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O que foi a Rebelião de Kronstadt?

A rebelião de Kronstadt ocorreu nas primeiras semanas de março no ano de 1921.


Kronstadt foi (e é) uma fortaleza naval em uma ilha no golfo da Finlândia.
Tradicionalmente, tem servido de base à frota russa no Báltico e escudo protetor da
cidade de São Petersburgo (que durante a primeira grande guerra foi renomeada como
Petrogrado, depois Leningrado, e atualmente de São Petersburgo novamente) a trinta e
cinco milhas dalí.

Foram os marinheiros de Kronstadt que tomaram a iniciativa nos eventos


revolucionários de 1905 e 1917. Nas palavras de Trotsky, eles foram "orgulho e glória
da Revolução Russa". Os habitantes de Kronstadt foram os primeiros a apoiar e a
praticar o poder soviete, formando uma comuna livre em 1917 que foi relativamente
independente das autoridades. No centro da fortaleza um enorme parque publico
funcionava como fórum popular onde cabia mais de 30.000 pessoas.

A Guerra Civil Russa terminou no Oeste da Russia em novembro de 1920 com o


rendimento do general Wrangel na Criméia. As manifestações populares na Rússia
eclodiram tanto no campo como em pequenos municípios e grandes cidades. Levantes
camponeses irromperam por toda a Rússia contra o confisco de grãos ordenado pelo
Partido Comunista (a diretriz política de Lenin e Trotsky argumentava que foram
forçados a fazer isso, na verdade essas ações envolveram uma bárbara e intensa
repressão). Nas áreas urbanas, ocorreu uma onda de greves espontâneas até que
finalmente em fevereiro eclodiu uma quase greve geral em Petrogrado.

Em 26 de fevereiro, em resposta a esses eventos de Petrogrado, a tripulação dos navios


militares Petropavlovsk e Sevastopol convocou uma reunião de emergência e decidiu
enviar uma delegação para a cidade para observar e trazer informações sobre o
movimento grevista. Ao retornar, a delegação informou seus companheiros marinheiros
sobre as greves (com as quais foram inteiramente simpáticos) e sobre a repressão
governamental dirigida contra ela. Os presentes neste encontro no interior do
Petropavlovsk aprovaram uma resolução onde apresentavam 15 exigencias que
incluiam eleições livres para os sovietes, liberdade de expressão, imprensa, assembléia e
organização pelos trabalhadores, camponeses, anarquistas e socialistas de esquerda
(veja seção H.5.2 para mais detales). Das 15 exigências, apenas duas estavam
relacionadas com aquilo que os marxistas qualificavam de "pequeno-burguesa" (os
camponseses e artesãos) onde exigiam "completa liberdade de ação" para todos os
camponeses e artesãos que não possuissem mão-de-obra contratada . Da mesma forma
que os trabalhadores de Petrogrado, os marinheiros de Kronstadt exigiam a equalização
dos salários e o fim dos destacamentos de bloqueio que restringiam o deslocamento e a
possibilidade dos trabalhadores trazerem alimentos para a cidade.

Cincoenta a sessenta mil pessoas afluiram ao encontro na Praça Anchor em 1o. de


março onde foi constatado como "fato consumado" todo o relato feito pela delegação do
Petropavlovsk. Apenas dois oficiais bolshevikes votaram contra o que foi chamado
posteriormente de resolução Petropavlovsk. Neste encontro também foi decidido
enviar outra delegação até Petrogrado para explicar aos grevistas e às tropas sobre as
exigências de Kronstadt e solicitar a vinda de uma delegação de trabalhadores de
Petrogrado para informar de primeira mão o que estava acontecendo lá. Esta delegação
de trinta membros foi aprisionada pelo governo bolshevike.
Como os termos do documento do soviete de Kronstadt não foram atendidos, o encontro
decidiu chamar uma "Conferencia de Delegados" para o dia 2 de março. Nesse encontro
se discutiria como seriam efetuadas as eleições. Esta conferência consistiria de dois
delegados da tripulação dos navios, unidades do exército, docas, oficinas, sindicatos e
instituições de sovietes. Este encontro de 303 delegados endossou a resolução
Petropavlovsk e elegeu cinco pessoas para compor o "Comitê Revolucionário
Provisório" (que foi ampliado para 15 membros dois dias depois em uma outra
conferência de delegados). Este comitê ficou encarregado de organizar a defesa de
Kronstadt, uma decisão tomada devido às ameaças dos oficiais bolshevikes e aos
infundados rumores de que os bolshevikes tinham enviado forças para atacar o
encontro. Os vermelhos de Kronstadt se opuseram ao governo comunista sob o slogan
da revolução de 1917 "Todo Poder para os sovietes", acrescentando "e não para os
partidos".

O Governo Comunista respondeu com um ultimatum no dia 2 de março. Esse


documento dizia que a revolta fôra "sem dúvida preparada pela contrainteligencia na
França" e que a resolução Petropavlovsk não passava de uma resolução tomada pelas
"Centenas Negras-RS" (RS significando "Revolucionários Sociais", um partido com
uma tradicional base camponesa e cuja ala direita havia feito uma composição com os
brancos; os reacionários "Centenas Negras" eram proto-fascistas que já atuavam antes
da revolução atacando judeus, militantes operários, radicais e daí por diante). Eles
argumentavam que a revolta havia sido organizada pelos ex-oficiais tzaristas a mando
do ex-general Kozlovsky (considerado por Trotsky como um perito militar). Esta foi a
versão oficial que prevaleceu com relação à revolta.

Durante a revolta, Kronstadt começou a se auto reorganizar a partir da base. Os comitês


sindicais foram re-eleitos e um Conselho de Associações Sindicais foi formado. A
Conferência de Delegados encontrava-se regularmente para discutir assuntos ligados ao
interesse de Kronstadt e à luta contra o governo bolshevike. Fileiras e destacamentos
abandonaram o partido aos montes, expressando apoio e auxílio à revolta engrossando o
coro de "todo o poder para os sovietes, não para os partidos". Cerca de 300 comunistas
foram presos e tratados humanamente na prisão (para efeito de comparação, pelo menos
780 comunistas deixaram o partido).

O governo comunista atacou Kronstadt em 7 de março. A fortaleza caiu em 17 de


março. Dezesseis dias depois, mesmo com muitas unidades do Exército Vermelho
passando para o lado dos rebeldes, a revolta de Kronstadt acabou esmagada pelo
Exército Vermelho. Apesar do caráter não violento da revolta de Kronstadt, a atitude
das autoridades desde o princípio descartou qualquer seriedade nas negociações
impondo obediência incondicional ao seu ultimatum. Quem não obedecesse sofreria as
consequencias. Os revoltosos foram cercados e não receberam nenhum apoio externo.
Em 17 de março, as forças bolshevikes finalmente ocuparam a cidade de Kronstadt após
sofrerem mais de 10.000 baixas (existem inúmeros documentos confiáveis que relatam
as perdas no campo rebelde, inclusive demonstrando a quantidade de fuzilados ou
enviados aos campos de prisioneiros). Como uma ironia da história, no dia posterior, os
bolshevikes celebraram o quinquagésimo aniversário da Comuna de Paris.

Assim foi, resumidamente, a revolta de Kronstadt. Obviamente é impossível relatar


todos os mínimos detalhes, contudo recomendamos aos leitores a consulta de livros e
artigos relacionados no final desta seção para um acompanhamento mais completo de
tudo que aconteceu. Todavia, estes são os pontos chaves da rebelião.
Em seguida iremos nos concentrar numa análise desta revolta indicando porque ela é tão
importante do ponto de vista político na avaliação daquilo que representou o
bolshevismo enquanto teoria revolucionária.

Nesta seção de nosso FAQ apresentaremos e discutiremos as exigências de Kronstadt,


sua orígem radical na rebelião da classe trabalhadora (veja seções H.5.3 e H.5.4).
Relataremos as mentiras que os bolshevikes espalharam sobre a rebelião através do
tempo (seção H.5.5) e indicaremos suas reais ligações com os brancos (seção H.5.6).
Também discordamos da alegações trotskistas de que os marinheiros em 1921 eram
diferentes dos de 1917 (seção H.5.8) ou de que suas perspectivas políticas haviam
fundamentalmente sido alteradas (seção H.5.9). Discutiremos os argumentos de que o
país estava por demais exaurido para consentir uma democracia soviética (seção H.5.12)
ou que a democracia soviética resultaria na derrota da revolução (seção H.5.10). Neste
processo, também mostraremos a forma como os defensores do leninismo passaram a
defender seus heróis, (particularmente, veja a seção H.5.15).

Demonstraremos que Kronstadt foi um levante popular que surgiu de baixo para cima
dos mesmos marinheiros, dos mesmos soldados e dos mesmos trabalhadores que
fizeram a revolução de outubro de 1917. A repressão bloshevike à revolta pode ser
justificada somente em termos de defesa do poder do estado bolshevike mas jamais
pode ser defendida nos termos da teoria socialista. Na verdade, ela indica que o
bolshevismo é um monumental engodo enquanto teoria política e que jamais poderia
desaguar em uma sociedade socialista mas apenas e tão somente em um regime
capitalista de estado baseado num partido ditatorial. É isto que Kronstadt mostra acima
de tudo: optar entre o poder dos trabalhadores ou o poder do partido, o bolshevismo
destruirá o primeiro para implementar o segundo. Nesse aspecto, Kronstadt não é um
evento isolado (conforme indicaremos na seção H.5.13).

Existem muitas importantes  fontes históricas disponíveis sobre a revolta. O que existe
de melhor para estudos sobre a revolta é o trabalho de Paul Avrich e Israel Getzler,
Kronstadt 1921. As obras anarquistas incluem Ida Mett em seu livro The Kronstadt
Uprising (o melhor trabalho político sobre o tema), Alexander Berkman escreveu The
Kronstadt Rebellion (também consta uma boa introdução na obra A Tragédia Russa),
Voline em The Unknown Revolution dedica todo um excelente capítulo sobre Kronstadt
(onde apresenta uma grande quantidade de citações retiradas de documentos de 
Kronstad) o volume dois de No Gods, No Masters de Daniel Guerin apresenta uma
excelente seção sobre a  rebelião (incluindo um detalhado relato de Emma Goldman
extraído de sua autobiografia Living my Life sobre os eventos extraídos dos documentos
de Kronstadt). Anton Ciliga (um libertário socialista/marxista) em seu livro Kronstadt
Revolt também apresenta uma boa introdução aos temas relacionados com o levante.

Do ponto de vista da análise leninista, a antologia Kronstadt contem artigos de Lenin e


de Trotsky relacionados à revolta, uma espécie de ensaio suplementar refutando a
versão anarquista. Este trabalho é recomendado para aqueles que querem saber qual foi
a versão trotskista dos eventos por conter todos os documentos relevantes emitidos
pelos líderes bolshevikes. Emma Goldman em seu trabalho Trotsky Protests Too Much
é uma grande resposta aos comentários de Trotsky e de seus seguidores.
soviet. 1.conselho, assembléia. 2 soviete: conselho local na Rússia. // adj soviético.
Soviet Russia Rússia soviética. Soviet Union União Soviética.

Qual a importancia da rebelião de Kronstadt?


A rebelião de Kronstadt é importante porque, conforme Voline observou, ela foi "a
primeira tentativa popular completamente independente de auto-libertação do jugo e
da opressão através da Revolução Social, uma tentativa feita direta, resoluta, e
corajosamente pelos próprios trabalhadores sem guia político, líderes, nem tutores. Foi
o primeiro passo em direção à terceira revolução social". [_The Unknown
Revolution_, pp. 537-8]

Os marinheiros de Kronstadt em 1917 foram um dos primeiros grupos a apoiar o slogan


"Todo poder aos Sovietes" e um dos primeiros grupos a colocar isso em prática. O foco
da revolta de 1921 — os marinheiros dos navios Petropavlovsk e Sevastopol —
representaram, em 1917, o principal suporte dos bolshevikes. Os marinheiros eram
considerados, até os fatídicos dias de março de 1921, o orgulho e a glória da revolução,
e reconhecidos por todos como completamente revolucionários em espírito e em ação.
Eles eram leais defensores do sistema dos sovietes mas, como a revolta mostrou, se
opunham à ditadura de qualquer partido.

Para todos os efeitos, Kronstadt é importante para avaliar a honestidade (ou


desonestidade) dos leninistas quando se afirmavam favoráveis ao poder e à democracia
dos sovietes. Embora a guerra civil efetivamente tivesse terminado, o regime não
mostrava nenhum sinal no sentido de interromper a repressão contra as manifestações e
protestos da classe trabalhadora. Opondo-se às reeleições nos sovietes, o regime
bolshevike passou a reprimir greves em nome do "poder soviético" e "do poder político
do proletariado". No campo, os bolshevikes continuaram sua futil, miserável e
contraprodutiva política contra os camponeses (um governo assumindo o papel do
estado submetendo a seus pés trabalhadores e camponeses).

Os eventos de Kronstadt não devem ser observados isoladamente, mas como parte de
uma luta geral do povo trabalhador russo contra seu governo. Na verdade, conforme
indicaremos na próxima seção, esta repressão após o fim da Guerra Civil seguiu o
mesmo modelo da implementada antes dela. Os bolshevikes reprimiram a democracia
soviete em Kronstadt em 1921 em favor da ditadura do partido, como vinham fazendo
regularmente desde o princípio de 1918.

A revolta de Kronstadt foi um movimento popular nascido dos trabalhadores visando


restaurar o poder dos sovietes. Conforme Alexander Berkman destacou, o "espírito da
Conferencia [dos delegados que elegeram o Comitê Revolucionário Provisório] eram
todos inteiramente sovietistas: Kronstadt exigia sovietes livres da interferência de
qualquer partido político; eles desejavam sovietes não partidários que refletissem
verdadeiramente as necessidades e expressassem a vontade dos trabalhadores e
camponeses. A atitude dos delegados foi antagonizada pela determinação arbitrária
dos comissários burocráticos, simpatizantes do Partido Comunista. Os delegados eram
membros leais ao sistema soviete e procuravam encontrar, amigavel e pacíficamente,
uma solução aos problemas prementes" que a revolução enfrentava. [_The Kronstadt
Rebellion_]. A atitude dos bolshevikes indicou que, para eles, o poder soviete só seria
útil na medida em que confiasse seu poder ao partido e em caso de conflito apenas o
partido deveria sobreviver sobre o cadáver de seus opositores. Nas palavras de
Berkman:

"Mas o ‘triunfo’ dos bolshevikes sobre Kronstadt trouxe consigo a derrota do próprio
bolshevismo. Colocou à mostra o verdadeiro caráter da ditadura comunista. Os
comunistas demonstraram por si próprios sua disposição em sacrificar o Comunismo,
em troca de aproximações e compromissos com o capitalismo internacional, ao mesmo
tempo que recusavam as justas exigências de seu próprio povo — exigências que
ecoaram nos slogans de outubro entre os próprios bolshevikes: sovietes eleitos por voto
direto e secreto, de acordo com a Constituição da R.S.F.S.R.; e liberdade de expressão
e de imprensa aos partidos revolucionários". [Op. Cit.]

Uma investigação honesta e inteligente das forças revoltosas de Kronstadt coloca em


cheque tanto a teoria quanto a prática bolshevike. Joga por terra o mito bolshevike do
Comunismo de Estado sendo o "Governo dos Trabalhadores e Camponeses". Os
eventos de Kronstadt provaram que a ditadura do Partido Comunista e a Revolução
Russa são pólos opostos, contraditórios e mutuamente exclusivos. Embora procurem
justificar a repressão dirigida pelos bolshevikes contra o povo trabalhador durante a
guerra civil em virtude da guerra, o mesmo não pode ser dito com relação a Kronstadt.
Da mesma forma, a justificação leninista para a força e ações levadas a efeito em
Kronstadt teve implicações diretas nas atividades daquele momento e nas futuras
revoluções. Conforme demonstraremos na seção H.5.15, a lógica desse argumento
significa simplesmente que em nossos dias os leninistas desejam, dentro dessa mesma
posição, destruir a democracia soviete para defender o "poder soviético" (i.e. o poder de
seu partido).

Com efeito, Kronstadt foi o choque da realidade do leninismo com sua imágem e
retórica. Trouxe à tona temas importantes relativos ao bolshevismo e os "argumentos"
que produziam para justificar certas ações. "A experiência de Kronstadt", conforme os
argumentos de Berkman, "provou mais uma vez que o governo, o Estado — seja lá qual
for seu nome ou forma de atuação — é sempre inimigo mortal da liberdade e da auto-
determinação popular. O estado não tem alma, nem princípios. E possui apenas um
objetivo — assegurar poder e mantê-lo a qualquer custo. Esta foi a lição política de
Kronstadt." [Op. Cit.]

Existe uma outra razão da importancia do estudo de Kronstadt. Desde o esmagamento


da revolta, tanto grupos leninistas como trotskistas justificam continuamente os atos
dos bolshevikes. Além disso, permanecem seguindo Lenin e Trotsky em suas calúnias
sobre a revolta, na verdade, mentem descaradamente sobre ela. Quando o trotskista John
Wright afirma que "os defensores de Kronstadt distorcem fatos históricos, exageram
monstruosamente cada assunto ou questão irrelevante . . . e obscurecem . . . sobre o
real programa e objetivos do motim" ele está, de fato, descrevendo suas atividades e as
atividades de seus amigos trotskistas. [Op. Cit., p. 102]. Na verdade, como
demonstraremos a seguir, enquanto as considerações anarquistas são confirmadas por
pesquisas posteriores as asserções trotskistas vez após vez caem por terra. Na verdade,
seria de muita utilidade escrever um livro para colocar ao lado da  _Escola da
Falsificação de Stalin_ sobre as atividades de Trotsky e de seus seguidores em matéria
de reescrever a história.

É necessário que fique bem claro nessa nossa discussão que os trotskistas se doutoraram
na versão acadêmica que confirma sua versão ideológica do levante. A razão para isso é
clara. Em termos simples, os defensores do bolshevismo não podem fazer outra coisa a
não ser mentir sobre a revolta de Kronstadt uma vez que ela expõe claramente a real
natureza da ideologia bolshevike. Em vez de apoiar o clamor de Kronstadt pela
democracia soviete, os bolshevikes esmagaram a revolta, argumentando que fazendo
isso estavam defendendo o "poder soviete". Seus seguidores vez após vez repetem
sempre esses mesmos argumentos.

Esta expressão do duplo pensar leninista (a habilidade de conhecer dois fatos


contraditórios e sustentar ambos como verdadeiros) pode ser explicado. Procuram fazer
com que "poder dos trabalhadores" e "poder soviete" na realidade signifique poder do
partido para que as contradições desapareçam. O poder do partido tem que ser mantido
a todo custo, incluindo a destruição daqueles que desejam um verdadeiro poder soviete,
um verdadeiro poder dos trabalhadores (portanto uma democracia soviete).

Por exemplo, Trotsky argumentou em 1921 que "o proletariado estava com o poder
político nas mãos" enquanto que mais adiante os trotskystas passaram a argumentar que
o proletariado estava muito exaurido, atomizado e dizimado. [Lenin e Trotsky,
Kronstadt, p. 81]. Da mesma forma o trotskista Pierre Frank afirma que para os
bolshevikes, "o dilema estava colocado nos seguintes termos: ou manter os
trabalhadores sob controle, ou a contra-revolução se ergueria, tanto o primeiro quanto
o segundo disfarce político, teriam ao cabo o contra-revolucionário reino do terror
bem longe da democracia". [Op. Cit., p. 15] Naturalmente que aquela "democracia" sob
Lenin não é mencionada nem tampouco o reino do terror que se desenvolveu sob Stalin
através da repressão e da ditadura praticada em 1921.

A maioria dos leninistas argumentam que a supressão da rebelião deu-se essencialmente


para defender as "conquistas da revolução". Mas quais foram exatamente estas
conquistas? Não foi a democracia soviete, nem liberdade de expressão, nem tampouco
liberdade de reunião e de imprensa, ou mesmo liberdade de organização sindical. Ora, o
povo de Kronstadt foi reprimido exatamente por exigir tais coisas. Não, aparentemente
as "conquistas" da revolução foi pura e simplesmente um governo bolshevike. É
necessário não esquecer do fato de que se tratava de um partido único ditatorial, com
uma forte e privilegiada máquina burocrática. Uma situação onde não havia nenhuma
liberdade de expressão, imprensa, associação ou assembléia do povo trabalhador. O fato
de Lenin e Trotsky estarem no poder era suficiente para seus seguidores justificarem a
repressão de Kronstadt e subscrever a noção de "estado dos trabalhadores" que exclui os
trabalhadores do poder.

Este duplo pensar bolshevista é claramente visto nos eventos de Kronstadt. Por
exemplo, os defensores do bolshevismo argumentam que Kronstadt foi reprimida para
defender o poder soviete ao mesmo tempo que argumentam que as exigencias de
Kronstadt reivindicando eleições livres no soviete eram "contra-revolucionárias",
"retrógradas", "pequeno-burguesas" e daí por diante. O que é que o poder soviete
poderia fazer sem eleições livres nunca foi explicado. Similarmente, eles argumentavam
que era necessário defender o "estado dos trabalhadores" assassinando aqueles que
chamavam os trabalhadores porque tinham algo a dizer a eles, como por exemplo como
é que o estado funciona. O papel dos trabalhadores em um estado de trabalhadores seria
simplesmente obedecer órdens sem questioná-las (na verdade, Trotsky argumentou em
1930 que a classe trabalhadora na Rússia era a classe governante sob Stalin—"Todas as
formas de propriedade que foram criadas pela Revolução de Outubro não foram
subvertidas, o proletariado continua sendo a classe governante". [_The Class Nature
of the Soviet State_]).

De que forma pode-se justificar a repressão bolshevike em termos de defender o poder


dos trabalhadores suprimindo esse poder? Como é que o poder soviete pode ser
protegido pelo governo quando os sovietes eram esmagados por esse próprio governo?

A lógica dos bolshevikes, seus apologistas e defensores a posteriori tem a mesma


característica dos oficiais americanos durante a guerra do Vietnã que explicavam que
para salvar o vilarejo eles tinham primeiro que destruí-lo. Para que pudessem salvar o
poder soviete, Lenin e Trotsky tinham que destruir a democracia soviete.

Uma última observação. A revolta de Kronstadt foi um evento chave na revolução


Russa, inegavelmente significou seu fim. Não podemos nos esquecer também que foi
apenas um de uma longa série de ataques bolshevikes contra a classe trabalhadora.
Conforme indicamos na seção H.4 (e no resumo contido na seção H.4.1), o estado
bolshevike por si só foi uma prova incontestável de sua natureza anti-revolucionária
desde outubro de 1917. Portanto, Kronstadt é importante simplesmente porque
contrapôs a democracia soviete ao "poder soviete" e isso ocorreu após o fim da guerra
civil. Kronstadt se constituiu na pá de cal sobre a tumba da Revolução Russa. Kronstadt
deve ser lembrada e relembrada, analizada e discutida por todos os revolucionários que
procuram compreender o passado de forma a não repetir os mesmos erros novamente.

O que a rebelião de Kronstadt pretendia?


A revolta de Kronstadt não pode ser compreendida isoladamente. Na verdade, fazer isso
significa perder o fio da meada, a real razão que mostra porque Kronstadt é tão
importante. Kronstadt foi o resultado final de quatro anos de revolução e guerra civil, o
produto da debilidade da democracia soviete combinada com bolshevikes e guerra. A
atitude dos bolshevikes e a justificação ideológica para suas ações (justificações,
naturalmente, retiradas de mentiras sobre a revolta — veja a seção H.5.14) — onde
meramente reproduzem de forma resumida o que ocorreu a partir do momento em que
eles tomaram o poder.

Diante disso, elaboramos pequeno sumário das atividades bolshevikes antes dos eventos
de Kronstadt (veja seção H.4 para mais detalhes). Complementando, apresentamos um
quadro de como se desenvolveu o fenômeno da estratificação social sob Lênin e os
eventos imediatos antes da revolta e que  serviram de estopim (especialmente a onda de
greves em Petrogrado). Analisando tudo isso com cuidado veremos que Kronstadt não
foi um evento isolado mas uma tentativa de salvar a Revolução Russa da ditadura e da
burocracia comunista.
A oposição bolshevike à democracia soviete revelada pela revolta de Kronstadt teve
uma longa linhagem. Iniciou alguns meses após a tomada do poder em nome dos
sovietes. Após uma manifestação favorável à Assembléia Constituinte ser reprimida
pelos bolshevikes em meados de janeiro de 1918, muitas fábricas foram convocadas
para novas eleições no soviete. "A despeito dos esforços dos bolshevikes e dos Comitês
de Fábrica por eles controlados, o movimento por novas eleições no soviete se
espalhou por mais de vinte fábricas no princípio de fevereiro e resultou na eleição de
cincoenta delegados: trinta e seis RSs, sete Mensheviks e sete delegados sem partido".
Não obstante, o bolshevikes, "relutaram reconhecer as eleições e indicaram novos
delegados pressionado um grupo de socialistas para . . . articular um fórum alternativo
de trabalhadores". [Scott Smith, "The Social-Revolutionaries and the Dilemma of
Civil War", _The Bolsheviks in Russian Society_, pp. 83-104, Vladimir N. Brovkin
(Ed.), pp. 85-86]

Em Tula, os bolshevikes locais reportaram ao comitê central bolshevike que os


"deputados bolshevikes estão sendo substituidos um a um . . . nossa situação torna-se
debilitada a cada dia que passa. Fomos forçados a impedir novas eleições para o
soviete e até mesmo não reconhece-las quando o resultado não nos fosse favorável".
[citado por Smith, Op. Cit., p. 87]. Finalmente, os líderes locais do partido foram
forçados a abolir o soviete da cidade e investir poder em um Comitê Executivo
Provincial. A proibição da realização da plenária do soviete da cidade durante mais de
dois meses, demonstrou que os novos delegados eleitos eram não-bolshevikes. [Ibid.]

Em Yaroslavl, o soviete reuniu-se em 19 de abril de 1918, e quando o novo soviete


elegeu um presidente menshevike, "a delegação bolshevike se retirou e declarou o
soviete dissolvido. Em resposta, os trabalhadores da cidade entraram em greve, os
bolshevikes reagiram prendendo o comitê de greve, ameaçando os grevistas de
demissão e substituindo-os por trabalhadores desempregados". Nada disso funcionou e
os bolshevikes foram forçados a convocar novas eleições, nas quais foram novamente
derrotados. Após "dissolveram este soviete os bolshevikes colocaram a cidade sob lei
marcial". Um evento semelhante ocorreu em Riazan (novamente em abril) e, mais uma
vez, os bolshevikes "prontamente dissolveram o soviete e decretaram uma ditadura sob
um Comitê Militar Revolucionário". [Op. Cit., pp. 88-9].

Estes são apenas alguns poucos exemplos daquilo que acontecia na Rússia no início do
ano de 1918. É importante destacar que a Guerra Civil Russa começou em maio de
1918. O efeito imediato disto foi, naturalmente, levar muitos trabalhadores dissidentes
apoiar os bolshevikes durante a guerra. Por exemplo, os menshevikes "possuiam uma
política consistente de oposição pacífica ao regime bolshevike, uma política conduzida
por meios estritamente legítimos" e "menshevikes que se juntassem a organizações
almejando derrotar o Governo Soviete" eram expulsos do Partido Menshevike".
[George Leggett, The Cheka: Lenin’s Political Police, pp. 318-9 e p. 332]. Isto,
contudo, não estancou a repressão bolshevike sobre eles.

De forma semelhante, os bolshevikes atacaram os anarquistas em Moscou de 11 a 12 de


abril de 1918, fazendo uso de um destacamento armado da Cheka (a polícia política). O
soviete de Kronstadt votou uma resolução condenando a ação.

Esse fato, incidentalmente, responde à questão retórica de Brian Bambery "por que será
que a maioria dos militantes da classe trabalhadora no mundo, detentores de um
poderoso coquetel de ideias revolucionárias, tendo já efetuado duas revoluções (em
1905 e em fevereiro de 1917), permite a um punhado de pessoas alçar ao poder às suas
custas em outubro de 1917?" ["Leninism in the 21st Century", [_Socialist Review_, no.
248, January 2001]. Mais uma vez os trabalhadores russos perceberam que um punhado
de pessoas tinha tomado o poder e eles passaram a se manifestar contra a usurpação de
seu poder e de seus direitos, contra a destruição da democracia soviética pelos
bolshevikes. Os bolshevikes os reprimiram. Com o início da Guerra Civil, os
bolshevikes jogaram sua carta mais alta — "Nós ou os Brancos". Isto significava que
para os bolshevikes o poder dos trabalhadores se restringia em escolher entre um ou
outro. Na verdade, isso explica porque os bolshevikes finalmente acabaram eliminando
os partidos e grupos de oposição somente após o fim da Guerra Civil, limitando-se a
apenas reprimi-los enquanto ela durou. Com os brancos fora da parada, a oposição
passaria a exercer sua influencia novamente.

Com a dispersão dos sovietes os bolshevikes criaram um poder sobre os sovietes na


forma de um Conselho de Comissarios do Povo. Esta corporação se constituia numa
elite executiva que atuava representando os sovietes. Em outras palavras, Lenin
argumentou em The State and Revolution que, da mesma forma que na Comuna de
Paris, os estado dos trabalhadores seria baseado na fusão da função administrativa,
legislativa e executiva representado por delegações de trabalhadores.

No apogeu da guerra civil o Comitê Executivo Central do congresso de sovietes da


Rússia não se reuniu sequer uma vez em uma sessão completa desde o fim de 1918 e
durante todo o ano de 1919. No primeiro ano da revolução, apenas 68 dos 480 decretos
do Coselho do Comissariado do Povo (o governo Comunista) foram realmente
submetidos ao Comitê Sovietico Executivo Central (alguns elaborados por eles
mesmos). As tendências oligarquicas aumentaram no pós-outubro, com "o poder efetivo
dos sovietes locais inflexivelmente gravitando em torno dos comitês executivos". Os
sovietes locais tinham "pouca influencia na formação da política nacional". Eles
rápidamente foram esmagados pelo governo comunista quando não eram dispersos
pelas forças comunistas ("o partido muitas vezes dispersava os congressistas que se
opunham aos aspectos da política dominante"). [C. Sirianni, _ Workers’ Control and
Socialist Democracy_, p. 204 and p. 203]. Na verdade, a Cosnstituição Soviética de
1918 codificou seu poder centralizado, com os sovietes locais regulamentados no
sentido de "assumir todas as órdens do órgão respectivamente superior do poder
soviete" (i.e. obedecer ao comando do governo central).

Economicamente, o regime bolshevike impôs mais tarde uma política denominada


"Comunismo de Guerra" (com relação a isso, Victor Serge observou, "qualquer um que,
como eu, considerasse aquilo como sendo puramente temporário estava possuído pela
arrogancia" [_Memoirs of a Revolutionary_, p. 115]. O regime caracterizou-se por
uma tendência extremamente hierárquica e ditatorial. A direção exercida pelo Partido
Comunista expressava-se na natureza do regime "socialista" por eles desenhado.
Trotsky, por exemplo, manifestava idéias de uma certa "militarização do trabalho"
(conforme exposto em sua infame obra Comunismo e Terrorismo). Por exemplo, ele
argumentou;

"O princípio verdadeiro do serviço do trabalho compulsório é inquestionável para o


comunista. . . . Mas até o momento ele nunca passou de um mero princípio. Sua
aplicação sempre teve um caráter acidental, parcial, episódico. Apenas agora, quando
em toda parte se discute a questão do renascimento econômico em nosso país, os
problemas do trabalho compulsório vem a tona diante de nós da maneira mais
concreta possível. A única solução para as dificuldades econômicas que seja correta
tanto do ponto de vista dos princípios como da prática é considerar toda a população
do país como um reservatório necessário de força de trabalho . . . para introduzir
órdens estritas de registro, mobilização, e utilização no trabalho".

"A introdução do serviço de trabalho compulsório é impensável sem a aplicação, em


maior ou menor gráu, de métodos de militarização do trabalho".

"Por que falamos em militarização? Naturalmente trata-se apenas de uma analogia —


mas uma analogia muito rica em conteúdo. Nenhuma organização social exceto o
exército por si só justifica-se em subordinar cidadãos para si mesmo, para poder
controla-los à vontade de todas as formas e gráus, como o Estado da ditadura do
proletariado justifica-se a si mesmo praticando, e fazendo".

