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PUC/SP
São Paulo
2010
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP
São Paulo
2010
Silveira, Isabel Orestes
S588t Tempo, semiose e cultura: uma visão sobre os processos de
criação no design gráfico brasileiro / Isabel Orestes Silveira. São
Paulo. 2010.
230 f.; 30 cm.
_______________________________________
Prof.ª Dr.ª Cecilia Almeida Salles – Orientadora
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
_______________________________________
Prof. Dr. José Amalio de B. Pinheiro
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
_______________________________________
Prof. Dr. Jorge de Albuquerque Vieira
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
_______________________________________
Prof.ª Dr.ª Regina Célia Faria Amaro Giora
Universidade Presbiteriana Mackenzie
_______________________________________
Prof. Dr. Wilton Luiz de Azevedo
Universidade Presbiteriana Mackenzie
A José Roberto, Guilherme e André.
A Deus, que “[...] derrama luz nas minhas trevas”. (Salmo 18:28).
Aos amigos e designers Lassala, Kito, Silvia e Julio Cesar, pela pronta
participação e envolvimento com esta pesquisa.
Por último, mas não menos importante, quero expressar minha profunda
gratidão aos colegas e aos amigos da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da
Fapcom – Faculdade Paulus de tecnologia e Comunicação, parafraseando W. Benjamin
(1985), pois, pela forma “artesanal de comunicação”, viabilizada por tempos
qualitativos que mantiveram comigo, asseguraram a produção da minha experiência em
um sentido pleno.
Tudo tem seu tempo, e há tempo para todo propósito debaixo do
céu. Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar,
e tempo de arrancar o que se plantou; tempo de matar, e tempo
de curar; tempo de derribar, e tempo de edificar;tempo de
chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de dançar;
tempo de espalhar pedras, e tempo de ajuntar pedras; tempo de
abraçar, e tempo de abster-se de abraçar; tempo de buscar, e
tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de deitar
fora;tempo de rasgar, e tempo de coser; tempo de estar calado,e
tempo de falar;tempo de amar, e tempo de odiar; tempo de
guerra, e tempo de paz.
Blogspot(a)
Papagaio de J. Carlos e o papagaio de Disney (Figura 18). Disponível em:
http://themesopotown.blogspot.com/2007/09/jota-carlos-careta-mas-bem-atual.html/
Acesso em: 10/09/2009.
Blogspot(b)
Desenho para coleção Fashion Rio em 2008 (estilista Jaqueline de Biase) (Figura 19).
Disponível em: http://alemdaroupa.blogspot.com/2007_05_27_archive.html. Acesso
em: 10/09/2009.
Blogspot(c)
Capa da revista Noigandres nº.4 (1958), design de Hermelindo Fiaminghi (Figura 30).
Disponível em: http://lunik9.blogspot.com/2008/05/o-movimento-concreto-no-brasil-
augusto.html. Acesso em: 18/11/2009.
Desenhos do Globo com hemisférios feitos por Mauro Borja Lopes em 1966 e nova
versão em 1973 (Figura 38). Disponível em:
http://amandadesigner.wordpress.com/2008/04/22/novo-logo-da-globo/. Acesso em:
19/11/2009.
Sítio eletrônico Mercado livre
Capas de Rogério Duarte LP – de Gal Costa (Figura 40). Disponível em:
http://produto.mercadolivre.com.br/MLB-101360380-lp-1551-gal-costa-fa-tal-album-
duplo-ao-vivo-mc-_JM. Acesso em: 19/11/2009.
INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 18
INTRODUÇÃO
[...] abrange desde profissionais que projetam papéis timbrados para empresas
de pequeno porte até aqueles responsáveis pela concepção de projetos de
identidade visual para grandes corporações [...] Seja qual for o nível de prática,
porém, os designers gráficos empregam um jargão comum de signos, símbolos,
tipos, cor e padrão para criar mensagens e estruturar informações. (HESKETT,
2008, p. 64).
Por isso os conceitos abordados por Vieira (2000; 2003; 2007; 2008a; 2008b),
balizados pela Teoria Geral de Sistemas (TGS), permitirão reconhecer o designer gráfico
brasileiro como um todo, ou seja, assim como o pensamento sistêmico considera o sistema vivo
imerso ou envolvido em uma interdependência de relações que trocam continuamente matérias e
energia, quer-se aqui apontar para o projeto de design como um sistema midiático, a par de suas
relações com um “todo maior”. Tudo isso, evidentemente, junto ao contexto histórico,
mercadológico e, principalmente, junto às complexidades que envolvem os processos de criação
de diferentes designers.
Tais possibilidades terão como analogia o universo primordialmente evolutivo,
em que tudo são fluxos, transformações e mudanças, apresentando padrões de probabilidades.
A fundamentação teórica acerca dos conceitos de rede e de processo na estrutura
da cultura terá como referência Pinheiro (2007; 2008), e o objeto central a ser abordado nesta
tese, que se refere às diferentes temporalidades presentes no processo de criação dos designers
gráficos, contempla, ao lado da Comunicação e da Semiótica, os conceitos de “processo de
criação em rede em construção”, propostos por Salles (2006).
Interessam o desenvolvimento das temporalidades presentes no processo de
criação dos designers e o modo como seus projetos passam a intervir no contexto amplo da
cultura. Dentre os mais variados elementos da cultura, encontra-se o design gráfico, que se
inscreve no plano das mensagens, dentro do cotidiano social.
Torna-se, por isso, relevante pesquisar a condução processual e evolutiva de
diferentes designers.
Todavia, particularizar-se-á a experiência de três designers, cujos universos
sígnicos, portadores de forma, materializaram-se ao adotarem elementos ligados à visualização,
por meio de imagens e textos.
Delimitar-se-ão os conceitos sobre “tempo”, “semiose” e “cultura” no interior das
produções gráficas dos referidos sujeitos.
Considere-se que, ao longo da história e da experiência humana, sempre houve
uma busca reflexiva pelos fenômenos que cercavam a natureza e diziam respeito ao tempo.
Nesse sentido,
20
Dessa visão depreende-se que o tempo comunica-se com todas as áreas da vida
humana, estabelecendo, a partir da percepção e do modo como ele é compreendido, o princípio
da ação na vida pessoal e coletiva.
Aponta-se para o fato de que as consequências das experiências são resultado de
uma longa evolução, e a ideia construída acerca do tempo dá-se a partir do reconhecimento ou da
conscientização dos aspectos que caracterizam essas experiências.
Nesse sentido, torna-se um desafio compreender o desenvolvimento do processo
de criação na área do design gráfico quando se levam em conta a elaboração e o percurso da
produção individual e coletiva de alguns designers a partir dos documentos deixados por eles,
notadamente anotações, esboços, rascunhos, protótipos e, mais precisamente, seus desenhos e
projetos.
Quando observados pela ótica do tempo, especialmente devido ao avanço das
tecnologias e do trabalho digital, os documentos de processo tornam-se também fonte de
finalização de projetos.
O processo de criação, que está inserido no tempo, é, igualmente, um estado de
tempo particular para cada sujeito. A hipótese que se aventa caminha na direção de haver
diferentes temporalidades (internas e subjetivas) durante os procedimentos e as ações criativas
dos designers.
Apontar-se-á para tempos plurais (interno e externo), para a variabilidade de
ritmos, para a multiplicidade das noções de temporalidades presentes no processo de criação, as
quais, aliás, estão enredadas, coexistem. Vale dizer, a esse respeito, que esta não é uma questão
meramente quantitativa, como se se fosse computar, por exemplo, quantas horas alguém dedica
ao trabalho como uma variável para testar alguma hipótese.
Estão em jogo diferentes percepções dos designers relativamente ao seu ofício e
como eles se mantêm dentro de limites e impactos trazidos pela perspectiva mercadológica sobre
a sua produção criativa. Interessa, portanto, investigar não só o que se distingue e se isola na
21
produção criativa dos designers gráficos, mas também o produto que aparece e consagra o
projeto no tempo.
Algumas questões apresentam-se como problemáticas contundentes, visto que o
processo de criação dos designers é uma experiência com duração, ou seja, o projeto tem por
limite o prazo de entrega, mas é, ao mesmo tempo, um acontecimento singular no espaço e no
tempo. Então, como analisar um fenômeno (os processos de criação) que é, por natureza, tão
complexo? Como descrever os caminhos não lineares do pensamento que experimenta a criação
enquanto elabora projetos? Mediante as inúmeras variáveis que relacionam o fenômeno do
tempo ao processo de criação, como compreender os procedimentos e as ações dos designers
gráficos em suas diferentes temporalidades?
A hipótese aqui sustentada constrói-se indicando dois eixos: em primeiro lugar,
esta pesquisa pretende discutir a relação entre design e cultura, calhando reforçar que a cultura
será entendida como uma “rede de conexões entre séries, as quais ressaltam a noção de processo
dentro de sua estrutura” (PINHEIRO, 2007), na medida em que se compreende o design como
prática que intervém na cultura, sendo o designer tradutor de signos visuais.
Não se negligenciará o paradoxo econômico-cultural, que, por um lado, revela a
criação dos designers como processo aberto, mas, por outro, denuncia os limites que submete a
criação às leis de mercado.
Fundamentar-se-á a análise na ótica histórica, que se mistura à estética gráfica no
tempo, revisando o passado a partir de Braudel (1987), historiador que possibilita profunda
reflexão a respeito das experiências estéticas dos designers do passado, as quais não cessam de
prolongar-se na produção atual.
Em segundo lugar, construir-se-á o argumento, levando-se em conta o fenômeno
do tempo na perspectiva de existirem tempos plurais no processo de criação, os quais se
apresentam como índices progressivos da internalização subjetiva dos sujeitos, que os levam a
gerar projetos. Por isso, abordam-se nesta análise as diferentes temporalidades presentes no
processo de criação dos designers gráficos.
Esta pesquisa possui uma duplicidade quanto a seus objetivos gerais, pois
pretende compreender, num primeiro momento, o processo de criação como atividade interna do
sujeito, mental, que supõe conhecimento (linguagem e pensamento), percepção, aspectos
psíquicos, afetivos, sensório-motores e uma dinâmica que cresce em complexidade.
22
Há os que percebem o tempo como algo abstrato ou selado pelo evento. Alguns
povos atribuem uma lógica mágica ao tempo; outros o percebem como forma circular, feito de
processos repetitivos.
Existe “uma diversidade de ideias e de enfoques”1 na concepção grega do tempo,
conforme assegura Ricoeur (1975, p. 171). Pode-se constatar tal pressuposto por meio de
consulta a dicionário de língua grega, em que se encontra a palavra Kairós, que traz no seu bojo
o significado “oportunidade; ocasião; tempo conveniente; vantagem; um tempo presente ou
particular” 2.
Kairós é a habilidade de agarrar a ocasião. É um acontecimento que tem sua hora.
“Para Benjamin, o Kairós é o momento da legibilidade e da visibilidade de um acontecer: é o
instante de seu reconhecimento de sua conhecibilidade [...]” (MATOS, 1992, p. 253).
Kairós é um tempo apresentado pelo apóstolo Paulo na sua carta aos Gálatas.
Segundo o relato do apóstolo (Gálatas 4:4), foi “na plenitude do tempo” que Cristo nasceu. O
que caracteriza o emprego de kairós é que ele designa, no tempo, um momento determinado,
aplicado ao decreto divino quanto à história da salvação.
No grego clássico, há ainda outras duas visões de tempo: aiôn, palavra que indica
duração da existência, idade, geração e eternidade, como também a palavra Ckronos, referindo-
se a intervalo de tempo. Ckronos é o tempo medido pelo relógio: os segundos, os minutos e as
horas (ILOUD, 1975, p. 136).
Na mitologia grega, especificamente na literatura de Hesíodo (1986), Ckronos,
filho de Gaia, deusa da terra, e de Urano, deus do céu, corta os órgãos sexuais de seu pai e atira-
os ao mar – atitude violenta a que foi instigado por Gaia, em razão do ciúme ardente que nutria
por Urano.
Ckronos tornou-se o primeiro rei dos deuses e viveu no Olimpo sob a ameaça de
que seria substituído por um de seus filhos. Tal profecia fê-lo devorar cada filho e apenas Zeus
foi salvo de sua ira.
Tais ideias foram apreciadas por muitos filósofos e reconhecidas por diferentes
culturas. Talvez por isso se tenha a tendência de perceber a dimensão do aiôn grego quando se
1
Ricoeur (1975) reúne diferentes autores que ampliam a visão acerca do tempo em diferentes culturas. Cf.
RICOEUR, Paul. As culturas e o tempo. Estudos reunidos pela Unesco. Trad. de Gentil Titton, Orlando dos Reis e
Ephraim Ferreira Alves . São Paulo: Vozes, 1975.
2
Cf. S. J. PEREIRA, p. 288.
28
sente que a vida fenece e desvanece como uma neblina que logo passa. Observa-se a finitude
sendo devorada por Ckronos e, por isso, deseja-se, desesperadamente, aproveitar o Kairós, a
apoteose de cada instante.
Do ponto de vista judaico-cristão, o nascimento do cosmos e do tempo tem como
ponto de partida a narrativa bíblica no livro do Gênesis e sugere um tempo linear, que se passa
na relação de Deus com o homem, no contexto da história. Assuma-se, então, a linearidade do
tempo e da história a partir de Cristo, a partir do “Verbo que ser fez carne e habitou entre nós”
(João 1:14), uma epifania que se realizou na temporalidade histórica.
Não obstante, os processos que se repetem na realidade, como o ciclo das
estações, por exemplo, transmitem a ideia de viver o tempo como um “eterno retorno”. Porém, a
ideia oposta a esta indica o irreversível e inevitável conceito de finitude e o caráter transitório da
juventude, apesar dos esforços por rejuvenescimento e do mito da imortalidade.
Com o avanço do tempo, o ser humano aproxima-se da morte e ganha consciência
de que está caminhando para um fim. A finitude do homem anuncia-se de maneira impiedosa e,
ao cogitar acerca de seu lugar limitado no universo, o homem percebe também os limites que o
tempo lhe impõe:
[...] Poderei eu dizer que sou esta vida que sinto no fundo de mim, mas que me
envolve tanto pelo tempo formidável que ela impulsiona em si e que me eleva
por um instante sobre a sua crista, mas também pelo tempo iminente que me
prescreve a minha morte? (FOUCAULT, 2005, p. 363).
3
A relatividade do tempo aqui exposta refere-se ao fato de que as grandezas “tempo, espaço e velocidade” passam a
depender do sistema de referência (do observador) adotado. A partir das ideias de Einstein, rompe-se a noção de
tempo absoluto.
4
Toda a informação aqui acerca do tempo, quando não explicitada a fonte bibliográfica, é fruto de anotações da
autora durante as aulas do Prof. Dr. Jorge de Albuquerque Vieira, na disciplina “Processos midiáticos e produção de
conhecimento - Tempo, Semiose e Comunicação” (COS-PUC/SP - 1º. Semestre de 2008).
5
“Que é o tempo?”. Cf. ROBINET, Jean-François. O tempo do pensamento. Trad. Benôni Lemos, São Paulo:
Paulus, 2004. (p. 66).
30
Tem-se consciência de que a abordagem deste trabalho de pesquisa não faz justiça
aos conceitos utilizados pelos historiadores e pelos cientistas. Não se pretende aqui avançar na
investigação das características da lógica da ontologia e do conceito que espaço-tempo comporta,
visto serem muitas as perguntas a exigir resposta. Espaço-tempo seria objeto? Seriam
propriedades ou entidades distintas? São conceitos conflitantes ou são compatíveis? Seriam
absolutos ou relacionais? Enfim, tais perguntas talvez estimulem outros a prosseguirem por tais
caminhos.
Nesse sentido, esta pesquisa não terá o caráter de uma inspeção ontológica, senão
o de uma contribuição mais modesta.
Porém, será possível estudar os dois conceitos qualificando-os de signos e
linguagens em relação às propriedades que os identificam na experiência cognitiva e
comunicativa. “[...] temporalidades e espacialidades correspondem, pois, às manifestações do
tempo e do espaço enquanto signos e estruturas de linguagens que os tornam perceptíveis no
plano da cultura” (FERRARA, 2008, p. 85) 6.
O diálogo que ora se propõe, pretende a investigação das variadas manifestações
comunicativas dos designers gráficos que se articulam no cotidiano da dinâmica que caracteriza
a cultura. A temporalidade apresenta-se como elemento que intervém no modo como o trabalho
deles se comunica pelas experiências e ações que se dispersam no cotidiano quando conferem à
bidimensionalidade uma especial visualidade inventiva e informativa.
Para projetar o pensamento da criação em processo no objeto “design gráfico”,
far-se-á uso do simbolismo e da linguagem do espaço-tempo, amparando-se nos pressupostos do
tempo-histórico de Braudel e do tempo físico de Ilya Prigogine.
Com isso, a intenção é, claramente, apontar para o fato de que ambas as visões
acerca do tempo articulam a experiência humana da vida com o tempo do universo e da história,
forçando todos a uma leitura da realidade do fenômeno cultural na dimensão de um sistema
sempre aberto, que se oferece no contexto da história – lugar em que se permitem a
comunicação, a experiência vivida, as trocas e os envolvimentos interativos com outros tipos de
sociedade e com as várias linguagens, as quais possibilitam novas significações.
6
Ferrara (2008, p. 86) se dedica à investigação das espacialidades, mas não omite “[...] o labirinto que nos
encontramos, ao tentar discriminar temporalidades e espacialidades que se distinguem no tempo e no espaço”. Não
obstante, a este fato, a autora aponta para a importância de investigarmos isoladamente ambos os conceitos.
31
As teorizações que dizem respeito ao espaço têm sido contempladas com interesse
pelos estudiosos da Geografia, da Arquitetura, da Sociologia e mesmo da História, para citar
algumas áreas que apontam diferentes perspectivas sobre esse assunto. Em uma primeira mirada,
nota-se que, o espaço possui uma dimensão concreta, pois o lugar ganha materialidade e compõe
a existência humana, mas o diálogo sobre o tempo, talvez pela aparente simplicidade que tal
fenômeno indica, muitas vezes passa a ser pouco considerado como objeto de estudo nas áreas
das ciências humanas. Outros, ao contrário, indicam que o tempo possui certa primazia sobre o
espaço.
Todavia, ao se envolver com o silencioso processo da criação, depara-se com a
importância que possuem o tempo e o espaço, mas, para observar a dinâmica do trabalho criativo
dos designs gráficos nos dias atuais, é preciso olhar para o binômio espaço-tempo como
fenômeno sígnico que interfere nas dimensões comunicativas e atua nas manifestações culturais.
Porem, a análise das temporalidades que se processam nos projetos dos designers possibilita,
entretanto, um olhar retrospectivo que entenda os eventos dessa área, que se passaram e estão
inseridos na história.
Tradicionalmente, os historiadores percebiam a história a partir da dimensão dos
fatos e das dinâmicas mudanças que marcavam os eventos, os quais passavam a ser datados. Reis
(2000) coloca em evidência que uma nova concepção de história foi adotada e discutida
teoricamente em torno da revista Annales D'Histoire Économique et Sociale (1929-1939),
fundada por Lucien Febvre e Marc Bloch. Surgia nessa época a necessidade de conceber uma
história mais abrangente, e as discussões que envolviam temáticas como "acontecimento",
"evento", "longa duração", “mudança” e “permanência” destacaram-se e foram alimentadas por
Braudel (1972; 1987; 1989). No pensamento da Escola dos Annales7, a necessidade de
redescobrir-se o homem superava a história contada pela ordem dos fatos e marcada pelos
eventos.
7
A revista dos Annales foi fundada em 1929 e seus principais representantes da primeira geração foram: Marc Bloc e
Lucian Febvre. O moviemento dos Annales ficou conhecido como Escola dos Annales e Braudel se destacau com
maior força nos anos 60 como representante da segunda geração. Por fim a terceira geração ou a chamada Nova
História, destacam-se historiadores como LeGoff e Duby. Embora não haja um consenso, a partir dos Annales a
História passa a ser vista com a tendência a torna-se interdisciplinar, sem fronteiras; ampliando assim, as
possibilidades nos estudos das humanidades (pois preocupou-se com questões sociais e com os diversos tempos
vividos pelo homem).
34
Era também o fim da Europa como centro da grande história. Os maiores nomes
dos Annales escreveram suas obras pressionados por aqueles eventos, sem notas
ou livros, prisioneiros em um campo de concentração e combatendo contra
poderes totalitários e racistas [...] Os Annales refletiram a nova posição
descentrada da Europa em relação ao mundo, e toda destruição, violência,
genocídio e toda sorte de horrores dos acontecimentos a que eles assistiram: [...]
eles aspiram à paz de uma “longa duração” [...] Eles aspiraram ao repouso de
um tempo harmonioso, harmonia construída pela articulação dialética da
multiplicidade de tempos. (REIS, 2000, p. 32).
Dessa forma, admite-se uma história de concepções que não cabe nas explicações
de causa e efeito da história tradicional. As estruturas pautam-se pelo tempo de “longa duração”,
em que os acontecimentos e as determinações passadas interferem no presente, tornando possível
ao historiador perceber os princípios e os comportamentos internos de cada estrutura social,
desde que recorra ao passado, pois é o passado que aponta as determinações do presente. É no
tempo de longa duração, com o peso do passado, que se ganha força sobre o presente.
“Com efeito, não há história que não responda, pela interrogação e por via do
passado, às curiosidades, incertezas e problemas do presente” (BRAUDEL, 1989, p. 1).
