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Joel
Não tenho receio algum em começar esta breve comunicação afirmando que só seremos
efetivamente fiéis ao espírito de Aparecida na medida em que formos capazes de acolher a questão
urbana dentro da nossa ação evangelizadora. O motivo é simples e bastante conhecido nosso: o
Brasil e a América Latina-Caribe (para ficar no ambiente mais próximo a nós) estão se tornando
cada vez mais urbanos. Recordo as observações feitas pela Síntese das Contribuições a Aparecida,
em especial no número 68, quando lembrava que mais de 70% da população do continente vive em
ambientes urbanos. Nossa experiência pastoral nos diz que também os outros 30% estão de algum
modo atingidos pela realidade urbana, notadamente em virtude dos amplos vínculos que, num
ambiente globalizado (de novo Aparecida, cap. 2) se vão construindo entre as regiões nitidamente
urbanas e as que consideramos rurais. Pensando ainda na força dos meios de comunicação,
podemos afirmar – repito – o caráter urgente e inevitável do que costumamos chamar de Pastoral
Urbana.
O conceito
O problema deste tipo de conceituação é o reducionismo, já indicado por mim logo no início
desta comunicação, reducionismo no sentido de identificar os dois conceitos, urbano e cidade, e, o
que é mais grave, excluir da preocupação urbana todas as regiões que não estão mais diretamente
ligadas às cidades, às grandes cidades.
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espalhando por todas as regiões, até mesmo onde, à primeira vista, poderíamos dizer que o urbano
nunca teria passado lá.
Neste sentido, o enfoque sociocultural se articula bem com a teologia na medida em que,
para citar a Evangellii Nuntiandi, evangelizar significa:
A resposta a esta questão não é tão simples quanto a comunicação que agora faço. Os
estudiosos do assunto se debruçam em explicações, implicações e leituras de uma realidade que é
complexa, multifacetada e dinâmica. A cidade é fonte de violência; a cidade tem bolsões de
pobreza. Estas são as afirmações mais comuns e as mais estudadas. Inúmeros são os institutos de
pesquisa sobre violência urbana, sobre exclusão social, sobre ocupação do solo urbano e, mais
recentemente, sobre a revitalização dos centros históricos, em muitas cidades bastante degradados.
A nós importa, todavia, compreender que o mundo urbano, seja em que nível de incidência
for, apresenta uma conceituação específica de espaço, de tempo, de ser humano, de relações sociais
e, por certo, de religião. Não estamos falando, portanto, de aspectos periféricos, circunstanciais.
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Estamos falando de questões centrais, base para todo o restante. E compreender os conteúdos que
são dados a estas noções fundamentais é uma das primeiras tarefas da ação evangelizadora nos
ambientes urbanos.
Esta compreensão se torna vital pelo simples fato de que podemos estar fazendo pastoral em
ambientes marcados pela urbanização, mas tomando como base pressupostos pré-urbanos. Ao
fazermos determinadas afirmações, podemos considerá-las como tranqüilamente aceitas.
Equivocamo-nos, contudo, ao nos esquecermos de que os pressupostos de compreensão já são
outros. Podemos, então, não estar mais respondendo às perguntas que o homem e a mulher urbanos
estão fazendo. Podemos estar respondendo a perguntas que nem estão mais sendo feitas.
Quanto mais urbano um ambiente vai se tornando mais, com licença de outra palavra,
centrífugo ele é. O movimento é exatamente o oposto. Já não há mais um centro, nem mesmo
geográfico. Basta ver, em nossas grandes cidades, os inúmeros centros de referência, os bairros
maiores, alguns até com subprefeituras ou similares. No urbano, plural e centrífugo, os limites de
espaço se quebram: vive-se num local, trabalha-se em outro, estuda-se em outro, tem-se vida social
em outro e assim por diante. Os ritmos de tempo se rompem. O sol pode se por e isso não é
empecilho para que a vida urbana continue a acontecer. A religião, aí estamos nós, já não é mais a
única, nem muito menos o centro da vida. Assim podemos compreender os diversos fenômenos
religiosos característicos principalmente das grandes cidades, mas – repito – exportados,
transplantados, transculturados para cidades pequenas e ambientes rurais.
Nos ambientes pré-urbanos, na medida em que tudo tende a convergir para o centro
(centrípeto), o socioculturalmente lógico é a pertença à religião de todos ou, pelo menos, da
maioria. Quanto mais urbano for um ambiente, a tendência passa a ser exatamente oposta.
Pluralidade, diversidade, individualidade e mobilidade levam a querer não mais aceitar o que é
transmitido, porque vivido pelas gerações anteriores, mas a escolher, mesmo que as escolhas sejam
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as mais estranhas. Eu não tenho medo de dizer que, para o mundo urbano, escolher é um verbo
intransitivo. É preciso sempre fazer escolhas (imperativo herético).
