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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

ISABEL ORESTES SILVEIRA

TEMPO, SEMIOSE E CULTURA: UMA VISÃO SISTÊMICA


SOBRE OS PROCESSOS DE CRIAÇÃO NO DESIGN GRÁFICO
BRASILEIRO

São Paulo
2010
Livros Grátis
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Milhares de livros grátis para download.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP

ISABEL ORESTES SILVEIRA

TEMPO, SEMIOSE E CULTURA: UMA VISÃO SISTÊMICA


SOBRE OS PROCESSOS DE CRIAÇÃO NO DESIGN GRÁFICO
BRASILEIRO

Tese apresentada à Banca Examinadora da


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título
de DOUTORA em Comunicação e Semiótica,
na área de concentração – signo e significação
nas mídias, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª
Cecilia Almeida Salles.

São Paulo
2010
Silveira, Isabel Orestes
S588t Tempo, semiose e cultura: uma visão sobre os processos de
criação no design gráfico brasileiro / Isabel Orestes Silveira. São
Paulo. 2010.
230 f.; 30 cm.

Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de São


Paulo, 2010.
Orientadora: Prof.ª Drª. Cecilia Almeida Salles, Departamento de
Comunicação e Semiótica.

1. Comunicação. 2. Tempo. 3. Semiose. 4. Cultura. 5. Processos


de criação. 6. Design gráfico. I. Título.
BANCA EXAMINADORA

_______________________________________
Prof.ª Dr.ª Cecilia Almeida Salles – Orientadora
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

_______________________________________
Prof. Dr. José Amalio de B. Pinheiro
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

_______________________________________
Prof. Dr. Jorge de Albuquerque Vieira
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

_______________________________________
Prof.ª Dr.ª Regina Célia Faria Amaro Giora
Universidade Presbiteriana Mackenzie

_______________________________________
Prof. Dr. Wilton Luiz de Azevedo
Universidade Presbiteriana Mackenzie
A José Roberto, Guilherme e André.

No curso do tempo, fizeram minha história.


AGRADECIMENTOS

A Deus, que “[...] derrama luz nas minhas trevas”. (Salmo 18:28).

À Prof.ª Dr.ª Cecilia Almeida Salles, minha gratidão e estima pela


liberdade, confiança e orientação especializada durante meu percurso intelectual.

Ao Prof. Dr. Amalio Pinheiro, cuja eloquência persuadiu-me a receber,


com lucros, suas reflexões à luz de sua postura anticartesiana.

Ao Prof. Dr. Jorge de Albuquerque Vieira, cuja sensibilidade levou-me a


pensar o contexto em que vivemos como processo criativo no qual a vida acontece.

Aos Professores da Pontifícia Universidade Católica, pelos quais nutro


grande admiração.

Aos amigos e designers Lassala, Kito, Silvia e Julio Cesar, pela pronta
participação e envolvimento com esta pesquisa.

Sou especialmente grata à Prof.ª Dr.ª Rosana Maria Pires Barbato


Schwartz, por haver-me apresentado a Braudel e pelas conversas iluminadoras a
respeito de História, mantidas com a Prof.ª Dr.ª Maria Aparecida de Aquino durante a
elaboração desta pesquisa.

Por último, mas não menos importante, quero expressar minha profunda
gratidão aos colegas e aos amigos da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da
Fapcom – Faculdade Paulus de tecnologia e Comunicação, parafraseando W. Benjamin
(1985), pois, pela forma “artesanal de comunicação”, viabilizada por tempos
qualitativos que mantiveram comigo, asseguraram a produção da minha experiência em
um sentido pleno.
Tudo tem seu tempo, e há tempo para todo propósito debaixo do
céu. Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar,
e tempo de arrancar o que se plantou; tempo de matar, e tempo
de curar; tempo de derribar, e tempo de edificar;tempo de
chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de dançar;
tempo de espalhar pedras, e tempo de ajuntar pedras; tempo de
abraçar, e tempo de abster-se de abraçar; tempo de buscar, e
tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de deitar
fora;tempo de rasgar, e tempo de coser; tempo de estar calado,e
tempo de falar;tempo de amar, e tempo de odiar; tempo de
guerra, e tempo de paz.

Tudo fez Deus formoso no seu divino tempo.

(Eclesiastes 3:1 a 11)


Resumo

Esta tese tem por objetivo a investigação do processo de criação no


design gráfico brasileiro. O recorte proposto abrange três casos específicos, embora os
procedimentos distintos e comuns em criação destaquem-se no corpus do texto pelo
depoimento de diferentes designers, que atuam em áreas diversas. Nesses estudos, faz-
se presente o paradoxo econômico-cultural que revela a criação dos designers e, ao
mesmo tempo, denuncia os limites que submete a criação às leis de mercado. A
problemática exposta busca descrever os caminhos não lineares do pensamento, que
experimenta distintas temporalidades enquanto elabora projetos. Por isso, mediante as
variáveis que relacionam o fenômeno do tempo com o processo de criação, como
compreender os procedimentos e as ações dos designers gráficos em suas diferentes
temporalidades? A hipótese indica dois eixos norteadores: primeiro esta pesquisa
pretende discutir a relação entre design e cultura sob a perspectiva de Pinheiro (2007) e
Lotman (1898;1996), compreendendo o designer como tradutor de signos visuais. Em
segundo lugar, construir-se-á o argumento levando-se em conta o fenômeno do tempo
na perspectiva de haver tempos plurais no processo de criação, os quais se apresentam
como índices progressivos da internalização subjetiva, que leva o designer a gerar
projetos. Filtrada pela ótica histórica que se mistura à estética gráfica no tempo,
revisitar-se-á o passado a partir de Braudel (1987), historiador que possibilita
argumentar acerca das permanências no “tempo da longa duração”. Esta pesquisa
justifica-se do ponto de vista de que as especificidades que ocorrem ao longo de um
processo de criação, independentemente do objeto que se pretenda investigar, são
tecidas num contexto que define a “complexidade” como trajetória de toda ação
(MORIN, 2006). Parte-se aqui do pressuposto de que o tempo faz com que as variáveis
do processo assumam sucessivamente a dimensão do modelo aberto, que aceita a
condição da dúvida. Esse modo de ser inconstante e, de certa maneira caótico, segue a
trilha do pensamento de Eco (2005) e remete a Prigogine (1996), que discute
amplamente o princípio da incerteza e o processo de auto-organização, que resguarda os
sistemas instáveis de se manterem no caminho da entropia. Pela imprecisão que surge
em tais sistemas, torna-se necessária uma descrição probabilística do objeto desta tese,
cujo embasamento dar-se-á pela Teoria Geral de Sistemas (TGS) e pela ótica de Vieira
(2008). Tais possibilidades terão como analogia o universo primordialmente evolutivo,
em que tudo é fluxo e transformação (portanto, mudança). A fundamentação teórica
acerca dos processos de criação em rede em construção de base semiótica encontra em
Salles (2006) um respaldo que ajusta a tríade: a complexidade dos sistemas, as
temporalidades do processo de criação e as representações dos designers gráficos.

Palavras-chave: Comunicação; Tempo; Semiose; Cultura; Processos de criação;


Design gráfico.
Abstract

This thesis aims at scrutinizing the creative process of the Brazilian


graphic design. The perspective from which it will be done comprises three cases, with
the different and the common creative procedures being underlined in the text, based on
the interviews made with some different designers. In these cases, a paradox between
economy and culture can be seen, showcasing the creation of the abovementioned
professionals and, at the same time, highlighting the limits that submit the creation to
the market rules. The intention here is to describe the non-linearity of thought, which
experiences diverse temporality when making projects. Thus, considering the variables
that relate time to the creative process, how can we comprehend the procedures and acts
of the graphic designers within this sort of temporality? The hypothesis suggests two
directions: first of all, this research examines the relationship between design and
culture from the perspective of Pinheiro (2007) and Lotman (1898; 1996),
understanding the designer as a translator of visual signs. Secondly, it must not fall into
oblivion that there is a ‘multitude of times’, internalizing the conscious, which impel the
designers to make projects in the context of the creative process. A retrospective study
of the past was done based on Braudel (1987), who is a historiographer specialized in
the permanence in the ‘long time’. This research revolves around the idea that,
independently of the object taken as the center of an investigation, it is more what
happens during the creative process that defines the complexity as a principle of work
(MORIN, 2006). The time leads the variables of the process to the dimension of an open
model, which simply does not reject the doubt. This instability and, to some extent, this
chaos follow the ideas of Eco (2005) and Prigogine (1996), both of whom discuss the
principles of uncertainty and self-organization, which prevent the unstable systems from
keeping themselves on the way of the entropy. Then, it is necessary to reach a
probabilistic description of the object of this study in the light of General System
Theory (GST) and Vieira (2008). These possibilities convey an universe where
everything is stream and changing. The fundamentals of the creative process based on
semiotics have in Salles (2006) the trinity that follows: the complexity of the systems,
the temporality of the creative process and the representation of the graphic designers.

Key-words: Communication; Time; Semiosis; Culture, Creative process, Graphic


design.
LISTA DOS SÍTIOS ELETRÔNICOS CONSULTADOS

Sítio eletrônico MAC/USP


Escultura – Unidade Tripartida de Max Bill (1948/49) (Figura 2). Disponível em:
www.mac.usp.br/.../imagem/bill.jpg. Acesso em: 17/11/09.

Sítio eletrônico Livraria Cultura


Livro de Carlos Drummond de Andrade, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e
Rubem Braga. Vol I – Crônicas, Coleção: Para gostar de ler. Ed. Ática, 1987 (Figura 5).
Disponível em:
http://www.livrariacultura.com.br/scripts/cultura/resenha/resenha.asp?nitem=54369&si
d=200199258111214596401268767&k5=35D010F3&uid= – Acesso em 17/11/09.

Sítio eletrônico Livraria Cultura


Livro de Lúcia Machado de Almeida. O escaravelho do diabo. Ed. Ática, 1999.
Ilustrações de Mario Cafieiro (Figura 6) Disponível em:
http://www.livrariacultura.com.br/scripts/cultura/resenha/resenha.asp?nitem=78905&si
d=200199258111214596401268767&k5=24B2F442&uid=
Acesso em.17/11/09.

Sítio eletrônico Rogério Duarte


Cartaz de Rogério Duarte para o longa-metragem “Deus e o diabo na terra do sol”
(1963/64), um ícone do Cinema Novo (Figura 7). Disponivel em:
http://rogerioduarte9anod.blogspot.com/. Acesso em: 17/11/09.

Sítio eletrônico Editora Azougue


Capa do livro Tropicaos, de Rogério Duarte (Figura 8). Disponível em
http://azougue.com.br/editora/. Acesso 17/11/09.

Sítio eletrônico Companhia das Letras


Livro: O desejo - Prêmio: Jabuti – Categoria: capa de Moema Cavalcanti – Ano: 1991
(Figura 10). Disponível em: http://www.companhiadasletras.com.br/busca.php. Acesso
em: 17/11/09.

Sítio eletrônico Companhia das Letras


Livro: O desconforto da riqueza – Prêmio: Jabuti – Categoria: capa de Moema
Cavalcanti – Ano: 1993 (Figura 11). Disponível em:
http://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=10316. Acesso em:
17/11/09.

Sítio eletrônico Jornal da USP on-line


Cartaz de Guto Lacaz para a ECO92 (Figura 12). Disponível em:
www.usp.br/.../2007/jusp809/exposicoes.htm. Acesso em: 17/11/09.

Sítio eletrônico Correios – Ministério das Comunicações


Gastronomia Luso-Brasileira (Cozido completo, quindim) por Luciana Brício (2008)
(Figura 14). Disponível em:
http://www.cepbrasil.com/selos/selos_postais/selos_2008/selos2008_23.cfm/. Acesso
em: 18/11/09.
Sítio eletrônico coleção Fernanda Martins
Marca para o Hotel Tropical, criada por Rubens Martins (Figura 15).
Disponivel em: http://www.flickr.com/photos/fernandamartins/562216825/ .Acesso:
23/11/2009.

Sítio eletrônico James Emanuel.


Primeira edição da Revista “Careta” com a ilustração de J. Carlos (Figura 16).
Disponível em jamesemanuel.blogspot.com/2007_10_01_archive.html. Acesso em:
18/11/09.

Sítio eletrônico Evandro Carneiro


Cenas cariocas: O samba, Uns almofadinhas em um café, e as Melindrosas (Figura 17).
Coleção Eduardo Augusto de Brito e Cunha (filho de J. Carlos) ilustrações da década de
1940. Disponivel em: http://www.evandrocarneiroleiloes.com/109485?artistId=88158/
Acesso em: 09/09/2009.

Blogspot(a)
Papagaio de J. Carlos e o papagaio de Disney (Figura 18). Disponível em:
http://themesopotown.blogspot.com/2007/09/jota-carlos-careta-mas-bem-atual.html/
Acesso em: 10/09/2009.

Blogspot(b)
Desenho para coleção Fashion Rio em 2008 (estilista Jaqueline de Biase) (Figura 19).
Disponível em: http://alemdaroupa.blogspot.com/2007_05_27_archive.html. Acesso
em: 10/09/2009.

Sítio eletrônico editora Abril - Elle


Desfile Fashion Rio em 2008. Moda Praia da Salinas da estilista Jaqueline de Biase
(Figura 20). Disponível em:
http://elle.abril.com.br/desfiles/salinas/desfiles_305914.shtml#6/. Acesso em: 10/09/09.

Sítio eletrônico Fototeca


Sambódromo do Rio de Janeiro – Carnaval 2009 (criação de Fábio Ricardo, baseada na
vida e obra de J. Carlos) (Figura 21). Disponível em:
http://fototeca.rio.rj.gov.br/pub/fototeca.cfm?sq_fototeca=39&startrow=445/. Acesso
em: 21/09/2009.

Sítio eletrônico J. Carlos


Revista “Para todos”. Tipografia e ilustração de J. Carlos (Figura 22). Disponível em:
http://www.jotacarlos.org/. Acesso em: 16/10/2010.

Sítio eletrônico de Tony de Marco


Fonte Samba, de Tony de Marco, homenagem a J. Carlos (Figura 23). Disponível em:
http://www.professionalpublish.com.br/?id=77,1,view,2,8190,sid./
http://tipograficamente.blogspot.com/2006/01/deu-samba_12.html. Acesso em:
16/02/2010.
Sítio eletrônico Almanaque Brasil
Revistas “Klaxon” – 1922 (Figura 24). Disponível em: www.almanaquebrasil.com.br.
Acesso em: 18/11/09.
Sítio eletrônico Almanaque Brasil
Revista “O Cruzeiro”, de 1928 (Figura 25). Disponível em:
www.almanaquebrasil.com.br/.../ Acesso em: 18/11/09.

Sítio eletrônico Fernando Machado


Revista “A Manchete”, de 1952 (Figura 26). Disponível em:
http://fernandomachado.blog.br/wp-content/uploads/2009/04/manchete-1952.jpg.
Acesso em: 18/11/09.

Sítio eletrônico Anais Eletrônicos do VIII Encontro Internacional da ANPHLAC


Vitória/2008 – ISBN 978-85-61621-01-8
Revista “Manchete”, 5 março de 1960 (Figura 27). Disponível em:
http://www.anphlac.org/periodicos/anais/encontro8/adriana_hassin.pdf. Acesso em:
23/09/2009.

Sítio eletrônico revista Museu


Cartaz de Antonio Maluf, para a 1º. Bienal de São Paulo. Ano de 1951. (Figura 28).
Disponível em: http://www.revistamuseu.com.br/upload/imagem_expo_houston_02.jpg.
Acesso em: 19/11/09.

Sítio eletrônico cores primárias


Cartaz para a 2º. Bienal (Antonio Bandeira). Cartaz para a III e IV Bienal (Alexandre
Wollner) (Figura 29). Disponível em:
www.coresprimarias.com.br/ed_5/cartazes_p.php. Acesso em: 18/11/09.

Blogspot(c)
Capa da revista Noigandres nº.4 (1958), design de Hermelindo Fiaminghi (Figura 30).
Disponível em: http://lunik9.blogspot.com/2008/05/o-movimento-concreto-no-brasil-
augusto.html. Acesso em: 18/11/2009.

Sítio eletrônico design Brasil


Capas da revista Senhor (Figura 32). Disponível em:
http://www.designbrasil.org.br/portal/almanaque/efemerides.jhtml
Acesso em:19/11/2009.

Sítio eletrônico Amanda designer


Desenho de Aluisio de Magalhães (1965) (Figura 37). Disponível em:
http://amandadesigner.wordpress.com/2008/04/22/novo-logo-da-globo/. Acesso em:
19/11/2009.

Desenhos do Globo com hemisférios feitos por Mauro Borja Lopes em 1966 e nova
versão em 1973 (Figura 38). Disponível em:
http://amandadesigner.wordpress.com/2008/04/22/novo-logo-da-globo/. Acesso em:
19/11/2009.
Sítio eletrônico Mercado livre
Capas de Rogério Duarte LP – de Gal Costa (Figura 40). Disponível em:
http://produto.mercadolivre.com.br/MLB-101360380-lp-1551-gal-costa-fa-tal-album-
duplo-ao-vivo-mc-_JM. Acesso em: 19/11/2009.

Sítio eletrônico Parada Musical


Capas de Rogério Duarte – LP - de Gilberto Gil.Fonte (Figura 41) Disponível em:
http://rd1audienciadatv.wordpress.com/2009/08/11/o-parada-musical-de-hoje-
homenageia-o-mestre-gilberto-gil/. Acesso em: 19/11/09.

Sítio eletrônico Discografia


Caetano Veloso: Araçá Azul (1972) (Figura 42). Disponível em:
http://300discos.wordpress.com/2009/09/01/cc28-caetano-veloso-araca-azul-1972/.
Acesso em: 19/11/09.

Costa: -FA-TAL- (1971) ( Figura 43). Disponível em:


http://www.galcosta.com.br/sec_discografia_list.php
Acesso em: 19/11/09.

Transa de Caetano Veloso – 1972 (Figura 45). Disponível em:


http://vagalume.uol.com.br/gilberto-gil/discografia/expresso-2222.html. Acesso em :
19/11/09.