Em Braudel, “[...] os mecanismos sociais tendiam à inércia, são prisões de longa
duração: código civil, mentalidades, estruturas sociais”. Nessa mesma toada,
Ignorar o passado comprometeria a ação no presente. Entretanto, por outro lado,
o presente não se explica exclusivamente pelo passado imediato, ele possui
raízes longas e é também um conjunto de tendências para o futuro e é o espaço
de uma iniciativa original. O presente está enraizado no passado, mas conhecer
essa raiz não esgota o seu conhecimento. Ele exige um estudo em si, pois é um
momento original, que combina origens passadas, tendências futuras e ação
atual. (REIS, 2000, p. 85).
poderá ser lido no tecido da cultura e melhor compreendido se examinado sob a ótica de um
tempo que abriga e reconhece temporalidades múltiplas e que não se faz sem a história.
Dentro dessa visão, em que as considerações acerca do tempo fazem-se tão
complexas, é que se pode apontar para uma convergência entre a História e a Física, entre o
pensamento de Braudel e de Prigogine, pois há, nessas duas formas de pensar o tempo, a
presença da liberdade, da imprevisibilidade, de certa plasticidade, ausente no modelo clássico. O
processo de criação pode absorver tal modelo como paradigma.
É nesse contexto que Prigogine explica a vida como ordem que tende à
alternância entre equilíbrio e não equilíbrio. Vida propensa à instabilidade e que permanece à
custa das trocas que um determinado sistema mantém, em seu interior, com o mundo exterior. Na
busca dos sistemas vivos pela auto-organização, ocorrem a evolução e as inovações, as quais
caminham e avançam em complexidade cada vez maior.
Prigogine (1996) apresenta a complexidade do universo e destaca o fato de as
ciências clássicas insistirem nas discussões deterministas sobre o estável, o equilíbrio, “enquanto
hoje em dia, por toda parte, vemos instabilidade, evolução, flutuação”. Ele aponta o universo
envolvente, de sistemas dinâmicos, que avança pela entropia e prolonga-se em complexidade.
Por isso afirma: “[...] não nos falem mais de certeza, mas de possibilidade. E que, nessas
condições, o pensamento do incerto seja simultaneamente o pensamento do novo, da inovação,
das probabilidades” (PRIGOGINE, 2003, p. 53).
A ideia de um mundo equilibrado e ordenado já não o é, sobretudo nas relações
humanas. A busca pela origem, pela essência, pela raiz e mesmo pela identidade transforma-se
8
Segundo Vieira (2003, p. 292), “a entropia é a medida da desordem, um termo, como já dito, algo ambíguo, que se
refere mais à desorganização, ou seja, ao rompimento da integralidade de um sistema, com a queda de sua coesão e
dissolução de seus subsistemas. Ela denota uma ‘forma de complexidade’, aquela associada às formas de baixa
organização. A termodinâmica, em seu segundo princípio, mostrava um universo irreversivelmente caminhando para
uma degradação térmica final, a ‘morte térmica do Universo’, visão predominante na década de 50. Este princípio
pode ser assim enunciado: durante processos reais, a entropia de um sistema isolado sempre cresce. No estado de
equilíbrio, a entropia atinge um valor máximo”. (HARRISON, 1975, p. 43).
9
Este princípio é o equivalente da segunda lei da termodinâmica: a entropia cresce em sistemas térmicos isolados
(não sofrem interferência externa, portanto não trocam matéria nem energia com o meio exterior), em que ocorrem
processos irreversíveis.
39
pela visão que impõe pensar-se a complexidade planetária de forma simultânea: os aspectos
gerais da vida, mas também as singularidades; as condições estáveis e as condições instáveis; a
ordem e a desordem; enfim, trata-se de aceitar a contaminação entre os sistemas sígnicos e
rejeitar todo pensamento binário, tendo em vista que a vida é um sistema aberto, que comporta
todas as oscilações, misturas e mesclas e toda a contradição que soma e se complementa. “[...]
Para onde quer que dirijamos nosso olhar, é com a mistura que nos deparamos, na qual o simples
e o complexo estão lado a lado, sem se oporem de maneira hierárquica [...]” (PRIGOGINE,
1992, p. 72).
Portanto, nessa base, ponha-se em relevo o sentido proposto por Vieira (2003, p.
297) quando considera que as ideias de Prigogine “[...] esclarecem muitos pontos já antevistos
por pensadores como Peirce, por exemplo”10. Vieira continua:
10
Para os interessados em aprofundar-se acerca da semiótica de Charles Sanders Peirce (1839-1914) e acerca dos
conceitos fundamentais da semiótica como a lógica triádica da semiose, ou mesmo o modelo signo-objeto-
interpretante, e outras classificações sígnicas, recomendamos a leitura de PEIRCE, Charles Sanders. Collected
Papers, Vols. 1-6 ed. Hartshorne, Charles & Paul Weiss; vols. 7-8 ed. Burks, Arthur W. Cambridge, Mass., Harvard
Univ. Press, 1931.
40
É interessante que a Teoria Geral dos Sistemas abarque o conceito de uma ciência
geral da “totalidade” a partir da combinação de vários conceitos da Biologia. Dessas
considerações passa-se a admitir que a realidade possa ser entendida como sistema aberto
(família, sociedades, estruturas econômicas, política, inclusive os processos de criação e todos os
demais subsistemas considerados complexos).
Adotam-se, também, as formas de pensar em termos da totalidade, ou seja, o
pensamento sistêmico pode então ser considerado uma visão de mundo que contraria o
pensamento científico tradicional, que pode adotar, por sua vez, um raciocínio linear e
separatista.
Nessa trilha, Vieira (2000) avança seus estudos sem a pretensão “[...] de explorar
a construção clássica de Bertalanffy (1986)” e posiciona-se:
11
Por sistemas abertos, entenda-se todo sistema que troca interações constantes com o meio ambiente, a saber:
matéria, energia e informações diversas.
41
12
Pode-se dizer que, num sistema termodinâmico em equilíbrio, para um instante de tempo em particular, existe
uma miríade de estados possíveis, por exemplo: as diferentes configurações possíveis de moléculas no sistema.
Vieira (2007, p. 49-52) define “espaço de estados”. O autor dedica-se a uma explicação detalhada e fica, portanto,
aos interessados em aprofundar tal conceito o exemplo que segue: “Todo sistema pode ser representado por um par
ordenado da forma S = <M, P>, em que M é uma característica do sistema geralmente associada a sua composição
(BUNGE 1977, p. 120) e P é uma coleção de propriedades {pi(t)}, variáveis no tempo. Neste caso, como vistas pelo
tempo externo, o tempo de nossos relógios. Tais propriedades possuem intensidades, que por vezes são mensuráveis.
A coleção das intensidades das propriedades para um determinado instante de tempo define o estado em que o
sistema se encontra”. O autor prossegue detalhando: “Vamos agora imaginar um espaço construído a partir de eixos
ortogonais entre si, em que cada um é escalonado com o domínio numérico das medidas de uma propriedade. Ou
seja, em vez de uma construção clássica, em que os eixos representam dimensões espaciais, como na geometria
descritiva de Descartes, temos agora um espaço que não representa iconicamente o sistema, mas sim a sua história:
na medida em que o tempo externo “fluir”, as intensidades das propriedades mudam, os estados do sistema mudam e
um “ponto estado” no espaço muda progressivamente de posição, geometrizando uma trajetória histórica. Este é o
espaço de estados. Processos nascem da sucessão dos estados, da mudança de estados”. (VIEIRA, 2003, p. 296).
42
das intensidades das propriedades para um determinado instante de tempo define o estado em
que o sistema se encontra [...] e na medida em que o tempo externo ‘flui’ as intensidades das
propriedades mudam, os estados do sistema mudam e um ‘ponto estado’ no espaço muda
progressivamente de posição, geometrizando uma trajetória histórica [...]” (VIEIRA, 2003, p.
296).
A possibilidade de estabelecer uma investigação sobre processos de criação,
apoiada na Teoria Geral dos Sistemas (TGS), e que é embasada por Vieira (2003), traz a
vantagem de estudar a construtibilidade dos processos, assinalando que a experiência sensível
das diversas temporalidades internas que se experimentam no corpo estabelece vínculo com a
dimensão temporal externa, quando se expressa de forma representativa um ato criador.
Tenta-se superar a limitação do pensamento apressado, que não percebe o tempo e
suas distintas temporalidades: interna/externa. Exige-se para isso flagrar tais fenômenos sob a
égide da complexidade, que possibilita pensar o tempo como um potencial que se pluraliza,
opondo-se a qualquer limite e expandindo-se ao infinito.
Desse modo, descobrem-se temporalidades não ortodoxas que caracterizam e
descrevem os processos criativos e o modo como, na história, tais sistemas complexos
comunicam-se. Essa percepção desenha uma complexa e dinâmica rede que interliga os sistemas
e, dessa forma contextual, os resultados de produção e do pensamento humano, bem como a
experiência vivida, a cultura e o meio ambiente estarão sujeitos à alteração e à gestão de coisas
novas.
Por isso, sem uma pretensão arrogante, espera-se que estes apontamentos possam
contribuir para estabelecer-se, a partir de tais considerações, algumas conexões entre as
temporalidades e os processos de criação.
Tais investigações caminham na direção do pressuposto de que o processo de
criação pode ser compreendido a partir do fato irredutível do pensamento elaborado, o qual é
regido e materializado pelo tempo e por diferentes temporalidades. Para pensar, é necessário
tempo, pois toda atividade mental é um processo complexo, permeado de misturas de fluxos e
refluxos, que se transformam sem cessar.
43
13
Segundo Morin (2003, p. 71), “Complexus significa, originariamente, aquilo que é tecido junto. O pensamento
complexo é um pensamento que busca distinguir (mas não separar), ao mesmo tempo em que busca reunir”.
45
14
A crítica genética originou-se na França, com Louis Hay, no ano de 1968. Hay forma o Centre National de
Recherche Scientifique (CNRS) a fim de organizar os manuscritos do poeta alemão Heinrich Heine. A proposta
apresentada foi a de estudar-se o processo criativo por meio de manuscritos e mecanismos internos, que movem o
autor ao ato de criação; em outras palavras “o que acontece antes da obra”. A crítica genética chega ao Brasil em
1985, introduzida por Philippe Willemart, professor de Literatura Estrangeira da Universidade de São Paulo.
Embora os manuscritos literários tenham sido os primeiros documentos para estudar-se o processo de criação,
percebe-se que a contribuição da pesquisadora Cecília Salles (Professora do programa em Comunicação e Semiótica
da PUC/São Paulo) traz importantes contribuições ao tema quando se lança à pesquisa interdisciplinar com o fim de
discutir o processo criador, ampliando o diálogo sobre processo com as manifestações artísticas.
46
15
Segundo Roudinesco (2004, p. 9), Jacques Derrida utilizou o termo “desconstrução” em 1967. Emprestado da
arquitetura, significa decomposição de uma estrutura. É de certo modo a resistência ao pensamento unívoco, que
acolhe o movimento cambiante do pensamento aberto.
48
relações complexas da vida e percebem, se não todos, na maioria das vezes, as elaborações
difíceis que ocorrem nos ajustes áridos, nos embates, nas ações e nos relacionamentos que
intimidam acordos de paz, cujos resultados são de impossível previsibilidade.
Robinet (2004) afirma:
[...] viver é estar exposto à multiplicidade, à incompreensão, ao acaso [...]
aquele que age não conhece a totalidade da situação, age no claro-escuro; no
claro daquilo que vê, no seu projeto e nas condições que conhece; no escuro
daquilo que não vê, isto é, nos resultados últimos de suas ações que revelarão
em seguida, no curso do tempo. (ROBINET, 2004, p. 242).
O que se almeja frisar é que não há fórmulas gerais que se prestem a definir o
conjunto do mundo e da vida ordinária em termos simples e definitivos.
A complexidade da vida aponta para a abertura e para o dinamismo, lembra as
noções de indeterminado e de descontinuidades16, próprias da física quântica, trazendo analogias
muito próximas ao universo espaço-temporal.
As pessoas sentem-se confortáveis em transportar para outros campos essa
simbologia, pois os termos físicos e cosmológicos podem designar intenções formativas dos
processos de criação. Obviamente, não se arrisca a imaginar que todas as estruturas do universo
real reflitam as estruturas que norteiam os processos de criação. Mas é visível que determinadas
noções, particularmente a “indeterminação”, podem representar o pensamento criativo e nisso se
pode fazer uma sugestiva analogia entre o universo e o processo de criação como movimento que
convida à liberdade de expressão, à feliz indeterminação dos resultados.
Em se tratando de “processos”, há de aceitar-se a descontínua imprevisibilidade
das escolhas e dos bifurcados caminhos do pensamento não linear, admitindo que os processos
são possibilidades para as quais se abrem os resultados das obras, pela lógica do indeterminado e
do descontínuo que a física reconhece, não como desorientação ou imperfeição da existência,
mas como aspecto possível e de verificação científica.
Nesse sentido, os processos de criação e todo pensamento que engendra a criação
passam pela definição de “ambiguidade”. O processo de criação aceita o pensamento equivocado
da desordem e subtrai as definições estáveis e catedráticas. “[...] Desordem; que não é a
16
Diferentemente da física clássica, em que o espaço é contínuo e a energia varia continuamente nesse espaço, nos
sistemas quânticos os corpos ocupam apenas níveis discretos de energia, os quais são os únicos valores permitidos,
estando proibidas as continuidades intermediárias.
51
desordem cega e incurável, a derrota de toda possibilidade ordenadora, mas a desordem fecunda
[...]” (ECO, 2005, p. 23).
Considere-se que os processos de criação supõem um pensamento em constate
interrogação. Enquanto se cria, há uma ebulição de dúvidas e exames no interior do processo, e
as oposições são permanentes.
Essas exigências reflexivas designam os atos e movem a ação criativa. O
pensamento opera no processo e não se define, portanto, pelo domínio de questões determinadas.
Compreender os processos de criação é compreender, também, o proceder reflexivo a partir dos
indícios múltiplos, factuais, desordenados e até contraditórios, deixados durante a travada luta
entre ordem e desordem, inteligibilidade da coerência sobre a incoerência, para conquistar uma
lógica muitas vezes imprecisa e indeterminada.
Assim, cada processo criativo é adequado a si mesmo, permanecendo num tempo
como que fora do tempo, mas integrado no devir necessário, na consciência subjetiva, na
elaboração e na busca singular de cada sujeito que se põe a criar.
Daí porque o movimento de reflexão fundar-se, por vezes, com o rigor sistemático
da disciplina, mas também se afoga na extensão da lógica do indeterminado, o que não significa
possibilidade simplificada e redutora, mas, ao contrário, um caminho possível, um eventual
espaço e tempo, entendidos como potencial criativo.
17
“[...] Nestes últimos decênios tem-se discutido a possibilidade de espaços pluridimensionais, ou seja, aqueles que
possuam maior número de dimensões do que as três clássicas que constituem o espaço tridimensional. Entre as
várias posições tomadas, temos como mais importante a de J. F. Riemann e de Lobatschewsky, que não será objeto
de nossa análise devido a sua complexidade, mas que se impõe como fonte de consulta no vasto panorama dos
espaços pluridimensionais (BARRACCO & SANTOS, 1976, p. 18)”. Para os interessados na temática sobre
Comunicação, Espaço e Cultura, cf. FERRARA (2008), que aprofunda tais pressupostos.
53
complexidade dos processos de criação gera tempo potencial e acrescenta “tempo ao tempo”,
“[...] esse enclausuramento cria uma bolha temporal que lhe é própria e representa o meio
ambiente da sua evolução” (ROSNAY, 1997, p. 376).
Em outras palavras, o que se quer atestar é que a duração do tempo torna-se
densa, ora pela profundeza do instante, ora pelo escapamento do tempo que se dilata a partir do
interior do processo.
Dentro dessa compreensão, apontam-se a fraternal oposição e os paradoxos dos
significados diversos de tempo que convivem no processo, entendido como um espaço
significante.
O resultado de todo trabalho criativo, independente da mensagem que abarque ou
da forma que represente, não determina, de saída, o modo como os signos foram elaborados e a
animação e toda vibração dos processos percorridos pelo pensamento. Ao se observarem tais
processos, é nítido que eles sugerem uma tarefa árdua e gratificante da busca pela riqueza
ilimitada dos significantes possíveis que ajudam a explicar a obra, sem, contudo, fundamentá-la
definitivamente.
O trabalho criativo e as produções de signo estético constituem processos
peculiares de semiose (que podem ser definidos como “ação do signo”) e fonte de dinamismo
que impulsiona o desdobramento dos signos18. Um processo em crescimento, um processo em
constante evolução.
Em termos gerais, sempre existe a possibilidade, em algum espaço e tempo, de
algum signo emergir do pensamento complexo, donde os processos de criação apresentarem-se
como sistemas que, permanentemente, vão avançando na direção da finalização da obra, sem
necessariamente poder concluí-la.
Tanto o que cria uma obra, como o que procura compreender os processos de
criação dela enfrentam a limitação da não completude:
18
* Dificilmente nessa pesquisa se poderia fazer justiça à riqueza do pensamento de Charles Sanders Peirce.
Conseqüentemente, a mesma, limita-se a pequenos comentários sobre algumas categorias que serão melhores
explicitadas no capítulo três que segue: “O pensamento complexo e os processos de criação”.
54
[...] Não importa o quanto consigamos falar sobre algum aspecto particular de
nosso mundo, nosso falar sempre será incompleto [...] O processamento de
signos dentro dessas limitações é uma questão comunitária dialógica. Peirce
escreve que sempre que um signo é vago (inconsistente) é preciso que seu
criador o torne um pouco mais preciso e, no melhor de todos os mundos,
consiga esclarecer as inconsistências. Por outro lado, para que a natureza do
signo como uma generalidade possa se tornar reconhecida adequadamente, o
apropriador do signo deverá entrar no jogo, interagindo com ele, com seu
criador e com todo o ambiente, empurrando seu significado para uma
finalização possível [...]. (MERRELL, 1998, p. 176).
A temporalidade surge dessa esfera, que pode parecer um tanto confusa, em que
os eventos que se passam no interior do processo de criação estão em um constante movimento
de auto-organização, pois se encontram permanentemente tornando algo diferente do que é.
O pensamento criador supõe a existência de uma intenção ou de uma causação
final, nos termos de Peirce, as quais conduzem à criação e, portanto, movem a semiose. Cada
detalhe dessa trama tão bem tecida e elaborada pelo pensamento nasce encharcado de
significados.
O processo de criação pode revelar os resultados das escolhas, das características
e dos propósitos do trabalho a ser publicado, pelo que se entende que os processos de criação são
espaços da consciência criadora, campo para inúmeras experiências: espaço subjetivo, espaço
efêmero, nada simplificado, espaço não rígido no qual intervêm elementos psicologicamente
complexos, cujos contornos imprevisíveis são acometidos por um tempo ora alargado, ora calmo,
em repouso.
Enfim, um tempo-espaço por vezes discreto, secreto, reflexivo, em prontidão e
vigilância, mas muitas vezes fugidio e que até sugere o desencaixe ou a desconexão. Na
diversificação dessas espacialidades e temporalidades, nos cheios e nos vazios desses campos,
por certo em um duplo movimento de atração e repulsão, o pensamento que prefigura projetos no
seu peculiar espaço-tempo de orgia criativa, torna-se “potencialidade” em primeira linha capaz
de todos os possíveis.
55
Talvez seja o momento de resumir. Na verdade, penso que o homem tem duas
grandes experiências. Uma é a experiência da repetição. Vemos o Sol aparecer
todos os dias, vemos os movimentos da Lua, vemos o movimento das marés, do
mar, e é essa ideia de repetição que abriu espaço às leis clássicas, às leis da
dinâmica e para essas grandes construções admiráveis que são as leis de Newton
e, mais tarde, as leis da mecânica quântica e da relatividade. Porém, também
temos uma segunda experiência. Temos a experiência da criatividade, a
experiência do novo, a experiência artística, a experiência literária. E, pensando
bem, temos de levar em conta as duas experiências. (PRIGOGINE, 2003, p. 62).
O que Prigogine (2003, p. 64) reafirma é que não cabe mais a visão determinista
do mundo, “na qual não há lugar para a criatividade, na qual não há lugar para a inovação”, nem
mesmo a oposição aleatória da primeira, que sustenta o não lugar da razão. Em virtude disso,
propõe o pensamento incerto, “o fim das certezas”, um pensamento que mescla o determinismo e
o arbitrário.
Nesse sentido, deve-se superar a separação binária que dicotomizou
cultura/natureza, corpo/espírito, espírito/matéria etc., característica do pensamento ocidental.
Trata-se de uma perspectiva que assume como importante a pluralidade, constitutiva da vida
social sob todas as suas formas, e que compreende a vida feita pela mistura, pelo ajuste com o
diferente, pela intromissão do estranho.
Esse equilíbrio constitui-se, no dizer de Maffesoli (2003), uma harmonia
conflituosa
57
Não é tarefa fácil, por conseguinte, buscar uma teorização sobre processos de
criação que encerre, entre suas peculiaridades, a elaboração detalhada de um percurso, visto ser
este resultado de um pensamento complexo que não dispensa o controle absoluto do tempo.
As ideias criativas podem assumir diferentes formas de ação gestual que se
materializam em variadas expressões. Podem evoluir sem necessariamente ter uma ordem
aparente, podem surgir como resultado da percepção ou da sensibilidade ou, ainda, de um projeto
poético ou de experimentos como estratégias de trabalho.
