
prender, sob a menor acusação, a pessoa suspeita de feitiçaria, mesmo
que o acusador retire a queixa; e todos os tipos de pessoas podem ser
admitidos como testemunhas contra feiticeiros. Serão queimados vivos,
acrescenta ele, os magos obstinados e, pela graça, já está bom enforcar os
que confessarem. 2. No crime de bruxaria, pode-se condenar por meras
pistas, conjecturas e presunções; para tais crimes, não há necessidade
de provas muito exatas. 3. O crime de feitiçaria é diretamente contra
Deus (o que é verdade neste crime, quando realmente existe, pois é
uma negação de Deus): também devemos punir sem zelo ou qualquer
consideração... 4. A propriedade de um feiticeiro condenado deve ser
confiscada como a dos hereges; pois a feitiçaria é pior que a heresia, já
que os feiticeiros negam a Deus. Assim, às vezes, a punição é retirada
do herege arrependido; mas o feiticeiro não deve ser perdoado. 5. É
julgado que há feitiçaria quando a pessoa acusada faz uma profissão
de adivinhação, que é obra do diabo; blasfêmias e imprecações ainda
são indícios. Podemos finalmente ir pelo clamor público. 6. Os feitiços,
por meio dos quais as bruxas enganam os olhos, fazendo as coisas
parecerem o que não são, dando moedas feitas de chifre ou papelão
como dinheiro de boa qualidade, são obras do diabo; e os feiticeiros,
ladrões e outros magos devem ser punidos com a morte.”

Um outro caso de Shabbat:

“Bonnevault (Mathurin). O pai dos dois anteriores, acusados como


eles de feitiçaria, foi visitado por especialistas. Em seu ombro direito
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De Præstigiis Dæmonum, et Incantationibus ac Veneficiis

foi encontrada uma marca da figura de uma pequena rosa, na qual


um longo alfinete foi inserido e não demonstrou qualquer sinal de
dor, e assim foi considerado um grande feiticeiro. Ele confessou que,
tendo se casado primeiro com Berthomée de Bedouche, que era uma
bruxa como seu pai e sua mãe, a viu secar cobras e sapos por feitiçaria;
que ela o levou então ao Shabbat e lá viu o diabo, de olhos negros
que queimavam como duas velas. Disse que o Shabbat era realizado
quatro vezes por ano: na véspera de São João Batista, na véspera
de Natal, na terça-feira da semana santa e na véspera da Páscoa.
Foi condenado por ter matado sete pessoas com feitiços; vendo-se
condenado, confessou que era feiticeiro desde os dezesseis anos. Muitos
estudos curiosos foram feitos de seu julgamento, tão numerosos durante
os sangrentos problemas da reforma.”

Um outro caso absurdo:

“Bensozia. Alguns canonistas dos séculos XII e XIII eram tão contra
as mulheres da época, por conta dos relatos do Shabbat, de forma
que poucas noções legítimas chegaram até nós. Diziam que fadas
ou demônios transformados em mulheres associavam-se a todas as
mulheres que queriam participar de seus prazeres; e que todos, mulheres
e fadas, ou demônios, montados em feras aladas, saíam à noite para
voar ou fazer festas nos ares. Tais criaturas seriam lideradas pela fada
Bensozia, que exigia obediência cega, de submissão sem reservas. Era,
segundo dizem, a Diana dos antigos gauleses; também foi chamada de
Nocticula, Herodias ou Lua. Nos manuscritos da igreja dos Cousérans,
vemos que as mulheres do século XIV tinham a reputação de ir a
cavalo nas corridas noturnas de Bensozia. Todas, como as bruxas no
Shabbat, tinham seus nomes inscritos em um catálogo, e depois disso
acreditavam que eram fadas. No século passado, em Montmorillon,
no Poitou, no pórtico de um antigo templo, ainda havia a imagem de
uma mulher suspensa por duas serpentes no ar. Era provavelmente a
representação de bruxas ou fadas em suas corridas noturnas.”

Um caso gravíssimo de condenação injusta:

“Berande. Bruxa queimada em Maubec, perto de Beaumont de


Lomaignie, em 1577. Durante a tortura, acusou uma jovem de ter
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De Præstigiis Dæmonum, et Incantationibus ac Veneficiis

participado do Shabbat; o que moça negou. Berande afirmou: ‘Você se


esqueceu que da última vez fizemos a dança, na cruz do pátio e você
carregou um pote de veneno? ...’ E a menina foi considerada uma
bruxa, pois não soube como responder.”

Também sobre os maléficos das bruxas, vemos em seu


verbete sobre o demonólogo Berbiguier:

“Ele afirma o poder dos duendes; diz no capítulo IV que obteve boa
sorte em 1796 por uma bruxa de Avignon, chamada Mansotte,
‘através do jogo de Tarô’, acrescenta, ‘em uma cerimônia que,
sem dúvida, me colocou nas mãos dos duendes’. ‘Com outras duas
discípulas de Satanás, ela conseguiu uma boa peneira, adequada para
peneirar farinha, na qual fixou um par de tesouras, com uma em
cada extremidade. Um papel branco dobrado foi colocado na peneira
e seguramos as tesouras, de modo que a peneira ficou suspensa no ar.
A peneira foi balançada várias vezes, foram-me feitas perguntas que
deveriam servir de informação àqueles que desejavam me colocar
em sua posse. As bruxas pediram três potes: em um deles, trancaram
algumas cartas do Tarot que estavam jogadas na mesa com certa
preferência por algumas. Vendaram meus olhos, então tirei as cartas.
A segunda panela estava guarnecida com sal, pimenta e azeite; a
terceiro com louro. Os três potes, cobertos, foram depositados em uma
alcova, e as bruxas se retiraram para aguardar o resultado. Voltei
para casa às dez horas da noite; encontrei minhas três janelas abertas,
e ouvi um barulho extraordinário acima da minha cabeça. Acendi
minha tocha; não vi nada. O barulho que ouvi soou como o rugido de
bestas ferozes; durou a noite toda. Sofri três dias de várias torturas,
durante as quais as duas bruxas preparavam seus feitiços. Elas
continuaram, durante esse tempo, me pedindo dinheiro. Eu também
tive que dar-lhes xarope, refrescos e comidas; pois as suas entranhas já
tinham sido devoradas pelo fogo do inferno. Elas também precisavam
de fitas de diversas cores, que nunca me pagaram. A magia durou oito
dias e fiquei impressionado pela grande tristeza que me acometia. No
quarto dia, elas se transformaram em gatos e começaram a passar por
baixo da minha cama, para me atormentar. Outras vezes, viraram
cachorros: fiquei impressionado com os miados e latidos. Esses oito dias
foram longos!’ Berbiguier procurou um cartomante, que se encarregou
de lutar contra as duas bruxas; mas isso só gerou mais tormentos.”

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De Præstigiis Dæmonum, et Incantationibus ac Veneficiis

Em outro verbete, agora sobre Castalin (Diego), De


Plancy mostra como muitos golpistas eram condenados como
bruxos e ajudavam a espalhar a ideia de poderes sobrenaturais em
todos eventos incomuns: Castalin (Diego). Discurso espetacular e
terrível de três espanhóis e uma mulher espanhola, magos e bruxos
que foram levados pelos demônios de cidade em cidade, com suas
confissões de terem matado várias pessoas e gado por suas magias,
e também vários danos aos bens da terra. O acórdão pronunciado
contra eles está no Tribunal do Parlamento de Bordéus, in-8 , raro.
Paris, 1626.

“Três espanhóis, acompanhados por uma mulher espanhola, também


bruxa e feiticeira, viajaram pela Itália, Piemonte, Provença,
Franche-Comte, Flandres e, em várias ocasiões, atravessaram a
França, e assim que ficavam descontentes com algo em algumas
cidades, por meio de seus encantos perniciosos, secavam o trigo e as
videiras; faziam o gado definhar em três semanas, até a morte, tanto
que uma parte do Piemonte sentiram que seus caminhos estavam
amaldiçoados. Quando eles faziam seus encantos em alguns lugares
por suas artes perniciosas, eram carregados pelos demônios nas
nuvens, de cidade em cidade, e às vezes viajavam cem léguas durante
o dia. Mas como a justiça divina não quer castigar os malfeitores por
completo, Deus permitiu que um padre, chamado Monsenhor Benoit
la Fave, passando por Dole, encontrar esses espanhóis com seu servo
e perguntou para onde iam. Depois de conversar com eles e contar
parte de seu cansaço pela extensão da viagens, um desses espanhóis,
chamado Diego Castalin, disse-lhe: ‘Não fique desconfortável, é quase
meio-dia; mas quero que passemos a noite de hoje em Bordeaux’. O
sacerdote não respondeu, acreditando que ele estava fazendo alguma
piada, uma vez que havia quase uma centena de léguas a percorrer
até Bordeaux. No entanto, depois de se sentar juntos, eles começaram a
dormir. Quando o padre acordou, ele estava nos portões de Bordeaux
com esses espanhóis. Um conselheiro de Bordeaux foi avisado desta
maravilha; ele queria saber como ocorreu: denunciou os três espanhóis
e a mulher. Pesquisaram suas bagagens, onde estavam vários livros,
sigilos, notas, ceras, facas, pergaminhos e outros bens usados para
magia. Foram examinados e confessaram tudo, dizendo, entre outras
coisas, que pelas suas obras eles destruíam os frutos da terra que
quisessem, que eles mataram muitas pessoas e gado, e que haviam
resolvido fazer vários males na região de Bordeaux.
O tribunal leu o processo extraordinário, que foi publicado em 1
15
De Præstigiis Dæmonum, et Incantationibus ac Veneficiis

de março de 1610, condenando Diégo Castalin, Francisco Ferdillo,


Vincentio Torrados e Catalina Fiosela, que foram presos e executados
pelo executor do Tribunal Superior, no Mercado dos Porcos.
Seus corpos foram queimados com seus livros, apetrechos, couros,
pergaminhos, tarugos e outras coisas utilizadas em suas magias. A
mulher espanhola que os servia, chamada Catalina Fiosela, confessou
uma infinidade de maldades, assumindo, entre outras coisas, que, por
seus sortilégios, infectou várias fontes, poços e riachos, e também que
ela havia matado vários bovinos e por seus encantos ter feito cair
pedras e granizo sobre os bens e frutos da terra. Isso deve servir de
exemplo para muitas pessoas que estudam magia; outros, assim que
perdem algo, vão ao adivinho e ao feiticeiro, e não consideram que,
indo até eles, vão ao diabo, príncipe das trevas. Só se pode ver nesta
narrativa a história de uma gangue de criminosos.”