Evolução da marca: Rede Globo de Televisão (Figura 45). Disponível em:


http://images.google.com.br/imgres?imgurl=http://amandadesigner.files.wordpress.com/
2008/04/evolucao_logo_rede_globo. Acesso em 13/11/2009.
LISTA DE ILUSTRAÇÃO

Figura 1 Logomarca para o Centro Cultural São Paulo (1982). 61


Figura 2 Escultura – Unidade Tripartida de Max Bill (1948/49). 64
Figura 3 Série Knots – desenhos de Escher. 64
Figura 4 Logomarcas criadas por Aluísio Magalhães. 64
Figura 5 Livro de Carlos Drummond de Andrade, Fernando Sabino, Paulo Mendes 65
Campos e Rubem Braga.
Figura 6 Livro de Lúcia Machado de Almeida. Ilustrações de Mario Cafieiro. 65
Figura 7 Cartaz de Rogério Duarte para o longa-metragem: 66
“Deus e o diabo na terra do sol” (1963/64), um ícone do Cinema Novo.
Figura 8 Capa do livro Tropicaos, de Rogério Duarte. 67
Figura 9 Logomarca Eucatex criada pelo design gráfico Alexandre Wollner, no ano 69
de 1964.
Figura 10 Livro: O desejo - Prêmio: Jabuti - Categoria: capa de Moema Cavalcanti. 70
Ano: 1991.
Figura 11 Livro: O desconforto da riqueza- Prêmio: Jabuti - Categoria: capa de 70
Moema Cavalcanti. Ano: 1993.
Figura 12 Cartaz de Guto Lacaz para a ECO92. 71
Figura 13 Cartaz para o Panamericana 96 Graphic Design. 74
Figura 14 Gastronomia Luso-Brasileira (Cozido completo, quindim) por Luciana 88
Brício (2008).
Figura 15 Marca para o Hotel Tropical, criada por Rubens Martins. 90
Figura 16 Primeira edição da Revista Careta com a ilustração de J. Carlos. 110
Figura 17 Cenas cariocas: O samba, Um almofadinhas em um café e as Melindrosas. 110
Figura 18 Papagaio de J. Carlos e o papagaio de Disney. 111
Figura 19 Desenho para coleção Fashion Rio em 2008 (estilista Jaqueline de Biase). 112
Figura 20 Desfile Fashion Rio em 2008. Moda Praia da Salinas da estilista Jaqueline 112
de Biase.
Figura 21 Sambódromo do Rio de Janeiro – Carnaval (criação de Fábio Ricardo, 113
baseada na vida e obra de J. Carlos).
Figura 22 Revista Para todos. Tipografia e ilustração de J. Carlos. 114

Figura 23 Fonte Samba, de Tony de Marco, homenagem a J. Carlos. 115


Figura 24 Revistas Klaxon – 1922. 121
Figura 25 Revista O Cruzeiro, de 1928. 122
Figura 26 Revista A Manchete, de 1952. 122
Figura 27 Revista Manchete, 5 março de 1960. 123
Figura 28 Cartaz de Antonio Maluf para a 1º. Bienal de São Paulo. Ano de 1951. 126
Figura 29 Cartaz de Antonio Bandeira para a 2º. Bienal e cartaz de Alexandre 127
Wollner para a III e IV Bienal.
Figura 30 Capa da revista Noigandres nº. 4 (1958), design de Hermelindo Fiaminghi. 127
Figura 31 Capa de disco de Nara Leão por César Villela, de 1963. 130
Figura 32 Capas da revista Senhor. 131
Figura 33 Primeiro número da Revista Realidade com Pelé na capa. 132
Figura 34 Cartaz de Rogério Duarte para o cinema marginal psicodélico de André 135
Luiz Oliveira. Filme: "Meteorango Kid, Herói Intergaláctico" (1969).
Figura 35 Cartaz de Ziraldo para o filme de Ruy Guerra “Os Fuzis” (1964). 136
Figura 36 Cartaz de Jaguar para o “Todas as mulheres do mundo” (1966). 136
Figura 37 Desenho de Aluisio de Magalhães (1965). 137
Figura 38 Desenho do Globo com hemisférios feito por Mauro Borja Lopes em 1966 137
e nova versão em 1973.
Figura 39 LP – de Caetano Veloso. Capa de Rogério Duarte. 138
Figura 40 LP – de Gal Costa. 138
Figura 41 LP - de Gilberto Gil. 138
Figura 42 Caetano Veloso: Araçá Azul (1972). 139
Figura 43 Gal Costa: -FA-TAL- (1971). Projeto gráfico de Luciano Figueiredo e 139
Oscar Ramos.
Figura 44 Expresso 2222 de Gilberto Gil – 1972. Criação do discobjeto: Álvaro 140
Guimarães – Projeto gráfico: de Aldo Luiz.
Figura 45 Transa de Caetano Veloso – 1972. Criação do discobjeto: Álvaro 140
Guimarães.
Figura 46 Raff de Hans Donner. 141
Figura 47 Evolução da marca: Rede Globo de Televisão. 144
Figura 48 Uma das fatias verticais projetadas pelos designers: Silvia Cabral e Julio 174
Cesar Takayama.
Figura 49 Parte do painel da BIREME. 175
Figura 50 Partes do painel da BIREME, contendo elementos diversos. 177
Figura 51 Última parte do painel, contendo o nome de todos os funcionários da 178
Instituição.
Figura 52 Instalação do painel. 179
Figura 53 Lenços em seda, pintados pela artista plástica e designer: Silvia Cabral. 181
Figura 54 Detalhe do painel, em forma espiral ou caracol. 181
Figura 55 Lenço em seda, pintado pela artista plástica e designer: Silvia Cabral. 182
Figura 56 A designer Silvia acompanhando a instalação do painel. 182
Figura 57 Algumas das fotos captadas no bairro da Mooca. 188
Figura 58 Tipografia digitalizada e fachadas das casas do bairro da Mooca: Lassala. 189
Figura 59 Fonte “Adrenalina” terminada: Lassala. 190
Figura 60 Processo de captação e digitalização das fontes: Lassala. 192
Figura 61 Alfabeto em caixa-baixa (minúscula): Lassala. 193
Figura 62 Alfabeto em caixa-alta (maiúscula): Lassala. 193
Figura 63 Composição de palavras com caracteres cambiantes: Lassala. 193
Figura 64 Caracteres desenhados tendo como base a lógica do conjunto: Lassala. 194
Figura 65 Caracteres acentuados: Lassala. 194
Figura 66 Fonte digital completa: Lassala. 195
Figura 67 Pôster produzido com a fonte: Lassala. 196
Figura 68 Arquitetura da Marca “Santa Mônica”: Kito. 201
Figura 69 Arquitetura da Marca “Santa Mônica” e opção com tagline: Kito. 202
Figura 70 Elementos da Assinatura “Santa Mônica”: Kito. 203
Figura 71 Malha construtiva: Kito. 204
Figura 72 Grafismo Padrão para material institucional: Kito. 204
Figura 73 Aplicações da marca no envelope “ofício”: Kito. 204
Figura 74 Aplicações da marca (adesivos para veículos): Kito. 205
Figura 75 Arquitetura da submarca “Fogão da Fazenda”: Kito. 205
Figura 76 Assinatura da submarca “Empório”: Kito. 206
Figura 77 Assinatura da submarca “Santinhos do Santa Mônica”: Kito. 206
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 18

PARTE I O TEMPO E SEUS REFLEXOS NA CULTURA.................. 26


I. Capítulo 1 Conceitos e concepções adotados acerca do tempo e dos
processos de criação.................................................................... 31
I. 1.1 Singularidades do tempo histórico............................................... 33
I. 1.2 Especificidades do tempo físico................................................... 37
I. 1.3 Em tempo: convergências entre complexidade e processos de
criação.......................................................................................... 43
I. Capítulo 2 O fenômeno da criação em processo......................................... 45
I. 2.1 Abertura não linear como alternativa........................................... 47
I. 2.2 A lógica do indeterminado como possibilidade........................... 49
I. 2.3 Espaços e tempos como potencial criativo.................................. 51
I. Capítulo 3 O pensamento complexo e os processos de criação:
articulações múltiplas no tempo................................................ 55
I. 3.1 Entre a percepção e o gesto: a migração do pensamento............ 60
I. 3.2 Entre o experimento e a produção: a reflexão por
empréstimos.................................................................................. 63
I. 3.3 Entre o projeto e a possibilidade: o início de uma ideia e o
tempo da espera............................................................................ 68
I.3.4 Entre a objetividade intencional e a previsibilidade: o
acaso............................................................................................. 71
I.3.5 A recompensa do pensamento...................................................... 74

PARTE II A HISTÓRIA CONTANDO O TEMPO DO DESIGN........... 78


II. Capítulo 1 Dupla vida: design e designer.................................................... 81
II. 1.1 Design como intervenção cultural................................................ 81
II. 1.2 Designer como tradutor de signos visuais.................................... 85
II. Capítulo 2 Impactos socioculturais do passado.......................................... 93
II. 2.1 Percurso intercultural e mestiço: o presente/passado................... 94
II. 2.2 Processo evolutivo e adaptativo: táticas diferentes de
permanência.................................................................................. 96
II. 2.3 Identificação e incompletude: uma longa duração....................... 101
II. Capítulo 3 O design gráfico brasileiro revelado no crivo do tempo......... 105
II. 3.1 Movimento criativo: repetições que se sucedem no
tempo............................................................................................ 108
II. 3.2 Caminhos da História: indícios culturais do tempo...................... 119
II. 3.3 História em movimento: contaminação, rupturas e
continuidades................................................................................ 129
II. 3.4 Tudo ao mesmo tempo agora........................................................ 142

PARTE III O DESIGN CONTANDO O TEMPO DA HISTÓRIA........... 150


III. Capítulo 1 Os emaranhados fios que tecem os processos de criação........ 155
III. 1.1 Aspectos da subjetividade: a contribuição do paradoxo.............. 155
III. 1.2 Exteriorização da subjetividade: liberdade e escolhas................. 161
III. 1.3 Em tempo: convergência e fusão entre complexidade, cultura e
processo........................................................................................ 164
III. Capítulo 2 Experiências ordinárias, consequências extraordinárias........ 170
III. 2.1 A força operativa nos processos de experimentar........................ 171
III. 2.2 Entre a expressão efêmera e a tradução permanente: o
processo........................................................................................ 183
III. 2.3 O passado presente no futuro....................................................... 197
III. 2.4 Fazer design: temporalidades materializadas em produtos
comunicativos............................................................................... 208

CONCLUSÃO ...................................................................................................... 213


BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................... 218
18

INTRODUÇÃO

A prática do design gráfico ocupa um lugar significativo na cultura. Está presente


no cotidiano em uma grande diversidade de suportes e materiais, que envolvem a mídia
impressa, a publicidade, a sinalização e as mensagens sociais em todas as escalas, explorando os
variados recursos gráficos.
Misturando tipografia, cor, imagens e outros elementos na criação de materiais
originais e exclusivos, o design gráfico

[...] abrange desde profissionais que projetam papéis timbrados para empresas
de pequeno porte até aqueles responsáveis pela concepção de projetos de
identidade visual para grandes corporações [...] Seja qual for o nível de prática,
porém, os designers gráficos empregam um jargão comum de signos, símbolos,
tipos, cor e padrão para criar mensagens e estruturar informações. (HESKETT,
2008, p. 64).

Nota-se, então, a amplitude de atuação dos designers gráficos, mas também o


modo crescente como estes fazem uso dos elementos visuais, que devem ser combinados, a fim
de possibilitar uma comunicação específica.
Dependendo do projeto gráfico, pode-se exigir a participação de formas
especializadas de trabalho, que demandam determinados domínios técnicos de tipografia, de
ilustração, de fotografia, de design de informação ou de design de interface para programas de
computadores, além de um amplo leque de atividade de comunicação.
Vale destacar que a expressão “comunicação” é usada aqui para sintetizar a
extensa variedade de materiais bidimensionais, que exercem importante papel na cultura, e a
ideia latente de cultura que ora se propõe está baseada em uma visão generalizada e dinâmica, a
qual se estende à vida cotidiana e que, por isso, aumenta “[...] em muito a complexidade e
pertinência das interações entre mídia, processos criativos e séries culturais. Pinheiro ( 2007, p. 69-73)
explica: “ [...] A cultura não pode ser vista como um projeto cumulativo na direção de um
coroamento linear no futuro, mas como uma rede de conexões entre séries, cuja força de fricção
e engaste ressalta a noção de processo dentro de sua estrutura”.
Tendo em vista que os conceitos de “rede” e de “processo” são atributos
constitutivos que compõem a estrutura da cultura, admitir-se-á nesta pesquisa a realidade cultural
como sistêmica e complexa.
19

Por isso os conceitos abordados por Vieira (2000; 2003; 2007; 2008a; 2008b),
balizados pela Teoria Geral de Sistemas (TGS), permitirão reconhecer o designer gráfico
brasileiro como um todo, ou seja, assim como o pensamento sistêmico considera o sistema vivo
imerso ou envolvido em uma interdependência de relações que trocam continuamente matérias e
energia, quer-se aqui apontar para o projeto de design como um sistema midiático, a par de suas
relações com um “todo maior”. Tudo isso, evidentemente, junto ao contexto histórico,
mercadológico e, principalmente, junto às complexidades que envolvem os processos de criação
de diferentes designers.
Tais possibilidades terão como analogia o universo primordialmente evolutivo,
em que tudo são fluxos, transformações e mudanças, apresentando padrões de probabilidades.
A fundamentação teórica acerca dos conceitos de rede e de processo na estrutura
da cultura terá como referência Pinheiro (2007; 2008), e o objeto central a ser abordado nesta
tese, que se refere às diferentes temporalidades presentes no processo de criação dos designers
gráficos, contempla, ao lado da Comunicação e da Semiótica, os conceitos de “processo de
criação em rede em construção”, propostos por Salles (2006).
Interessam o desenvolvimento das temporalidades presentes no processo de
criação dos designers e o modo como seus projetos passam a intervir no contexto amplo da
cultura. Dentre os mais variados elementos da cultura, encontra-se o design gráfico, que se
inscreve no plano das mensagens, dentro do cotidiano social.
Torna-se, por isso, relevante pesquisar a condução processual e evolutiva de
diferentes designers.
Todavia, particularizar-se-á a experiência de três designers, cujos universos
sígnicos, portadores de forma, materializaram-se ao adotarem elementos ligados à visualização,
por meio de imagens e textos.
Delimitar-se-ão os conceitos sobre “tempo”, “semiose” e “cultura” no interior das
produções gráficas dos referidos sujeitos.
Considere-se que, ao longo da história e da experiência humana, sempre houve
uma busca reflexiva pelos fenômenos que cercavam a natureza e diziam respeito ao tempo.
Nesse sentido,
20

[...] é sabido desde a própria origem do pensar filosófico que o tempo é um


enigma e um desafio insolúvel que se coloca ante a nossa capacidade de
compreensão. [...] A experiência do tempo é penetrante, íntima e imediata [...] o
tempo é um componente de todas as formas de conhecimento humano, de todos
os modos de expressão e está associado às funções da mente. É também um
aspecto funcional do Universo. (WHITROW, 2005, p. 9).

Dessa visão depreende-se que o tempo comunica-se com todas as áreas da vida
humana, estabelecendo, a partir da percepção e do modo como ele é compreendido, o princípio
da ação na vida pessoal e coletiva.
Aponta-se para o fato de que as consequências das experiências são resultado de
uma longa evolução, e a ideia construída acerca do tempo dá-se a partir do reconhecimento ou da
conscientização dos aspectos que caracterizam essas experiências.
Nesse sentido, torna-se um desafio compreender o desenvolvimento do processo
de criação na área do design gráfico quando se levam em conta a elaboração e o percurso da
produção individual e coletiva de alguns designers a partir dos documentos deixados por eles,
notadamente anotações, esboços, rascunhos, protótipos e, mais precisamente, seus desenhos e
projetos.
Quando observados pela ótica do tempo, especialmente devido ao avanço das
tecnologias e do trabalho digital, os documentos de processo tornam-se também fonte de
finalização de projetos.
O processo de criação, que está inserido no tempo, é, igualmente, um estado de
tempo particular para cada sujeito. A hipótese que se aventa caminha na direção de haver
diferentes temporalidades (internas e subjetivas) durante os procedimentos e as ações criativas
dos designers.
Apontar-se-á para tempos plurais (interno e externo), para a variabilidade de
ritmos, para a multiplicidade das noções de temporalidades presentes no processo de criação, as
quais, aliás, estão enredadas, coexistem. Vale dizer, a esse respeito, que esta não é uma questão
meramente quantitativa, como se se fosse computar, por exemplo, quantas horas alguém dedica
ao trabalho como uma variável para testar alguma hipótese.
Estão em jogo diferentes percepções dos designers relativamente ao seu ofício e
como eles se mantêm dentro de limites e impactos trazidos pela perspectiva mercadológica sobre
a sua produção criativa. Interessa, portanto, investigar não só o que se distingue e se isola na
21

produção criativa dos designers gráficos, mas também o produto que aparece e consagra o
projeto no tempo.
Algumas questões apresentam-se como problemáticas contundentes, visto que o
processo de criação dos designers é uma experiência com duração, ou seja, o projeto tem por
limite o prazo de entrega, mas é, ao mesmo tempo, um acontecimento singular no espaço e no
tempo. Então, como analisar um fenômeno (os processos de criação) que é, por natureza, tão
complexo? Como descrever os caminhos não lineares do pensamento que experimenta a criação
enquanto elabora projetos? Mediante as inúmeras variáveis que relacionam o fenômeno do
tempo ao processo de criação, como compreender os procedimentos e as ações dos designers
gráficos em suas diferentes temporalidades?
A hipótese aqui sustentada constrói-se indicando dois eixos: em primeiro lugar,
esta pesquisa pretende discutir a relação entre design e cultura, calhando reforçar que a cultura
será entendida como uma “rede de conexões entre séries, as quais ressaltam a noção de processo
dentro de sua estrutura” (PINHEIRO, 2007), na medida em que se compreende o design como
prática que intervém na cultura, sendo o designer tradutor de signos visuais.
Não se negligenciará o paradoxo econômico-cultural, que, por um lado, revela a
criação dos designers como processo aberto, mas, por outro, denuncia os limites que submete a
criação às leis de mercado.
Fundamentar-se-á a análise na ótica histórica, que se mistura à estética gráfica no
tempo, revisando o passado a partir de Braudel (1987), historiador que possibilita profunda
reflexão a respeito das experiências estéticas dos designers do passado, as quais não cessam de
prolongar-se na produção atual.
Em segundo lugar, construir-se-á o argumento, levando-se em conta o fenômeno
do tempo na perspectiva de existirem tempos plurais no processo de criação, os quais se
apresentam como índices progressivos da internalização subjetiva dos sujeitos, que os levam a
gerar projetos. Por isso, abordam-se nesta análise as diferentes temporalidades presentes no
processo de criação dos designers gráficos.
Esta pesquisa possui uma duplicidade quanto a seus objetivos gerais, pois
pretende compreender, num primeiro momento, o processo de criação como atividade interna do
sujeito, mental, que supõe conhecimento (linguagem e pensamento), percepção, aspectos
psíquicos, afetivos, sensório-motores e uma dinâmica que cresce em complexidade.
22

A posteriori, esforça-se por investigar o fenômeno do tempo como potencial


regulador das condições nas quais o sujeito desenvolve suas ações aliado ao pensamento que
prefigura projetos.
Esta pesquisa justifica-se do ponto de vista de que as especificidades que ocorrem
ao longo de um processo de criação, independentemente do objeto que se pretenda investigar,
são tecidas num contexto que define a “complexidade” como trajetória de toda ação. Parte do
pressuposto de que o tempo faz com que todas as variáveis do processo assumam,
sucessivamente, a dimensão do modelo aberto, que aceita a condição da incerteza e da dúvida.
Esse modo de ser inconstante e, de certa maneira, caótico das temporalidades e do
processo de criação segue a trilha das pesquisas efetuadas por Salles (2006), embasadas
teoricamente nos conceitos de “processos de criação em rede em construção”, presentes na linha
de pesquisa “processo de criação nas mídias”, em que se afigura possível investigar as semióticas
das temporalidades situadas no processo de criação, as quais abrigam a representação gráfica dos
designers e a cultura nas suas dimensões históricas, estéticas e comunicativas.
A investigação das temporalidades exige, como estratégia metodológica, a
superação dos métodos de investigação propostos a priori, pois, a cada desenho semiótico das
temporalidades, se faz necessário um novo planejamento, em virtude das especificidades de cada
pesquisa a ser investigada.
Entende-se aqui que as temporalidades situam-se como mediações entre os
processos de criação dos designers e o projeto finalizado. Portanto, a metodologia compreende a
investigação de teorias que se ocupem das questões do tempo, da semiose e da cultura.
Para buscar as características semióticas das temporalidades e dar conta de suas
variáveis e das variáveis presentes também no processo de criação, há que se analisar, pela
observação dos materiais gráficos, o desenvolvimento dessas temporalidades e o modo como
elas passaram a intervir no processo de criação dos designers, razão pela qual o corpus a ser
analisado será coletado com fulcro em leituras teóricas e em pesquisa de campo, as quais
contemplarão diferentes suportes que fazem uso do signo visual.
A bibliografia fundamental é composta por obras que relacionam duas linhas de
pesquisa do programa, a saber: “cultura e ambientes midiáticos” e “processos de criação nas
mídias”.
23