São inúmeros os caminhos do pensamento que concebem e geram resultados que
não descartam imprevistos, tampouco descartam o fenômeno do acaso como surpresa inerente ao
ato do fazer. “[...] O acaso é sempre transgressor e sacrílego. Para Benjamin, ao contrário,
sacrilégio é a intenção de banir o imprevisto [...]” (MATOS, 1992, p. 250).
Em outras palavras, o processo de criação apoia-se nas suas relações com
elementos diversos, mantendo suas posições e especificidades. Comporta o contraditório, mas
também o pensamento em interação que se dá em processo e, portanto, opera em contínua
transformação.
Salles (2006, p. 26) estabelece argumentos acerca da dinâmica que é a criação
artística, uma vez que o processo de criação age de modo similar no que diz respeito ao contexto
da complexidade. Sendo considerado sistema aberto, não linear e não liberto de dicotomias, o
processo de criação “abarca o raciocínio responsável pela introdução de ideias novas, que
abarcam, por sua vez, essa perspectiva de transformação”.
Salles (2006) propõe que se pense a criação como: “redes de conexões, cuja
densidade está estreitamente ligada à multiplicidade das relações que a mantêm. No caso do
processo de construção de uma obra, podemos falar que, ao longo desse percurso, a rede ganha
complexidade à medida que novas relações vão sendo estabelecidas” (SALLES, 2006, p. 17).
58
19
“[...] para Peirce, não há, nem pode haver, separação entre percepção e conhecimento”. (Cf. SANTAELLA, 1998,
p. 16). O conhecimento é mediado por signos, a semiótica de Peirce apresenta-se como “uma teoria do
conhecimento”.
59
20
A teoria da informação, ou teoria matemática da comunicação, de Shannon e Weaver, traz importante
contribuição ao conceito da informação, ainda que sua origem esteja na solução de problemas técnicos de
transmissão de sinais na comunicação. A Teoria Geral de Sistemas expandiu-se por muitas áreas e algumas de suas
noções básicas, como entropia, ruído e redundância, tiveram repercussão em diversos campos do conhecimento. (cf.
WEAVER,Werren. A teoria matemática da informação. In: Comunicação e Indústria Cultural. Org. Gabriel
Cohn. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1977, p. 25-37).
21
A vida humana, mesmo sendo um sistema frágil, cria alternativas para sua sobrevivência. A visão sistêmica do
mundo aponta características básicas e gerais de todos os sistemas: permanência no tempo, meio ambiente,
autonomia, sensibilidade, memória. Convém destacar que o ato criativo apresenta um alto nível de complexidade e
tende, por isso, a criar mecanismos para permanecer no tempo. Cf. VIEIRA (2008b).
60
A arquitetura do lugar deu novo rumo ao seu projeto. Sua percepção foi afetada,
sua memória foi ativada e a produção da marca seguiu outra tendência. Sobre essa experiência
diz: “depois de minha primeira visita às obras do Centro, os estudos da marca, que eu vinha
desenvolvendo, foram para o lixo. Permaneceram na minha visão as belíssimas estruturas. A
partir dessas estruturas criei a marca e o logotipo”. (CHAMIE, 2001, p. 50).
Figura 1 – Logomarca para o Centro Cultural São Paulo (1982). Designer Emilie Chamie.
Fonte: Chamie (2001, p. 50).
O designer gráfico projeta, mediado por inúmeras variáveis de que dispõe, dentre
as quais se destaca a percepção do sujeito – o que ele vê, o que ele já viu, o que ele recorda
(memória) e as alterações que ocorrem no interior e no exterior do sujeito (neste último caso, o
ambiente).
A percepção do indivíduo possibilita-lhe extrair informações do ambiente, e esta
capacidade individual faz com que a ação de desenhar seja consciente ou automática.
No primeiro caso, o indivíduo desenha fazendo uso do que Peirce considera
“juízo perceptivo”: trata-se de uma percepção ativa, mais complexa, que distingue a qualidade do
objeto ou da imagem estimulando o sujeito que desenha.
No segundo caso, quando o gestual solta-se de forma incontrolada e espontânea
no desenho, pode-se atribuir tal ação à dimensão do “percepto”. Essa segunda dimensão da
percepção:
62
Cabe esclarecer que, para Peirce, são três os aspectos do processo de percepção,
sendo conhecidos como categorias da consciência22: primeiridade, secundidade e terceiridade.
No processo da primeiridade, o signo desperta na consciência uma qualidade
imediata, sem reconhecimento ou análise, um sentimento, uma sensação. Os elementos básicos
de composição e suas propriedades (como cores, formas, volumes, texturas etc.) apresentam-se
como qualidades.
Em um segundo momento, ocorre a constatação de algo existente no tempo atual
quando o signo apresenta-se à consciência e permite um aprofundamento da percepção das
experiências vividas. O projeto denota, mostra-se e revela o pensamento em secundidade.
Em um terceiro momento, ocorre um julgamento sintético, que reúne o tempo, o
sentido do aprendizado e o pensamento, sendo este a terceiridade.
Tais categorias perpassam todas as experiências, como qualidade, relação e
representação. Mantêm relações e misturam-se, operando dentro das subdivisões da lógica ou da
semiótica.
Peirce apresenta, dessa forma, as três categorias fenomenológicas que alicerçam
as linguagens e constituem suas raízes lógicas e cognitivas. Segundo Santaella (1994, p. 128),
essas “categorias são onipresentes, quer dizer, em qualquer fenômeno, há uma dosagem
simultânea de primeiridade, secundidade e terceiridade”. Sendo assim, a percepção envolve
também elementos não cognitivos e inconscientes e, no contexto do tempo, permite a atividade
de criação, computando o erro e o vestígio da dúvida como possibilidade de correção e retomada
de novos rumos.
Emilie Chamie revela subjetividades e memórias, elementos da percepção. A
representação manifestada no projeto final é alcançada ora pelas operações de abstração e
22
Para a compreensão aprofundada da classificação triádica dos signos, cf. Peirce (1931; 1977) ou Santaella (2004).
63
imaginação (frutos não só da percepção de imagens), ora por quaisquer “mediações entre o
homem e o mundo” (FLUSSER, 2002, p. 9).
diversas naturezas, são constantemente flagradas nos documentos dos artistas e são matéria-
prima de muitos (ou talvez de todos) processos criadores”.
Figura 2 – Escultura - Unidade Tripartida de Max Figura 3 – Série Knots – desenhos de Escher. Fonte:
Bill (1948/49). Fonte: sítio eletrônico do MAC/USP. MELO (2003, p. 154).
Figura 4 – Logomarcas criadas por Aluísio Magalhães: Unibanco, Banco Nacional de Minas Gerais, Editora Delta e
Banco Aliança. Fonte: MELO (2003, p. 154).
Figura 5 – Livro de Carlos Drummond de Andrade, Figura 6 – Livro de Lúcia Machado de Almeida.
Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Rubem Ilustrações de Mario Cafieiro. Fonte: sítio eletrônico
Braga. Fonte: sítio eletrônico da Livraria Cultura. da Livraria Cultura.
Por meio das interações que os sujeitos estabelecem entre os processos sociais e a
configuração do espaço em que estão, podem, dentre tantas possibilidades, representar o
contexto que gerou as ideias criativas e, nesse sentido, vale destacar também a experiência de
Rogério Duarte, que começou a atuar como designer gráfico nos anos 60 e desenvolveu cartazes,
capas de discos e livros, identidades visuais, ilustrações, sinalização e outros tantos projetos.
Dentre seus trabalhos mais conhecidos, está o cartaz elaborado para o longa-metragem “Deus e o
Diabo na terra do sol”.
66
O cartaz entrou para a história, não somente pela repercussão do filme, mas pelo
conceito: o cangaço, o sol do sertão e a violência. Melo (2006, p. 201) comenta:
Rogério Duarte apropria-se do vernacular, funde com a arte popular e joga por
cima o psicodélico, criando um pastiche visual. Assimilando e transformando
todas as influências possíveis, Rogério desenvolve uma ponte entre o design e a
arte de tal modo que fica difícil estabelecer onde termina uma e começa a outra.
(MELO, 2006, p. 214).
23
No MAM do Rio de Janeiro, o artista plástico Hélio Oiticica realiza a instalação “Tropicália” no ano de 1967.
Essa instalação inspira artistas no desenvolvimento da Tropicália como um movimento artístico musical. Dentre
seus representantes, destacam-se Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, Gal Costa e outros. Segundo Melo (2006,
p. 207), “A tropicália começou a pesquisar toda incomensurável riqueza do imaginário popular com seus milhões de
soluções; não só popular no sentido da rua brasileira, mas também dentro do popular internacional. Tudo aquilo que
não tinha status estético de ‘bom desenho’ [...] interessava à Tropicália”. O interesse fazia-se presente pela
diversidade das letras, especialmente pela representação gráfica das capas feitas pelos designs que se destacaram
nessa época, a exemplo de Rogério Duarte.
67
Figura 8 – capa do livro “Tropicaos”, de Rogério Duarte. Fonte: sítio eletrônico da Editora Azougue.
“[...] Na tropicália, passamos a não ter uma hegemonia de uma cultura alta. Nem
de nenhuma outra: se há hegemonia, é a do encontro da diversidade” (RODRIGUES, 2007, p.
50). O autor prossegue arqumentando que para o projeto gráfico da capa desse livro, Rogério
Duarte utilizou-se das capas de discos que ele mesmo anteriormente havia projetado. Em suas
produções, há mescla de popular e erudito, sendo que essas apropriações foram ingredientes
ativos para seu diálogo com a criação.
Notam-se em Rogério a pluralidade de ações e as variadas experiências que ele
cultivou nesse período, a ponto de autodefinir-se como um artista multimídia: “para criar capas
de discos, tornei-me músico; para fazer cartazes de cinema, tornei-me cineasta; e para fazer
capas de livros, tive que virar escritor” (COLETÂNEA DE PORTFÓLIOS, 2000, p. 114).
Rogério Duarte é um dentre tantos exemplos que se destacaram em “deglutir” o
que estava fora.
Fica claro que a imagem que o sujeito vê pode ser por ele incorporada e
transformada, como foi no caso de Aluísio, Cafieiro e Rogério. As imagens são informação, são
fluxos que se reorganizam e regularizam, transformam-se em códigos, visando à sua constituição
como linguagem.
68
Escrevendo sobre Wollner, Melo (2006, p. 229) relata mais detalhes acerca da
criação da marca Eucatex: “[...] o desenho inicial surge da figura do ouvido humano para firma-
se como uma das formas mais requintadas do período”. Melo refere-se aos anos sessenta e à forte
tendência dos designers daquele período de utilizarem as premissas da escola de Ulm24.
Dentre os trabalhos realizados por Wollner, destacam-se as marcas feitas para o
Banco Itaú, Philco, Hering. A experiência da criação da marca Eucatex, entretanto, não sugere
ideias visuais preconcebidas. Em outras palavras, trata-se de “seleção de formas quase aleatórias
desenhadas à mão [...] Suas marcas são mais encontradas que intuídas e muito mais desenhadas
que pensadas” (WOLLNER, 2005, p. 12).
24
Sucessora da Bauhaus, a Escola Superior da Forma de Ulm, mais conhecida no Brasil por seu método de ensino
como “Escola de Ulm”, foi fundada na Alemanha, em 1952, e durou até 1968. Segundo MELO (2006, p. 221), a
Escola de Ulm valorizava um método preciso de trabalho que previa quatro etapas: levantamento de informação,
análise, produção de hipóteses e verificação dos resultados.
70
[...] começo a esboçá-la com coisas óbvias, como o formato, o tamanho da capa,
o tamanho da orelha, título e o autor e vou enchendo aquele espaço, para depois
ver o que vou pôr naquela capa [...] às vezes eu mato a capa em um dia. Em
meia hora já sei o que será. Em outras, tenho um prazo de 30 dias e, no último,
ainda não sei o que vou fazer. (Coletânea de portfólios, 2000, p. 68).
Teve momentos em que contei com o acaso para me dar a segurança que faltava
em algumas situações profissionais. Ainda na faculdade, foi convidado para
cuidar da edição especial infanto-juvenil da revista literário Ficção. Era minha
primeira revista, quase voei de felicidade com a oportunidade. Porém, na hora
de criar a capa — com o miolo da revista já entrando em máquina — não
encontrava a melhor solução. Um dia, saindo da gráfica, no bairro de Botafogo,
tropecei num pedaço de papel no chão, molhado de chuva e manchado de tinta
gráfica. Olhei para aquilo e pensei: minha capa! (GAUDÊNCIO JR, 2005, p.
47).
grande número e uma vasta diversidade de momentos [...]”, cada um deles frágil, visto ser
impossível o controle total de todas as variáveis que envolvem o objeto.
O gesto pode, pois, descrever o tempo, sobretudo de um modo completamente
diferente, mais complexo e profundo, próprio da multiplicidade dos sentidos de cada forma
visual.
Interessaram os fenômenos singulares e as especificidades do processo, que, nos
múltiplos tempos de criação, ganharam lugar de pertinência e sentido. Entre a percepção e o
gesto, destacou-se a migração do pensamento; entre a experiência e a produção, a reflexão por
empréstimos; entre o projeto e a possibilidade de realizá-lo, o tempo da espera. Por fim,
enfatizou-se que entre a objetividade intencional e a previsibilidade de um projeto, há espaço
para o acaso.
O pensamento então se vai complexificando à medida que uma trama regula a sua
arquitetura interna a um nível mais profundo, evocada por um tempo silencioso que reivindica o
permanente estado de criação.
Dessa forma, revela-se, finalmente, a senha – o objetivo último de toda
recompensa do pensamento: ser irredutivelmente carregado de riqueza e contradição, o que
instiga a mente e exige decifração.
Parece pertinente neste instante, para melhor compreensão da área do design,
voltar os olhos ao passado, com o escopo de ter em conta o conjunto de eventos que se pretende
explicar.
Essa atitude significa uma imersão no próprio tempo, na tentativa de descrever
um complexo de questões relativas a períodos suficientemente longos, os quais abarcam mais do
que simplesmente acontecimentos com datações precisas. Trata-se de encontrar sentido na
história que aconteceu no passado, entrecruzando os momentos dinâmicos que geraram
estabilidade e períodos de relativo desequilíbrio, ou mesmo assumir tal postura como pretexto
para descrever os processos que ocorrem no presente.
O percurso assumido agora é a tentativa de retomada dos acontecimentos
passados, na esperança de aprender-se com eles, extraindo uma leitura que fortaleça o presente e
que, em algum grau, possa auxiliar nas perspectivas e nas consequências quanto ao futuro.
Por isso, cabe o convite para voltar-se ao passado, pois é naquela instância que se
encontra a espessura originária em que a história do design gráfico brasileiro forma-se.
78
As origens são concebidas como ‘um começo que explica’ todo o desenrolar do
processo [...] O presente guarda certa autonomia e não se deixa explicar
inteiramente pela sua origem [...] Em Braudel, o homem é descentrado e sofre
de alguma forma a temporalidade muito mais do que a produz [...] e sabe que
age sob os limites geográficos, sociais, mentais, culturais, econômicos,
demográficos, conscientes e inconscientes, que ele não pode vencer, pois não
dependem da sua vontade. (REIS, 2000, p. 85-105)
na sua visão sobre o critério de “longa duração”, que passa a ser imprescindível, pois evidencia
os princípios internos de cada estrutura existente, como também seu comportamento.
Isso significa que a abordagem das ações no presente e a identificação dos
princípios internos da estrutura do objeto que se pretende estudar só serão possíveis recorrendo-
se ao passado, isto é, na maneira como determinadas características de movimentos foram sendo
desenhadas na sua materialidade.
Portanto, acredita-se que as ações humanas estão submetidas às circunstâncias
objetivas, estruturais, nas quais o sujeito está envolvido. Vale destacar que “Braudel define
‘estrutura’ como um conjunto de pressões, limites e barreiras, que interditam as diferentes
variáveis de elevar acima de um certo teto” (REIS, 2000, p. 106).
Para os Annales, “[...] o homem não é só sujeito, consciente, livre, potente criador
da história; ele é [...] também, e, em maior medida, resultado, objeto, feito pela história” (REIS,
2000, p. 21).
A longa duração são as permanências que evidenciam os velhos modos de agir e
de pensar dos homens e dizem respeito ao que praticamente não muda “as estruturas”. Daí
porque enfatizar-se que “as circunstâncias fazem os homens” (REIS, 2000, p. 21).
Wallerstein (1998a; 1998b) soube ampliar os conceitos de Braudel,
principalmente quando se preocupou com o peso das estruturas, ou seja, assumiu que as
circunstâncias eram determinantes para as ações humanas, mas que, em contrapartida, os
“homens também fazem e transformam as circunstâncias” (MARX, 1996).
“Os homens fazem a própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem
sob circunstância de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e
transmitidas pelo passado” (MARX, 1978, p. 329).
Então, Wallerstein entendeu a longa duração como padrões duradouros, mas não
eternos, assumindo que todos os fenômenos são complexos, pois possuem padrões, regras ou
estruturas norteadoras que contemplam a longa duração, mas, por outro lado, possuem também
um tempo ou ritmo lento que revela os processos e, por conseguinte, evidencia a transformação.
O homem constrói-se continuamente nos movimentos da história, no cotidiano da
cultura, mantendo permanências ao mesmo tempo que as desconstrói. À semelhança da intenção
dos Annales, passou-se a analisar o design brasileiro, o que viabilizou a percepção de certa
direção, certo passado e certo modo de “durar”.
80
Esse tipo de questão remete à Teoria dos Sistemas, visto que o processo de
criação dos designers, como mencionado anteriormente, estará vinculado à ideia de sistema
aberto, que, em determinado ambiente, para fazer-se permanente no tempo, necessita apresentar
autonomia.
Para isso, três capacidades precisam ser desenvolvidas:
Não se pretende aqui, reduzir a história do design e aos projetos gráficos dos
designers a uma catalogação de tempos pretéritos; ao contrário, o que se propõe aqui é o avanço
com acolhida de intenções, atos expressivos, cognitivos e produções simbólicas de muitos
designers.
Então, nesse exercício dialógico com o passado, será possível ler a história não
como uma progressão ordenada e estanque, senão visualizando seus descompassos e neles
observando os significados e os valores que formam a trama social no interior da cultura. Por
esse movimento, tenta-se perceber o design e a participação do designer gráfico, que se inserem
na dimensão de signo representativo e observável na dinâmica da história.
Apontar-se-á o design gráfico como uma linguagem midiática, cuja definição e
finalidade são projetar, na área gráfica industrial, produtos para venda. Nessa peregrinação,
começar-se-á pela definição e conceituação do design no tempo, sem negligenciar, por óbvio, a
área de atuação dos designers, os quais desempenham o papel de tradutores de signos visuais da
sociedade na qual eles mesmos se inserem.
Assim, o diálogo sobre processo de criação dos designs não se esgota e não se
fecha; ao contrário, abre-se, projeta-se, desdobra-se na tentativa de adquirir novos contornos
semânticos.
Para a compreensão, ainda que grosso modo, das sutis diferenças entre os termos,
vale-se esta pesquisa da raiz histórica em cuja tensão desenho industrial e design revelam suas
individualidades no contexto da cultura. Para isso, faz-se necessário trazer à mente que o mundo
da produção industrial, que obteve visualidade primeiro na Inglaterra, no século XVIII, foi
marcado pelo grande salto tecnológico nos transportes e nas máquinas a vapor.
No intuito de ampliar seus lucros, os donos das indústrias investiram em
tecnologia, e a força da industrialização permitiu a produtividade extremamente dinâmica,
fazendo novas máquinas surgirem.
Esse modelo industrial possibilitou o baixo preço das mercadorias e acelerou o
ritmo da produção, pois reduzia os custos e o tempo de fabricação de produtos, além de estimular
o consumo cada vez mais.
A busca pela forma e a função do objeto utilitário encontraram no desenho
industrial sua premissa, ancorada nos sistemas produtivos em série ou nas linhas de montagens.
Análoga à produção e ao consumo, a sociedade passou a também ser reputada
como um produto programado em série e em linha de montagem, e o tempo se torna mais do que
nunca, medida de controle social e das ações humanas. O controle social estendia-se à ordenação
do modo de vida e ao exercício do poder, ainda que camuflados25. Determinava-se, destarte, para
a sociedade e para a cultura um projeto de vida cuja forma e função deveriam obedecer aos
ditames hierárquicos estabelecidos. Eram os tempos modernos, em que a palavra de ordem e
progresso reinava incólume.
Porém, a constante dinâmica da sociedade evidencia, com o passar do tempo, as
mudanças significativas no que se refere ao conceito de uma realidade para ser vivida de forma
programada e conceitual. As incertezas e as indeterminações sociais são componentes que
ditavam as mudanças, as expectativas e as tendências da vida, favorecendo o surgimento de
25
Para o leitor interessado nas dicussoes acerca da passagem da Revolução Industrial e a observação das dinâmicas
sociais ocorridas no final do século XIX e XX, recomendamos a leitura de Ferrara (2008, p.42 a 48).
83
consumidores mais críticos. Problemas de toda ordem começaram a surgir: desde as relações
conflituosas entre capital e trabalho, passando pelo critério do gosto, que também estava sendo
posto em pauta.