"Tanto a compulsão econômica quanto a política não passam de formas de expressão


da ditadura da classe trabalhadora em dois campos interligados . . . sob o socialismo
não existem aparatos por si só compulsórios, principalmente, o Estado: para ele
haverá comoção inteiramente contraria a uma comuna que produz e consome. O
caminho do Socialismo passa, precisamente, por um período da mais alta
intensificação possível do princípio do Estado . . . Como uma lâmpada, atrás de nós,
projetando uma luz brilhante, assim é o Estado, antes de desaparecer, assumindo a
forma de ditadura do proletariado, i.e., a mais cruel forma de Estado, que abraça a
vida dos cidadãos autoritariamente em cada aspecto. . . Nenhuma organização exceto o
exército controla o homem com uma coerção mais severa tornando possível a
organização do Estado da classe trabalhadora no período mais difícil da transição. É
exatamente por esta razão que falamos em militarização do trabalho".

Essas considerações foram escritas como uma política a ser seguida agora quando a
"guerra civil interna chegava a seu fim". Isto não foi tido como uma política temporária
imposta pelos bolshevikes em função da guerra, pelo contrário, tanto quanto se pode
perceber, foi uma expressão de "princípio" (será que isto tem relação com o que Marx e
Engels escreveram sobre o "estabelecimento de exércitos industriais" no Manifesto
Comunista? [Selected Writings, p. 53]).

No mesma obra, Trotsky justifica a eliminação do poder soviete e da democracia pelo


poder do partido e pela ditadura (veja as seções H.5.14 e H.5.15). Assim, vemos a
aplicação da servidão pelo estado através do bolshevismo (na verdade, Trotsky
pretendia aplicar suas idéias de militarização do trabalho na construção de ferrovias).

Esta visão de rígida centralização e estruturas militares topo-base serviu de esqueleto


para a construção da política bolshevike desde os primeiros meses após a revolução de
outubro. As tentativas dos trabalhadores de "auto-gestão" organizados através dos
comitês de fábricas foram combatidas em favor de um sistema centralizado de
capitalismo de estado. Lenin nomeava administradores com poderes "ditatoriais" (veja
The Bolsheviks and Workers’ Control de Maurice Brinton para mais detalhes).

No Exército Vermelho e Marinha, princípios anti-democráticos foram novamente


impostos. Dois meses antes da Guerra Civil, Trotsky nomeou elementos para atuarem
ao lado de conselhos eleitos de soldados e de oficiais. Nos finais de março de 1918,
Trotsky reportou ao Partido Comunista que o "o princípio da eleição é politicamente
inútil e tecnicamente inadequado, o que significa, na prática, sua abolição por
decreto". Os soldados não tinham o que temer desse sistema piramidal de topo-base
pois "o poder político está nas mãos da mesma classe trabalhadora de onde as tropas
do Exército foram recrutadas" (i.e. nas mãos do partido bolshevike). Não poderia haver
"nenhum antagonismo entre o governo e as massas de trabalhadores, da mesma forma
que não poderia haver nenhum antagonismo entre a administração de um sindicato e a
assembléia geral de seus membros, portanto, não poderia haver nenhum  espaço para
temer as determinações dos membros da cúpula de comando dos órgãos do Poder
Soviete". [_Work, Discipline, Order_]. Naturalmente, conforme qualquer trabalhador
em luta poderia dizer para você, ele muitas vezes entra em conflito com a burocracia do
sindicato.

Na Marinha, ocorreu um processo semelhante — o que provocou o descontentamento e


a oposição de muitos marinheiros. Conforme Paul Avrich destacou, "Os esforços
bolshevikes para liquidar os comitês navais e impor sua autoridade através de
comissários nomeados provocou uma tempestade de protestos na Frota Báltica. Para
os marinheiros, cuja aversão a autoridades externas era proverbial, qualquer tentativa
de restaurar disciplina significava supressão da liberdade pela qual tinham lutado em
1917". [_Kronstadt 1921_, p. 66]

No campo, o confisco de grãos resultou em um levante camponês pois o alimento era


tomado dos camponeses através da força. Destacamentos armados foram "instruidos a
tomar dos camponeses o suficiente para suprir suas necessidades pessoais, era comum
o confisco por parte de pequenos pelotões armados que se apropriavam de grãos sob a
força das armas visando consumo pessoal ou estabelecendo uma reserva para a
próxima colheita". Os trabalhadores nos vilarejos naturalmente faziam uso de táticas
evasivas omitindo a quantidade de terras que possuiam ou mesmo praticando a
resistencia aberta. [Avrich, Op. Cit., pp. 9-10]

Assim, antes do início da Guerra Civil, o povo russo passou a ser, de fato,
paulatinamente eliminado de qualquer processo participativo no que diz respeito ao
desenvolvimento da revolução. Os bolshevikes debilitaram (quando não aboliram) a
democracia dos trabalhadores, a liberdade e os direitos onde trabalhavam, nos sovietes,
nos sindicatos, no exército e na marinha. Previsivelmente, a ausência de qualquer
controle real a partir da base desencadeava os efeitos corruptores oriundos do poder.
Desigualdade, privilégios e abusos proliferavam por toda parte onde estava o partido e a
burocracia governante.

Com o fim da Guerra Civil em novembro de 1920, muitos trabalhadores esperavam uma
mudança de política. Todavia, os meses se passaram e a política continuou a mesma.
Finalmente, em meados de fevereiro de 1921, desencadeou-se "uma febre de encontros
espontâneos dentro das fábricas" em Moscou. Os trabalhadores passaram a ser
convocados para uma imediata avaliação do arocho provocado pelo Comunismo de
Guerra. Tais encontros foram "sucedidos por greves e manifestações". Os trabalhadores
tomaram as ruas reivindicando "livre comércio", mais rações e "a abolição do confisco
de grãos". Alguns exigiam a restauração dos direitos políticos e das liberdades civís.
Foi aí que as tropas foram chamadas para restaurar a órdem. [Paul Avrich, Op. Cit., pp.
35-6]
As mais sérias ondas de greves e manifestações ocorreram em Petrogrado. A revolta de
Kronstadt foi o pavio dos protestos. Como em Moscou, aquelas "manifestações nas
ruas anunciavam a proliferação de encontros e manifestações em muitas fábricas e
lojas em Petrogrado". Como em Moscou, oradores "exigiam o fim do confisco de
grãos, a remoção dos bloqueios nas estradas, a abolição de rações privilegiadas, e
permissão para a troca de possessões de caráter pessoal por alimento. Em 24 de
fevereiro, um dia após um encontro no local de trabalho, os trabalhadores da fábrica
Trubochny abandonaram as máquinas e sairam para fora da fábrica. Outros
trabalhadores das fábricas adjacentes se juntaram a eles. Uma aglomeração de 2.000
trabalhadores foi dispersa por cadetes militares armados. No dia seguinte, os
trabalhadores da Trubochny novamente tomaram as ruas e visitaram outros pontos de
trabalho, conclamando-os para que também se juntassem à greve. [Avrich, Op. Cit., pp.
37-8]

O governo nomeou um Comitê de Defesa e Zinoviev composto por três pessoas que
"proclamou lei marcial" em 24 de fevereiro. [Avrich, Op. Cit., p. 39]. Foi proclamado
toque de recolher às 23 horas e todos os encontros e reuniões (internos e externos)
foram proibidos exceto se aprovados pelo Comitê de Defesa e todos aqueles que
desobedecessem às órdens "seriam punidos de acordo com a leis militares". [Ida Mett,
The Kronstadt Uprising, p. 37]

Como parte desse processo, o governo bolshevike confiou ao kursanty (escritório de


cadetes comunistas) a função de polícia local por terem ficado à margem das agitações e
pela obediência às órdens governamentais. Centenas de kursanty foram chamados das
academias militares vizinhas para patrulhar a cidade. "Petrogrado tornou-se durante a
noite um campo de guerra. Em cada quarteirão os pedestres eram revistados e seus
documentos checados . . . o toque de recolher [era] rígidamente controlado". Enquanto
isso a Cheka de Petrogrado efetuava inúmeras prisões. [Avrich, Op. Cit., pp. 46-7]

Aos trabalhadores "foi ordenado retornar para suas fábricas, sob a ameaça de que
seriam retiradas suas rações. Embora estas ameaças não provocassem nenhum
impacto nos trabalhadores, alguns sindicados se dispersaram e seus líderes e grevistas
que insistiam em permanecer em greve foram lançados em prisões". [Emma Goldman,
No Gods, No Masters, vol. 2, p. 168]

Os bolshevikes também fizeram uso de sua máquina de propaganda. Os grevistas eram


alertados para que não caíssem nas mãos dos contra-revolucionários. Fazendo uso da
imprensa, os membros dos partidos populares passaram a agitar nas ruas, fábricas e
oficinas. Houve uma série de concessões como a distribuição de rações extras. Em
primeiro de março (após a revolta do Kronstadt haver começado) o soviete de
Petrogrado anunciou a retirada de todos bloqueios e desmobilizou os soldados do
Exército Vermelho para exercerem funções produtivas em Petrogrado. [Avrich, Op.
Cit., pp. 48-9]

Dessa forma, utilizou-se uma combinação de força, propaganda e concessões para


enfraquecer as greves (que rapidamente tendiam a se generalizar). Contudo, conforme
Paul Arvich destaca, "não havia nenhuma proibição com relação ao uso de forças
militares e da proliferação de prisões, sem falar da incansável propaganda
implementada pelas autoridades que se tornaram indispensáveis para restaurar a
órdem". Nesse aspecto, foi particularmente interessante a disciplina mostrada pelos
organismos partidarios locais. "Atuando à parte de suas disputas internas, os
bolshevikes de Petrogrado rapidamente cerraram fileiras e se apressaram em executar
a vergonhosa tarefa de reprimir com eficiência e presteza". [Op. Cit., p. 50]

Isto indica o contexto imediato da rebelião de Kronstadt. Por seu turno o trotskista J. G.
Wright escreveu sobre o papel de Kronstad, "mentiram desde o primeiro momento . . . e
inseriram uma manchete sensacional: ‘Insurreição Geral em Petrogrado’" e prossegue
afirmando que as pessoas "espalhavam . . . mentiras sobre uma insurreição em
Petrogrado". [Lenin e Trotsky, Kronstadt, p. 109]. Sim, é normal que a eminência de
uma greve geral seja acompanhada de encontros de massa e manifestações, e que sejam
reprimidas pela força e por lei marcial, isto é uma ocorrência corriqueira que nada tem a
ver com uma "insurreição"! Mas se tais eventos tivessem acontecido em um estado que
não fosse dirigido por Lenin e Trotsky é improvável que o Sr. Wright teria alguma
dificuldade em reconhecer o significado de Kronstadt (quatro anos antes, protestos
semelhantes foram reprimidos pelo Czar).

Foram exatamente estes protestos de trabalhadores e sua repressão que desencadearam


os eventos em Kronstadt. Na medida em que muitos ouviam as reclamações de seus
parentes e amigos pelos vilarejos vizinhos e se juntavam aos prostestos contra as
autoridades soviéticas, as greves de Petrogrado tornaram-se catalizadoras da revolta.
Todavia, eles tinham outras razões políticas para protestar contra a postura do governo.
A democracia na Marinha havia sido abolida por decreto e o soviete tinha se
transformado em um penduricalho da ditadura do partido.

Previsivelmente, a tripulação dos navios de guerra Petropavlovsk e Sevestopol


decidiram agir diante das "notícias de greves, locautes, prisões em massa e lei marcial"
que vinham de Petrogrado. Em "função daqueles protestos eles convocaram uma
reunião de emergência, repreenderam seus comissários . . . [e] elegeram uma
delegação de trinta e dois marinheiros que, em 27 de fevereiro, dirigiu-se a
Petrogrado. Percorrendo as fábricas. . . eles encontraram os trabalhadores que
procuravam e fizeram perguntas apesar do temor dos bandos de guardas comunistas
nas fábricas, dirigentes de sindicatos oficiais, homens do comitê dos partidos e
membros da Cheka." [Gelzter, _Kronstadt 1917-1921_, p. 212]

A delegação retornou no outro dia e fizeram o relato do que viram na reunião geral dos
marinheiros do navio. Nessa reunião foram adotadas as resoluções que serviram de base
à revolta (veja a próxima seção). Começava a revolta de Kronstadt.
 

Qual era o programa de Kronstadt?


É raro em nossos dias ver um trotskysta descrever integralmente as reais reivindicações
de Kronstadt. John Rees, por exemplo, não proporciona nem mesmo um resumo dos 15
pontos do programa. Ele apenas afirma que "os marinheiros expressaram o desespero
dos camponeses com o regime Comunista de Guerra" ao mesmo tempo em que
apresenta a desculpa esfarrapada de que "nenhuma outra insurreição camponesa
reproduziu as reivindicações de Kronstadt". ["In Defence of October", pp. 3-82,
International Socialism, no. 52, p. 63]. Similarmente, elas constam apenas no "Prefácio
Editorial" na obra trotskysta Kronstadt que apresenta apenas um resumo das exigências.
Eis o resumo:

"A resolução reivindicava eleições livres nos sovietes com a participação de


anarquistas e revolucionários sociais de esquerda, legalização dos partidos socialistas
e anarquistas, abolição dos Departamentos Políticos [nas frotas] e dos Destacamentos
com Propósitos Especiais, remoção do zagraditelnye ottyady [tropas armadas
utilizadas para impedir comércio sem autorização], restauração do livre comércio, e
liberdade aos presos políticos". [Lenin e Trotsky, Kronstadt, pp. 5-6]

No "Glossário" declaram que "exigiam mudanças econômicas e políticas, muitas das


quais foram logo atendidas com a adoção do NPE." [Op. Cit., p. 148] Isso,
ironicamente, contradiz Trotsky quando ele afirma ser "ilusão" pensar "que bastaria
informar aos marinheiros sobre o decreto do NPE para pacificá-los". Além disso, os
"insurgentes não tinham um programa consciente, e nem poderiam te-lo por causa de
sua real natureza pequeno burguesa. Eles mesmos não tinham clareza de que seus pais
e irmãos queriam acima de tudo comercializar livremente". [Op. Cit., p. 91-2]

Assim, temos um levante que foi camponês em sua natureza, mas cujas exigências não
possuiam nada de comum com outras revoltas camponesas. Que aparentemente exigia
liberdade de comércio mas não a reivindicava. Era semelhante ao NPE, mas o decreto
do NPE não satisfazia. Produziu uma plataforma de exigências políticas e econômicas
mas, aparentemente, não tinha um "programa consciente". As contradições são
abundantes. Essas contradições se tornam ainda mais evidentes quando observamos a
relação das 15 exigências (coisa que os trotskystas nunca revelam).

A lista completa dessas reivindicações são as seguintes:

"1. Novas e imediatas eleições para os Sovietes. Os atuais Sovietes não mais expressam
a vontade dos trabalhadores e camponeses. As novas eleições devem ser efetuadas pelo
voto secreto, e precedidas por propaganda eleitoral livre.

2. Liberdade de expressão e de imprensa para trabalhadores e camponeses, para


anarquistas e partidos socialistas de esquerda.

3. Direito de assembléia, liberdade sindical e liberdade de organização camponesa.

4. Organização, para o próximo 10 de março de 1921, da Conferência dos


trabalhadores não-partidários, soldados e marinheiros de Petrogrado, Kronstadt e
Distrito de Petrogrado.

5. Libertação de todos os prisioneiros políticos dos partidos socialistas, e de todos os


trabalhadores e camponeses, soldados e marinheiros pertencentes à classe
trabalhadora e organizações camponesas.

6. Eleição de uma comissão para observar os dossiês de todos aqueles que estão
detidos em prisões e campos de concentração.

7. Abolição de todas as seções políticas das forças armadas. Nenhum partido político
poderá ter privilégios para a propagação de suas idéias, ou receber subsídios estatais
para esse fim. Essas seções políticas serão substituídas por vários grupos culturais,
subsidiados com recursos do estado.

8. Imediata abolição dos destacamentos de milícia postados na cidade e no campo.

9. Equalização das rações para todos os trabalhadores, exceto aqueles engajados em


trabalho perigoso e insalubre.

10. Abolição dos destacamentos de combate do Partido em todos os grupos militares.


Abolição da guarda do Partido nas fábricas e empresas. Se a guarda for necessária,
ela será formada, levando em conta o ponto de vista dos trabalhadores.

11. Garantia de liberdade de ação aos camponeses em suas próprias terras, e direito
ao seu próprio rebanho, desde que eles mesmos se encarreguem disso e não
empreguem trabalho assalariado.

12. Exigimos que todas as unidades militares e associações grupos treinados de oficiais
acatem essa resolução.

13. Reivindicamos que a Imprensa divulgue apropriadamente esta resolução.

14. Reivindicamos a instituição de grupos móveis de supervisão de trabalhadores.

15. Exigimos que a produção artesanal seja autorizada desde que não utilize trabalho
assalariado". [citado por Ida Mett, _The Kronstadt Revolt_, pp. 37-8]

Este foi o programa descrito pelo governo Soviete como sendo uma "resolução dos
Centenas Negras RS"! Este foi o programa que Trotsky sustentou como impregnado por
"um punhado de camponeses e soldados reacionários". [Lenin e Trotsky, Kronstadt, p.
65 e p. 98]. Conforme pode ser visto, não existe nada disso. Na verdade, esta resolução
está integralmente dentro do espírito dos slogans políticos dos bolshevikes antes deles
subirem ao poder em nome dos sovietes. Além do mais, ela reflete os ideais delineados
em 1917 e formalizados na Constituição do Estado Soviete em 1918. Nas palavras de
Paul Avrich, "Com efeito, a resolução petropavlovsk foi um apelo ao governo Soviete
para que cumprisse sua própria constituição, uma clara manifestação daqueles justos
direitos e liberdade que o próprio Lenin professou em 1917. Em espírito, ela foi uma
ressonância de outubro, evocando o velho lema leninista de 'Todo poder aos sovietes'".
[Op. Cit., pp. 75-6]

Um triste exemplo de "reacionarismo" político, a menos que os slogans da constituição


da URSS em 1918 também fossem "reacionários". A questão agora vem à tona, tanto
quanto as implicações contidas naquelas exigências. Na visão dos trotskystas, foram os
interesses dos camponeses que as motivaram. Para os anarquistas elas expressam os
interesses de todo povo trabalhador (proletariado, campones e artesão) contra aqueles
que pretendiam explorar seu trabalho e governá-los (sejam eles capitalistas privados,
capitalistas estatais ou estado burocrático). Discutiremos este assunto na próxima seção.
Até que ponto a rebelião de Kronstadt refletiu "o
desespero dos camponeses"?
Este é um argumento comum entre os trotskystas. Embora nunca tenham atendido as
reivindicações de Kronstadt, sempre declaram que (usando as palavras de John Rees)
aqueles marinheiros "representavam o desespero dos camponeses com o regime
Comunista de Guerra". ["In Defence of October", International Socialism no. 52, p. 63]

Para Trotsky, as idéias da rebelião "foram profundamente reacionárias" e "refletiam a


hostilidade do camponês obtuso para com o trabalhador, a auto-valorização do
soldado e marinheiro em relação aos 'civís' em Petrogrado, a aversão do pequeno
burguês à disciplina revolucionária". A revolta "representou as tendências dos
camponeses proprietários de terras, o pequeno especulador, o kulak". [Lenin e Trotsky,
Kronstadt, p. 80 e p. 81]

Até que ponto isso é verdade? Basta uma análise ligeira dos eventos ligados à revolta e
à resolução Petropavlovsk (veja a última seção) para desmentir esta afirmação de
Trotsky. Primeiramente, de acordo com a definição de "kulak" fornecida pelos próprios
trotskystas, descobrimos que Kulak se refere ao "camponês abastado dono de terra e
que contrata camponseses pobres para trabalhar para ele". [Op. Cit., p. 146]. Ora, o
ponto 11 das reivindicações de Kronstadt explicita claramente sua oposição ao trabalho
rural assalariado. Como poderia Kronstadt representar o "kulak" proclamando a
abolição do trabalho contratado na terra? Claramente, a revolta não representava "o
pequeno especulador, o kulak". Ela representava o camponês dono da terra?
Retornaremos a esse assunto mais abaixo. Em segundo lugar, os revoltosos do
Kronstadt enviaram delegados para investigar a condição dos trabalhadores em greve
em Petrogrado. Suas ações foram inspiradas pela solidariedade para com aqueles
trabalhadores e civis. Isto mostrava claramente que a afirmação de Trotsky de que ela
"refletia a hostilidade do camponês obtuso para com o trabalhador, a auto-valorização
do soldado e marinheiro em relação aos 'civís' em Petrogrado" é integralmente um total
nonsense.

Se essa afirmação de Trosky é "profundamente reacionária", as idéias que motivaram a


revolta certamente não o foram. Elas foram a consequencia da solidariedade com os
trabalhadores em greve e uma chamada à democracia soviete, à liberdade de expressão,
de assembléia e de organização dos trabalhadores e camponeses. Elas expressavam as
necessidades da maioria, se não todos, dos partidos marxistas (incluindo o bolshevike
em 1917) antes de tomarem o poder. Eles simplesmente repetiram as aspirações e os
fatos do período revolucionário de 1917 e a Constituição Soviete. Conforme Anton
Ciliga argumentou, esses desejos estavam "impregnados pelo espírito de outubro; e
nenhuma calúnia do mundo pode colocar em dúvida a íntima conexão existente entre
esta resolução e os sentimentos que guiaram as expropriações de 1917". ["The
Kronstadt Revolt", The Raven, no, 8, pp. 330-7, p. 333]. Considerar as idéias da
revolta de Kronstadt reacionárias, é o mesmo que considerar o slogan "todo poder aos
sovietes" reacionário.

Até que ponto aquelas aspirações representavam os interesses dos camponeses? Para
responder isso precisamos verificar se elas representavam os interesses dos
trabalhadores industriais ou não. Se as exigências estavam, de fato, em harmonia com as
aspirações dos trabalhadores em greve e outros setores do proletariado então podemos
facilmente descartar essa afirmação. Além do mais, se as reivindicações da rebelião de
Kronstadt refletiram as aspirações dos proletários então é impossível dizer que elas
refletiam simplesmente as necessidades dos camponeses (naturalmente, os trotskystas
argumentarão que aqueles proletários eram também "obtusos" mas, com efeito, o que
eles queriam dizer mesmo é que qualquer trabalhador que não obedecesse cegamente às
ordens bolshevikes não passava de "obtuso"!).

Basta uma passada de olhos para perceber que aquelas exigências já vinham ecoando
desde Moscou e Petrogrado nas greves que precederam a revolta de Kronstadt. Por
exemplo, Paul Avrich destaca que as exigências apresentadas nas greves de fevereiro
incluiam "remoção dos bloqueios, permissão para efetuar colheitas no campo e para
comercializar livremente nos vilarejos, [e] eliminação das rações privilegiadas para
categorias especiais de homens trabalhadores". Os trabalhadores também "pediam que
a guarda especial armada Bolshevique, restringisse suas atividades à função
meramente policial, saindo fora das fábricas" e "apelando pela restauração dos
direitos civis e políticos". Um certo manifesto que surgiu (anônimo mas com marcas de
orígem menshevike) argumentava, "os trabalhadores e camponeses necessitam de
liberdade. Eles não querem decretos dos bolshevikes. Querem controlar seus próprios
destinos". Coisas assim levaram os grevistas a exigir libertação de todos os presos
socialistas e trabalhadores apartidários, abolição da lei marcial, liberdade de expressão,
de imprensa, de assembléia para todos os trabalhadores, eleições livres dos comitês de
fábricas, sindicatos, sovietes. [Op. Cit., pp. 42-3]

Nas greves de 1921, de acordo com Lashevich (um comissário bolshevike) as


"exigências básicas são sempre as mesmas: liberdade para comercializar, liberdade
para trabalhar, liberdade de ir e vir, e assim por diante". Duas outras exigências
chaves nas greves datam de antes de 1920. Elas pediam "pelo livre comércio e pelo fim
dos privilégios". Em março de 1919, "Os operários da fábrica de carroçarias de
veículos motorizados e vagões de trem de Rechkin exigiam rações iguais para todos os
trabalhadores", uma das "exigências mais típicas dos trabalhadores em greve naquele
tempo era a liberdade de providenciar seu próprio alimento". [Mary McAuley, _Bread
and Justice_, p. 299 e p. 302]

Conforme pode ser visto, a maioria dessas exigências estão relacionadas diretamente
com os pontos 1, 2, 3, 5, 8, 9, 10, 11 e 15 das reivindicações de Kronstadt. Conforme
Paul Avrich argumenta, as exigências de Kronstadt "ecoam não apenas o
descontentamento da Frota Báltica mas também o descontentamento das massas russas
nas vilas e cidades através do país. Da mesma forma que o povo comum, os
marinheiros estavam preocupados com a situação dos seus parentes camponeses e
trabalhadores. Na verdade, daqueles 15 pontos da resolução, apenas um — a abolição
dos departamentos políticos na frota  — tinha uma aplicação específica à sua própria
condição. As demais . . . eram reclamações visando a política de Guerra Comunista, a
justificação de que, aos olhos dos marinheiros e da população como um todo, [todas
aquelas restrições à liberdade] tinham que desaparecer imediatamente". Avrich
argumenta que muitos dos marinheiros que retornando para casa e vendo as más
condições dos vilarejos pelos seus próprios olhos resolveram tomar a iniciativa
formalizando uma resolução (particularmente no ponto 11, o único que menciona
específicamente as exigências dos camponeses) mas "nessa mesma direção, a viágem
de inspeção dos marinheiros nas fábricas de Petrogrado resultou na inclusão de suas
principais exigências no programa — a abolição dos bloqueios nas estradas, o fim das
rações privilegiadas, e dos esquadrões armados dentro das fábricas". [Op. Cit., pp. 74-
5]

Ida Mett observa que a rebelião de Kronstadt não clamava simplesmente por "livre
comércio" da forma como os trotskystas argumentam:

"O levante de Kronstadt em 14 de março foi marcado pelo seu principal objetivo. Os
rebeldes proclamaram que Kronstadt não estava pedindo simplesmente por liberdade
de comércio mas pelo genuíno poder dos sovietes. Os grevistas de Petrogrado exigiam
a reabertura dos mercados e a abolição dos bloqueios nas estradas implementados
pelas milícias armadas. Suas exigências deixaram claro que a liberdade de comércio
por si só não resolveria seus problemas". [Op. Cit., p. 77]

Assim verificamos que os trabalhadores de Petrogrado (e de outros lugares) exigiam


"livre comércio" (procurando, presumivelmente, expressar seus interesses econômicos
tanto quanto os de seus pais e irmãos) ao passo que os marinheiros de Kronstadt
reivindicavam acima de tudo o poder soviete! Seu programa exigia "Garantia de
liberdade de ação aos camponeses em suas próprias terras, e direito ao seu próprio
rebanho, desde que eles mesmos se encarreguem disso e não empreguem trabalho
assalariado". Este foi o ponto 11 das 15 reivindicações, que mostrava o gráu de
importancia diante de seus olhos. Esta reivindicação se baseava no comércio efetuado
entre a cidade e os povoados, mas tratava-se de comércio entre trabalhadores e não entre
trabalhadores e kulak.

Mencionando "livre comércio" em sentido abstrato (como os trabalhadores fizeram) o


povo de Kronstadt (refletindo as necessidades tanto dos trabalhadores quanto dos
camponeses) se referia à livre troca de produtos entre trabalhadores, não entre
trabalhadores e capitalistas rurais (i.e. camponeses que contratavam escravos
assalariados). Isto indica seu alto gráu de consciência política, a consciência do fato de
que trabalho assalariado é a essência do capitalismo. Conforme disse Ante Ciliga:

"Muitas pessoas acreditaram que foi Kronstadt que forçou a introdução da Nova
Política Econômica (NPE) — um profundo erro. A resolução de Kronstadt pronunciou-
se em favor da defesa dos trabalhadores, não apenas contra o capitalismo burocrático
do Estado, mas também contra a restauração do capitalismo privado. Esta restauração
foi exigida — com a oposição de Kronstadt — pelos sociais democratas, que
combinavam esta aspiração com um regime político democrático. Tanto Lenin quanto
Trotsky em grande parte realizaram isso (mas sem a política democrática) na forma da
NPE. A resolução de Kronstadt [por sua vez] declarou-se inteiramente oposta ao
emprego de trabalho assalariado na agricultura e na pequena indústria. Esta
resolução, e os movimentos subjacentes, procuravam estabelecer uma aliança
revolucionária entre os trabalhadores proletários e os camponeses, os setores mais
pobres entre os trabalhadores do país, de modo que a revolução pudesse se
desenvolver em direção ao socialismo. O NPE, por outro lado, representava a união
dos burocratas com os mandatários dos povoados contra o proletariado; o NPE
representou a aliança do capitalismo de Estado com o capitalismo privado contra o
socialismo. O NPE em muito se opõe às exigências de Kronstadt da mesma forma que,
por exemplo, o programa socialista de vanguarda dos trabalhadores europeus pela
abolição do sistema de Versalhes se opunha à anulação do Tratado de Versalhes
desenvolvido por Hitler". [Op. Cit., pp. 334-5]

Com relação ao ponto 11, Ida Mett destacou, "ele reflete as exigências dos camponeses
com os quais os marinheiros de Kronstadt tinham estreitas ligações — da mesma forma
que tinham, e isso é um fato, com todo o proletariado russo . . . Em sua grande maioria,
os trabalhadores russos tiveram uma orígem camponesa. E isso precisa ser levado em
consideração. Os marinheiros do Báltico no ano de 1921 estavam, sem sombra de
dúvida, estreitamente ligados com os camponeses. Eles eram, nada mais nada menos,
os mesmos marinheiros de1917". Ignorar os camponeses em um país onde a vasta
maioria veio do campo é uma atitude insana (como os bolshevikes provaram). Mett
destaca isto quando argumenta que "[o bolshevismo] foi um regime baseado
exclusivamente na mentira e no terror e que nunca levou em conta as aspirações dos
trabalhadores e dos camponeses". [Op. Cit., p. 40]

Uma vez que a classe trabalhadora industrial russa estava também exigindo liberdade de
comércio (e sem as cláusuras políticas, anti-capitalistas acrescentados por Kronstadt)
sôa desonesto afirmar que os marinheiros expressavam puramente os interesse dos
camponeses. Talvez isso explique porque os 11 pontos acabaram resumidos em
"restauração do livre comércio" pelos trotskystas no "Prefácio Editorial" de Lenin e
Trotsky. [Kronstadt, p. 6]. John Rees não menciona sequer uma das reivindicações (o
que é surpreendente em uma obra que, em parte, tenta analizar a rebelião).

A natureza dessa resolução passou pelo crivo da classe trabalhadora para que pudesse
concordar com ela. Passou pelos marinheiros nos navios de guerra,  pelos encontros de
massa,  pelo encontro de delegados de trabalhadores, soldados e marinheiros. Em outras
palavras, pelos trabalhadores e peloscamponeses.

J.G. Wright, acompanhando seu guru Trotsky (utilizando-o como única referência para
seus "fatos", como um cego guiado por outro), mencionou "o fato incontestável" dos
"marinheiros engrossando as forças insurgentes" enquanto que "a guarnição e a
população civil permaneciam passivos". [Op. Cit., p. 123]. Dessa forma estaria
caracterizada, aparentemente, a natureza camponesa da revolta. Vamos pois contestar
esse "fato incontestavel" (i.e. as afirmativas de Trotsky).

O primeiro fato que é necessário mencionar é que afluiram ao encontro de 1o. de março
"entre cincoenta e sessenta mil marinheiros, soldados e civis". [Getzler, Op. Cit., p.
215]. Isto representava mais de 30% da população total de Kronstadt. O que
dificilmente indica uma atitude "passiva" por parte dos civis e soldados.

O segundo fato
é que a conferência de delegados teve uma "participação em cerca de duas ou tres
centenas de marinheiros, soldados, e trabalhadores". Esta composição permaneceu
existindo durante toda a revolta da mesma maneira que seu equivalente soviete de 1917,
inclusive com delegados sovietes de Kronstadt representando "unidades militares e
fabris". Na verdade, tudo aquilo representava, com efeito, um "protótipo dos 'sovietes
livres' pelos quais os insurgentes se levantaram em revolta". Além disso, um novo
Conselho Sindical acabara de ser formado, livre da dominação comunista. [Avrich, Op.
Cit., p. 159, p. 157 e p. 157]. Será que Trotsky esperava que acreditassemos que os
soldados e civis que elegeram estes delegados fossem "passivos"? O simples ato de
eleger tais delegados envolveu discussão, tomada de decisão, além de uma ativa
participação. Como é possível qualificar soldados e civis revoltosos de "apáticos e
apolíticos"?