A primeira apoia os recortes “produção midiática, contexto histórico e cultural”; e


a segunda, “metodologia dos estudos de crítica genética com abordagem semiótica”. Serão
investigadas as etapas que entendem a obra como o resultado de um percurso de criação estético-
conceitual.
Traçar-se-á um roteiro de desenvolvimento de ideias para melhor entendimento da
estrutura desta pesquisa. Na Parte 1– discute-se “O tempo e seus reflexos na cultura”. A intenção
é esclarecer conceitos que nortearam esta tese: as singularidades do tempo histórico com Braudel
(1987) e do tempo físico com Prigogine (1996).
Propõe-se uma analogia da complexidade dos processos de criação com o
dinamismo do universo espaço-temporal, assumindo-se o pensamento paradoxal que acolhe a
estranheza do caos, o desagregamento, a desordem fecunda, a turbulência, mas também a
organização, as possibilidades e as escolhas que movem a semiose no interior do processo.
Construir-se-á o argumento, conforme já antecipado, levando-se em conta o
fenômeno do tempo na perspectiva de haver tempos plurais no processo de criação, os quais se
apresentam como índices progressivos da internalização subjetiva dos sujeitos, que os levam a
gerar projetos.
Esta tese de doutoramento acolhe o pensamento de teóricos como Eco (2005),
Prigogine & Stengers (1992; 1984; 1988; 2003), Morin (2003; 2006) e Vieira (2000; 2003; 2007;
2008a; 2008b), que discutem amplamente a complexidade e o princípio da incerteza de todo
sistema, assegurando que todo processo é, em suma, um processo de auto-organização, que
resguarda o sistema de manter-se no caminho da entropia.
Na Parte 2 - examinam “A História contando o tempo do Design”. A pretensão é
discutir a relação entre design e cultura, ressaltando e ampliando a noção de processo dentro da
estrutura cultural (PINHEIRO, 2007), na medida em que se compreende o design como prática
que intervém na cultura, sendo tradutor de signos visuais.
O design gráfico, por abrigar códigos, linguagens e tantas ações combinatórias de
signos, será entendido como uma série cultural que aponta para uma infinidade de relações
materiais que permeiam os subsistemas culturais, como as casas, as ruas e o trabalho,
exemplificativamente.
Várias serão as ações combinatórias entre códigos e linguagem produtiva do
design gráfico com outras séries culturais. Nessas contaminações entre códigos, verificam-se os
24

encaixes e as relações recíprocas com outros processos criativo-midiáticos: artes visuais,


publicidade, ambiente digital e música, os quais favorecem a compreensão da comunicação e a
sintaxe dessas intersemioses.
Por fim, na Parte 3 - “O design contando o tempo da História” em diante –,
pretende-se investigar o percurso criativo, corpus que será analisado pela coleta das produções
de três designers, dando-se destaque aos elementos visuais, como a composição visual, a
tipografia e o reposicionamento de uma marca no mercado, além de identificar e compreender
melhor os estudos de processos de criação.
Considere-se esta uma área do saber que se manifesta na incompletude de
qualquer ordenação rigorosa e que, por isso, desafia a previsibilidade, porque trabalha com o
acaso, com a incerteza e com o inesperado das múltiplas bifurcações do pensamento. Daí serem
adotados como modelo a dispersão do movimento, o estado dinâmico, a instabilidade e todos os
fenômenos implicados na lei da complexidade.
Encontra-se, na abordagem de Salles (2006), respaldo que ajusta a tríade: a
complexidade dos sistemas, as temporalidades do processo de criação e as representações dos
designers gráficos.
Tentar-se-á, nesta pesquisa, ainda que não exaustivamente, pois abarca um campo
demasiado amplo, contribuir com os etudos de determinados temas que envolvem os processos
de criação dos designers gráficos.
Toda a complexa discussão sobre espaço-tempo não será levantada neste trabalho,
pois tais territórios obrigam pesquisas de maior profundidade. Trata-se de investigar o percurso
criativo dos designers procurando mostrar que a díade tempo-espaço é constitutiva da
experiência da temporalidade humana. Como potencial sígnico, as temporalidades ditam o ritmo
da criação que varia de indivíduo a indivíduo e apresenta momentos que lhes são próprios.
Ficam, assim, excluídos uma determinação e um saber absoluto, pois a proposta
aqui é dialogar com ideias que movam sempre para um campo em que haja mais sombra do que
luz, um campo impreciso que tenha por objetivo apreender os modos operativos das
manifestações dos elementos feitos de incerteza, de incompletude, de instabilidade e de
intensidades variadas.
25

Aproxima-se, destarte, do exercício da subjetividade que descreve os processos de


criação e do modo como as traduções intersemióticas de diferentes designers gráficos passaram a
intervir e a marcar a cultura.
26

PARTE 1 - O TEMPO E SEUS REFLEXOS NA CULTURA

Quando se pensa na intensidade da vida, no fluxo da história, no cotidiano, no


comportamento e nas ações humanas, valorizam-se intensamente o instante, as horas, os dias, a
duração, o tempo, enfim.
Todavia, constata-se que o tempo foi e ainda é compreendido de várias maneiras.
Pode ser entendido como fenômeno, mensurado em antes e depois, ou também dado a priori.
Com efeito, percebe-se, no senso comum, o tempo imerso no cotidiano pelo uso
da linguagem e também da sensibilidade:

[...] A sensibilidade está sempre em atraso em relação às aquisições da


inteligência, e ainda hoje somos levados ancestralmente a pensar que o “sol se
ergue” mesmo que já faça três séculos e meio que nossos antepassados
aprenderam na escola que o sol não se move. (ECO, 2005, p. 158).

Daí que o entendimento mais habitual sobre o tempo acontece na realização e no


cumprimento das tarefas estabelecidas e nas questões imediatas que surgem no presente. É
sempre o tempo para fazer-se algo.
Assiste-se ao passar das horas, dos dias, dos meses, na alternância entre dia e
noite. Conta-se e mede-se o tempo nos parâmetros do relógio e do calendário, e é ele percebido
como uma sucessão linear de instantes sequenciais.
O tempo que aparece a todos, vulgarmente, é o cronológico, é o da continuidade.
Sente-se o tempo histórico na alternância de mecanismos de conservação, reprodução e
destruição.
Por outro lado, também se percebe a pulverização do tempo longo que rege o
cotidiano quando se observa o universalismo da urgência, do curto prazo, do acelerar do tempo
exposto pela impaciência das mídias em geral.
O tempo pode ser percebido, outrossim, de forma variada dependendo de cada
cultura, determinando a relação dos indivíduos com a realidade e a visão às quais os povos estão
sujeitos:
[...] Nos tempos antigos se media o tempo, como em outras terras, pela
observação astronômica acompanhada de cálculos matemáticos. O Sol, a Lua e
Júpiter eram cuidadosamente localizados e presidiam diversos calendários.
(LANE, 1975, p. 41).
27

Há os que percebem o tempo como algo abstrato ou selado pelo evento. Alguns
povos atribuem uma lógica mágica ao tempo; outros o percebem como forma circular, feito de
processos repetitivos.
Existe “uma diversidade de ideias e de enfoques”1 na concepção grega do tempo,
conforme assegura Ricoeur (1975, p. 171). Pode-se constatar tal pressuposto por meio de
consulta a dicionário de língua grega, em que se encontra a palavra Kairós, que traz no seu bojo
o significado “oportunidade; ocasião; tempo conveniente; vantagem; um tempo presente ou
particular” 2.
Kairós é a habilidade de agarrar a ocasião. É um acontecimento que tem sua hora.
“Para Benjamin, o Kairós é o momento da legibilidade e da visibilidade de um acontecer: é o
instante de seu reconhecimento de sua conhecibilidade [...]” (MATOS, 1992, p. 253).
Kairós é um tempo apresentado pelo apóstolo Paulo na sua carta aos Gálatas.
Segundo o relato do apóstolo (Gálatas 4:4), foi “na plenitude do tempo” que Cristo nasceu. O
que caracteriza o emprego de kairós é que ele designa, no tempo, um momento determinado,
aplicado ao decreto divino quanto à história da salvação.
No grego clássico, há ainda outras duas visões de tempo: aiôn, palavra que indica
duração da existência, idade, geração e eternidade, como também a palavra Ckronos, referindo-
se a intervalo de tempo. Ckronos é o tempo medido pelo relógio: os segundos, os minutos e as
horas (ILOUD, 1975, p. 136).
Na mitologia grega, especificamente na literatura de Hesíodo (1986), Ckronos,
filho de Gaia, deusa da terra, e de Urano, deus do céu, corta os órgãos sexuais de seu pai e atira-
os ao mar – atitude violenta a que foi instigado por Gaia, em razão do ciúme ardente que nutria
por Urano.
Ckronos tornou-se o primeiro rei dos deuses e viveu no Olimpo sob a ameaça de
que seria substituído por um de seus filhos. Tal profecia fê-lo devorar cada filho e apenas Zeus
foi salvo de sua ira.
Tais ideias foram apreciadas por muitos filósofos e reconhecidas por diferentes
culturas. Talvez por isso se tenha a tendência de perceber a dimensão do aiôn grego quando se

1
Ricoeur (1975) reúne diferentes autores que ampliam a visão acerca do tempo em diferentes culturas. Cf.
RICOEUR, Paul. As culturas e o tempo. Estudos reunidos pela Unesco. Trad. de Gentil Titton, Orlando dos Reis e
Ephraim Ferreira Alves . São Paulo: Vozes, 1975.
2
Cf. S. J. PEREIRA, p. 288.
28

sente que a vida fenece e desvanece como uma neblina que logo passa. Observa-se a finitude
sendo devorada por Ckronos e, por isso, deseja-se, desesperadamente, aproveitar o Kairós, a
apoteose de cada instante.
Do ponto de vista judaico-cristão, o nascimento do cosmos e do tempo tem como
ponto de partida a narrativa bíblica no livro do Gênesis e sugere um tempo linear, que se passa
na relação de Deus com o homem, no contexto da história. Assuma-se, então, a linearidade do
tempo e da história a partir de Cristo, a partir do “Verbo que ser fez carne e habitou entre nós”
(João 1:14), uma epifania que se realizou na temporalidade histórica.
Não obstante, os processos que se repetem na realidade, como o ciclo das
estações, por exemplo, transmitem a ideia de viver o tempo como um “eterno retorno”. Porém, a
ideia oposta a esta indica o irreversível e inevitável conceito de finitude e o caráter transitório da
juventude, apesar dos esforços por rejuvenescimento e do mito da imortalidade.
Com o avanço do tempo, o ser humano aproxima-se da morte e ganha consciência
de que está caminhando para um fim. A finitude do homem anuncia-se de maneira impiedosa e,
ao cogitar acerca de seu lugar limitado no universo, o homem percebe também os limites que o
tempo lhe impõe:

[...] Poderei eu dizer que sou esta vida que sinto no fundo de mim, mas que me
envolve tanto pelo tempo formidável que ela impulsiona em si e que me eleva
por um instante sobre a sua crista, mas também pelo tempo iminente que me
prescreve a minha morte? (FOUCAULT, 2005, p. 363).

As perdas, os sofrimentos, todos os males que acometem a humanidade e roem


anonimamente a existência cotidiana do ser vivo são indefinidos e podem ser considerados por
muitos como destino, castigo, até mesmo como ameaça que pune. No entanto, para outros,
possibilidade de libertação, esperança e renascimento numa outra vida após a morte. Como
forma concreta da existência finita, a eternidade oferece-se ao apetite primordial do ser humano
como retorno à vida.
De qualquer maneira, seja qual for a percepção do tempo adotada, toda relação
espaço-temporal costuma ser constituída se houver um movimento que evidencie e determine a
passagem do tempo. Em outras palavras, só pode haver tempo a partir de um referencial
perceptivo que estabeleça relação com algo constituído no espaço-tempo.
29

Compreender o tempo, a passagem do tempo e as forças do tempo como


contagem e datação é a forma de acessar suas dimensões possíveis, conservando-se a ilusão de
controle sobre a realidade. É um esforço progressivo pela permanência e uma das possibilidades
de saciar a busca de sentido de referência enquanto espécie que pertence e existe no mundo.
Saindo do território do senso comum, nota-se que, ao longo do tempo, grandes
transformações afetaram a ciência, a técnica, a economia e a sociedade, as quais caminharam por
trilhas diversas em busca de respostas.
Pensou-se estar no centro do sistema solar, mas as aspirações das teorias de
Galileu (1564-1642) mudaram a visão de mundo e desencadearam o racionalismo científico de
Isaac Newton (1643-1727).
O tempo como absoluto, verdadeiro e matemático, regulador universal do fluxo
de todas as coisas, foi um dos fundamentos da cosmovisão newtoniana. A visão ampliada de
Einstein (1879-1955) quebra a ideia newtoniana de tempo absoluto ao propor a relatividade do
tempo3, como também propôs a existência de um espaço curvo, em que a luz sofre desvios,
obedecendo a essa curvatura, por onde passa.
O tempo pode ser percebido como ilusão dos sentidos, ainda que seja métrico.
Com Einstein, chega-se à ideia de espaço-tempo contendo os dois termos coexistentes4.
Sem ignorar as discussões interpretativas e as riquezas acumuladas acerca das
variadas abordagens sobre o tempo, permanece diante de nós a perplexidade de Santo Agostinho:
“Quid est enim tempus?”5.
Não será necessário apoiar-se em uma resposta ou em um conceito único sob pena
de paralisia total, pois os conceitos de tempo, como também de espaço, embora sejam
fundamentais para a Filosofia e para a Física, não se resumem a apenas uma abordagem.
Há muitos outros conceitos que também sofreram e sofrem mudanças ao longo da
história, do mesmo modo que se diferenciam do ponto de vista epistemológico.

3
A relatividade do tempo aqui exposta refere-se ao fato de que as grandezas “tempo, espaço e velocidade” passam a
depender do sistema de referência (do observador) adotado. A partir das ideias de Einstein, rompe-se a noção de
tempo absoluto.
4
Toda a informação aqui acerca do tempo, quando não explicitada a fonte bibliográfica, é fruto de anotações da
autora durante as aulas do Prof. Dr. Jorge de Albuquerque Vieira, na disciplina “Processos midiáticos e produção de
conhecimento - Tempo, Semiose e Comunicação” (COS-PUC/SP - 1º. Semestre de 2008).
5
“Que é o tempo?”. Cf. ROBINET, Jean-François. O tempo do pensamento. Trad. Benôni Lemos, São Paulo:
Paulus, 2004. (p. 66).
30

Tem-se consciência de que a abordagem deste trabalho de pesquisa não faz justiça
aos conceitos utilizados pelos historiadores e pelos cientistas. Não se pretende aqui avançar na
investigação das características da lógica da ontologia e do conceito que espaço-tempo comporta,
visto serem muitas as perguntas a exigir resposta. Espaço-tempo seria objeto? Seriam
propriedades ou entidades distintas? São conceitos conflitantes ou são compatíveis? Seriam
absolutos ou relacionais? Enfim, tais perguntas talvez estimulem outros a prosseguirem por tais
caminhos.
Nesse sentido, esta pesquisa não terá o caráter de uma inspeção ontológica, senão
o de uma contribuição mais modesta.
Porém, será possível estudar os dois conceitos qualificando-os de signos e
linguagens em relação às propriedades que os identificam na experiência cognitiva e
comunicativa. “[...] temporalidades e espacialidades correspondem, pois, às manifestações do
tempo e do espaço enquanto signos e estruturas de linguagens que os tornam perceptíveis no
plano da cultura” (FERRARA, 2008, p. 85) 6.
O diálogo que ora se propõe, pretende a investigação das variadas manifestações
comunicativas dos designers gráficos que se articulam no cotidiano da dinâmica que caracteriza
a cultura. A temporalidade apresenta-se como elemento que intervém no modo como o trabalho
deles se comunica pelas experiências e ações que se dispersam no cotidiano quando conferem à
bidimensionalidade uma especial visualidade inventiva e informativa.
Para projetar o pensamento da criação em processo no objeto “design gráfico”,
far-se-á uso do simbolismo e da linguagem do espaço-tempo, amparando-se nos pressupostos do
tempo-histórico de Braudel e do tempo físico de Ilya Prigogine.
Com isso, a intenção é, claramente, apontar para o fato de que ambas as visões
acerca do tempo articulam a experiência humana da vida com o tempo do universo e da história,
forçando todos a uma leitura da realidade do fenômeno cultural na dimensão de um sistema
sempre aberto, que se oferece no contexto da história – lugar em que se permitem a
comunicação, a experiência vivida, as trocas e os envolvimentos interativos com outros tipos de
sociedade e com as várias linguagens, as quais possibilitam novas significações.

6
Ferrara (2008, p. 86) se dedica à investigação das espacialidades, mas não omite “[...] o labirinto que nos
encontramos, ao tentar discriminar temporalidades e espacialidades que se distinguem no tempo e no espaço”. Não
obstante, a este fato, a autora aponta para a importância de investigarmos isoladamente ambos os conceitos.
31

I. Capítulo 1 - Conceitos e concepções adotados acerca do tempo e dos processos de criação

O aprofundamento acerca das diferentes concepções de tempo requer, como


citado, uma investigação detalhada, visto ser este um tema de ampla diversidade de ideias, não
apenas nos debates e controvérsias filosóficas, mas em terrenos alheios à filosofia, a saber:
Física, História, Psicologia, Arte, Religião e Biologia, dentre outras.
Parte-se da hipótese de que há no processo de criação não um tempo regulador,
mas tempos plurais, como, por exemplo, o tempo lento, o acelerado, o alternado, o ilusório, o
explosivo, o cíclico, o da percepção, o das possibilidades, o do improvável, o do acaso, o da
diversidade, o do ritmo do serviço, o da certeza, o da dúvida, o da permanência, o da
simultaneidade, o do efêmero, além de tantos outros.
As teorias dos processos criativos de base semiótica, de modo mais específico, os
processos criativos que são discutidos como redes complexas em permanente construção,
desenvolvidas por Salles (2006), são delineadas exatamente em função do tempo.
O tempo é um fenômeno importante no trânsito interdisciplinar, motivo pelo qual
se permite revisitar tal categoria neste capítulo, efetuando uma operação sincrética ao se
incorporarem as contribuições do campo da História e da Física, ao lado da Comunicação e da
Semiótica. E, neste caso especificamente, na linha de pesquisa de Processos de criação nas
mídias, área que entende “a obra como o resultado de um percurso de criação estético-
conceitual”, promover-se-á uma comunhão desses saberes.
O objetivo é refletir acerca das representações que se fazem do tempo histórico e
físico no esforço de visualizar possíveis relações entre as variáveis que relacionam o tempo,
buscando uma melhor compreensão dos procedimentos e das ações do indivíduo dentro das
temporalidades presentes no processo de criação.
Para esta pesquisa, optou-se por uma abordagem acerca do tempo a partir de uma
gramática que aponte os paradigmas da “complexidade”, da “transformação”, da “mudança” e da
“interdependência”, abandonando-se os pressupostos deterministas, visto que a analogia do
tempo de processo de criação que se propõe está fundada na complexidade das mudanças do
universo, o qual opera pela lei do mutável e variante e na interdependência dialética do macro
com o mega, os quais compreendem os processos humanos e os do universo imbricados numa
relação dinâmica.
32