A crítica ao design produzido em maior escala encontra apoio na crença de que as
máquinas eram as responsáveis pelos problemas técnicos dos produtos. A necessidade de superar
todos esses problemas tornava-se urgente.
Em contrapartida, a Escola alemã conhecida como Bauhaus (1919–1933), em
cujo paradigma repousava uma comunicação que valorizava a forma e a função do objeto, surge
da percepção da necessidade de ter-se um profissional que agregasse valor ao produto. O
desenho industrial que se deseja na Bauhaus estende-se para além das ideias de desenho, esboço
ou mesmo de projeto. Pretende-se um design transgressor, no sentido de dar perspectiva de valor
ao mecanismo e à técnica. Dito de outro modo, o design pretende reunir o que fora separado:
artesão, arte e indústria. E, nesse sentido, o design pretende-se único, à semelhança da arte26.
Consequentemente, com a constante expansão da sociedade capitalista industrial,
o uso dos objetos é substituído pelo valor da troca constante de novos produtos que são lançados
no mercado. No decorrer do tempo, o valor da troca é substituído novamente por outro valor – o
da posse de uma marca, de uma assinatura ou de uma grife. O consumidor não tarda a substituir
novamente esse valor da posse por outro valor, o da seleção dos variados produtos que o próprio
desenho industrial oferece (FERRARA, 1993).
São os novos tempos, de acesso à quantidade, à qualidade, de concorrência, de
liberdade de escolha. É a força da Indústria Cultural27, que se verifica em seduzir o homem para
o consumo de “necessidades desnecessárias”, como precisamente afirma Mcluhan (1979, p.
257): “Os anúncios não são endereçados ao consumo consciente. São como pílulas subliminares
para o subconsciente, com o fito de exercer um feitiço hipnótico”.
“Design, usuário, produção, consumo são signos de um complexo processo de
percepção, que se altera rapidamente e tem, aí, a sua identificação. Não só o produto é feito para
perecer, mas, culturalmente, decreta-se a sua morte de véspera” (FERRARA, 1993, p. 197).
26
Quer-se destacar nesta pesquisa que se fará distinção entre arte e design. O principal objetivo da produção
industrial é ser vendável e dar lucro aos fabricantes. Não se quer obscurecer o fato de que o design envolve fatores
mercadológicos, além da imaginação artística. O trabalho feito por designers pode criar a impressão falaciosa de que
eles possuem autonomia, a ponto de serem os únicos responsáveis pelos resultados dos produtos.
27
Para o leitor interessado em uma discussão mais aprofundada sobre o tema Indústria Cultural, cf.
HORKHEIMER, Max; ADORNO, Theodor W. A Indústria Cultural - O Iluminismo como mistificação das massas.
In: A Dialética do Esclarecimento. Tradução de César Bloom. Rio de Janeiro: Zahar, 1985, p.155-201.
84
de seus projetos auxiliam no entendimento do design como uma ação comunicativa, capaz de
criar linguagens, traduzir textos culturais e produzir informações.
28
O conceito sobre informação aparece como termo complexo, de múltiplas acepções e riqueza semântica,
caracterizado como controverso e enganoso de variadas definições. Constitui-se por uma série de conceitos
heterogêneos. Nesta pesquisa, “Informação” será entendida de acordo com Ferrara (1993, p. 151), que define
informação como “uma produção que decorre da capacidade de inferir, da e sobre a realidade, novos conhecimentos
suficientes para provocar aprendizado e mudança de comportamento”.
86
29
Utilizar-se-á o termo representação como o considerou Peirce, que define “representar como ‘estar para’, quer
dizer, algo está numa relação tal com outro que, para certos propósitos, ele é tratado por uma mente como se fosse
aquele outro [...] Uma representação parece, de acordo com isso, reproduzir algo alguma vez já presente na
consciência [...] O conceito de signo e representação são unificadores dos dois domínios da imagem: mental
(ciências cognitivas) e visual perceptivo (semiótica)”. (SANTAELLA, 2005, p. 17-19).
30
Os vínculos comunicativos envolvem as relações mediadas por recursos tecnológicos e veículos lineares ou
digitais. Mesmo de forma virtual, podem gerar ambientes comunicativos biomidiáticos – ambientes multisenssoriais
ou infosemióticos – sistemas híbridos da cultura (cf. MACHADO, 2007). Nesse sentido, a semiose pode ocorrer
com a interação dos meios e veículos comunicativos.
87
31
A definição de um signo para Peirce inclui três teorias: a da significação (diz respeito à relação do signo consigo
mesmo, de seu Fundamento, que está presente em seus limites de significação, em suas potencialidades para atuar
como signo); a da objetividade (possui relação do Fundamento com o Objeto, com aquilo que determina o signo e é
por ele representado, que estabelece relação com o caráter denotativo do signo); e a da interpretação (diz respeito à
relação do Fundamento com o Interpretante, dos efeitos que possa causar no intérprete individual ou coletivo). Cf.
SANTAELLA, 2004, p. 9-10.
32
O termo “modalização”, que primeiro foi utilizado no campo da cibernética, para designar o modelo de operar e
organizar as máquinas deverá ser entendido aqui como processo que tende à regulação de signos para construir
sistemas. Sobre isso, cf. MACHADO, 2007, p. 29.
88
problema a ser resolvido, o designer, num esforço de tradução, trabalha no sentido de deixar viva
a memória discursiva.
Observe-se no exemplo que segue, que a designer Luciana Brício encontrou na
cultura a estratégia para a solução de seu projeto. Serviu-se de um saber local, não clássico, que é
a culinária popular brasileira, ao traduzir essa série sígnica e utilizá-la como instrumento possível
de evocar a memória de um passado/presente. A designer criou, em 2008, para a Empresa
Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT –, em comemoração aos 200 anos da chegada da
família real portuguesa ao Brasil, em 1808, o selo, que representa os pratos salgado e doce da
culinária brasileira, os quais se modificaram no contágio com a culinária portuguesa: o cozido
completo, feito de carnes e legumes, e o quindim, cujos ingredientes principais são gemas de
ovos, açúcar e coco.
Figura 14 – Gastronomia Luso-Brasileira (Cozido completo, quindim) por Luciana Brício (2008). Fonte:
sítio eletrônico dos Correios – Ministério das Comunicações.
Verifica-se que a composição híbrida do selo criado por Luciana Brício dá-se não
só pela fusão entre a composição do fundo (flores, azulejos portugueses) e figura (quindins,
cozido que se completa com o pirão, em prato de porcelana), mas também pelas técnicas de
fotografia e computação gráfica que foram utilizadas.
Ademais, o que se valoriza na composição é a união de um elemento fundamental
da cultura, o alimento. A tradução feita por Luciana promove uma aproximação entre signo e
objeto, cuja materialidade resulta em visualidade.
Tal amálgama entre os elementos “culinária luso-brasileira, pratos, azulejos,
flores, texturas, cores etc.” convoca os sentidos do receptor a “comer com os olhos”, suscitando
nele a lembrança do gosto salgado e do doce. Um jogo prazeroso de contrastes.
Ao serem absorvidas pelos designers, as informações da cultura podem modificar-
se ou recompor-se para designar novos conteúdos. O que se está sendo propondo aqui é a visão
do designer gráfico como tradutor, o qual pode apropriar-se de uma porção da realidade cultural
e traduzir essa realidade em uma linguagem codificada.
Desse ponto de vista, é possível dizer que ele opera com a capacidade de produzir
informação, criando linguagens plástica, icônica ou mesmo linguística, de tal sorte que os textos
culturais fornecem-lhe o fundamento de sua tradução.
No âmbito da ciência da informação, a comunicação do design gráfico pode ser
entendida mais apropriadamente como transferência da informação. Designers gráficos
produzem informações, fluxos que se reorganizam e que se regularizam para se transformarem
em códigos.
Por isso, seus projetos constituem-se em linguagem (que se relaciona com o
emissor que o produziu e com o receptor), estando vinculada em codependência com o ambiente
e seu contexto cultural propriamente dito.
O receptor interpretará os diferentes signos, solicitando um trabalho mental de
associações que leva em conta seu próprio saber e especificidades culturais e socioculturais.
A tradução constrói-se e, embora não se complete num sentido único, provoca
efeitos ilusórios de permanência por meio da criação das marcas, dos sinais, das identidades
visuais, dos cartazes, das embalagens, das ilustrações, das tipografias etc.
90
Figura 15 – Marca para o Hotel Tropical, criada por Rubens Martins. Fonte: sítio eletrônico – coleção
Fernanda Martins.
Certamente ele foi influenciado pela escola de Ulm, mas seu desenho é mais
macio, orgânico, sem rigidez dos seguidores intransigentes da escola alemã.
Isso aparece bem nas cores, nas formas curvas. Ruben não era um copiador, ele
tinha visão antropofágica de assimilar técnicas dos países industrializados, mas
trazendo tudo isso para a nossa cultura. (LEON, 2009, p. 173).
33
O escritório de design Forminform foi criado em 1958, em São Paulo, por Geraldo de Barros e Ruben Martins, em
parceria com o administrador e publicitário Walter Macedo. Em seguida, Alexandre Wollner, recém-chegado de
Ulm, associa-se ao grupo.
91
34
A Escola de Tártu-Moscou (ETM) entendia que a cultura se realizava em sistemas sígnicos de diferentes naturezas
e que as variadas formas de expressão, como o gestual, o visual, o sonoro, se estendiam para além “da codificação
gráfico-visual do alfabeto verbal”. Dentre os grandes nomes da Escola de Tártu destaca-se especialmente o nome de
Iuri Lotman, cuja carreira acadêmica começa na Universidade de Tártu, em 1954. Dedica-se primeiro à biografia de
autores russos do final do século XVIII para depois passar a se interessar pela produção cultural, especialmente a
literatura e as artes. Lotman cria uma semiótica sistêmica, ou seja, em sua visão as experiências humanas estariam
inseridas em um sistema de signos em processo, a saber: a cultura. Para os interessados em aprofundar o assunto, cf.
MACHADO, 2003, p. 35.
35
Segundo Donis (2000, p. 18), “A sintaxe visual existe. Há linhas gerais para a criação de composições. Há
elementos básicos que podem ser aprendidos e compreendidos por todos os estudiosos dos meios de comunicação
visual, sejam eles artistas ou não, e que podem ser usados em conjunto com técnicas manipulativas. Para a criação
de mensagens visuais claras”.
92
36
O barroco definiu-se como estilo autônomo por volta de 1580, privilegiando o dinamismo nas linhas, as
dramaticidades nas formas, os efeitos de claroescuro, as perspectivas distorcidas, além da abundância de
ornamentos. A palavra “barroco” (pérola grossa, de superfície irregular) pode designar o padrão artístico que
despontou ao final da Renascença, cujo termo serviu para denotar excesso, extravagância, bizarrice, contradição ou
qualquer outra expressão que servisse como depreciativo, sobretudo no século XIX, quando o gosto da burguesia se
voltava para a estética neoclássica (linhas retas, harmonia, simetria etc.). Mais do que uma manifestação cultural do
espírito da Contra-Reforma, é possível associar a estética barroca às interpretações que muitos estudiosos, a exemplo
de Barbero (2009), Gruzinski (2001), Pinheiro (1994) e Sarduy (1979), fazem ao ressaltarem a presença dos diversos
elementos que compõem culturas complexas, como as que se formaram na América Latina e no Brasil,
especialmente. “[...] o espaço barroco é o da superabundância e do desperdício”. O barroco esbanja "[...]
voluptuosidade do ouro, o fausto, o desbordamento, o prazer: isto é, o erotismo [...]" (SARDUY, 1977, p. 77-78). O
barroco evoca os sentidos e apela à sensualidade. Em consonância com Lacan (1985, p. 154), no barroco "[...] tudo é
exibição do corpo evocando o gozo [...]". Por isso, essa forma de “barroco mestiço latino-americano” de que fala
Barbero (2009) é um dos modos de pensar a constituição da cultura pátria.
94
[...] A América Latina tem por um lado esse turbilhão barroco mestiço, de outro
ela sofreu três invasões muito problemáticas e que são invasões que até agora
atuam na cabeça do brasileiro e do latino-americano [...] Sofreu uma invasão
clássica, aquela formulada pelas ciências clássicas; sofreu uma invasão clerical-
eclesiástica, que tem que ver com formas de ensino e conhecimento elaboradas
na Idade Média pelo mundo católico; e desde o começo de 1900 sofreu essa
nova invasão tecno-capitalista ou publicitário-capitalista. Essas três invasões
combinadas – algumas pessoas estão mais próximas de uma ou de outra –
tornam, às vezes, difícil de a gente conseguir ver o que são o Brasil e a América
Latina ou aproveitando-se e devorando isso também. Às vezes, elas são
transformadas, assimiladas. Outras são postiças.
Não obstante, o que se procura destacar aqui é que o ensino em design que se
tinha nos idos da década de sessenta era importado, e tornou-se frequente muitos designers
utilizarem conceitos da escola de Ulm para concepção de projetos.
Cite-se também a autora Escorel (2000, p. 9-18) como uma das intelectuais que
acreditam que o design gráfico no Brasil “não foi incorporado nem como manifestação cultural
nem como instrumento de planejamento e projeto”. A autora advoga a tese de que o design e, em
especial, o design gráfico deveriam apontar para uma identidade nacional, deixando os modelos
importados.
A esse respeito, escreve em nota o editor de seu livro:
o design gráfico no Brasil tem uma história que começou a ser traçada por
muitos poucos e só recentemente ganhou impulso capaz de lhe conferir feição
própria. No entanto, esse novíssimo, pleno de possibilidades, ainda não bastou
para firmar um estilo brasileiro de design gráfico [...] o design gráfico não teria
conseguido incorporar e reproduzir, no nível da linguagem, aqueles traços
distintos que fazem, por exemplo, com que a nossa música popular e o nosso
futebol sejam reconhecíveis como brasileiros em qualquer lugar do mundo [...]
No tocante à relação com as tradições culturais, tem-se que admitir que um país
novo e pobre, como o Brasil, não carrega seus traços distintivos com o mesmo
garbo e convicção que países velhos e ricos ou que países novos e ricos, que
constituíram sua força e eventual supremacia a partir da afirmação continuada
de seus valores e respectivas identidades. Sendo assim, seria desejável que o
design que atua num país novo e pobre como o nosso se defendesse um pouco
dos apelos que vêm de fora. E também que se empenhasse no propósito de
manter a invenção sintonizada com a sensibilidade de seu tempo, sem, no
entanto, abrir mão do direito de distinguir os projetos em que estiver envolvido
com a marca de sua própria personalidade e origem nacional. (ESCOREL,
2000, p. 26).
[...] o que não quer dizer que trabalhos baseados em suas premissas não
continuem a ser feitos. Continuam e continuaram por um bom tempo, pela
simples razão de que muitas delas permanecerem válidas. Em determinados
contextos, nada cai melhor do que uma boa dose de espírito Ulmiano. (MELO,
2003, p. 24).
100
Parte-se aqui da hipótese de que a busca por uma identidade nacional abarca
traços da mentalidade de que só se será reconhecido internacionalmente quanto mais nacional se
for, caso em que persiste o discurso de centro ao buscar uma “essência” nacional, um design com
a “cara do Brasil”. Ao recusar um design aos moldes estrangeiros, acaba-se por adotar uma
postura também rígida na busca pela identidade.
Parta-se, pois, do pressuposto contrário: de que, cessando a busca pela identidade
nacional, é possível assumir e legitimar a identificação com o que de fato se é: um mistura de
difícil definição.
Interessa a esta pesquisa tudo que transponha a ideia de unidade, de essência e de
variações desses conceitos, pois não existe “[...] nada mais autoritário, como forma de
conhecimento, do que a ideia, eurocêntrica, de que haja uma origem perdurável, invariante,
superior ao que se mescla e traduz”. Pinheiro continua:
Não há nada “branco” ou “negro” no Brasil, mas uma tessitura, um texto móvel
em contínua transformação, esperando outras misturas [...] a palavra identidade
não serve mais para o que nós somos, porque não somos um ser em estado puro,
nós não cabemos dentro da ontologia ocidental, já que somos um território
móvel, que acumula elementos vindos de diversas partes. (PINHEIRO, 2008, p.
28).
Esse argumento encontra eco nas afirmações feitas por Gruzinski (2001), que já
interrogava a “noção de identidade” ao afirmar que essa noção:
Essa reflexão pede certo número de advertências iniciais, visto que o próprio
Freud (1933, p. 3101) admitiu o desconforto por não haver dedicado, em Psicanálise, atenção
suficiente à delimitação de alguns conceitos, entre os quais o de “identificação”. As concepções
sobre os temas são por vezes intrincadas, bastante obscuras e confusas, de modo que se tentará
obter um ganho de sentido a respeito dos conceitos em foco.
A identidade aproxima seu examinador da noção de permanência de si, de
continuação, abarcando o efeito ilusório de sentido do absoluto. Funda-se num crer que se é, o
que os discursos e as práticas sociais evocam na negação da diferença.
Por outro lado, a identificação parece apontar para a incompletude da identidade,
pois se caracteriza por ser parcial e altamente limitada, contentando-se em tomar um traço da
pessoa ou do objeto. Por isso, não se trata de uma cópia ou uma assimilação completa ou total do
outro.
O pensamento freudiano tem comparado esse limiar da identificação à
“incorporação oral, canibal, de outra pessoa” (FREUD, 1933, p. 3136). A interpretação de Freud
quanto à identificação estaria ligada à “ramificação da primeira fase, a fase oral da organização
da libido”, durante a qual a criança identificava-se ao objeto ansiado e estimado, “comendo-o” e,
ao assim fazê-lo, apropriava-se parcialmente dele (neste caso, a mãe).
As discussões anteriores já caminharam pelo discurso envolvendo simbolicamente
o ato antropofágico de “deglutir” o outro. Essa metáfora foi e ainda é utilizada por diferentes
teóricos quando se pretende explicar a apropriação do que é alheio. Trata-se de reavivar na
memória o ritual dos antropófagos37, indígenas brasileiros que acreditavam que, devorando o
inimigo, incorporavam em si próprios as características positivas deles, como a força, a
vitalidade, a coragem.
37
Gonçalves Dias escreveu, em 1968, o poema “Juca Pirama” (na língua Tupi, significa “o que há de ser morto”) e
nele narra a história do guerreiro Tupi, que é capturado pelos antropófagos da tribo dos Timbiras. Ao perceber o
medo e o choro do guerreiro Tupi, os Timbiras abortam o ritual, pois se recusam a comer um covarde.
Diferentemente de um canibal (que come carne humana, como os índios Aimorés, citados no poema), os Timbiras
proclamam: “[...] nós outros, fortes Timbiras, só de heróis fazemos pasto”. Libertaram vivo e humilhado o guerreiro
Tupi, dizendo: “[...] parte; não queremos com carne vil enfraquecer os fortes”.
Oswald de Andrade, em seu Manifesto Antropófagico (1922), utiliza-se também dessa metáfora quando pretende
despertar todos à importância de “devorar” os elementos existentes na cultura ao apropriar-se do que é alheio, isto é,
das culturas diferentes, aprendendo com elas a ponto de ser por elas também transformado. Na linguagem literária
oswaldiana, percebe-se um aproveitamento dos elementos da fala popular, da culinária, do jornal e de outras séries
sígnicas da cultura, as quais traduzem em uma concepção poética a antropofagia como metáfora para o
entendimento da realidade cultural brasileira.
103
Dessa forma, o outro constitui o “eu”, pois este interioriza aquele e, assim,
constitui o seu próprio discurso. Na identificação, um sujeito assimila um aspecto, uma
propriedade ou um atributo do outro e transforma-se à medida que é também transformado.
Pinheiro (2008) sintetiza isso muito bem:
Como recurso didático, esta contribuição presta-se a uma exposição mais livre e
menos comprometida com a sequência rígida da história do design gráfico brasileiro, pois não
será possível, nesta sede, analisar as fases que vão da imprensa artesanal à imprensa industrial.
Esta última é relativamente recente, mas, ao mesmo tempo, constitui tarefa extensa detalhar
períodos que datam desde o Império, passando pela República, até a fase atual.
A arte gráfica apresentou, no decurso do tempo, diferentes estágios, que vão
desde a circulação de jornal, almanaque, panfletos, revistas, cartazes etc., com a utilização de
diferentes técnicas (como a impressão em litografia, em xilogravura), até as máquinas e as
prensas, que, inicialmente, eram de madeira e que foram ganhando status de rotativas.
Posteriormente, à luz do avanço tecnológico, outras tantas foram elaboradas para
duplicação digital, feitas especialmente para grandes tiragens. Por isso, todos esses temas
dificilmente caberiam numa síntese, como a aqui proposta.
Mesmo antes de haver esta nomenclatura – “design gráfico” – nas publicações
impressas brasileiras, já havia textos, imagem, técnicas variadas de ilustrações, além de diversas
tipografias.
Ao se voltarem os olhos às diretrizes conceituais de alguns projetos, engendram-
se novas maneiras de compreender as continuidades, as descontinuidades e as permanências do
universo gráfico representado nas técnicas empregadas, nas mensagens vinculadas e nos diversos
elementos da sintaxe visual. De alguma forma, permanecem no tempo e enriquecem as práticas
atuais – por adição, subtração ou pela sobreposição de vários componentes estruturantes do
repertório gráfico de muitos designers.