Os efeitos desta atitude que dá primazia à escolha são muitos. Lembro-me apenas de alguns
exemplos mais comuns, tirados de nosso cotidiano pastoral. Quem já não esbarrou em problemas
de jurisdição paroquial, com pessoas que residindo na área de uma paróquia atravessa não sei
quantos quilômetros para chegar onde deseja, onde escolheu? Por que certas adesões a grupos que
ferem o mínimo do bom senso? Por que gente de nossas comunidades subitamente desaparece,
voltando algum tempo depois para dizer que encontrou Jesus numa dessas empresas de estelionato
religioso? Pensando na Campanha da Fraternidade de 2008 e toda a questão da vida,
compreendemos como o urbano é terreno fertilíssimo para a hiper-afirmação do direito de escolha,
do direito sobre o próprio corpo. Nós nem nos assustamos mais quando ouvimos um casal dizer que
não vai dar educação religiosa para os filhos, porque eles é que devem escolher quando ficarem
adultos.
Estes são apenas alguns exemplos. Os senhores conhecem bem melhor esta realidade e
podem completar a lista. Para mim, interessa chamar a atenção para um ponto ao qual Aparecida se
referiu não nos itens diretamente ligados à Pastoral Urbana: o número 39. Aparecida afirma que
“nossas tradições culturais já não se transmitem de uma geração à outra com a mesma fluidez que
no passado. Isso afeta, inclusive, esse núcleo mais profundo de cada cultura, constituído pela
experiência religiosa, ... alcançando inclusive a própria família que, como lugar do diálogo e da
solidariedade inter-geracional, havia sido um dos veículos mais importantes da transmissão da fé”.
O problema central da Pastoral Urbana hoje – não o único! – porém o que exige de nós
atenção mais urgente é o da transmissão da fé. Assim como, no início desta comunicação, eu dizia
não temer afirmar que só seremos efetivamente fiéis ao espírito de Aparecida na medida em que
formos capazes de acolher a questão urbana dentro da nossa ação evangelizadora, também agora
afirmo que só seremos capazes de assumir os ambientes urbanos se formos efetivamente
missionários. O movimento urbano, lembremo-nos, é centrífugo. Nossa ação evangelizadora deve
também trilhar os mesmos passos.
Alguns estudos dizem que o crente dos ambientes urbanos de nossos dias é o peregrino. É o
nômade. Outros vão chamá-lo de pirata: navega, pega o que quer de cada porto e volta para o mar.
O fascínio do pirata não está no que lhe contam os outros navegadores, mas na possibilidade de, ele
mesmo, encontrar o tesouro, recolher e continuar navegando. Por isso, uma Igreja urgentemente
navegando com os piratas, uma Igreja em ininterrupto estado de missão.
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Mas uma missão que tem um rosto. Este rosto, nós sabemos, é Jesus Cristo (DA 41, outra
pérola de Aparecida, a meu ver) e o encontro com Jesus Cristo vai, por sua vez, exigir a
reconfiguração de muitas de nossas estruturas pastorais.
Não tanto uma pastoral centrípeta, com um prédio para onde tudo converge, mas uma
pastoral centrífuga, com missionários, redes de comunidades, comunidades estas das mais variadas
formas e estilos. A diversidade faz parte do horizonte cultural urbano.
Não tanto uma pastoral que vá diretamente às conseqüências existenciais da fé, como é o
caso da moral e dos sacramentos, mas que, sem descuidar da moral e dos sacramentos, invista
fortemente na experiência primeira, a da adesão a Jesus Cristo. Daí a recuperação da iniciação
cristã de adultos (redescoberta do RICA, 2ª Semana Brasileira de Catequese, Ano Catequético,
Ano Paulino ....).
Não tanto uma pastoral presa aos rígidos limites da imobilidade territorial, mas uma pastoral
rica de espaços e momentos onde as pessoas tenham a chance de experimentar a grandeza da fé em
Jesus Cristo vivida na comunidade dos discípulos. Os ambientes urbanos são terreno fértil para os
chamados centros culturais, para as agregações trans ou supra espaciais (SD 58).
Enfim, uma igreja com rosto urbano é uma igreja com rosto missionário.
É claro que a missionariedade não é a única exigência de uma Igreja em ambiente urbano.
Ela é, a meu ver, uma das mais urgentes. Brotam ainda exigências, ;por exemplo, no sentido da
solidariedade, com uma Igreja presente lá onde as pessoas estão sofrendo mais (GS), uma Igreja
sempre apta a dizer uma palavra e a tomar atitudes diante das grandes questões da vida urbana
(dengue, milícias).
Uma Igreja diversificada, com distintas formas de participação (muitas portas!), que, se
concretizando em paróquias, em redes de comunidades, em movimentos e demais associações.
Uma Igreja que vai se fazendo diversificada e presente nestes ambientes em ebulição, em
dinamicidade.
c) Fórum de partilha destas mesmas experiências e dos resultados dos estudos acima
mencionados.
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