Um outro julgamento:

“Chastenet (Leonarde). Idosa de 80 anos, pedinte em Poitou, por


volta de 1591 e bruxa. Confrontada por Mathurin Bonnevault, que
afirmava tê-la visto no Shabbat, que confessou ter ido com o marido;
e que o diabo ali apareceu na forma de uma cabra muito fedorenta.
Ela negou ter feito qualquer mal. No entanto, ela foi convencida, por
dezenove testemunhas, a matar cinco trabalhadores e vários bovinos.
Quando foi condenada, por seus crimes reconhecidos, confessou que
fizera um pacto com o diabo, lhe dera o cabelo e prometera fazer todo
o mal que pudesse; acrescentou que, à noite, em sua prisão, o diabo
chegara até ela, na forma de um gato, ‘a quem, tendo dito que gostaria
de estar morta, ofereceu-lhe dois pedaços cera e disse que se comesse,
morreria, o que não quis fazer’. Ela guardou essas peças de cera, que
foram analisadas e não conseguiram descobrir de qual material eram
feitas. A bruxa foi condenada e queimada junto com as peças de cera.”

E também demonstra que a prática da tortura era comum


entre protestantes:

“Chaudron (Madeleine-Michelle). Genovesa, acusada de ser uma


bruxa em 1652. Diz-se que, tendo encontrado o diabo ao deixar a
cidade reformada, prestou homenagem a ele, e que o diabo deixou
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De Præstigiis Dæmonum, et Incantationibus ac Veneficiis

sua assinatura em seu lábio superior. Este pequeno selo torna a pele
insensível, como dizem os demonólogos. O dito demônio a ordenou que
enfeitiçasse suas filhas, o que acabou fazendo; foi acusada de magia
e as filhas caíram possuídas nos interrogatórios. Então, foram todas
levadas aos que eram chamados de médicos; eles analisaram o selo do
diabo de Chaudron, que de fato era uma marca satânica, e o fecharam
com pontos de agulha. Michelle demonstrou por seus gritos que as
marcas satânicas não nos tornam insensíveis. Os juízes protestantes,
não vendo nenhuma prova completa, fizeram um interrogatório.
Esta mulher infeliz, rendendo-se à violência do tormento, confessou
tudo o que pediam. Ela foi queimada, depois de ser enforcada; entre
os católicos, seria apenas enviada à penitência.”

Outros absurdos, desta vez, do infame Torquemada:

“Chevesche. Tipo de coruja, que Torquemada definiu como um


pássaro noturno alto, que tem a tarefa de entrar onde estão as
crianças e sugar seu sangue. Os demonólogos deram o nome do
chevesche às bruxas, porque, similar a este pássaro, sugam o sangue
daqueles que agarraram, principalmente das crianças pequenas. Essa
é provavelmente a ideia mãe dos vampiros. As bruxas que sugam o
sangue também têm alguma analogia com os gholos dos árabes.”

E outra peça do acervo de Boguet:

“Colas (Antide), bruxa do século XVI, que, fazendo negócios com o


diabo, a quem chamava de Lizabet, foi presa e colocada na prisão
com o aval de Nicolas Millière, cirurgião. Ela confessou ao ser detida
em Betoncourt que o diabo tinha aparecido para ela na forma de um
homem negro e pediu para se jogasse de uma janela ou se enforcasse;
mas outra voz a dissuadiu. Acusada de ser uma bruxa, mas também
de ter cometido muitas outras vilanias, esta mulher foi queimada
em Dôle, em 1599; e é assim que as histórias contadas por Boguet
geralmente terminam.”

E as histórias que colaboravam com o terror geral e a


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De Præstigiis Dæmonum, et Incantationibus ac Veneficiis

justificativa das monstruosidades dos inquisidores:

“Crucificação no Sabbath. É lido nas declarações de Madeleine


Bavent, da possessão de Louviers, que no Sabbath, que ela frequentou
por muito tempo, ela teria visto várias vezes a crucificação de anfitriões
consagrados, que também carregavam suas próprias cruzes. Uma
certa noite, a de sexta-feira Santa para o Sabbath, ela viu uma bruxa
trazer um filho recém-nascido, que foi crucificado em uma cruz negra,
pregado nos pés e nas mãos. Então, uma coroa de pregos foi feita em
sua cabeça e sua costela foi furada. Ela acrescentou que dois homens
que haviam chegado ao Sabbath como noviços, tendo testemunhado a
isso com algum senso de horror, foram crucificados e mortos.”

Ou no verbete Festivais de Shabbat:

“Parece nunca haver sal ali. O pão não é feito de farinha de trigo,
mas de farinha de ervilha. Carnes são de cães ou gatos roubados. A
putrefação é um deleite. Come-se cadáveres de crianças. Em alguns
lugares, os frequentadores do Sabbath desenterraram o corpo de um
dos seus defuntos e comem-no em todos os seus molhos. Nos julgamentos
de bruxas, vemos bruxas condenadas por roubar crianças. Só bebe-se
licores. Vinho, óleo, sal e tudo o que a Igreja abençoa é excluído nestas
festas hediondas.”

O seu verbete sobre Fascinação é um dos mais interessantes


quanto às crenças que imperavam na época de Wierus:

“Fascinação. Um tipo de feitiço que faz você não ver as coisas como
elas são. Um bruxo boêmio, citado por Boguet, transformou os
palheiros em porcos e os vendeu como tal, alertando o comprador para
não deixar a manada tomar água. Um comprador do cigano, não
tendo seguido este conselho, viu em vez de suíno, palheiros boiando
na água que colocou suas supostas bestas. Delrio conta que um certo
mago, por meio de um certo arco e de uma certa corda esticada nesse
arco, desenhou uma flecha, feita de um certo tipo de madeira, e de
repente apareceu diante de si um rio tão largo quanto a ponta desta
18
De Præstigiis Dæmonum, et Incantationibus ac Veneficiis

flecha. E outros relatam que um mago judeu, por fascínio, devorava


homens e carruagens de feno, cortava cabeças e desmembrava pessoas
vivas, depois colocava tudo de volta em boa forma. Na guerra do
duque Vladislau contra Gremozislas, duque da Boêmia, uma velha
bruxa disse a seu genro, que acompanhava o grupo de Vladislas, que
seu mestre morreria em batalha, com a maior parte de seu exército,
e que, para se salvar da carnificina, era preciso fazer o que ela lhe
aconselhava; isto é, que ele deveria matar o primeiro que encontrasse
na batalha; cortasse as duas orelhas e as guardasse no bolso; depois,
com a ponta da espada, fizesse uma cruz no chão entre os pés da frente
do cavalo e depois beijasse a cruz, para só então fugir. O jovem, tendo
conseguido todas essas coisas singulares, voltou são e salva da batalha
em que pereceu Vladislas e a maior parte de suas tropas. Mas ao
entrar na casa de sua madrasta, este jovem guerreiro encontrou sua
esposa, a quem ele amava, perfurada com um golpe de espada, morta
e sem orelhas... Mas muitas e a maioria das fascinações geralmente
são apenas truques de habilidade. Nas ‘les Aventures de Till l’espiègle’
vemos fascinações lúdicas deste tipo. Um dia, em uma feira, ele apostou
com um grande senhor que, em um sinal mágico que ele iria fazer,
um comerciante quebraria toda a sua loja, o que aconteceu. Mas ele
pagou antecipadamente o dano. Ele fez outro truque semelhante, ao
pagar uma festa por meio de seu chapéu, que ele disse que era mágico,
e que bastaria girá-lo para a conta ser paga. O jantar foi igualmente
pago antecipadamente. As mulheres mouras imaginam que há magos
que fascinam por sua simples aparência e matam crianças. Esta
ideia é comum a eles com os antigos romanos, que honravam ao deus
Fascinus, a quem foi atribuído o poder de garantir aos seus filhos as
fascinações e feitiços malignos.”

Um outro caso, desta vez envolvendo os malefícios


causados a um rei:

“Carlos IX, rei da França. Alguém acreditaria que um dos médicos


astrólogos de Carlos IX lhe assegurou que ele viveria muitos dias
enquanto tentasse virar os calcanhares para trás num estranho
exercício? Em solenidades, os principais oficiais do estado, os generais,
o chanceler, os juízes, todos tentavam imitar o exercício do príncipe!
É assegurado que, após o massacre político de São Bartolomeu,
especialmente como resultado do temor causado pelos conspiradores,
Carlos IX viu corvos sangrentos, teve visões terríveis e recebeu por
vários tormentos o presságio de sua morte prematura. Acrescenta-se
19
De Præstigiis Dæmonum, et Incantationibus ac Veneficiis

que ele morreu por meio de imagens de cera feitas em sua semelhança, e
amaldiçoado pela arte mágica de seus inimigos, os magos protestantes,
as imagens eram derretidas todos os dias pelas cerimônias do feitiço, e
que extinguiam a vida do rei conforme se consumiam. Naqueles dias,
quando alguém morria de exaustão ou tristeza, eles publicavam que os
feiticeiros haviam encantado o morto. Os médicos responsabilizavam
os magos pelos enfermos que eles não curavam; - a menos que houvesse,
em alguns casos, uma atribuição às bruxas, um mistério que ainda
não foi explicado.”

Além disso, até uma doença como catalepsia era confundida


com poderes sobrenaturais:

“Catalepsia. Semelhante à apoplexia, estado que resulta, diz o Sr.


lecouturier, ‘uma insensibilidade capaz de fazer suportar sem dor a
cirurgia mais cruel’. A catalepsia é causada pela obstrução dos agentes
nervosos. Nasce uma combinação singular de dormência e flexibilidade
nos músculos, o que faz com que os catalépticos, completamente imóveis
por si mesmos, deixem-se ir a todos os movimentos regulares que são
impressos e permanecem fixos em todas as atitudes de comunicação
normal. Pode-se até fazê-los tomar atitudes dolorosas em que seria
impossível para o homem mais robusto suportar. Esta doença, que
explica alguns fenômenos de bruxaria, é provocada ou espontânea.”