Isto foi confirmado posteriormente pelos historiadores. Baseado em tais fatos, Paul
Avrich destaca que a população da cidade "ofereceu suporte ativo" e que as tropas do
Exército Vermelho "logo se posicionou em linha". [Op. Cit., p. 159]. Getzler por sua
vez, destaca que as eleições foram defendidas também pelo Conselho de Sindicatos em
7 e 8 de março e que "o comitê do conselho era formado por representantes de todos os
sindicatos". Ele confirmou que a Conferência de Delegados "havia sido eleita pelos
grupos políticos de Kronstadt para que pudesse funcionar em unidades armadas,
fábricas, lojas e instituições sovietes". Além disso, destaca que os revolucionarios
troikas (equivalente às comissões do Comitê Executivo do Soviete em 1917) foram
também "eleitos pela base das organizações". O mesmo aconteceu com, "o
secretariado dos sindicatos e o recém fundado Conselho de Sindicatos, ambos eleitos
pelo conjunto dos membros dos sindicatos". [Op. Cit., pp. 238-9 e p. 240]. É muita
atividade para ser implementada por pessoas "passivas".

Em outras palavras, a resolução Petropavlovsk não apenas refletia as exigências do


proletariado de Petrogrado, como também ganhou apoio dos proletários de Kronstadt,
da frota, do exército e dos trabalhadores civis. Aquele que, mesmo diante de todas essas
evidências, ainda insiste na afirmação de que a resolução de Kronstadt refletiu
puramente os interesses dos camponeses, assemelha-se a uma avestruz que enterra a
cabeça no chão na recusa de enchergar a realidade.

Conforme vimos, o povo de Kronstadt (assim como os trabalhadores de Petrogrado)


efetuaram exigências políticas e econômicas em 1921 da mesma maneira como fizeram
quatro anos antes quando enfrentaram o Czar. Fato que, novamente, refuta a lógica dos
defensores do bolshevismo. Por exemplo, Wright supera a si mesmo quando argumenta
que:

"A suposição de que soldados e marinheiros poderiam aventurar-se em uma


insurreição sob o abstrato slogan de "sovietes livres" é por si só absurdo. E é
duplamente absurdo diante dos fato [!] de que o restante da guarnição de Kronstadt
consistia de pessoas passivas e obtusas que não poderiam ser utilizadas em uma guerra
civil. Tais pessoas só participariam de uma revolução se movidos por profundas
necessidades e interesses econômicos. Eles representavam os interesses e necessidades
dos pais e irmãos daqueles marinheiros e soldados, ou seja, de camponeses e
comerciantes de produtos alimenticios e de matéria prima. Em outras palavras aquela
multidão era a expressão da pequena burguesia reagindo contra as dificuldades e
privações impostas pela revolução proletária. Ninguém pode negar esse traço
característicos desses dois setores". [Op. Cit., pp. 111-2]

Naturalmente, dentro dessa perspectiva, nenhum trabalhador ou camponês participaria


de um sindicato conscientemente pelos seus próprios esforços, conforme Lenin
refletidamente argumentou em What is to be Done? Nem a experiência das duas
revoluções poderia exercer impacto em ninguém. Estariam todos indiferentes à
extensiva política de agitação e de propaganda de anos de luta? Seriam os marinheiros
tão estúpidos a ponto de não ter nenhuma "profunda necessidade ou interesse
econômico" próprios, adotando os interesses de seus pais e irmãos!? Na visão de
Trotsky, eles ("não podiam compreender por si próprios que seus pais e irmãos
queriam acima de tudo  liberdade de comércio". [Op. Cit., p. 92]). Era este o conceito
dos bolshevikes sobre os marinheiros que formavam a tripulação de alguns dos navios
de guerra mais avançados do mundo?

Essas lamentáveis  asserções históricas de Wright revelam em cada palavra um gritante


equívoco. Ora, o povo trabalhador constantemente apresenta exigências políticas que
estão muito à frente das apresentadas pelos revolucionários "profissionais" (como
aquele alemão que com a Comuna de Paris na mente, pouco ligava para aquela Russia
com seus sovietes). A verdade é que os marinheiros de Kronstadt não apenas "se
aventuraram em uma insurreição sob o abstrato slogam por 'sovietes livres'" como
realmente criaram um (a conferência de delegados), coisa que Wright não menciona.
Acima de tudo, como provaremos na seção H.5.8, os marinheiros de 1921 foram
virtualmente idênticos àqueles de 1917. Aqueles marinheiros não poderiam ser
substituídos com tanta rapidez e facilidade devido à tecnologia requerida para operar as
defesas e os navios de guerra de Kronstadt.

Considerando "a influência dos marinheiros de orígem camponesa nas tropas do


Exército Vermelho contra o governo" é possível que os trotskystas argumentem que isso
se dava devido aos "soldados rasos do Exército Vermelho . . . relutantes e
desconfiados, que resistiam lutar contra o Kronstadt Vermelho, embora apontassem
suas armas contra eles durante a batalha", isso também prova a natureza camponesa da
revolta? [Sam Farber, Op. Cit., p. 192; Israel Getzler, _Kronstadt 1917-1921_, p. 243].
A fragilidade dos argumentos apresentados pelos trotskystas com relação a Kronstadt é
tal que não resistem a qualquer análise séria!

Por exemplo, é evidente que os trotskistas sabiam da natureza não-camponesa das


reivindicações de Kronstadt (conforme indicamos na última seção). Foi isto que John
Rees pateticamente reconheceu quando afirmou que "nenhuma outra insurreição
camponesa reproduziu as exigências de Kronstadt". [Op. Cit., p. 63] Conforme
indicamos acima, tanto greves, resoluções como também as atividades proletárias,
todas elas produziram exigências similares ou idênticas às exigências do Kronstadt. Tais
fatos, por si só, revelam a verdade (ou mentira) das asserções trotskistas nesse assunto.
Vasculham greves no passado, mas falham não reconhecendo que as exigências
surgiram após a delegação de marinheiros retornar de Petrogrado. Em vez de
"motivação ligada aos camponeses" e de "insatisfação com as classes trabalhadoras
urbanas" os fatos revelavam exatamente o oposto (conforme pode ser visto quando as
reivindicações vieram à tona). [Op. Cit., p. 61]. O motivo da resolução teve suas orígens
nas greves em Petrogrado, incluindo naturalmente também a insatisfação dos
camponeses (exposta no ponto 11). Para o povo de Kronstadt, a revolta dizia respeito a
todos os trabalhadores e a resolução refletia tanto as necessidades e as exigências dos
trabalhadores quanto dos camponeses.

Agora, afirmar que Kronstadt refletia únicamente as condições e os interesses dos


camponeses revela-se um monumental nonsense. Aliás, não foram as exigências
econômicas que alarmaram as autoridades bolshevikes. Zinovioev estava para remover
os destacamentos de bloqueio das estradas (ponto 8) enquanto que o governo desenhava
aquilo que mais tarde tornou-se conhecido como Nova Política Econômica (NPE) que,
diga-se de passágem, atendia parcialmente o ponto 11 (a NPE, diferentemente do que
desejava o povo de Kronstadt, além de não abolir o trabalho assalariado, ironicamente,
atendia aos interesses dos Kulaks!). O problema estava nas exigências políticas. Elas
representavam um claro desafio ao poder bolshevike pela proclamação do "poder
soviete".

kulak. fazendeiro russo, próspero do séc. XIX

Que mentiras os bolsheviks espalharam sobre


Kronstadt?
Desde o começo os bolshevikes mentiram sobre o levante. Na verdade, Kronstadt
proporciona um clássico exemplo de como Lenin e Trotsky utilizavam a difamação e
calúnia para destruir seus oponentes. Ambos procuraram pintar a revolta como sendo
organizada e conduzida pelos brancos. Em cada um dos estágios da rebelião, eles
faziam questão de afirmar que ela fora organizada e dirigida por elementos da guarda
branca. Conforme Paul Avrich escreveu, "fizeram de tudo para que os rebeldes fossem
desacreditados" quando o "o principal objetivo da propaganda bolshevike era mostrar
que o motim não foi uma explosão espontânea das massas em revolta mas uma nova
conspiração contra-revolucionária, seguindo o modêlo estabelecido durante a Guerra
Civil. De acordo com a imprensa Soviete (governo), os marinheiros, influenciados
pelos menshevikes e pelos RSs, tinham desavergonhadamente se vendido aos 'guardas
brancos' subordinando-se um general do Tzar chamado Kozlovksy . . . Tomando parte
em uma cuidadosa conspiração de desmantelamento [da Revolução] desenvolvida em
Paris por imigrantes russos em conexão com a contra-inteligência francesa". [Op. Cit.,
p. 88 e p. 95]

Lenin, por exemplo, argumentou no Décimo Congresso do Partido Comunista em 8 de


março que "Generais da Guarda Branca tiveram uma participação bastante ativa alí.
Existem muitas provas disso" e que ela foi "obra de Revolucionários Sociais [RSs
direitistas] e emigrantes da Guarda Branca". [Lenin e Trotsky, Kronstadt, p. 44]

O primeiro comunicado do governo sobre os eventos do Kronstadt trazia o título de "A


Revolta do Ex-General Kozlovsky  e o Navio de Guerra Petropavlovsk" declarando, em
parte, que a revolta foi "determinada, e  indubitavelmente preparada pela contra-
inteligência francesa". A descrição continua, afirmando que pela manhã do dia 2 de
março "o grupo dirigido pelo ex-general Kozlovsky . . . entrou em ação . . . [ele]
juntamente com tres de seus oficiais . . . assumindo a direção dos insurgentes. Sob sua
comando . . . uma quantidade de . . . indivíduos responsáveis, foram presos. . . Na
retaguarda dos RSs havia um general tzarista". [Op. Cit., pp. 65-6]

Victor Serge, um anarquista francês que se tornou bolshevike, lembrou que ele foi a
primeira pessoa a receber a notícia de que "Kronstadt estava nas mãos dos brancos" e
que "pequenos cartazes pregados nos muros nas ruas proclamavam que o contra-
revolucionário general Kozlovsky submetera Kronstadt através de conspiração e
traição". Com o passar dos dias, a "verdade pouco a pouco começou a aparecer,
diluindo a cortina de fumaça vinculada pela imprensa, um amontoado de mentiras". (na
verdade, ele afirmou que a imprensa bolshevike "mentia sistematicamente"). Ele
descobriu que a versão oficial bolshevique era "uma mentira atroz" e que, na verdade,
"tratava-se de um motim de marinheiros, uma revolta naval dirigida pelo soviete".
Contudo, o "pior de tudo foi a paralização provocada pela fraude oficial. Isso nunca
havia acontecido antes, o Partido mentindo assim para nós. ‘Isto é necessário para o
benefício do público' alguém disse . . . a greve [em Petrogrado] agora é praticamente
geral" (importante destacar que Serge, nas páginas anteriores, referindo-se a Nestor
Makhno, menciona "a extrema calúnia vinculada pela imprensa comunista" sobre ele,
"insistindo em acusá-lo de assinar pactos com os brancos num momento em que ele
estava engajado em uma luta de vida ou morte contra eles", sugerindo que Kronstadt
foi desgraçadamente a primeira vez que o Partido mentiu para ele). [_Memoirs of a
Revolutionary_, pp. 124-6 e p. 122]

Da mesma forma, Isaac Deutscher, o biógrafo de Trotsky, disse que os bolshevikes


"acusaram os homens amotinados de Kronstadt de contra-revolucionários conduzidos
por um general branco. Uma denúncia que aparentava ser infundada". [_The Prophet
Armed_, p. 511]

A afirmação de que a rebelião de Kronstadt era obra de brancos e conduzida por um


general tzarista branco foi uma mentira — uma mentira deliberada e conscientemente
espalhada. Ela foi forjada visando enfraquecer o apoio à rebelião em Petrogrado e no
Exército Vermelho, e para evitar que se espalhasse. O próprio Lenin admitiu em seu
discurso em 15 de março na Décima Conferência do Partido que em Kronstadt
(contrariando o que dissera em 8 de março) "eles não necessitavam dos guardas
brancos, nem de nosso poder tampouco". [citado por Avrich, Op. Cit., p. 129]

Se você concordar com o marxista italiano Antonio Gramsci quando ele diz que "falar
a verdade é um ato comunista e revolucionário" então fica claro que os bolshevikes em
1921 (e previamente) não foram nem comunistas nem revolucionários.

Os editores trotskystas de Kronstadt mostram a mesma versão dos bolshevikes como


sendo expressão da verdade. Nesta obra, eles apresentam uma "introdução" de Pierre
Frank que argumenta que os bolshevikes simplesmente "declararam que
generais[brancos] contra-revolucionários empenharam-se na manipulação de
insurgentes" e que os anarquistas "por sua vez proclamavam que tais generais tinham
dado início à rebelião e que Lenin, Trotsky juntamente com toda liderança do Partido
sabiam que não se tratava de uma mera revolta de 'generais'". [citado por Ida Mett].
Pelo que se pode apreender de tais autores, aparentemente, procuravam justificar que
"alguma coisa tinha que ser feita diante desses fatos" . Ele declara que Mett e outros
"simplesmente distorceram as posições bolshevikes". [Op. Cit., p. 22]

Esta mesma obra estabelece que aquilo que Lenin realmente queria dizer em 8 de março
de 1921 era que, "a imagem familiar dos generais da guarda branca" veio
"rapidamente à tona", e que "os generais brancos eram muito ativos" alí, e que era
"totalmente claro que aquilo era obra de Revolucionários Sociais (RSs) e emigrantes
da guarda branca" e que Kronstadt  tinha "ligações" com "a guarda branca". [Op. Cit.,
pp. 44-5]. Isto foi declarado a despeito da presença das declarações governamentais que
mencionamos acima em que o governo bolshevike claramente se refere à prisão de dois
líderes comunistas sob o "comando" de Kozlovsky que, por sua vez, "demonstrava"
apoio à direita-RSs cujas movimentações originaram à revolta (de acordo com os
bolshevikes).

Primeiramente, é incorreto associar Ida Mett às declarações de Lenin e Trotsky sobre o


general que "iniciara" a revolta. Em segundo lugar, ela apenas repetiu a versão da rádio
de Moscou sobre a revolta ("apenas mais uma insurreição da guarda branca"), que se
tratava de "um motim do ex-general Kozlovsky e a tripulação do navio de guerra
‘Petropavlovsk’". Uma trama organizada por espiões, enquanto os Revolucionarios
Socialistas (SRs) "preparavam" o terreno. Uma grande armação que tinha como real
comandante um "general tzarista". Na página anterior mencionada por Frank, consta a
versão bolshevike sobre quem teria iniciado a revolta. Estranho a queixa de Frank sobre
outros "distorcendo" a posição bolshevike quando, além da pessoa que ele cita não ter
feito isso, ele distorce seu real posicionamento. [Mett, Op. Cit., p. 43]

Mett simplesmente tomou conhecimento das mentiras bolshevikes na medida em que a


verdade com o tempo vinha à tona. O que ela disse foi que "Lenin, Trotsky juntamente
com toda liderança do Partido sabiam que não se tratava de uma mera revolta de
'generais'" [Op. Cit., p. 43]. Quem era esse tal general Kozlovsky que os bolshevikes
tanto insistiam em apontar como o líder da revolta? O que teve a ver com tudo isso?
Mett explica o que aconteceu:

Embora fosse um "general da artilharia, e o primeiro a desertar das linhas bolshevikes,


parecia destituido de qualquer capacidade de liderança. Quando eclodiu a insurreição
esperava-se que assumisse o comando da artilharia do Kronstadt, [pois] o comandante
comunista da fortaleza havia desertado. De acordo com as regras que prevaleciam na
fortaleza [quem] deveria substituí-lo [era] Kozlovsky". Ele, na verdade, recusou o
cargo, declarando que  as velhas regras não poderiam mais ser aplicadas pois a fortaleza
agora estava sob a jurisdição do Comitê Revolucionário Provisório. Kozlovsky
permaneceu, e isto é verdade, em Kronstadt, mas apenas enquanto perito em artilharia.
Todavia, após a queda de Kronstadt, em uma entrevista concedida à imprensa
finlandesa, Kozlovsky acusou os marinheiros de gastarem um precioso tempo com
outros assuntos em vez de defender a fortaleza. Ele explicou isso em termos de sua
relutancia em tomar parte de um eventual banho de sangue. Posteriormente, outros
oficiais da guarnição também passaram a acusar os marinheiros de incompetencia
militar, e de mão darem a devida atenção a suas observações técnicas. Kozlovsky era o
único general presente em Kronstadt. Isto foi suficiente para que o Governo fizesse uso
de seu nome.

"Os homens de Kronstadt, até certo ponto, utilizaram os conhecimentos militares de


alguns oficiais antigos da fortaleza. Alguns desses oficiais avisaram os homens de que
seriam completamente hostilizados pelos bolshevikes. Mas em seu ataque a Kronstadt,
as forças do Governo também utilizaram oficiais ex-tzaristas. De um lado estavam
Kozlovsky, Salomianov, e Arkannihov; do outro, também oficiais ex-tzaristas e peritos
do velho regime, tais como Toukhatchevsky. Kamenev, e Avrov. Em nenhum dos lados
havia forças independentes". [Op. Cit., p. 44]

Todas as versões não-leninistas concordam com isso. Paul Avrich destacou que quando
surgiu o nome de Kozlovsky "os bolshevikes passaram a denunciá-lo como o genio do
mal do movimento" transformaram-no num "proscrito" e passaram a hostilizar seus
familiares. Ele confirmou que peritos militares "recebiam incumbencias na tarefa de
planejar operações militares em favor da insurreição". Embora se recusando assumir o
comando da fortaleza depois da fuga do oficial mais graduado para o continente, "os
oficiais o consideravam um competente conselheiro para a rebelião. . . [mas no que diz
respeito ao] início ou à direção da revolta, à construção de seu programa político,
[todas estas coisas] estavam alienadas de sua maneira de pensar". Sua função "se
restringia em prover considerações técnicas, da mesma forma que procedera com os
bolshevikes". É necessário mencionar também, que "diante de todas as acusações de
que Kronstadt era uma conspiração de generais de guardas brancos, os oficiais ex-
tzaristas exerceram uma importancia maior no ataque do que na defesa da fortaleza".
[Op. Cit., p. 99, p. 100, p. 101 e p. 203]

Contudo, nada disso é suficiente para os trotskystas. Wright, por exemplo, não toca
nesse assunto. Ele apenas menciona a declaração de Alexander Berkman, sobre "um
general, Kozlovsky, em Kronstadt. Nomeado por Trotsky como perito em artilharia. E
que não exerceu nenhum papel nos eventos de Kronstadt". [_The Kronstadt
Rebellion_]. Diante disso, Wright protesta dizendo não corresponder à verdade e, como
prova, apela para a entrevista de Kozlovsky afirmando que "dos próprios lábios do
general contra-revolucionário . . . adquirimos uma declaração clara de que desde o
primeiro dia, ele e seus colegas haviam se associado abertamente com os amotinados,
tinham elaborado os 'melhores' planos para capturar Petrogrado . . . Se o plano
falhasse teria sido apenas porque Kozlovsky e seus colegas foram incapazes de
convencer os 'líderes políticos', i.e. seus aliados SR [!], e de que o momento era
propicio para expor os verdadeiros aspectos de seu programa". [Lenin e Trotsky,
Kronstadt, p. 119].

Será que a  recusa do Comitê Revolucionário Provisório em considerar os conselhos do


perito militar seriam uma prova de que, de fato, eles tinham ligação entre si!? Isso é
bastante comovente! Será que se o povo de Kronstadt tivesse aceito seu conselho isso
provaria que eles não estariam ligados? O fato de Kozlovsky não assumir o comando da
fortaleza se constitui numa prova de que ele tinha ligações com a revolta conforme a
versão da rádio bolshevike!?
Berkman estava certo? Kozlovsky foi o comandante da revolta?
Ora, a único vínculo de Kozlovsky com os rebeldes foi oferecer sua perícia aos
amotinados de Kronstadt (da mesma forma que fizera com os bolshevikes) e
desenvolver planos que foram rejeitados. Será que o simples fato de oferecer sua perícia
e fazer planos que são rejeitados pelos envolvidos equaliza seu papel naquele evento?
Se isso for verdade então o papel de Trotsky na revolução equivale ao papel de Durruti
na revolução espanhola!

Na medida em que as óbvias falsificações em torno desse tema tornaram-se mais e mais
conhecidas, Trotsky e seus seguidores apelaram para outros argumentos num contínuo
processo de calúnia e difamação dos rebeldes. O mais famoso foi afirmar que os
"marinheiros de Kronstadt eram completamente diferentes dos heróicos grupos
revolucionários de 1917". [Wright, Op. Cit., p. 129]. Retornaremos a esta questão na
seção H.5.8, refutando-a pelas evidencias (e mostrando como os trotskystas abusam de
pesquisas apresentando um quadro drasticamente falsificado dos fatos reais).

Centenas Negras-RS. RS significa "Revolucionários Sociais", um partido com uma


tradicional base camponesa e cuja ala direita havia feito uma composição com os
brancos; os reacionários "Centenas Negras" eram proto-fascistas que já atuavam antes
da revolução atacando judeus, militantes operários, radicais e daí por diante.

A revolta de Kronstadt foi um complô branco?


Os bolshevikes sempre retrataram a revolta de Kronstadt como um complô branco,
organizado pela contra-revolução (veja mais detalhes na última seção). Em particular,
associavam a revolta a uma conspiração, dirigida por espiões estrangeiros e executada
pelos RSs e pelos aliados da vanguarda branca.

Lenin, por exemplo, argumentou em 8 de março que "os generais da guarda branca
eram muito ativos" em Kronstadt. "Existem amplas provas disso. Duas semanas antes
do evento de Kronstadt, os jornais de Paris publicaram um motim em Kronstadt. É
evidente que se trata da ação de Revolucionários Sociais e emigrantes da guarda
branca". [_Kronstadt_, pp. 44]

Em 16 de março, Trotsky fez outra observação semelhante, destacando que,  "alguns


jornais estrangeiros . . . noticiaram que haveria um levante em Kronstadt em meados
de fevereiro . . . Como explicar isso? Muito simples . . . Os organizadores da Rússia
contra-revolucionária planejaram desencadear o motim no momento propício,
enquanto que um impaciente jornal amarelo e a imprensa financeira branca publicam
que ele já está acontecendo de fato". [Op. Cit., p. 68]

Estas parecem ser as grande "evidências" de Lenin e Trotsky com relação à natureza
branca-vanguardista da revolta. Na verdade, Trotsky com "base nesse despacho . . .
enviou um aviso a Petrogrado para meus companheiros navais". [Ibid.]

Todavia, para averiguar a verdade (ou inverdade) dessas afirmações basta verificar
como os bolshevikes reagiram ao anúncio do levante em Kronstadt. Eles não fizeram
nada. Os proprios editores trostkystas de um livro produzido para justificar a repressão
declararam que "o comando do Exército Vermelho foi apanhado de surpresa pela
rebelião". [Op. Cit., p. 6]. J.G. Wright, defendendo a posição de Trotsky (uma defesa
encomendada pelo próprio Trotsky), confessa que o "comando do Exército Vermelho"
foi "pego de surpresa pelo motim". [Op. Cit., p. 123]. Isto mostra claramente a pouca
importancia que os jornais davam à situação antes da rebelião. Naturalmente, durante e
depois a rebelião recebeu várias e diferentes abordágens que rápidamente se tornaram
foco da sujeira bolshevike.

Agora, usar essas coisas como evidência de um complô branco, é simplesmente


patético. Conforme Ida Mett argumentou, a "publicação de falsas notícias sobre a
Rússia nada tinha de excepcional. Tais notícias eram [corriqueiramente] publicadas
antes, durante e depois dos eventos de Kronstadt. . . Basear acusações em 'provas'
dessa espécie é inadmissível e imoral". [Mett, Op. Cit., p. 76]

Trotsky, ao mesmo tempo em que admitia, por um lado, que "a imprensa
imperialista . . . publicava . . . um grande número de reportagens fictícias sobre a
Rússia" sustentava, por outro, que as reportagens sobre Kronstadt eram exemplos de
"tramas" visando "provocar transtornos nos centros expecíficos da Rússia Soviética".
(na verdade, aqueless "agentes jornalísticos  do imperialismo apenas ‘adiantaram’
aquilo que estava sendo preparado para ser executado pelos outros agentes do
imperialismo".). [_Kronstadt_, p. 69]. Lenin também observou, em um artigo entitulado
"A Campanha das Mentiras", que "a imprensa ocidental, nas duas últimas semanas,
mergulhara em uma orgia de mentiras engajando-se na produção massiva de invenções
fantásticas sobre a Rússia Soviética" e relacionou (coisas tipo "Petrogrado e Moscou
nas mãos dos insurgentes"). [Op. Cit., p. 50 e p. 51]

Ora, se essa imprensa não era confiável como é que podia ser utilizada como prova de
uma conspiração branca em Kronstadt? A resposta é previsível. Conforme Mett
observou, "em 1938 o próprio Trotsky fez esta acusação". [Op. Cit., p. 76]. Em outras
palavras, num primeiro momento a imprensa é a mais pura expressão da mentira, num
segundo momento aquela mesma imprensa torna-se o mais valoroso arauto da verdade,
um documento incontestavel. Algo milagroso, para não dizer patético! Contudo, nem
isso impediu que seu leal seguidor John G. Wright se referisse a aquelas coisas como
"fatos irrefutáveis" determinantes da "conecção entre a contra-revolução e
Kronstadt".) [Op. Cit., p. 115]. Além disso, se há uma conspiração em curso, por que
diabos esses conspiradores contra-revolucionários divulgariam notícias antecipadas
sobre seus planos? Isso também nunca foi explicado.

Como pode ser visto, em tempo algum nenhuma evidência foi apresentada provando
que os brancos organizaram ou mesmo tomaram parte na revolta. Conforme Ida Mett
argumenta:

"Se, o governo bolshevike tinham mesmo provas dessas supostas ligações entre
Kronstadt e contra-revolucionários porque não as apresentaram? Por que não
mostraram às massas trabalhadoras da Rússia o 'real' motivo do levante? Se isso não
foi feito é porque nunca houve qualquer prova". [Op. Cit., p. 77]

Todavia, décadas depois o historiador Paul Avrich ter descoberto um documento


firmado como "altamente secreto" escrito a mão e entitulado "Memorandum sobre a
Questão da Organização do Levante em Kronstadt". O trotskysta Pierre Frank
considerou-o "tão convincente" que o "reproduziu integralmente" para provar que
existiu uma conspiração branca por trás da revolta de Kronstadt. Na verdade, ele
considerou isto uma "incontestável" revelação e que Lenin e Trotsky "não estavam
errados em suas análises sobre Kronstadt". [Op. Cit., p. 26 and p. 32]

Contudo, uma rápida leitura do documento revela, de fato, que Kronstadt nada teve a
ver com uma conspiração branca, e muito menos foi fruto dela. Pelo contrário o que o
documento mostrou com clareza foi que o "Centro Nacional" branco tencionava
experimentar e fazer uso de "levantes" espontâneos objetivando "eclodir eventos
futuros" para poder atingir seus próprios fins. O documento relata que "podia ser
observado nas massas e entre os marinheiros, numerosos e inconfundíveis sinais de
insatisfação com a ordem vigente". Na verdade, o "Memorandum" declarava que "não
podemos esquecer que mesmo que o comando frances e as organizações anti-
bolshevikes não tomem parte na preparação e na direção do levante, a revolta em
Kronstadt será como as outras, depois de um breve período de sucesso estará
condenada ao fracasso". [_Kronstadt 1921_, p. 235 e p. 240]
Conforme Avrich destaca, an "o assunto fundamental do Memorandum é que a revolta
não ocorreria antes do degelo da primavera, quando o gelo derrete e Kronstadt fica
imune à uma invasão pelo continente". [_Kronstadt 1921_, pp. 106-7]. Voline dizia o
óbvio quando argumentou que a revolta "eclodiu espontaneamente" pois se ela "fosse
resultado de um plano concebido e preparado anteriormente, ela certamente não teria
acontecido no começo de março, num momento desfavorável. Algumas semanas depois,
com Kronstadt livre do gelo, teria se tornado uma fortaleza inexpugnável . . . A grande
vantágem do governo bolshevike foi precisamente a espontaneidade do movimento e a
ausência de qualquer organização prévia, qualquer cálculo, na ação dos marinheiros".
[_The Unknown Revolution_, p. 487]. Conforme pode ser visto, o "Memorandum"
também reconheceu a necessidade do gelo derreter e esta era a questão básica que
estava por trás do documento. Em outras palavras, a revolta foi realmente espontânea e
isto  permeia todo o "Memorandum."

Avrich rejeita a idéia de que o "Memorandum" explique a revolta:

"Nada vem à luz revelando que o memorando secreto tenha sido sequer posto em
prática ou que havia alguma ligação entre os emigrantes e os marinheiros antes da
revolta. Pelo contrário, o levante caracterizou-se pela espontaneidade . . . não havia
nenhum traço no comportamento dos rebeldes que sugerisse qualquer cuidado maior
nos preparativos da revolta. Se tivessem arquitetado um plano, os marinheiros
certamente teriam esperado o gelo derreter . . . Além disso,os rebeldes autorizaram
Kalinin [um líder comunista] retornar a Petrogrado, embora ele houvesse feito
importantes ameaças. Mais adiante, não fizeram qualquer tentativa no sentido de
tomar a ofensiva . . . Também é muito significante, a grande quantidade de comunistas
que tomaram parte no movimento. . .

"Os marinheiros não necessitavam de nenhum incentivo externo para levantar a


bandeira da insurreição. . . Kronstadt estava claramente pronta para a rebelião. E
todas estas coisas nada tinham a ver com maquinações de emigrantes conspiradores e
de agentes da inteligência estrangeira, mas com a onda de levantes camponeses
através do país e com as movimentações dos trabalhadores na vizinha Petrogrado. Da
forma como a revolta se desencadeou, ela seguiu o modelo das primeiras eclosões
contra o governo central em 1905 através da Guerra Civil". [Op. Cit., pp. 111-2].

Voline argumenta explicitamente que essa "antecipação" da revolta pelo Centro


Nacional, na verdade "desmantelava os planos para ajudar organiza-la", eles não
dedicaram "nenhum tempo para por tais planos em prática". A "eclosão ocorreu cedo
demais, muitas semanas antes que as condições básicas da trama . . . se
estabelecessem". E ele continua destacando que "não foi verdade que emigrantes
desenharam a rebelião". A revolta foi "um movimento espontâneo e auto-controlado do
começo ao fim". [Op. Cit., pp. 126-7]

Além disso, mesmo se o memorandum tivesse alguma ligação com algum aspecto da
revolta seria em conexão com a reação do 'Centro Nacional' branco. Em primeiro lugar,
nem eles nem os franceses proporcionaram qualquer tipo de ajuda aos revoltosos. Em
segundo lugar, o professor Grimm, agente chefe do Centro Nacional em Helsingfors e
os oficiais representantes do general Wrangel na Finlandia, declararam para um colega,
depois da revolta ter sido esmagada, que se ocorresse uma nova eclosão o grupo não
seria pego de surpresa novamente. Avrich também afirma que a revolta "pegou os
emigrantes num ponto de desequilibrio" e que "nada . . . tinha sido feito para
implementar um Memorandum Secreto, e que as admoestações do autor eram
altamente recomendaveis". [Paul Avrich, Op. Cit., p. 212 e p. 123]

Com efeito, as tentativas encaminhadas por certos trotskystas de última hora para
justificar as difamações e calúnias de seus heróis contra Kronstad são patéticas. Nunca
houve qualquer evidência da existencia de um plano por parte da vanguarda branca.
Quando, em 1970, Paul Avrich divulgou suas pesquisas sobre a revolta, o único
documento em questão claramente não sustentava qualquer hipótese sobre brancos
organizando a revolta. Pelo contrário, os brancos queriam mesmo era se aproveitar do
"levante" dos marinheiros em proveito próprio, o "levante"por eles prognosticado
ocorreria na primavera (com ou sem eles). A revolta de fato ocorreu mais cedo do que
eles esperavam e não foi produto de uma conspiração. Na verdade, a história revelada
por este documento não comprova outra coisa a não ser que a revolta foi espontânea.

Portanto, a afirmação de que Kronstadt foi um complô branco é destituída de qualquer


base lógica ou documental. Não existe nenhuma evidência que sustente tal afirmação.

Qual foi o real comprometimento de Kronstadt com os


brancos?
Conforme demonstramos na última seção, a revolta de Kronstadt não foi uma
conspiração branca. Desde o princípio foi uma revolta popular. Apesar disso, alguns
trotskystas ainda tentam manchar a revolta argumentando que ela foi, de fato, real ou
"objetivamente" pró-brancos. Vamos analisar essa questão agora.