Heller (2007) preconiza que:
38
Aos interessados em análise mais profunda sobre o assunto, recomenda-se a leitura de alguns teóricos que se
dedicaram à análise da história dos impressos nacionais, dentre os quais merece registro Scalzo (2008, p. 27), que
transita pela história e pela evolução das publicações brasileiras, trazendo a lume as revistas pioneiras, como as de
1812, em Salvador (Bahia), cujo título era “Variedades ou Ensaios de Literatura”. Segundo a autora, a segunda
publicação data de 1812 e surge no Rio de Janeiro sob o título “Patriota”. O foco de sua abordagem são a temática
do jornalismo e as características do bom jornalista de revista, mas as questões éticas e os aspectos econômicos do
mercado de revistas são também cuidadosamente tratados.
107
Melo (2006) foi outra referência básica para as pesquisas levadas a cabo, uma vez
que ele delimitou seus estudos especificamente na década de 60. Revisitou a trajetória da capa do
livro brasileiro partindo da tradição pictórica dos anos 30 e 40, quando as capas eram, na maioria
das vezes, projetadas e realizadas por artistas plásticos conhecidos, como Di Cavalcanti, por
exemplo.
Em sua pesquisa, destaca o design da década de 60 e sustenta, em entrevista ao
jornal on line “Diário do Nordeste”, datado de 24 de setembro de 2006, que: “os anos 60 foram o
marco inaugural da cena contemporânea. A cena que vivemos hoje é, fundamentalmente, um
reflexo do que aconteceu naquela década”.
Niemeyer (2000; 2002) também se destaca, porquanto, na qualidade de
pesquisadora, professora e designer, descreveu detalhadamente o processo de institucionalização
do design brasileiro, desde as primícias de criação de cursos, como o IAC (Instituto de Arte
Contemporânea em São Paulo, em 1951), a ESDI (Escola de Desenho Industrial, em 1962). Faz
críticas ao modelo de ensino de design adotado no país, trazendo, ainda, uma visão histórica da
institucionalização do design na Europa (Art Noveau, Arts and Crafts etc.), dos modelos de
ensino alemães (Bauhaus, Ulm). Torna-se, em suma, uma leitura obrigatória para os interessados
em aprofundar seus conhecimentos acerca do design.
Esse extenso material teórico serviu como fonte de busca e possibilitou a
constitução de uma reflexão, que se julga aqui ter satisfeito a pretenção primeira: encontrar
novas articulações e fundamentações teóricas que sustentassem o embasamento acerca do
processo comunicativo dos veículos gráficos.
Os destaques propostos a seguir englobam o design gráfico como comunicação
popular, como mídia que informa, como ferramenta de marketing e, principalmente, como marco
sinalizador de determinados panoramas culturais.
A meta é fornecer uma base viável à ampla compreesão do design gráfico
brasileiro, no compartilhamento do legado de alguns projetos que marcaram a história.
Afigura-se interessante que os primeiros suplementos literários no país tenham
sido espaço da crítica de intelectuais que demarcavam os modelos de representação jornalística.
Nos exemplos subsequentes, buscou-se mapear essas posições de variadas
revistas, tomando-as como formação cultural em si mesmas, para, depois, considerarem-se os
cartazes como importante instrumento da Publicidade e da Propaganda. Por derradeiro, mas não
108
menos importante, destacaram-se as capas de discos, as quais deixaram de ser apenas embalagem
que servia de proteção aos discos para assumirem um tratamento gráfico especial, que
identificava a gravadora.
Posteriormente, o disco tornou-se um objeto com valor estético para além de seu
caráter funcional.
Muito das configurações sociais e culturais de determinadas épocas pode ser
depreendido a partir das revistas, dos cartazes e das capas de discos, sendo tais exemplos,
portanto, lugar de circulação e sedimentação dos costumes, dos hábitos e da sobrevivência do
design gráfico, que se revela no limbo entre mudança, efemeridade e permanência ao longo do
tempo.
a exploração imaginativa pelo contágio provocado pela natureza desses meios, os quais revelam
diversas manifestações sígnicas em processos de semiose.
Donis (2000) afirma que o resultado de toda experiência visual caminha na
interação entre
Figura 16 – Primeira edição da Revista Careta com a ilustração de J. Carlos. Fonte: sítio eletrônico de
James Emanuel.
“[...] J. Carlos recusou o convite de Walt Disney para trabalhar com ele em
Hollywood. Disney veio ao Brasil em 1941 para lançar o seu filme Fantasia” (LUSTOSA, 2006,
p. 161).
Esse episódio interessante, relatado pela autora, faz saber que a Associação
Brasileira de Imprensa homenageou Disney com uma exposição que reunia os desenhos dos
111
Figura 18 – Papagaio de J. Carlos e o papagaio de Disney. Fonte: sítio eletrônico Blogspot (a).
passada, mas, ao tomá-las por empréstimo num outro tempo e contexto, utilizam-nas e digerem-
nas para então, de forma paradoxal, revivificarem o esquecido.
Jaqueline de Biase apresentou uma coleção de maiôs, duas peças e biquínis na
passarela do verão Fashion Rio em 2008. Ao vestir e adornar o sujeito, Biase buscou, por
intermédio de linhas e contrastes das formas, privilegiar a experiência e a prática feminina de
valorizar o corpo ao vestir-se para expor-se ao sol e ser notada.
Para as estampas das peças, retornou aos documentos passados e traduziu em
moda as imagens de J. Carlos, as quais revelavam os costumes de um tempo dado, de forma que
se reconcilia o presente com o passado, que é visitado pela mudança e pela proposta do novo
projeto, que garante a memória e a duração no tempo, das imagens de J. Carlos.
Figura 19 – Desenho para coleção Fashion Rio em 2008 (estilista Jaqueline de Biase). Fonte: sítio
eletrônico Blogspot (b).
Figura 20 – Desfile Fashion Rio em 2008. Moda Praia da Salinas da estilista Jaqueline de Biase. Fonte: sítio
eletrônico da Editora Abril – Elle.
113
Figura 21 – Sambódromo do Rio de Janeiro – Carnaval (criação de Fábio Ricardo, baseada na vida e obra
de J. Carlos) 2009. Fonte: sítio eletrônico Fototeca.
Não pode cair em esquecimento o trabalho que vem sendo desenvolvido pelo
ilustrador Tony de Marco na área de design. Ele iniciou sua vida profissional no jornal “Folha de
114
São Paulo” e, mais tarde, fundou a Bookmakers (editora com a qual lançou a revista
“Macmania”, especializada no universo Apple).
Em 2001, juntamente com o tipógrafo e editor Claudio Rocha, criou a revista
“Tupigrafia”, uma publicação que aborda as diversas formas de manifestação da tipografia
presente na pintura, na fotografia, no cinema, na história e no próprio design gráfico.
Mas o que realmente interessa é o fato de Tony de Marco haver criado a fonte
“Samba”, “inspirada nas letras Art Deco do ilustrador J. Carlos”.
Figura 22 – Revista “Para todos”. Tipografia e ilustração de J. Carlos. Fonte: sítio eletrônico de J. Carlos.
“Tony criou a fonte para uma matéria sobre J. Carlos que seria publicada na
revista Tupigrafia”. O designer explica o nome da fonte criada e a mudança do nome por conta
de sua participação em um concurso internacional de fontes tipográficas:
O designer destaca que esse trabalho marcou sua carreira, pois, em 2003, foi
reconhecido e premiado no Linotype International Type Design Contest com a fonte Samba.
Figura 23 – Fonte Samba, de Tony de Marco, homenagem a J. Carlos. Fonte: sítio eletrônico de Tony de
Marco.
Esta arte me influenciou muito. Foi uma coisa de pesquisa, de sair na rua
fotografando tudo o que era Art Deco. Além disso, é prazeroso ver que o
espírito do J. Carlos, que era uma pessoa muito ligada ao carnaval e ao samba, é
inspiração para CD de um artista também ligado ao samba, como Zeca
Pagodinho e para produto publicitário da Rede Globo para o Carnaval de
Recife39.
Esses três exemplos citados, que fizeram uso da força dos traços de J. Carlos,
remetem de novo ao pensamento de Braudel, que não escreveu sobre design gráfico
necessariamente, mas o fato de ter ele incluído edifícios, mobiliário, interiores, vestimenta,
comida, tecnologia, dinheiro e urbanismo no seu estudo do capitalismo continua a servir de
exemplo sobre como a cultura material pode ser assaz incorporada na compreensão dos trabalhos
dos designers, dentro de um contexto socioeconômico.
39
O leitor pode ter acesso aos depoimentos de Tony de Marco acerca de sua carreira e das premiações que recebeu
no site pessoal do designer, que também serviu de consulta a esta pesquisa: I)
http://www.professionalpublish.com.br/; II) http://tipograficamente.blogspot.com/2006/01/deu-samba_12.html.
Acesso em 16/02/2010.
116
Isso quer dizer que o processo de criação pode ser entendido numa complexa teia
de relações, que determinam a textura do todo. Desse modo, não se impõe a criação de um
modelo rígido, mas se supõe um diálogo com o variante e o instável, com as alterações de
trajetórias inesperadas e com as bifurcações imprevistas que surgirem ao longo do caminho.
Em outras palavras, Salles (2006) desenvolve o conceito de criação como rede em
processo e sustenta que o ato criativo vincula-se à noção do pensamento, que experimenta
associações e interações em diálogo com as subjetividades tramadas em redes particulares da
percepção de quem produz.
Isso significa que o ato criativo vivencia um modo individual de busca dentre uma
infinidade de signos e objetos para, por fim, reuni-los como fonte na criação. “Ao adotarmos o
paradigma da rede estamos pensando o ambiente das interações, dos laços, da interconectividade,
dos nexos e das relações, que se opõem claramente àquele apoiado em segmentações e
disjunções” (SALLES, 2006, p. 24).
Essas temáticas são persistentemente suportadas por se ancorarem na perspectiva
do tempo, o qual revela as mudanças, mas também a permanência social. Esta, a seu turno,
manifesta a resistência dos hábitos, dos valores e dos movimentos repetitivos que ultrapassam o
individual e o evento, sem, necessariamente, negá-los, pois os insere no bojo de um realidade
mais complexa.
É com esse olhar que se visualiza o tempo longo, que permite a percepção e a
identificação das continuidades e das descontinuidades do design gráfico. Revela a criação como
processo de um resultado não linear, não determinista, e que continuamente movimenta a
história.
118
Por essa razão, a criação humana tem a ver com a complexidade e “[...] todo
mundo percebe que a complexidade está ligada a multiplicidades de comportamento, a sistemas
cujo futuro não se pode prever, como se pode prever o futuro de uma pedra que cai”
(PRIGOGINE, 2003, p. 50).
O processo de criação não está limitado a situações simplificadas, mas leva em
conta o incerto, estando aberto a possibilidades, uma das quais é, exatamente, a de reabsorver os
eventos, visando a uma tradução com novas bases, fundada em uma liberdade própria do ser
humano.
Com Prigogine (2003, p. 50), essa urdidura torna-se ainda mais perspicaz, pois ele
oferece o conceito de um futuro que se constrói graças ao jogo de possibilidades criativas. No
seu entender, essa forma de perceber compreende um tempo irreversível que se torna propício à
amplificação das inovações. Diz ele: “[...] podemos falar de um futuro que se faz, de um futuro
em construção [...]”.
O indeterminado e a irreversibilidade (é impossível voltar ao estado anterior, pois
existe uma flecha do tempo) são teorias que, para Prigogine, desempenham um papel
fundamental na Física, mas também as escolhas, as possibilidades e a incerteza são, ao mesmo
tempo, uma propriedade do universo e da existência humana.
No que concerne ao design gráfico, portanto, compreender o tempo físico
irreversível de Prigogine é compreender a criação e todo seu processo como uma nova
inconstante estética que abarca a ordem/desordem, o equilíbrio/não equilíbrio e o
determinismo/indetermismo. Vinculado à experiência da troca de matéria, energia e informação
com o ambiente, implica acatar a complexidade do mundo e admitir uma realidade em constante
transformação, que se dá em uma relação dinâmica de interdependência entre a história, o social
e o biológico, conjuntamente com os aspectos culturais.
Significa sobrepujar a concepção de tempo clássico e aceitar os tempos
individuais, coletivos, objetivos e subjetivos, que se apresentam para a finitude do homem como
infinitos tempos. Para Prigogine, há uma multiplicidade de formas e de estruturas que escapam
ao determinismo, que são baseadas em probabilidades e que constituem como resultado o
irreversível (a seta do tempo).
É importante associar a complexidade do processo criativo às questões do tempo-
espaço (vinculados a cultura e à história). O processo de criação deve ser percebido pela
119
singularidade que a experiência criadora propicia, e esta não deve ser compreendida como algo
estático, homogêneo e atemporal. Ao contrário, deve ser pensada como portadora de tempo-
espaço e de movimento, visto que, sendo sistema aberto (aquele que troca matéria e energia com
o mundo exterior), varia em torno de fluxos dinâmicos (que se transformam continuamente) e
configura, em certa medida, a transmissão, a circulação e a recepção das ideias.
A atenção aqui dispensada gira em torno dos movimentos criativos dos designers
do passado/presente, que, associados às experiências culturais, abrem perspectivas que
assinalam, marcam e amplificam as inovações em uma nova tradução, a qual, a propósito, aceita
a condição da instabilidade, da indeterminação e dos desvios de normas que, ao serem
“transgredidas”, permitem a explosão de novos processos criativos.
A partir dessas ideias, cabe então pensar que o processo criativo move-se sempre
fora de uma certeza absoluta. Em Braudel e em Prigogine, os conceitos de incerto e de
indeterminado são vistos como sinônimos que marcam o tempo em que a mudança é
desencadeada como estratégia na dimensão do cotidiano.
Por isso, parece viável continuar a recorrer aos discursos ambíguos e inexatos da
história, pois neles se verifica a apropriação de um sistema de signos, que possibilita buscar os
aspectos do design gráfico brasileiro, revelado no crivo do tempo. E, ao fazê-lo, pode-se
encontrar, antes de tudo, continuidades e raízes de “longa duração” e, nesses caminhos trilhados
com tantas vozes, pode-se apreender a globalidade de seus contextos.
Então, voltar o olhar para a historicidade é um dos meios possíveis de acessar-se a
complexidade, visto que as narrativas dos acontecimentos não estão circunscritas aos objetos, às
datações e aos eventos, pois as permutas, as transferências e as apropriações que se entrelaçam,
se embrenham e fazem erigir o design gráfico no tempo estão circunscritas em um passado
efetivo de experiências individuais e coletivas, nas quais se constata um processo de criação
lento, que toma amplitude e aparência nítida a partir de mutações visíveis, gestadas em diferentes
projetos ao longo do tempo.
tiveram um papel importante na cultura visual, não só pelas características básicas (portabilidade,
condições táteis e combinação entre textos e imagens), mas também pela articulação entre os
elementos que definem um projeto (tamanho, estrutura básica de referência, tipografias etc.), que
permitem maior impacto visual.
Sem desviar-se do intuito de investigar a história do design e seu processo
cultural, destacar-se-ão, doravante, os projetos que envolveram não só as revistas, senão também
os cartazes e as capas de discos.
Ter-se-á sempre como coadjuvante o tempo da história e da cultura, que serve
para ilustrar as especificidades do design gráfico e sua linguagem no contexto brasileiro.
As informações, os artigos e os mais variados assuntos cabem nas páginas de uma
revista e, no contexto brasileiro, é incontável o número de revistas que já existiram, somadas às
que existem. Dá-se aqui mais atenção a algumas revistas do passado que estão sendo objeto de
análise por parte de alguns estudiosos, os quais têm concluindo que no Brasil, “[...] o número de
produções do gênero humorístico, político, ou econômico era relativamente grande”.
Borges (2008) destaca algumas dos idos de 1900:
outros dois historiadores, Andrade e Cardoso (2001, p. 111), captou a importância da aludida
revista.
Figura 25 – Revista “O Cruzeiro”, de 1928. Fonte: Figura 26 – Revista “Manchete”, de 1952. Fonte:
sítio eletrônico Almanaque Abril. sítio eletrônico de Fernando Machado.
arte, à política, aos esportes, a par de apresentarem suas notícias impregnadas de sentidos que
podiam ser vistos para além de seus suportes textuais, uma vez que, na enunciação dos editoriais
e das fotoreportagens, comunicavam suas ideologias.
A capa de cada revista sinalizava a singularidade do exemplar e evidenciava suas
edições como pertencentes a uma série. Isso permitia ao leitor, a um só tempo, a percepção do
nome da revista, que se destaca em meio ao conjunto, e a visualização dos acontecimentos.
O discurso dessas mídias impressas semanais estava associado ao projeto
industrial do país, que aparecia estampado nas páginas das revistas
Figura 27 – Revista “Manchete”, 5 março de 1960. Fonte: sítio eletrônico Anais Eletrônicos do VIII Encontro
Internacional da ANPHLAC.
124
[...] nos anos 50, os industriais brasileiros sequer sabiam direito o que era
design. Nessa época, um segmento da elite ilustrada paulista vislumbrou a
necessidade de formar profissionais com qualificação adequada para suprir a
demanda de projetos de produtos e de comunicação visual que advieram da
atividade econômica crescente e da indústria nacional nascente. (NIEMEYER,
2000, p. 63).
125
Figura 28 – Cartaz de Antonio Maluf, para a 1ª Bienal de São Paulo. Ano de 1951.
Fonte: sítio eletrônico da Revista Museu.
Figura 29 – Cartaz para a 2ª Bienal (Antonio Bandeira). Cartaz para a III e IV Bienal (Alexandre
Wollner). Fonte: sítio eletrônico Cores Primárias.
estético, fato que aponta para a permanência dessas peças gráficas no tempo como um bem
cultural, um registro do design e do contexto histórico em que foi criado.
O que se têm até aqui são discursos que evocam o design gráfico como tendência
criativa que pode dirigir-se a várias direções projetuais.
Pinçaram-se algumas peças gráficas que apontam a riqueza da dinâmica flutuante,
a qual evidencia a criação como processo ativo e os saltos da História no tempo, que revelaram a
expansão e as possibilidades de criações novas.
Nesse percurso, pareceu viável caminhar na perspectiva de um repensar o design
gráfico à luz de um pensamento sistêmico40, que valoriza o “contexto” e possibilita a leitura do
sistema na ótica do todo, das interações e das relações entre as partes (a natureza do todo é
sempre diferente da mera soma de suas partes).
“Isso quer dizer que não podemos compreender alguma coisa de autônomo, senão
compreendendo aquilo de que ela é dependente” (MORIN, 1999, p. 25). Embora existam
fenômenos que não logram ser explicados, como, por exemplo, o processo de criação humana, o
universo e toda a relação sistêmica da vida e da morte, que é ilustrada nesta “ordem dentro da
desordem”, é possível, ao menos, empreender uma tentativa de compreensão de determinado
fenômeno num contexto maior.
Nesse sentido, tem-se encaminhado esta reflexão a uma leitura que possibilite
integrar os movimentos da História com as práticas criativas do designer gráfico, a fim de
vislumbrar as possíveis contaminações, rupturas e continuidades que se dão num contexto
temporal amplo.
É em meio a esse cenário, altamente complexo, que, para entender as atividades
criativas dos designers, são direcionadas as discussões e o pensamento (pautado nas décadas de
40
O pensamento sistêmico pode ser compreendido no aporte teórico de CAPRA (2006), especificamente quando
esclarece que foi na ciência do século XX que houve a percepção de que os sistemas não podiam ser entendidos pela
análise. Sobre isso considera o autor: “As propriedades das partes não são propriedades intrínsecas, mas só podem
ser entendidas dentro do contexto do todo mais amplo. Desse modo, a relação entre partes pode ser entendida apenas
a partir da organização do todo. Em consequência disso, o pensamento sistêmico concentra-se não em blocos de
construção básicos, mas em princípios de organização básicos. O pensamento sistêmico é “contextual”, é o oposto
do pensamento analítico. A análise significa isolar alguma coisa a fim de entendê-la; o pensamento sistêmico
significa colocá-la no contexto de um todo mais amplo”. (CAPRA, 2006, p. 41).
130
50, 60 e 70, palco em que a música popular brasileira destaca-se no processo cultural do país e,
consequentemente, as capas de discos tornam-se a nova vertente de projeto gráfico).
Na década de 50, a elaboração das capas de discos era objeto de trabalho
interdisciplinar, conduzido por profissionais diversos: artistas plásticos, ilustradores, arquitetos,
músicos, designer e outros tantos.
Havia “uma contaminação de áreas”, afirma Rodrigues (2007, p. 97). “[...] É
dentro do contexto político-econômico dos anos 50 que o design começa a ser visto como mais
um fator de modernização e superação do subdesenvolvimento” (LESSA, 1995).
Destaquem-se os músicos da Bossa Nova Elizeth Cardoso, Tom Jobim e João
Gilberto, que se tornam conhecidos no Brasil e no exterior.
Figura 31 – Capa de disco de Nara Leão por César Villela, de 1963. Fonte: Melo (2006, p. 40).
Brasil, com direção de arte de Carlos Scliar e Glauco Rodrigues. “[...] a revista Senhor veio no
bojo do projeto modernista que acontecia no país [...]” (NIEMAYER, 2002, p. 189).
Ela oferecia um elevado nível, compatível com o programa da Editora Delta,
pertencente aos irmãos Simão e Sérgio Waissman, Abrahão Koogan e Pedro Lorsch, os quais
publicavam e vendiam coleções a crédito.