Não é de espantar, portanto, que Wierus ainda tenha um


catálogo repleto de coisas um tanto fantásticas para a nossa época.
Mas se levarmos em conta que até quase dois séculos depois de
sua morte, pessoas ainda eram caçadas, perseguidas, torturadas e
mortas, no Velho e no Novo Mundo, como em Salem, nos Estados
Unidos da América, apenas por sofrerem de doenças mentais, sua
obra deve ser encarada como um grande avanço na medicina.

20
De Præstigiis Dæmonum, et Incantationibus ac Veneficiis

2. Teologia e Demonologia de Wierus

Já foi mencionado que Wierus era discípulo do famoso


Agrippa. Agrippa foi um entusiasta da Magia, do Hermetismo e
da Alquimia. Compôs tabelas da relação entre anjos, planetas e
horas, estudou o que podia da Cabalá judaica e escreveu tratados
cuja influência perdura até os dias de hoje. Entretanto, já velho e
na miséria, devido às perseguições acadêmicas e eclesiásticas que
sofreu, tornou-se um tanto cético. Ainda encontramos em seus
livros diversas tabelas e sigilos, mas também condenação ao que
ele chamava de “bruxaria”, ou seja, as antigas práticas tradicionais
dos camponeses europeus. Agrippa separou a Magia da “bruxaria”
assim: para ele, bruxaria era baseada em feitiços e conjurações,
enquanto a verdadeira magia era fruto do estudo e trabalho interno
do magista, em busca da compreensão do universo e suas leis.
Como afirma o próprio em seu Livro I “Da Filosofia Oculta”:

“Há três classes de mundo, a saber: o elemental, celestial e


intelectual, cada inferior é governado por um superior e
recebe suas influências, de modo que o próprio Arquétipo
e Criador Soberano nos comunica o poder de Sua
Omnipotência através dos anjos, dos céus, das estrelas, dos
elementos, dos animais, das plantas, dos metais e das pedras,
tendo feito e criado todas as coisas para o nosso uso, e não é
sem razão que os magos acreditam que podemos penetrar
naturalmente por todos os níveis de tais mundos, até mesmo
ao mundo arquetípico, o gerador de todas as coisas.” – “De
Occulta Philosophia Libri I: Studies in the History
of Christian Traditions.” Agrippa, Ed. Brill Academic
Pub, 1992. Pg. 47.

Agrippa parece crer em um mundo semelhante ao dos


cabalistas: diversas camadas entrepostas, onde a superior desce à
inferior através das influências energéticas etéreas e sutis, cabendo
ao magista decifrar este funcionamento para ascender até o Uno.
É semelhante ao que encontramos em vários tratados de Cabalá,
21
De Præstigiis Dæmonum, et Incantationibus ac Veneficiis

como no “Portais da Santidade”, do Rabino Chaim Vital:

“Mas há uma raiz deveras elevada, no cume do Mundo da Ação, um


ramo muito longo que desce e permeia todos os mundos, para que desça
até os últimos níveis, até mesmo nos corpos. A sua raiz passa por todos
os mundos, fazendo com que todas as almas tenham uma quantidade
infinita de raízes, cada uma mais elevada do que a outra. E através
de suas ações, a vida humana pode conseguir ascender por todas elas.
Entretanto, nos níveis no Mundo da Ação, todas as raízes que saíram
são chamadas de uma coisa só, isto é, a alma total do Mundo da Ação,
como nos outros níveis. É assim que podemos compreender a questão
da profecia, que ocorre quando a parte mais baixa do homem carnal
se torna pura, limpa, livre das impurezas da má-inclinação, livre
dos poderes da alma inferior, com suas mãos livres das transgressões
que corrompem a raiz das raízes de sua alma, fazendo com que
fique apto para a conexão plena com a raiz mais elevada, de forma
plena. Entretanto, mesmo quando está pronto, ele deve separar sua
alma e se libertar totalmente de todas as formas físicas, para então
conseguir esta conexão com sua raiz espiritual. Já explicamos como
na forma humana habita uma centelha, que se espalha em todos os
quatro níveis de mundo: Emanação, Criação, Formação e Ação até
as profundezas das 4 fundações deste mundo inferior. Esta Luz se
apega à Luz do homem mais elevado, ou seja, as dez sephirot. As
10 Sephirot vestem esta Luz que é chamada de ‘o vaso das almas’
dos homens e todas as almas dos homens abaixo estão incluídas neste
ponto. E quando elas descem até este Mundo da Ação, para tomar
um corpo físico, elas deixam sua raiz anexada à sua fonte original. E
apenas o ramo da raiz desce e toma um corpo neste mundo. Isto pode ser
comparado aos ramos de uma árvore que estão ligados e enraizados na
própria árvore e os ramos curvam para baixo e tocam o chão, mesmo
enquanto estão ligados à árvore. Mas quando um homem comete uma
transgressão merecedora de excomunhão, como está escrito em: ‘Mas a
pessoa que fizer alguma coisa temerariamente, quer seja dos naturais
quer dos estrangeiros, injuria ao Senhor; tal pessoa será extirpada
do meio do seu povo’, então esse ramo será separado da árvore e a
pessoa permanece em pé neste mundo como o espírito de um animal.
E este é o significado oculto de: ‘será extirpada aquela pessoa’, e o que
também está oculto em: ‘não destruirás o seu arvoredo, colocando nele
o machado, porque dele comerás’.” - ‫רשיל רפס אוהו השודק ירעש רפס‬
‫םייח יבר ר"רהומכ יקלאה לבוקמה די תביתכמ קתעוה וארוב תדובעל םדאה‬
‫חיקת ךאבצלוז סופד רעשה חסונ ל"צז לאטיו‬, páginas 104-106.

22
De Præstigiis Dæmonum, et Incantationibus ac Veneficiis

Agrippa, portanto, tinha uma visão bem mais


condescendente quanto aos deuses e ideias cabalistas. Em seu
terceiro tomo do livro “Da Filosofia Oculta”, ele dedica o capítulo
10 à relação entre os deuses pagãos e as sephirot cabalistas:

“O próprio Deus, embora seja Trino em Pessoas, ainda é


apenas uma só Essência; apesar de não duvidarmos de
que há nele muitos poderes divinos que fluem como raios,
que os filósofos dos gentios chamavam de deuses, e que
para os sábios hebreus foram numerados e nomeados como
Atributos; como a Sabedoria [Nota do Tradutor: a Sephira
Chochmah], que Orfeu chama de Pallas; Entendimento
[Nota do Tradutor: a Sephira Binah] [...] Portanto, os mais
prudentes teólogos dos pagãos adoravam ao Deus Único,
sob diversos nomes e poderes, em diversos sexos [...] Daí
surgiu essa grande variedade de divindades, em razão das
muitas e diversificadas distribuições de graças; mas Deus
é Um.” – “De Occulta Philosophia Libri 3: Studies in
the History of Christian Traditions.” Agrippa, Ed. Brill
Academic Pub, 1992. Pg. 188-192.

Embora Wierus seja considerado um discípulo de


Agrippa, podemos notar diversas discordâncias na exposição
presente neste livro e as ideias de seu mestre. Em primeiro lugar,
Wierus, ao contrário de muitos hermetistas da Renascença, como o
próprio Agrippa, mostra um grande desprezo pelos deuses gregos,
romanos e egípcios. Aqui, ele trata todas as antigas divindades
como imposturas do diabo desde a expulsão de Adão e Eva do
Paraíso. Assim, a demonologia de Wierus deve ser entendida como
uma tentativa em entender as artimanhas, imposturas e mentiras
do diabo – é por este motivo que ele nomeia a sua hierarquia
demoníaca como uma “Falsa Hierarquia dos Demônios”, como
apenas um truque que os demônios utilizam para enganar magistas
e conjuradores. E foi assim que Wierus consultou os grimórios e
livros de magia cerimonial disponíveis em sua época para compor
a sua “Falsa Hierarquia dos demônios”.
A Tradição Salomônica é um tanto tardia, mas a ideia
da evocação e controle de demônios é anterior à Idade Média.

23
De Præstigiis Dæmonum, et Incantationibus ac Veneficiis

Confirmo e cito em várias notas deste livro e no próprio anexo,


a ideia de Salomão como capaz de controlar demônios surge no
Talmude Gittin 68a – mas esta Tradição não pode ser resumida ao
Talmude ou às lendas judaicas do Midrash e Haggadoth. Outros
trabalhos, como o grego “A Magia de Kirani, Rei da Pérsia e do
Harpocrácio”, dos chamados “Escritos Kiranidas”, uma coletânea
de textos mágicos gregos sobre os poderes das plantas, ervas,
pedras preciosas e amuletos, compilados no século IV e traduzidos
para o latim apenas em 1165, também influenciaram a composição
da Tradição Salomônica. Em 1200, surge o “Livro das Sombras
de Honório”, também conhecido como “Liber Juratis Honorii”, que
inspirou o “Heptameron” de Pietro d’Abano, talvez um dos mais
antigos livros ensinando como fazer aparecer e controlar, através do
poder de Deus, de Jesus Cristo, dos santos e dos anjos, as diversas
entidades demoníacas. Neste livro, vemos antigos amuletos,
sigilos e o círculo mágico, além dos anjos dos dias e suas relações
planetárias e orações como esta:

“Elysemath + hazaram+ hemel + saduch + theon + heloy + zamaram


+ zoma + ietromaym + theos + Deus Piedoso e Forte hamathamal
+ ietronamayhala + zanay + hacronaaz + zay + colnaphan +
salmazaiz + ayhal . gemelam + geromelam + haymasa + ramay +
genzi + zamath + heliemath + semay + selmar + iecrosamay + iachat
+ lemar + harana + hamany + memothemath + hemelamp + e Tu
és, Santíssimo Pai Todo Poderoso e Deus Incognoscível, em todas
as Tuas obras é Santo, Justo e Bom + megalhamethor + semassaer
+ zamathamar + geogremai + megus + monorail + hamezeaza +
hillebata + maraama + iehenas + iehemia + malamai + sephormay
+ zemonoma + melas + hemay + hemesua + iecormay + lemesey +
senosecari + zemaher + helcamay + calion + tharathos + tronios +
nebay + tharathos + vsyon + gezsethon + seminathemas + zezehas +
thamam + helomany + hamel. Amém.” (Retirado do Sl. 3854).