Primeiramente, devemos destacar que o povo de Kronstadt assumira uma postura de


completa rejeição a qualquer oferta ou ajuda que viesse do Centro Nacional e
óbviamente de qualquer outro grupo pró-branco (aceitaram ajuda da Cruz Vermelha
Russa já no fim da rebelião quando a situação alimentar se tornara crítica).
Historiadores como Israel Getzler destacam que "o povo de Kronstadt encarou como
um profundo insulto todos os gestos de simpatia e de promessas de ajuda oriúndos dos
emigrantes das guardas-brancas". [Getzler, Op. Cit., p. 235]. Avrich relata o "profundo
ódio" que o povo de Kronstadt nutria pelos brancos e que "tanto antes quanto depois no
exílio" eles "rejeitaram indignados todas as acusações governamentais de colaboração
com grupos contra-revolucionários domésticos ou externos". Conforme os próprios
comunistas puderam constatar, não veio nenhuma ajuda externa para os insurgentes.
[Op. Cit., p. 187, p. 112 e p. 123]

Em outras palavras, não há qualquer relação entre a revolta e os brancos.

É evidente que os brancos ficaram extremamente felizes com a revolta do povo de


Konstradt. Ninguém pode negar isso. Mas daí afirmar que a revolta em si foi estruturada
por reacionários contra as lutas sociais não possui qualquer fundamento político. Na
verdade, a verdadeira contra-revolução estava latente dentro do partido bolshevike e
revelou-se integralmente com a subida do estalinismo em 1929 que representou a mais
feroz supressão das forças populares que se posicionavam contra uma forma específica
de capitalismo (sabidamente o capitalismo de estado). Indo mais fundo veremos que
muitos trotskystas ortodoxos assumiram essa posição reacionária (apoiando a seção da
burocracia estalinista reforçando sua ditadura).

Na verdade, o próprio povo de Kronstadt sabia que os brancos estavam dispostos a apoir
suas ações (quaisquer ações contra os bolshevikes) mas este apoio nada tinha a ver com
aquilo que motivava a população, vinha por razões diferentes daquelas pelas quais o
povo lutava:

"Vocês, . . . marinheiros e trabalhadores de Kronstadt tomaram na marra o leme das


mãos dos comunistas e assumiram a direção . . . Camaradas, não se descuidem desse
leme pois os inimigos tentarão retomá-lo novamente. Ao menor descuido reassumirão a
direção, e tudo isso irá provocar triunfantes gargalhadas nos lacaios tzaristas e nos
seguidores da burguesia.

"Camaradas, neste momento voces estão alegres pela grande e pacífica vitória sobre a
ditadura dos comunistas. Contudo, nossos outros inimigos também celebram.

"O motivo da alegria deles, e completamente diferente dos motivos de nossa alegria.

"Voces foram movidos pelo ardente desejo por restaurar o autêntico poder dos
sovietes, pela nobre esperança de ver o trabalhador exercendo livremente seu trabalho
e o camponês alegrando-se pelo direito de dispor, em sua terra, do produto de sua
labuta. Enquanto que eles sonham em recuperar o chicote tzarista e os privilégios de
seus generais.

"Seus interesses são diferentes. Eles nunca foram seus companheiros de jornada.

"Sua ação foi para libertar-se do poder dos comunistas para poderem desenvolver seu
trabalho fecundo de paz construtiva. Ao passo que eles desejam forçar os
trabalhadores e camponeses a voltar a ser seus escravos.

"Vocês estão à procura de liberdade. Eles querem submetê-los a correntes. Estejam


vigilantes! Não permitam que retomem o leme das tuas mãos". [_No Gods, No
Masters_, vol. 2, pp. 187-8]

Claro que isso não é suficiente para os seguidores de Lenin e Trosky. John Rees, por
exemplo, menciona Paul Avrich em defesa de sua asserção de que a revolta de
Kronstadt foi, de fato, pró-brancos. Ele argumenta o seguinte:

"Paul Avrich . . . disse que é uma ‘evidência inegável’ que a liderança da rebelião
resultou de um acordo com os brancos após eles [rebeldes] terem sido esmagados e
que 'não pode ser desconsiderada a possibilidade de que isso tenha sido continuidade
de um relacionamento anterior'". [Op. Cit., p. 64].

O que Rees esquece de mencionar é aquilo que Avrich acrescenta em seguida,


"contudo, uma cuidadosa análise não fornece qualquer fundamento a essa crença". Ele
próprio afirma que "nada veio à luz no sentido de mostrar que . . . houvesse qualquer
ligação entre emigrantes e marinheiros antes da revolta". [Avrich, Op. Cit., p. 111].
Notável essa falha na citação de Rees ou mesmo em mencionar a conclusão de Avrich
sobre suas próprias especulações! Ress simplesmente isolou a situação pós-revolta fora
do contexto geral e passou a sugerir ligações entre "lideranças" da rebelião e os brancos.
Avrich corretamente argumenta que "não há qualquer prova que revele que havia
alguma ligação entre o Centro [Nacional] e o Comitê Revolucionário tanto antes como
depois da revolta. Em vez disso, tudo que se constatou foi uma experiência mútua de
amargura e frustração. E isso, mesmo que tivessem, no calor da batalha, em um
momento ou outro juntado forças contra o regime bolshevike". [Op. Cit., p. 129]. O
desespero em ver nossos amigos e companheiros sendo assassinados por ditadores pode
perfeitamente afetar nosso julgamento, isso é previsível e compreensível.

Vamos supor, por um momento, que certos elementos na "liderança" dos revoltosos
fossem, de fato, patifes. Qual o peso que isso representa na avaliação da revolta do
Kronstadt? Primeiramente, precisamos destacar que esta "liderança" havia sido eleita
pela e sob o controle da "conferência de delegados", que foi por sua vez eleita por e sob
controle de marinheiros e soldados rasos juntamente com gente comum do povo. Este
grupo se reunia durante a revolta "para receber e debater as informações que vinham
do Comitê Revolucionário e para propor  medidas e providências". [Getzler, Op. Cit.,
p. 217]. As ações das "lideranças" não se processaram de uma forma independente do
conjunto da população, indiferente à sua agenda, elas funcionavam sob o controle da
base. Em outras palavras, a revolta não estava subordinada ao resultado de discussões
entre "lideranças" fossem elas "homens maus" ou não. Na realidade, esse tipo de atitude
apenas reflete o elitismo da história da burguesia.

Em segundo lugar, a questão que se coloca é se os trabalhadores estavam participando


da luta e o que desejavam conquistar, e definitivamente não se os "líderes" eram
honrados cidadãos. Ironicamente, Trotsky indicou o porquê. Em 1934, ele argumentou,
"qualquer um que diga que não apoiamos os mineiros britânicos na greve de 1926 ou
nas recentes grandes greves nos Estados Unidos com todos os meios que tinhamos à
nossa disposição será um traidor dos trabalhadores britânicos e americanos, embora
os líderes das greves tenham sido em sua maior parte patifes". [_No Compromise on
the Russian Question_].

O mesmo se aplica a Kronstadt. Mesmo se assumissemos a ligação de alguns dos


"líderes" da revolta com o Centro Nacional (uma mera hipótese sem base consistente),
isso de forma alguma invalida a revolta de Kronstadt. O movimento não foi produzido
por assumidos "líderes" na revolta, pelo contrário, surgiu da base e refletiu as exigências
e a política de todos aqueles que estavam envolvidos. Afirmar que o movimento estava
nas mãos de "líderes", conforme a KGB e outras fontes bolshevikes argumentaram, é o
mesmo que dizer que alguns "líderes" do levante húngaro de 1956 tinham ligações
como a CIA ou com agitadores plantados pela CIA, tornando aqueles que fizeram a
revolução juntamente com os conselhos de trabalhadores um amontoado de coisas sem
valor. Claro que não foi assim. Se alguns dos "líderes" foram patifes, conforme Trotsky
argumentou, isso por si só não invalida a revolta. O fator chave aqui é o critério da
classe trabalhadora.

(Como esclarecimento, queremos destacar que Trotsky estava argumentando contra


aqueles que afirmavam que para defender incondicionalmente a União Soviética tinham
que dar apoio ao Stalinismo. Ele afirmou imediatamente em seguida as palavras que
citamos acima: "Exatamente a mesma coisa se aplica à URSS!". Contudo, existem
algumas óbvias diferenças que invalidam sua analogia. Primeiro, as lideranças
stalinistas estavam explorando e oprimindo os trabalhadores através do poder do estado.
Burocratas sindicais, apesar de todas suas falhas, não eram carniceiros assassinos nas
mãos de ditadores sob a cobertura de tropas e da polícia secreta. Em segundo lugar, as
greves são exemplos da ação direta do proletariado que podem fugir e escapar do
controle das estruturas e burocracias sindicais. Elas podem se tornar o ponto focal na
criação de novas formas de organização e de poder da classe trabalhadora que pode dar
um fim no poder e nas burocracias sindicais e substituí-los por greves e conselhos auto-
geridos. O regime stalinista era integralmente organizado no sentido de reprimir
qualquer tentativa de desmontá-lo e e não uma forma de defesa da classe trabalhadora, o
mesmo se pode dizer com relação à sua organização sindical submetida a ferros).

John Rees continua argumentanto que:

"Com o isolamento da revolta Petrichenko foi forçado a reconhecer a realidade do


balanceamento das forças de classe. Em 13 de março Petrichenko telegrafou a David
Grimm, o chefe do Centro Nacional e representante oficial do general Wrangel na
Finlândia, para ajudá-lo enviando alimento. Em 16 de março Petrichenko aceitou a
oferta da ajuda do Barão P. V. Vilkin, um sócio de Grimm que os bolshevikes
acertadamente chamavam de agente branco. As tropas foram esmagadas antes que
qualquer ajuda chegasse, mas no desenrolar dos eventos chegaram armas dos brancos
para as mãos dos marinheiros, como sempre se suspeitou que estava ocorrendo". [Op.
Cit., p. 64]

Diante da repressão que a ditadura bolshevike implementava contra a classe


trabalhadora de Petrogrado, o povo de Kronstadt não teve outra opção a não ser aceitar
ajuda. O argumento de Rees lembra a "lógica" da direita em seus argumentos com
relação à Guerra Civil Espanhola e às Revoluções Cubana e Sandinista. Isoladas, cada
uma dessas revoltas estava inclinada a aceitar auxílio da União Soviética revelando
aquilo que a direita "sempre sabia desde o começo", ou seja, sua objetiva "natureza
comunista" e suas ligações com uma "Conspiração Comunista Internacional". Poucos
revolucionários avaliariam estas lutas em bases tão estreitas e ilógicas mas é isso que
Rees faz com relação a Kronstadt.

Além do mais, a lógica desses argumentos de Rees foi posteriormente utilizada pelos
stalinistas. Na verdade, sua concordancia com os stalinistas, no que diz respeito à
revolução húngara de 1956 é bastante esclarecedora. Bastou os revoltosos hungaros
pedirem auxílio ao Ocidente contra o Exército Vermelho, para que Rees qualificasse
esse ato como objetivamente contra-revolucionário e pró-capitalista, exatamente como
os burocratas do Partido Comunista haviam argumentado. O fato de chegarem muitas
menságens de apoio aos rebeldes durante a revolta, de acordo com a lógica de Rees, era
uma prova de que todos os revoltosos estavam impregnados de valores burgueses,
condenando a revolta aos olhos de todos os socialistas. Similarmente, o fato do
sindicato polonês Solidariedade ter recebido apoio Ocidental contra o regime estalinista
não significa que sua luta foi contra-revolucionária. Assim, os argumentos usados por
Rees são idênticos àqueles utilizados pelos stalinistas para apoiar a repressão que
dirigiram contra a classe trabalhadora no Império Soviético. Na verdade, os trotskystas
ortodoxos também chamaram a  "Solidarnosc" de uma corporação ligada à CIA,
banqueiros, Vaticano, Wall Street, capitalistas contra-revolucionários na Polônia, e
responsável pela queda da União Soviética em prejuízo da classe trabalhadora e do
socialismo, em outras palavras, uma contra-revolução. Como prova para essas
argumentações eles apontam a alegria e a disposição generalizada de apoio nos círculos
de elite Ocidentais (ignorando completamente a natureza popular daquela revolta).

Na realidade, o fato de que outros se aproveitem tomando vantagem dessas (e de outras)


situações é inevitável e irrelevante. O que importa mesmo é se a classe trabalhadora
detém o controle da revolta e quais são seus principais objetivos. Por este critério de
classe, é claro que a revolta de Kronstadt foi uma revolta revolucionária, como também
o foi na Hungria em 1956, onde o miolo da revolta estava na classe trabalhadora e em
seus conselhos. Eles tanto controlavam quanto davam o ritmo. A vantágem que os
brancos tentaram tirar dela é tão irrelevante na avaliação da revolta de Kronstadt quanto
a tentativa stalinista de tirar vantágem da luta espanhola contra o fascismo.

Por fim, é bom não esquecer o fato de que os membros do comitê revolucionário de
Kronstadt se refugiaram na Finlândia juntamente com "cerca de 8.000 pessoas (alguns
marinheiros e a parte mais ativa da população civil)". [Mett, Op. Cit., p. 57]. Foi assim
que os bolshevikes vaticinaram o dia 5 de março ("No último minuto, todos aqueles
generais, Kozlovskvs, Bourksers, e toda aquela ralé, Petrichenkos, e os Tourins voaram
para a Finlandia, para as guardas brancas". [citado por Mett, Op. Cit., p. 50]).
Contudo, isto não indica qualquer conexão com "guardas brancas". Afinal das contas,
para onde mais eles poderiam ter ido? Qualquer um deles que permanecesse na Rússia
Soviética restava apenas uma prisão bolshevike ou a morte. O fato de que ativos
participantes na revolta tivessem im único refúgio para ir para evitar a morte não tira o
mérito da natureza da revolta nem pode ser usado como "evidencia" de uma
"conspiração branca".

Em outras palavras, a tentativa dos trotskystas de manchar os marinheiros de Kronstadt


acusando-os de ligações com os brancos é simplesmente falsa. As ações de alguns
rebeldes depois que os bolshevikes esmagaram a revolta não podem ser usadas para
desmerecer a revolta em si. A real relação da revolta com os brancos claramente foi
ódio e oposição.
 

A rebelião envolveu novos marinheiros?


A desculpa trotskysta mais usada para justificar a repressão à revolta de Kronstadt é a
do próprio Trotsky. Afirmar que os marinheiros em 1921 eram diferentes dos
marinheiros de 1917. Trotsky declara que em 16 de março a Frota do Báltico estava
"destituída de seu pessoal" e que "muitos dos marinheiros revolucionários" de 1917
tinham sido "transferidos" para outros locais. "Por questões acidentais foram
substituídos em larga escala". Isto "facilitou" o trabalho da "organização contra-
revolucionária" que "escolheu" Kronstadt [_Kronstadt_, pp. 68-9].

Ele repetiu este argumento em 1937 e 1938. [Op. Cit., p. 79, p. 81 e p. 87]. Seus
discípulos repetiram suas afirmações. Wright argumenta que "o pessoal da fortaleza
não pode ter permanecido estático durante todo o período entre 1917 e 1921".
Duvidando que aqueles marinheiros revolucionários de 1917, aqueles bravos camaradas
que enfrentaram os brancos, eram os mesmos que estavam por trás da revolta de 1921.
[Op. Cit., pp. 122-3]. John Rees argumenta que como "a composição da guarnição
havia mudado . . . tudo indica que os camponeses concentraram seus esforços em
Kronstadt, conforme Trotsky sugeriu". [Op. Cit., p. 61]

Como pode ser visto, essa alegação de que os marinheiros de Kronstadt constituiam
uma "massa amorfa" cuja composição social se modificara é muito comum nos círculos
trotskystas. O que fazer com alegações como estas?

Primeiramente, vamos averiguar os fatos relacionados com a composição social e a


rotação do pessoal em Kronstadt. Depois, veremos como os trotskystas abusam destas
alegações para distorcer a verdade.

Graças às modernas pesquisas, é fácil constatar que a composição social dos


trabalhadores e camponeses não se modificou. Em Kronstadt 20.000 marinheiros
compunham a Frota Báltica, uma mão-de-obra que preenchia os requisitos tecnológios
necessários para a operação daqueles modernos navios. Desse total, 31% vieram das
fábricas entre 1904 e 1916 [The Truth About Kronstadt]. Em 1921 mais de três
quartos dos marinheiros eram de orígem camponesa. [Avrich, Op. Cit., p. 89]. Em
outras palavras, o "peso" dos camponeses em Kronstadt aumentou cerca de 10%
comparado com 1917 (i.e. para 5-7 pontos percentuais acima dos 71% em 1917). Em
outras palavras, o aumento foi irrisório. O mesmo aconteceu no que diz respeito à
composição de classe. A maioria dos marinheiros em 1921, tanto quanto em 1917, eram
de orígem camponesa.

Como saber se aqueles aqueles marinheiros camponeses eram novos recrutas ou


veteranos de 1917? A resposta é que os veteranos predominavam. O acadêmico Israel
Getzler investigou os registros soviéticos do período e constatou que daqueles que
serviram nos navios do Báltico em janeiro de 1921 pelo menos 75,5% foram recrutados
antes de 1918. Mais de 80% vieram de áreas da Grande Rússia, 10% da Ucrania e 9%
da Finlandia, Estônia, Latvia e Polônia. Ele concluiu que o "os politizados veteranos
marinheiros vermelhos predominavam em Kronstadt no final de 1920" e baseia tais
conclusões na "frieza dos dados estatísticos" acima citados. Ele investigou a tripulação
dos dois maiores navios de guerra, o Petropavlosk e o Sevastopol (ambos de renome
desde 1917 pelo zêlo revolucionário e pela fidelidade aos bolshevikes, nas palavras de
Paul Avrich, "o terror do levante". [Avrich, Op. Cit., p. 93]). Suas descobertas são
conclusivas:

"Dos 2.028 marinheiros alistados, nada menos que 1.904 ou 93,9% foram recrutados
na marinha antes e durante a revolução de 1917. O grupo maior, 1.195, se agregou em
1914-16. Apenas 137 marinheiros ou 6.8% foram recrutados nos anos de 1918-21,
incluindo três que foram recrutados em 1921, e eles foram os únicos que não estavam
lá durante a revolução de 1917". [_Kronstadt 1917-1921_, pp. 207-8]

Além do mais, A maioria dos comitês revolucionários eram veteranos do soviete de


Kronstadt e da revolução de outubro. [Ida Mett, Op. Cit., p. 42]. "Em virtude de sua
maturidade e experiência, sem falar de sua profunda desilusão enquanto participantes
na revolução, era natural que aqueles marinheiros sazonais estivessem à frente do
levante". [Avrich, Op. Cit., p. 91]. Em outras palavras, a magnitude dos marinheiros em
1921 permaneceu sendo a mesma que em 1917.
Os resultados dessa pesquisa refutam as afirmações de trotskystas como Chris Herman.
Da mesma forma que Trotsky ele argumentou que "A Kronstadt de 1921 não era a
mesma de 1917 pois a composição de classe de seus marinheiros havia mudado. Os
melhores elementos socialistas dos velhos tempos haviam parado de lutar na linha de
frente do exército e foram substituídos principalmente por camponeses cuja devoção à
revolução era a mesma de sua classe". [citado por Sam Farber, Before Stalinism, p.
192]. Contudo, como é fácil verificar, a composição de classe não mudou em sua
essência e a tripulação dos navios permaneceu praticamente inalterada durante o
período em questão. Retomaremos estas questões mais tarde de forma a demonstrar a
estreiteza que permeia os círculos trotskystas.

Herman, fervoroso discípulo de Trotsky, escreveu em 1937 que Kronstadt estava


"completamente destituída dos elementos proletários" devido a "todos os marinheiros"
que compunham a tripulação dos navios "terem se tornado comissários, comandantes,
presidentes de sovietes locais". Posteriormente, renunciando à estupidez de sua
afirmação, ele deu uma guinada qualificando Kronstadt como "privada de suas forças
revolucionárias" desde "o inverno de 1919". Embora admitindo "um certo número de
trabalhadores qualificados e peritos" que permaneceu para "cuidar do maquinário"
conclui que eles eram "politicamente não confiáveis" pelo fato de não terem sido
escolhidos para lutar na guerra civil. [Lenin e Trotsky, Kronstadt, p. 87 e p. 90]

Como prova, ele menciona um telegrama seu solicitando "no final de 1919, ou em 1920,
licença para transferir um grupo de marinheiros de Kronstadt" ao que foi respondido:
"licença negada" [Op. Cit., p. 81]. Ora, nessa linha de raciocínio o comando comunista
em Kronstadt deveria deixar a fortificação totalmente desprovida de tripulação! O bom
senso é deploravelmente deficiente em Trotsky, tanto quanto em seus discípulos.

Wright, pondera que era "impossível" acreditar que os marinheiros de 1917 pudessem
ser aqueles mesmos camaradas que lutaram contra os brancos em Kronstadt. Isso teria
sido um argumento válido se  as forças armadas soviéticas fossem democráticamente
constituídas. Contudo, conforme indicaremos na seção H.5.13, ela fôra típicamente
organizada sob o modêlo burguês. Trotsky aboliu os conselhos democráticos de
soldados e marinheiros da mesma forma que aboliu a eleição de oficiais em favor da
indicação de oficiais dentro de estruturas militares hierárquicas piramidais. O fato de
terem que defender Petrogrado e o nível técnico de conhecimento requerido para operar
os navios de guerra e as defesas de Kronstadt implica que os marinheiros de 1917 eram
insubstituíveis e tinham que permanecer em Kronstadt. E foi isso o que, de fato,
ocorreu. Nas palavras de Israel Gelzter:

"Uma razão para a permanencia em Kronstadt desses veteranos marinheiros, embora


em número bem reduzido, foi precisamente a dificuldade em treinar, devido às
condições impostas pela guerra, uma geração nova e competente. A operação dos
ultra-modernos navios da frota russa requeria em geral tanto destreza como técnicas
sofisticadas". [Op. Cit., p. 208]

Trotsky, em sua afirmação de que foram os guardas brancos que organizaram a revolta,
obviamente percebeu que aquele argumento (agora refutado) de mudança na
composição social dos marinheiros faria água rapidamente . E continuou enveredando
por outros caminhos:
"Os melhores, os mais dedicados marinheiros estavam ausentes de Kronstadt, por
exercerem um importante papel nos fronts e nos sovietes locais pelo país afora. Aquilo
que pudemos observar foi uma pretenciosa massa amorfa ('Somos de Kronstadt'), mas
sem educação e preparação política para o sacrifício revolucionário. O país estava
faminto. Enquanto que povo de Kronstadt exigia privilégios. O levante foi ditado pelo
desejo de obter rações alimentares privilegiadas". [_Kronstadt_, p. 79].

Este primeiro comentário de Trotsky diante do levante contém uma mentira. Conforme
Ida Mett escreveu, "tal exigência nunca foi feita pelos homens de Kronstadt". Trotsky
"deu início a suas acusações públicas através de uma mentira". [_The Kronstadt
Uprising_, p. 73]. Ele repetiu essa mesma afirmação novamente, seis meses depois [Op.
Cit., p. 92]. Na verdade, o que aconteceu foi exatamente o contrário. O ponto 9 das
reivindicações de Kronstadt se referia explicitamente ao fim dos privilégios pedindo
"equalização das rações para todos os trabalhadores".

No que se refere à "ausência de educação política", a resolução dos 15 pontos votados


pelos marinheiros expõe o nonsense desta afirmação. Isso fora o fato dos marinheiros
enfrentarem o Exército Vermelho para alcançar esse objetivo. Eles estavam preparados
para morrer pelos seus ideais. Continuando em suas ambiguidades Trotsky argumenta
que "em 1917-18, ganhavam consideravelmente bem mais que a média do Exército
Vermelho" mas que em 1921 eles passaram a "receber, geralmente, . . . um índice
consideravelmente menor, que a média do Exército Vermelho". Na realidade, conforme
indicaremos na seção H.5.12, o programa político da revolta foi fundamentalmente o
mesmo da democracia soviete de 1917 e, conforme podemos observar, se opunha à
introdução de trabalho assalariado, uma idéia básicamente socialista (idéia ausente na
política bolshevike do NPE). Além do mais, foram  encontros em massa que chegaram a
essa resolução, e por unanimidade, significando que tanto os velhos como os novos
marinheiros concordaram com ela. Totalmente diverso das asserções de Trotsky.

É patente a debilidade dos argumentos de Trotsky inclusive quando se referem à


alteração da natureza dos marinheiros. Considerando a avaliação de Emma Goldman
com relação às afirmações de Trotsky, veremos que ele apenas fazia uso de meros
expedientes (que absolutamente nada tinham a ver com a revolta):

"Não me atrevo argumentar quem foram os marinheiros de 1918 ou 1919. Até janeiro
de 1920 eu não estava na Rússia. Naquele tempo [contudo], Kronstadt, que havia
'liquidado' os marinheiros da frota do Báltico, era considerado o glorioso exemplo do
valor e da corágem inabalável. Naquele tempo eu ouvia não apenas de anarquistas,
menshevikes e revolucionários sociais, mas também de muitos comunistas, que a
verdadeira espinha dorsal da Revolução foram os marinheiros. Em 1o. de maio de
1920, durante a celebração e outras festividades organizadas pela primeira Missão de
Trabalhadores Britânicos, os marinheiros de Kronstadt receberam um grande
contingente de homenágens, que os colocava como grandes heróis, que haviam salvo a
Revolução de Kerensky e Petrogrado de Yudenich. Durante o aniversário de outubro os
marinheiros foram novamente para a frente dos soldados, representaram a tomada do
Palácio de Inverno e foram vívidamente aclamados pela multidão.

"Será que os membros da direção do partido, inclusive Leon Trotsky, tinham


consciência da imágem de corruptos e desmoralizados que Kronstadt fazia deles?
Acredito que não. Contudo, duvido que o próprio Trotsky tenha exercido qualquer
controle sobre os marinheiros de Kronstadt até março de 1921. Sua história [posterior]
foi, portanto, uma tardia reflexão, uma racionalização para justificar a estúpida
'liquidação' de Kronstadt". [_Trotsky Protests Too Much_]

Ante Ciliga menciona o testemunho a respeito de Kronstadt prestado por um


companheiro prisioneiro político na Rússia Soviética:

"'É um mito [considerar], do ponto de vista social, que Kronstadt de 1921 tivesse uma
população completamente diferente de 1917'. Essas foram as palavras de D., um
homem de Petrogrado, para mim na prisão. Em 1921 ele pertenceu à juventude
comunista e em 1932 foi preso como 'decista' (membro do grupo dos Centralistas
Democráticos de Sapronov)" [Op. Cit., pp. 335-6].

Desde então, tanto Paul Avrich quanto Israel Gelzter tem analizado esta questão. A
outra razão relacionada a esse assunto, ou seja, o abuso destes argumentos para defender
sua causa, que revelam com perfeição a natureza da ética bolshevike. "Distantes dos
revolucionários", declara Ciliga, "eles não ficaram apenas nas palavras, e tornaram
realidade as tarefas da reação e da contra-revolução, [após isso] passaram,
inevitavelmente, a fazer uso do recurso da mentira, da calúnia e da falsificação" [Op.
Cit., p. 335]. Defender tais atos é pagar tributo àqueles que seguem sua tradição.

Desnecessário dizer que tal evidência é raramente mencionada pelos defensores do


bolshevismo. Todavia, ao mesmo tempo que ignoram novas evidências, os trotskistas,
surpreendentemente, procuram utilizá-las à sua maneira, em seu próprio benefício, para
seus próprios propósitos. Cada nova obra sobre Kronstadt passa a ser seletivamente
citada pelos trotskystas para apoiar seus argumentos, sempre desprezando a verdade.
Podemos destacar duas obras, Kronstadt 1921 de Paul Avrich e Kronstadt 1917-21 de
Israel Getzler, que, surrealisticamente, foram utilizadas pelos trostskystas para apoiar as
conclusões bolshevikes quando, na realidade, elas concluem o oposto. A distorção de
tais referências chega às raias do absurdo e mostra a natureza da mentalidade trotskysta.

Pierre Frank argumenta que a obra de Paul Avrich possui "conclusões" que são
"similares às de Trotsky" e que "confirmam as alterações na composição das
guarnições de  Kronstadt que se processaram durante a guerra civil, embora faça isso
com algumas reservas" [Op. Cit., p. 25]. Basta uma rápida olhadela para estas reservas
para a falsidade de Frank vir à tona. Vamos ler novamente esta passágem de Avrich:

"Não há qualquer dúvida de que durante os anos da Guerra Civil ocorreu uma grande
rotatividade na Frota Báltica, e que muitos dos veteranos foram substituídos por
recrutas dos distritos rurais  que trouxeram consigo o profundo sentimento de
descontentamento do camponês russo. Em 1921, de acordo com dados oficiais, mais de
tres-quartos dos marinheiros tinham origem camponesa, uma proporção
substancialmente mais alta que em 1917 . . . Contudo isto não significa
necessariamente que o comportamento padrão da frota tivesse sofrido alterações
fundamentais. Pelo contrário, pelo que se pode observar tanto pela uso da técnica
como da estatística. . ., o traço rebelde do campones que sempre prevaleceu entre os
marinheiros. . . Na verdade, em 1905 e 1917 foram aqueles muitos jovens oriundos do
interior que deram a Kronstadt sua reputação de cadeira quente do extremismo
revolucionário. E através da Guerra Civil o povo de Kronstadt manteve sua
independente e obstinada sina, difíceis de controlar e arredios em dar apoio ao
governo. Foi por esta razão que muitos deles . . . acabaram transferidos para novos
postos longíquos dos centros de poder bolshevike. Daqueles que permaneceram, muitos
anelavam pela liberdade alcançada em 1917 antes do novo regime começar a
estabelecer-se como ditadura do partido único através do país.

"Verdadeiramente, há pouca diferença entre os veteranos e os recrutas. Ambos em


grande parte tiveram orígem camponesa . . . Não surpreende que quando a rebelião
eclodiu, foram os velhos homens do mar, veteranos de muitos anos de serviço (datando
em alguns casos de antes da Primeira Grande Guerra Mundial) que tomaram a
iniciativa . . . Diante da maturidade e experiência, sem falar de sua profunda desilusão
enquanto efetivos partícipes da revolução, era natural que esses marinheiros sazonais
estivessem à frente do levante . . . Além disso, a proximidade de Petrogrado, com sua
intensa vida intelectual e política, contribuiu para aguçar sua perspicácia política,
fazendo com que muitos se engajassem em atividades revolucionárias durante o ano de
1917 e posteriormente. . ." [Op. Cit., p. 25].

Conforme verificamos, As "reservas" de Avrich são tais que deixam claro ele não
chegou às mesmas conclusões que Trotsky com relação à atuação da classe trabalhadora
de Kronstadt e, na verdade, isto é percebido pela orientação ideológica desta
"explanação".

Contudo, o pior exemplo da deslealdade trotskysta para com a verdade é providenciada


por John Rees. Essa evidente revisão de Rees afirmando que a "alteração" na
"composição" dos marinheiros de Kronstadt "havia mudado" entre 1917 e 1921, em
muito se assemelha ao método do general leninista quando ele se refere à revolução
russa. Rees argumenta o seguinte:

"Em setembro e outubro de 1920 o escritor e conferencista do partido bolshevike


Ieronymus Yasinksky foi até Kronstadt para dar uma preleção para 400 recrutas
'honrados pelo arado'. Yasinksky revelou-se chocado por encontrar tantos, 'inclusive
uns poucos membros de partidos, iletrados politicamente, bem distantes daqueles
veteranos marinheiros altamente politizados de Kronstadt que lhe impressionara tão
produndamente no passado'. Yasinsky estava preocupado pela substituição daquele
vigor de fogo revolucionário por aqueles 'inexperientes recem recrutados jovens
marinheiros'". [p. 61]

Esta passágem é citada por Israel Getzler em Kronstadt 1917-1921. A narrativa de Rees
é uma acabada versão da primeira metade do relatório de Yasinskys. Contudo, a
passágem continua exatamente como vemos a seguir:

"Yasinsky estava apreensivo quanto ao futuro quando, 'cedo ou tarde, os marinheiros


veteranos de Kronstadt, aquele vigor de fogo revolucionário, seriam substituído por
aqueles inexperientes recem mobilizados jovens marinheiros'. Contudo ele estava
esperançoso de que os marinheiros de Kronstadt gradualmente voltassem a ser
possuídos por aquele ‘nobre espírito de dedicação revolucionária' tão caro à União
Soviética. Mas ele se sentia tranquilizado 'pelo predomínio dos marinheiros vermelhos
em Kronstadt'" [Op. Cit., p. 207].
Rees habilmente 'editou' aquela passágem de forma a parecer que, tres meses antes do
levante, Kronstadt estava destituído de seu espírito revolucionário devido à substituição
das tropas.

