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Teses sobre revolução e contra-revolução1[1]

 
26 de Novembro de 1926
 
 
1. As revoluções historicamente têm sido sempre seguidas por contra-revoluções. As
contra-revoluções sempre têm feito a sociedade retroceder, mas nunca tão longe para
chegar ao ponto inicial da revolução. A sucessão de revoluções e contra-revoluções é
produto de certos aspectos fundamentais no mecanismo da sociedade de classes, a única na
qual as revoluções e as contra-revoluções são possíveis.
2. A revolução é impossível sem a participação das massas em grande escala. Esta
participação se torna possível, por sua vez, somente se as massas oprimidas ligam sua
esperança de um futuro melhor à idéia da revolução. Nesse sentido as esperanças
desencadeadas pela revolução são sempre exageradas. Isso por conta da mecânica de
classes, a terrível penúria da esmagadora maioria das massas, a objetiva necessidade de
concentrar a maior esperança e esforço com o fim de assegurar o mais modesto progresso, e
assim sucessivamente.
3. Porém, destas mesmas condições surge um dos mais importantes – e além do mais,
um dos mais comuns - elementos da contra-revolução. As conquistas obtidas na luta não se
correspondem, e na natureza das coisas não podem diretamente se corresponder, às
expectativas das massas atrasadas que têm acordado para a vida política pela primeira vez
em grande número no curso da revolução. A desilusão destas massas, seu retorno à rotina e
a futilidade, é parte integrante do período pós- revolucionário tanto como a passagem ao
campo da “lei e da ordem” daquelas classes ou setores de classe “satisfeitos”, que haviam
participado na revolução.
4. Estreitamente ligado a estes processos, processos paralelos de um caráter diferente, e
em grande medida oposto, têm lugar no campo das classes dominantes. O despertar das
massas atrasadas rompe o equilíbrio habitual das classes dominantes, privando-as não
somente de seu apoio direto, como também de sua confiança, e deste modo permite à
revolução apoderar-se de muito mais do que mais tarde será capaz de manter.
5. A desilusão de um setor considerável das massas oprimidas com os benefícios
imediatos da revolução e – diretamente ligado a isto – o declínio da energia política e da
atividade da classe revolucionária desencadeia um ressurgimento da confiança entre as
classes contra-revolucionárias, tanto entre aqueles derrotados pela revolução mas não
completamente aniquilados como entre aqueles que ajudaram a revolução num certo
momento, mas foram jogados ao campo da contra-revolução pelo devir da revolução.
6. Partindo da esquemática síntese exposta acima, que mais ou menos reflete a mecânica
de todas revoluções precedentes, vamos tratar de examinar como estas questões se aplicam
mais concretamente às circunstâncias da primeira revolução proletária triunfante, que está
próxima de seu décimo aniversário.

1[1]
Extratos deste artigo foram publicados na Fourth International, outubro de 1941, em uma tradução de
John G. Wright. Os pontos 6-20 e 28, assim como algumas frases ao longo do texto que foram omitidos da
versão de 1941, foram traduzidos do russo por George Saunders, com a autorização da Library of Social
History. A tradução completa do artigo do inglês ao espanhol é inédita para esta edição. Tirada da versão
publicada em The Challenge of the Left Opposition (1926-27), Leon Trotsky, Ed. Pathfinder Press, EUA,
1980, p. 165. [Nota da edição do CEIP “León Trotsky”, La teoría de la revolución permanente - compilación,
Buenos Aires, 2005. Tradução para o português especial para o curso realizado pela LER-QI em janeiro-
fevereiro de 2010].
O efeito da guerra imperialista, por um lado, e a combinação da revolução agrária
pequeno-burguesa com a tomada do poder pelo proletariado, por outro, arrastaram as
massas à luta revolucionária em uma escala nunca vista ou escutada antes. E devido a isso,
impuseram uma extensão sem precedentes à mesma revolução.
7. Devido ao alcance da revolução e de sua direção, caracterizada por uma resolução
única na história, as velhas classes e instituições dominantes de ambas as formações sócio-
econômicas – a pré-capitalista e a capitalista (a monarquia com sua burocracia, a nobreza, e
a burguesia) – sofreram uma derrota política total, que demonstrou ser mais radical e
duradoura em suas conseqüências do que nunca, por causa do fato de as velhas classes
dominantes, dirigidas pelo imperialismo estrangeiro, lutarem durante vários anos para
derrubar a ditadura do proletariado mediante a força armada.
8. O fato de que as velhas classes dominantes tenham sido destruídas tão completamente
é uma das garantias contra o perigo da restauração, mas o poder e a importância desta
garantia só podem ser corretamente estimados em conjunção com outras circunstâncias não
menos importantes.
9. A garantia mais importante contra uma restauração da monarquia e dos latifundiários
é o interesse material direto que a maioria dos camponeses tem em manter em seu poder as
antigas grandes estâncias. A idéia de Miliukov de uma restauração puramente burguesa-
republicana tem o objetivo de neutralizar politicamente o campesinato e conquistar o apoio
de suas camadas superiores (através de um bloco com os SRs) para o bando da restauração.
10. Não há nenhuma dúvida de que durante o período 1918-20 o proletariado conseguiu
se manter no poder – e com isso manteve a nacionalização das plantas e fábricas- somente
porque o campesinato estava nesse momento lutando para manter em suas mãos a terra
tomada por esses mesmos inimigos. Esta luta para manter as fábricas e as plantas
nacionalizadas diz respeito de modo muito menos direto aos camponeses, os quais até este
momento têm sido abastecidos com produtos industriais a preços mais altos do que os
existentes sob o regime da burguesia.
11. Isto estava na base da própria avaliação que Lênin escreveu em 1922:

Concluímos a revolução democrático-burguesa completamente, muito mais do que nunca se


havia feito em nenhum outro lugar do mundo. Isto é um grande triunfo e não há poder na
Terra capaz de nos privar disso... Criamos um modelo soviético de Estado e por isso
anunciamos uma nova era na história do mundo, a era da dominação política do proletariado,
que superará a era da dominação da burguesia. Ninguém pode nos privar disto, mesmo
considerando que o modelo soviético de Estado só receberá o toque final com a ajuda da
experiência prática da classe trabalhadora de muitos países.
Porém não finalizamos a construção nem sequer dos cimentos da economia socialista, e as
potências hostis do capitalismo moribundo ainda podem nos privar disto. (Obras escolhidas,
vol. 33).

12. A questão do campesinato – na medida em que nossa revolução permanece isolada -


continuará sendo, como antes, a questão central para o proletariado em todas as etapas. A
vitória da revolução e o alcance desta vitória estiveram determinados pela combinação da
revolução proletária com uma “guerra camponesa”. O perigo da restauração (contra-
revolução) depende da possibilidade de o campesinato ser separado do proletariado pela
falta de um interesse direto em preservar o regime socialista na indústria, o regime de
cooperativas no terreno do comércio etc. Como se disse, por esta mesma razão a
restauração burguesa-republicana de Miliukov procura apresentar a si mesma como um tipo
diferente de restauração, distinta da monárquico-latifundiária, para facilitar a separação do
campesinato do proletariado.
13. O campesinato é uma classe pré-capitalista (uma herança social do passado). Sob o
capitalismo se transforma em produtora de mercadorias em pequena escala, uma pequena-
burguesia agrária. O comunismo de guerra provocou o estrangulamento das tendências
pequeno-burguesas da economia camponesa. A NEP reviveu as tendências contraditórias
pequeno-burguesas entre o campesinato, com a consequente possibilidade de uma
restauração capitalista.
14. A relação entre os preços de agricultura e os da indústria (as “tesouras”) provariam
ser um fator decisivo na questão da atitude do campesinato em relação ao capitalismo e ao
socialismo. A exportação de produtos agrícolas submete as “tesouras” internas à influência
contra-restante do mercado mundial.
15. Os camponeses, tendo vivido seus esforços econômicos como produtores de
mercadorias privadas que compram e vendem, recriaram inevitavelmente os elementos da
restauração capitalista. A base econômica para estes elementos é o interesse material dos
camponeses em obter altos preços para os grãos e baixos preços para os produtos
industriais.
Os elementos políticos da restauração são recriados através do capital comercial, que
restabelece as conexões entre o campesinato disperso e fragmentado, por um lado, e entre o
campo e a cidade, por outro. Com os estratos superiores das aldeias atuando como
intermediários, o comerciante organiza uma greve contra a cidade. Isso se aplica em
primeiro lugar, naturalmente, ao capital comercial privado, porém em grande medida
também se aplica ao capital comercial cooperativo, com seu pessoal, que tem muita
experiência no comércio e uma inclinação natural em favor dos kulaks.
16. A importância econômica e política imediata da burguesia e dos latifundiários
emigrados, do ponto de vista da restauração, por si só, mal é digna de menção. Somente se
a economia interna e os processos políticos que indicamos adquirem “maturidade” contra-
revolucionária poderia se estabelecer um nexo direto com os emigrados, especialmente a
transformação dos emigrados em agentes e servos do capital estrangeiro.
17. Entre os processos econômicos e as suas expressões políticas às vezes mediam
muitos anos. Os anos por vir serão muito difíceis precisamente porque os êxitos do período
de reconstrução nos incorporaram ao sistema do mercado mundial e, por esse mesmo fato -
e através da experiência cotidiana dos camponeses-, revelaram o atraso extremo de nossa