Apresentam-se aqui dois tempos: a dialética da duração de Fernand Braudel


(1902-1985), historiador francês que insere o conceito de “longa duração” na epistemologia da
História do século XX, e a concepção de tempo irreversível, o tempo da Física, com Ilya
Prigogine (1917-2003), físico químico de origem russa, ganhador do prêmio Nobel de Química
em 1977.
Fernand Braudel e Ilya Prigogine serão, neste capítulo, referências centrais, pois
ambos se destacam como autores absolutamente proeminentes no que diz respeito à temática que
ora se propõe.
Embora ambos apontem perspectivas diversas acerca do tempo, trazem no cerne
de seus pensamentos duas abordagens especialmente caras às pesquisas que investigam os
processos de criação.
A primeira diz respeito ao caráter interdisciplinar, que opera mediante a
incorporação de novos territórios de conhecimento; a segunda é o pensamento complexo, que
abarca a oposição e os paradoxos envolvidos: caos/ordem, tranquilidade/turbulência. Enfim,
integra a sociedade e a natureza, o indivíduo e o coletivo, a cultura e o meio ambiente.
O propósito será refletir sobre as noções do tempo na História e na Física para,
depois, dirigir a atenção aos processos de criação, no intuito de dialogar com a área de design
gráfico, a fim de apontar possíveis contribuições em relação ao tempo do pensamento em criação
vinculado à cultura brasileira.
Ao optar-se pelos pressupostos de Fernand Braudel e pelo pensamento de Ilya
Prigogine, não se pretende aprofundar-se nas explicações e nas definições técnicas que tais
teóricos se propuseram, visto não ser esta a prioridade da tese. Cabe esclarecer, contudo, que a
visão de ambos a respeito do fenômeno do tempo sustenta o argumento de que o processo de
criação é um sistema aberto, mas sobretudo complexo.
É possível estabelecer uma analogia entre o tempo histórico e o tempo físico,
considerando o processo de criação um fenômeno contínuo, porém complexo, pelo paradoxo que
abarca: a certeza e a dúvida, o acerto e o erro, sendo a semelhança da história e do universo um
infinito campo do possível.
33

I. 1.1 - Singularidades do tempo histórico

As teorizações que dizem respeito ao espaço têm sido contempladas com interesse
pelos estudiosos da Geografia, da Arquitetura, da Sociologia e mesmo da História, para citar
algumas áreas que apontam diferentes perspectivas sobre esse assunto. Em uma primeira mirada,
nota-se que, o espaço possui uma dimensão concreta, pois o lugar ganha materialidade e compõe
a existência humana, mas o diálogo sobre o tempo, talvez pela aparente simplicidade que tal
fenômeno indica, muitas vezes passa a ser pouco considerado como objeto de estudo nas áreas
das ciências humanas. Outros, ao contrário, indicam que o tempo possui certa primazia sobre o
espaço.
Todavia, ao se envolver com o silencioso processo da criação, depara-se com a
importância que possuem o tempo e o espaço, mas, para observar a dinâmica do trabalho criativo
dos designs gráficos nos dias atuais, é preciso olhar para o binômio espaço-tempo como
fenômeno sígnico que interfere nas dimensões comunicativas e atua nas manifestações culturais.
Porem, a análise das temporalidades que se processam nos projetos dos designers possibilita,
entretanto, um olhar retrospectivo que entenda os eventos dessa área, que se passaram e estão
inseridos na história.
Tradicionalmente, os historiadores percebiam a história a partir da dimensão dos
fatos e das dinâmicas mudanças que marcavam os eventos, os quais passavam a ser datados. Reis
(2000) coloca em evidência que uma nova concepção de história foi adotada e discutida
teoricamente em torno da revista Annales D'Histoire Économique et Sociale (1929-1939),
fundada por Lucien Febvre e Marc Bloch. Surgia nessa época a necessidade de conceber uma
história mais abrangente, e as discussões que envolviam temáticas como "acontecimento",
"evento", "longa duração", “mudança” e “permanência” destacaram-se e foram alimentadas por
Braudel (1972; 1987; 1989). No pensamento da Escola dos Annales7, a necessidade de
redescobrir-se o homem superava a história contada pela ordem dos fatos e marcada pelos
eventos.
7
A revista dos Annales foi fundada em 1929 e seus principais representantes da primeira geração foram: Marc Bloc e
Lucian Febvre. O moviemento dos Annales ficou conhecido como Escola dos Annales e Braudel se destacau com
maior força nos anos 60 como representante da segunda geração. Por fim a terceira geração ou a chamada Nova
História, destacam-se historiadores como LeGoff e Duby. Embora não haja um consenso, a partir dos Annales a
História passa a ser vista com a tendência a torna-se interdisciplinar, sem fronteiras; ampliando assim, as
possibilidades nos estudos das humanidades (pois preocupou-se com questões sociais e com os diversos tempos
vividos pelo homem).
34

O momento histórico que levou determinados nomes (como Febvre, Bloch,


Braudel e outros) a se destacarem na proposta de uma nova maneira de ver a história encontrou
sua razão no contexto dos autores que estavam pressionados pelo tempo vivido no século XX, na
Europa (especialmente na França), pela consciência de que a finitude humana fora marcada pelos
eventos dramáticos das guerras internas e externas:

Era também o fim da Europa como centro da grande história. Os maiores nomes
dos Annales escreveram suas obras pressionados por aqueles eventos, sem notas
ou livros, prisioneiros em um campo de concentração e combatendo contra
poderes totalitários e racistas [...] Os Annales refletiram a nova posição
descentrada da Europa em relação ao mundo, e toda destruição, violência,
genocídio e toda sorte de horrores dos acontecimentos a que eles assistiram: [...]
eles aspiram à paz de uma “longa duração” [...] Eles aspiraram ao repouso de
um tempo harmonioso, harmonia construída pela articulação dialética da
multiplicidade de tempos. (REIS, 2000, p. 32).

Para Braudel (1972), desconstrói-se a ideia de um tempo único, linear e


hegemônico. Importavam em sua visão os fenômenos históricos que durariam no tempo, que se
repetiam e se tornavam habituais. Tal importância era maior do que a preocupação com as datas
dos fatos.
Seu pensamento vinculava o homem a distintas temporalidades e a ritmos
variados. A história apresentava-se, então, entrecruzada por tempos, realidades e fenômenos
diversos e sobre isso ele comenta:

[...] a evidente multiplicidade das explicações da história, sua cisão em pontos


de vista distintos, suas próprias contradições, tudo isso se concilia, de fato,
numa dialética peculiar à história, fundada na diversidade dos próprios tempos
históricos: tempo rápido dos acontecimentos, tempo esticado dos episódios,
tempo lento, preguiçoso, das civilizações. (BRAUDEL, 1989, p. 20).

Os vários teóricos da Escola dos Annales promoveram profundas transformações


na ciência da história, especialmente Braudel, que optou por uma compreensão da história menos
narrativa, preferindo uma abordagem social que levasse em conta a vida dos homens juntamente
com a dimensão global, do todo, ou seja, o homem e todas as suas atividades e criações estão
tecidos na realidade complexa que envolve a dimensão do psicológico, do familiar, do
econômico, do social, do geográfico, do cultural, do científico e mais tantas áreas que afetam o
humano. Reis (2000) explica:
35

Os Annales e Braudel em particular constituirão o conceito de “longa duração”,


que ao mesmo tempo se inspira e se diferencia do conceito de “estrutura social”
das ciências sociais [...] A relação diferencial entre passado, presente e futuro
enfraquece-se, isto é, a representação sucessiva do tempo histórico é enquadrada
por uma representação simultânea. As “mudanças humanas” endurecem-se,
desaceleram-se. Tornam-se compatíveis aos movimentos naturais e incorporam
qualidades desses [...] (REIS, 2000, p. 18).

Dessa forma, admite-se uma história de concepções que não cabe nas explicações
de causa e efeito da história tradicional. As estruturas pautam-se pelo tempo de “longa duração”,
em que os acontecimentos e as determinações passadas interferem no presente, tornando possível
ao historiador perceber os princípios e os comportamentos internos de cada estrutura social,
desde que recorra ao passado, pois é o passado que aponta as determinações do presente. É no
tempo de longa duração, com o peso do passado, que se ganha força sobre o presente.
“Com efeito, não há história que não responda, pela interrogação e por via do
passado, às curiosidades, incertezas e problemas do presente” (BRAUDEL, 1989, p. 1).
Em Braudel, “[...] os mecanismos sociais tendiam à inércia, são prisões de longa
duração: código civil, mentalidades, estruturas sociais”. Nessa mesma toada,
Ignorar o passado comprometeria a ação no presente. Entretanto, por outro lado,
o presente não se explica exclusivamente pelo passado imediato, ele possui
raízes longas e é também um conjunto de tendências para o futuro e é o espaço
de uma iniciativa original. O presente está enraizado no passado, mas conhecer
essa raiz não esgota o seu conhecimento. Ele exige um estudo em si, pois é um
momento original, que combina origens passadas, tendências futuras e ação
atual. (REIS, 2000, p. 85).

É o tempo passado, o tempo da longa duração, que permite as “permanências” e a


continuidade dos modos de agir e de pensar, como também as atividades cotidianas: as rotineiras
e habituais, que, muitas vezes, são até inconscientes. O autor não oculta as limitações de seus
pensamentos ao assumir as dificuldades em abordar a história do ponto de vista da longa duração
e discernir propriamente a longa duração. Percebe-se isso quando ele escreve: “[...] porque os
ciclos, os interciclos, as crises estruturais ocultam as permanências de sistemas, isto é, velhos
hábitos de pensar e de agir, quadros resistentes, por vezes contra toda a lógica” (BRAUDEL,
1972, p. 24). Aquilo que não está comumente escrito nos registros históricos, aquilo que é
rotineiro e habitual é por ele valorizado:
36

Inumeráveis gestos herdados, acumulados a esmo, repetidos infinitamente até


chegarem a nós, ajudam-nos a viver, aprisionam-nos, decidem por nós ao longo
da existência. São incitações, pulsões, modelos, modos ou obrigações de agir
que, por vezes, e mais frequentemente do que se supõe, remontam ao mais
remoto fundo dos tempos. Muito antigo e sempre vivo, um passado
multissecular desemboca no tempo presente como o Amazonas projeta no
Atlântico a massa enorme de suas águas agitadas. (BRAUDEL, 1987, p. 9).

O tempo, então, estabelece-se no rotineiro, e o modelo de tempo, não linear, não


determinista, é o que compreende a multiplicidade das durações, em que o coletivo movimenta a
história. É o tempo reconstruído que, na sua complexidade, admitem a coexistência da
multiplicidade, dos tempos plurais presentes na vida social.
O tempo histórico de Fernand Braudel supõe uma dialética da duração em que
estão incluídos os tempos sazonais, que parecem repetir-se, ou tempos eventuais, que se
afiguram únicos e conferem um grau de dinamismo à história.
Seus pressupostos dizem respeito ao tempo social que constrói o caminhar dos
homens, demarcando gerações, criando ritmos que regulam suas vidas, seus trabalhos e suas
linguagens. Reis (1994) esclarece que, nessa visão, o tempo da história não é contínuo, não é
progressivo, não é cumulativo, não é direcionado. Deixa de ser linear e global e passa a ser, por
isso, diferenciado:

Por serem plurais, os tempos históricos não se articulam em uma globalidade. O


novo tempo histórico consiste em uma hipótese contraria à do tempo filosófico;
o tempo não é progressivo, mas pluridirecionado; não é global, mas múltiplo.
Continua-se a se sustentar o caráter objetivo dos processos temporais, mas estes
não são conhecidos especulativamente, mas teórica e empiricamente. Enquanto
imanente aos processos objetivos, o tempo histórico revela antes sua
pluralidade, a sua multiplicidade, a sua descontinuidade, as suas assimetrias, as
suas irreversibilidades particulares e jamais a unidade total. Não se tem mais a
unidade, mas a diversidade. (REIS, 1994, p. 31).

A tendência dessa visão é considerar todo fenômeno que se passa na história


como um fenômeno de conjunto, um fenômeno lento que não acontece com datação precisa, mas
que vem à luz por implicações de origens longínquas.
Da mesma forma, o processo de criação, que poderá ser percebido pela produção
dos designers gráficos e que constitui vetor básico para a comunicação de veículos gráficos,
37

poderá ser lido no tecido da cultura e melhor compreendido se examinado sob a ótica de um
tempo que abriga e reconhece temporalidades múltiplas e que não se faz sem a história.
Dentro dessa visão, em que as considerações acerca do tempo fazem-se tão
complexas, é que se pode apontar para uma convergência entre a História e a Física, entre o
pensamento de Braudel e de Prigogine, pois há, nessas duas formas de pensar o tempo, a
presença da liberdade, da imprevisibilidade, de certa plasticidade, ausente no modelo clássico. O
processo de criação pode absorver tal modelo como paradigma.

I. 1. 2 - Especificidades do tempo físico

Na dinâmica da física clássica, ou seja, nas ciências naturais do século XIX, a


conservação de energia era a condição de todos os sistemas, base para o primeiro princípio da
termodinâmica, que se estendia de forma prática para todos os demais sistemas.
Nesse princípio, havia a consideração e a hipótese de troca de fluxo de energia
entre os corpos, sem, entretanto, levar-se em conta a perda dessa energia. Estava implícito nessa
visão um universo em constante equilíbrio. A ênfase em energia e na sua conservação surgiu
como preocupação em consequência das máquinas térmicas e mecânicas, que deveriam ser
projetadas com o objetivo de se destacarem em qualidade e em rendimento.
Essas descobertas impulsionaram o processo da revolução industrial, conforme
afirma Calabrese (1988, p. 159-160). O autor descreve que Prigogine atualizou a visão clássica
da realidade, que era tida como em permanente equilíbrio, para uma nova realidade sujeita a
perturbações, com fulcro no segundo princípio da termodinâmica, o qual considera que os
sistemas térmicos tendem a dissipar energia, mas que caminham também na tentativa natural de
retornar ao equilíbrio.
Greiner (2008, p. 38) destaca o fato de que o segundo princípio da termodinâmica,
“que previa o aumento inevitável da entropia, de fato, já havia sido discutido pela primeira vez
por Jean Joseph Fourier em 1811, que ganhou o prêmio da Academia pelos estudos da
propagação de calor nos sólidos [...]”.
38

O princípio da entropia8 sempre crescente e a sua irreversibilidade9 são apontados


por Prigogine como “flecha do tempo” que caminha e desenha um curso para uma
complexidade, uma “termodinâmica generalizada”, cujas estruturas dissipativas (capazes de
importar energia e exportar entropia) permanecem em estados de flutuação:

[...] Os estudos dos processos dissipativos colocam em questão os conceitos de


estrutura, de função e de história. Até aquele momento, a maioria dos cientistas
(tanto nos estudos da teoria da relatividade como da física quântica) explicava o
tempo como sendo reversível, passível de retornar ao começo. Mas a partir de
Prigogine, a irreversibilidade tornou-se a principal fonte de ordem e de
organização. O tempo poderia, finalmente, medir as evoluções internas de um
mundo em desequilíbrio. (GREINER, 2008, p. 38).

É nesse contexto que Prigogine explica a vida como ordem que tende à
alternância entre equilíbrio e não equilíbrio. Vida propensa à instabilidade e que permanece à
custa das trocas que um determinado sistema mantém, em seu interior, com o mundo exterior. Na
busca dos sistemas vivos pela auto-organização, ocorrem a evolução e as inovações, as quais
caminham e avançam em complexidade cada vez maior.
Prigogine (1996) apresenta a complexidade do universo e destaca o fato de as
ciências clássicas insistirem nas discussões deterministas sobre o estável, o equilíbrio, “enquanto
hoje em dia, por toda parte, vemos instabilidade, evolução, flutuação”. Ele aponta o universo
envolvente, de sistemas dinâmicos, que avança pela entropia e prolonga-se em complexidade.
Por isso afirma: “[...] não nos falem mais de certeza, mas de possibilidade. E que, nessas
condições, o pensamento do incerto seja simultaneamente o pensamento do novo, da inovação,
das probabilidades” (PRIGOGINE, 2003, p. 53).
A ideia de um mundo equilibrado e ordenado já não o é, sobretudo nas relações
humanas. A busca pela origem, pela essência, pela raiz e mesmo pela identidade transforma-se

8
Segundo Vieira (2003, p. 292), “a entropia é a medida da desordem, um termo, como já dito, algo ambíguo, que se
refere mais à desorganização, ou seja, ao rompimento da integralidade de um sistema, com a queda de sua coesão e
dissolução de seus subsistemas. Ela denota uma ‘forma de complexidade’, aquela associada às formas de baixa
organização. A termodinâmica, em seu segundo princípio, mostrava um universo irreversivelmente caminhando para
uma degradação térmica final, a ‘morte térmica do Universo’, visão predominante na década de 50. Este princípio
pode ser assim enunciado: durante processos reais, a entropia de um sistema isolado sempre cresce. No estado de
equilíbrio, a entropia atinge um valor máximo”. (HARRISON, 1975, p. 43).
9
Este princípio é o equivalente da segunda lei da termodinâmica: a entropia cresce em sistemas térmicos isolados
(não sofrem interferência externa, portanto não trocam matéria nem energia com o meio exterior), em que ocorrem
processos irreversíveis.
39

pela visão que impõe pensar-se a complexidade planetária de forma simultânea: os aspectos
gerais da vida, mas também as singularidades; as condições estáveis e as condições instáveis; a
ordem e a desordem; enfim, trata-se de aceitar a contaminação entre os sistemas sígnicos e
rejeitar todo pensamento binário, tendo em vista que a vida é um sistema aberto, que comporta
todas as oscilações, misturas e mesclas e toda a contradição que soma e se complementa. “[...]
Para onde quer que dirijamos nosso olhar, é com a mistura que nos deparamos, na qual o simples
e o complexo estão lado a lado, sem se oporem de maneira hierárquica [...]” (PRIGOGINE,
1992, p. 72).
Portanto, nessa base, ponha-se em relevo o sentido proposto por Vieira (2003, p.
297) quando considera que as ideias de Prigogine “[...] esclarecem muitos pontos já antevistos
por pensadores como Peirce, por exemplo”10. Vieira continua:

Se realmente aceitarmos a semiótica peirceana como uma boa representação da


realidade, com status de uma ontologia, é de se esperar que inovações como as
de Prigogine e outros sejam compatíveis [...] Ora, o que Prigogine chama de
tempo Peirce chamava de semiose (ação do signo). Aliás, o tempo não é outra
coisa senão o desenrolar-se da semiose, processo autogerativo de signos, signos
gerando signos e sendo gerados de signos [...]. (VIEIRA, 2003, p. 297, apud
SANTAELLA, 1992, p. 144).

Outro conceito importantíssimo desenvolvido por Prigogine é o de “tempo


interno”. O tempo clássico, newtoniano, desenvolve-se como que independente dos processos
sistêmicos. Junto ao espaço, é concebido como uma dimensão reversível, formando o grande
cenário em que a realidade ocorre. Este é o “tempo externo”. Vieira (2003) pondera:

[...] Mas a realidade macroscópica na qual estamos inseridos não se comporta


assim [...] é pejada de processos irreversíveis, que denunciam uma assimetria
fundamental do tempo, aquela que diz que esses processos só podem evoluir do
passado para o futuro. Além disso, em sistemas complexos notamos a existência
de vários ritmos coexistindo nas suas histórias. Esse tempo complexo,
irreversível e intrínseco ao sistema, é o que chamamos “tempo interno”.
(VIEIRA, 2003, p. 298).

10
Para os interessados em aprofundar-se acerca da semiótica de Charles Sanders Peirce (1839-1914) e acerca dos
conceitos fundamentais da semiótica como a lógica triádica da semiose, ou mesmo o modelo signo-objeto-
interpretante, e outras classificações sígnicas, recomendamos a leitura de PEIRCE, Charles Sanders. Collected
Papers, Vols. 1-6 ed. Hartshorne, Charles & Paul Weiss; vols. 7-8 ed. Burks, Arthur W. Cambridge, Mass., Harvard
Univ. Press, 1931.
40

Seguir-se-á aqui, ainda que aproximadamente, a Teoria Geral dos Sistemas


(TGS), que foi primeiro cunhada pelo biólogo Ludwig Von Bertalanffy (1901–1972).
Os sistemas (aberto11 ou fechado) podem ser considerados um conjunto ou um
agrupamento de partes coordenadas, que operam juntas e que formam um todo complexo, ou
seja, as relações entre as partes interconectam-se e interagem com um propósito comum. Trata-se
de “uma interrelação de elementos constituindo uma entidade ou uma unidade global”:

A ideia de interrelação remete aos tipos e formas de ligação entre elementos ou


indivíduos, entre esses elementos/indivíduos e o Todo. A ideia de sistema
remete à unidade complexa do todo interrelacionado, às suas características e
propriedades fenomenais. A ideia de organização remete à disposição das partes
dentro, em e por um Todo. (MORIN, 2005, p. 131-134).