O livro também exibe antigos sigilos, como este, dos anjos


Mercúrio, a saber, Miguel, Mihel e Serapiel:

24
De Præstigiis Dæmonum, et Incantationibus ac Veneficiis

Mais tarde, em 1256, o lendário livro árabe “Picatrix” é


publicado em latim. Um tratado árabe do século XI, publicado
como ‫ ميكحلا ةياغ‬Ghayat al-Hakim (O Objetivo do Sábio),
ajudou a formar as bases da Magia Ocidental na Renascença, pois
é um tratado abrangente sobre magia, astrologia e teosofia. É o
que faz surgir, a partir de 1400, livros como Hygromanteia ou “O
Tratado Mágico de Salomão”, um manual sobre o uso de ervas,
pedras e plantas na magia e adivinhação; o “Liber incantationum,
exorcismorum et fascinationum variarum”, conhecido como
“Manual de Munique”, que lista onze demônios para evocação:
Astaroth, Baruch, Belzebu, Belial, Berith, Castiel, Cormes, Lucifer,
Mirael, Paimon e Satã. Em 1456, é publicado em alemão o tratado
“Buch aller verbotenen Kumst” ou Das buch aller verpoten kunst,
ungelaubens und der zaubrey”, conhecido como “O Livro das Artes
Proibidas”; em 1496 o “Heptameron” é publicado, supostamente
atribuído a Pietro d’Abano, com a confecção de pentáculo de
Salomão, já influenciado por obras cabalistas como o “Sepher Raziel
HaMalech – O Livro do Anjo Raziel”. O “Heptameron” é um
ponto chave na história da Magia Cerimonial, pois aparece citado
de forma integral em outros, como “Os Livros de Moisés” e “O
Livro do Tesouro dos Espíritos”. É no século XVI, era de Wierus,
que ocorre a explosão de livros e manuais com as hierarquias e
rituais demoníacos. Em 1536, Wierus publica “Pseudomonarchia
Daemonum”, com a adição de daemons e subtração de outros.
Depois, vários livros com as hierarquias dos demônios e suas
conjurações são publicados: surge uma edição do “Liber Officiorum
Spirituum” em 1563, que provavelmente é diferente da consultada
por Wierus e então perdida; em 1575 surge o “Arbatel”, também
muito influente; Dee publica em 1583 o seu “Mysteriorum Libri
Quinque”; em 1608 aparece o “Livro de Abramelin”, atribuído de
forma controversa ao Rabino Yaakov Moelin.
De qualquer forma, a influência da obra de Wierus é
inegável para a história eclesiástica, para a história da medicina e
para os praticantes ou estudiosos da Magia Cerimonial.
Tomei a liberdade de colocar notas de rodapé, sempre
marcadas com Nota do Tradutor (abreviadas posteriormente como
NT. As notas de rodapé sem esta marcação são do próprio autor. As
ilustrações do Anexo “Da Falsa Hierarquia dos Demônios” são de
Louis Le Breton (1818-1866), presentes na clássica 6ª edição do
25
De Præstigiis Dæmonum, et Incantationibus ac Veneficiis

“Dicionário Infernal” (“Dictionnaire Infernal Répertoire Universel


des êtres, des personnages, des livres, des faits et des choses qui
tiennent aux esprits, aux démons, aux sorciers, au commerce de
l’enfer, aux divinations, aux maléfices, a la cabale et aux autres
sciences occultes, aux prodiges, aux impostures, aux superstitions
diverses et aux pronostics, aux faits actuels du spiritisme, et
généralement à toutes les fausses croyances merveilleuses,
surprenantes, mystérieuses et surnaturelles”. J. Collin de Plancy,
6ª ed., 1863, Ed. Henri Plon, Paris), de De Plancy, baseadas nas
descrições dadas por Wierus.

Rafael Resende Daher

26
De Præstigiis Dæmonum, et Incantationibus ac Veneficiis

Prefácio do Autor

Confesso com modéstia que o tema desta obra é algo difícil


e duro, que poderia ter excedido a minha parca força. Ao propô-la
ao público, atrevo-me a opor-me aos espíritos enganadores1, lutins2
e aos maus senhores deste mundo.
Esses demônios têm tantas formas impenetráveis de
enganar, tantos caminhos e tantos esconderijos remotos para escapar,
que podem de modos e maneiras diferentes corromper nosso juízo
por meio de suas essências sutis, suas velocidades de movimento,
suas vidas dissolutas e seus maus desejos. Suas maneiras detestáveis
são tão numerosas que enganam, trapaceiam e iludem por meios
que não podemos usar contra eles. Agora, embora eu esteja bem
ciente de que essas coisas são verdadeiras, também fui nutrido em
outra escola e doutrinado por outros preceptores e mestres, como
os de Platão, dos supersticiosos egípcios e dos Oráculos de Mênfis.
Mas não sou como Proclo3, que de acordo com Miguel
Pselo se tornou um escravo do diabo4. Pelo contrário, tenho

1 Nota do Tradutor: Uma referência aos espíritos mencionados


por Paulo em sua I Epístola a Timóteo: “Mas o Espírito expressamente
diz que, nos últimos tempos, apostatarão alguns da fé, dando ouvidos a
espíritos enganadores e a doutrinas de demônios.” (I Timóteo 4:1).
2 NT: Os lutins ou lutinos, do latim Lux - Luz, pois eram
considerados “pequenas luzes”, também identificados ou muitas vezes
traduzidos como “duendes” ou “elfos”. Também são associados com os
kobolts do folclore alemão ou com os farfaletes do folclore ibérico.
3 NT: Proclo Lício, também chamado Proclo Diádoco (412-485),
filósofo neoplatônico de Constantinopla.
4 NT: Segundo Miguel Pselo, em sua obra “De operatione
dœmonum”, Proclo teria sido enganado por demônios ao compor suas
obras neoplatônicas. Pselo (1018-1078) foi um importante intelectual da
corte bizantina e escreveu sobre filosofia, teologia, direito, demonologia
e política. As melhores informações sobre Pselo e sua demonologia
estão no verbete relacionado a ele no “Dicionário Infernal” de De Plancy
27
De Præstigiis Dæmonum, et Incantationibus ac Veneficiis

apreendido a doutrina do Criador do céu, da terra e todas as


coisas visíveis e invisíveis que, segundo diz São Paulo1 são “vasos

(“Dictionnaire infernal”, Ed. Henri Plon, Sexta Edição, 1863). Como


muitos sábios, santos e doutores da Igreja Grega, era um cristão de
forte sabor neoplatônico, entretanto, não deixava de condenar e acusar
seus predecessores neoplatônicos pagãos. Desta forma, em suas obras
encontramos tanto a influência de neoplatônicos como acusações. Segue
o verbete do Dicionário De Plancy: “Pselo (Miguel). Autor do livro “De
operatione dœmonum” Paris, 1623; in-8. Foi traduzido para o francês por
Gaulmin e é uma obra muito curiosa. Mostra que os demônios prometiam
aos que se alistavam sob sua hoste honras, ouro e riqueza; mas que eles
não cumpriam suas promessas; geralmente enganavam seus iniciados por
uma certa fantasmagoria e por aparições luminosas que eles chamavam
de “teópsias” ou visões divinas; mas que seus amantes só chegavam a
elas depois de terem cometido ações abomináveis. Pselo também fala
de excremento humano, sólido e fluido, que os feiticeiros tinham que
provar para tornar os demônios favoráveis. Pselo, que era poderoso na
corte de Constantinopla, colocou na prisão um feiticeiro maniqueísta que
profetizava. “Perguntei a ele”, disse ele, “de onde ele tinha o dom da
profecia e ele se recusou a responder primeiro. Mas, forçado a falar, ele
me disse que havia aprendido a arte de um vagabundo da Líbia. "Este", ele
continuou, ‘tendo me levado a uma montanha à noite, me fez provar um
pouco de grama, cuspiu na minha boca, colocou em meus olhos de uma
certa pomada e me mostrou uma multidão de demônios, entre os quais
vi um voando em minha direção na forma de um corvo; e entrando pela
minha boca, ele penetrou no fundo do meu coração. Daquele momento
até hoje, eu era capaz de ler o futuro sempre que meu demônio quisesse.
Há apenas alguns dias no ano em que não consigo obter dele algo nas
suas revelações: na festa da Cruz, nos dias da Paixão e da Ressurreição.
Então ele me disse: Terás muitos sofrimentos no corpo; os demônios te
culpam pois paraste tuas adorações a eles; eles prepararam para ti perigos
aos quais não escaparás se um poder superior ao deles não o tirar de
suas mãos’. Tudo aconteceu como ele havia predito e eu teria morrido no
meio de todos os perigos de que estava cercado, se Deus não tivesse me
entregue inesperadamente.”
1 “Ora, irmãos, rogamo-vos, pela vinda de nosso Senhor Jesus
Cristo e pela nossa reunião com ele, que não vos movais facilmente
do vosso entendimento, nem vos perturbeis, quer por espírito, quer
por palavra, quer por epístola, como de nós, como se o Dia de Cristo
estivesse já perto. Ninguém, de maneira alguma, vos engane, porque não
será assim sem que antes venha a apostasia e se manifeste o homem do
pecado, o filho da perdição, 2Th 2:4 o qual se opõe e se levanta contra
28
De Præstigiis Dæmonum, et Incantationibus ac Veneficiis