Rees tentou produzir "evidências de alteração na composição de classe". Todavia,


acabou tropeçando em suas próprias contradições. Na página 61 ele expõe a composição
do partido bolshevike em 1921 da seguinte forma: "28,7% camponeses, 41%
trabalhadores e 30,8% colarinhos brancos e outros". Na página 66, todavia, ele
descreve a composição no final da guerra civil (inclusive 1921), 10%  nas fábricas, 25%
no exército e 60% no "governo ou na máquina do partido". Uma observação ao lado
classifica também como trabalhadores aquela "maioria [que ocupava] postos de
administração". Aqueles primeiros dados são os mais utilizados para atacar Kronstadt.

Qual é a base de Rees para suas "provas adicionais"? Simplesmente que em "setembro
de 1920, seis meses antes da revolta, os bolshevikes tinham 4.435 membros em
Kronstadt. Cerca de 50% deles eram camponeses [mais precisamente, de famílias
camponesas], 40% trabalhadores e 10% intelectuais. . . . Este percentual de
camponeses no partido era consideravelmente mais alto que o nacional. . . " [p. 61].
Assim, com base nessa asserção, ele conclui que "provavelmente" Trotsky estava
correto!

Ora, vemos que essa "evidência" de mudança na composição de classes não tem
utilidade alguma porque não estabelece comparações entre os bolshevikes em Kronstadt
em 1917 e em 1921. Se Kronstadt sempre teve um alto percentual de camponeses em
sua composição, conclui-se apenas que em 1917 o percentual de bolshevikes de orígem
camponesa era mais alto que o normal.

Seria muito mais fácil para Rees informar seus leitores dos fatos reais relativos à
alteração da composição da guarnição de Kronstadt. Ele poderia ter mencionado o
trabalho de Getzler sobre esse tema, que demonstra que os navios de guerra
Petropavlovsk e Sevastopol constituiram o miolo do levante.

Ele poderia, também, ter mencionado o resumo de Samuel Farber sobre as provas de
Getzler (e outros). Em vez disso Rees erradamente afirma que Getzler "não observou os
números da composição bolshevik" [Op. Cit., p. 62]. Mas o que Rees fez quando teve
diante de si os números apropriados que revelavam a composição dos marinheiros? Veja
o que Farber diz a respeito disso:

"esta interpretação é falha diante do análise histórica do crescimento e das lições


proporcionadas pela Revolução Russa. . . . Na realidade, em 1921, uma pequena
proporção de marinheiros de Kronstadt de origem social camponesa fazia parte das
tropas do Exército Vermelho que apoiavam o governo . . . dados publicados
recentemente revelam que a composição de classe nos navios e na base naval tinha
provávelmente permanecido inalterada desde antes da Guerra Civil. Sabemos que as
dificuldades provocadas pela guerra praticamente impediam o treinamento de novos
contingentes para que se tornassem capacitados e habilitados nas técnicas requeridas
para operar os navios ultra-modernos da frota russa. Houveram muito poucas
substituições em Kronstadt. Exceto aquelas para substituir marinheiros mortos ou
feridos. Assim, no final da Guerra Civil por volta de 1920, verificamos que nada menos
que 93,9% dos membros das tripulações do Petropavlovsk e do Sevastopol . . . foram
recrutados pela marinha antes e durante a revolução de 1917. Na realidade, 59%
daquela tripulação entrou para a marinha nos anos 1914-16, ao passo que apenas
6,8% foram recrutados nos anos 1918-21. . . dos aproximadamente 10.000 recrutas
admitidos para ser treinados para preencher as vagas na guarnição de Kronstadt,
apenas pouco mais de 1.000 permaneceram até o fim de 1920, e aqueles que foram
aceitos não foram para Kronstadt, mas para Petrogrado, onde continuaram o
treinamento" [_Before Stalinism_, pp. 192-3].

E Rees ainda lamenta que Farber não notasse os números bolshevikes! Ora, hipóteses e
conclusões "prováveis" que surgem de hipóteses seriam mais importantes que
evidências? Rees ainda tenta salvar sua causa afirmando que a posição de Farber "só
teria validade se considerássemos as estatísticas isoladamente. . . Particularmente, os
marinheiros de Kronstadt haviam recebido licença pela primeira vez desde a guerra
civil. Muitos retornaram para suas vilas e deram de cara com as condições no interior
do país, como a situação enfrentada pelos camponeses com os destacamentos que lhes
retirava o alimento". [p. 62]. Naturalmente, tal argumento nada tem a ver com a questão
original de Rees. Não podemos esquecer que ele armentava, como Trotsky, que "a
composição da guarnição havia se alterado" não sua composição política. Diante da
esmagadora evidência contra sua causa, ele não apenas negou aqueles informes aos seus
leitores, como fez alterações no argumento original!

Afinal, qual era seu argumento?


A revolta foi uma resposta à onda de greves em Petrogrado, não a uma revolta
camponesa. Além disso, as exigências da revolta refletiam as exigências dos
trabalhadores, não as exigências dos camponeses (o próprio Rees reconheceu que as
exigências de Kronstadt não foram reproduzidas por nenhuma outra insurreição
"camponesa"). Os aspectos políticos dessas idéias refletiram as tradições políticas de
Kronstadt, que não foram, na essência, bolshevikes. Os marinheiros apoiaram o poder
soviete em 1917, não o poder do partido, e eles novamente levantaram essa exigência
em 1921 (veja a seção H.5.3 para detalhes). Em utras palavras, a composição política da
guarnição foi a mesma de 1917.

Diante do fato de que a composição de classe dos marinheiros era similar em 1917 e
1921 e de que a tripulação era composta por veteranos de 1917, os trotskystas passaram
a tropeçar em suas definições de classe, envolvendo a definição de uma específica
posição política "proletária" (i.e. a política do bolshevismo). Passaram a argumentar que
qualquer um que não subscrevesse sua posição seria um "pequeno-burguês" revelando
sua posição real na sociedade (i.e. sua posição de classe).
 

A Kronstadt de 1921 diferia políticamente da


Kronstadt de 1917?
Conforme ficou demonstrado na última seção, a composição de classe das guarnições
não apenas permaneceram fundamentalmente inalteradas em 1921 como a vasta maioria
de seus membros eram os mesmos de 1917. Todavia, em virtude da maioria dos
leninistas confundirem seu "apoio ao partido" com o termo "política de classe" torna-se
útil comparar a perspectiva política de Kronstadt em 1917 expressa na revolta de 1921.
Conforme iremos demonstrar, as idéias políticas expressas em 1921 foram
essencialmente as mesmas de 1917.

Primeiramente, temos que destacar que Kronstadt em 1917 nunca foi um baluarte
bolshevike. Politicamente, o ambiente em Kronstadt era "fechado em torno da política
Socialista Maximalista Revolucionária, uma dissidência à esquerda do partido SR e
politicamente localizada entre as esquerdas SRs e os anarquistas". [Farber, Op. Cit., p.
194] Ela era dirigida por Anatolii Lamanov e segundo Getzler, "rejeitava a dissenção
partidária" e "apoiava o sovietismo puro". Eles almejavam uma imediata revolução
social agrária e urbana, exigindo uma "socialização do poder, da terra e das fábricas" a
ser organizada por uma federação de sovietes baseada em eleições diretas e para
aplicação imediata, como primeiro passo em direção ao socialismo. [Getzler, Op. Cit.,
p. 135] As semelhanças com anarquismo são evidentes.

No final de 1917, os bolshevikes não prevaleciam no soviete de Kronstadt. Pelo


contrário, a maioria era formada por maximalistas, esquerdistas SRs e anarquistas. Foi
apenas nas eleições de janeiro em 1918 que os bolshevikes melhoraram sua situação,
passando de 96 para 139 deputados. Seu maior índice de votos alcançado durante a era
dos sovietes multi-partidos representou apenas 46% do soviete. Naquela eleição os SRs
pegaram 64 votos (21%), maximalistas (19), delegados sem partido (7%), 15
anarquistas (5%) e 6 menchevikes (2%). O soviete elegeu como presidente do soviete
um esquerdista SR. Nas eleições de abril, os bolshevikes começaram a perder força.
Apenas 53 bolshevikes foram eleitos (29%), ao passo que os maximalistas SR pegaram
41 vagas (22%), os esquerdistas SRs 39 (21%), os menshevikes internacionalistas 14
(8%), os anarquistas 10 (5%) e os delegados sem partido 24 (13%). [Gelzter, Op. Cit., p.
179, p. 183 and p. 186]

Na verdade, a influencia bolshevike em Kronstadt enfraqueceu tanto que em 18 de abril,


o soviete Kronstadt denunciou (através uma moção) em 12 de abril por 81 votos a 57, o
ataque dos bolshevikes contra os anarquistas em Moscou.

Era o "sovietismo", perspectiva política dominante em 1917  —  ou seja, todo poder


para os sovietes e não para os partidos. Esta também foi a principal exigência do levante
de 1921. Politicamente, Kronstadt não mudara desde 1917.

Além do soviete, haviam as "assembléias gerais em Anchor square, que ocorriam


quase todo dia." [Avrich, Op. Cit., p. 57] O próprio soviete Kronstadt era
constantemente pressionado pelos encontros de massa, geralmente celebrados na praça
Anchor. Em 26 de maio de 1917, por exemplo, a grande multidão, inspirada por
oradores bolshevikes e anarquistas, marchou para a Assembléia Naval e forçaram os
líderes do soviete a cancelar um acordo celebrado com o soviete Petrogrado, mais
moderado que Kronstadt.

Em fevereiro de 1921, os rebeldes de Kronstadt se reuniram na praça Anchor para


aprovar a resolução Petropavlovsk — exatamente como aconteceu antes, em 1917, eles
elegeram uma "conferência de delegados" para administrar as questões de Kronstadt.
Em outras palavras, os marinheiros reintroduziram exatamente o mesmo modelo
político praticado em 17.
As insinuações de que esses fatos indicam que a maioria dos marinheiros, soldados e
trabalhadores em Kronstadt alteraram políticamente suas idéias são infundadas. Isto, por
ironia, é confirmado por Trotsky.

A memória de Trotsky (que, acima de tudo, aparenta ser a base da maioria dos
argumentos de seus seguidore) pregou-lhes uma peça. Ele declara que alí "estava não
os menshevikes mas todo o Kronstadt". No que dizia respeito aos anarquistas, a
"maioria" deles "representava a pequena burguesia da cidade e tinha um nível inferior
aos SRs". As esquerdas SRs "tinha sua base na parte camponesa da frota e nas
guarnições". Em suma, "nos dias da insurreição de outubro os bolshevikes constituiam
menos da metade do soviete Kronstad. A maioria consistia de SRs e de anarquistas".
[_Kronstadt_, p. 86]

Mesmo assim, vemos Trotsky argumentando que a maioria do "orgulho e glória" da


revolução de 1917 fora eleita por grupos de "nível inferior" aos bolshevikes (quanto ao
partido menshevike, Trotsky disse não existir alí!). Observando as políticas desses
grupos, descobrimos uma estranha inconsistencia na validade das alegações de Trotsky.

No começo de 1918, por exemplo, "a população de trabalhadores de Kronstadt, após


debater o assunto em muitos encontros, decidiu proceder a socialização dos locais de
moradia. . . Um monstruoso encontro por fim instruiu muitos membros do soviete —
esquerdistas Social-Revolucionários e anarco-sindicalistas — levantar essa questão na
próxima sessão plenária [soviete]". Enquanto que os delegados bolshevikes tentavam
postergar a decisão (argumentando no soviete que a decisão era muito importante e que
precisava ser decidida pelo governo central) os "esquerdistas Social-Revolucionários,
maximalistas e anarco-sindicalistas pediram uma discussão imediata e ganharam a
votação". [Voline, The Unknown Revolution, pp. 460-1]

Isto afinava perfeitamente com o programa comunista-anarquista de socialização mas


dificilmente era uma expressão de representantes da "pequena burguesia da cidade".
Veja esta nota dos "representantes" da "pequena burguesia da cidade":

"Eu sou anarquista porque a sociedade contemporânea está dividida em duas classes
opostas: os trabalhadores despojados e empobrecidos, os camponeses . . . e os homens
ricos, reis e presidentes . . .

"Eu sou anarquista porque desprezo e detesto toda autoridade, pois toda autoridade é
fundada na injustiça, na exploração e na coerção sobre a personalidade humana. A
autoridade desumaniza o indivíduo e faz dele um escravo.

"Eu sou um oponente da propriedade privada quando ela é possuída por indivíduos
capitalistas parasitas, pois a propriedade privada é um roubo.

". . .

"Eu sou anarquista porque creio apenas no poder criativo e independente do


proletariado unido e não de líderes dos vários tipos de partidos políticos.

"Eu sou anarquista porque creio que a presente luta entre as classes apenas terá um
fim quando as massas trabalhadoras, organizadas enquanto classe, alcancem seus
próprios interesses e conquistem, através de uma violenta revolução social, todas as
riquezas da terra . . . pela abolição de todas as instituições de governos e de
autoridades, as classes oprimidas proclamarão uma sociedade de livres produtores . . .
As próprias massas populares conduzirão seus assuntos de forma igualitária e comunal
em suas comunidades livres". [N. Petrov, citado por Paul Avrich, Anarchists in the
Russian Revolution, pp. 35-6]

Grande "pequena burguesia"! Claro que para Trotsky eles representavam a minoria dos
"reais revolucionarios", aqueles "elementos mais estreitamente ligados aos
bolshevikes", mas tal análise não pode ser levada a sério considerando a influência dos
anarquistas em Kronstadt. [Op. Cit., p. 86] Por exemplo, um membro do Comitê de
Petrogrado e o partido Helsingfors em 1917 lembrou que os anarquistas-comunistas
exerciam grande influência em Kronstadt. Além disso, conforme o historiador
Alexander Rabinowitch, eles possuiam uma "inegável capacidade de influenciar o
curso dos eventos" e fez referência à "influência dos comnistas anarco-sindicalistas [de
Kronstadt] sob Iarchuk". Na verdade, os anarquistas "exerceram um significante papel
no desencadeamento do levante de julho" de 1917. [_Prelude to Revolution_, p. 62, p.
63, p. 187 e p. 138]

Um análise semelhante dos maximalistas revela como pensava e agia o povo de


Kronstadt. Paul Avrich provê um resumo importante de suas políticas. Ele destaca que
os maximalistas ocupavam "no espectro revolucionário uma posição entre os
esquerdistas SRs e os anarquistas ao mesmo tempo que compartilhavam elementos de
ambos". Eles "pregavam a doutrina da revolução total" e clamavam por uma
"república soviética de trabalhadores" foundada em sovietes eleitos livremente, com
um mínimo de autoridade estatal central:

"Politicamente, este foi o mesmo objetivo do povo de Kronstadt [em 1921], e 'Poder
aos sovietes não aos partidos' originalmente foi uma contribuição maximalista".
Economicamente, eles denunciaram o confisco de grãos e exigiram "todas as terras de
volta aos camponeses". Na indústria eles rejeitaram a teoria e a prática bolshevike de
"controle dos trabalhadores" por administradores burgueses em favor da "organização
social da produção e sua sistemática direção por representantes de trabalhadores". Se
opunham ao estado gestor nacionalista e centralizado em favor da socialização e auto-
gestão da produção pelos trabalhadores. Não foi por acaso que "os SR maximalistas
constituiam um grupo político fechado com os rebeldes em temperamento e pontos de
vista". [Op. Cit., pp. 171-2] Isso pode ser constatado tanto na leitura da resolução
Petropavlovsk como no jornal Izvestia de Kronstadt (veja No Gods, No Masters, vol.
2, pp. 183-204). Na verdade, "cada um dos pontos mais importantes do programa de
Kronstadt, publicados pelo rebelde Izvestiia, coincidia com os defendidos pelos
Maximalistas." [Avrich, Op. Cit., p. 171]

Como pode ser visto, os maximalistas estavam bem à frente dos bolshevikes. Eles
defendiam o poder soviete, não o poder do partido. Eles defendiam a auto-gestão dos
trabalhadores, não o capitalismo de estado dos bolshevikes.
Evidentemente, a visão política dos rebeldes de Kronstadt não se alterara
dramaticamente. Altamente influenciados pelos anarquistas e semi-anarquistas em 1917,
em 1921 as mesmas idéias políticas tomaram mais uma vez a dianteira, com
marinheiros, soldados e civís se levantando para libertarem a si próprios da ditadura
bolshevike formando uma "conferencia de delegados".
Pela lógica dos argumentos de Trotsky, os marinheiros de Kronstadt eram
revolucionários simplesmente através das ações da minoria bolshevike, pois uma
"revolução é 'feita' diretamente por uma minoria. O sucesso de uma revolução é
possível, portanto, apenas onde essa minoria encontra mais ou menos apoio . . . por
parte da maioria. A alteração nos diferentes estágios na revolução . . . é diretamente
determinada pela mudança nas relações políticas entre a minoria e a maioria, entre a
vanguarda e a classe". Esta é a razão da necessidade "da ditadura do proletariado" pois
o nível das massas não pode ser "igual . . . extrema e altamente desenvolvido". [Op.
Cit., p. 85 e p. 92]

Trotsky defendeu que a "composição política do soviete Kronstadt refletiu a


composição da da guarnição e da frota". [Op. Cit., p. 86] Em outras palavras, com a
vanguarda (minoria bolshevike) anulada, a maioria do povo de Kronstadt bateria em
retirada pelos seus métodos menos desenvolvidos. Em outras palavras, se a composição
política da revolta refletiu a composição da tripulação, pelas palavras de Trotsky isso
significa que sua composição fora drásticamente alterada!

Da mesma forma, John Rees contradiz seu principal argumento ao mencionar que a
"ideologia da guarnição de Kronstadt foi um fator" na revolta porque "em seus dias
heróicos a guarnição teve um ar de ultra-esquerda". [Op. Cit., p. 62] Se, conforme ele
sustentou, se tratasse de novos marinheiros, como é que teriam tempo para exercer
influência pela sua ideologia, uma ideologia de marinheiros que ele afirmou não existir?
E se os novos recrutas aos quais ele se refere foram influenciados pelos marinheiros de
1917 fica difícil sustentar que a revolta estava alienada do espírito de 1917.

Aqui surge uma questão interessante. Se é verdade que as revoluções são feitas por uma
minoria que ganha o apoio da maioria, então o que acontece quando a maioria rejeita a
vanguarda? Conforme indicado nas seções H.5.14 e H.5.15, Trotsky não receou prover
a resposta — a ditadura do partido. Nesse aspecto ele apenas seguiu a lógica dos
argumentos de Lênin. Em 1905, Lenin defendeu que (usando Engels como uma
autoridade na qual se apoiava) "o princípio, 'apenas pela base' é um princípio
anarquista". [Marx, Engels e Lenin, Anarchism and Anarcho-Syndicalism, p. 192] Para
Lenin, os marxistas deveriam ser favoráveis às pressões "De cima tanto quanto as de
baixo" e "renunciar pressionar também de cima é anarquismo". Segundo Lenin,
"pressionar de cima é pressionar pelos cidadãos em um governo revolucionário.
Pressionar de cima é pressionar pelo governo revolucionário nos cidadãos". [Op. Cit.,
p. 196 e pp. 189-90]

Kronstadt revela que a "pressão de cima" teve um grande desprezo pela "pressão de
baixo". Em outras palavras, a semente da ditadura bolshevike e a repressão de Kronstadt
repousa nos argumentos de Trotsky e em argumentos como estes. (veja seções H.5.5 e
H.5.12 para mais detalhes).

Em têrmos simples, as evidências revelam que as idéias políticas dominantes em


Kronstadt, como as próprias pessoas, não mudaram. A revolta de 1921 refletiu as
políticas e aspirações daqueles que participaram ativamente em 1917. Aqueles que
fizeram de Kronstadt "orgulho e glória" da revolução e, que quatro anos depois,
tornaram-se um perigo para os bolshevikes.
 
 
Por que os trabalhadores de Petrogrado não apoiaram 
Kronstadt?
Para os trotskystas, a inação dos trabalhadores de Petrogrado durante a revolta é um
fator significante por revelar sua característica "base camponesa". Trotsky, por
exemplo, argumentou que do "ponto de vista de classe" é "extremamente importante
comparar o comportamento de Kronstadt com Petrogrado naqueles dias críticos". Ele
defende que "o levante não atraíu os trabalhadores de Petrogrado. Foi repelido por
eles. A estratificação prossegue ao longo da linha de classe. Os trabalhadores
imediatamente sentiram que os amotinados de Kronstadt se posicionaram do lado
oposto das barricadas — e apoiaram o poder soviete. O isolamento político de
Kronstadt foi a causa de sua vacilação interna e de sua fraqueza militar". [Lenin and
Trotsky, Kronstadt, pp. 90-1]

É desnecessário dizer que estes argumentos de Trotsky deixam muito a desejar. Por
exemplo, ele falha em mencionar (usando as palavras de Victor Serge — veja seção
H.5.X) que o estado e a imprensa comunista "positivamente se constituíram um frenesi
de mentiras". A campanha de rádio e jornal dirigida contra Kronstadt dizia que a revolta
fora organizada por espiões estrangeiros sob a liderança de generais ex-czaristas. Tal
fato, naturalmente, alienou muitos trabalhadores em Petrogrado. Duas centenas de
emissários foram enviados de Kronstadt para divulgar suas reivindicações mas apenas
uns poucos conseguiram evitar de ser presos. [Avrich, Op. Cit., p. 140] Como vemos, os
bolshevikes prevaleceram em sua propaganda de guerra com suas mentiras.

Em 5 de março o Comitê de Defesa de Petrogrado convocou os insurgentes, pedindo


rendição. Veja os termos:

"Vocês estão narrando um conto de fadas quando dizem que Petrogrado está com
vocês ou que a Ukrania os apóia. São mentiras impertinentes. O último marinheiro em
Petrogrado abandonou vocês quando percebeu que eram conduzidos por generais
como Kozlovskv. A Sibéria e a Ukrania apóia a poder Soviético. A Petrogrado
Vermelha dá gargalhadas devido a seus miseráveis esforços em ajudar as guardas
brancas e os socialistas revolucionários". [cited by Mett, Op. Cit., p. 50]

Os insurgentes em Petrogrado não forneceram apoio ativo nem por parte dos
trabalhadores nem dos marinheiros. O Partido colocou para funcionar sua máquina de
propaganda para desmoralizar, mentir sobre a revolta e aqueles que tomaram parte nela.
O governo também dedicou uma "cuidadosa atenção" aos "trens de Petrogrado nas
principais estações em direção a Kronstadt para evitar qualquer contato com os
insurgentes". [Avrich, Op. Cit., p. 141] Previsivelmente, sob tais circunstancias muitos
trabalhadores e marinheiros relutaram em apoiar Kronstadt. Isolados da revolta, os
trabalhadores de Petrogrado foram cobertos de propaganda oficial (i.e. mentiras) e
rumores sem qualquer base verídica.

Contudo, esta não foi a única razão da ausência de um apoio efetivo. Outro fator,
naturalmente, foi a repressão do estado. Emma Goldman relata a situação de Petrogrado
daqueles dias:
"Foi imposto um excepcional estado de lei marcial em todas as províncias de
Petrogrado, e ninguém, exceto os oficiais com passes especiais, poderia deixar a
cidade. A imprensa bolshevike lançou uma campanha de calúnias e difamação contra
Kronstadt, anunciando que os marinheiros e soldados tinham feito uma aliança com o
'general czarista Kozlovsky'; e por causa disso o povo de Kronstadt foi declarado fora
da lei". [_No Gods, No Masters_, vol. 2, p. 171]

Como ninguém sabia o que aconteceria com todo aquele povo proscrito pelos
bolshevikes, surpreende o fato dos trabalhadores de Petrogrado (mesmo se soubessem
eles também estavam sob ameaça) não terem agido? Contudo, conforme Ida Mett
reporta parte do proletariado de Petrogrado continuou em greve mesmo durante os
eventos de Kronstadt, "em 7 de março os trabalhadores organizaram um grande
encontro (o dia do início do bombardeio a Kronstadt). Este encontro adotou uma
resolução dos marinheiros amotinados! Ele elegeu uma comissão que iria de fábrica
em fábrica chamando por uma greve geral". [Op. Cit., p. 52]

As greves se espalharam pelas maiores fábricas de Petrogrado: Poutilov, Baltisky,


Oboukhov, Nievskaia Manoufactura, etc. Contudo, os bolshevikes agiram rapidamente
fechando algumas fábricas e iniciaram um recadastramento de trabalhadores. Para os
trabalhadores, ser demitido significava ser "automaticamente privado de suas rações".
[Avrich, Op. Cit., p. 41]

Apenas em 22 de março foi finalmente revogado o estado de sítio.

Naquelas circunstancias, surpreende os trabalhadores de Petrogrado não terem se


juntado à rebelião?

Além do mais, os trabalhadores de Petrogrado estavam começando a experimentar o


poder do estado bolshevike. Conforme notamos na seção H.5.3, os eventos em
Kronstadt foram em solidariedade à onda de greves em Petrogrado desde o fim de
fevereiro. Foi quando os bolshevikes passaram a reprimir os trabalhadores com
"prisões, uso de patrulhas armadas nas ruas e nas fábricas, e a demissão e o
cadastramento de trabalhadores temporários". [Op. Cit., p. 409]

O triunvirato recem-formado que compunha o Comitê de Defesa encabeçado por


Zinoviev "proclamou lei marcial" em 24 de fevereiro (posteriormente foram "investidos
com poder absoluto através de toda provincia" em 3 de março). [Avrich, Op. Cit., p. 39
e p. 142] Como parte desse processo, eles confiaram ao kursanty (cadetes comunistas)
o papel de guarnição local. Pegos no calor da batalha eram forçados a cumprir as órdens
governamentais. Centenas de kursanty foram chamados pelas academias militares da
vizinhança para patrulhar a cidade. "Durante a noite Petrogrado tornava-se um campo
de guerra. Em cada quarteirão os pedestres eram parados e tinham seus documentos
checados . . . o toque de recolher foi imposto pela força". A Checa de Petrogrado
multiplicou as prisões. [Avrich, Op. Cit., pp. 46-7]

Além disso, os bolshevikes intensificaram sua propaganda dirigida e passaram a


distribuir seus jornais fazendo uso de membros populares do partido que agitavam de
pelas ruas, fábricas e oficinas. Fizeram isso fornecendo uma série de concessões tipo
uma quantidade extra de rações. Em 1 de março (depois do início da revolta de
Kronstadt) o soviete Petrogrado exigiu a remoção de todos os bloqueios nas estradas e a
desmobilização dos soldados do Exército Vermelho para assumirem suas obrigações em
Petrogrado. [Avrich, Op. Cit., pp. 48-9]

Como pode ser visto, Trotsky insulta a inteligencia de seus leitores quando diz que a
ausência de apoio de Petrogrado para Kronstadt refletiu uma "linha classista". Ida Mett
declara o óbvio:

"Aqui novamente Trotsky está dizendo coisas que são inteiramente falsas.
Primeiramente estava patente que a onda de greves tinha começado em Petrogrado e
que Kronstadt imediatamente deu seu apoio. E foi contra as greves de Petrogrado que
o governo formou um grupo especial de elite militar: O Comitê de Defesa. A repressão
foi primeiramente dirigida contra os trabalhadores de Petrogrado e contra suas
manifestações, pelo envio dos destacamentos armados de Koursantys.

"Mas os trabalhadores de Petrogrado não tinham nenhum armamento. Eles não


poderiam defender a si mesmos como os marinheiros de Kronstadt. A repressão militar
dirigida contra Kronstadt certamente intimidou os trabalhadores de Petrogrado. Não
houve qualquer demarcação 'ao longo da linha de classe', o que prevaleceu mesmo foi
a força dos órgãos de repressão. O fato dos trabalhadores de Petrogrado não seguirem
seus companheiros de Kronstadt não prova que não simpatizavam com eles. Nem
mesmo, no último momento, quando o proletariado russo falhou . . .  provou que eles
concordavam com Stalin! Em tais instantes o que falava mais alto era o poder e o
confronto de forças". [Op. Cit., p. 73]

Assim, diferentemente dos marinheiros de Kronstadt os trabalhadores de Petrogrado não


tinham armas e não poderiam tomar parte em uma "revolta armada" contra o bem
armado Exército Vermelho, naquelas circunstancias o máximo que poderiam fazer era
exercer um papel enquanto grevistas. Os líderes comunistas reconheceram este perigo,
tanto que as tropas indignas de confiança foram confinadas em seus acampamentos e no
lugar das tropas regulares providenciaram o kursanty (eles tinham óbviamente
aprendido as lições da revolução de 17 de fevereiro!). Finalmente, a cidade cede
"apaziguada por concessões e pela presença de tropas". [Avrich, Op. Cit., p. 200]

Não foi apenas desta vez que Trotsky confundiu força com classe. Em sua infame obra
Communism and Terrorism ele defendeu a realidade da ditadura do Partido Comunista
(i.e. "ter substituido a ditadura dos Sovietes pela ditadura de nosso partido"). Ele
argumenta que "pode ser dito com completa justiça que a ditadura dos Sovietes tornou-
se possível apenas através da ditadura do partido" quando o "poder do partido"
substituiu o poder da classe trabalhadora. O partido "proporciona aos Sovietes a
possibilidade de sair da condição de parlamento disforme de trabalhadores para
transformar-se em aparato da supremacia do trabalho". Ele continua argumentando:

"Mas onde está nossa garantia, certos homens sábios nos perguntam, se é justamente
nosso partido que expressa os interesses do desenvolvimento histórico? Destruindo ou
dirigindo secretamente os outros partidos, você se vê livre de competições políticas, e
consequentemente você priva a si mesmo da possibilidade de testar sua linha de ação.

"Esta idéia é ditada por uma concepção puramente liberal do curso da revolução. Em
um período em que todo antagonismo assume uma característica aberta, a força
política rápidamente passa para uma guerra civil, o partido dirigente tem suficiente
suporte material para testar sua linha de ação. Sem a possibilidade de circulação dos
jornais menshevikes. Noske esmaga os comunistas, mas eles crescem. Nós acabamos
com os menshevikes e os SRs -- e eles desapareceram. Este critério é suficiente para
nós". [_Communism and Terrorism_]

Um critério interessante, para dizer o máximo. Essa errônea lógica que expõe com
relação a Petrogrado e Kronstadt tem uma longa história. Por esta mesma lógica Hitler
expressou os "interesses do desenvolvimento histórico" quando os comunistas alemães e
os trotskystas "desapareceram" em desabalada carreira para salvar seus trazeiros.
Similarmente, o número de trotskystas na Rússia "desapareceram" sob Stalin. Dizer
isso é uma justificação do stalinismo? Tudo isso prova apenas e tão somente o poder de
um sistema repressivo — aquela passividade dos trabalhadores de Petrogrado durante a
revolta de Kronstadt tem a ver com o poder do regime bolshevike e não com a base
classista da revolta.

O hábito trostkysta de reescrever a história pode ser visto na "Introdução" da obra


Kronstadt. Ele decide citar a obra de Paul Avrich (após, naturalmente, assinalar que
Avrich "não é nem Bolshevike nem Trotskyista" o que torna "sua posição política
obscura"). Frank declara que Avrich "faz seu trabalho conscientemente, sem saltar
sobre os fatos". É uma vergonha que o mesmo não possa ser dito de Frank! Frank diz
que Avrich "discute as greves em Petrogrado que precederam Kronstadt e chega à
seguinte conclusão":

"os bolshevikes, com todas suas falhas, foram a mais efetiva barreira contra a
ressurgencia branca e a queda da revolução".

Por essas razões, as greves em Petrogrado estavam fadadas a uma breve existencia. Na
verdade, elas terminaram tão rápido quanto começaram, nunca chegariam ao ponto de
uma revolta armada contra o regime". [Lenin and Trotsky, Op. Cit., pp. 24-35]

Este "além disso" no primeiro parágrafo prepara o caminho para o que virá pela frente.
Avrich relaciona mais algumas razões que não constam na lista de Frank. Aqui está o
que Avrich realmente lista como as razões para o fim da onda de greves:

"após muitos dias de tensa agitação, os disturbios de Petrogrado enfraqueceram . . . As


concessões cumpriram sua tarefa, mais do que qualquer coisa foram a fome e o frio
que mais estimulou a alienação popular. Ninguém pode negar que a aplicação das
forças militares e das prisões em massa, sem falar na incansável onda de propaganda
pelas autoridades foram indispensáveis para restaurar a ordem. Particularmente
marcante nesse aspecto foi a disciplina mostrada pela organização do partido local.
Deixando de lado suas disputas internas, os bolshevikes de Petrogrado deram-se as
mãos e dedicaram-se a triste tarefa de reprimir com eficiência e presteza . . .