É interessante que a Teoria Geral dos Sistemas abarque o conceito de uma ciência
geral da “totalidade” a partir da combinação de vários conceitos da Biologia. Dessas
considerações passa-se a admitir que a realidade possa ser entendida como sistema aberto
(família, sociedades, estruturas econômicas, política, inclusive os processos de criação e todos os
demais subsistemas considerados complexos).
Adotam-se, também, as formas de pensar em termos da totalidade, ou seja, o
pensamento sistêmico pode então ser considerado uma visão de mundo que contraria o
pensamento científico tradicional, que pode adotar, por sua vez, um raciocínio linear e
separatista.
Nessa trilha, Vieira (2000) avança seus estudos sem a pretensão “[...] de explorar
a construção clássica de Bertalanffy (1986)” e posiciona-se:

Nosso interesse é congregar as contribuições de desenvolvimento mais recentes


na área de sistemas, como, por exemplo, a termodinâmica dos sistemas abertos
longe do equilíbrio (PRIGOGINE, 1984) ou as descobertas na área dos sistemas
dinâmicos não lineares em processos de caos determinista. [...] Nas últimas
décadas muitas ideias e conceitos têm sido propostos, apontando para um
clímax que caracteriza o reconhecimento e a necessidade do estudo da
complexidade, com uma consequente teoria sistêmica. (VIEIRA, 2000, p. 11).

11
Por sistemas abertos, entenda-se todo sistema que troca interações constantes com o meio ambiente, a saber:
matéria, energia e informações diversas.
41

O processo de criação, sendo sistema aberto, interage com o ambiente e sofre os


impactos e as perturbações dele, o que, no sentido físico, é conhecido como flutuação.
As perturbações que ocorrem em larga escala, no interior do sistema, são
representadas por processos ora deterministas (que representam bem o sistema), ora pelo modo
complexo e imprevisível (entrópico).
Pode-se conceber um processo de criação como sendo um sistema aberto cuja
dinâmica pode se tornar caótica, “[...] probabilidade típica de muitos sistemas” (VIEIRA 2007, p.
47). “[...] Na tentativa de permanecer, sistemas abertos permanentemente sujeitos à crise
reestruturam, reorganizam-se, adaptam-se, atingem metaestabilidade – abandonando-a sob novas
crises – e cumprem uma transformação no tempo, onde [SIC] um parâmetro não conservado
chama a atenção: a complexidade” (VIEIRA, 2008b, p. 59).
Destaque-se o fato de que pesquisar sistemas complexos, como processos de
criação, exige uma reflexibilidade ampliada, e apoar-se em teóricos que investigam sistemas
complexos é sempre de imensurável valor ao conhecimento humano, razão pela qual aos
interessados em aprofundar o assunto é imperativa a leitura, mais vagarosa dos pressupostos de
Vieira, escopo que esta pesquisa não possui.
Esta pesquisa destaca que seria possível “ver” (VIEIRA, 2003, p. 296) “[...] a
geometrização e os ritmos internos do sistema como associados às mudanças de estado, à
evolução das intensidades de propriedades intrínsecas do sistema [...] processos nascem da
sucessão dos estados, da mudança de estados”.
Para deixar mais claro tal argumento, vale recordar alguns conceitos, como o
12
“espaço de estados” . As propriedades de um sistema possuem intensidades e “[...] a coleção

12
Pode-se dizer que, num sistema termodinâmico em equilíbrio, para um instante de tempo em particular, existe
uma miríade de estados possíveis, por exemplo: as diferentes configurações possíveis de moléculas no sistema.
Vieira (2007, p. 49-52) define “espaço de estados”. O autor dedica-se a uma explicação detalhada e fica, portanto,
aos interessados em aprofundar tal conceito o exemplo que segue: “Todo sistema pode ser representado por um par
ordenado da forma S = <M, P>, em que M é uma característica do sistema geralmente associada a sua composição
(BUNGE 1977, p. 120) e P é uma coleção de propriedades {pi(t)}, variáveis no tempo. Neste caso, como vistas pelo
tempo externo, o tempo de nossos relógios. Tais propriedades possuem intensidades, que por vezes são mensuráveis.
A coleção das intensidades das propriedades para um determinado instante de tempo define o estado em que o
sistema se encontra”. O autor prossegue detalhando: “Vamos agora imaginar um espaço construído a partir de eixos
ortogonais entre si, em que cada um é escalonado com o domínio numérico das medidas de uma propriedade. Ou
seja, em vez de uma construção clássica, em que os eixos representam dimensões espaciais, como na geometria
descritiva de Descartes, temos agora um espaço que não representa iconicamente o sistema, mas sim a sua história:
na medida em que o tempo externo “fluir”, as intensidades das propriedades mudam, os estados do sistema mudam e
um “ponto estado” no espaço muda progressivamente de posição, geometrizando uma trajetória histórica. Este é o
espaço de estados. Processos nascem da sucessão dos estados, da mudança de estados”. (VIEIRA, 2003, p. 296).
42

das intensidades das propriedades para um determinado instante de tempo define o estado em
que o sistema se encontra [...] e na medida em que o tempo externo ‘flui’ as intensidades das
propriedades mudam, os estados do sistema mudam e um ‘ponto estado’ no espaço muda
progressivamente de posição, geometrizando uma trajetória histórica [...]” (VIEIRA, 2003, p.
296).
A possibilidade de estabelecer uma investigação sobre processos de criação,
apoiada na Teoria Geral dos Sistemas (TGS), e que é embasada por Vieira (2003), traz a
vantagem de estudar a construtibilidade dos processos, assinalando que a experiência sensível
das diversas temporalidades internas que se experimentam no corpo estabelece vínculo com a
dimensão temporal externa, quando se expressa de forma representativa um ato criador.
Tenta-se superar a limitação do pensamento apressado, que não percebe o tempo e
suas distintas temporalidades: interna/externa. Exige-se para isso flagrar tais fenômenos sob a
égide da complexidade, que possibilita pensar o tempo como um potencial que se pluraliza,
opondo-se a qualquer limite e expandindo-se ao infinito.
Desse modo, descobrem-se temporalidades não ortodoxas que caracterizam e
descrevem os processos criativos e o modo como, na história, tais sistemas complexos
comunicam-se. Essa percepção desenha uma complexa e dinâmica rede que interliga os sistemas
e, dessa forma contextual, os resultados de produção e do pensamento humano, bem como a
experiência vivida, a cultura e o meio ambiente estarão sujeitos à alteração e à gestão de coisas
novas.
Por isso, sem uma pretensão arrogante, espera-se que estes apontamentos possam
contribuir para estabelecer-se, a partir de tais considerações, algumas conexões entre as
temporalidades e os processos de criação.
Tais investigações caminham na direção do pressuposto de que o processo de
criação pode ser compreendido a partir do fato irredutível do pensamento elaborado, o qual é
regido e materializado pelo tempo e por diferentes temporalidades. Para pensar, é necessário
tempo, pois toda atividade mental é um processo complexo, permeado de misturas de fluxos e
refluxos, que se transformam sem cessar.
43

I. 1.3 - Em tempo: convergências entre complexidade e processos de criação

As relações que mediam o fenômeno da criação ou o pensamento criativo são as


mesmas entre a História e as leis que regem o universo e as fazem fundir em uma mesma raiz: o
espírito do tempo. Trata-se de um tempo evolutivo e irreversível, cujo propósito é apontar os
eventos singulares e irrepetíveis da criação em processo.
O maior dos desafios para a compreensão acerca da criação em processo deve-se
a dois pressupostos: primeiro, a ideia de que o pensamento criativo possa chegar a algum estado
estável, acreditando ser isto possível pelo princípio do retorno ao equilíbrio; segundo, pensar
também que decisões e ações conduzam aos resultados previstos pelo princípio da linearidade
causa-efeito.
Todavia, o pensamento, na qualidade de processo criativo, dá-se no contexto da
“complexidade” e pode ser entendido nas dinâmicas das fortes turbulências. Nesse sentido, as
entropias do sistema criativo são possibilidades para evoluir.
Se tudo no Universo é composto por ordem/desordem, o pensamento criativo e
todo processo que envolva a complexidade da criação hão de aceitar a incerteza como
possibilidade e hão de dialogar com a ordem e a com desordem.
Aceitam tanto o determinismo dos sistemas lineares, em que mudanças nos
estímulos levam a mudanças proporcionais nas respostas, como também admitem o
indeterminismo do puro acaso, ou seja, aceitam o caos.
O processo de criação, como sistema complexo, não permite a previsão dos
caminhos evolutivos do pensamento a serem percorridos, pois constantemente encontra pontos
de bifurcação, experimenta a instabilidade e as inúmeras variantes de futuros possíveis.
Em Braudel, o tempo da longa duração reconectaria o evento à sua historicidade e
à termodinâmica generalizada de Prigogine, e suas noções de irreversibilidade e instabilidade do
tempo viriam re-situar o evento como participante da realidade multidimensional.
Estudaram-se aqui as tendências do sistema, seus padrões e seus processos, à luz
dos pressupostos de Vieira, que dialoga com temporalidades internas e externas.
À semelhança do pensamento de Braudel (1972; 1987; 1989), de Prigogine (1984;
1988; 1992; 1996) e de Vieira (2003; 2008a; 2008b), o processo de criação aceita o
indeterminismo e a incerteza. Convive com o inesperado e o inédito. Admite as permutas, as
44

transferências, as trocas, as apropriações de matérias, de energia e de informação com o


ambiente e entre os sistemas. Percebe as relações dinâmicas de interdependência entre o cultural,
o histórico, o social e o biológico, legitimando esse emaranhado de ações humanas no tecido
social, que se dá ao longo de um tempo, supondo uma realidade em movimento, isto é, instável,
em constante transformação. Por isso, o processo de criação abraça a complexidade13,
assumindo a subjetividade como marca legítima da condição humana.

13
Segundo Morin (2003, p. 71), “Complexus significa, originariamente, aquilo que é tecido junto. O pensamento
complexo é um pensamento que busca distinguir (mas não separar), ao mesmo tempo em que busca reunir”.
45

I. Capítulo 2 - O fenômeno da criação em processo

A criatividade, ou criação, tem despertado o interesse de várias áreas do


conhecimento. O ato de tornar vivo um pensamento por intermédio da forma tem levado a
Filosofia, a Sociologia, a Psicanálise, a Psicologia, quer humanista, quer gestáltica, a se
dedicarem a essa temática na tentativa de elucidar as abordagens sobre o fenômeno criativo.
Nessas diferentes áreas, a “criatividade ou a criação” foi recebendo, ao longo do
tempo, abordagens variadas, dependendo da ótica em que é analisada; dentre essas visões,
percebe-se que a tentativa de definir a “criação” abarcou diferentes conceitos, tais como
criatividade (como expressividade ou manifestação de sentimentos), inspiração divina, loucura,
genialidade, intuição, capacidade de desempenho, níveis mentais, produção cultural decorrente
das relações e das necessidades sociais, visão do trabalho consciente e racional e tantas outras
expressões que revelam o modo de agir do sujeito e não necessariamente a verificação do
potencial criativo enquanto processo.
Para a crítica genética14, de base semiótica, o processo de criação pode ser
percebido como semiose; em outras palavras, pode ser entendido como uma ação do sujeito
sustentada pela busca constante, pela experimentação de signos, por meio dos índices e vestígios
deixados durante a construção de uma obra ou de uma imagem para designar o processo de
significação: de produzir de significados.
Tal procedimento fundamenta-se no conceito peirceano de “causação final”, o que
significa um processo com propósito, um processo evolutivo, que possui um objetivo futuro
(PEIRCE, 1931, p. 58).
Nesse sentido, sustenta-se a ideia de criação como atividade dinâmica que evolui
em diferentes níveis de complexidade, uma tentativa do humano de permanecer no tempo.
“Todas as coisas tendem a permanecer” (VIEIRA, 2008a, p. 32). Trata-se de um esforço que se

14
A crítica genética originou-se na França, com Louis Hay, no ano de 1968. Hay forma o Centre National de
Recherche Scientifique (CNRS) a fim de organizar os manuscritos do poeta alemão Heinrich Heine. A proposta
apresentada foi a de estudar-se o processo criativo por meio de manuscritos e mecanismos internos, que movem o
autor ao ato de criação; em outras palavras “o que acontece antes da obra”. A crítica genética chega ao Brasil em
1985, introduzida por Philippe Willemart, professor de Literatura Estrangeira da Universidade de São Paulo.
Embora os manuscritos literários tenham sido os primeiros documentos para estudar-se o processo de criação,
percebe-se que a contribuição da pesquisadora Cecília Salles (Professora do programa em Comunicação e Semiótica
da PUC/São Paulo) traz importantes contribuições ao tema quando se lança à pesquisa interdisciplinar com o fim de
discutir o processo criador, ampliando o diálogo sobre processo com as manifestações artísticas.
46

dá no processo durante as experiências de percepção e de representação que o sujeito faz como


fruto de conhecimento (marcas da cultura).
O que se quer destacar é o fato de que a experiência vai tomando forma. Nas
palavras de Dewey (1980), “a experiência é um todo e traz consigo sua própria qualidade
individualizadora e sua autosuficiência”. A experiência traduz-se no realizar pelo experimentar: é
ato, é trabalho, sugere pesquisa, escolhas (nem sempre conscientes). A experiência materializa a
ideia em forma de representação e aponta as escolhas de métodos e técnicas que foram sendo
utilizados pelo sujeito.
Então, o fenômeno criativo pode ser o resultado de interligações decorrentes da
rede complexa de entrelaçamentos aos quais a criação está submetida e, nesse sentido, não
dispensa o trabalho, que está subordinado ao tempo.
“Consideramos a criatividade um potencial inerente ao homem, e a realização
dessa potência uma das suas necessidades” (OSTROWER, 1991, p. 5). A autora afirma com
propriedade e prossegue seu raciocínio sobre criação e processo criativo:

O homem elabora seu potencial criador através do trabalho. É uma experiência


vital. Nela o homem encontra sua humanidade ao realizar tarefas essenciais à
vida humana e essencialmente humanas. A criação se desdobra no trabalho
porquanto este traz em si a necessidade que gera possíveis soluções criativas.
Nem na arte existiria criatividade se não pudéssemos encarar o fazer artístico
como trabalho, como um fazer intencional produtivo e necessário que amplia
em nós a capacidade de viver. Retirando à arte o caráter de trabalho, ela é
reduzida a algo de supérfluo, enfeite talvez, porém prescindível à existência
humana. (OSTROWER, 1991, p. 31).

Importa, pois, compreender a criação como trabalho que se dá em processo,


território marcado pelas tendências multifacetadas de pistas preciosas, as quais sugerem escolhas
e possibilidades e permitem ver a rota dos caminhos percorridos. Por isso, vale-se dos vestígios,
dos rascunhos, do que foi descartado ou modificado. Busca dialogar com as fases iniciais e
intermediárias da obra a fim de se visualizarem a dinâmica que rege a reflexão e a prática do
trabalho e as descobertas, as rearticulações e os recursos utilizados.
A ênfase que esta pesquisa dispensa dirige-se à interpretação do processo, mais do
que à forma final supostamente acabada, por se entender que a obra deva ser compreendida como
ponto de chegada. Portanto, a gênese do processo de criação permite ir mais além, permite
interpretar e desvendar a estética da produção, mais do que apenas averiguar os documentos.
47

Impende destacar que, nessa ótica, o processo de criação é considerado


experiência pessoal, é trabalho, é prática subjetiva, mas também conectado com os contornos
históricos e culturais do sujeito.
Para evidenciar-se o caráter dos processos de criação que se configuram como
possibilidades móveis e intercambiáveis, propõe-se uma leitura acerca do fenômeno da criação,
partindo do pressuposto de que algumas similitudes fazem-se presentes no interior dos processos
como tendência operativa comum. Propõe-se, então, uma compreensão que conteste os valores
formais e clássicos, de acabado e definitivo, considerando-se os processos sob a ótica do aberto e
do não linear, apoiados na lógica do indeterminado, e entendendo o “tempo como um potencial
criativo” que regula as condições nas quais o sujeito desenvolve suas ações.

I. 2.1 - Abertura não linear como alternativa

Ao tratar-se de processo, depara-se com o constante jogo de construção,


desconstrução15 e reconstrução, o qual implica um pensamento que opera no trânsito do ir e vir,
ou seja, o processo de criação não oculta os limites de sua própria constituição, razão pela qual é
aberto ao infinito das possibilidades e das realizações.
Esse raciocínio encontra eco no modo de operar do crítico genético ao lidar com
seu objeto:
[...] é necessário um pensamento do movimento e da não linearidade se o
propósito é ser bem sucedido em uma simulação científica apropriada a esses
processos cuja característica é justamente ser não linear. (GRÉSILLON, 1998,
p. 19).

Aproxima-se, desse modo, da concepção histórica de Braudel, que advoga uma


visão não linear da história e dos fenômenos culturais na realidade de suas estruturas. Todos os
elementos, e nisto se inclui o processo de criação, devem ser lidos na realidade da trama
desenhada pelas estruturas culturais, pelos sinais do passado e do presente que remetem àquilo
que indicam. Por isso, entende-se que processo tem a ver com o movimento de voltar ao tempo,
ao seu fluxo passado, dado que o produto feito está preso ao modo de ser da própria história.

15
Segundo Roudinesco (2004, p. 9), Jacques Derrida utilizou o termo “desconstrução” em 1967. Emprestado da
arquitetura, significa decomposição de uma estrutura. É de certo modo a resistência ao pensamento unívoco, que
acolhe o movimento cambiante do pensamento aberto.
48

“Os percursos da criação mostram-se como um emaranhado de ações que, em um


olhar ao longo do tempo, deixam transparecer repetições significativas”. Por isso esta tese vai ao
encontro do pensamento de Salles (2002, p. 65), especificamente quando enfatiza o fato de
poder-se “[...] estabelecer generalizações sobre o fazer criativo, a caminho de uma teorização
sem modelos rígidos e fixos”.
Para abordar essa possibilidade de compreensão dos processos de criação na
qualidade de fenômenos abertos, trouxe-se à baila também o pensamento de Prigogine. Se o
universo é complexo e as suas evoluções são caóticas, flutuantes, aleatórias e irregulares; esses
atributos parecem úteis à compreensão dos processos de criação, os quais, à semelhança do
megaorganismo do universo, possuem um germe de complexidade, visto que estão submetidos:

[...] de um lado à descoberta total, uma turbulência anárquica, não geradora de


organização. Do outro, à ordem estruturada e esclerosada, à rigidez estática [...]
Entre os dois, como em uma transição de fases, no limite da ordem perfeita e da
anarquia total: a fluidez, a adaptabilidade, a auto-organização de formas,
estruturas e funções que nascem e morrem em uma perpétua renovação auto-
regulada. A emergência da organização e da complexidade. É nessa fina franja,
nessa fronteira bem determinada, nesse estado de transição – instável e, no
entanto, estabilizado temporário e, no entanto permanente – que se situam os
fenômenos que constroem a vida, a sociedade, o ecossistema. (ROSNAY, 1997,
p. 67)

Para que se possa melhor compreender os processos de criação, volte-se para o


mega, que compreende o universo, para o macro, em que se encontra o humano, e para o micro,
ou a microbiologia, enfim, para as formas vivas, para o apelo do infinitamente complexo, sujeito
a brutais acelerações evolutivas, seguidas de período de estagnação.
Os processos de criação, à semelhança do desenvolvimento de expansão do
universo, não estão sincronizados somente pelo tempo do relógio. Ao contrário, a complexidade
do pensamento em processo possui uma densidade particular de tempo, conforme apontou Vieira
(2003; 2008a; 2008b).
Cada experiência possui seu tempo diferente, uma zona de funcionamento, o que
favorece a adaptabilidade e a criatividade. Os tempos filtrados pelo sujeito fundem-se,
constituindo a historicidade do processo. “Aliás, unidade e diversidade não cessam de afrontar-
se, de viver juntas. E temos que aceitar isso” (BRAUDEL, 1989, p. 47).
49

Nessa analogia do tempo como mediador do processo, supõe-se que o produto,


não obstante a sua singularidade deva ser destacada, não tem necessariamente uma valorização
final, uma condição de obra acabada. O produto não pode ser visto isolado, pois não impõe o
acabamento como ordem. A rigor, o processo pode ser sempre interminável e somente é
“finalizado” diante dos ditames impostos pelo próprio tempo, motivo pelo qual todo processo de
criação é aberto. Devemos então:

[...] individualizar aquilo que na verdade interessa: não a obra-definição, mas o


mundo de relações que esta se origina; não a obra resultado, mas o processo que
preside a sua formação; não a obra evento, mas as características do campo de
probabilidades que a compreende. (ECO, 2005, p. 10).