O jornalista gaúcho Nahum Sirotsky, outrora editor das revistas “Visão” e
“Manchete”,
Muitas transformações econômicas fazem-se sentir na população, que vem mudado seus
hábitos e costumes, bem como os modos de consumo, comportamento, alimentação e vestimenta.
41
A expressão utilizada como novo jornalismo foi a mais adequada para a forma de fazer jornalismo na década de
60. Não se tornou manifesto, mas a novidade estava no modo de fazer jornalismo “artístico”. Percebia-se a mistura
entre dois gêneros discursivos, “o jornalístico e o literário, o que potencializa a narrativa jornalística” do ponto de
vista de Santos (2007, p. 115). Cf. SANTOS, Marielle Sandalovski. A arte narrativa na rede de redes: quando o
jornalismo digital se aproxima do novo jornalismo. Curitiba: Universidade Tuiuti do Paraná, 2007.
133
Figura 34 – Cartaz de Rogério Duarte para o cinema marginal psicodélico de André Luiz Oliveira. Filme:
"Meteorango Kid, Herói Intergaláctico" (1969). Fonte: Melo (2006, p. 56).
filmes imbuídos de forte temática social, a exemplo de “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, de
196442.
Nesse período, os cartazes para as empresas cinematográficas possuíam grandes
dimensões, e os ilustradores – Ziraldo e Jaguar –, por exemplo, destacam-se como os
responsáveis pela visualidade que atraía o público para o cinema43.
Figura 35 – Cartaz de Ziraldo para o filme Figura 36 – Cartaz de Jaguar para o filme de
de Ruy Guerra “Os Fuzis” (1964). Fonte: Domingos de Oliveira “Todas as mulheres do
Fonte: Melo (2006, p. 52). mundo” (1966). Fonte: Melo (2006, p. 54).
Não obstante o ano de 1964 ter sido um ano no qual o Brasil experimentou o rigor
do golpe militar (a ditadura durou até 1985, quando, indiretamente, foi eleito o primeiro
presidente civil, Tancredo Neves), a televisão espandia-se em nível nacional.
Em 1965, foi inaugurada a TV Globo (canal 4 do Rio de Janeiro), e o designer
Aloísio Magalhães foi o criador da primeira marca, que era um desenho em formato de um “cata-
vento”, composto por quatro números 4 (remetendo ao canal 4 da TV).
42
Figura 7, p. 66.
43
O mineiro Ziraldo Alves Pinto (1932) começou sua carreira profissional nos anos 50 em jornais e revistas de
expressão, como “Jornal do Brasil”, “O Cruzeiro”, “Folha de Minas” etc. Ele se denomina pintor, cartazista,
jornalista, teatrólogo, chargista, caricaturista e escritor. Seus principais cartazes foram reunidos em livro pelo design
carioca Ricardo Leite. Aos interessados fica a seguinte recomendação bibliográfica: LEITE, Ricardo. Ziraldo em
cartaz. Rio de Janeiro: Senac Rio, 2009.
137
Figura 37 – Desenho de Aluisio de Figura 38 – Desenhos do Globo com hemisférios feitos por Mauro
Magalhães (1965). Fonte: sítio Borja Lopes, em 1966, e nova versão, em 1973. Fonte: sítio
eletrônico Amanda designer. eletrônico Amanda designer.
Era então nas telas da TV e do cinema que se repercutia a ideia: “O Brasil era
moderno, Brasília era o máximo, a música era moderna. [...] podemos arriscar dizer que, a
Tropicália, poucos anos mais tarde, indicaria novos rumos em direção ao pós-moderno”
(RODRIGUES, 2007, p. 24).
É importante lembrar que o artista plástico Helio Oiticica idealiza e cria, no
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em 1967, um ambiente chamado “Tropicália”.
Tratava-se de uma instalação que possibilitava a participação do público, que
podia caminhar por um labirinto e experimentar sensações variadas com elementos acústicos,
táteis, olfativos e visuais. Tudo era cercado de cenas tropicais (fauna e flora) e, no final dessa
ambientação, encontrava-se uma TV ligada.
Oiticica contagiou o cenário brasileiro ao propor uma linguagem contaminada
pela imagética pop e op internacionais, mas que, acima de tudo, pudesse ser uma posição crítica
diante de problemas advindos do contexto político. Afinal, os anos da ditadura foram difíceis e,
nesse contexto, destacou-se o meio estudantil brasileiro como um movimento que também
contestava o sistema.
Em confronto com os militares, o estudante Edson Luis foi morto e todo esses
eventos fizeram eclodir a música de protesto que tomou de empéstimo o nome criado por
Oiticica, ficando conhecida como Tropicália.
138
44
Capas de Rogério Duarte.
139
Figura 42 – Caetano Veloso: Araçá Azul (1972). Figura 43 – Gal Costa: -FA-TAL- (1971). Fonte: sítio
Fonte: sítio eletrônico da Discografia. eletrônico da Discografia45.
45
Projeto gráfico de Luciano Figueiredo e Oscar Ramos.
140
O autor destaca que o movimento Tropicália durou até dezembro de 1968, quando
Caetano e Gil foram presos.
Figura 44 – Expresso 2222, de Gilberto Gil (1972). Figura 45 – Transa, de Caetano Veloso (1972).
Fonte: sítio eletrônico da Discografia. Fonte: sítio eletrônico da Discografia46.
46
Criação do discobjeto – Álvaro Guimarães; Projeto gráfico – Aldo Luiz. Tais artistas marcam o retorno de Gil e
Caetano do exílio em Londres.
141
No guardanapo, o primeiro rabisco que fiz foi uma esfera, com uma tela de
televisão, e uma menor dentro. E visualizei aquele globo solto, flutuando no ar
[...] Precisaria esperar dez anos para um gênio matemático conseguir produzir
em computação gráfica aquele símbolo, como o vi, a bordo do avião. Até lá,
teria que simular a liberdade da esfera no espaço, e seu volume, com efeitos
especiais. (DONNER, 1996, p. 17).
Figura 46 – Raff de Hans Donner. Guardanapo em que o artista rafeou uma proposta para a Rede Globo,
em meio a uma viagem à Áustria, e o conhecido logo, finalizado posteriormente. Fonte: Donner (1996, p. 17).
Na área musical, vários músicos começam a fazer sucesso nos quatro cantos do
país. Vindas da Bahia, destacam-se Gal Costa e Maria Bethânia. De Alagoas surge Djavan; do
Pará, destaca-se Fafá de Belém; de Minas aparece Clara Nunes; do Ceará, destacam-se Belchior
e Fagner. Alceu Valença, de Pernambuco, e Elba Ramalho, da Paraíba, também fazem sucesso
nas grandes cidades.
É nessa efervescência cultural que o percurso do design gráfico continuou tendo
sua inserção na música.
142
Esses anos passados tornaram-se sombras e retaguardas dos anos que estavam por
vir, foram signos que aqueceram as imagens do mercado cultural voltado ao marketing em
diferentes linguagens.
Outros estilos musicais surgem com suas perspectivas próprias, e desponta o rock
brasileiro, com Raul Seixas e Rita Lee, além de várias bandas, como Paralamas do Sucesso,
Legião Urbana, Titãs, Kid Abelha e Barão Vermelho, exemplificativamente.
Também alcançam sucesso Cazuza, Lulu Santos, Marina Lima, Lobão, Cássia
Eller e Zeca Pagodinho. O funk projeta Tim Maia e Jorge Ben Jor, e aparecem também as
músicas sertanejas, que fariam sucesso nas décadas posteriores (80 e 90).
Nesses variados textos da cultura, em que se tecem as relações sígnicas o tempo
todo, a cultura organiza-se em processos e, nos seus resíduos (peculiaridades da cultura e da
sociedade), tenta-se compreender as particularidades do design gráfico no tempo.
Optou-se aqui por revisitar esse percurso pelo viés da história, sondando-se a
produção estética cultural do país presente nas diferentes representações que foram
impulsionadas por uma ideologia realista, engajada e alternativa, suscitadas pelos conceitos de
consciência social e alienação.
Toda essa realidade multiforme da sociedade brasileira reafirma, no imaginário
coletivo, uma maneira de compreender uma nova forma de sociabilidade, que não se aderia mais
aos paradigmas antes cristalizados. Nesse tempo social, no qual as ações humanas inserem-se
impondo ritmos que regulam as linguagens, os trabalhos e a própria vida, é que intervém o
design gráfico, como outras tantas mídias que estiveram inseridas no contexto da complexidade
cultural.
Figura 47 – Evolução da marca “Rede Globo de Televisão”. Fonte: sítio eletrônico de Amanda Designer.
145
[...] se vale de recortes, papel rasgado, folhas secas coladas, escaneadas. Ela
nunca cria direto no computador [...] Essa atitude diante do papel – de rasgar,
recortar e colar – é mais quente, mais criativa do que o uso dos recursos do
computador. Com ele é fácil que outra pessoa faça igual. Então não há nada de
seu ali, você apenas tem um cardápio no qual escolhe o prato e manda ver. Eu
tenho de ir para a cozinha e preparar uma receita só minha. (COLETÂNEA DE
PORTFÓLIOS, 2000, P. 68).
[...] Nós não medimos como os suíços; nós entregamos a aferição de nosso rigor
muito mais a nossos sentimentos do que a nossas réguas. Temos uma visão de
conjunto, sim, mas chega uma certa hora, em que você dribla tudo, como Mané
Garrincha, e chega lá [...] Meu portfólio é um objeto pessoal, armado em
lâminas, que pode ser montado de várias formas, espalhado numa mesa, visto
em sequência [...] Ele exprime muito do que sou; minha capacidade de conceber
o conjunto, de ter o projeto in head (na cabeça) e só depois desenhar [...]
Atualmente, afiro minha criação no computador; aliás, esse é o maior mérito do
computador: ser um grande instrumento de aferição do que foi realizado [...]
depois de muita experiência, você armazena na cabeça todo o visual que
pretende, você sabe chegar ao computador, colocar as coisas já resolvidas.
Percebo, no entanto, que antes, com a fotocomposição, a liberdade era maior;
hoje a gente começa a ver sempre as mesmas coisas. Apesar da oferta enorme, a
prática é mais redutiva, o próprio computador é muito redutivo – a internet faz
das pessoas umas solitárias e criam-se cacoetes, você fica com redução
mecânica; começa a faltar exuberância. Vejo essa atitude em mais pessoas, vejo
sempre os mesmos tipos utilizados. Até eu mesma começo sofrer disso e devo
me cuidar [...] Antes eu pensava no significado do assunto e escolhia o alfabeto
de acordo. (CHAMI, 2009, p. 56-59).
É inegável que o computador, uma vez incorporado à rotina dos designers, altera
o modo de produção e o tempo empreendido nos projetos, especialmente nos anos subsequentes.
Não obstante ser o computador um instrumento ainda caro, tornava-se cada vez
mais objeto de desejo, principalmente pela internet, que propiciava uma nova forma de
comunicação e entretenimento.
O impacto da evolução tecnológica foi sentido também pela indústria fonológica,
pois os compositores, gravadoras, produtores musicais e executivos ficaram prejudicados com a
expansão e a duplicação dos originais.
Novos formatos para compactação de áudio surgiram na mídia digital e esse fato
fez muitos artistas repensarem o modo de produzirem e reproduzirem suas músicas para a web.
147
impostas pelo ritmo digital é exacerbado pela imposição das tecnologias da informação ou, para
usar uma terminologia cunhada por Lévy (1994), tecnologias da comunicação ou, mais
amplamente, tecnologias da inteligência.
São inúmeras as consequências comunicativas que propõem novas medidas de
duração nessa “aldeia global” (McLUHAN, 1972, p. 58):
Agora, o espaço é global e o tempo, real, ou seja, sem a medida cronométrica
que o submetia à precisão de calendários ou relógios: o espaço de lá está aqui e
o tempo de ontem é hoje, presente. Convergem o ontem e o hoje, o passado e o
futuro, o tempo e o espaço. As técnicas das telecomunicações, via satélite, laser
ou fibra ótica suprimiram a distância como diferença, banalizaram
definitivamente o deslocamento e engoliram a velocidade: a aceleração é a nova
medida da velocidade. (FERRARA, 2008, p. 117).
Nesse fluxo inestancável dos movimentos da história, que foram balizados pelas
permanências, pelas contaminações e pelas rupturas, provenientes da diversidade dinâmica dos
traços subjetivos do barroco mestiço da cultura nacional, o tempo e o espaço alteram-se
rapidamente e, sob a égide da complexidade, vive-se “tudo ao mesmo tempo agora”, como já
anteviam McLuhan e Staines (2009, p. 129).
150
O ser humano tem, diante de si, uma imensa expectativa quanto ao futuro, pois o
vislumbra numa perspectiva indefinida.
Com o avanço da tecnologia e com o suporte econômico que impulsiona as
mudanças, vive-se um momento histórico, sob o rótulo da “era da informação”, suscitado pela
evolução das mídias digitais.
Vive-se, em apertada síntese, o ritmo acelerado que a tecnologia propõe,
especialmente a computacional, com seus variados serviços de internet, os quais se
transformaram de um simples canal de texto em circuitos de última geração, em uma
distribuidora de serviços digitalizados, que vão dos impressos às diferentes formas de recursos
multimídia.
As informações circulam e são distribuídas em toda parte e ao mesmo tempo de
maneira difusa, tornando-se, também, rapidamente obsoletas. A velocidade dos avanços
tecnológicos, juntamente com as necessidades de um mercado cada vez mais exigente,
preconiza, por um lado, um alto nível de especialização técnica por parte do designer, que deve
estar preparado para dar conta da competição mercadológica, mas, por outro, amplia sua ação
profissional, pois, junto a especialistas em marketing, ele atua diversificando seu campo e
mercado.
Nesse contexto, o trabalho do designer pode desenvolver-se com outras
competências, em cooperação com outros profissionais, dentro de empresas de distintos portes.
O processo de criação de um determinado projeto pode ser gerenciado num conjunto de ações ou
em coautoria, a fim de que haja uma otimização das etapas. Essa rede de agenciamentos amplia,
então, a prática do designer.
“Poucas profissões sofreram um impacto tão benéfico da informática quanto à do
design gráfico, como também poucas receberam, em consequência, um aumento tão grande na
sua carga de responsabilidades” (BATAGLESI, 2004, p. 157).
Nesse sentido, a função de transmitir uma informação determinada, de fornecer
ideias e soluções através de diferentes suportes que solucionem o problema do cliente, pode, com
a velocidade e variedade desse meio, ser concebida e elaborada diretamente no computador.
151
Essa conjuntura faz com que o projeto técnico (ou de criação) possa ser ou não
arquivado (ou mesmo perdido), haja vista que o tempo passa a ser referência de reprodutibilidade
e de utilidade.
A constatação dessa realidade marca também a ideia de imposição temporal ao
ritmo do trabalho do designer e reflete a noção da cultura do consumo como um imperativo
mercadológico que sustenta a realidade profissional da área. E a área percebe-se existindo num
cenário marcado por uma crescente competição produtiva e voltado ao critério do lucro.
Então, de um modo um tanto irônico, pode-se gritar: “[...] Informação ou morte!”
(MARTÍN-BARBERO, 2002, p. 253). Este autor consigna que: “[...] este é o lema de um capital
em crise, precisando com urgência vital expandir o consumo da informática”. Ou, num olhar
retrospectivo mais otimista:
Ontem, conceitos formais da Bauhaus, pena e lápis; hoje, com a visão voltada
para o objetivo primordial de comunicar, ligar o PC ou o Macintosh, fazer
trabalhar mouses e tabelas digitalizadas e ativar programas. E, sem dúvida, o
melhor resultado será uma boa mistura dessas duas fases. (FUENTES, 2006, p.
61).
Obviamente, não se trata de escolher posições, mas sim de levar em conta que
somente a aquisição instrumental exclusiva, baseada num corpus de conhecimentos informáticos
e procedimentais, com utilização de determinados pacotes de software, não garante a qualidade
de um bom design. Afinal, toda ferramenta pode ser dominada por qualquer indivíduo.
A questão que interessa diz respeito à enorme aceleração do poder dos
computadores e à capacidade das telecomunicações, as quais apresentam efeito sobre a
produtividade do designer e a competitividade industrial na área, além de muitos outros aspectos
da vida social.
Cada vez mais, o designer trabalha de forma acelerada e em função de um
calendário, de um tempo que passa cada vez mais rápido. Daí que a relação com essa dilatação
das temporalidades personaliza, atualiza e transforma o modo como os designers fazem design,
que é o de, tradicionalmente, deitar o foco nas necessidades da clientela, de modo que a
velocidade, que imprime uma temporalidade marcada pela urgência, promovida pelo
desenvolvimento tecnológico, também imprime aos processos de criação temporalidades
instáveis.
152
47
É importante destacar que alguns críticos da Nouvelle Histoire, como Dosse (2003), apesar de explicarem de
forma clara e evolutiva as diferentes posturas e adaptações da Escola dos Annales ao longo do tempo, fazem severa
crítica a ela, que, na sua visão, insistia no caráter mais conservador e juntava "migalhas" da história sem que fossem
feitas relações entre ela e os fatos, além de negligenciar o tema “política”.
153
Ao longo das últimas décadas, um conceito novo tem conhecido êxito cada vez
maior: a noção de instabilidade dinâmica associada ao “caos”. Este último
sugere desordem, imprevisibilidade, mas veremos que não é assim. É possível
[...] incluir o caos nas leis da natureza, mas contanto que generalizemos essa
noção para nela incluirmos as noções de probabilidade e de irreversibilidade.
(PRIGOGINE, 2002, p. 8).
Essa visão surge para anunciar que o ser humano vive de incertezas e de
desordem, e o pensamento funciona por meio de um conglomerado caótico. A experiência de
criação, que está carregada do emaranhado e do complexo, precisa de um tempo – condição
necessária à reflexão.
Apesar de o tempo externo tornar-se, cada vez mais, variável e mutável, o tempo
interno de criação é singular e destaca-se pela brusca descontinuidade. Constitui-se de histórias,
cada uma com suas qualidades e temáticas específicas, mas que, necessariamente, não são
suficientes para garantir asserções criativas.
As condições de resistência e conflito com o próprio tempo, na experiência
criativa dos designers e sob o movimento particular de suas emoções, dispersões e ideias, fazem
com que o processo de criação flua no seu próprio ritmo, não por progressões, mas por entre
pausa, descanso, aceleração, reflexão, instabilidade e interrupções, sempre em busca da
consumação de projeto que se afigure mais satisfatória.
Então, ao cabo destas observações, o leitor poderá chegar a conclusões ou
interpretações diferentes das alcançadas aqui, mas isso à custa de um duro esforço profissional
dos designers Lassala, Kito, Silvia e Julio Cesar, cujo desprendimento fez-se acompanhar de uma
beleza constatada em suas produções.
Edificar-se-á esta abordagem sobre os processos de criação de tais designers
gráficos na expectativa de apontar os traços gerais do pensamento e da experiência deles, os
quais foram surgindo a partir da tentativa de solucionar os problemas apresentados por diferentes
clientes.
155
Quando se deseja conhecer mais acerca dos processos de criação, que envolvem a
atividade humana, depara-se com padrões de comportamento que concebem a estrutura mutante
e imprevisível do pensamento. Um sistema caótico organiza-se e desorganiza-se no tempo e, no
lugar de haver simplicidade e regularidade, reina o pensamento complexo.
Não foi em vão que declarou Morin (2006, p. 14): “A dificuldade do pensamento
complexo é que ele deve enfrentar o emaranhado, o jogo infinito das interretroações, a
solidariedade dos fenômenos entre eles, a bruma, a incerteza e a contradição”.
No exemplo que segue, fica mais clara a visão sistêmica que Prigogine tinha da
vida e da subjetividade48 humana, que experimenta flutuações comportamentais e emocionais de
toda ordem, que ora colidem, ora se ajustam mutuamente, até chegarem a um resultado decisivo:
[...] não há precisão absoluta ideal ou perfeita [...] algo que está para ser
descoberto [...] modificam rumos, surgem imprevistos, alternativas [...]
retomadas, adequações, novas tomadas, novas rejeições [...] critérios que
refletem modos do desenvolvimento do pensamento [...] Diante dessas ações
múltiplas e diversas fica bastante claro que lidamos com um tempo da criação
artística em uma perspectiva não linear [...] Mais uma vez quando se pensa em
determinação, encontra-se a dispersão. Quando nos aproximamos de alguns
pontos de referência, deparamo-nos com novas interações das redes, ou seja,
suas ramificações, divisões e subdivisões. (SALLES, 2006, p. 20-51).
48
O termo subjetividade deve ser entendido no seu duplo sentido – como “[...] caráter de todos os fenômenos
psíquicos, portanto, fenômenos da consciência” e também como “[...] uma representação da relação entre as coisas
e nós, ou seja, uma relação com quem as pensa [...]” (ABBAGNANO, 2007, p. 1089).
158
[...] o tempo externo, coerente com aquele adotado pela ciência clássica em sua
visão macroscópica de mundo e o tempo interno, aquele que governa a evolução
de um sistema, em seus ritmos diversificados, mas coordenados e organizados.
(VIEIRA, 2008a, p. 82).
A ciência sistêmica mostra que os sistemas vivos não podem ser compreendidos
por meio da análise. As propriedades das partes não são propriedades
intrínsecas, mas só podem ser entendidas dentro do contexto do todo maior.
Desse modo, o pensamento sistêmico é pensamento "contextual"; e, uma vez
que explicar coisas considerando o seu contexto significa explicá-las
considerando o seu meio ambiente, também podemos dizer que todo
pensamento sistêmico é pensamento ambientalista. (CAPRA, 2006, p. 46).