de eleição”1 este invencível guerreiro das coisas celestes contra


a sutileza dos espíritos2. E isto, mantendo minhas mãos firmes,
asseguro que eu sou de uma fé inabalável.
Por esta fé sou próximo da palavra de Jesus Cristo (cujo
nome dobra os joelhos dos espíritos e pela Sua ordem eles são
expulsos). Esta palavra é a espada do espírito3, afiada em ambos
os lados e que fez nascer em mim a clareza. Pelo raio de sua luz
divina e sua força de razão, os mestres e governadores das trevas
deste mundo são dominados. A palavra me iluminou contra esse
tipo de engano, que permite aos demônios obscurecer os olhos dos
homens com névoas espessas. Essas nuvens são tão poderosas que
muitos homens ignoraram a caminhada cega no meio da escuridão,
de que lado deveriam avançar para a segurança. Esta escuridão é o
labirinto dos encantamentos e a razão que me levou a empreender
este trabalho foi unicamente o desejo de encontrar em alguns uma
maneira completamente diferente de como sair deste labirinto.
A minha estrada é diferente das que vi até agora. E para
que meus discursos não criem obscuridades, construí este livro em
uma ordem na qual se encaixam perfeitamente entre si, como em
livros que tratam de economia ou da boa administração das coisas.
Naturalmente, todo esse trabalho está entrelaçado com
fatos relacionados ao engano e aos truques dos demônios. Por esta
razão, e para preparar o leitor ao ensino das coisas a serem tratadas

tudo o que se chama Deus ou se adora; de sorte que se assentará, como


Deus, no templo de Deus, querendo parecer Deus.” (2 Tessalonicenses
2:1-4).
1 NT: A citação da nota acima, conforme o texto original, segue
depois para uma alusão ao “vaso de eleição” mencionado em Eclesiastes
50:10 e Atos 9:15.
2 “Deixe o ímpio o seu caminho, e o homem maligno, os seus
pensamentos e se converta ao SENHOR, que se compadecerá dele; torne
para o nosso Deus, porque grandioso é em perdoar.Porque os meus
pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos,
os meus caminhos, diz o SENHOR.” (Isaías 55:7-8). 
3 “Tomai também o capacete da salvação e a espada do Espírito”
(Efésios 6:17).
29
De Præstigiis Dæmonum, et Incantationibus ac Veneficiis

nos livros seguintes, eu descrevi na primeira obra o que o diabo


é, qual é a sua origem e qual é o seu começo, quais foram seus
primeiros empreendimentos falaciosos, qual tem sido seu progresso
pernicioso e avançado desde Eva, desde o princípio das coisas, até
agora. Além disso, qual é o seu poder, qual é a sua impostura, bem
como os limites que Deus lhe ordenou, pois além deles, ele não
consegue fazer mais nada.
Assim, desejando mostrar as coisas que ele faz por meio de
seus escravos, eu falarei dos infames magos que evocam os demônios,
colocados de várias maneiras diante de nossos olhos, o resultado
de sua própria maliciosa fraude, que usam com as máscaras de
suas adivinhações e assim enganam uns aos outros e contaminam
por seus enganos satânicos, sob a capa dos ensinamentos divinos
da Medicina1. Neste ponto, separo os magos das bruxas, que, por
seu sexo, são inconstantes, duvidosas na fé, nunca suficientemente
certas de suas mentes por conta das influências das eras. Elas são,
portanto, muito mais propensas ao engano do diabo, que insinua
e brinca com suas faculdades imaginativas, tanto acordadas como
dormindo, e assim consegue enganá-las com formas fantásticas
que entorpecem seus humores e agem em suas mentes e corpos,
realizando ações de sutileza, destreza e habilidade: essas mulheres
não podem confessar nada além do que fazem, mas não como
fazem. No entanto, suas coisas foram realizadas pelo diabo, de
acordo com a permissão e a vontade de Deus. O diabo, e não
essas pobres mulheres, continua a ser a causa das calamidades que
chegaram aos homens, aos animais ou maus pensamentos, como
também dos males que ocorreram à ordem da natureza.
Assim, percebemos que o espírito dessas mulheres é ferido,
perturbado e cheio de várias fantasias e aparições. Elas têm seus
cérebros obscurecidos pela raiva negra ou por seus vapores2. Não

1 Wier era médico e foi um pioneiro durante a Inquisição. Para


ele, o que se passava com muitas bruxas e possuídas não era fruto de
pactos malignos, muito menos de decorrências dos rituais macabros dos
Shabbath das Bruxas, mas fruto da melancolia e neuroses. Tudo isso será
explicado adiante, na própria obra.
2 NT: Conforme dito na nota anterior, Wierus menciona que
as “bruxas” eram nada mais do que neuróticas, mulheres de humor
30
De Præstigiis Dæmonum, et Incantationibus ac Veneficiis

instável e que deliravam sobre eventos demoníacos. Nos diversos relatos


coletados pela inquisição sobre as reuniões do Shabbat, muitos deles
coletados de diversas fontes no “Dicionário Infernal” de De Plancy,
vemos uma infinidade de relatos absurdos, como voos de vassouras,
criaturas bestiais como sapos falantes, conjunções carnais com seres
demoníacos e coisas semelhantes. Entretanto, mesmo após o período
de Wierus, muitas mulheres continuaram condenadas à fogueira por
“participação” nestes rituais, seus relatos não eram encarados como
frutos de doenças mentais, mas como reais. Alguns exemplos citados
por De Plancy: Madeleine Bavent (1602-1653), do famoso caso da
possessão de Louviers, provavelmente uma freira hipersexualizada e que
relatou coisas escabrosas do Shabbat, como relações sexuais com seres
bestiais e beijos no ânus de Satanás; Anne Bayerin (?-1643), também
relatou coisas parecidas e foi condenada, mas não temos informações
se foi queimada; Jeane Belloc (1611), um caso também idêntico. De
Plancy cita algumas curiosidades no verbete sobre Belloc: “Ela contou
que o Shabbat é uma espécie de baile de máscaras onde alguns vão
em suas formas naturais, enquanto outros eram transmutados em cães,
gatos, burros, suínos e outros animais; que eles encolhiam ou cresciam
como bem entendiam.”. Entretanto, os relatos escabrosos não eram
exclusividades femininas. Também um homem, chamado Berthomé du
Lignon, queimado em 1599, fez um dos relatos mais detalhados sobre
o poder da imaginação quanto aos Shabbat. No verbete Berthomé du
Lignon, De Plancy relata: “Confessou que seu pai o levava ao Shabbath
desde a juventude; que havia prometido ao diabo sua alma e corpo; que
no último dia de São João participou de um grande Shabbat, no qual
o diabo fez as pessoas dançarem em círculos, do qual o próprio diabo
participou como um bode preto, que entregou a cada um uma vela acesa
e depois foram todos obrigados a beijá-lo no ânus; que o diabo gastava
a cada Shabbat quarenta moedas em dinheiro e também fazia feitiços
malignos; que quando desejava, era capaz de chamar o diabo, que vinha
a ele como um redemoinho; que na noite anterior também foi visitado
pelo diabo na prisão, que disse não ser capaz de libertá-lo. Ele também
disse que o diabo proibia todos os seus adeptos de orar a Deus, ir à
missa, celebrar a Páscoa, e que para o diabo havia matado várias pessoas
e vários animais por meio dos pós que eram entregues nos Shabbat.”.
De Plancy utiliza como fontes documentos oficiais e livros jurídicos da
época, como “Discours sommaire des sortilèges et vénéfices”, que é uma
obra com diversos documentos jurídicos de Poitou, no ano de 1599. No
verbete “Dança do Shabbat”, De Plancy também anota: “Pierre Delancre
assegura que as danças do Sabbath deixam os homens furiosos e fazem as
mulheres abortar. Dizem que o diabo aprendeu diferentes tipos de dança
31
De Præstigiis Dæmonum, et Incantationibus ac Veneficiis

possuem livros, fórmulas de exorcismo, personagem ou monstros


organizados, como os magos iníquos possuem. Também não
possuem outros mestres ou professores, mas apenas suas próprias
mentes controladas pelo diabo, que consegue confiança em suas
imaginações já corrompidas.
Por estas razões, todos poderão ver facilmente que as bruxas
são muito diferentes dos infames magos. Esses magos são muitas
vezes homens educados e prudentes, mas assaz curiosos. Eles fazem
longas jornadas para aprender a arte demoníaca, a fim de poder
se orgulhar então de algumas imposturas e enganos de coisas que
contradizem a ordem estabelecida da natureza1. Pelo contrário, as
bruxas são mulheres comuns, velhas, de espírito imbecil e retiram-
se para suas casas, onde, estando todas adormecidas e aptas, se
organizam e se sentam, acomodadas com o diabo, que engana seus
espíritos tão facilmente.
Primeiramente, elas adoecem de melancolia. Então, ficam
tristes e caem num desespero terrível. O diabo as engana com suas
imposturas, assegurando-lhes que são elas as causas de todas as

com os magos de Genebra. Essas danças eram muito duras, pois ele usava
bastões e paus como os que fazem os animais dançarem. Havia neste país
uma jovem a quem o diabo dera uma barra de ferro que tinha a virtude
de fazer as pessoas que a tocavam dançarem. Ela zombou dos juízes
durante o julgamento e protestou dizendo que não poderia ser morta;
mas ela foi exorcizada. Os demônios dançam com as bruxas, em forma
de cabra ou qualquer outro animal. Geralmente, dança-se em círculos
no Shabbat, sempre um de costas para o outro, raramente sozinhos ou
em pares. Há três movimentos: o primeira é chamado de movimento
boêmio; o segundo é o executado pelos artesãos do campo, isto é, sempre
pulando de costas; no terceiro, todos ficamos em pé, segurando as mãos
um do outro e com certa cadência, quase como no que hoje é chamado de
galopar. Essas danças são executadas ao som de um pequeno pandeiro,
uma flauta, um violino ou outro instrumento tocado por uma banda. É
a única música do Sabbath. No entanto, os magos garantem que não há
concertos melhores no mundo...”.
1 NT: Aqui, Wierus menciona os magos que desenvolveram a
chamada “Goécia” ou “Magia Salomônica”. Ao contrário das bruxas, que
deliravam eventos fantásticos. Os magos, conforme Wierus apresenta
neste livro e no apêndice, trabalhavam com evocações bem elaboradas e
hierarquias demoníacas bem definidas.
32
De Præstigiis Dæmonum, et Incantationibus ac Veneficiis