Por essa razão, dialogar com o processo é dialogar com o aberto e o


interdisciplinar, entendido como ambiguidade necessária para se interpretarem os indícios de
uma intenção.
Essa interpretação é paradoxal e inexata, pois os processos de criação são
entendidos como campo de possibilidades, um convite à escolha impregnado de mil sugestões
diversas. Um movimento sem cessar sendo esboçado:

[...] na realidade, a obra permanece inesgotada e aberta enquanto “ambígua”,


pois a um mundo ordenado segundo leis universalmente reconhecidas substitui-
se um mundo fundado sobre a ambiguidade, quer no sentido negativo de uma
carência de centros de orientação, quer no sentido positivo de uma contínua
revisibilidade dos valores e das certezas. (ECO, 2005, p. 47).

A abertura pressupõe, portanto, um fecundante desafio à “lógica do


indeterminado”, do informe, que contraria a cultura que induz as pessoas a viverem no
paradigma do determinado e do certo.

I. 2.2 - A lógica do indeterminado como possibilidade

Mesmo os leigos que não se envolvem com discussões acadêmicas e científicas,


os que não se ocupam com pesquisa ou ainda quem nunca pensou acerca da categoria do tempo
ou das questões da descontinuidade, dos termos clássicos, das leis que regem o universo,
experimentam no cotidiano, na vida comum e no ajuntamento humano mais diverso as tênues
50

relações complexas da vida e percebem, se não todos, na maioria das vezes, as elaborações
difíceis que ocorrem nos ajustes áridos, nos embates, nas ações e nos relacionamentos que
intimidam acordos de paz, cujos resultados são de impossível previsibilidade.
Robinet (2004) afirma:
[...] viver é estar exposto à multiplicidade, à incompreensão, ao acaso [...]
aquele que age não conhece a totalidade da situação, age no claro-escuro; no
claro daquilo que vê, no seu projeto e nas condições que conhece; no escuro
daquilo que não vê, isto é, nos resultados últimos de suas ações que revelarão
em seguida, no curso do tempo. (ROBINET, 2004, p. 242).

O que se almeja frisar é que não há fórmulas gerais que se prestem a definir o
conjunto do mundo e da vida ordinária em termos simples e definitivos.
A complexidade da vida aponta para a abertura e para o dinamismo, lembra as
noções de indeterminado e de descontinuidades16, próprias da física quântica, trazendo analogias
muito próximas ao universo espaço-temporal.
As pessoas sentem-se confortáveis em transportar para outros campos essa
simbologia, pois os termos físicos e cosmológicos podem designar intenções formativas dos
processos de criação. Obviamente, não se arrisca a imaginar que todas as estruturas do universo
real reflitam as estruturas que norteiam os processos de criação. Mas é visível que determinadas
noções, particularmente a “indeterminação”, podem representar o pensamento criativo e nisso se
pode fazer uma sugestiva analogia entre o universo e o processo de criação como movimento que
convida à liberdade de expressão, à feliz indeterminação dos resultados.
Em se tratando de “processos”, há de aceitar-se a descontínua imprevisibilidade
das escolhas e dos bifurcados caminhos do pensamento não linear, admitindo que os processos
são possibilidades para as quais se abrem os resultados das obras, pela lógica do indeterminado e
do descontínuo que a física reconhece, não como desorientação ou imperfeição da existência,
mas como aspecto possível e de verificação científica.
Nesse sentido, os processos de criação e todo pensamento que engendra a criação
passam pela definição de “ambiguidade”. O processo de criação aceita o pensamento equivocado
da desordem e subtrai as definições estáveis e catedráticas. “[...] Desordem; que não é a

16
Diferentemente da física clássica, em que o espaço é contínuo e a energia varia continuamente nesse espaço, nos
sistemas quânticos os corpos ocupam apenas níveis discretos de energia, os quais são os únicos valores permitidos,
estando proibidas as continuidades intermediárias.
51

desordem cega e incurável, a derrota de toda possibilidade ordenadora, mas a desordem fecunda
[...]” (ECO, 2005, p. 23).
Considere-se que os processos de criação supõem um pensamento em constate
interrogação. Enquanto se cria, há uma ebulição de dúvidas e exames no interior do processo, e
as oposições são permanentes.
Essas exigências reflexivas designam os atos e movem a ação criativa. O
pensamento opera no processo e não se define, portanto, pelo domínio de questões determinadas.
Compreender os processos de criação é compreender, também, o proceder reflexivo a partir dos
indícios múltiplos, factuais, desordenados e até contraditórios, deixados durante a travada luta
entre ordem e desordem, inteligibilidade da coerência sobre a incoerência, para conquistar uma
lógica muitas vezes imprecisa e indeterminada.
Assim, cada processo criativo é adequado a si mesmo, permanecendo num tempo
como que fora do tempo, mas integrado no devir necessário, na consciência subjetiva, na
elaboração e na busca singular de cada sujeito que se põe a criar.
Daí porque o movimento de reflexão fundar-se, por vezes, com o rigor sistemático
da disciplina, mas também se afoga na extensão da lógica do indeterminado, o que não significa
possibilidade simplificada e redutora, mas, ao contrário, um caminho possível, um eventual
espaço e tempo, entendidos como potencial criativo.

I. 2.3 - Espaços e tempos como potencial criativo

Para explicar o fenômeno da criação em processos, é preciso ter em mente que se


trata de processo aberto e não linear que tem por raciocínio lógico o indeterminado e o
contraditório, como possibilidades constantes, não obstante o fato de serem esses ingredientes
potenciais para a criação.
Diferentemente, “a obra fechada [...] reflete uma lógica da necessidade, uma
consciência dedutiva pela qual o real pode manifestar-se aos poucos, sem imprevistos e numa
única direção [...]” (ECO, 2005, p. 55).
A maneira como se imagina e o modo como se compreende o espaço também se
apresentam diante dos homens como um tema acaloradamente discutido, a provocar apaixonados
debates.
52

Não se recorrerá aqui a pressupostos tradicionais para explicá-lo e defini-lo, pois


se sabe que existem conceitos espaciais distintos e controvérsias entre as afirmações, embora
para os interessados nesse tema isso possa trazer uma excelente e fértil compreensão.
Entende esta pesquisa de doutoramento que a abordagem feita até o momento
situa o leitor na compreensão de que se fará uso do termo com uma amplitude que vai além das
considerações e dos aspectos físicos e geográficos do espaço, como também superará a maneira
de desenvolver e praticar um sentido de lugar.
Cabe, por conta disso, relembrar que esta pesquisa caminha no viés da
consideração de que o espaço dá-se na coexistência com o tempo, torna-se uma pluralidade de
espaços, de tal modo que o espaço e o tempo tornam-se unidades engendradas a partir de uma
trama que lhes é própria, em que são urdidas as vidas humanas.
O espaço-tempo traz a dimensão do ritmo, do movimento, da mudança, modula o
entendimento de mundo e as atitudes. Por isso, nessa busca pelos postulados acerca do espaço,
identificam-se na física moderna algumas abordagens significativas para os problemas relativos
ao movimento e ao espaço, consoante supramencionado, as quais passaram a incluir o tempo na
realidade do complexo espaço-temporal17.
O espaço torna-se, destarte, um dos tantos valores específicos que aparecem como
sendo imutáveis. Passa-se a compreendê-lo em função dos relacionamentos com os sistemas
culturais. Existe uma tentação de perceber o espaço sob o ponto de vista da perspectiva linear,
não se atentando para o fato de que a visão de um “ponto de fuga” único passa a ser o método de
ver as coisas.
Esse condicionamento e essa distorção da visão, extremamente limitada e parcial,
dificultam e bloqueiam a interpretação da realidade em coexistência com vários espaços-tempos.
Somente por meio de um esforço hercúleo, consegue-se atacar a própria razão e evitar o
pensamento unidirecionado.
O fenômeno dos processos de criação tem, nesse sentido, a imagem de esquemas
e de ilustração da riqueza do cosmo e da pluralidade dos espaços e dos tempos possíveis. A

17
“[...] Nestes últimos decênios tem-se discutido a possibilidade de espaços pluridimensionais, ou seja, aqueles que
possuam maior número de dimensões do que as três clássicas que constituem o espaço tridimensional. Entre as
várias posições tomadas, temos como mais importante a de J. F. Riemann e de Lobatschewsky, que não será objeto
de nossa análise devido a sua complexidade, mas que se impõe como fonte de consulta no vasto panorama dos
espaços pluridimensionais (BARRACCO & SANTOS, 1976, p. 18)”. Para os interessados na temática sobre
Comunicação, Espaço e Cultura, cf. FERRARA (2008), que aprofunda tais pressupostos.
53

complexidade dos processos de criação gera tempo potencial e acrescenta “tempo ao tempo”,
“[...] esse enclausuramento cria uma bolha temporal que lhe é própria e representa o meio
ambiente da sua evolução” (ROSNAY, 1997, p. 376).
Em outras palavras, o que se quer atestar é que a duração do tempo torna-se
densa, ora pela profundeza do instante, ora pelo escapamento do tempo que se dilata a partir do
interior do processo.
Dentro dessa compreensão, apontam-se a fraternal oposição e os paradoxos dos
significados diversos de tempo que convivem no processo, entendido como um espaço
significante.
O resultado de todo trabalho criativo, independente da mensagem que abarque ou
da forma que represente, não determina, de saída, o modo como os signos foram elaborados e a
animação e toda vibração dos processos percorridos pelo pensamento. Ao se observarem tais
processos, é nítido que eles sugerem uma tarefa árdua e gratificante da busca pela riqueza
ilimitada dos significantes possíveis que ajudam a explicar a obra, sem, contudo, fundamentá-la
definitivamente.
O trabalho criativo e as produções de signo estético constituem processos
peculiares de semiose (que podem ser definidos como “ação do signo”) e fonte de dinamismo
que impulsiona o desdobramento dos signos18. Um processo em crescimento, um processo em
constante evolução.
Em termos gerais, sempre existe a possibilidade, em algum espaço e tempo, de
algum signo emergir do pensamento complexo, donde os processos de criação apresentarem-se
como sistemas que, permanentemente, vão avançando na direção da finalização da obra, sem
necessariamente poder concluí-la.
Tanto o que cria uma obra, como o que procura compreender os processos de
criação dela enfrentam a limitação da não completude:

18
* Dificilmente nessa pesquisa se poderia fazer justiça à riqueza do pensamento de Charles Sanders Peirce.
Conseqüentemente, a mesma, limita-se a pequenos comentários sobre algumas categorias que serão melhores
explicitadas no capítulo três que segue: “O pensamento complexo e os processos de criação”.
54

[...] Não importa o quanto consigamos falar sobre algum aspecto particular de
nosso mundo, nosso falar sempre será incompleto [...] O processamento de
signos dentro dessas limitações é uma questão comunitária dialógica. Peirce
escreve que sempre que um signo é vago (inconsistente) é preciso que seu
criador o torne um pouco mais preciso e, no melhor de todos os mundos,
consiga esclarecer as inconsistências. Por outro lado, para que a natureza do
signo como uma generalidade possa se tornar reconhecida adequadamente, o
apropriador do signo deverá entrar no jogo, interagindo com ele, com seu
criador e com todo o ambiente, empurrando seu significado para uma
finalização possível [...]. (MERRELL, 1998, p. 176).

A temporalidade surge dessa esfera, que pode parecer um tanto confusa, em que
os eventos que se passam no interior do processo de criação estão em um constante movimento
de auto-organização, pois se encontram permanentemente tornando algo diferente do que é.
O pensamento criador supõe a existência de uma intenção ou de uma causação
final, nos termos de Peirce, as quais conduzem à criação e, portanto, movem a semiose. Cada
detalhe dessa trama tão bem tecida e elaborada pelo pensamento nasce encharcado de
significados.
O processo de criação pode revelar os resultados das escolhas, das características
e dos propósitos do trabalho a ser publicado, pelo que se entende que os processos de criação são
espaços da consciência criadora, campo para inúmeras experiências: espaço subjetivo, espaço
efêmero, nada simplificado, espaço não rígido no qual intervêm elementos psicologicamente
complexos, cujos contornos imprevisíveis são acometidos por um tempo ora alargado, ora calmo,
em repouso.
Enfim, um tempo-espaço por vezes discreto, secreto, reflexivo, em prontidão e
vigilância, mas muitas vezes fugidio e que até sugere o desencaixe ou a desconexão. Na
diversificação dessas espacialidades e temporalidades, nos cheios e nos vazios desses campos,
por certo em um duplo movimento de atração e repulsão, o pensamento que prefigura projetos no
seu peculiar espaço-tempo de orgia criativa, torna-se “potencialidade” em primeira linha capaz
de todos os possíveis.
55

I. Capítulo 3 - O pensamento complexo e os processos de criação: articulações múltiplas no


tempo

O homem vê-se em torno de um processo de mudança a partir de uma nova


percepção tanto do mundo, como de si mesmo no mundo. Essa visão propõe um novo diálogo
entre o homem e a natureza, uma nova síntese do conhecimento humano e aponta uma nova
abordagem das crises evolutivas, da instabilidade e do caos.
Há de se repensarem os paradigmas lineares, tendo em vista os sistemas
complexos em estado de instabilidade. Essa proposta está no cerne da reflexão de Morin (2003,
p. 70), quando o autor trata da necessidade da “reforma do pensamento”.
Para Edgar Morin, “aprender a aprender e reaprender a pensar” seriam as chaves
para a reforma de toda ação e o imperativo vital para que a reforma do pensamento dê-se, aliado
às questões da educação e das pesquisas.
Por essa razão, o pensamento que separa deveria ser substituído por um
pensamento que une. No dizer de Morin (2003, p. 70), “[...] decerto, tanto é impossível conhecer
tudo do mundo, como compreender suas multiformes transformações. Mas, ainda que seja
aleatório e difícil, deve-se tentar o conhecimento dos problemas-chave do mundo sob pena de
imbecilidade cognitiva” (MORIN, 2003, p. 70).
Apoiando tais pressupostos, Bindé (2003, p.23) ainda acrescenta: “[...] trata-se,
também, da educação para a cidade e para a civilidade. Pois a primeira defesa da democracia, a
proteção mais segura do planeta, o fio de Ariadne mais útil do desenvolvimento, o melhor
fermento de uma cultura da paz, são os cidadãos formados e responsáveis”.
Esses horizontes são de previsibilidade ilimitada e, de igual modo, incertos, pois
não propõem tentativas de desfecho esperado, visto repousar o conhecimento na âncora do
movediço.
A complexidade do universo e as incertezas expõem as ansiedades, as dúvidas e
os temores acerca do futuro do planeta, da cultura e da própria vida, mas, por outro lado, Bindé
(2003) esclarece:
56

[...] abre possibilidades e só pode fornecer soluções aos desafios do


desenvolvimento e da paz, como permitir, graças à física dos processos de não
equilíbrio, reintroduzir a “flecha do tempo” na própria concepção da natureza e
produzir novos conceitos, tais como de “auto-organização” e de estruturas
dissipativas, muito utilizados, atualmente, tanto na cosmologia quanto nas
ciências sociais e na ecologia, na química e na biologia. (BINDÉ, 2003, p. 11).

Está-se diante de “estruturas dissipativas”, que trazem a pujança da entropia e o


impacto do cosmos para o inacabado como forma de representação. Bindé (2003, p. 11) reafirma
seu otimismo ao declarar: “a nova ciência, a boa nova trazida por Ilya Prigogine, permite à
criatividade humana existir como a expressão singular de um traço fundamental de todos os
níveis da natureza”. É o próprio Prigogine (2003) quem resume a complexidade planetária ao
afirmar:

Talvez seja o momento de resumir. Na verdade, penso que o homem tem duas
grandes experiências. Uma é a experiência da repetição. Vemos o Sol aparecer
todos os dias, vemos os movimentos da Lua, vemos o movimento das marés, do
mar, e é essa ideia de repetição que abriu espaço às leis clássicas, às leis da
dinâmica e para essas grandes construções admiráveis que são as leis de Newton
e, mais tarde, as leis da mecânica quântica e da relatividade. Porém, também
temos uma segunda experiência. Temos a experiência da criatividade, a
experiência do novo, a experiência artística, a experiência literária. E, pensando
bem, temos de levar em conta as duas experiências. (PRIGOGINE, 2003, p. 62).

O que Prigogine (2003, p. 64) reafirma é que não cabe mais a visão determinista
do mundo, “na qual não há lugar para a criatividade, na qual não há lugar para a inovação”, nem
mesmo a oposição aleatória da primeira, que sustenta o não lugar da razão. Em virtude disso,
propõe o pensamento incerto, “o fim das certezas”, um pensamento que mescla o determinismo e
o arbitrário.
Nesse sentido, deve-se superar a separação binária que dicotomizou
cultura/natureza, corpo/espírito, espírito/matéria etc., característica do pensamento ocidental.
Trata-se de uma perspectiva que assume como importante a pluralidade, constitutiva da vida
social sob todas as suas formas, e que compreende a vida feita pela mistura, pelo ajuste com o
diferente, pela intromissão do estranho.
Esse equilíbrio constitui-se, no dizer de Maffesoli (2003), uma harmonia
conflituosa
57

[...] que repousa sobre a interdependência dos diversos elementos do cosmos,


micro e macro, exatamente como sobre a que está em curso no interior da
própria pessoa. É o feedback generalizado. Incompreensível numa perspectiva
mecanicista, esse equilíbrio encontra seu lugar numa perspectiva orgânica, em
que tudo e todos se apoiam. (MAFFESOLI, 2003, p. 179).