"Assim, portanto, o colapso do movimento não viria sem a completa desmoralização


dos habitantes de Petrogrado. Os trabalhadores estavam simplesmente exauridos
demais para continuarem sustentando suas atividades políticas . . . Além disso, eles
careciam de uma liderança efetiva e de um coerente programa de ação. No passado
eles haviam sido supridos por uma intelligentsia radical . . . por si próprios não tinham
qualquer condição de proporcionar aos demais companheiros trabalhadores algum
tipo de ajuda, nem mesmo uma direção ativa . . . eles agora se sentiam por demais
fatigados e aterrorizados . . . para levantar suas vozes em protesto. Com a maior parte
de seus camaradas na prisão ou no exílio, e alguns já executados, os poucos
sobreviventes corriam o risco de sofrerem o mesmo, especialmente quando as
desvantágens contra eles eram tão irresistíveis e quando o mais desprezível protesto
poderia privar seus familiares de suas rações. Para muitos intelectuais e
trabalhadores, portanto, os bolshevikes, com todas suas falhas, foram a mais efetiva
barreira contra a ressurgencia branca e a queda da revolução.

"Por essas razões, as greves em Petrogrado estavam fadadas a uma breve existencia.
Na verdade, elas terminaram tão rápido quanto começaram, nunca chegariam ao
ponto de uma revolta armada contra o regime". [Paul Avrich, Kronstadt, pp. 49-51]

Como pode ser visto, Frank "salta" a maioria dos argumentos de Avrich e a base de
suas conclusões. Na verdade, aquilo que Frank chama de "conclusão" de Avrich não
pode ser compreendida como, conforme Frank faz, a última razão que Avrich dá para
ela.

A desonestidade é clara, proposital e repetida.

Conforme pode ser visto, qualquer tentativa de usar a relativa inação dos trabalhadores
de Petrogrado como evidência  da natureza classista da revolta só pode ser feita
ignorando todos os fatos relevantes da situação. Isto pode ser feito selecionando
citações de passágens acadêmicas para apresentar uma conclusão radicalmente falsa e
diferente daquela que o autor apresentou.
 

Qual a ameaça os brancos representavam durante a


revolta de Kronstadt?
A ausencia de intervenção estrangeira durante a revolta de Kronstadt sugere mais que
apenas o fato de que a revolta não foi uma "conspiração branca". Ela também mostra
que as forças brancas não tinham como tirar proveito da rebelião nem mesmo como
apoiá-la.

Isto é significante simplesmente porque os bolshevikes e seus defensores defendem que


a revolta tinha que ser reprimida simplesmente porque o Estado Soviético estava em
perigo pela intervenção branca e/ou estrangeira. Havia mesmo este perigo? De acordo
com John Rees, bastante:

"Os brancos, embora com seus exércitos derrotados no campo, não estavam extintos —
como revelou o levante dos emigrantes de Kronstadt . . . Eles planejaram um levante
em Kronstadt e o Centro Nacional Branco arrecadou um total próximo a 1 milhão de
francos franceses, 2 milhões de marcos finlandeses, £5000, $25,000 e 900 tonelas de
provisões em apenas duas semanas; Na verdade, o Centro Nacional já planejava
mobilizar forças da marinha francesa e do general Wrangel, que tinha sob seu
comando 70.000 homens na Turkia, para desembarcar em Kronstadt se a revolta fosse
bem sucedida". [Op. Cit., pp. 63-4]
Para sustentar seus argumentos, Rees novamente apela para o livro de Paul Avrich. Nós,
novamente, consultamos aquela obra para verificar esse argumento. Primeiramente,
observamos que Petrichenko contatou Grimm pela "fome em Kronstadt . . . crescer
desesperadamente". [Avrich, Op. Cit., p. 121] Se a revolta tivesse se alastrado por
Petrogrado com a adesão dos trabalhadores, tais pedidos teriam sido desnecessários. O
isolamento não ocorreu devido "à realidade do balanceamento das forças de classe" ele
ocorreu pela realidade das forças coercitivas — o sucesso dos bolshevikes em reprimir
as greves de Petrogrado e difamarar a revolta de Kronstadt (veja seção H.5.5).

Em segundo lugar, conforme dito acima, a revolta de Kronstadt explodiu meses após o
fim da Guerra Civil na Rússia Ocidental. Wrangel fugiu da Crimea em novembro de
1920. No começo de 1921 os bolsheviques já não temiam uma invasão branca tanto que
desmobilizaram metade do Exército Vermelho (cerca de 2.500.000 homens). [Paul
Avrich, Op. Cit., p. 13]

Em terceiro lugar, os emigrantes russos "permaneciam divididos e inertes, com


nenhuma perspectiva de cooperação em vista". No que se refere a Wrangel, o último
dos generais brancos, suas forças não tinham qualquer condição de retomar a Rússia.
Suas tropas estavam "dispersas e sua moral estava baixa" e levaria "meses . . . só para
mobilizar seus homens e transportá-los do Mediterrâneo para o Báltico". Um segundo
front no sul "certamente resultaria em um desastre:" [Paul Avrich, Op. Cit., p. 219] Na
verdade, em um relatório divulgado pelo Comitê de Defesa de Petrogrado, encontramos
o seguinte: "Vocês não ouviram sobre o que aconteceu com os homens de Wrangel?
Eles foram transportados para Constantinopla. Eles estão morrendo como moscas, aos
milhares, de fome e doenças". E continuava "é isto que espera por vocês, a menos que
vocês imediatamente compreendam por vocês mesmos". [citado por Mett, Op. Cit., p.
50]

Claramente, o perspectiva de uma invasão branca era remota. Isto descarta a


possibilidade de uma reação czarista. Veja o que Avrich diz a respeito:

"Em vez de retomar uma política de intervenção na Guerra Civil, tornou-se surdo a
esses apelos. Fora seus esforços na campanha para levantamento de fundos, os
emigrantes procuravam ajuda de Entene. . . do governo dos Estados Unidos. As
perspectivas de ajuda britânica eram precárias . . . A maior esperança de ajuda
estrangeira vinha da França . . . [mas] a França recusava-se interferir tanto política
como militarmente na crise". [Op. Cit., pp. 117-9]

Além disso, esses governos tinham que levar em conta a classe trabalhadora de seus
países. Era duvidoso que depois de todos aqueles anos de guerra, fossem capazes de
interferir, particularmente quando havia uma clara revolta socialista se desenvolvendo a
partir das bases. A classe trabalhadora, em tal situação, teria impedido uma intervenção.

O único perigo real para o poder bolshevike era interno — representado pelas
exigências dos trabalhadores e camponeses. Alguns dos ex-soldados pretendiam se unir
às forças guerrilheiras camponesas, enfrentando os repressivos (e contra produtivos)
esquadrões de confisco de mantimentos. Na Ukrania, os bolshevikes estavam
enfrentando os remanecentes do exército Mackhovista (uma iniciativa, incidentalmente,
tomada pelos próprios bolshevikes traindo os acordos feitos com as forças anarquistas
que passaram a ser atacadas assim que Wrangel fora derrotado).
Na verdade, em sua análise do "balanço das forças de classe", Rees falha em mencionar
qual classe detinha o poder real (e privilégios) na Rússia daquele tempo — o estado e a
burocracia do partido. A classe trabalhadora e os camponeses estavam oficialmente
enfraquecidos. A única influência que exerceram nesse "estado dos trabalhadores" foi
quando se rebelaram, forçando o estado a fazer concessões ou a reprimi-los (algumas
vezes ambos aconteceram). A balança das forças de classe estava entre os
trabalhadores e os camponeses por um lado e a burocracia governante por outro. Ignorar
este fator significa não compreender os problemas enfrentados pela revolução.

E, naturalmente, Rees reduz a revolta de Kronstadt e sua "ideologia" a apenas uma


pessoa (Petrichenko). Podemos avaliar o bolshevismo com este método? Ou o
Socialismo Italiano? É inegável que algumas figuras que influenciaram ambos os
movimentos acabaram fazendo contatos e ligações com organizações (e movimentos
que se espalharam depois) extremamente suspeitas às quais passaram a se opor
posteriormente. Qual a relação disso com a natureza das atividades promovidas mais
tarde por pessoas como Stalin e Mussolini? Há algum conteúdo revolucionário na
natureza de tais indivíduos ou de tais atitudes? Claro que não. Na verdade, Rees com
seu artigo tenta defender que foram mais as circunstancias objetivas do que o
boshevismo que conduziram ao stalinismo. E no que diz respeito a Kronstadt, ele
prefere se concentrar em apenas um indivíduo. Ida Meet fala da perspectiva burguesa
dominante no bolshevismo:

"O desenrolar da história do socialismo é muitas vezes apenas a imágem espelhada da


historiografia burguesa. A implantação de métodos de pensar tipicamente burgueses
nos movimentos da classe trabalhadora. Um universo infestado de líderes 'históricos'
que substituem reis e rainhas do mundo burguês . . . [onde] as massas nunca aparecem
fazendo sua própria história de forma independente no estágio histórico. [Dentro dessa
perspectiva burguesa] o melhor que podem fazer é apenas 'apoiar o esforço', enquanto
outros dirigem a locomotiva, como Stalin tão delicadamente sabia fazer . . . Esta
tendência de identificar a história da classe trabalhadora com a história de suas
organizações, instituições e líderes não é apenas inadequada — mas também reflete
uma típica visão burguesa da humanidade, dividida geralmente em formas pré-
ordenadas onde poucos administram e decidem, enquanto que muitos, a massa
maleável, [torna-se] incapaz de agir conscientemente em torno de seus próprios
interesses . . . A maior parte da história da degeneração da Revolução Russa segue
nessa direção". ["Solidarity’s Preface" por Ida Mett, The Kronstadt Uprising, pp. 18-9]

Diante do slogan chave levantado pelo povo de Kronstadt (pediam todo poder aos
sovietes e não para os partidos, que Rees distorceu para "sovietes sem partidos") é
difícil concordar com Rees de que sem a ditadura dos bolshevikes os brancos
inevitavelmente tomariam o poder. Afinal das contas, os encontros de Kronstadt
possuiam terço de delegados comunistas.

Além disso, a lógica do argumento de Rees tem um duplo sentido. Ele defende, por um
lado, que os bolshevikes representam a "ditadura do proletariado". Por outro, ele
defende que nas eleições dos sovietes livres os bolshevikes seriam substituídos por
"socialistas moderados" (e eventualmente os brancos). Em outras palavras, isso
significa que os bolshevikes, na verdade, não representavam a classe trabalhadora russa
e sua ditadura foi sobre o proletariado e não do proletariado. O argumento básico de
Rees, portanto, é falho. Rees e seus amigos trotskystas, na verdade, querem nos fazer
crer que a ditadura não se tornou corrupta e burocrática, mas que ela poderia funcionar
no interesse de seus súditos e, portanto, reformar-se a si mesma. Ao passo que qualifica
o povo de Kronstadt de "utopicos"!
 
 

O país estava mesmo por demais exaurido para


consentir a democracia soviete?
Os trotskystas, geralmente, apresentam duas principais desculpas para justificar a
repressão à revolta de Kronstadt. A principal desculpa é dizer que a guarnição em 1921
não tinha a mesma composição de classe de 1917. O que significa dizer que a revolta de
1921 foi a expressão de uma contra-revolução camponesa, logo tinha que ser destruída.
Conforme indicamos anteriormente, em primeiro lugar, a guarnição em 1921 foi
essencialmente a mesma de 1917 (veja seção H.5.8). Em segundo lugar, já mostramos
como as idéias políticas expressas em seu programa foram as mesmas de 1917 (veja
seção H.5.9). Em terceiro lugar, seu programa teve os mesmos pontos que as resoluções
das greves em Petrogrado. Na verdade, em muitos aspectos, os rebeldes de Kronstadt
foram ainda mais socialistas por darem mais ênfase à democracia soviete do que à
assembléia constituinte (veja seção H.5.2).

A segunda desculpa, é de que o país estava muito exaurido e a classe trabalhadora


dizimada. Diante de tais circunstancias, as condições objetivas tornaram impossível a
democracia soviete. O trotskista Pat Stack da SWP britânica defende esta abordagem.
Vejamos o que ele alega:

"O repúdio à importancia da realidade material em ocorrencias como o levante de


Kronstadt em 1921 contra o governo bolshevike na Rússia, transforma tais eventos em
um muro de lamentações. O revolucionário Victor Serge que não foi um crítico
indiscriminado da ação bolshevike no levante, revelou desdém pelas afirmações
anarquistas quando menciona coisas como '. . . a terceira revolução como costuma ser
chamada por certos anarquistas de cabeças de estufadas por ilusões infantís'.

"Esta terceira revolução, conforme argumentam, seguiu-se à primeira em fevereiro de


1917 e à segunda em outubro. A segunda caracterizou-se por varrer qualquer tentativa
de criar o poder capitalista, deu terra aos camponeses e retirou a Rússia da horrível
carnificina imperialista da Primeira Grande Guerra. A revolução introduziu um
imenso programa de alfabetização, outorgou direitos de aborto às mulheres, introduziu
o divórcio e concedeu direitos de auto-determinação às várias repúblicas russas. Tudo
isso foi feito, em oposição à uma sangrenta e horrenda guerra civil através da qual a
velha ordem tentava reconquistar o poder. Sessenta poderosos imperialistas enviaram
exércitos contra o regime, e forçaram um embargo comercial.

"A realidade de tais ações causou um grande sofrimento por toda a Rússia. O regime
ficou privado de matérias primas e combustivel, as redes de transporte foram
destruídas, e começou a faltar alimento nas cidades. Em 1919 o regime tinha apenas
10% do combustível disponível de 1917, e a produção de minério de ferro no mesmo
ano chegou a l,6% dos níveis de 1914. Em 1921 Petrogrado perdera 57% de sua
população e Moscou 44,5%. Os trabalhadores quando não estavam mortos na linha de
frente da guerra civil, perambulavam famintos pela cidade. Aquela força que tornara a
revolução possível fora dizimada. . .

"O regime na Rússia tinha diante de si duas alternativas, ou esmagar o levante e salvar
a revolução, ou render-se ao levante e proporcionar às forças da reação marchar sob
sua retaguarda. Não havia nenhuma base material para uma terceira opção. Uma
economia e infraestrutura destroçados, uma população pressionada pela fome e pela
guerra sangrenta, e um mundo hostil que não possibilitava nenhum avanço à
revolução. Grandes esforços foram feitos para resolver estes problemas. Não havia
nenhuma solução de última hora e era crucial preservar o regime revolucionário.
Soluções reais de emergência seriam encontradas apenas se a revolução se espalhasse
internacionalmente, mas até lá para ter alguma chance de sucesso o regime teria que
sobreviver. Apenas a direita e o poder imperialista se beneficiariam desta destruição".
["Anarchy in the UK?", Socialist Review, no. 246, novembro 2000]

A despeito das afirmações de Stack, os anarquistas tinham e tem uma perfeita


consciência dos problemas enfrentados pela revolução. Alexander Berkman (que estava
em Petrogrado naquele tempo) comentou estes "longos anos de guerra, revolução, e
guerra civil" que "que sangraram a Russia à exaustão e que levaram seu povo à beira
do desespero". [_The Kronstadt Rebellion_] Como cada trabalhador, marinheiro e
soldado na Rússia, os anarquistas sabiam (e sabem) que a reconstrução não seria feita
"de última hora". O povo de Kronstadt sabia muito bem destes problemas, veja essa
passagem no jornal Isvestia:

"Camaradas e cidadãos, nosso país está passando por momentos difíceis. Por tres anos
seguidos, a fome, o frio e o caos econômico nos cercaram como um firme alçapão. O
Partido Comunista que governa o país está alienado das massas e provou sua
incompetência em resgatá-la deste estado de ruína generalizada . . . Todos os
trabalhadores, marinheiros e soldados hoje podem claramente ver que apenas esforços
concentrados, apenas uma determinação concentrada das pessoas pode permitir ao
país alimento, madeira e carvão, pode vestir e calçar o povo e resgatar a República do
impasse em que se encontra". [citado em No Gods, No Masters, vol. 2, p. 183]

Mais tarde destaca que a "nova revolução será a alvorada das massas trabalhadoras do
Oriente e do Ocidente. Isso proporcionará um exemplo de sadia construção socialista
oposta à mecânica da construção 'comunista' governamental". [Op. Cit., p. 194] No
Kronstadt Isvestia de 8 de março lia-se:

"No que diz respeito a Kronstadt sua pedra fundamental esta escorada na Terceira
Revolução. Estas muralhas quebrarão definitivamente as cadeias que prendem as
massas trabalhadoras e abrirá novos caminhos para a criação socialista". [citado por
Ida Mett, Op. Cit., p. 80]

A experiência da revolta proporciona evidências de que esta análise estava longe de se


constituir numa "utopia". O último clamor de Kronstadt foi marcado pelo "entusiasmo"
de seus habitantes, pelo seu renovado senso de propósito e missão. Avrich argumenta
que por um "repentinamente Kronstadt foi sacudida de sua languidês e desespero".
[Op. Cit., p. 159] Os marinheiros, soldados e civis movimentavam seus delegados,
reorganizavam seus sindicatos e daí por diante. A liberdade e a democracia soviete
permitiram às massas começar a reconstruir sua sociedade e elas aproveitaram essa
oportunidade. A confiança do povo de Kronstadt na "democracia direta das massas e
nas pessoas comuns do povo dirigindo seus sovietes livres" tornou-se patente pela
resposta do povo de Kronstadt. Tudo indicava que uma política similar era
implementada pelos trabalhadores que começavam a se organizar para uma greve geral.
As manifestações e protestos que pipocavam por todos os centros industriais através da
Russia foram uma forte indicação de que esta reconstrução não era impossível nem
estava condenada ao fracasso.

Na verdade, esta onda de greves refuta a alegação de Stack de que "Os trabalhadores
quando não estavam mortos na linha de frente da guerra civil, perambulavam famintos
pela cidade. Aquela força que tornara a revolução possível estava dizimada".
Evidentemente, um considerável percentual de trabalhadores estava trabalhando e não
morto no front ou perambulando pelas cidades. Conforme discutiremos abaixo,
aproximadamente um terço dos trabalhadores das fábricas permaneceram em
Petrogrado enquanto que a população trabalhadora urbana de toda a Rússia reduziu-se a
menos de 50%. [Avrich, Op. Cit., p. 24] Em outras palavras, a classe trabalhadora
permanecia viva e capaz de organizar a si própria organizando greves e preparando
encontros. O fato, naturalmente, é que a maioria daqueles que compunham a classe
trabalhadora não tinham eleito os comunistas através de eleições em sovietes livres.
Tais considerações políticas tem que ser levadas em conta diante dos argumentos de
Stack.

Stack também falha, de forma incrível, não mencionando o poder e os privilégios da


burocracia daquele tempo. Funcionarios públicos usufruiam da melhor comida, casa e
daí por diante. A ausência de um controle ou influência efetivos da base fazia com que a
corrupção tomasse conta e se espalhasse por toda parte. Um dos líderes da oposição dos
trabalhadores explica como as coisas funcionavam naquele tempo:

"O povo simples trabalhador vê tudo. Enchergam longe . . . vêem como na escala de
valores da política do governo eles ocupam o último lugar . . . Todos nós sabemos que
os problemas domésticos não podem ser resolvidos em poucos meses, ou mesmo anos, e
que devido à nossa pobreza, não se chega a nenhuma solução sem que antes
enfrentemos sérias dificuldades. Mas o fato do contínuo aumento das desigualdades
entre os grupos privilegiados da população da Rússia Soviética e o restante do povo
comum da classe trabalhadora, 'a viga-mestra da ditadura', provoca e alimenta a
insatisfação.

"O povo simples trabalhador vê como o funcionário público Soviético vive e como o
homem comum vive. Como o homem prático vive e como o funcionário público vive . . .
[Alguém pode dizer] 'Não podemos atender a todos; agradeça por não estar no front
militar'. Quando é necessário fazer reparos nas casas ocupadas pelas instituições
soviéticas, eles são capazes de encontrar [prontamente] tanto o material como a mão
de obra". [Alexandra Kollontai, The Workers’ Opposition, p. 10]

E tudo isso acontecia sob a aspereza das condições materiais enfrentadas pela Rússia
naquele tempo, sem falar na burocracia que se aproveitava de sua posição para tomar
recursos para si. Na verdade, parte dos fatores que resultaram em Kronstadt foram
devidos "a privilégios e abusos de comissários, funcionários do partido e funcionários
dos sindicatos que recebiam rações especiais, privilégios e casas". [Getzler, Op. Cit., p.
210] Stack também falha quando além de não mencionar estas coisas ainda insiste na
necessidade de defender um "estado de trabalhadores" no qual os trabalhadores são
desprovidos de poder e onde proliferam os abusos. Se alguém está desligado da
realidade, é ele mesmo! Ciliga escreveu:

"O Governo Soviético e a alta esfera do Partido Comunista aplicaram suas próprias
soluções [para os problemas enfrentados pela revolução] aumentando o poder da
burocracia. As atribuições dos sovietes foram assumidas pelos 'comitês executivos', a
ditadura da classe foi substituída pela ditadura do partido, a autoridade dos membros
do partido foi substituída pela autoridade da estrutura do partido, o poder dos
trabalhadores nas fábricas foi substituída pelo exclusivo poder da burocracia - fazer
todas estas coisas significava 'salvar a Revolução!' [. . .] A burocracia frustrou a
restauração burguesa . . . eliminando o caráter proletário da revolução". [Op. Cit., p.
331]

À luz destes fatos, é significativo que, em sua listagem dos ganhos revolucionários de
outubro de 1917, Stack falhe não mencionando aquilo que os anarquistas consideram
mais importante, o poder, a democracia e os direitos dos trabalhadores. Mas,
novamente, os bolshevikes, em vez de garantir e fortalecer o poder, a democracia e os
direitos dos trabalhadores, preferiram sacrificá-los para assegurar aquilo que
consideravam mais importante, o poder estatal (veja seção H.5.15 para uma mais
completa discussão desse assunto). Novamente, a imágem da revolução prevalece sobre
seu conteúdo!

Quando Stack argumenta que foi necessário esmagar Kronstadt para "salvar a
revolução" e "preservar o regime revolucionário" somos forçados a perguntar: salvar e
preservar o quê? A ditadura e os decretos dos líderes "Comunistas"? O poder do
partido? Sim, suprimindo Kronstadt, Lenin e Trotsky salvaram a revolução, salvaram a
revolução para Stalin. Dificilmente alguém se orgulharia disso.

A questão para os anarquistas, como para os marinheiros de Kronstadt, era quais seriam
as pré-condições necessárias para esta reconstrução. Poderia a Rússia ser reconstruída
no caminho socialista debaixo de uma ditadura que esmagou cada sinal de manifestação
da classe trabalhadora e da ação coletiva? Sem qualquer sombra de dúvida, conforme
Kronstadt mostrou, nenhuma outra coisa a não ser a reintrodução da democracia e do
poder dos trabalhadores traria à tona a expressão do poder criativo das massas e seu
interesse pela reconstrução do país. A continuação da ditadura do partido não levaria a
outra coisa exceto a escravidão da classe trabalhadora:

"pela sua essência a ditadura destrói a capacidade criativa do povo . . . A conquista


revolucionária poderia apenas ser aprofundada através da genuína participação das
massas. Qualquer tentativa de substituir as massas por uma 'elite' torna-se uma atitude
profundamente reacionária.

"Em 1921 a Revolução Russa chegou a uma bifurcação. A democracia ou a ditadura,


esta foi a questão. Diante de uma união burguesa e de uma democracia proletária os
bolshevikes de fato condenaram ambos. Optaram por construir o socialismo a partir do
topo, completamente dirigido por peritos de um Estado-Maior Revolucionário. Na
expectativa de uma revolução mundial que não viria da periferia, eles construiram uma
sociedade capitalista estatal, onde a classe trabalhadora não teria o direito de tomar
aquelas decisões que mais intimamente lhe dizia respeito". [Mett, Op. Cit., pp. 82-3]

A revolução russa enfrentou crises econômicas durante os anos de 1917 e 1918, mas
durante estes anos em lugar algum encontramos os trotskystas argumentando que a
democracia soviete era impossível (evidentemente, os bolshevikes tornaram a
democracia soviete impossível pela supressão dos sovietes que elegiam pessoas
"erradas" a partir do início de 1918). Por fim, os argumentos de Stack (e de outros como
ele) são tais que ignoram a "realidade material" qualificando o estado de Lenin como
um "regime revolucionário" e que a reconstrução não poderia se dar de outra forma a
não ser através de uma burocracia privilegiada e sem a ativa participação da classe
trabalhadora. Os problemas enfrentados pela classe trabalhadora russa foram
dificultados ao extremo, mas eles jamais seriam resolvidos com alguém impedindo que
milhares de trabalhadores levassem em frente uma ação de greve por todo o território da
Rússia naquele tempo: "E se o proletariado estava tão exaurido como é virtualmente
pode ser capaz de articular uma greve geral nas maiores cidades e nos centros mais
altamente industrializados?" [Ida Mett, Op. Cit., p. 81]

Se há alguma "realidade material" ela é ignorada por Stack, não pelos anarquistas ou
pelos rebeldes de Kronstadt. Tanto os anarquistas quanto o povo de Kronstadt
reconheceram que o país estava diante de um medonho dilema e que um enorme esforço
seria requerido para sua reconstrução. A base material daquele tempo oferecia duas
possibilidades de reconstrução — por cima ou pela base. Tal reconstrução poderia ter
uma natureza socialista apenas se envolvesse uma participação direta das massas
trabalhadoras determinando o que era necessário e como deveria ser feito. Em outras
palavras, o processo tinha que começar pela base, coisa que nenhum comitê central
utilizando uma ínfima fração do poder criativo do país poderia levar a cabo. Essa
reconstrução burocrática, faria surgir uma sociedade onde poucos seriam beneficiados.
E foi, naturalmente, exatamente isso que aconteceu.

John Rees junta-se a seus amigos membros do partido argumentando que a base da
classe trabalhadora no estado dos trabalhadores tinha se "desintegrado" em 1921. A
classe trabalhadora fora reduzida "a uma massa individualizada, atomisada, uma fração
de seu tamanho original, e não mais capacitada a exercer o poder coletivo da mesma
forma que fazia em 1917." A "burocracia do estado dos trabalhadores elevou-a a seu
ponto culminante, a base da classe ficou corroída e desmoralizada". [Op. Cit., p. 65]
Rees afirma que Kronstadt foi "utópica" na medida em que "voltou seus olhos para as
instituições de 1917 quando a classe que tornou tais instituições possíveis perdeu a
capacidade coletiva para dirigir a vida política". [Op. Cit., p. 70]

Existem dois problemas com esse tipo de argumento. O primeiro envolve problemas
factuais. O segundo envolve problemas ideológicos. Vamos analisar um de cada vez.

Os problemas factuais são claros. Em fevereiro de 1921 por toda a Rússia, a classe
trabalhadora entrava em greve, organizando encontros e manifestações. Em outras
palavras, praticando a ação coletiva com base em reivindicações coletivamente
acordadas em reuniões nos locais de trabalho. Uma fábrica enviava delegados para
outras, incentivando-as a se juntarem ao movimento que logo se transformou em uma
greve geral em Petrogrado e Moscou. Em Kronstadt, os trabalhadores, soldados e
marinheiros deram um passo adiante e organizaram uma conferencia de delegados.
Qualquer afirmação de que a classe trabalhadora não tinha nenhuma capacidade para a
ação coletiva torna-se inválida diante de tais fatos.

Naturalmente, aqueles trabalhadores em greve jamais teriam votado em massa para os


comunistas se fossem organizadas eleições em sovietes livres (em Kronstadt, os
comunistas detinham um terço da conferencia de delegados). Em vez da impossibilidade
objetiva o que prevaleceu mesmo para a negação de eleições livres foi a razão política.
Além disso, as ações do Estado Soviético tinham o propósito de quebrar a resistencia
coletiva da força trabalhadora. O uso de patrulhas armadas nas ruas e nas fábricas, o
fechamento e o cadastramento de força de trabalho temporário pretendia desmobilizar a
greve e atomizar a força de trabalho. Tais ações não teriam sido necessárias se a classe
trabalhadora russa estivesse, de fato, atomizada e incapacitada de efetuar ações coletivas
e de tomar decisões.

O tamanho da classe trabalhadora em 1921 era menor que em 1917. Todavia, os


personagens de maio de 1918 e de 1920 eram praticamente os mesmos. Em 1920, o
número de trabalhadores nas fábricas de Petrogrado era de 148.289 (que constituía 34%
da população). [Mary McAuley, Op. Cit., p. 398] Em janeiro de 1917, o número era de
351.010 e em abril de 1918, era de 148.710. [S.A. Smith, Red Petrograd, p. 245] Essa
quantidade de trabalhadores fabrís representava cerca de 40% do período pré-Guerra
Civil e permaneceu a mesma durante a Guerra Civil. Um núcleo proletário permaneceu
em cada centro industrial ou cidade na Rússia. Durante todo o tempo em que durou a
guerra civil eles organizaram greves e protestos por demandas específicas (e sofreram a
repressão bolshevike por fazerem isso). Em março de 1919, por exemplo, as greves em
Petrogrado envolveram 35.000 trabalhadores. Tais greves foram reprimidas por tropas.
O mesmo ocorreu novamente em 1920. Em 1921, a onda grevista ressurgiu tornando-a
quase que geral em muitas cidades, incluindo Petrogrado e Moscou. Se os trabalhadores
podiam organizar greves (e uma greve quase geral em 1921) e grandes manifestações, o
que os impediria de tomar em suas mãos seu próprio destino? Como invalidar a
democracia soviete em favor de uma ditadura de burocratas?

Diante de tais fatores, é bastante provável que a real razão da supressão da democracia
soviete, da liberdade e dos direitos políticos foi o fato dos bolshevikes saberem que
seriam derrotados em eleições livres caso elas fossem implementadas. Como podemos
notar na seção H.5.15, eles tiveram a cautela de dispersar os sovietes com as maiorias
não-bolsheviques antes do começo da guerra civil. Com efeito, os bolshevikes
exerceriam a ditadura do proletariado à revelia e acima da vontade do proletariado caso
fosse necessário.

O problema ideológico deste argumento é que tanto Lenin quanto Trotsky


argumentavam que a revolução inevitavelmente implicava em gerra civil,
"circunstancias excepcionais" e crise econômica. Por exemplo, em Terrorism and
Communism Trotsky argumentou que "todos os períodos de transição se caracterizam
pelos . . . aspectos trágicos" de uma "depressão econômica" tais como exaustão,
pobreza e fome. Cada classe social "é violentamente atingida por uma intensa luta, que
imediatamente traz a seus participantes maiores privações e sofrimento que aquelas
contra as quais lutam". Ele dá o exemplo da Revolução Francesa "que expandiu-se a
titânicas dimensões sobre a pressão das massas exauridas pelo sofrimento, por si só
provocando e gerando ainda mais infortúnios pelo seu prolongamento e pela sua
extraordinária duração". Ele pergunta: "Isso poderia ser diferente?".
Na verdade, enfatiza ele as "revoluções arrastam em sua enchurrada milhões de
trabalhadores" que passam a ser automaticamente afetados pela "vida econômica do
país". Essa "enchurrada arrasta as massas para fora de seus locais de trabalho,
levando-as a um prolongado período de luta, destruindo assim sua conecção com a
produção, a revolução com todas suas variadas greves fatalmente golpeia a vida
econômica, e inevitavelmente ataca o modelo que inspirou seu nascimento". Isto afeta a
revolução socialista, quanto"mais perfeita a revolução, mais as massas a reduzem; e
quanto mais se prolonga, maior é a destruição dos aparatos de produção, e mais
terrível se torna a usurpação dos recursos públicos. De tudo isso vem uma conclusão
que não requer prova — que a guerra civil é nociva à vida econômica".

Lenin em 1917 argumentou de forma semelhante, zombando daqueles que defendiam


que a revolução estava fora de questão porque "as circunstancias eram
excepcionalmente complicadas".  Ele destacou que a revolução, "em seu
desenvolvimento, complica excepcionalmente as circunstancias" e que ela se torna "a
mais violenta, a mais furiosa, a mais desesperada guerra civil e de classes. Nenhuma
grande revolução na história escapou de uma guerra civil. A não ser que viva isolado
do mundo ninguém pode imaginar que a guerra civil seja concebível fora de
circunstancias excepcionalmente complicadas. Se não houver circunstancias
excepcionalmente complicadas não existe revolução". [_Will the Bolsheviks Maintain
Power?_, p. 80 e p. 81]

Alguns meses antes, Lenin argumentava que "quando o inevitável desastre se


aproxima, a tarefa mais útil e indispensável que surge diante do povo é a organização.
Viva a organização proletária — este é nosso slogan para o presente, e deve tornar-se
nosso slogan por muito tempo, quando o proletariado já estiver no poder. . . Existem
vários tipos de talentos [i.e. organizadores] no meio do povo. Tais forças repousam
dormentes nos camponeses, por falta de uso. Elas precisam ser mobilizadas desde
abaixo, pelo trabalho prático . . ." [_The Threatening Catastrophe and how to avoid it_,
pp. 49-50]

O problema em 1921, naturalmente, foi que quando o proletáriado começou a se


organizar, passou a ser reprimido por contrarevolucionários como os bolshevikes. A
reconstrução desde abaixo, a organização do proletariado, automaticamente entrou em
conflito com o poder do partido. Os trabalhadores e camponeses foram impedidos de
agir porque a ditadura bolshevique havia destruído a democracia soviete e sindical.