indústria. Podemos atravessar este difícil período somente sobre a base da maior solidez
possível dentro do proletariado, de seu ativismo político, e da capacidade do partido
proletário de manobrar decisivamente, questão para a qual a absoluta concentração da
ditadura em suas mãos é necessária.
18. A vida da classe operária se centra ao redor da experiência do período de
reconstrução. As fileiras do proletariado têm sido reanimadas e engrossadas. Sua faixa
etária tem ascendido substancialmente em comparação com os primeiros cinco anos da
revolução.
A nova etapa, visível somente em linhas gerais, que ameaça aumentar o papel político e
econômico dos elementos não proletários na sociedade, não tem penetrado ainda na
consciência das massas proletárias.
19. O maior perigo do regime do partido é precisamente que ignora os perigos de classe,
passa por cima deles, e combate qualquer tentativa de chamar a atenção sobre eles. Deste
modo adormece a vigilância e reduz a disposição de combate do proletariado.
20. Seria errôneo ignorar o fato de o proletariado ser hoje consideravelmente menos
receptivo às perspectivas revolucionárias e às amplas generalizações do que durante a
Revolução de Outubro e os anos que a seguiram. O partido revolucionário não pode se
adaptar passivamente a todas as mudanças no estado de ânimo das massas. Mas este
também não deve ignorar as alterações produzidas por causas históricas profundas.
21. A Revolução de Outubro, em uma medida maior que nenhuma outra na história,
despertou as maiores esperanças e as maiores paixões das massas, sobretudo das massas
proletárias. Após os imensos sofrimentos de 1917/1921, as massas proletárias têm
melhorado consideravelmente sua sorte. Elas apreciam seu progresso, e abrigam a
esperança de desenvolvê-lo ainda mais. Mas ao mesmo tempo sua experiência lhes mostrou
o caráter extremamente gradual desta melhoria, que somente agora lhes devolveu o nível de
vida que possuíam antes da guerra. Esta experiência é de incalculável importância para as
massas, especialmente para a velha geração. Elas se tornaram mais cautelosas, mais céticas,
menos receptivas às consignas revolucionárias, menos inclinadas a depositar confiança em
amplas generalizações. Este estado de ânimo, que se desenvolveu depois da penosa
experiência da guerra civil e depois dos êxitos alcançados pela reconstrução econômica, e
que não foi ainda dissipado pelas novas mudanças das forças de classe, este estado de
ânimo constitui o pano de fundo político básico da vida do partido. Este é o estado de
ânimo sobre o qual o burocratismo – como elemento de “lei e ordem” e de “calma”- se
apoia. A tentativa da Oposição de colocar os novos problemas frente ao partido se choca
precisamente com este estado de ânimo.
22. A velha geração da classe trabalhadora, que fez duas revoluções, ou fez a última,
começando em 1917, está sofrendo de esgotamento nervoso, e uma porção substancial
deles teme qualquer nova convulsão, com sua perspectiva concomitante de guerra,
destruição, epidemias e tudo o mais.
A teoria da revolução permanente está sendo transformada em um espantalho
precisamente com o propósito de explorar a psicologia deste setor substancial dos
trabalhadores, que não são em absoluto arrivistas, mas que engordaram, têm família. A
versão da teoria que está sendo utilizada para isso não está, obviamente, relacionada em
absoluta com as velhas disputas, já há muito tempo relegadas aos arquivos, mas
simplesmente agita o fantasma de novos desastres, “invasões” heróicas, a perturbação da
“lei e da ordem”, uma ameaça para os êxitos do período de reconstrução, um novo período
de grandes esforços e sacrifícios. Fazer um espantalho da revolução permanente é, em
essência, especular sobre o estado de ânimo daqueles trabalhadores, incluindo os membros
do partido, que se tornaram auto-satisfeitos, engordaram, e são semi-conservadores.
23. A discussão sobre a “estabilização” tem exatamente o mesmo significado. O que esta