A abordagem que se faz, leva em conta a dificuldade com a qual esbarra toda
empreitada que demanda “investigar os rastros” na sua relação com o tempo. “Então, é preciso
dotar o rastro de uma dimensão semiótica, com um valor de signo, e considerar o rastro como um
efeito-signo, signo da ação do sinete sobre a impressão” (RICOEUR, 2007, p. 434).
Desse modo, essa visão abrangente acerca dos processos permite conhecer, ainda
que parcialmente, o pensamento criativo, que existe graças à contribuição valiosa de todos os
paradoxos, visto que “[...] existe uma vigorosa força de agregação que mantém a coesão no
desagregamento” (VESCHI, 1993, p. 23).
compreensão dos processos de criação dos designers gráficos) dispensa modelos e padrões
definidos; antes se torna um convite à estranheza, que se assume no paradigma do complexo.
Propõe-se, então, um saber que duvida, que não se constrói na certeza absoluta,
mas que se faz ciente de que tais desenhos semióticos estarão sujeitos a se tornarem marginais e
desprezados, uma vez que se manifesta a força do caos, que atrapalha e incomoda toda
concepção do pensamento ordenado, como marca inevitável do pensar.
Não se encerrarão, portanto, a tentativa veemente de tentar compreender a
exteriorização da subjetividade e a preocupação aqui demonstrada com os processos de criação,
sempre condenados à complexidade.
Apesar de a pesada carga semântica que o conceito de “complexidade” suporta, já
que o termo carrega no seu rótulo a tensão permanente da ambiguidade e da contradição, além de
confusão, incerteza e desordem, o argumento delineado evidencia que, à luz da Teoria Geral dos
Sistemas (TGS) e dos conceitos como auto-organização, é possível compreender o pensamento
criativo e toda sua imprevisível liberdade, juntamente com a mistura conceitual entre os
discursos de instável, múltiplo e variante.
Não se trata de buscar os fundamentos da liberdade do pensamento, mas de
assumir que, no momento de gestação das ideias, se experimentam as intuições obscuras e, por
vezes, confusas e até contraditórias.
O informe mescla-se com sentimentos e emoções, com a percepção do sujeito,
com contingências e acaso. E, nessa distância do equilíbrio, percebem-se mais as opções que
existem e a liberdade de ação que determina o caminho da escolha.
No momento em que se superam as contradições mais gritantes, mediante uma
escolha, busca-se uma técnica especifica que materialize, em forma de projeto, a ideia criativa
que será comunicada e tornada pública.
As opções e escolhas não são simples, porque há muitas articulações criativas e
possíveis. Para compreender-se melhor esse raciocínio, pode-se recorrer à poética de Derrida
(2004, p. 35), quando este não se sujeita a ser ou agir de forma irredutível, mas assume a
liberdade de ser, agir ou pensar de acordo com o que lhe for conveniente: “[...] não, eu sou isto e
aquilo; e sou antes isto que aquilo, de acordo com as situações e as urgências [...]”.
Essa liberdade, que se manifesta na exteriorização da subjetividade, que abriga
ação ou produção do designer, permite que este atue cedendo de acordo com as pressões
163
externas, comprometendo-se com o trabalho, cessando-o por decisão própria ou, ainda,
concluindo seu projeto, pelo esgotamento do próprio tempo e do prazo que estrangula a liberdade
criativa.
Por isso, a “liberdade criativa” descrita deve ser entendida no seu sentido geral de
coerência. Afinal,
Dentre tantas abordagens significativas apontadas por Salles, lance-se luz na sua
assertiva: “Conhecer os procedimentos criativos envolve [...] a compreensão do modo como os
processos culturais se cruzam e interagem nos processos criativos: como esses índices culturais
passam a pertencer às obras em construção” (SALLES, 2006, p. 50).
Então, como partes constituintes de um sistema maior, notadamente o cultural,
tem-se avançado na tentativa de construir um mosaico reflexivo capaz de ampliar algumas
temáticas vinculadas à pesquisa sobre processos de criação no espaço alargado da cultura e nisso
perceber a produção dos designers, cuja visibilidade manifesta-se nas representações gráficas
diversas.
Fica claro que o produto acabado dos designers interfere, de diferentes modos, no
cotidiano das pessoas, podendo ser entendido como um dos textos da cultura.
Para isso, recorreu-se ao pressuposto de que se pode estabelecer uma relação
recíproca entre os fenômenos complexos do mundo físico e os da escala humana (em especial, os
ligados aos processos de criação).
Todavia, sobre esses fundamentos amplos, interessa ressaltar ainda os aspectos da
cultura brasileira, com vistas a acrescentar a possibilidade de se fazerem certas associações entre
complexidade, cultura e processo.
Essas associações refletem-se, entrelaçam-se e vão além da equivalência de
termos, mas abarcam a ideia de complementaridade, sob a regência de um sentido que conecte o
biológico, o cultural e o social, uma vez que não dá para pensar a cultura de forma desvinculada
da complexidade, dada a sua natureza processual.
Fez-se referência, em capítulos anteriores, ao fato de as diferentes configurações
culturais no Brasil possibilitarem a recepção de outras culturas, herança não só do cruzamento de
raças, mas também das múltiplas interações entre linguagens, que incluem conexões de toda
ordem e mesclam os suportes midiáticos (rádio, jornal, televisão, cinema, internet).
Ademais, os distintos códigos provenientes das práticas sociais (fala, objetos,
paisagens, arquiteturas, vestiários, ritmos, danças etc.) e o cotidiano anônimo das pessoas
igualmente não podem ser negligenciados.
165
A impressão é de que tais noções comportam o fato de que a vida social e toda a
esfera cultural, em circunstâncias gerais, permitem combinações e sincretismos inusitados.
Presume-se que a intensificação de fluxos e toda sorte de mobilidade, dado o
caráter mestiço da cultura, ressaltam “a noção de processos dentro de sua estrutura” (PINHEIRO,
2007, p. 69).
Cultura é processo. Portanto, invoquem-se os conceitos antes tratados, como
inacabamento e outros, que tendem para o aberto, para o movente e fractal. Podem estabelecer
vínculos, dobras, encaixes em contração que fortaleçam os conceitos que dão dimensão de
sentido ao universo.
No território das associações, é fácil observar a convergência e a fusão das
combinações entre complexidade do mundo físico, cultura e processos de criação, visto que os
termos nutrem um convívio que fecunda essas aproximações, dadas as persistências da
incompletude, da descontinuidade e da incerteza, que os alimentam e os acomodam.
Essas premissas indicam que, na estrutura da cultura (como o todo da vida),
prevalecem a excepcional e sublime equivalência dos paradoxos: ordem/desarmonia,
irracional/racional, absurdo/coerente, simetria/assimetria, limites/excessos, assim como toda
força expressiva da mestiçagem.
Essa dinâmica que assume forma irregular e imprevisível e que se caracteriza
como fascínio na estética do Barroco traz à memória o pensamento de Sarduy (1989), que propõe
retomar o conceito do Barroco para dar conta das culturas heterogêneas e mutantes, como a
brasileira.
A definição proposta por Sarduy49 religaria o termo barroco para além das
retóricas e estilismos artísticos, na medida em que, ao propor o “neobarroco” como objeto
cultural, percebe ser possível um barroco generalizado, presente nas atitudes, nos objetos e em
tudo que se oponha ao clássico.
Seria então um modo de tradução para a toda efervescência da América Latina:
49
Haroldo de Campos (1929-2003) faz saber que, em 1955, já havia utilizado, em seus artigos, a expressão “barroco
moderno” ou “neobarroco” e, de igual modo, Lezama Lima e Alejo Carpentier (mestres cubanos), “influentes em
Sarduy, já reivindicavam, em âmbito hispano-americano, o estilo barroco e o barroquismo de impacto
transhistórico” (CAMPOS, 2004).
168
50
O suporte teórico sobre a experiência dos designers deve-se à entrevista pessoal concedida por Sílvia de Medeiros
Cabral em dezembro de 2009 e aos contatos posteriores obtidos em forma de conversas telefônicas e troca de e-
mails.
51
A BIREME estabeleceu-se no Brasil em 1967 em colaboração com o Ministério da Saúde, o da Educação, a
Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo e a Universidade Federal de São Paulo e até hoje presta serviços no
sentido de fortalecer o fluxo de informação em ciências da Saúde. Para isso, promove, dentre outras atividades, a
divulgação da literatura técnico-científica publicada em papel e em formato eletrônico (Biblioteca Virtual em
Saúde). Tais meios possibilitam o atendimento às necessidades de publicação, preservação, acesso e uso de
informação dos governos, dos sistemas de saúde, das instituições de ensino e investigação, dos profissionais da
saúde e do público em geral.
172
dos acontecimentos, das ações comemoradas, das mudanças da empresa ao longo do tempo e da
pressão do tempo acelerado e imediato, realizaram um painel reinvestido de uma perspectiva
aberta ao futuro, fonte de reapropriação coletiva.
Dito de outro modo, o resultado do trabalho foi um painel programado para ser
alterado, ou seja, novos signos, símbolos e textos podem ser acrescentados aos já existentes à
medida que outras histórias forem sendo escritas e somadas. Silvia Cabral explica:
A ideia inicial era ter uma linha do tempo como base para o mural e, a partir
dessa linha, registrar os fatos importantes da história da BIREME usando textos,
fotos, ícones e referências gráficas. Foram usadas referências a documentos de
criação da BIREME, comissões de avaliação da BIREME, produtos e serviços
da BIREME, centenário da Organização Pan-Americana da Saúde, cooperação
técnica, virtualização da informação (CABRAL, 2009).
Figura 48 – Uma das fatias verticais projetadas pelos designers Silvia Cabral e Julio Cesar Takayama.
Fonte: Acervo pessoal da designer Silvia Cabral.
Figura 49 – Parte do painel, contendo, no primeiro plano, a linha do tempo, que revela os diretores da
instituição e, no fundo, observa-se a evolução dos materias graficos, do livro ao digital, além de texturas com essa
temática. Fonte: Acervo pessoal da designer Silvia Cabral.
O ato de projetar não foi imediato, deu-se num processo longamente duradouro
que envolveu um controle e uma intenção consciente que se modificava, enquanto se percebia
pouco a pouco o resultado da produção.
A intenção de criar algo que satisfizesse a percepção do receptor e do cliente era
constantemente controlada pela satisfação de agradar também aos próprios produtores do projeto,
ou seja, os designers usufruíram da experiência sensorial imediata acerca do resultado do
176
Figura 51 – Última parte do painel, contendo o nome de todos os funcionários da Instituição. Fonte:
Acervo pessoal da designer Silvia Cabral.
52
* A Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) é um dos serviços da BIREME. Disponível em:
http://regional.bvsalud.org/php/index.php.Acesso em: 10/12/2009.
179
O excesso dá-se na proliferação das formas e das variadas imagens, que, por
adição, percorrem vertical e horizontalmente toda tela, enriquecidas pelos detalhes.
A pluralidade torna-se instância permanente, o paradoxo
“completude/incompletude” constrói-se a partir de signos fragmentados, em um grande mosaico
de muitas combinações e texturas, características, aliás, tipicamente barroquizantes.
O tempo do fazer passa-se longo e carrega no resultado da obra um tempo que
enfatiza a longa duração, pois o painel concebe a dinâmica das mudanças e permanências sociais.
Silvia Cabral comenta:
Na última lâmina do mural aparecem escritos os nomes de todas as pessoas que
trabalham ou já trabalharam na BIREME e que de alguma forma deram sua
contribuição. Esses nomes não aparecem em ordem alfabética, com o propósito
de fazer com que as pessoas parem em frente ao mural, procurem seu nome e,
nessa procura, acabem identificando nomes de colegas e fatos relacionados a
eles, fazendo do mural um objeto de interação. Essa lista de nome deve
continuar a crescer e com o tempo virar uma textura que para ser lida necessite
de uma lupa rsrsrs […] CABRAL (2009).
O processo de criação foi regido pelo conceito de tempo plural, ainda que alguns
momentos da história apareçam por sucessão linear. A ideia foi a combinação, a conjunção, a
dispersão e a reunião de várias linguagens que, no espaço, fazem reaparecer o tempo não como
linha, mas como um emaranhado, um turbilhão.
O design deveria contar a história a partir de uma trajetória no tempo, mas,
curiosamente, ao investigar-se o processo de criação dos designers, outra história é percebida, a
que marcou a experiência de ambos.
Houve o tempo de luta com o projeto em si, que envolvia a complexa pesquisa,
mas também houve o tempo do fazer, que esteve sempre aliado ao aspecto de domínio técnico
instrumental dos designers.
A competência de ambos para a execução do projeto é inegável; contudo,
percebe-se que a designer Silvia transmite um modo peculiar ao projeto. Flagram-se nas texturas
181
do painel movimentos em caracol, à semelhança de suas pinceladas, que são encontradas nos
lenços em seda que ela mesma pinta.
Figura 53 – Lenços em seda pintados pela artista plástica e designer Silvia. Fonte: Acervo pessoal da designer
Silvia Cabral.
De forma geral, sua pintura, num primeiro momento, parece ser realizada de
maneira espontânea, uma “reflexão espontânea” que alimenta e constitui sua expressão, a qual
explode em emoções carregadas de afetividade (paixão, alegria, raiva etc.).
Sua atitude afetiva e seu gestual dão formas específicas ao objeto. Nele ela impõe
sua imaginação, sua reflexão e acomoda suas emoções, especificando assim a relação existente
no humano: subjetividade e objetividade.
Figura 54 – Detalhe do painel, em forma espiral ou caracol. Fonte: Acervo pessoal da designer Silvia
Cabral.
182
Figura 55 – Lenço em seda pintado pela artista plástica e designer Silvia. Fonte: Acervo pessoal da
designer Silvia Cabral.
Figura 56 – A designer Silvia acompanhando a instalação do painel. Fonte: Acervo pessoal da designer
Silvia Cabral.
183
53
Gustavo Lassala Silva possui curso técnico em Artes Gráficas pelo SENAI, graduação em Design (habilitação em
Programação Visual) pela USJT e mestrado em Educação, Arte e História da Cultura pelo Mackenzie. Aos que
desejam aprofundar o assunto sobre design gráfico e cultura, fica a sugestão de leitura de sua dissertação de
mestrado, intitulada Os Tipos Gráficos da Pichação: Desdobramentos Visuais. O lado underground do typeface
design. Manteve-se contato por meio de entrevista pessoal e troca de e-mails ao longo de 2009 e 2010. Seu sítio
eletrônico é http://www.pichacao.com/adrenalina.htm.
54
Lassala esclarece que “uma fonte digital é um conjunto de caracteres em um corpo e estilo, usada para escrever
texto em softwares de computador. As fontes digitais começaram a ser usadas a partir da introdução do computador,
portanto, por volta da década de 1970/1980. Curiosamente essa data tem certa semelhança com a origem das
pichações, principalmente, no Brasil”.
184
O grafite e a pichação, em São Paulo, são expressões que se apoiam num ritual
de risco, mas o grafite é uma atividade lúdica, enquanto a pichação é, além de
lúdica, agressiva. No grafite, por ele ter partido de grupos de jovens
universitários e/ou ligados às artes, há um aumento de esteticidade em relação à
pichação. No grafite há uma preocupação de elaborar os signos, agrupá-los e
ambientá-los ao suporte; há uma preocupação poética consciente. A pichação é
mais aleatória, trabalha com mais improviso, mais acaso, quando a poética
acontece, e muitas vezes acontece, é por puro acaso. (RAMOS, 1994, p. 168).
Ela explica o incremento das aspirações, dos desafios, das socializações, da revolta contra a
manutenção do sistema social e econômico e toda forma de repressão no âmbito da cidade.
A caricatura de costumes, que funciona como afirmação da autovisibilidade
pública, como reconhecimento de coragem e de pertencimento de um determinado grupo, é
também uma prática social coletiva que afeta (ao ignorar ou afrontar), no exercício da linguagem
informal, todo o conjunto da sociedade:
Enfim, o designer opta por tudo que envolve o universo da pichação e assegura-se
de observações que forneçam dados iniciais a sua reflexão, a fim de tê-las como referência para
seu trabalho. Seu projeto nasce a partir de um desejo e interesse por conhecer e experimentar,
mas também carregado de memórias, que são ativadas pelas recordações regidas por uma
temporalidade única, de um tempo passado que viveu:
186
Digo que a pixação foi um rito de passagem na minha vida. Todos os meninos
da minha idade, no bairro onde morava, faziam isso, e é claro que eu não queria
ficar de fora. Tive uma breve passagem nesse circuito, com direito a apelido,
gangue etc. Mas logo depois comecei a fazer faculdade, estágio, trabalho e
abandonei o “esporte”. (LASSALA, 2010).
[...] a vida em sua imediatez não é abertura e casualidade. Para fazer dessa
casualidade um nó de possibilidades reais é preciso introduzir nela um modo
organizativo. Em suma, escolher os elementos de uma constelação, entre os
quais se estabelecem nexos polivalentes, mas unicamente após a escolha. (ECO,
2005, p. 194).
efervescente e dinâmico (ato inconsciente); afinal, “[...] o espaço social onde melhor se expressa
o sentido da dinâmica cultural e dá forma a novos movimentos urbanos é o bairro, enquanto
território de exibição da resistência e da criatividade cultural [...]” (MARTÍN-BARBERO, 2002,
p. 143).
Os bairros refletem o encontro entre várias culturas, as configurações
arquitetônicas muitas vezes não planejadas e favorece o contraste, a anarquia e a diversidade de
expressões, dentre as quais a pichação, entendida como um texto da cultura que, por um lado,
carrega uma criação subversiva e contestadora, mas, por outro, faz emergir na sociedade o
caráter emblemático, fragmentado, impreciso e caótico da metrópole:
As nossas cidades não têm estilo [...] começamos a descobrir agora que
possuem o que poderíamos chamar um terceiro estilo: o estilo das coisas que
não têm estilo [...] por uma nova disposição de elementos, de texturas, de
fealdades embelezadas por aproximações fortuitas, de encrespamentos e
metáforas, de alusões de “coisas” a “outras coisas”, que são, em suma, a fonte
de todos os barroquismos conhecidos. (CARPENTIER, 1969, p.16).
Figura 57 – Algumas das fotos captadas no bairro da Mooca. Fonte: Acervo pessoal do designer Lassala.
Para criar a fonte digital “Adrenalina-sp”, Lassala escolheu caracteres das fotos
realizadas na pesquisa de campo, “o que permitiu uma visita constante e repetitiva às mais de
800 fotos captadas” (LASSALA, 2009).
Os “documentos de processo” foram fotografados e digitalizados, constituindo-se
em fonte de busca constante. O processo dele tornou-se também obra, pois se nota, ao longo de
seus comentários, que seu projeto revelou-se passível de modificações, interferências
permanentes: “Bom, esse é um tipo de trabalho que não tem como esboçar algo no papel.
Devem-se dominar as ferramentas digitais e o processo todo é feito em meios digitais. Existem
esboços, claro, mas é na base da tentativa e erro, direto nos softwares Photoshop e Fontlab”
(LASSALA, 2010).
Salles (2006) salienta que os processos de produção em mídias digitais
[...] têm esse potencial processual em sua intensa agilidade, ou seja, sua
propensão para a rápida e constante metamorfose [...] São obras que tendem a
acontecer na continuidade ou na constante mobilidade das formas. Os limites
entre obras e processos desaparecem a partir de um determinado momento.
(SALLES, 2006, p. 162).
189
É interessante como Lassala assume seu gosto pela atividade, que não se encerrou
após a criação da fonte “Adrenalina” (registrada em seu mestrado e na página da internet); ao
contrário, ele continua fotografando e arquivando imagens de pichações para novas fontes:
Basicamente eu ia fotografar aos domingos, por ser um dia com menos pessoas
nas ruas e menos carros estacionados, facilitando o enfoque das fachadas. No
mestrado fotografei só ruas da Mooca. Para a nova versão da fonte venho
fotografando obsessivamente fotos de pixação por onde quer que eu passe em
São Paulo. Após as fotos (mais de 1.000) busco os caracteres e faço todo o
processo até a finalização da fonte digital. Eu não sou um cara muito
organizado, prefiro trabalhar de acordo com a minha inspiração e vontade.
(LASSALA, 2010).
[...] cada caractere ao lado foi “pescado” direto do seu habitat natural e
conduzido à adaptação técnica necessária para se transformar em uma fonte
digital. Vale observar que esse processo de digitalização é sempre um processo
de perda de resolução e qualidade de imagem. (LASSALA, 2009).
Figura 58 - À direita, tipografia digitalizada; à esquerda, fachadas das casas do bairro da Mooca. Fonte:
Acervo pessoal do designer Lassala.
190
[...] as letras captadas são definidas como tag reto (letras feitas pelas grifes de
pichadores) [...] Tag é um termo que deriva da denominação utilizada pelos
grafiteiros e tem origem em Nova York e quer dizer assinatura. O tag reto foi
difundido pelos pichadores de São Paulo e é mais que uma assinatura, já se
tornou um estilo de letra. Surgiu como elemento diferenciador dos grupos de
pichadores que foram buscando desenhos próprios para as letras, “com quebras
lembrando o estilo gótico” [...] ou até mesmo, influenciados pelas capas de
disco de músicas de punk e rock [...]. Esse estilo de letra é caracterizado por
letras retas, alongadas e pontiagudas, que procuram ocupar o maior espaço
possível no suporte, o surgimento deste estilo de letras típico de São Paulo é
único no mundo [...] Este é o estilo de letra com maior número de intervenções
nos muros da cidade, fato que o levantamento fotográfico realizado na pesquisa
comprova. A visualização repetitiva permitiu a construção de um olhar crítico
sobre o próprio trabalho e a pichação como um todo. (LASSALA, 2009).