Assim, por não serem convincentes, os argumentos de Stack caem por terra um a um.
Conforme notamos, seus gurus ideológicos claramente argumentaram que era
impossível uma revolução sem guerra civil e exaustão econômica. Lamentavelmente, os
meios para mitigar os problemas da Guerra Civil e as crises econômicas (com o poder e
a autogestão dos trabalhadores) inevitavelmente entraram em conflito com o poder do
partido e não podiam ser encorajados. Se o bolshevismo não podia conciliar os
inevitáveis problemas da revolução e manter seus principios declarados (democracia e
poder soviete) então isso claramente não funcionaria e deveria ser evitado. Em outras
palavras, o argumento de Stack representa mais a truculencia da ideologia bolshevike do
que um argumento sério contra a revolta de Kronstadt.
 
A "terceira revolução" era uma alternativa real para 
Kronstadt?
Na última seção discutimos o argumento de que o país estava exaurido utilizado para
justificar a repressão bolshevike contra Kronstadt. Tal argumento encontra sua mais
clara expressão em Victor Serge:

"O país estava exaurido e a produção praticamente paralizada; não havia estoque de
espécie alguma, nem mesmo no coração das massas havia reserva de resistencia. A
elite da classe trabalhadora moldada na luta contra o velho regime fora literalmente
dizimada. O Partido, inchado pelo influxo da sêde pelo poder, inspirava pouca
confiança . . . À democracia soviete faltava liderança, instituições e inspiração . . .

"A contra-revolução popular traduziu a demanda por sovietes livremente eleitos, por
um 'soviete sem comunistas'. Se a ditadura bolshevike caisse, seria apenas o primeiro
passo em direção ao caos, e pelo caos viria o levante camponês, o massacre dos
comunistas, o retorno dos emigrantes, o fim, e esta mudança forçaria a vinda de outra
ditadura, um tempo anti-proletário". [_Memoirs of a Revolutionary_, pp. 128-9]

Serge apoiou os bolshevikes, considerando-os o único meio possível de defender a


revolução. Alguns leninistas modernos seguem esta linha de raciocínio e querem que
acreditemos que os bolshevikes foram os defensores daquilo que havia restado da
revolução. O que restara, exatamente? Na verdade, as únicas coisas que permaneceram
foram o poder bolshevike e uma indústria nacionalizada — ambas estas coisas
excluiram o ganho real da Revolução Russa (ou seja, o poder soviete, sindicatos livres e
o direito de greve, liberdade de assembléia, de expressão popular e de associação dos
trabalhadores, a auto-gestão da produção nas fábricas e daí por diante). Na verdade,
essas coisas que "permaneceram", o poder bolshevike e a indústria nacionalizada, foram
a base do poder da burocracia stalinista.

Os anarquistas e marxistas libertários que defendem a revolta de Kronstadt e que se


opõem às ações dos bolshevikes jamais seriam loucos de argumentar que a "terceira
revolução" tinha definitivamente acontecido em Kronstadt. Cada revolução é um jogo
onde se pode ganhar ou perder.

Ante Ciliga coloca essa questão com precisão:

"Consideremos, finalmente, uma última acusação correntemente veiculada: que ações


tais como a de Kronstadt poderiam indiretamente favorecer a contra-revolução. Sem
dúvida, é possível que mesmo situando-se numa democracia dos trabalhadores, a
revolução pode estar sendo liquidada; mas o certo é que ela morreu, e morreu por
conta da política de seus líderes. A repressão de Kronstadt, a supressão da democracia
dos trabalhadores e sovietes pelo partido bolchevique russo, a eliminação do
proletariado da gestão da indústria e a introdução da NEP já significavam a morte da
revolução. " [Op. Cit., p. 335]

A única alternativa para a "terceira revolução" seria a auto-reforma da ditadura do


partido e, portanto, do estado soviético. Tal alerta foi feito depois de 1923 pela
"trotskyista" (nome dado pelos stalinistas porque Trotsky era seu principal líder)
esquerda opositora. John Rees relata que a esquerda opositora, defendia que "sem um
reavivamento da luta na Rússia ou o sucesso revolucionário em outros rincões" tudo
"estava condenado ao fracasso". [Op. Cit., p. 68] Dentro dessa lógica de Sergue, existia
apenas uma opção à esquerda dos leninistas.

Quão viável poderia ser esta alternativa? A ditadura soviética poderia mesmo reformar a
si mesma? A história dá a resposta com a subida de Stalin.

Infelizmente para a esquerda opositora, a burocracia acumulou experiência com a


repressão às lutas, como o combate à onda de greves em 1921 e o massacre na rebelião
de Kronstadt. Na verdade, Rees observa incrédulo  que em 1923 "a nascente da
renovação e de uma reforma completa — a atividade dos trabalhadores — havia
secado inteiramente" contudo, ainda não percebe que este declínio foi reforçado por
aquilo que aconteceu em Kronstadt e pela repressão à onda de greves de 1921. A
esquerda opositora colheu aquilo que Trotsky semeou com as sementes de 1921.
Estranhamente, Rees não percebe isso.

Ironicamente, Rees argumenta que a burocracia stalinista não poderia trair a revolução
sem "capturar o poder armado contra-revolucionário" (e portanto "sem lei marcial,
sem toque de recolher ou sem batalhas nas ruas") por causa da "atomização da classe
trabalhadora". Todavia, essa atomização foi produto das atividades contra-
revolucionárias de Lenin e Trotsky em 1921 quando reprimiram as greves e esmagaram
Kornstadt através da lei marcial, do toque de recolher e das batalhas nas ruas. Os
trabalhadores não tinham qualquer interesse em uma burocracia que os governasse,
explorasse e os tornasse passivos. Rees falha em não ver que o golpe stalinista
simplesmente foi construído sobre a plataforma contra-revolucionária de Lenin. A lei
marcial, o toque de recolher e as batalhas de rua ocorreram em 1921, não em 1928. A
subida do stalinismo foi a vitória de uma nova classe burocrática sobre outra.

Quanto à idéia de que uma revolução externa regeneraria a burocracia soviética, isto
também foi fundamentalmente uma utopia. Nas palavras de Ida Mett:

"Alguns afirmam que os bolshevikes empreenderam tais ações (como a supressão de


Kronstadt) na esperança de uma futura revolução mundial, da qual eles se
consideravam a vanguarda. Mas qual revolução em algum outro país seria
influenciada pela Revolução Russa? Quando alguem considera a enorme autoridade
moral da Revolução Russa através do mundo esse alguém pode perguntar a si mesmo
se os desvios desta revolução não teriam deixado uma marca nos outros países. Muitos
fatos históricos conduzem a tal julgamento. Embora seja fragrante a impossibilidade
da genuina construção socialista em apenas um país, dificilmente as deformações
burocráticas do regime bolshevike influenciariam positivamente os ventos
revolucionários em outros países". [Op. Cit., p. 82]

A esquerda opositora jamais poderia salvar a revolução. Além do mais tratava-se de


uma plataforma contraditória e utópica convocar o partido e o estado burocrático para se
auto-reformarem. A raiz do problema estava na própria ideologia bolshevike. Isto pode
ser visto na própria plataforma da oposição escrita em 1927.

Ela almeja um "consistente desenvolvimento da democracia dos trabalhadores no


partido, nos sindicatos, e nos sovietes" visando "converter os sovietes urbanos em reais
instituições do poder proletário". Ela estabelece que "Lenin, desde a revolução de
1905, desenvolveu o slogan dos sovietes como sendo órgãos da ditadura democrática
do proletariado e dos camponeses". Os marinheiros de Kronstadt argumentavam o
mesmo, naturalmente, e foram estigmatizados como "defensores dos brancos" e
"contra-revolucionários". Ao mesmo tempo que os trotskystas clamam por democracia,
encontramos os "princípios leninistas" ("inviolavel por cada bolshevique") de que "a
ditadura do proletariado é e pode ser realizada apenas através da ditadura do
partido". Repetindo o princípio mencionado de que "a ditadura do proletariado exige
um único e unitário partido que assume a posição de líder das massas trabalhadoras e
dos pobres camponeses". Isto destaca que uma "divisão em nosso partido, a formação
de dois partidos, representará um enorme perigo à revolução". e isto porque:

"Ninguém que sinceramente defende a linha de Lenin pode sustentar a idéia de 'dois
partidos' ou jogar com a possibilidade de uma cisão. Apenas aqueles que desejam
substituir o método de Lenin por algum outro pode advogar uma divisão ou um
movimento ao longo de uma rua de duas direções.

"Lutaremos com todo nosso poder contra a idéia de dois partidos, porque a ditadura do
proletariado exige como seu verdadeiro miolo um único partido proletário. Isso exige
um só partido. Isto exige um partido proletário — que é, um partido cuja política é
determinada pelos interesses do proletariado e conduzido pelo núcleo proletário. A
correção da linha de nosso partido, o aperfeiçoamento de sua composição social —
não é uma rua de duas direções, mas o fortalecimento e a garantia de sua unidade
como partido revolucionário do proletariado".

Podemos notar, de passágem, a interessante noção de partido (e portanto, do estado


"proletario") politicamente "determinado pelos interesses do proletariado e conduzido
por um núcleo proletário" mas que não é determinado pelo proletariado em si.

Tudo isso significa que a política do "estado dos trabalhadores" precisa ser
determinado por algum outro (não específico) grupo e não pelos trabalhadores. Quem
pode garantir que este outro grupo realmente sabe o que é do interesse do proletariado?
Ninguém, naturalmente. Qualquer decisão democrática pode ser ignorada quando
aqueles que determinam a política consideram que as manifestações do proletariado não
estão de acordo "com os interesses do proletariado".

Foi isto que Trotsky fez quando argumentou contra a facção oposição dos
trabalhadores do Partido Comunista que desejava reintroduzir alguns elementos de
democracia na Décima Conferência no tempo do levante de Kronstadt. Conforme ele
destaca, eles "chegaram com slogans perigosos. Fizeram dos princípios democráticos
um fetiche. Eles colocaram o direito dos trabalhadores elegerem representantes acima
do partido. Como se o Partido não fosse capacitado para exercer sua ditadura
esmagando os humores passageiros da democracia de trabalhadores!" Ele continua
afirmando que o "Partido é obrigado a manter sua ditadura . . . indiferente às
vacilações temporárias que surgem da classe trabalhadora . . . A ditadura não se
baseia em si mesma num determinado momento de um princípio formal de uma
democracia de trabalhadores". [citado por M. Brinton, _The Bolsheviks and Workers’
Control_, p. 78]
Diante disso a chamada por democracia é totalmente anulada por outros argumentos na
Plataforma, argumentos que logicamente eliminam a democracia resultando em atos
como o massacre de Kronstadt (veja também a seção H.5.15).

A questão que, naturalmente, vem à tona é como a democracia pode ser introduzida em
sovietes e sindicatos quando a ditadura do partido é essencial para a "realização" da
ditadura do "proletariado" e onde pode haver apenas um partido? Que acontece se o
proletariado vota por algo diverso (como ocorreu em Kronstadt)? Se a ditadura do
"proletariado" é impossível sem a ditadura do partido então, claramente, a democracia
proletária torna-se sem sentido. Tudo o que os trabalhadores poderiam fazer seria votar
nos membros do mesmo partido, todos aqueles que desobedecessem a disciplina do
partido seriam expulsos pelas ordens da liderança do partido. Em outras palavras, o
poder repousa na hierarquia do partido e definitivamente não na classe trabalhadora,
seus sindicatos ou seus sovietes (não passam de meros figurantes submissos ao governo
do partido). Em suma, a única garantia fornecida pela ditadura do partido é governar no
interesse do proletariado, que por sua vez confia nas boas intenções do partido.
Contudo, alienada da vontade real das massas, tal garantia torna-se imprestavel —
como a história revela.

Kronstadt é o resultado óbvio de tais políticas. O ponto de partida foi dispersar os


sovietes que elegiam os partidos "errados" (como os bolshevikes fizeram no começo de
1918, antes do começo da guerra civil). A plataforma trotskysta tinha utilidade apenas
ecomo expressão do usual duplo-pensar leninista do seu "estado dos trabalhadores", em
termos de sugestões práticas é inteiramente inútil. Diferente da plataforma apresentada
pelos trabalhadores de Kronstadt, a plataforma trotskysta estava condenada ao fracasso
desde o começo. A nova classe burocrática poderia ser removida apenas através de uma
"terceira revolução", qualquer uma outra opção, resultaria em uma alternativa burguesa
contra-revolucionária, como a ditadura bolshevike que inevitavelmente desaguaria no
stalinismo. Quando os defensores do bolshevismo argumentaram que Kronstadt abrira o
portão da contrarevolução, eles não compreendiam que o bolshevismo era a própria
contra-revolução em 1921, suprimindo Kronstadt os bolshevikes não apenas
escancararam as portas para o stalinismo como também convidaram-no e lhe
entregaram as chaves da casa.

A plataforma trotskysta, portanto, é Trotsky reescrevendo a história, e passando a atacar


o monstro do stalinismo que ele próprio ajudou a criar, inclusive pelo massacre de
Kronstadt.

Ele argumenta, por exemplo, que o soviete urbano "tem perdido importancia nos anos
recentes. Isto reflete sem dúvida um deslocamento na relação das forças de classe em
desvantágem para o proletariado". De fato, os sovietes perderam sua importancia
imediatamente após a revolução de outubro (veja seção H.5.9 para detalhes). O
"deslocamento" na relação das forças de classe começou imediatamente após a
revolução de outubro, quando os ganhos reais de 1917 (i.e. a democracia soviete, os
direitos dos trabalhadores e a liberdade) foram paulatina e resolutamente eliminados
pela classe burocrática formada em torno do novo estado — uma classe que procurava
justificar suas ações proclamando que aquilo que fazia era no "interesse" das massas
cuja vontade ignorava.
Em relação ao próprio Partido Comunista, ele o qualifica como ("em ação e não em
palavras") "um regime democrático. Que age através de táticas administrativas. Que
impede a perseguição e expulsão daqueles que exercem opiniões independentes sobre
as questões do partido". Nenhuma menção, naturalmente, às táticas usadas por Lenin e
Trotsky contra os dissidentes esquerdistas depois da revolução de outubro.

A esquerda comunista nos princípios de 1918 estava sujeita a tais pressões. Por
exemplo, eles foram expulsos pelas posições adotadas no Conselho Supremo de
Economia em março de 1918. Depois que apresentaram seus pontos de vista passaram a
ser perseguidos por Lenin "uma manobra feita em Leningrado obrigou o Kommunist
[seu jornal] a transferir sua publicação para Moscow . . . Depois que o assunto
apareceu pela primeira vez no jornal uma reunião feita às pressas pela Conferência do
Partido em Leningrado produziu uma maioria favorável a Lenin e 'obrigaram os
simpatizantes do Kommunist a por um fim em sua atividade dissidente'". O jornal ainda
teve quatro edições, sendo que a última teve que ser publicada como jornal privado de
facção. Esta edição referia-se à alta pressão dirigida contra eles pela direção do Partido,
sustentada por um boicote implementado pela imprensa e pelos pronunciamentos dos
líderes do Partido. [Maurice Brinton, Op. Cit., pp. 39-40]

Similarmente, tres anos depois a oposição dos trabalhadores também passou por essa
experiência. No Décimo Congresso do partido, A. Kollontai (autor da plataforma
trotskysta) denunciou que a circulação de seu panfleto havia sido deliberadamente
impedida. Foi considerada irregular pelo Comitê do Partido em Moscou, que
imediatamente votou uma resolução censurando públicamente a organização de
Petrogrado 'por não observar as regras relativas a controvérsias'."O sucesso da facção
leninista no controle da máquina do partido foi tal que 'provavelmente utilizaram o
artifício da fraude'". [Brinton, Op. Cit., p. 75 e p. 77] O testemunho de Victor Serge
sugere que uma votação fraudulenta garantiu a vitória de Lenin no debate do sindicato.
[_Memoirs of a Revolutionary_, p. 123] O próprio Kollontai menciona (no começo de
1921) que camaradas que "manifestarem desacordo com os decretos que venham de
cima serão reprimidos". [The Workers’ Opposition, p. 22]

A plataforma trotskysta declara que "a morte da democracia interna conduz à morte da
democracia dos trabalhadores em geral — nos sindicatos, e em todas as organizações
de massa não partidárias". De fato, essa causa é factualmente correta. A morte da
democracia dos trabalhadores geralmente precede à morte da democracia interna. A
ditadura do partido necessita esmagar a "ditadura democrática das massas
trabalhadoras e dos camponeses pobres". A ditadura do partido substitui a classe
trabalhadora, eliminando a democracia pela ditadura do partido único, democracia que o
partido precisa fazer definhar. Se os trabalhadores pudessem entrar no partido e
influenciar sua política então os mesmos problemas que surgem nos sovietes e nos
sindicatos apareceriam no partido (i.e. a escolha de políticas e de pessoas "erradas"). Por
isso necessitam uma centralização no poder dentro do partido tanto quanto nos sovietes
e nos sindicatos, tudo em detrimento da participação do povo simples e da massa
trabalhadora.

Para terminar, vamos estabelecer alguns paralelos entre os marinheiros de Kronstadt e a


esquerda opositora.
John Rees argumenta que a esquerda opositora tinha "toda aquela vasta máquina de
propaganda da burocracia . . . voltada contra ela", aquela mesma máquina usada por
Trotsky e Lenin em 1921 contra Kronstadt. Até que finalmente, a esquerda opositora
"foi exilada, aprisionada e morta", da mesma forma que fizeram contra o povo de
Kronstadt e contra aquela multidão de revolucionários que defenderam a revolução mas
se opunham à ditadura bolshevike. [Op. Cit., p. 68]

Assim, pois, o argumento de que Kronstadt foi uma "utopia" é falso. A terceira
revolução era a única real alternativa à Russia bolshevike. Qualquer luta que surgisse de
baixo nos anos pós 1921 enfrentaria os mesmos problemas que Kronstadt enfrentou, a
democracia soviete sendo suprimida pela ditadura do partido. Uma vez que a esquerda
opositora havia subscrito os "princípios leninistas" da "ditadura do partido", eles
jamais poderiam apelar para as massas nem tampouco decidir por elas. Todos os
argumentos dirigidos contra a democracia soviete em Kronstadt de conduzirem uma
contra-revolução são igualmente aplicáveis àquele movimento que invocava, segundo
Rees, a classe trabalhadora russa.

Em outras palavras, é errônea a afirmação de que Kronstadt inevitavelmente conduziria


a uma ditadura anti-proletária. Aliás, a própria ditadura bolshevike foi anti-proletária
por natureza (ela reprimiu manifestações proletárias, esmagou a liberdade e o direito de
expressão em inúmeras ocasiões) e ela nunca poderia ser reformada de seu conteúdo
pela própria lógica de seus "princípios leninistas" da "ditadura do partido". A subida do
stalinismo tornou-se inevitável após o massacre de Kronstadt.
 

Como os trotskistas modernos encaram Kronstadt?


Já discutimos nas seções anteriores como os trotskystas procuram imitar seus heróis
Lenin e Trotsky distorcendo os fatos relacionados aos marinheiros de Kronstadt e ao
levante. Na seção H.5.5, indicamos como eles selecionam passagens de versões
acadêmicas sobre o levante suprindo as evidências que contradizem suas afirmações. Na
seção H.5.11 mostramos como eles manipularam passagens do livro de Paul Avrich
sobre a revolta para desenhar um quadro falso das concepções dos marinheiros com os
brancos. Aqui vai um resumo de outras falcatruas dos trotskystas sobre a revolta.

John Rees, por exemplo, afirma que o povo de Kronstadt lutava por "sovietes sem
partidos". Na verdade, ele faz essa afirmativa duas vezes em uma única página. [Op.
Cit., p. 63] Pat Stack vai mais longe ao afirmar que a "exigencia central do levante de
Kronstadt era 'sovietes sem bolshevikes'‚ em outras palavras, a completa destruição do
estado dos trabalhadores". ["Anarchy in the UK?", Socialist Review, no. 246,
November 2000] Ambos autores mencionam o livro Kronstadt 1921 de Paul Avrich em
seus artigos. Vamos olhar a fonte:

"'Sovietes Sem Comunistas' não foi, como é sustentado tanto por escritores soviéticos
como não-soviéticos, um slogan de Kronstadt". [_Kronstadt 1921_, p. 181]

Quando o povo de Kronstadt brada "todo poder para os sovietes não para os partidos"
eles distorcem para "sovietes sem partidos". Não se pretendia excluir os partidos
políticos dos sovietes, mas simplesmente impedir que os sovietes fossem dominados e
substituídos por eles. Conforme Avrich destaca, o programa de Kronstadt "tinha um
lugar para os bolshevikes nos sovietes, ao lado de outras organizações esquerdistas . . .
comunistas . . . [todos] participando vigorosamente da conferencia eleita de delegados,
fato que Kronstadt considerava como uma característica dos sovietes livres com os
quais sonhava". [Ibid.] O índice da obra de Avrich habilmente inclui esta página, sob o
adequado título "sovietes: 'sem comunistas'".

A exigência central do levante simplesmente pedia por democracia soviete e pelo


retorno aos princípios pelos quais os trabalhadores e camponeses tinham enfrentado os
brancos. Em outras palavras, os leninistas não apenas adulteraram as exigências da
revolta de Kronstadt como também deturparam suas exigências.

Rees tenta sugerir que os culpados pelo massacre implementado pelos bolshevikes são
os próprios marinheiros. Ele argumenta que "em Petrogrado, Zinoviev já tinha
essencialmente retirado os aspectos mais detestaveis da guerra comunista em resposta
às greves". Desnecessário dizer que Zinoviev não retirara os aspectos políticos da
guerra comunista, mas apenas os econômicos e, como a revolta de Kronstadt era
principalmente política, tais concessões não foram suficientes (na verdade, a repressão
dirigida contra os direitos dos trabalhadores, a oposição socialista e os grupos
anarquistas aumentou). Ele afirma que a "resposta" do povo de Kronstadt a essas
concessões está contida em _What We Are Fighting For_" e destaca a seguinte
passágem:

"não há nenhum meio termo na luta contra os comunistas . . . Eles procuram aparentar
fazer concessões: removeram destacamentos de bloqueio e alocaram 10 milhões de
rublos na província de Petrogrado para a compra de alimentos . . . Mas não vamos nos
deixar enganar . . . Não há meio termo. Vitória ou morte!"

Só que Rees falha em informar a seus leitores que isso foi escrito em 8 de março, após o
início das operações militares pelos bolshevikes (na noite anterior). Além do mais, o
fato é que a "resposta" claramente determina que "sem um único tiro, sem uma gota de
sangue, o primeiro passo fora dado [da "Terceira Revolução"]. Os trabalhadores não
precisam de sangue. Eles farão isso apenas em caso de legítima defesa", isto não é
mencionado. [Avrich, Op. Cit., p. 243] Em outras palavras, os marinheiros de Kronstadt
reafirmaram seu comprometimento com uma revolta não violenta. Qualquer violência
de sua parte seria em legítima defesa contra as ações bolshevikes. Você não vê nada
disso na obra de Rees.

Outro membro da SWP, Abbie Bakan, afirma que, por exemplo, "mais de três quartos
dos marinheiros" de Kronstadt "eram recrutas recentes de orígem camponesa" mas não
fornece a fonte de tal estatística. ["A Tragic Necessity", Socialist Worker Review, no.
136, November 1990, pp. 18-21] Conforme notamos na seção H.5.8, tal afirmativa é
falsa. A fonte provável para tal afirmativa é Paul Avrich, que relata que de acordo com
dados oficiais, mais de três quartos dos marinheiros eram de origem camponesa mas
Avrich em nenhum momento diz que eles eram todos recrutas recentes. Embora
afirmasse ter uma "pequena dúvida" se a Guerra Civil produzira "alta rotatividade" e
que muitos veteranos foram substituidos por recrutas vindos das áreas rurais, ele não
indica que todos aqueles marinheiros vindos do campo eram novos recrutas. O que ele
destaca é que "sempre houve um grande e obstinado elemento camponês entre os
marinheiros". [Op. Cit., pp. 89-90]

Bakan afirma que o anti-semitismo "era vicioso e exuberante" contudo falha em


providenciar qualquer proclamação oficial de Kronstadt que expressasse essa
perspectiva. Talvez se trate de uma generalização das memórias de um marinheiro e do
comentário anti-semítico de Vershinin, um membro do Comitê Revolucionário. Não
podemos esquecer que a opinião desses marinheiros e de outros como eles eram
irrelevantes para os bolshevikes no momento em que eram recrutados. E, mais
importante, tal "vicioso e exuberante" anti-semitismo nunca esteve presente nas
exigências nem nos jornais de Kronstadt ou nos programas de rádio. Nem mesmo os
bolshevikes fizeram menção disso naquele tempo.

Além do mais, a verdade é que o "pior veneno dos rebeldes de Kronstad era dirigido
contra Trotsky e Zinoviev" mas não porque eles eram, conforme Bakan afirma,
"tratados como bode expiatório de judeus". Não há qualquer referência étnica nas
reivindicações dos marinheiros de Kronstadt. Em vez disso o que se vê em seus ataques
são fortes razões políticas. Conforme Paul Avrich argumenta, "Trotsky em particular
foi o símbolo vivo da guerra comunista, contra qual cada marinheiro tinha se rebelado.
Seu nome estava associado à centralização e militarização, à disciplina férrea e
arregimentação". Quanto a Zinoviev, ele diz "atraiu sobre si a ira dos marinheiros
representando o chefe do partido que havia reprimido os trabalhadores em greve e que
tomou suas próprias famílias como réfens". Boas razões para atacá-los e nenhuma delas
relacionada ao fato deles serem judeus. [Op. Cit., p. 178 and p. 176]

Bakan afirma que as "exigencias dos marinheiros de Kronstadt refletiam as idéias das
seções mais atrasadas dos camponeses". Conforme pode ser visto na seção H.5.5, tal
comentário não pode ser considerado devido às reais exigências da revolta (que,
naturalmente, ele não relaciona). Quais idéias estão contidas nessas exigências das
"seções mais atrasadas dos camponeses"? Eleições livres nos sovietes, liberdade de
expressão e de imprensa para os trabalhadores e camponeses, direito de assembléia,
liberdade sindical e de organização camponesa, conferência de trabalhadores, soldados e
marinheiros, libertação de todos os trabalhadores e camponeses prisioneiros políticos,
igualdade na distribuição das rações, liberdade de ação para os camponeses desde que
não empreguem trabalho assalariado, e daí por diante. Em outras palavras, tais
reivindicaçõs podem ser encontradas na maioria dos programas dos partidos socialistas
e foram, de fato, um elemento chave na retórica bolshevike em 1917. E, naturalmente,
todos os aspectos políticos das exigencias de Kronstadt refletem aspectos chaves da
Constituição Soviética. Quanto "atraso" pode ser encontrado!

Bakan pateticamente admite que tais exigências incluiam a "proclamação de grandes


liberdades" embora se refira a "metas principalmente econômicas" fora os pontos 8, 10
e 11, dos 15 pontos das exigências, as demais são políticas. Aparentemente, foi "o
programa de confisco forçado da produção dos camponeses e os destacamentos de
bloqueio nas estradas que incentivou o mercado negro de grãos". Uma vez que ele
admite que os bolshevikes terem "já discutido" o fim daquelas coisas (devido à ausencia
de sucesso) isto pode ser o caso dos bolshevikes também refletirem "as idéias das
seções mais atrasadas dos camponeses"! Além disso, a exigência pelo fim dos
bloqueios nas estradas também foi levantada pelos trabalhadores de Petrogrado, da
mesma forma que outras exigências de Kronstadt. [Paul Avrich, Op. Cit., p. 42]
Seguramente as "seções mais atrasadas dos camponeses" prevaleciam naqueles dias,
pois com excessão da burocracia do partido bolshevike elas estavam presentes nas
fábricas de Petrogrado e nas outras grandes cidades da Rússia!

Na realidade, naturalmente, a oposição ao confisco forçado de alimentos foi uma


combinação de considerações práticas e éticas — além de ser um mal aquilo era
contraprodutivo. Não é necessário ser um camponês para ver e saber isso (como os
trabalhadores de Petrogrado mostraram). Similarmente, os bloqueios nas estradas
também foram um erro. Victor Serge, por exemplo, reconhece que ele próprio teria
"morrido sem a sórdida manipulação do mercado negro". [Op. Cit., p.79] E ele era um
funcionário do governo. Desnecessário dizer que para o trabalhador comum as coisas
foram bem piores. O uso dos destacamentos de bloqueio nas estradas se constituiu numa
ofensa aos trabalhadores industriais — não foi atoa que exigiam seu fim e não foi atoa
que os marinheiros expressaram solidariedade para com eles e incluiram essa
reivindicação nas exigências. Assim, nenhuma das exigências nega a natureza de classe
da revolta.

Em um exemplo interessante do duplo-pensar trotskysta, ele afirma que os marinheiros


"proclamavam a abolição da autoridade bolshevike no exército, nas fábricas e no
campo". Aquilo que a resolução pedia, de fato, era, "a abolição dos destacamentos de
combate do Partido e todos os grupos militares" tanto quanto as "guardas do Partido
nas fábricas e empresas" (ponto 10). Em outras palavras, o fim da intimidação dos
trabalhadores e soldados pelas unidades comunistas armadas em seu meio! Quando
Bakan afirma que "o caráter real da rebelião" podia ser visto no começo da declaração
quando afirma que "os sovietes atuais não expressam a vontade dos trabalhadores e
camponeses" ele não enchergou a verdade contida nesse comentário. A revolta de
Kronstadt foi uma revolta pela democracia soviete e contra a ditadura do partido. E
apenas pela abolição da "autoridade bolshevike" nos sovietes existentes, como a
resolução expressava, seria expressa a vontade de seus eleitores!

Similarmente, ele afirma que o Comitê Revolucionário Provisório fora "não-eleito" e


desmente todos os historiadores que registram que ele foi de fato eleito pela conferência
de delegados em 2 de março e expandindo-se alguns dias depois. Ele menciona o fato
dos delegados no encontro "não permitirem aos membros do partido estabelecerem as
regras usuais no que toca aos procedimentos" como uma das muitas "irregularidades"
enquanto que, naturalmente, a real irregularidade foi o fato de um partido (o partido do
governo) estabelecer suas "regras usuais" em primeiro plano! Além disso, diante do
fato do soviete de Petrogrado discutir a revolta sob a vigilância da guarda checa (a
polícia política de Lenin), afirmar que a participação dos marinheiros nos encontros da
conferencia de delegados (um encontro convocado em oposição ao partido governante)
era "irregular" parece irônico.

Além de tudo, o artigo de Bakan revela o nível de baixaria a que podem chegar os
defensores do leninismo quando discutem a rebelião de Kronstadt. Tristemente,
conforme indicamos muitas e muitas vezes, não se trata de um caso isolado.
 

O que Kronstadt nos transmite sobre o bolshevismo?


Os argumentos utilizados por Lenin, Trotsky e seus seguidores fornecem um
significante auxílio na determinação da essência do mito bolshevike. Seus
arrazoamentos e atitudes revelam as limitações da teoria bolshevike e como ela
contribuiu para a degeneração da revolução.