desgraças dos homens, calamidades e mortes. Ele o faz com tanta


veemência que essas mulheres têm a certeza, como afirmei acima,
de ter cometido todas essas iniquidades, por maiores que sejam.
No entanto, elas não fizeram nada disso, apesar de serem culpadas
por isso. Também separei as bruxas dos feiticeiros, que os gregos
chamavam de farmacêuticos1. Tais homens preparam poções que
são engolidas ou aplicadas no corpo, ou escondidas em alguns
lugares e que podem causar dano com seus vapores e fumaças.
Assim, veremos que há uma grande diferença entre os
magos profanos, as bruxas e os feiticeiros2, de quem falamos,
acusamos, julgamos e condenamos como se fossem uma só coisa.
Para que possamos entender essas coisas mais facilmente,
falarei também sobre as pessoas que foram tratadas como vítimas
dos feiticeiros. Demonstrarei que foram atormentadas pelos
demônios ou possuídas por eles, segundo a vontade secreta de
Deus e sem cooperação de outras bruxas ou outros homens.
A partir daí, de acordo com a ordem que é apropriada,
tratarei também quanto a cura dos que foram considerados
enfeitiçados. Essa cura, no entanto, é muito diferente do que foi
observado até agora. Eu determino pela autoridade da Santa e
Sagrada Escritura, e pela força das razões, que existem curas ilícitas
inventadas pelo diabo para consolidar seu reinado. São as feitas

1 NT: Wierus começou a lançar as pistas para entender os efeitos


das “poções mágicas” como imposturas ou, nos piores casos, venenos.
2 NT: Para Wierus, o feiticeiro é versado na arte de fazer poções
danosas, enganosas ou não, conforme explicado na nota anterior. Tal
prática continuou muito comum na França. Entre 1670 e 1682 ocorreu
o famoso “Caso dos Venenos”, em Paris, que levou à condenação de
Madeleine de Brinvilliers e mais 35 pessoas, entretanto, quase todas
foram poupadas da pena de morte. Na época, não havia muita distinção
entre a composição farmacêutica de venenos e o uso de magia e
acreditava-se que as conjurações e fórmulas mágicas conferiam poder
aos venenos. Então, nesta obra, o leitor deve atentar para o contexto do
uso das palavras mago e feiticeiro. Mago é aquele dedicado à magia
cerimonial, enquanto feiticeiro era o dedicado à confecção mágica e
farmacêutica de tais venenos.
33
De Præstigiis Dæmonum, et Incantationibus ac Veneficiis

por conjurações proibidas1, por sigilos, por cordas2, pelo uso de

1 NT: Eram as conjurações feitas pelos magos cerimoniais.


De Plancy também relata os diversos tipos de conjuração em voga na
Europa da época de Wierus e pouco depois, separadas entre conjurações
de espíritos e demônios. Alguns exemplos, do verbete “Conjuração”:
“Conjuração universal para espíritos. ‘Eu (teu nome), conjuro-te, espírito
(nome do espírito chamado), em nome do grande Deus vivo, que apareças
em tal forma (forma indicada); caso contrário, São Miguel Arcanjo,
invisível, golpear-te-á no submundo mais profundo; Vem, então (nome
do espírito), vem, vem, vem, faz a minha vontade.’ ‘Conjuração de um
livro mágico. ‘Eu vos conjuro e ordeno, espíritos, todos e tantos quanto
sois, para que recebais este livro em boa parte, de modo que sempre que eu
ler este livro, ou lê-lo da forma aprovada e reconhecida em forma e valor,
que apareçais na bela forma humana conforme meu chamado, segundo
todas as circunstâncias da minha leitura. Vos convoco imediatamente
com minha conjuração, a fim de que executeis sem demora tudo o que
está escrito e mencionado neste livro: obedecereis, servireis, ensinareis,
dareis, fareis tudo o que estiver ao vosso alcance, conforme a necessidade
de quem ordena, tudo sem enganação. E se por acaso algum dos espíritos
chamados entre vós vier ou aparecer quando for necessário, ele será
obrigado a mandar os outros revestidos em seu poder, os quais jurarão
solenemente executar tudo o que o leitor perguntar, vos conjuro pelos
mais santos nomes do Deus Vivo Todo-Poderoso etc.’”. ‘Conjurando
demônios. — ‘Atenção, vinde todos, espíritos. Pela força e poder de seu rei,
e pelas sete coroas e cadeias de seus reis, todos os espíritos do submundo
são obrigados a aparecer para mim diante deste círculo, quando eu
chamá-los. Vinde ao meu comando para que façam tudo conforme seus
poderes, conforme ordenado; vinde do Oriente, do Centro, do Ocidente
e do Norte; Eu vos conjuro e ordeno, pela força e poder de Deus etc.”.
Percebe-se que as conjurações normalmente apelavam ao poder do Deus
bíblico para atrair e controlar as entidades evocadas.
2 NT: Provavelmente de origem árabe, a magia com o uso de
cordas é mencionadas em fontes antigas, como no próprio Alcorão, na
Sura Al-Falac: “Dize: Amparo-me no Senhor da Alvorada; Do mal de
quem por Ele foi criado. Do mal da tenebrosa noite, quando se estende.
Do mal das feiticeiras que sopram em nós.”. No comentário do Alcorão
feito por Al-Tustari (Tafsir Tustari), este importante sábio islâmico afirma:
““Do mal por quem por Ele foi criado”, isto é, dos males dos homens e
gênios, pois Labid Al-Yahudi (um judeu inimigo do Profeta) jogou no
poço de Banu Bayada um feitiço contra o Profeta (saws), um poço que
era muito utilizado por ele. Um dia, o feitiço atingiu o Profeta, que foi
34
De Præstigiis Dæmonum, et Incantationibus ac Veneficiis

colares ou de pergaminhos pendurados no pescoço, por anéis, por


símbolos, por imagens, e por todas as tolices infernais semelhantes.
O que eu sei sobre isto é que os espíritos dos homens
purgaram este lixo, como eram os estábulos de Aúgias, purgados
por Hércules, que recorreu às mesmas aflições que o diabo causa
até hoje1. Mas há também quem direcionou suas mãos aos céus,
fazendo uso dos remédios sagrados da medicina. Estes remédios
devem ser aplicados sem corrupção e com uma consciência pura,
e este foi o principal objetivo que sempre encontrei nesta obra.
Pois fui preso e encarcerado várias vezes por tais malefícios, o
que me fez buscar a criação deste remédio, uma obra de grande
importância. Eu estava miseravelmente atormentado por grandes
dores (Deus sabe) pela necessidade do que vi nas pobres, velhas
e tolas enganadas pelo diabo, que são vulgarmente chamadas de
bruxas, mas não cometeram nenhum delito em especial, diferente
daquelas ou daqueles que realmente trabalharam com feitiços. Essas
mulheres foram sempre e em toda parte, cruel e imprudentemente
presas e jogadas sem misericórdia em prisões obscuras e fétidas,
que são os retiros dos espíritos malignos e a morada dos demônios.

um tanto afetado. Allah enviou as suras para que ele buscasse seu refúgio
e o Anjo Gabriel o informou do feitiço. Ele enviou os companheiros ao
poço e eles retiraram uma corda cheia de nós de dentro dele e a levaram
ao Profeta (saws), que começou a desatar os nós e recitar os versos e
assim o Mensageiro foi curado, depois de recitar as duas suras. E depois
disso, Yahudi viu que nenhum feitiço passou a atingir mais o Profeta
e nem mais foi mencionado por ele.”. Mais tarde, esse tipo de feitiço
também aparece no “Shams El Maarif”, de Al Buni e é provável que as
mesmas práticas mencionadas pelo “Pequeno Alberto” também tenham
esta origem.
1 NT: Aúgias, rei de Élida e um dos argonautas. Dono de
um estábulo enorme, de gado imortal e divino, que produzia uma
quantidade enorme de esterco que nunca era limpo do estábulo. Hércules
foi encarregado de limpar em um de seus trabalhos, mas viu que era
impossível. Mas Hércules desviou o rio Alfeu e acabou limpando o
estábulo. Surpreso e atônito, Aúgias se recusou a pagar o combinado,
o que gerou uma guerra contra Hércules, que venceu através de uma
trapaça. Para Wierus, as artimanhas de Hércules durante a guerra,
quando os filhos de Áugias foram mortos em traições, foram trapaças
demoníacas.
35
De Præstigiis Dæmonum, et Incantationibus ac Veneficiis

E de lá foram retiradas para serem conduzidas aos executores,


caminhando direto para as chamas devoradoras das fogueiras.
Vendo também que nos prendemos às confissões próprias
destas velhas tolas e pobres, que nós não concebemos diferenças
suficientes entre as bruxas e os feiticeiros, entre os magos e os
profanadores, que sempre foram seriamente punidos pela lei
antiga usada até hoje sem qualquer impunidade1, pois é melhor do
que as outras leis.
Eu não tenho por todas estas razões e por causa do trabalho
realizado, salvo a exigência da minha consciência, acrescentado
muita coisa da minha própria opinião. Por esta razão, declaro que
o anexo2 deve ser tomado como um acessório ao restante do livro.
O que penso será encontrado nesta obra como um mero reflexo.
Eu dou minha opinião sobre o que diz respeito à punição dos
infames magos, que como Simão3 e Menandro4 entretinham tanto
a república romana como os discípulos de Jesus Cristo , e causavam
distúrbio entre a paz. Acrescentei a isso também o que me pareceu
que se deve observar na punição das bruxas, mulheres seduzidas
pelo diabo, um estado causado pelo tormento da doença chamada
melancolia, que não é uma heresia. Mulheres propensas as estas