Resistindo a uma oposição binária entre cultura erudita e cultura popular, Lassala
elabora a construção da família tipográfica em caixa-alta (maiúsculas),
Figura 64 – Caracteres desenhados tendo como base a lógica do conjunto. Fonte: Acervo pessoal do designer
Lassala.
Nunca houve pressa e o trabalho não terminou até hoje. Eu atualmente estou
produzindo a versão PRO da fonte55, que inclui letras respingadas e com textura
de tintas. Fonte digital é igual software, você nunca tem uma versão definitiva, é
sempre versão 1, 2; você, com o tempo, vai corrigindo imperfeições, adaptando
e criando outras versões. Podemos dizer que no mestrado concluí um
determinado número de caracteres para que a fonte pudesse ter uma utilização
razoável. (LASSALA, 2010).
55
Para os interessados em conhecer a continuidade da tipografia de Lassala, cf.
http://www.flickr.com/photos/lassala/4052947303/.
195
Gustavo Lassala Silva acaba de entrar para o seleto time de designers brasileiros
com fontes sendo vendidas comercialmente no mercado mundial, usando como representante o
maior distribuidor mundial de fontes, MyFonts:
Eu tenho uma Type Foundry que é basicamente um selo independente que cria,
produz e vende fontes digitais. O nome dela é BRtype. (www.brtype.com) BR
de Brasil, mesmo. A partir desse nome-conceito busco sempre nomes em
português para as minhas fontes [...] Quando tenho inspiração, opto por nomes,
engraçados, diferentes ou que possam causar falta de entendimento para os
gringos. Essa provocação aos gringos é porque o Brasil é um país desconhecido
nesse ramo e tem meia dúzia de gatos pingados fazendo isso no país [...] A
adrenalina foi a primeira fonte a documentar a pixação brasileira, achei injusto
“roubar” o nome pixo ou pixação. Procurei uma outra palavra que representasse
a pixação de modo “sutil” e inteligente. Essa palavra foi adrenalina; se
entrevistar algum pixador e perguntar porque ele pixa, você vai entender o
nome da fonte. Naturalmente, tentei evitar uma banalização no nome. Mas é
claro que não deu certo. Hoje temos fontes no mercado com nomes como:
Brazil Pixo Reto, Pixo, e Tipo Pixo. Percebe-se que o nome é de certo modo
marketing. Mas como essa não é minha atividade principal eu gosto de tratar
esse trabalho tão estafante, que é produzir uma fonte, com humor em alguns
casos. Como é o caso da minha fonte Boqueta. Em outros casos batizo fontes
com nomes autênticos brasileiros como Arbusto e Borboleta. Enfim dar nome a
uma fonte é como dar nome a um filho ou uma música. Talvez seja um misto de
inspiração, gosto pessoal e um pouco da personalidade de cada um.
(LASSALA, 2010).
Figura 67 – Pôster produzido com a fonte. Fonte: Acervo pessoal do designer Lassala.
197
Dentre as áreas de atuação de Kito e os projetos que sua empresa abarca, elegeu-
se aqui refletir sobre o “reposicionamento” de uma marca no mercado. A marca é um nome, um
símbolo gráfico, um logotipo ou a combinação desses elementos e valoriza “[...] qualquer
produto, serviço ou organização na qual as pessoas acreditam que não há substituto”.
Kito (2009) diz que, “de forma simples e eficaz, a Tre Comunicação sugere uma
metodologia que compreenda momentos como: a análise estratégica da marca; a definição da
identidade da marca e a implementação dessa identidade”, de maneira que o fazer do designer
está umbilicalmente ligado à pesquisa de mercado, que envolve os fatores econômicos do cliente,
além dos aspectos sociais e culturais do público alvo.
O valor e o diferencial de uma marca, para garantir a preferência do consumidor,
consistem na atração, no impacto ou ainda na lembrança que ela causará. Em um ambiente
competitivo como o de hoje, a marca é um dos signos visuais que carregam, na sua
representação, mensagens produtoras de efeitos de sentido.
Não obstante haver inúmeras marcas que nascem, morrem ou renovam-se, muitas
outras permanecem no tempo e resistem na memória coletiva de determinada cultura. Algumas,
56
Marcos Castanha Junior é professor universitário (Mackenzie e Senac) e Diretor Geral e de Criação da Empresa
Tre Comunicação (escritório de design montado em 1990), em que atua até hoje. Sua experiência profissional na
área de Design Gráfico encaminhou-o à Fotografia e à Animação, mas principalmente ao planejamento da
construção da imagem de uma empresa (ou de sua Identidade Corporativa). Os argumentos encontrados no texto
sobre processos de criação devem-se à entrevista concedida por Kito, em setembro de 2009, a acessos ao sítio
eletrônico “http://www.tre.art.br/”, a conversas telefônicas e à troca de e-mails (2009/2010).
198
fortes ou não, destacam-se no ponto de venda, atraindo a atenção do consumidor por vários
motivos (símbolo, embalagens, slogans, cor etc.), mas o que fica evidente é o papel da
publicidade, do design gráfico, do marketing e dos profissionais especializados na sustentação da
marca, com o escopo de valorizar-se o apelo sensorial, afetivo e emocional.
A marca, seja de produto, seja de serviço, envolve um conjunto de sinais de
identidade, mas também evidencia a força que ela possui no plano perceptual, ou seja, a marca
agrega potencial, que permite a criação de associações mentais positivas ou não, dependendo da
experiência que o sujeito tenha tido no contato com ela.
Não se pode desconsiderar o fato de que, hoje, um dos aspectos valorizados na
área do marketing57 é não só a marca em si, mas o que ela significa na mente do consumidor.
Esse aspecto revela a força da memória como elemento ativo na elaboração das associações,
preocupação que, aliás, não é nova, haja vista que a memória já era objeto de interesse e motivo
de reflexão por parte de estudiosos do passado:
Não se quer afirmar aqui que a marca transcenda o tempo, mas sim que ela
destaca, sobejamente, o papel da memória (campo movente de singularidades), a qual trabalha a
serviço do universo da impressão e como um filtro que ativa as experiências vividas ou assegura,
de algum modo, o apego à continuidade e à repetição.
Muitas serão as opções do designer ou de outros profissionais para conseguir com
que a atenção do consumidor seja ativada para o consumo, mas, nas estratégias possíveis ao
designer, destaque-se sua preocupação com os atributos voltados à estética visual e com a
qualidade técnica do material impresso que cria.
No entanto, diante dessa gama de liberdade, Kito foi consultado para trabalhar no
“reposicionamento” da marca “Hotel Santa Mônica”, a fim de agregar-lhe valor.
57
Nesta tese, não foi alvo de pesquisa o aspecto referente ao Branding, conceito relacionado ao conjunto de práticas
e técnicas que buscam a construção, o fortalecimento e o gerenciamento de uma marca junto ao mercado.
199
[...] Ó Santa Mônica, que pela oração e pelas lágrimas, alcançastes de Deus a
conversão de vosso filho transviado, depois santo, Santo Agostinho, olhai para o
meu coração, amargurado pelo comportamento do meu filho desobediente,
rebelde e inconformado, que tantos dissabores causaram ao meu coração e a
toda a família. Que vossas orações se juntem com as minhas, para comover o
bom Deus, a fim de que ele faça meu filho entrar em si e voltar ao bom
caminho. (KITO, 2009).
Tendências são rumos vagos que orientam o processo de construção das obras
no ambiente de incerteza e imprecisão; geram trabalho em busca de algo que
está por ser descoberto. O desenvolvimento do processo leva a determinadas
tomadas de decisão que propiciam a formação de linhas de força que vão dando
consistência aos objetos em construção. Ao longo do percurso vão sendo
estipuladas restrições ou delimitações de naturezas diversas que tornam a
construção da obra possível. As tendências dos processos podem ser observadas
sob o ponto de vista dos princípios direcionadores ou projeto poético e do ato
comunicativo. (SALLES, 2008).
58
É importante recordar que, para PEIRCE (1975), o pensamento apresenta um padrão similar aos três tipos de
raciocínio: dedução, indução e abdução. Essas funções da mente cognitiva são responsáveis pela formação de certos
hábitos de inferência. A indução, necessariamente, não pode originar ideias novas, pois tende a confirmar ou não as
hipóteses levantadas pelo raciocínio. A abdução introduz ideias novas e torna-se responsável pelas descobertas
criativas. Já a indução torna eficaz o argumento e o passo conclusivo do raciocínio.
201
Figura 68 – Arquitetura da Marca Santa Mônica. Fonte: Acervo pessoal do designer Kito.
Figura 69 – Arquitetura da Marca “Santa Mônica” e opção com tagline. Fonte: Acervo pessoal do designer
Kito.
Figura 70 – Elementos da Assinatura “Santa Mônica”. Fonte: Acervo pessoal do designer Kito.
Figura 71 – Malha construtiva (página nº. 8 do manual de identidade da marca). Fonte: Acervo
pessoal do designer Kito.
Figura 72 – Grafismo Padrão para material institucional. Fonte: Acervo pessoal do designer Kito.
Figura 73 – Aplicações da marca no envelope “ofício”. Fonte: Acervo pessoal do designer Kito.
205
Figura 74 – Aplicações da marca: adesivos para veículos. Fonte: Acervo pessoal do designer Kito.
Figura 75 – Arquitetura da submarca: Fogão da Fazenda. Fonte: Acervo pessoal do designer Kito.
Figura 77 – Assinatura da submarca: Santinhos do Santa Mônica. Fonte: Acervo pessoal do designer Kito.
207
Surge aqui uma memória imaginativa que brota da continuidade da vida e ajuda
na compreensão de que a tradução operada durante o processo de criação nunca esteve
divorciada da prática do designer, qual seja, de criar signos que contam e até mesmo inventam
novas histórias.
A intenção que alimenta as ideias criativas é a vivência passada, são os vínculos
culturais, a relação com a natureza e com o humano. Essas características, que afetam a produção
dos designers, proporcionam a reconstrução da marca no tempo presente e sua permanência no
futuro.
Os designers experimentam, durante o tempo de execução do projeto, o tempo
linear, que submete o processo de criação à urgência das relações sociais envolvidas entre cliente
e agência.
Ao perceberem tamanha complexidade, lutam com o tempo mensurável e
empreendem esforços para que o tempo torne-se potencial de suas possibilidades criativas. A
experiência temporal do processo de criação da marca “Hotel Estância Santa Mônica” apresenta
simultaneidade com outros projetos, dos quais Kito também participou.
Nesse contexto, sem desconhecer fronteiras que limitam o trabalho, o designer
cria, acompanha e interfere em cada projeto, sem perder a consciência das soluções estéticas
envolvidas no processo de criação, bem como as limitações que envolvem os prazos, os
orçamentos e as necessidades de todos os clientes.
Essa realidade, no seu cotidiano, evidencia que a temporalidade do designer
experimenta, durante o processo de criação, uma verdadeira rede de temporalidades superpostas
e heterogêneas, de tal forma que o nível de seu desempenho depende, em grande parte, da
capacidade que demonstre em resolver questões, que, no fundo, não passam de questões de
competência, nos vários planos que envolvem seu trabalho.
Após o briefing fornecido pelo cliente, Kito experimenta sozinho a atividade
mental, que detém a dificuldade do projeto, e, então, prossegue num esforço para encontrar uma
solução, auxiliado pelo empenho de sua equipe.
Após absorverem os conceitos iniciais, escolhem caminhos prováveis e
compartilham ideias. As ideias são subordinadas a Kito, que as reduz ou amplia e até mesmo
aceita o princípio formal em favor da conveniência, das opções.
208
Pode ser oportuno revisar os aspectos comuns do processo criativo dos designers
citados não para procurar modelos e paradigmas de criação, mas para, na medida do possível,
conhecer a natureza múltipla de tais processos, sobretudo no que diz respeito à amplitude de
ações e de contextos em que se visibiliza a pró-atividade dos sujeitos. Há de que ficar claro que,
nessas tendências comuns, “[...] admite-se, portanto, a impossibilidade de se determinar com
nitidez o instante primeiro que desencadeou o processo e o momento de seu ponto final. É um
processo contínuo, em que regressão e progressão infinitas são inegáveis”. Salles (2001)
continua:
209
[...] Essa visão foge da busca ingênua pela origem da obra e relativiza a noção
de conclusão. Como cada versão contém, potencialmente, um objeto acabado e
o objeto considerado final representa, de forma potencial, também, apenas um
dos momentos do processo, cai por terra a ideia da obra entregue ao público
como sacralização da perfeição. Tudo, a qualquer momento, é perfectível. A
obra está sempre em estado de provável mutação, assim com há possíveis obras
nas metamorfoses que os documentos preservam. (SALLES, 2001, p. 26).
Dessa forma, ainda que esgarçada, pôde-se observar o processo de criação dos
designers Sílvia e Júlio Cesar, Lassala e Kito. Perceberam-se os aspectos comunicativos e as
diferentes temporalidades que envolveram cada projeto a partir de uma perspectiva geral e,
simultaneamente, das experiências individuais de cada sujeito.
Observaram-se, também, as tendências emergentes do processo sob o âmbito da
cultura por meio da integração dos elementos textuais, visuais, táteis, com o conjunto de valores
simbólicos de significados vários, tanto econômicos, como sociais, religiosos etc.
A experiência dos referidos designers foi resultado da interação de uma série de
condições, as quais implicaram ora elaborar, no percurso livre da vontade, projetos autorais
(Lassala), ora satisfazer as exigências dos clientes (Sílvia, Júlio Cesar e Kito), salvaguardando
suas respectivas atitudes inventivas, pois souberam aproveitar o “momento oportuno” (Kairós)
para, no ato criador, trabalharem o processo de recriação de uma memória.
Todos souberam traduzir em códigos visuais o que haviam retirado do passado, da
história e da cultura:
Uma ação com tendência, certamente, complexa [...] Uma atividade ampla que
se caracteriza por uma sequência de gestos, que geram transformações múltiplas
na busca pela formatação da matéria de uma determinada maneira, e com um
determinado significado. Processo que envolve seleções, apropriações e
combinações, gerando transformações e traduções. (SALLES, 2001, p. 27).
CONCLUSÃO
Espera-se ter sido possível entender-se o design como linguagem que assume as
características de seu tempo, como campo de confluência interdisciplinar, de ampla
representação gráfica e aberto a diversas atuações de profissionais, cujas práticas de projetos
dependem da configuração do mercado.
O design brasileiro ajudou a escrever a história e contou a história do seu fazer.
Ao refletir seu entorno, assume o papel de tradutor de signos visuais, legitimando-se na esfera da
produção e da expressão da criatividade, pois permite a si novas experimentações. O design
gráfico é uma área plural quando mistura elementos heterogêneos e incorpora a cultura para
expressar valores e destacar a produção de sentido.
Por intermédio de um retorno rápido no tempo e um deslocamento de olhar para o
passado do design gráfico, percebeu-se o embate de teóricos pela legitimação do “estilo
brasileiro de fazer design”.
Por isso, para posicionar o design brasileiro como atividade legítima da cultura
nacional, empreendeu-se aqui um pensamento que se valeu da metáfora antropofágica, a fim de
evitar-se o fascínio pela “identidade”.
Para reduzir a tensão das discussões que cercam esse termo, valorizou-se a
miscigenação como característica de enriquecimento da cultura do país e, para compreender-se o
design gráfico nesse contexto, a proposta foi destacar, de forma ampliada, o conceito de
“identificação”, que supõe a mistura. É na identificação com o que está fora que se aceita a
comunhão entre as fronteiras e que se permite a conexão com outros saberes. É na identificação,
em suma, que o design destaca-se, em meio à multiplicidade de redes diversas, materializadas
em signos gráficos.
Cada projeto pode ser lido na relação com qualquer outro modelo ou estilo: por
sucessão, por semelhança, por resistência, por justaposição, por ruptura ou por continuidade. O
que importa é que o signo faz-se vivo na expressão das ideias – aspecto tipicamente barroco.
Dessa maneira, considerando a abrangência do tema aqui tratado, caminhou-se na
tentativa de integrar as experiências criativas dos designers gráficos num cenário ampliado da
história, pois se entendeu que o ato de criar humano, seja em que área for, faz parte de uma
realidade maior, intrincada em complexidade.
214
Optou-se, por isso, em apoiar-se na Teoria Geral dos Sistemas (TGS), como
suporte à investigação, nunca perdendo de vista que a realidade é sistêmica, em virtude de que se
pode vincular alguns parâmetros do pensamento sistêmico a processos de criação.
Para conhecer o objeto, qual seja, o design gráfico e os processos criativos de
diferentes designers, insistiu-se, a título de analogia, nas observações dos fenômenos que
moldam a realidade da vida e do Universo, por entender-se que tais sistemas são altamente
complexos, já que não seguem um padrão regular, apresentam mudanças bruscas de
comportamento e experimentam a dinâmica dos processos caóticos, dos quais emergem várias
bifurcações.
Pôde-se descrever, de forma global, assuntos como a história, a cultura, o design e
os processos de criação de designers. Direcionou-se o diálogo a tais áreas, pois estas também se
apresentam como sistemas complexos, uma vez que abarcam, na sua estrutura, graus de
turbulência, experimentando fases de ruptura, de regularidade, de auto-organização e de caos.
Sendo sistemas não lineares, caminham por constâncias e variações para também gestar o novo,
mediante o diálogo com o meio. Por isso, foram observados a partir do pressuposto de que
sistemas complexos apresentam fraca previsibilidade.
Foi possível encontrar, nas ideias de Prigogine, a descrição das estruturas de um
sistema vivo como uma estrutura dissipativa (ora aberto, ora fechado, quanto ao fluxo de energia
e de matéria) e, na termodinâmica, a sinalização dos problemas das perdas, da entropia, da
irreversibilidade e da evolução, e que o novo surge de certa ruptura do equilíbrio, o qual tende,
por sua vez, à auto-organização, à estabilidade e, de novo, ao equilíbrio. Essa dinâmica, que,
continuamente, se refaz pela adaptação, aponta para o todo ampliado da vida, pois a natureza,
como processo evolutivo, caminha para fases de ruptura a fim de, em seguida, gestar uma nova
regularidade (organização, ruptura, desorganização, novo equilíbrio). E assim permanentemente.
Buscou-se, então, uma adequação da visão sistêmica com a expansão da
Semiótica de Peirce, que mostra a complexidade do humano em lidar com aspectos de seu
ambiente, também complexo.
Interessou compreender aspectos da cognição, que move a criação, e da
complexidade, que permite a realização de representações (domínio da semiose). Nesse viés
investigativo, acomodaram-se os códigos próprios do design gráfico com os inúmeros sistemas
de signos presentes na cultura e, na perspectiva da Semiótica da Cultura, pôde-se endossar o fato
215
de que os sistemas de signos, traduzidos em suas especificidades por diferentes designers, são
possibilidades de significar e dar sentido aos atos do pensamento.
A abordagem sistêmica que se procurou descrever nesta tese de doutoramento
apresenta uma grande convergência com os aspectos propostos pelos Annales, cuja noção apela
para o plano da realização da sociedade, da civilização e para o que diz respeito à vida do
homem, no que estão compreendidos a sua subjetividade, os seus hábitos e os comportamentos.
Foi chamada de École des Annales, porque apresentava uma concepção diferente
do tempo histórico, que se interessava pelo cotidiano, pelas mentalidades, pelas atividades
humanas não registradas em documentos oficiais e, por isso mesmo, admitia a coexistência de
velocidades e de temporalidade distintas. Tempo que traduz o ser humano com o meio
econômico, social, demográfico e cultural que o cerca e convida-o ao “tempo longo”: "o reino do
habitual, do rotineiro” (BRAUDEL, 1987, p. 19), em que é possível perceber “[...] o passado da
cultura, através de códigos e desvios, que vão lentamente condensando e reorganizam e
atualizam os modos de produção do futuro [...]” (PINHEIRO, 2009, p. 22). Destarte, ao codificar
e decodificar mensagens, o designer traduz novos sistemas de signo, os quais se dirigem contra o
esquecimento.
Particularizando o conceito de “tempo”, pode-se dizer que se tem consciência de
um passado, de um presente e de um futuro, mas se tem também a ilusão de que o tempo
prossegue para sempre e, muitas vezes, desenvolve-se o sentimento ancestral e intuitivo de que
todas as experiências durarão.
As pessoas tentam agarrar-se ao tempo, especialmente quando observam sua
passagem, seu desgaste nas coisas e o fim de todas elas no tempo. Num esforço progressivo pela
permanência, valem-se de mecanismos, expressões e registros que, de alguma forma, imprimem
uma marca e saciam sua busca por referência.
Nesse sentido, percebe-se que os designers trabalharam, ainda que
inconscientemente, com essas questões. Para executarem projetos e serem bem sucedidos como
profissionais, esperam que seus clientes fidelizem um relacionamento com seus serviços.
Os clientes, por sua vez, esperam que o resultado do empreendimento redunde em
memória e que o retorno do leitor da imagem, do consumidor ou do receptor, de igual modo
traga investimento, gere também memória afetiva, garanta fidelidade e lucro.
216
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