implica não é uma avaliação realista das mudanças na curva do desenvolvimento
capitalista, mas sim uma tentativa de aterrorizar as pessoas com a perspectiva de novos
desastres. Hoje a revolução permanente e nossa suposta “negação” da estabilização
representam duas caras da mesma moeda. Tanto em um caso como no outro, se trata de dar
uma forma explicitamente conservadora, que está diretamente contra toda perspectiva
revolucionária, aos estados de ânimo filisteus e amorfos.
24. A jovem geração, que está amadurecendo somente agora, carece de experiência na
luta de classes e da têmpera revolucionária necessária. Não explora por si mesma, como fez
a geração anterior, porém fica imediatamente envolvida pelo ambiente das mais poderosas
instituições do governo e do partido, pela tradição do partido, a autoridade, a disciplina etc.
No momento isto dificulta que a jovem geração cumpra um papel independente. A questão
da correta orientação da jovem geração do partido e da classe trabalhadora adquire uma
importância colossal.
25. Paralelamente com os processos acima mencionados, teve lugar um aumento
extremo do papel exercido no partido e no aparato do Estado pela categoria especial dos
velhos bolcheviques, que eram membros ou trabalharam ativamente no partido durante o
período de 1905; que depois, no período da reação, deixaram o partido, se adaptaram ao
regime burguês e ocuparam postos mais ou menos destacados no mesmo; que eram
defensistas, como toda a intelligentsia burguesa; e que, junto com esta última, foram
impulsionados adiante na Revolução de Fevereiro (com a qual nem sequer sonhavam ao
princípio da guerra); que foram ferrenhos oponentes do programa leninista e da Revolução
de Outubro; porém que retornaram ao partido depois que a vitória esteve assegurada ou
depois da estabilização do novo regime, na época em que a intelligentsia burguesa deteve
sua sabotagem. Estes elementos, que se reconciliaram mais ou menos com o regime
czarista depois de seu golpe contra-revolucionário em 13 de Junho de 1907, por sua própria
natureza não podem ser mais que elementos de tipo conservador. Estão a favor da
estabilização em geral e contra a oposição em geral. A educação da juventude do partido
está na sua maior parte em suas mãos.
Tal é a combinação de circunstâncias que no período recente do desenvolvimento do
partido determinou a reorganização da direção do partido e o deslocamento da política do
partido para a direita.
26. A adoção oficial da “teoria da revolução em um só país” significa a ratificação
teórica destas mudanças que já ocorreram e é a primeira ruptura aberta com a tradição
marxista.
27. Os elementos da restauração burguesa se encontram em: (a) a situação do
campesinato, que não deseja o regresso dos latifundiários, mas que ainda não tem interesses
materiais no socialismo (aqui se mostra a importância de nossos laços políticos com os
camponeses pobres); (b) o estado de ânimo de um setor considerável da classe trabalhadora,
a diminuição de sua energia revolucionária, a fadiga da velha geração, o aumento do peso
específico dos elementos conservadores.
28. Os elementos que vão contra qualquer tentativa de restauração são os seguintes: (a) o
temor do mujik de que o latifundiário voltará com os capitalistas, do mesmo modo que
fugiu com os capitalistas; (b) o fato de o poder e os mais importantes meios de produção
permanecerem efetivamente nas mãos do Estado operário, ainda que com deformações
extremas.; (c) o fato de que a direção do Estado realmente permanece nas mãos do Partido
Comunista, mesmo quando este reflita as mudanças moleculares das forças de classe e os
variáveis estados de ânimo político.
Do que se disse se conclui que seria uma crua distorção da realidade falar do Termidor
como um fato consumado. As coisas não foram além da realização de alguns ensaios no
partido e da tentativa de assentar algumas bases teóricas. O aparato material do poder não
foi entregue a outra classe.

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