1 NT: “A feiticeira não deixarás viver.” (Êxodo 22:18); “Entre


ti se não achará quem faça passar pelo fogo o seu filho ou a sua filha,
nem adivinhador, nem prognosticador, nem agoureiro, nem feiticeiro,
nem encantador de encantamentos, nem quem consulte um espírito
adivinhante, nem mágico, nem quem consulte os mortos, pois todo aquele
que faz tal coisa é abominação ao SENHOR; e por estas abominações o
SENHOR, teu Deus, as lança fora de diante de ti.” (Deuteronômio 18:9-
12).
2 NT: Ver o anexo final, “Da Pseudo-Hierarquia Demoníaca”.
3 NT: Simão Mago, mencionado em Ato dos Apóstolos 8.
Tentou comprar os dons do Espírito Santo, pois pensava que os milagres
dos apóstolos eram fruto de magia. Deu origem ao nome da prática
“simonismo” ou “heresia simoníaca”, que é a venda de sacramentos e
ordenações por padres e bispos. É dito que Simão também fazia milagres,
como voar.
4 NT: Não confundir com o autor de comédias Menandro. O
mencionado aqui foi um discípulo direto de Simão Mago.
36
De Præstigiis Dæmonum, et Incantationibus ac Veneficiis

doenças não têm mentes problemáticas, mas teimosas. Finalmente,


acrescentei a punição dos feiticeiros, originada na Lei de Moisés,
promulgada de acordo com a vontade de Deus. A lei de Moisés
foi traduzida para o grego pelos antigos setenta1, como as várias
traduções dessas palavras em hebraico explicam: “A feiticeira não
deixarás viver”, ou como diziam os hebreus, os envenenadores2.
Que os magistrados ou jurisconsultos não pensem que eu
quero impor minha lei a eles. Porque eu juro por Deus que essa
nunca foi minha intenção. Pelo contrário, eu me ofereço e submeto
que, por caridade, meu empreendimento é estudar e considerar
apenas com um olho puro e aberto pelas mentes das pessoas mais
prudentes do bem, ao invés daqueles que apenas dependem suas
próprias afeições, sem qualquer consideração racional, como se
uma opinião fosse racional apenas por estar enraizada no tempo.
Aqueles que reconhecem que fiz algo útil e lucrativo, simplesmente
interpretarão minha franca liberdade. Aqueles que pensam de
outra forma, perdoarão quem deseja só fazer o bem.
Porém, desejo que sem qualquer afeto, lidem com os
meus argumentos, pois foram eles que colaboraram com a redação
deste trabalho. Nós vamos seguir o conselho dos especuladores e
de Johannes Andr, em sua obra: Summistes, Hostiens. Gotsridus
Reinerius in Summ3. Sobre os feiticeiros, o que ele tratou, na
mesma obra, em: Canon in c.1 et 2. Ubi Alb. Post Iohan. Sobre
os feiticeiros da antiguidade, em: Alb. conf. 55. I volum. incip.

1 NT: A Septuaginta, tradução grega das escrituras hebraicas


feita por setenta sábios trancados em quartos separados a mando de
Alexandre, o Grande, para que a Torá fosse traduzida sem deturpação,
pois os hebreus não enxergavam com bons olhos o acesso dos gregos às
suas Escrituras.
2 NT: O trecho de Êxodo 22:18 foi traduzido na Vulgata como
“maleficos non patieris vivere” (a feiticeira não deixarás viver), usando
o termo “maleficos” como tradução para a expressão hebraica ‫הָ֖פֵּׁשַכְמ‬
‫׃הֶּֽיַחְת אֹ֥ל‬, isto é, “não tolerarás” uma “piel”, que significa literalmente
“adivinho”. Não há referência no texto hebraico para traduzir “piel”
como “envenenador” vem da Septuaginta, que traduziu piel como
“φαρμακους”, farmakos, isto é, quem usa poções em encantamentos.
3 NT: Livro raríssimo, não mais encontrado.
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De Præstigiis Dæmonum, et Incantationibus ac Veneficiis

Casius Talis, de Oldrad, consilio Illo 210. incip. Regularis : Uel


etiam recentiores post gl. in c. accusatus, §, de haeretic Initiis : E
do dicionário de Albert de Rosatis, no verbete sortilegiis; também
do dicionário de Boniface de Vitalin, em: In tractatu criminalium
: ou Matth. De Afflict. in constitution. Neapolit. De Malis et
moxiis medicamentis, Terceiro Tomo. Do mesmo autor: Auditor
eius Grillandus, também do Tomo 2 de Sylvestri Prieratis de
Strigomagis: super 3, senten.
O leitor imparcial e não afetado obviamente reconhecerá,
consultando essas obras, qual a base de seus autores. Quanto ao
resto, não é necessário que eu fale mais sobre o assunto e a matéria
tratada nesses livros, especialmente no que diz respeito à doutrina
da verdade, ao repouso da Igreja de Cristo e à utilidade para a sua
existência até o fim dos tempos. Minha vontade é tal que ela ainda
tem um trabalhado em mim, que não faço para ser reconhecido
ou elogiado por todos, mas sim para especialmente trazer novas
informações à luz que, até agora, tem sido desconhecidas ou bem
escondidas pela escuridão. Eu sei, no entanto, que era costumeiro
antigamente entre os gregos dizer essas coisas, como provérbios,
a homens que tinham feito coisas ruins, grandes e excelentes.
A natureza, dizia-se, é muito boa quando operada por um bom
trabalhador. Mas, de minha parte, dou a todos a liberdade de
julgar, como bem entenderem, o trabalho do artífice. Pois eu não
peço a censura de uma Momo1 ou dos antigos, isto é, dos tolos e
escarnecedores, nem de um Aristarco qualquer2 ou de Catão, o
Jovem3: não mereço isso4.

1 NT: A personificação deificada do sarcasmo e deboche, deusa


dos escritores e poetas. Com isto, Wierus ressalta que seu trabalho é
essencialmente científico e espiritual.
2 NT: Aristarco da Samotrácia (217 a.C. — 144 a.C.), crítico
rigoroso quanto à autenticidade da obra de Homero.
3 NT: Juiz de grande integridade moral, Marco Pórcio Catão
Uticense (95 a.C. — 46 a.C.), conhecido pelo rigor excessivo.
4 NT: Portanto, sua obra é uma investigação e também possui
suas próprias experiências pessoais no campo das batalhas espirituais. O
autor deseja salientar que não deseja o julgamento crítico, mas sim uma
compreensão daquilo que será desenvolvido no livro.
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De Præstigiis Dæmonum, et Incantationibus ac Veneficiis

Além disso, não estou apegado ao ruído comum, ao


favor popular ou a outros elogios. Tendo confiado na minha boa
consciência, com a qual me comprometi a aperfeiçoar esta obra,
chegará o dia em que o Senhor louvará quem for merecedor. E de
minha parte, terei cumprido suficientemente meus desejos, se a
glória do Senhor aumentar e a tirania de Satanás diminuir.

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De Præstigiis Dæmonum, et Incantationibus ac Veneficiis

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De Præstigiis Dæmonum, et Incantationibus ac Veneficiis

CAPÍTULO I

Sobre a Origem do Diabo nos tempos da Criação


Sobre a sua Essência e sua Queda

Tendo de explicar as imposturas e encantamentos dos


espíritos, preciso começar falando sobre o diabo, o mestre de
todos eles, bem como de sua sutileza, passatempos e poderes.
Conhecendo sua natureza, sua autoridade e seu mérito, poderemos
julgar seu trabalho com mais clareza. Ao entendê-lo com mais
precisão, seremos melhores e mais facilmente iluminados sobre
suas ações, o que nos permitirá julgá-lo com mais exatidão e mais
discernimento. Confiando na doutrina sagrada da religião cristã,
e pela veracidade da confissão de fé que não pode ser posta em
dúvida, começo rejeitando totalmente as opiniões de Aristóteles e
dos Peripatéticos1, que afirmaram que não há espíritos na natureza.
Da mesma forma, não podemos aprovar a distinção que faz Platão2,

1 NT: Os peripatéticos (aqueles que passeiam) eram os seguidores


de Aristóteles. Embora o conceito de daemon em Aristóteles fosse muito
diferente do conceito de “demônios” para os cristãos e, portanto, para
Wierus, apologetas e demonologistas cristãos continuaram considerando
os daemones como demônios. Aristóteles considerava o sucesso ou
insucesso de uma pessoa como fruto da relação pessoal com o daemon, o
que Wierus rejeita de forma categórica.
2 NT: Embora a questão do daemon fosse diferente entre Platão
e Aristóteles, Wierus não concorda com nenhuma das duas. Para Platão,
o daemon era uma força interior que dirigia as ações dos homens, para o
bem e para o mal.
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De Præstigiis Dæmonum, et Incantationibus ac Veneficiis

nem as opiniões de Porfírio1, Miguel Pselo2, Proclo3, de Plotino4


e de Jâmblico5, que falaram muito sobre os espíritos. No entanto,
tenhamos em mente que eles escreveram sobre este assunto muitas
coisas, supondo a veracidade de suas histórias, enquanto eles ainda
não as tinham experimentado, nem as conheciam devidamente.
Devemos, portanto, nos relacionar com a santa história de
Moisés, um legado da Divina Majestade e fiel escritor, com quem
Deus falou face à face6, como lemos nas Sagradas Escrituras.
Devemos acreditar, diz ele, que o Deus todo-poderoso, o
arquiteto do universo, construiu um mundo incorpóreo embelezado
com uma multidão de admiráveis ordens de espíritos, criadas para
servi-lo antes de aperfeiçoar o mundo conforme a ordem que
vemos hoje. Todos esses espíritos eram bons, como deveriam ser

1 NT: Porfírio de Tiro (234 a.C. — 309 a.C.), discípulo de Plotino


e grande nome do neoplatonismo, discorreu sobre os daemones em “De
Abstinentia”. Diz que é possível obter daemones favoráveis através do
sacrifício e sangue animais.
2 NT: Miguel Pselo, um grande caçador de bruxos, feiticeiros
e magos do Império Bizantino, também foi vítima da caça aos magos.
Quando tentou ser monge, foi acusado de heresia e bruxaria, por ser
muito inclinado ao neoplatonismo.
3 NT: Proclo Lício (412 — 485), neoplatonista. Proclo analisou a
questão do daemon de Sócrates, principalmente nos diálogos platônicos,
tinha o daemon como algo separado da alma, mas como sua fonte de
energia.
4 NT: Plotino (205 — 270) analisa os daemones em “Enéadas -
III” e coloca o daemon como a parte mais elevada da alma.
5 NT: Jâmblico (245 – 335), discípulo de Porfírio. Para Jâmblico,
os daemones eram espécies de elementos “físicos”, mas de natureza física
mais sutil, dos deuses. Desta forma, também eram sujeitos aos humores.
6 “E, vendo o SENHOR que se virava para lá a ver, bradou Deus
a ele do meio da sarça e disse: Moisés! Moisés! E ele disse: Eis-me aqui.
E disse: Não te chegues para cá; tira os teus sapatos de teus pés; porque o
lugar em que tu estás é terra santa. Disse mais: Eu sou o Deus de teu pai,
o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó. E Moisés encobriu
o seu rosto, porque temeu olhar para Deus.” (Êxodo 3:4-6).
42
De Præstigiis Dæmonum, et Incantationibus ac Veneficiis

todas as coisas criadas pelo Sumo Bem. Eles entendiam a natureza.