Não é tarefa fácil, por conseguinte, buscar uma teorização sobre processos de
criação que encerre, entre suas peculiaridades, a elaboração detalhada de um percurso, visto ser
este resultado de um pensamento complexo que não dispensa o controle absoluto do tempo.
As ideias criativas podem assumir diferentes formas de ação gestual que se
materializam em variadas expressões. Podem evoluir sem necessariamente ter uma ordem
aparente, podem surgir como resultado da percepção ou da sensibilidade ou, ainda, de um projeto
poético ou de experimentos como estratégias de trabalho.
São inúmeros os caminhos do pensamento que concebem e geram resultados que
não descartam imprevistos, tampouco descartam o fenômeno do acaso como surpresa inerente ao
ato do fazer. “[...] O acaso é sempre transgressor e sacrílego. Para Benjamin, ao contrário,
sacrilégio é a intenção de banir o imprevisto [...]” (MATOS, 1992, p. 250).
Em outras palavras, o processo de criação apoia-se nas suas relações com
elementos diversos, mantendo suas posições e especificidades. Comporta o contraditório, mas
também o pensamento em interação que se dá em processo e, portanto, opera em contínua
transformação.
Salles (2006, p. 26) estabelece argumentos acerca da dinâmica que é a criação
artística, uma vez que o processo de criação age de modo similar no que diz respeito ao contexto
da complexidade. Sendo considerado sistema aberto, não linear e não liberto de dicotomias, o
processo de criação “abarca o raciocínio responsável pela introdução de ideias novas, que
abarcam, por sua vez, essa perspectiva de transformação”.
Salles (2006) propõe que se pense a criação como: “redes de conexões, cuja
densidade está estreitamente ligada à multiplicidade das relações que a mantêm. No caso do
processo de construção de uma obra, podemos falar que, ao longo desse percurso, a rede ganha
complexidade à medida que novas relações vão sendo estabelecidas” (SALLES, 2006, p. 17).
58

A criação como rede em processo prevê a possibilidade de intercâmbio entre os


paradoxos “continuidade e incompletude”, “tendências e acasos”, características inerentes ao
processo criativo.
Nas considerações de Salles (2008), o processo de criação dá-se ao longo do
tempo e sobre isso afirma:

A discussão do tempo da criação é sempre plural: há coexistência de diferentes


tempos. A criação como processo implica continuidade, sem demarcações de
origens e fins precisos. É o tempo contínuo da investigação. A continuidade
enfrenta diferentes ritmos de trabalho e envolve esperas do artista pelo tempo da
obra e da obra pelo tempo das avaliações do artista, que é potencialmente sem
fim (inacabamento). As esperas remetem à simultaneidade: o tempo de
maturação leva muitos artistas a trabalharem diversas obras ao mesmo tempo. A
relação entre o que se tem e o que se quer é traduzida por tentativas de
adequações, que levam o artista conviver com uma grande diversidade de
possibilidades de obras. Este tempo da hesitação e da dúvida leva a idas e
vindas, fluxos e pausas. A continuidade defronta-se, também, com rupturas,
como nas intervenções do acaso e nos bloqueios de criação. Há também os
instantes privilegiados na continuidade, os momentos sensíveis das descobertas.
O processo de criação, que está inserido em seu tempo histórico, não pode ser
desvinculado do tempo de autocriação do artista.

O tempo de processo pode ser considerado um território de possibilidades para a


criação. Afinal, trata-se de um tempo de preservação da continuidade do pensamento complexo
por uma contínua experimentação, razão pela qual esta pesquisa debruça-se sobre os seguintes
objetos: o design gráfico e a experiência do trabalho criativo de alguns designers, o que permitirá
diferenciar as condutas múltiplas do pensamento complexo destes, bem como reconhecer a
atividade do designer como prática projetual, comunicativa e cultural.
Admite-se que um acontecimento interno (mental) sugira processos de
movimento complexos que envolvam o conhecimento (linguagem e pensamento), a percepção19
(consciente ou inconsciente), o aspecto psíquico e afetivo, como também o sistema sensori-
motor. Tal capacidade inerente aos seres humanos possibilita ao corpo assumir um papel singular
e, por isso, descarta-se a lógica cartesiana, que separa corpo e mente, como se houvesse uma
cognição extracorpo.

19
“[...] para Peirce, não há, nem pode haver, separação entre percepção e conhecimento”. (Cf. SANTAELLA, 1998,
p. 16). O conhecimento é mediado por signos, a semiótica de Peirce apresenta-se como “uma teoria do
conhecimento”.
59

O processo de criação envolve inúmeras operações no corpo de quem o


desenvolve e esse corpo, que supõe mudanças constantes, apresenta-se de forma física em um
determinado ambiente.
O ambiente de igual modo altera-se e, continuamente, troca fluxos de
comunicação e de informação20 com o corpo. Nesse sentido, o corpo é uma espécie de mídia que
se percebe existindo e que percebe existir o outro. De acordo com Harry Pross, toda
comunicação ou processo comunicativo começa no corpo e termina no corpo “[...] O corpo é
linguagem e, ao mesmo tempo, produtor de inúmeras linguagens com as quais o ser humano se
vincula a eles, cultiva o vínculo, mantém relações e parcerias” (PROSS apud BAITELLO
JUNIOR, 2005, p. 62).
É lícito aferir, portanto, que o ato de projetar do design gráfico é também
linguagem gerada pelo corpo e inclui sua percepção do ambiente, podendo seu trabalho final ser
resultado do que ocorre no seu interior e no seu entorno.
Nesse viés, o corpo entendido como material humano e sistema complexo
consiste em desenvolver estratégias de permanências para gerenciar a complexidade biológica
que lhe é própria, como também administrar outros subsistemas, a exemplo do sociocultural e o
político.
O ser humano, na condição de espécie, tenta adaptar-se ao meio ambiente,
buscando sempre “autonomia e memória”21, na tentativa de permanecer no tempo (VIEIRA,
2008b, p. 19).
Essa tentativa é resultado de um movimento intenso que opera no corpo e que
busca conciliar gesto, percepção e pensamento. A visão sobre processos de criação deve ser,
então, encarada nesse contexto. A produção criativa torna-se ato sofisticado para a permanência
no tempo.

20
A teoria da informação, ou teoria matemática da comunicação, de Shannon e Weaver, traz importante
contribuição ao conceito da informação, ainda que sua origem esteja na solução de problemas técnicos de
transmissão de sinais na comunicação. A Teoria Geral de Sistemas expandiu-se por muitas áreas e algumas de suas
noções básicas, como entropia, ruído e redundância, tiveram repercussão em diversos campos do conhecimento. (cf.
WEAVER,Werren. A teoria matemática da informação. In: Comunicação e Indústria Cultural. Org. Gabriel
Cohn. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1977, p. 25-37).
21
A vida humana, mesmo sendo um sistema frágil, cria alternativas para sua sobrevivência. A visão sistêmica do
mundo aponta características básicas e gerais de todos os sistemas: permanência no tempo, meio ambiente,
autonomia, sensibilidade, memória. Convém destacar que o ato criativo apresenta um alto nível de complexidade e
tende, por isso, a criar mecanismos para permanecer no tempo. Cf. VIEIRA (2008b).
60

A partir desse encaminhamento, espera-se ter deixado claro que a comunicação


processa-se “[...] no e do corpo. Como vimos, muitas questões estão envolvidas: a criação de
imagens, o processamento do movimento, a organização de mediações entre o corpo, o ambiente
e outros corpos, os diferentes eixos temporais que olham para o passado, o presente e tem a
possibilidade de predizer o futuro como tática de sobrevivência” (GREINER, 2008, p. 82).
Assim, passa-se a compartilhar e a detectar a seguir, as formas de conhecimento,
bem como o potencial criador que foi manifestado no encadeamento do gesto, da percepção e do
pensamento de alguns designers e materializado em suas produções e experiências. Destacam-se
Emilie Chamie, Aloísio Magalhães, Mario Cafieiro, Rogério Duarte, Alexandre Wollner, Moema
Cavalcanti, Guto Lacaz e Rico Lins.
Não se pretende nem o registro da biografia desses sujeitos, nem a sua
supervalorização em detrimentos de tantos outros designers. Trata-se de explicar a sua atividade,
em virtude do fato de que se pôde, nesta pesquisa, ter acesso a depoimentos acerca do processo
de criação deles – mas poderia ser de outros.
No entanto, ao ter-se acesso a suas experiências, foi possível conhecer a natureza
do design, que, por natureza, é mais coletivo do que puramente individual. Pretendeu-se no relato
de suas experiências, o reconhecimento de um sistema dinâmico, que é o processo de criação, em
que o tempo pode ser percebido de forma plural. Afinal, “o tempo é nossa dimensão existencial e
fundamental; é a base da criatividade [...]” (PRIGOGINE, 2003, p. 13).
É no testemunho do outro que se pode apreender o que caracteriza o pensamento:
a estabilidade e a instabilidade. Essa busca permite encontrar o sensível e o inteligível em
contato, a experiência e a reflexão, o estranho familiar e o familiarmente estranho, mesmo se
correndo o risco da generalização e da pretensão ilusória e infundada do autoconhecimento, tão
impugnado aqui.

I. 3.1 - Entre a percepção e o gesto: a migração do pensamento

A designer Emilie Chamie compartilha sua experiência ao descrever que se viu


diante do desafio de criar a marca para o Centro Cultural São Paulo, em 1982. Ela percebeu que
todo o tempo empreendido na elaboração de uma possibilidade de criação esvaiu-se diante da
percepção que teve, por ocasião da visita que fez ao Centro Cultural.
61

A arquitetura do lugar deu novo rumo ao seu projeto. Sua percepção foi afetada,
sua memória foi ativada e a produção da marca seguiu outra tendência. Sobre essa experiência
diz: “depois de minha primeira visita às obras do Centro, os estudos da marca, que eu vinha
desenvolvendo, foram para o lixo. Permaneceram na minha visão as belíssimas estruturas. A
partir dessas estruturas criei a marca e o logotipo”. (CHAMIE, 2001, p. 50).

Figura 1 – Logomarca para o Centro Cultural São Paulo (1982). Designer Emilie Chamie.
Fonte: Chamie (2001, p. 50).

O designer gráfico projeta, mediado por inúmeras variáveis de que dispõe, dentre
as quais se destaca a percepção do sujeito – o que ele vê, o que ele já viu, o que ele recorda
(memória) e as alterações que ocorrem no interior e no exterior do sujeito (neste último caso, o
ambiente).
A percepção do indivíduo possibilita-lhe extrair informações do ambiente, e esta
capacidade individual faz com que a ação de desenhar seja consciente ou automática.
No primeiro caso, o indivíduo desenha fazendo uso do que Peirce considera
“juízo perceptivo”: trata-se de uma percepção ativa, mais complexa, que distingue a qualidade do
objeto ou da imagem estimulando o sujeito que desenha.
No segundo caso, quando o gestual solta-se de forma incontrolada e espontânea
no desenho, pode-se atribuir tal ação à dimensão do “percepto”. Essa segunda dimensão da
percepção:
62

É uma imagem que se apresenta imediatamente na sensação de sua


materialidade e sob o impacto de seu atributo polissensorial, sem nos permitir o
conhecimento ou a consciência do modo pelo qual se constrói [...] No seu todo
indivisível, um percepto é, por assim dizer, uma protopercepção, visto que a
esse ato automático não cabe, propriamente, a consciência, mas apenas o
registro do receptor: uma recepção passiva, próxima a um hábito de perceber
espontâneo e incontrolável [...]. No percepto registra-se um índice do objeto,
uma cor, por exemplo. (FERRARA, 1993, p. 107-108).

Cabe esclarecer que, para Peirce, são três os aspectos do processo de percepção,
sendo conhecidos como categorias da consciência22: primeiridade, secundidade e terceiridade.
No processo da primeiridade, o signo desperta na consciência uma qualidade
imediata, sem reconhecimento ou análise, um sentimento, uma sensação. Os elementos básicos
de composição e suas propriedades (como cores, formas, volumes, texturas etc.) apresentam-se
como qualidades.
Em um segundo momento, ocorre a constatação de algo existente no tempo atual
quando o signo apresenta-se à consciência e permite um aprofundamento da percepção das
experiências vividas. O projeto denota, mostra-se e revela o pensamento em secundidade.
Em um terceiro momento, ocorre um julgamento sintético, que reúne o tempo, o
sentido do aprendizado e o pensamento, sendo este a terceiridade.
Tais categorias perpassam todas as experiências, como qualidade, relação e
representação. Mantêm relações e misturam-se, operando dentro das subdivisões da lógica ou da
semiótica.
Peirce apresenta, dessa forma, as três categorias fenomenológicas que alicerçam
as linguagens e constituem suas raízes lógicas e cognitivas. Segundo Santaella (1994, p. 128),
essas “categorias são onipresentes, quer dizer, em qualquer fenômeno, há uma dosagem
simultânea de primeiridade, secundidade e terceiridade”. Sendo assim, a percepção envolve
também elementos não cognitivos e inconscientes e, no contexto do tempo, permite a atividade
de criação, computando o erro e o vestígio da dúvida como possibilidade de correção e retomada
de novos rumos.
Emilie Chamie revela subjetividades e memórias, elementos da percepção. A
representação manifestada no projeto final é alcançada ora pelas operações de abstração e

22
Para a compreensão aprofundada da classificação triádica dos signos, cf. Peirce (1931; 1977) ou Santaella (2004).
63

imaginação (frutos não só da percepção de imagens), ora por quaisquer “mediações entre o
homem e o mundo” (FLUSSER, 2002, p. 9).

I. 3.2 - Entre o experimento e a produção: a reflexão por empréstimos

Aloísio Magalhães (1927-1983), artista plástico e design gráfico, relata seu


interesse pela experiência do processo quando diz: “[...] não tenho certeza de onde vem esse
desejo de experimentar ou por que faço isso. Talvez o prazer da tentativa em descobrir, embora
esta não pareça ser uma explicação adequada [...] mas eu realmente sei que tenho uma
compulsão por investigar a relação dos elementos da impressão entre si, por mudar essas
relações e rearrumá-las para experimentar com o processo” (LIMA, 2003, p. 100).
Ele trabalhou sempre voltado às áreas de Pintura, Cenografia, Gravura e Artes
Visuais. Dentre seus trabalhos como designer gráfico, destacam-se o padrão monetário brasileiro
(cliente: Banco Central do Brasil - BACEN), identidades visuais diversas e logotipos de
empresas, a exemplo da Petrobrás, Light, Souza Cruz, Embratur, Unibanco e Xerox.
É interessante considerar o “pensamento em criação” (SALLES, 2006, p. 18) e “o
modo como o artista se relaciona com o seu entorno” no ato de “fazer empréstimos”, quando se
tem em conta o tempo no processo de criação. Embora Salles esteja fazendo referência ao
processo de criação de artistas, que se permita aqui, guardadas as devidas diferenças entre
artistas e designer, aplicar ao designer gráfico as mesmas características do pensamento em
criação, que opera fazendo empréstimos.
Segundo Melo (2003, p. 154), o percurso de trabalho de Aluísio foi marcado pela
investigação das obras de dois grandes artistas: Max Bill (1908-1994) e Escher (1898-1972).
Destacam-se a escultura “Unidade Tripartida”, de Max Bill, que foi premiada na 1ª Bienal de
São Paulo, em 1951, e também os desenhos do artista holandês Maurits Cornelis Escher.
A partir de tais referências visuais, Aluísio cria as seguintes logomarcas:
Unibanco, de 1964, os símbolos da Editora Delta, de 1962, e do Banco Aliança, também de
1962.
Referidos empréstimos reforçam o intercruzamento e as interações que se dão em
rede durante o processo de criação. No dizer de Salles (2006, p. 49): “as apropriações, das mais
64

diversas naturezas, são constantemente flagradas nos documentos dos artistas e são matéria-
prima de muitos (ou talvez de todos) processos criadores”.

Figura 2 – Escultura - Unidade Tripartida de Max Figura 3 – Série Knots – desenhos de Escher. Fonte:
Bill (1948/49). Fonte: sítio eletrônico do MAC/USP. MELO (2003, p. 154).

Figura 4 – Logomarcas criadas por Aluísio Magalhães: Unibanco, Banco Nacional de Minas Gerais, Editora Delta e
Banco Aliança. Fonte: MELO (2003, p. 154).

Em Aluísio, encontram-se referências imagéticas, que serviram de texto visual


para sua criação, e desenhos e imagem de escultura. Nesse sentido, uma imagem fez nascer
outra, que não ela própria.
O design gráfico apropria-se do caráter específico da comunicação, que supõe a
noção de troca de informações. Toda comunicação depende da mediação de um signo, e a teoria
da comunicação opera com termos da semiótica.
O ato de projetar aqui pode ser entendido como uma prática comunicativa,
consciente ou inconsciente, em que o sujeito “lê” as imagens que lhe interessam e propõe-se,
como receptor, a interpretar o que os códigos comunicam.
Toda imagem possui códigos próprios, isto é, um sistema de símbolos ou signos
ordenados por regras, cuja finalidade é, sem o prejuízo de outras, possibilitar a comunicação.
65

Foram, pois, os símbolos (ou mais precisamente as imagens de Max Bill e de


Escher, vistas por Aluísio) que possibilitaram a este o diálogo com a criação.
Nessa perspectiva, observa-se, igualmente, o trabalho do designer Mario Cafieiro:
“[...] Para criar uma ilustração, Cafieiro lê o livro inteiro. “Sou um rato de biblioteca. A ideia não
brota tão naturalmente, pesquiso muito. O mérito do trabalho está no percurso feito antes de
chegar à solução. É muito importante trocar ideias com outros profissionais, acrescenta muito ao
trabalho”, relata o também ilustrador (COLETÂNEA DE PORTFÓLIOS, 2000, p. 60).

Figura 5 – Livro de Carlos Drummond de Andrade, Figura 6 – Livro de Lúcia Machado de Almeida.
Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Rubem Ilustrações de Mario Cafieiro. Fonte: sítio eletrônico
Braga. Fonte: sítio eletrônico da Livraria Cultura. da Livraria Cultura.

Por meio das interações que os sujeitos estabelecem entre os processos sociais e a
configuração do espaço em que estão, podem, dentre tantas possibilidades, representar o
contexto que gerou as ideias criativas e, nesse sentido, vale destacar também a experiência de
Rogério Duarte, que começou a atuar como designer gráfico nos anos 60 e desenvolveu cartazes,
capas de discos e livros, identidades visuais, ilustrações, sinalização e outros tantos projetos.
Dentre seus trabalhos mais conhecidos, está o cartaz elaborado para o longa-metragem “Deus e o
Diabo na terra do sol”.
66

Figura 7 – Cartaz de Rogério Duarte para o longa-metragem


“Deus e o diabo na terra do sol” (1963/64), um ícone do Cinema Novo. Fonte: sítio eletrônico de Rogério
Duarte.

O cartaz entrou para a história, não somente pela repercussão do filme, mas pelo
conceito: o cangaço, o sol do sertão e a violência. Melo (2006, p. 201) comenta:

Rogério Duarte apropria-se do vernacular, funde com a arte popular e joga por
cima o psicodélico, criando um pastiche visual. Assimilando e transformando
todas as influências possíveis, Rogério desenvolve uma ponte entre o design e a
arte de tal modo que fica difícil estabelecer onde termina uma e começa a outra.
(MELO, 2006, p. 214).

Esse exemplo de ato tradutório, ou de fazer “empréstimos”, tornou-se


característica predominante dos designers gráficos que participaram ativamente do movimento
que ficou conhecido na música como Tropicália23.
Na elaboração das capas dos discos, os designers preocupavam-se em expressar o
comportamento da juventude da época. As capas romperam com a previsibilidade de sua função,
que era a de proteger o disco vinil, pois introduziam visualmente o que estava por vir no
conteúdo do disco: “[...] Adotava-se de tudo, das imagens vernaculares aos contrastes do

23
No MAM do Rio de Janeiro, o artista plástico Hélio Oiticica realiza a instalação “Tropicália” no ano de 1967.
Essa instalação inspira artistas no desenvolvimento da Tropicália como um movimento artístico musical. Dentre
seus representantes, destacam-se Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, Gal Costa e outros. Segundo Melo (2006,
p. 207), “A tropicália começou a pesquisar toda incomensurável riqueza do imaginário popular com seus milhões de
soluções; não só popular no sentido da rua brasileira, mas também dentro do popular internacional. Tudo aquilo que
não tinha status estético de ‘bom desenho’ [...] interessava à Tropicália”. O interesse fazia-se presente pela
diversidade das letras, especialmente pela representação gráfica das capas feitas pelos designs que se destacaram
nessa época, a exemplo de Rogério Duarte.
67

encontro das polaridades. Investe-se na atualidade da Pop-Art sem se desprezarem as vinhetas de


um romance nostálgico. A capa é uma salada de misturas, assim como é a tropicália [...]”
(RODRIGUES, 2007, p. 50).

Figura 8 – capa do livro “Tropicaos”, de Rogério Duarte. Fonte: sítio eletrônico da Editora Azougue.