Trotsky disse que o "slogan de Kronstadt" era "sovietes sem comunistas". [Lenin e
Trotsky, Kronstadt, p. 90] Isso, evidentemente, é factualmente incorreto. O slogan de
Kronstadt era "todo poder para os sovietes não para os partidos" (ou "sovietes livres").
Com base em sua asserção errônea, Trotsky argumenta o seguinte:

"libertar os sovietes da liderança [!] dos bolshevikes significa a curto prazo a


demolição dos próprios sovietes. A experiência dos sovietes russos durante o período
da dominação menshevike, SR e, mais claramente, a experiência dos sovietes alemães e
austríacos sob o controle dos sociais democratas, prova isso. Os sovietes social-
revolucionários-anarquistas serviram apenas como uma ponte para a ditadura do
proletariado. Eles não poderiam exercer nenhum outro papel, não dêem atenção a
essas 'ideias' de seus adeptos. O levante de Kronstadt teve um caráter contra-
revolucionário". [Op. Cit., p. 90]

Lógica interessante. Vamos supor que o resultado de eleições livres implicasse no fim
da "liderança" bolshevike (i.e. ditadura), como parece ter acontecido. O que Trotsky
defende é que a utilidade em permitir que trabalhadores elejam representantes é
"apenas servir como uma ponte para a ditadura do proletariado"! Este argumento foi
dito (em 1938) como um objetivo geral e não em termos dos problemas enfrentados
pela Revolução Russa em 1921. Em outras palavras Trotsky claramente defende a
ditadura do partido contrastando-a com a democracia soviete. Um repúdio ao lema
"Todo Poder aos Sovietes"!

Na verdade, Trotsky não temia explicitar tais afirmativas naquela ocasião. Conforme
destacamos na seção H.5.13, a oposição esquerdista baseava-se no "princípio leninista"
("que nenhum bolshevike poderia violar") de que "a ditadura do proletariado é e pode
ser realizada apenas através da ditadura do partido". Trotsky destacou dez anos mais
tarde que a classe trabalhadora como um todo não poderia determinar a política nesse
"estado dos trabalhadores" (que revela sua crença na ditadura do partido único como
um estágio inevitável da revolução "proletária"):

"A ditadura de um partido remonta à barbárie pré-histórica que produziu o próprio


estado, mas não podemos saltar este capítulo, que pode descortinar (não de um só
lance) a genuína história humana . . . Em termos abstratos, seria muito bom se a
ditadura do partido pudesse ser substituída por uma 'ditadura' da totalidade do povo
trabalhador sem qualquer partido, mas isto pressupõe um alto nível de
desenvolvimento político no meio das massas, coisa que nunca seria alcançada sob as
condições capitalistas. A razão para a revolução vem da circunstancia do capitalismo
não permitir o desenvolvimento moral e material das massas". [Trotsky, Writings 1936-
37, pp. 513-4]

Aqui está a verdadeira essência do bolshevismo. Trotsky defende claramente que a


classe trabalhadora, enquanto classe, é incapaz de fazer a revolução ou de adminstrar a
sociedade por si própria — consequentemente o partido precisa andar a seu lado e, se
necessário, ignorar a vontade desse mesmo povo que o partido diz representar. Quando
o partido suprimiu Kronstadt, quando dispersou os sovietes não-bolshevikes nos
princípios de 1918 roubando o poder dos trabalhadores e dos sovietes, ele atuava no
interesse das massas! A noção do leninismo como teoria revolucionária é invalidada
pelos argumentos de Trotsky, aqui ou em qualquer outro lugar. Mais que o anseio por
uma sociedade baseada no poder dos trabalhadores eles aspiram por um "estado dos
trabalhadores" no qual os trabalhadores delegam seu poder para líderes do partido. Tal
abordagem está fadada ao fracasso — ela não pode produzir uma sociedade socialista
pois tal sociedade (conforme enfatizou Bakunin) pode apenas ser construida a partir de
baixo pela própria classe trabalhadora.

Conforme Vernon Richards argumenta:

"A diferença entre o movimento revolucionário libertário e o autoritário na luta por


estabelecer uma sociedade livre, está nos meios que cada um deles utiliza para
alcançar seus fins. O libertário defende que a iniciativa precisa vir de baixo, que a
livre sociedade precisa ser o resultado do desejo de liberdade de uma extensa porção
da população. O autoritário . . . acredita que o desejo de liberdade pode apenas
emergir diante de um sistema econômico e político existente que seria substituído por
uma ditadura do proletariado [expressa pela ditadura do partido, de acordo com
Trotsky] a qual, com o crescimento da consciência e senso de responsabilidade do
povo, definharia e a livre sociedade emergiria.

"Não pode haver nenhum campo comum entre estas duas abordagens. O autoritário
defende que a abordagem libertária embora nobre é 'utópica' e está desde o começo
fadada ao fracasso, ao passo que o libertário defende com base na história, que os
métodos autoritários simplesmente substituem um estado autoritário por outro,
igualmente despótico e distante do povo, e que não 'definhará' mais que seu
predecessor capitalista". [_Lessons of the Spanish Revolution_, p. 206]

Em nossos dias os leninistas seguem os argumentos de Trotsky (embora raramente


admitam a lógica dessa postura ou que seus heróis explicitamente chegaram a esta
conclusão e a justificaram). Chris Bambery da SWP britânica, por exemplo, argumenta
em seu artigo "Leninismo no século XXI" que "na concepção de Lenin de partido, a
democracia é balanceada pelo centralismo" e a primeira das tres razões é:

"A classe trabalhadora é fragmentada. Sempre há aqueles que querem lutar, aqueles
que furam as greves e aqueles que ficam no meio termo. Até mesmo nos sovietes havia
tais divisões. As organizações revolucionárias não aspiram representar a classe
trabalhadora como um todo. Elas se baseiam naqueles trabalhadores que querem
mudar o capitalismo, e procuram organizar a maioria dos trabalhadores para a vitória
e para a necessária tomada do poder". [_Socialist Review_, no. 248, January 2001]

Isto, naturalmente, tem exatamente a mesma base da defesa de Trotsky da necessidade


da ditadura do partido e do porque Kronstadt foi contra-revolucionário. Na verdade,
Bambery destaca que até mesmo "nos sovietes" existiam "divisões". Assim nós temos o
argumento básico que conduz a eventos como Kronstadt e a destruição do poder soviete
pelo poder do partido. Os argumentos para a centralização significam, na prática, a
concentração do poder no centro, nas mãos dos líderes do partido, pois as massas
trabalhadoras não seriam confiáveis para decidir acertadamente
("revolucionariamente"). Este poder é então utilizado para impor a vontade dos líderes,
os quais usam o poder do estado contra a mesma classe que eles afirmam representar:

"Sem a coerção revolucionária aplicada diretamente contra os inimigos declarados dos


trabalhadores e camponeses, é impossível quebrar a resistencia dos exploradores. Por
outro lado, a coerção revolucionária é um chicote para ser usado sobre os elementos
instaveis e indecisos que fazem parte da própria massa". [Lenin, _Collected Works_,
vol. 24, p. 170]

Em outras palavras, naqueles que se manifestam contra a ditadura do partido.

Naturalmente, poder-se-ia replicar que a ditadura bolshevike usou seu poder para
esmagar a resistencia dos patrões (e dos "trabalhadores atrasados"). Lamentavelmente,
não foi o caso. Primeiramente, precisamos destacar que os anarquistas não são contra a
defesa da revolução nem contra a expropriação de poder e dos bens da classe
dominante. Não defendemos que a revolução em si não precise de defesa, muito pelo
contrário, a questão é como a revolução fará isso. O argumento de Lenin é tão inválido
quanto confuso ao defender a revolução defendendo o partido no poder. Tratam-se de
duas coisas completamente diferentes.

A "coerção revolucionária" a que Lenin se refere, aparentemente, seria dirigida contra


uma parte da classe trabalhadora. Contudo, tal atitude também intimida os demais
trabalhadores (da mesma forma que a repressão da burguesia não intimida apenas
aqueles que estão em greve mas também aqueles que planejam entrar em greve). Do
ponto de vista político, o único efeito que pode produzir é — eliminar o poder e a
liberdade dos trabalhadores. Tal "coerção revolucionária" é a violência de uma minoria
opressora contra uma maioria oprimida, não vice-versa. O fim da liberdade de expressão
prejudica as pessoas da classe trabalhadora. A militarização do trabalho não afeta a
burguesia. Ambos eliminam a democracia soviete. Conforme o dissidente comunista
Gavriii Miasnokov argumentou em 1921 (respondendo Lenin):

"O problema é que, enquanto você levanta sua mão contra o capitalista, você desfere
uma pancada no trabalhador. Você sabe muito bem que com tais palavras eu expresso
a opinião de centenas, talvez milhares de trabalhadores que são abatidos nas prisões.
Ainda permaneço em liberdade pelo simples fato de ser um veterano comunista, tenho
sofrido por aquilo que acredito, e sou conhecido no meio dos trabalhadores, mas não
por isso, sou apenas um simples mecânico de fábrica. Onde estou agora? Em uma
prisão da checa ou, mais exatamente, preparando uma 'fuga', da mesma forma que
preparei a 'fuga' de Mikhail Romanov. E repito: você levanta seu braço contra a
burguesia, mas sou eu quem escarra sangue, e somos nós, os trabalhadores, que temos
que arrebentar as grades das prisões [para alcançar nossa liberdade]". [citado por
Paul Avrich, _G. T. Miasnikov and the Workers’ Group_]

Significativamente, Miasnikov da mesma forma que recusou denunciar os insurgentes


de Kronstadt, também recusaria participar em sua repressão caso fosse chamado.

Assim, as idéias de centralização defendidas pelos leninistas são danosas para os reais
avanços da revolução, ou seja, o poder e a liberdade da classe trabalhadora. Na verdade,
isso pode ser visto através da história do bolshevismo.
Bambery afirma (corretamente) que "Lenin e os bolshevikes inicialmente se opunham" à
formação expontânea dos sovietes em 1905. Eles justificavam sua oposição por seu
"modelo de revolução se inspirar nos momentos que antecederam a revolução francesa
em 1789." [Ibid.]

Na realidade, eles achavam que "apenas um partido forte ao longo das linhas de classe
poderia guiar o movimento político proletário e preservar a integridade de seu
programa. Esses aglomerados políticos, organizações políticas vacilantes e
indeterminadas como os representantes dos conselhos de trabalhadores não ajudam,
apenas representam". [P. N. Gvozdev, citado por, Oskar Anweilier, The Soviets, p. 77]

Em outras palavras, por eleger trabalhadores o soviete não representava os interesses da


classe trabalhadora! Trotsky repetiu este argumento palavra por palavra em 1920
quando argumentou que "pode ser dito com completa justiça que a ditadura dos
Sovietes será possível apenas através da ditadura do partido" e que não existe "nenhum
substituto para ela" quando o "poder do partido" substitui o poder da classe
trabalhadora. O partido, destaca, "proporciona ao Soviete a possibilidade de sair da
condição de parlamento disforme de trabalhadores para se transformar num aparato
da supremacia dos trabalhadores". [_Communism and Terrorism_] Agora, de que
maneira o trabalhador poderia exercer esta "supremacia" quando não podia sequer
escolher seus delegados nem administrar a sociedade isto nunca foi explicado.

Em 1905, os bolshevikes viram os sovietes como um rival de seu partido e exigiram que
aceitassem seu programa partidário ou se tornassem meras organizações sindicais. Eles
temiam que o comitê do partido fosse marginalizado pelo soviete, o que consideravam
uma "subordinação da consciência ao expontaneismo". [Op. Cit., p. 78] Daí o
argumento de Lenin em What is to be Done?, onde ele defende que o "desenvolvimento
*expontâneo* do movimento dos trabalhadores resulta em que se subordinem à
ideologia burguesa". [_Essential Works of Lenin_, p. 82] Tal perspectiva está na raiz de
todos os argumentos bolshevikes para justificar o poder do partido depois da revolução
de outubro.

A combinação de tais argumentos políticos inevitavelment conduz a eventos como o de


Kronstadt. Diante da idéia de que o desenvolvimento expontâneo inevitavelmente
conduz à dominação burguesa, qualquer tentativa de revogar a delegação bolshevike e
eleger outros para os sovietes representa necessariamente uma tendência contra-
revolucionária. Na medida em que a classe trabalhadora é dividida e sujeita a
"vacilações" devido aos "elementos instaveis e indecisos no meio da própria massa" a
classe trabalhadora torna-se incapaz de por si só administrar a sociedade. Daí a
necessidade do "princípio leninista" da "ditadura do partido". E, é lógico, de eventos
como Kronstadt.

Segundo Cornellius Castoriadis:

"Administrar o trabalho de outros — este é o princípio e o fim de todo ciclo de


exploração. A 'necessidade' de uma categoria social específica para administrar o
trabalho de outros na produção (e a atividade de outros na política e na sociedade), a
'necessidade' de uma administração de negócios separada e de um Partido para
governar o Estado — é isto que o bolshevismo defende e é isto que fará imediatamente
após a tomada do poder, e é para impor estas coisas que trabalham com tanto zêlo.
Mas nós sabemos como tudo isso termina. Na medida em que tais idéias exercem seu
papel no desenvolvimento da história — e, em última análise, elas exercem um enorme
papel — a ideologia bolshevike (com a ideologia marxista por traz dela) foi um fator
decisivo para o nascimento da burocracia russa". [_Political and Social Writings_, vol.
3, p. 104]

Os anarquistas sempre estiveram atentos às diferentes perspectivas políticas existentes


dentro da classe trabalhadora. Nós também sempre tivemos consciência da importancia
das organizações revolucionárias juntas influenciarem a luta de classes, levantando a
necessidade da revolução e a criação de organizações da classe trabalhadora que possam
esmagar e substituir o estado por um sistema de comunas auto-gestionárias e de
conselhos de trabalhadores. Contudo, rejeitamos a conclusão bolshevike pelo poder
centralizado (i.e. poder delegado para o centro) como condenado ao fracasso. Em vez
disso, concordamos com Bakunin que defendeu que os grupos revolucionários precisam
"não buscar algo para si mesmos, nem privilégios, nem honras nem poder" rejeitando
"qualquer idéia de ditadura, custódia, controle" A "revolução seja lá onde for precisa
ser criada pelo povo, e o controle supremo precisa sempre ser exercido pelo povo
organizado em suas federações livres de agricultores e associações industriais . . .
organizados desde a base através de delegações revolucionárias . . . [as quais] se
empenharão na administração dos serviços públicos, não no exercício do governo
sobre outras pessoas". [_ Michael Bakunin: Selected Writings_, p. 172]

Os anarquistas procuram influenciar diretamente o povo trabalhador, via sua influencia


natural nas organizações da classe trabalhadora como conselhos de trabalhadores,
sindicatos e daí por diante. Apenas pela discussão, debate e auto-atividade as
perspectivas políticas da classe trabalhadora se desenvolverão e mudarão de rumo. Isto
se torna impossível em um sistema centralizado baseado na ditadura de um partido. O
debate e discussão são essenciais, sem isso a revolução não se desenvolve, sem isso o
povo trabalhador não escolhe seus próprios delegados. Nenhuma auto-atividade se
desenvolve se o governo usa de "coerção revolucionária" contra "elementos instaveis e
indecisos" (i.e. aqueles que não seguem cegamente as órdens dos governantes e que
tomam iniciativas por eles mesmos).

Em outras palavras, a prática bolshevista de justificar seu apoio ao poder do partido é,


de fato, o mais forte argumento contra ele. Quanto mais concentrado for o poder nas
mãos de poucos, mais lento será o desenvolvimento político da maior parte da
população. Sem ninguém controlando seu destino, sua revolução, jamais serão taxados
como tendências contra-revolucionárias.

É falso afirmar que durante uma revolução ou guerra civil é impossivel implementar
uma abordagem libertária. Os anarquistas aplicaram suas idéias com muito sucesso no
movimento makhnovista na Ukrania. Nas áreas sob sua proteção, os makhnovistas
recusaram dizer aos trabalhadores e camponeses o que eles deveriam fazer:

"A liberdade dos camponeses e trabalhadores, reside nos próprios camponeses e


trabalhadores e é ilimitada. Em todos os aspectos de suas vidas os trabalhadores e
camponeses são livres para construir aquilo que eles considerem necessário. No que
diz respeito aos makhnovistas — eles podem apenas assisti-los com informações,
colocando à sua disposição as forças militares e intelectuais que necessitem, mas sob
nenhuma circunstancia os makhnovistas podem lhes ordenar qualquer procedimento".
[Peter Arshinov, _The History of the Makhnovist Movement_, p. 148]

Os makhnovistas encorajavam os trabalhadores a construir sovietes livres e sindicatos


de trabalhadores para que fossem usados na administração seu próprio destino. Eles
organizaram numerosas conferências de delegados de trabalhadores e camponeses para
discutir desenvolvimento político e militar, e decidir como reorganizar a sociedade a
partir da base de uma forma auto-gestionária. Após libertarem Aleksandrovsk, por
exemplo, eles "convidaram a população trabalhadora para participar de uma
conferência geral de trabalhadores na cidade . . . onde foi proposto que os
trabalhadores organizassem a vida da cidade tanto quanto o funcionamento das
fábricas com seus próprios recursos e suas próprias organizações". [Op. Cit., p. 149]
Em contraste, os bolshevikes tentaram por duas vezes proibir os delegados do
congresso (organizado pelos makhnovistas) de trabalhadores, camponeses e soldados de
se reunirem (uma vez por Dybenko e a outra por Trotsky). [Op. Cit., pp. 98-104 and
120-5]

Os makhnovistas responderam que de qualquer forma fariam as conferências, "podem


existir leis feitas por uns poucos que chamam a si mesmos de revolucionários, e que
coloque fora-da-lei todo um povo que é mais revolucionário que eles?" e "que defende
os interesses da revolução: gente do Partido ou gente do povo que colocou a revolução
em movimento com seu próprio sangue?" O próprio Makhno afirmou que ele
"considerou aquilo um direito inviolável dos trabalhadores e camponeses, um direito
conquistado pela revolução, de chamar conferências por sua própria conta, para
discutir seus assuntos". [Op. Cit., p. 103 and p. 129] Tais atitudes por parte dos
bolshevikes revela que a eliminação da democracia dos trabalhadores durante a guerra
civil proporcionou plenas e objetivas condições para o estabelecimento do governo de
Lenin e da ideologia leninista que passou a exercer um importante papel enquanto
elemento contra-revolucionário.

Dessa forma, o argumento anarquista não é um plano utópico. Pelo contrário, ele pode
ser aplicado com sucesso nas mesmas circunstancias que, segundo os trotskystas,
forçaram os bolshevikes agir como agiram. Como pode ser visto, havia uma alternativa
viável e que foi aplicada com sucesso pelos makhnovistas (veja seção H.6 para saber
mais sobre os makhnovistas).

Mais uma vez, a lógica do argumento bolshevike apresenta falhas:

"se você considerar aqueles honrados eleitores incapazes de cuidar de seus próprios
interesses. Como é que eles poderiam saber escolher por eles mesmos o pastor que
melhor os guiasse? E como seriam capazes de resolver os problemas da alquimia
social. Como produziriam um gênio a partir dos votos de uma massa de loucos? E o
que aconteceria com as minorias . . . mais inteligentes, mais ativas e a parte radical da
sociedade?" [Malatesta, Anarchy, p. 53]

Daí, a necessidade da democracia soviete e da auto-gestão, das exigências da revolta de


Kronstadt. Conforme Malatesta destacou, "apenas liberdade ou luta por liberdade pode
ser a escola da liberdade". [_Life and Ideas_, p. 59] A "epopéia de Kronstadt" prova
"*conclusivamente* que aquilo que realmente pertence aos trabalhadores e
camponeses não pode pertencer *nem a governos nem a estadistas*, e que aquilo que é
*governo e estadismo* não pertence *nem a trabalhadores nem a camponeses*".
[Voline, The Unknown Revolution, p. 503]

As terríveis circunstancias objetivas enfrentadas pela revolução obviamente exerceram


um papel chave na degeneração da revolução. Todavia, isso não conta tudo. As idéias
dos bolshevikes também exerceram um papel chave nessa degeneração. Em certos
aspectos, as circunstancias que os bolsheviques enfrentaram provocaram suas ações,
mas é inegável que o impulso dessas ações estava enraigado na teoria bolshevike.

O trotskysta Pierre Frank pondera que o pensamento anarquista sobre as concepções


burocráticas "gera burocracia" e que "são suas idéias, ou suas divergencias, que
determinam o caráter das revoluções. A mais simplista espécie de idealismo filosófico
curva-se ao materialismo histórico". Isto significa, aparentemente, que nós ignoramos
os fatores objetivos na implantação da burocracia tais como "os atrasados do país, o
baixo nível cultural, e o isolamento da revolução". [Lenin and Trotsky, Kronstadt, pp.
22-3]

Nada poderia estar tão longe da verdade, naturalmente. O que os anarquistas defendem
(da mesma forma que Lenin antes da revolução de outubro) é que cada revolução está
sujeita ao isolamento, ao desenvolvimento político irregular, a problemas econômicos e
daí por diante (i.e. "circunstancias excepcionais"). A questão é se sua revolução pode
superá-los e se suas idéias políticas podem ser alteradas sem a influência da deformação
burocrática. Como podemos ver, o leninismo falhou nesse teste. Todavia, Frank não
acredita nisso. Se levarmos seu (e de Trotsky) argumento a sério então concluiremos
que a ideologia bolshevike não exerceu nenhum papel no desenvolvimento da
revolução. Em outras palavras, ele subscreve a contraditória posição de que a política
bolshevike foi essencial para o sucesso da revolução e que não exerceu nenhum papel
em seu desfecho.

O que estava em jogo é que o povo ficou diante de várias opções, opções provocadas
pelas condições objetivas que eles enfrentavam. As decisões tomadas seriam
influenciadas pelas suas ideias — essas coisas não ocorrem automaticamente, como se
as pessoas fossem pilotos de automóvel — e suas idéias são formadas pelas relações
sociais que fazem parte de sua experiência. Assim, alguém que está colocado em uma
posição de poder sobre outros agirá de certa maneira, tem uma determinada visão de
mundo, alienada da perspectiva de uma relação social igualitária.

Foi assim, naturalmente, que as "idéias" tomaram corpo, particularmente durante a


revolução. Alguns a favor da centralização, da centralização de poder e que igualava o
governo do partido com o governo da classe (como Lenin e Trotsky), agindo de maneira
(e criando estruturas) totalmente diferente daqueles que acreditavam na decentralização
e no federalismo. Em outras palavras, são as idéias políticas que dão substância à
sociedade. O que os anarquistas defendem é que o tipo de organização que as pessoas
criam e trabalham molda a maneira delas agirem e pensarem. É por isso que
determinado tipo de organização com uma relação de autoridade específica gera uma
relação social específica. Isso obviamente afeta aqueles que estão sujeitos a ela — um
sistema centralizado, hierárquico, criará relações sociais autoritárias que moldará
aqueles que estão sujeitos a ele de uma forma totalmente diferente de um sistema
descentralizado, igualitário. O fato de Frank negar isso revela sua ignorância sobre o
materialismo filosófico, e sua submissão à lavágem celebral (burguesa) do
"materialismo histórico" de Lenin (veja Lenin as Philosopher de Anton Pannekoek para
mais detalhes).

Dessa forma, a atitude dos leninistas nos eventos de Kronstadt revela com clareza, que
toda aquela história de fazer as coisas de baixo para cima não passou de confersa fiada,
da mesma forma que os burgueses eles estabeleceram líderes que tinham que ser
obedecidos. Conforme Cornellius Castoriadis argumenta:

"Agora, é preciso deixar claro que não são os trabalhadores que escrevem a história.
São sempre os outros. E esses outros, seja lá quem for, tem uma existencia histórica
apenas na medida que as massas estão passivas, ou ativas simplesmente para apoiá-
los, e é isso precisamente o que 'os outros' nos dizem a cada oportunidade. A maior
parte do tempo esses outros não possuem olhos para ver e ouvidos para ouvir os gestos
e as expressões da criatividade autônoma das pessoas. Na melhor das hipóteses, eles
dirigem um elogio a esta atividade desde que ela milagrosamente coincida com sua
própria linha, mas eles a condenarão radicalmente, condenarão imputando a ela as
mais baixas motivações, tão logo ela se desvie de sua linha mestra. Assim Trotsky
descreve em termos grandiosos os anônimos trabalhadores de Petrogrado que se
moviam na dianteira do partido bolshevike ou que se movimentaram durante a Guerra
Civil, mas posteriormente ele passou a caracterizar os rebeldes de Kronstadt como
'pombos correio' e 'mercenários do Alto Comando Francês'. Carecem de categorias do
pensamento — de células celebrais, digamos, — necessarias para compreender, ou
mesmo registrar, as coisas como elas realmente são: para eles, uma atividade que não
é formalmente instituída, que não possui nenhum chefe ou programa, não possui
nenhum status; nunca é compreendida com clareza, exceto talvez como causadora de
'desordem' e de 'problemas'. A atividade autônoma das massas constitui por definição
tudo aquilo que foi reprimido na história". [Op. Cit., p. 91]

A versão trotskysta da revolta de Kronstadt provê uma boa análise disso, pela sua
contínua tentativa de retrata-la como resultado de uma conspiração branca. Na verdade,
a possibilidade de que o levante tenha sido uma expontânea revolta das massas com
objetivos econômicos e políticos além de ser considerada "absurdo" é também
qualificada como obra de "camponeses atrasados" conduzidos por SRs e espiões. Da
mesma forma que os capitalistas consideram a greve obra de "agitadores externos" e
"comunistas" infiltrados entre os trabalhadores, os trotskystas apresentam uma análise
de Kronstadt carregada de incompreensão ideológica e elitismo. Um comportamento
independente da classe trabalhadora é tido como "atrasado" e que deve ser corrigido
pela "ditadura do proletariado". Tudo isso é uma confirmação de que a ideologia
bolshevike claramente exerceu um papel chave para o surgimento do stalinismo.

Os defensores do bolshevismo argumentam que esmagando a revolta "os bolshevikes


não fizeram mais que sua obrigação. Eles defenderam as conquistas da revolução
contra o assalto da contra-revolução". [Wright_, Op. Cit., p. 123] Em outras palavras,
surgiriam outras Kronstadts se aqueles "revolucionarios" chegassem ao poder. A
"vacilação temporária" das futuras revoluções devem, como Kronstadt, ser corrigidas a
bala quando o Partido "estabelecer sua ditadura, mesmo que essa ditadura esmague
cada vestígio dos humores passageiros da democracia dos trabalhadores". [Trotsky,
citado por M. Brinton, Op. Cit., p. 78] Assim, prosseguem sem imputar qualquer
condenação ao bolshevismo enquanto corrente socialista.
E, é necessário perguntar, quais, exatamente, foram estas "conquistas" da revolução que
precisam ser defendidas? A supressão das greves, da independência política e das
organizações dos trabalhadores, a eliminação da liberdade de expressão, de assembléia e
de imprensa e, naturalmente, a eliminação da democracia soviete e sindical em favor da
ditadura do proletariado. Que, naturalmente, para todos os leninistas, é uma real
conquista revolucionária. Qualquer um que desfira um ataque contra essa ditadura do
proletariado é, naturalmente, um contra-revolucionário (mesmo se for trabalhador).
Assim:

"As atitudes no evento de Kronstadt, representou muitas vezes. . . anos após o evento, a
fonte de um profundo discernimento no pensamento político dos revolucionários
contemporâneos. Tais eventos podem de fato provêr um profundo discernimento sobre
metas conscientes ou inconscientes, muito mais que discussões sobre economia,
filosofia ou outros episódios da história das revoluções.

"Aquilo que alguem entende como socialismo é o que norteia suas atitudes. Os
compêndios em torno dos eventos de Kronstadt são alguns dos problemas mais difíceis
da ética revolucionária e da estratégia revolucionária: o problema dos fins e dos
meios, das relações entre Partido e massas, se é que esse Partido é necessário. A classe
trabalhadora é capaz de desenvolver por ela mesma um sindicato consciente? Onde
isso foi levado em consideração? Quando lhe foi permitido? Até que ponto?

"A classe trabalhadora poderia desenvolver uma profunda consciência e compreensão


de suas necessidades a ponto de dispensar organizações que supostamente agem em
seus interesses? Alguém precisa parar para pensar quando os stalinistas ou trotskystas
falam de Kronstadt como 'essencialmente, uma ação contra a classe inimiga' quando
algums dos mais 'sofisticados' revolucionários se referem a ela como uma 'trágica
necessidade'. Alguém precisa perguntar o quão sériamente acatam as palavras de
Marx de que 'a emancipação da classe trabalhadora é uma tarefa da própria classe
trabalhadora'. Levam isso a sério ou apenas falam da boca para fora? Identificam
socialismo com autonomia (organizacional e ideológica) da classe trabalhadora? Ou
apenas vêem sua própria sabedoria [determinando] os 'interesses históricos' dos
outros, julgando aquilo que é 'lícito', construindo em torno deles a futura elite que se
cristaliza e se desenvolve? Alguém precisa não só perguntar . . . mas também
proporcionar uma resposta!" ["Preface", Ida Mett’s The Kronstadt Uprising, pp. 26-7]

A questão que se coloca é simples — se socialismo significa ou não significa auto-


emancipação da classe trabalhadora. A justificação leninista para a supressão da revolta
de Kronstadt simplesmente revela que para os seguidores do bolshevismo, quando
necessário, o partido paternalmente deve reprimir a classe trabalhadora a seu bel prazer.
Esse claro apoio à supressão de Kronstade implica no temor de ver a classe trabalhadora
administrando e transformando a sociedade. Algo perigoso e que deve ser combatido
pois a classe trabalhadora fatalmente tomará as decisões erradas (como votar no partido
errado). Se os líderes do partido decidem aquilo que as massas considerem incorreto,
então as massas devem ser atropeladas (e reprimidas).

Em última análise, o comentário de Wright (e dos que pensam como ele) mostra que
não existe qualquer comprometimento entre o bolshevismo e o poder e a democracia
dos trabalhadores. O que acontece com a auto-emancipação, o poder ou democracia dos
trabalhadores quando o "estado dos trabalhadores" reprime os trabalhadores que tentam
preencher suas necessidades pela construção de uma forma real de socialismo? É esta
experiência do bolshevismo no poder que melhor refuta a proclamação marxista de que
o estado dos trabalhadores "será democrático e participativo". A supressão de
Kronstadt foi apenas mais uma de uma série de ações que os bolshevikes vinham
implementando desde antes do começo da Guerra Civil, tais como a abolição dos
sovietes que elegiam maiorias não-bolshevikes, a abolição da eleição de funcionários e
soldados no Exército Vermelho e na Marinha e a substituição da auto-gestão dos
trabalhadores na produção por administradores indicados pelo poder "ditatorial" (veja
seção H.4 para detalhes).

Conforme Bakunin predisse, o "estado dos trabalhadores" jamais poderia ser


"participativo" enquanto estado. Kronstadt é uma das muitas evidências empíricas que
comprovam a predição de Bakunin sobre a natureza autoritária do marxismo. Tais
palavras de Bakunin foram confirmadas pela rebelião de Kronstadt e pelas justificações
posteriores dos bolshevikes:

"O que significa, 'proletariado como classe governante?' Significa todo o proletariado
na direção do governo? Existem 40 milhões de alemães. Todos esses 40 milhões seriam
membros do governo? Toda a nação governará, mas ninguém será governado. Então
não haverá governo algum, estado algum; mas se existir um estado, também haverá
aqueles que serão governados, que serão escravos.

"Na teoria marxista este dilema se resolve da seguinte forma. Um governo popular
significa um povo governado por um pequeno número de representantes eleitos pelo
povo. Os assim chamados representantes populares e governantes do estado eleitos por
toda a nação com base no sufrágio universal — a última palavra dos marxistas, como
da escola democrática  — é uma mentira que esconde o despotismo de um governo de
minoria, uma mentira que traz consigo a perigosa e fraudulenta representação da
vontade popular.

"E assim . . . se repete o moto perpétuo que desagua sempre no mesmo lugar: uma
vasta maioria do povo governado por uma minoria privilegiada. Mas esta minoria,
dizem os marxistas, é formada por trabalhadores. Sim, talvez, por trabalhadores
padrão, os quais, logo que se tornam governantes ou representantes do povo cessarão
de ser trabalhadores e começarão a olhar de cima dos píncaros do estado toda aquela
massa de trabalhadores. Eles não representam o povo, representam a si próprios em
suas pretenções de governar o povo . . .

"Eles dizem que este jugo estatal, esta ditadura, é uma necessidade transitória, um
artifício para alcançar a completa libertação do povo: anarquia, ou liberdade, esta é a
meta, e o estado, ou a ditadura, o meio. Assim, para as massas serem libertadas elas
precisam primeiro ser escravizadas . . . Eles afirmam que apenas uma ditadura (a
deles, naturalmente) pode criar liberdade popular. Pois nós respondemos que nenhuma
ditadura pode ter outro objetivo a não ser perpetuar-se a si mesma, e que a única coisa
que pode nutrir e engendrar é a escravidão do povo submetido a ela. Liberdade pode
ser criada apenas pela liberdade, pela instrução de todas as pessoas e pela
organização voluntária dos trabalhadores de baixo para cima". [_Statism and
Anarchy_, pp. 178-9]

Fonte: http://www.geocities.com/projetoperiferia2/secH5.htm

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