No entanto, eles não tinham corpo, ainda que suas essências não
se assemelhassem à natureza divina, pois eram coisas criadas. Deus
era conhecido e adorado por eles da maneira que Ele queria e
ordenou, de acordo com a bondade eterna promulgada por Ele. Em
troca, Ele dotou estas criaturas espirituais com uma inteligência
excepcional, uma boa compreensão e um claro conhecimento
de Sua justiça eterna e imutável, bem como com parte da visão
luminosa de Sua sabedoria eterna. Mas, aconteceu que alguns deles
pensaram que poderiam se gabar, ascendendo por Suas próprias
vontades, abusando das graças que foram dotados. Eles pensaram
que eram como Deus, negligenciaram sua origem, abandonaram
seu mundo, tornando-se pecadores. A ira de Deus removeu-os do
número de seus ministros, expulsou-os, precipitou-os e condenou-
os à prisão eterna das trevas até o dia de seu Grande Julgamento.
A profecia de Isaías1 relata o orgulho de alguns desses

1 “Visão de Isaías, filho de Amós, que ele teve a respeito de Judá


e Jerusalém, nos dias de Uzias, Jotão, Acaz, e Ezequias, reis de Judá.
Ouvi, ó céus, e dá ouvidos, tu, ó terra; porque o Senhor tem falado: Criei
filhos, e engrandeci-os; mas eles se rebelaram contra mim. O boi conhece
o seu possuidor, e o jumento a manjedoura do seu dono; mas Israel não
tem conhecimento, o meu povo não entende. Ai, nação pecadora, povo
carregado de iniquidade, descendência de malfeitores, filhos corruptores;
deixaram ao Senhor, blasfemaram o Santo de Israel, voltaram para trás. Por
que seríeis ainda castigados, se mais vos rebelaríeis? Toda a cabeça está
enferma e todo o coração fraco. Desde a planta do pé até a cabeça não há
nele coisa sã, senão feridas, e inchaços, e chagas podres não espremidas,
nem ligadas, nem amolecidas com óleo. A vossa terra está assolada, as
vossas cidades estão abrasadas pelo fogo; a vossa terra os estranhos a
devoram em vossa presença; e está como devastada, numa subversão de
estranhos. E a filha de Sião é deixada como a cabana na vinha, como a
choupana no pepinal, como uma cidade sitiada. Se o Senhor dos Exércitos
não nos tivesse deixado algum remanescente, já como Sodoma seríamos,
e semelhantes a Gomorra. Ouvi a palavra do Senhor, vós poderosos de
Sodoma; dai ouvidos à lei do nosso Deus, ó povo de Gomorra. De que me
serve a mim a multidão de vossos sacrifícios, diz o Senhor? Já estou farto
dos holocaustos de carneiros, e da gordura de animais cevados; nem me
agrado de sangue de bezerros, nem de cordeiros, nem de bodes. Quando
vindes para comparecer perante mim, quem requereu isto de vossas
mãos, que viésseis a pisar os meus átrios? Não continueis a trazer ofertas
43
De Præstigiis Dæmonum, et Incantationibus ac Veneficiis

demônios e a queda profunda do rei da Babilônia, a quem o Profeta


chama de Lúcifer1. Este é o grande dragão que foi precipitado
no inferno com seus anjos. É a antiga serpente chamada diabo
ou Satanás, como diz São João2. Esta é a serpente tortuosa de
Isaías3. Agora, não só os nossos teólogos e os hebreus nos mostram

vãs; o incenso é para mim abominação, e as luas novas, e os sábados, e a


convocação das assembleias; não posso suportar iniquidade, nem mesmo
a reunião solene. As vossas luas novas, e as vossas solenidades, a minha
alma as odeia; já me são pesadas; já estou cansado de as sofrer. Por isso,
quando estendeis as vossas mãos, escondo de vós os meus olhos; e ainda
que multipliqueis as vossas orações, não as ouvirei, porque as vossas
mãos estão cheias de sangue. Lavai-vos, purificai-vos, tirai a maldade
de vossos atos de diante dos meus olhos; cessai de fazer mal. Aprendei
a fazer bem; procurai o que é justo; ajudai o oprimido; fazei justiça ao
órfão; tratai da causa das viúvas. Vinde então, e argui-me, diz o Senhor:
ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata, eles se tornarão
brancos como a neve; ainda que sejam vermelhos como o carmesim,
se tornarão como a branca lã. Se quiserdes, e obedecerdes, comereis o
bem desta terra. Mas se recusardes, e fordes rebeldes, sereis devorados à
espada; porque a boca do Senhor o disse.” (Isaías 1:20).
1 “Como caíste desde o céu, ó Lúcifer, filho da alva! Como foste
cortado por terra, tu que debilitavas as nações! E tu dizias no teu coração:
Eu subirei ao céu, acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono, e no
monte da congregação me assentarei, aos lados do norte. Subirei sobre
as alturas das nuvens, e serei semelhante ao Altíssimo. E contudo levado
serás ao inferno, ao mais profundo do abismo.” (Isaías 14:12-15).
2 “E houve batalha no céu; Miguel e os seus anjos batalhavam
contra o dragão, e batalhavam o dragão e os seus anjos; Mas não
prevaleceram, nem mais o seu lugar se achou nos céus. E foi precipitado
o grande dragão, a antiga serpente, chamada o Diabo, e Satanás, que
engana todo o mundo; ele foi precipitado na terra, e os seus anjos foram
lançados com ele.” (Apocalipse 12:7-9).
3 “Naquele dia o SENHOR castigará com a sua dura espada,
grande e forte, o Leviatã, serpente veloz, e o Leviatã, a serpente tortuosa,
e matará o dragão, que está no mar.” (Isaías 27:1).
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De Præstigiis Dæmonum, et Incantationibus ac Veneficiis

esta queda, mas os assírios1, os árabes2, os egípcios3 e os gregos


confirmam isso em seus escritos. Ferécides de Siro4 descreve a queda
dos espíritos e declara que Ofionéia5 é a serpente demoníaca, e foi
a líder e mestra do exército rebelde que desobedeceu aos decretos
da inteligência divina. Hermes Trismegisto descreve esta mesma
queda em seu Pimandro6. Plutarco, em seu “Tratado sobre a
Usura”, mostra-nos como Empédocles, o Velho, conhecia a história
de uma queda dos espíritos, que foram chamados por ele como
“caídos dos céus”. Esses espíritos, que antes eram divinos, celestes,
puros, cheios de luz, inocentes de todo mal, e que observavam
a vontade de um só Deus e serviam como ministros aos futuros
herdeiros da salvação, perderam suas essências angelicais. Eles,
infeliz e cruelmente, falharam, foram privados pelos seus pecados
da luz da graça. De modo que eles são agora considerados como
espíritos do ar, fora do mundo, escuros e tenebrosos. Em suma: se
tornaram impuros e malignos. E por terem retido algo da luz da

1 NT: Arimã, deus das pestes, trovões, calamidades, causador da


morte no mundo, rival de Aúra-Masda. É representado por uma serpente.
2 NT: No Alcorão, Satanás é mencionado como Shaitan ou Íblis,
sempre como adversário da humanidade. V.g: “Ó humanos, desfrutai de
todo o lícito e do que a terra contém de salutar e não sigais os passos
de Satanás, porque é vosso inimigo declarado.” (2:163); “Satanás vos
atemoriza com a miséria e vos induz à obscenidade; por outro lado, Deus
vos promete a Sua indulgência e a Sua graça, porque é Munificente,
Sapientíssimo.” (2:268).
3 NT: Os titãs foram várias vezes representados com falos de
serpente.
4 NT: Pré-socrático (660 a.C.-550 a.C), como todo pré-socrático,
a cosmologia e o início do mundo era sua principal ocupação. Escreveu
o Pentεντέμυχος (“Os Cinco Recessos”), obra detalhada sobre uma
cosmologia muito complexa.
5 NT: Ofionéia é mencionada na obra “Os Cinco Recessos”, a
serpente entrou com seu exército numa batalha contra Saturno, acabou
derrotada e confinada no oceano com seus asseclas.
6 NT: Nos capítulos II e III do Pimandro, é narrada a história da
queda do mundo, através de uma falsificação de deuses inferiores, que
enganaram os homens.
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De Præstigiis Dæmonum, et Incantationibus ac Veneficiis

inteligência natural, eles sofrem a dor de suas culpas, infinitamente


mais dolorosas do que aquela que aguarda a raça humana em sua
transgressão. Isto é o que acontece quando a luz da Sabedoria
Divina é obscurecida. Então, é verdade que se o homem tivesse
retido os raios da Suprema Sabedoria que Deus havia acendido em
nossos primeiros pais, certamente hoje veríamos mais claramente.
Ele poderia discernir com mais confiança, pela fala sutil de seu
entendimento, várias coisas que ele vê apenas através do olho
escurecido de seu pensamento, como se estivesse olhando para o
sol através de uma nuvem espessa, ou através de nuvens negras,
quando cobrem o ar.

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De Præstigiis Dæmonum, et Incantationibus ac Veneficiis

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dia 06/11/2019 às 23h59m59s!

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