“[...] Na tropicália, passamos a não ter uma hegemonia de uma cultura alta. Nem
de nenhuma outra: se há hegemonia, é a do encontro da diversidade” (RODRIGUES, 2007, p.
50). O autor prossegue arqumentando que para o projeto gráfico da capa desse livro, Rogério
Duarte utilizou-se das capas de discos que ele mesmo anteriormente havia projetado. Em suas
produções, há mescla de popular e erudito, sendo que essas apropriações foram ingredientes
ativos para seu diálogo com a criação.
Notam-se em Rogério a pluralidade de ações e as variadas experiências que ele
cultivou nesse período, a ponto de autodefinir-se como um artista multimídia: “para criar capas
de discos, tornei-me músico; para fazer cartazes de cinema, tornei-me cineasta; e para fazer
capas de livros, tive que virar escritor” (COLETÂNEA DE PORTFÓLIOS, 2000, p. 114).
Rogério Duarte é um dentre tantos exemplos que se destacaram em “deglutir” o
que estava fora.
Fica claro que a imagem que o sujeito vê pode ser por ele incorporada e
transformada, como foi no caso de Aluísio, Cafieiro e Rogério. As imagens são informação, são
fluxos que se reorganizam e regularizam, transformam-se em códigos, visando à sua constituição
como linguagem.
68

Toda imagem surge correlacionada com seu ambiente, em codependência com o


seu contexto, e é por isso que as produções desses designers carregam o caráter coletivo. É em
contato com o outro que o pensamento é tecido. O resultado de muita pesquisa e a troca de
informações com outros pares são ingredientes necessários aos projetos.
Procedendo, desse modo, “por empréstimos”, os designers fazem surgir novas
formas de representação em seus materiais gráficos, uma fase constante de confronto e diálogo.
Aluísio, Cafieiro e Rogério, pela ação da leitura do contexto que os cercava,
processaram descobertas de significados e, pelo exercício da memória, selecionaram e
organizaram projetos visuais que deram novo sentido ao que viram.

I. 3.3 - Entre o projeto e a possibilidade: o início de uma ideia e o tempo da espera

Projetar, portanto, é fruto da percepção, do experimento e implica ação de um


pensamento planejado, mas também supõe uma ação imprevisível. Segundo Munari (2001), ao
desenhar, pode-se espontaneamente “[...] começar a dispor de formas ao acaso, reagrupar,
dividir, fazer outras aproximações, deslocar, rodar, girar a folha, mudar até que a combinação
das formas, que lentamente adquiriram consistência, possa surgir à maneira de determinar a
composição” (MUNARI, 2001, p. 34).
Esses experimentos podem ser entendidos como um ato cognitivo que pode levar
a algo totalmente impreciso. Esse processo, que foi observado no desenho, também pode ser
observado nas experimentações do designer gráfico Alexandre Wollner, que, ao dedicar-se à
criação da marca Eucatex, relata seu percurso criativo:

Primeiro eu faço rabiscos, anotações às vezes sem ligação com o projeto. Eu


mostro isso em palestras. Não sei o que vou fazer, mas já sei qual o enfoque da
empresa, o que ela deseja; os seus problemas, a linguagem de sua fatia no
mercado comercial e industrial. Então vou para o papel. Uso muitos tipos de
lápis intuitivamente. Olho para o papel, fico em crise, não sei o que fazer; olho,
olho e peço um cafezinho; olho, olho, não sai nada; fico olhando, pensando, e
de repente pego um lápis qualquer, faço um monte de “minhoquinhas” no
mural. O computador – a tela – me dá uma proporção errônea e não permite um
grafismo rápido. O meu software interno é muito mais rápido, livre e
controlável que de um computador [...]. (WOLLNER, 2005, p. 61).
69

Escrevendo sobre Wollner, Melo (2006, p. 229) relata mais detalhes acerca da
criação da marca Eucatex: “[...] o desenho inicial surge da figura do ouvido humano para firma-
se como uma das formas mais requintadas do período”. Melo refere-se aos anos sessenta e à forte
tendência dos designers daquele período de utilizarem as premissas da escola de Ulm24.
Dentre os trabalhos realizados por Wollner, destacam-se as marcas feitas para o
Banco Itaú, Philco, Hering. A experiência da criação da marca Eucatex, entretanto, não sugere
ideias visuais preconcebidas. Em outras palavras, trata-se de “seleção de formas quase aleatórias
desenhadas à mão [...] Suas marcas são mais encontradas que intuídas e muito mais desenhadas
que pensadas” (WOLLNER, 2005, p. 12).

Figura 9 – Logomarca Eucatex criada pelo design gráfico


Alexandre Wollner, em 1964. Fonte: Wollner (2005, p. 12).

Essas pluralidades e diversidades de caminhos pelos quais percorre o pensamento


são a síntese da ideia de processo, além do que trazem na sua essência o fato do pensamento
caminhar na lógica do flexível, aberto e indeterminado.
Tais características, inerentes ao trabalho criativo, veem-se em meio à
conspiração do tempo contra o processo de criação, que, por vezes, opera no tempo curto, no
tempo longo ou mesmo no tempo da espera.
A designer Moema Cavalcanti ganhou o “Prêmio Jabuti” duas vezes, em 1991 e
1993, como capista. Ela dá algumas pistas preciosas de como experimenta a pressão do tempo
externo e do tempo interno quando necessita terminar o projeto e a ideia criativa não desponta
para a produção de suas capas. O prazo estipulado da encomenda avança:

24
Sucessora da Bauhaus, a Escola Superior da Forma de Ulm, mais conhecida no Brasil por seu método de ensino
como “Escola de Ulm”, foi fundada na Alemanha, em 1952, e durou até 1968. Segundo MELO (2006, p. 221), a
Escola de Ulm valorizava um método preciso de trabalho que previa quatro etapas: levantamento de informação,
análise, produção de hipóteses e verificação dos resultados.
70

[...] começo a esboçá-la com coisas óbvias, como o formato, o tamanho da capa,
o tamanho da orelha, título e o autor e vou enchendo aquele espaço, para depois
ver o que vou pôr naquela capa [...] às vezes eu mato a capa em um dia. Em
meia hora já sei o que será. Em outras, tenho um prazo de 30 dias e, no último,
ainda não sei o que vou fazer. (Coletânea de portfólios, 2000, p. 68).

Figura 10 – LIVRO: O desejo - Prêmio Jabuti - Figura 11 – LIVRO: O desconforto da riqueza -


Categoria: capa de Moema Cavalcanti – Ano: 1991. Prêmio Jabuti - Categoria: capa de Moema Cavalcanti
Fonte: sítio eletrônico da Companhia das Letras. -Ano:1993.Fonte: sítio eletrônico da Companhia das
Letras.

O tempo vivido e marcado de instantes fixos de prazos e termos é percebido pelos


designers como duração contínua, e o pensamento da criação, que é necessário para a execução
de projetos, insere-se em filigrana nas fissuras do tempo. “Esse descompasso entre o espaço de
experiência e o horizonte de expectativas torna o confronto com o futuro fonte de desassossego,
inquietação, mal-estar” (MATOS, 1992, p. 243).
Na experiência do desenhista, ilustrador e designer Guto Lacaz, que já produziu
diversos logos, cartazes, capas de livros, de revistas, de discos, de ilustrações e uma série de
obras como artista plástico, também se deixa entrever esse embate com o tempo: “[...] eu gosto
de ver o cliente, saber o que ele quer e, então, rabisco o papel até aparecer um conjunto de ideias.
E isso pode acontecer no mesmo dia ou até demorar quinze dias” (COLETÂNEA DE
PORTFÓLIOS, 2000, p. 32).
71

Figura 12 – Cartaz de Guto Lacaz para a ECO92


Fonte: Jornal on-line da USP.

O gesto que experimenta, que reorganiza o percebido e que articula o material,


ora se vale de satisfação, ora de tentativas vazias, de esforço árduo, dando indícios de uma
atividade criadora intensa, de um trabalho febril do pensamento dinâmico, que forja no tempo
feito de espera uma tensão interna e, por isso mesmo, heterogênea. “E no intervalo entre prazer e
dor, o sujeito se arrasta no tédio, poeira que enche as horas neutras de saciedade ou alívio. Mas o
tédio prolongado também é letal, daí a necessidade de ação, incerta embora pontuada de riscos”
(BOSI, 1992, p. 25).

I. 3.4 - Entre a objetividade intencional e a previsibilidade: o acaso

Outra experiência que parece interessante é a do designer Rico Lins, o qual


coordena seu estúdio de criação em São Paulo, atuando nas áreas de design, propaganda,
marketing cultural e mídia eletrônica e interativa.
Seria inúmera a quantidade de produção desse designer que se descortina como
criativa, mas, por ora, interessam seus depoimentos, nos quais revela a natureza objetiva e
intencional com que executa seus projetos, bem como o aspecto de permitir que neles o elemento
da surpresa prevaleça, sobre a previsibilidade.
Desde a sua formação, Rico Lins já manifestava uma tendência a contrariar toda
rigidez da ordem imposta pelo método de fazer-se design. Relatou em entrevista a Gaudêncio Jr.
(2005):
72

Na ESDI, tentavam nos colocar goela dentro a metodologia alemã, porém


mantínhamos uma postura de questionamento desse procedimento. Era quase
tudo composto em Helvética, com o texto alinhado à esquerda, tudo muito
certinho. Certa vez, desenhamos um caixão perfeitamente ergonômico e
fizemos um enterro simbólico de Ulm. Essas eram atitudes iconoclastas, até
mesmo ingênuas, mas que questionavam a metodologia da escola, que eu
sempre achei limitada do ponto de vista criativo. (GAUDÊNCIO JR., 2005, p.
46).

Obviamente, o designer, diante de um projeto, caminha numa objetividade


intencional em busca de uma solução para o problema do projeto e, a despeito de saber o que
controlar e o que prever em termos de técnica, também inclui na sua prática fenômenos que
acontecem “por acaso”.
O que se quer dizer é que Rico Lins, diante de um projeto a ser executado,
aproveita-se livremente das situações surgidas pelo “acaso”: “o acaso oferece um frescor, pois
evita as soluções engessadas e premeditadas”. Rico Lins revive o passado e compartilha com
Gaudêncio Jr.essa experiência:

Teve momentos em que contei com o acaso para me dar a segurança que faltava
em algumas situações profissionais. Ainda na faculdade, foi convidado para
cuidar da edição especial infanto-juvenil da revista literário Ficção. Era minha
primeira revista, quase voei de felicidade com a oportunidade. Porém, na hora
de criar a capa — com o miolo da revista já entrando em máquina — não
encontrava a melhor solução. Um dia, saindo da gráfica, no bairro de Botafogo,
tropecei num pedaço de papel no chão, molhado de chuva e manchado de tinta
gráfica. Olhei para aquilo e pensei: minha capa! (GAUDÊNCIO JR, 2005, p.
47).

“Aquele pedaço de papel, em suas mãos, transformou-se no rosto de um bicho”,


conforme constata Gaudêncio Jr. (2005, p. 47). Rico Lins continua: “nasceu do simples fato de
eu ter tropeçado num pedaço de papel que tinha lá suas qualidades, tinha umas manchas de cor
que pareciam meio aquareladas, e era do tamanho exato da capa, tinha tudo a ver com ela. No
fim, virou mesmo uma capa.”
O interesse deste trabalho acadêmico não compreende a investigação da natureza
do acaso, mas sim a percepção do aproveitamento de Rico Lins em seu processo criativo.
Sua percepção conduziu-o a uma experiência particular: primeiro de maneira livre
e casual, ao deparar-se com o papel molhado; depois, manifesto interesse pelo papel.
73

De um princípio de pura liberdade evola a imaginação, que dá espaço à invenção


em seu estado potencial. Recolhe o objeto e nele, ainda que lhe fosse impossível prever o
resultado final, experimenta livremente diferentes signos visuais, num jogo livre e lúdico.
O acaso, então, pode, por vezes, ser aproveitado para certa finalidade, ou seja, a
objetividade em propor-se a execução de um projeto estava em estado de espera. O designer
estava insatisfeito com o resultado obtido até então e o que aconteceu de forma imprevista, ao
encontrar a folha, pôde, com o uso da inteligência, resultar no efeito desejado. Nesse sentido, o
acaso possibilitou, durante o processo de criação, o flerte aberto com a liberdade, mesmo sob o
jugo do indeterminismo nos resultados.
Uma outra experiência de Rico Lins que merece registro aconteceu:

Em 1996, quando trabalhava na agencia de publicidade W/Brasil, foi


encarregado de criar a campanha de divulgação de um congresso sobre design, o
Panamericana 96 Graphic Design. Para tema do cartaz do evento, sonhou com
um pente repousando sobre um chumaço de cabelo. Acordou intrigado com a
imagem e rabiscou-a num pedaço de papel. Dias depois, decidiu resgatá-la e
incorporá-la ao cartaz. Providenciou uma peruca e alguns pentes, orientou o
fotógrafo da agência e deixou o trabalho rolar solto. Sabia que o briefing
nascera do acaso e decidiu manter esse “espírito” durante todo o processo. Com
a foto pronta, delegou ao produtor gráfico a tarefa de manipulá-la livremente.
Somente depois, já na finalização, assumiu o controle da imagem,
experimentando com a tipografia. Concluída a arte, sugeriu uma inversão na
ordem das cores na máquina de impressão, além de substituir a quadricromia
por cores luminescentes. Ficou uma coisa meio estranha enquanto cartaz, mas
com um impacto muito forte. Esse trabalho incorporou o acaso do começo ao
fim do processo. (GAUDÊNCIO JR. 2005, p. 47).

Essa experiência do designer tem como centro a ideia de manter a postura


assumida de permitir o experimento na tentativa de encontrar soluções que lhe agradem. Nessa
procura liberta de amarras, “o acaso” do sonho tido e do processo de execução, que inclui a
aventura da manipulação de materiais expressivos, garante o resultado satisfatório do ponto de
vista do designer.
74

Figura 13 – Cartaz para o Panamericana 96 Graphic Design.


(GAUDÊNCIO JÚNIOR, 2005, p. 47).

“No momento da recompensa material, o artista estabelece um relacionamento


íntimo com a matéria, por meio do qual seu projeto torna-se palpável. No processo de
manipulação e transformação da matéria há mútua incitação [...]” (SALLES, 2001, p. 128).
Na experiência compartilhada pelo designer, pode-se recorrer ao pensamento de
Salles e perfeitamente aplicar sua investigação acerca dos processos criativos no campo da arte
ao processo de criação que experimenta Rico Lins, o qual opera ludicamente com os meios
expressivos e inclui no seu projeto o contexto de busca, o aproveitamento do acaso e a
manipulação dos materiais.
Parafraseando Salles (2001, p. 128): “[...] Nessa troca recíproca de influência,
“designer” e matéria vão se conhecendo, sendo reinventados e seus significados são,
consequentemente, ampliados”.

I. 3.5 - A recompensa do pensamento

A opção aqui feita pela linguagem gráfica como objeto de investigação e, em


especial, pelas temporalidades dos designers gráficos apontados foi baseada na observação dos
procedimentos da experimentação no ato do fazer, aliada ao pensamento que dá sustentação ao
processo criativo. Esse procedimento envolveu o modo de interrelacionamento entre o tempo
externo e o tempo interno que todos experimentaram.
75

Dessas premissas extrai-se que os designers, cujos trabalhos puderam ser


contemplados neste capítulo, formularam o conhecimento da experimentação “do fazer”,
possibilitados pelo acesso à informação, que sofre o impacto da cultura. Os designs gráficos não
só “leem” signos pela percepção, como também conduzem todos a uma espécie de alfabetização,
na medida em que ajudam a ver de outro modo as imagens e suas características.
Por isso, determinadas ordenações entre os designers, que forneceram uma gama
de informações acerca do processo criativo e dos seus respectivos projetos, permitiram
orquestrar o percurso da experiência sígnica da complexidade de seus pensamentos.
Vale enfatizar alguns dos procedimentos dos designers citados, que revelaram o
esforço continuado da criatividade durante o tempo do processo, apontando para o fato de que o
pensamento reflexo, mesmo não seguindo regras, começa com uma interrogação e dá-se, ao
mesmo tempo, em continuidade e em ruptura: “O raciocínio é um processo do pensamento que
encadeia proposições para chegar a uma conclusão necessária” (ROBINET, 2004, p. 80).
O processo de criação é uma experiência privilegiada. Percebe-se a semiose nos
documentos de processo, nas entrevistas, nos relatos que partem das experiências dos sujeitos e
das qualidades intrínsecas de seus projetos.
Na experiência de Emilie Chamie, nota-se que ela empreendeu um juízo
perceptivo que lhe permitiu o reconhecimento dos predicativos do lugar para utilizá-los na
experiência de criação.
É, de novo, um movimento de tradução, em que o artista observa o mundo e
recolhe aquilo que, por algum motivo, lhe interessa. “Trata-se de um percurso sensível e
epistemológico de coleta: o artista recolhe aquilo que de alguma maneira toca sua sensibilidade e
porque quer conhecer” (SALLES, 2006, p. 51).
No segundo exemplo citado, percebe-se que Aloísio Magalhães, ao confessar sua
motivação interna, sua “compulsão por investigar” (que está vinculada à tradução do alheio),
revela seu desejo subjetivo de criar e expõe seu interesse pela experiência do fazer.
Cafieiro cerca-se de repertório visual ao consultar livros, ao passo que Rogério
Duarte é sempre atraído pelo jogo das contaminações, ou seja, ele justapõe elementos diversos da
cultura, misturando esses elementos aparentemente contraditórios.
Em Wollner, é nítida a concomitância do que ele sente, pensa e faz. No
experimento da tentativa, estão seus primeiros esboços rumo ao resultado satisfatório. A
76

capacidade de realizar pelo experimentar possibilita a Wollner o perceber, o coletar e o


selecionar, próprios do raciocínio abdutivo.
Enfim, seguindo-se a trilha dos processos de criação de Moema Cavalcanti e de
Guto Lacaz, termina-se por deparar-se com o tempo moroso de maturação dos sentimentos, dos
pensamentos e das invenções, uma economia pessoal de ganhos e perdas. Tempo que não
dispensa determinação, persistência e a satisfação intelectual mesclada pela experiência
embrionária das ideias.
O acaso e a experimentação são perceptíveis nos projetos de Rico Lins, que se
encontra sempre aberto ao inesperado, ao imprevisto. O designer une à aleatoriedade uma
determinação objetiva da pesquisa, do desenhar e do redesenhar, mostrando tais atitudes como
fruto de sua percepção.
“O processo de criação, como processo de experimentação no tempo, mostra-se,
assim, uma permanente e vasta apreensão do conhecimento” (SALLES, 2001, p. 156). Então, em
cada um dos sujeitos, em seus procedimentos de criação, fica evidente que:

O processo de criação, com o auxílio da semiótica peirceana, pode ser descrito


como movimento falível com tendências, sustentado pela lógica da incerteza,
englobando a intervenção do acaso e abrindo espaço para a introdução de ideias
novas. Um processo no qual não se consegue determinar um ponto inicial, nem
final. (SALLES, 2006, p. 15).

Procurou-se argumentar que o caminho trilhado para o processo criativo é fruto de


um pensamento complexo, “[...] é aquele que trata com a incerteza e consegue conceber a
organização. Apto a unir, contextualizar, globalizar, mas ao mesmo tempo a reconhecer o
singular, o individual e o concreto” (MORIN, 2003, p. 30).
Criar é, nesses termos, resultado de pensamento unido à pesquisa, ao experimento
e ao trabalho. Enfim, uma trajetória seguida de hábito. É a experiência do sensível e do
inteligível em contato.
Os modos de ação passam pelo caminho do erro, da nova proposta, da elaboração
poética. Argumenta-se aqui que a individualidade nasce do exercício dessas tendências, as quais
não dispensam o seu caráter de comunicação e informação, tampouco os gestos manifestos
através da representação gráfica, nos quais, no dizer de Salles (2006, p. 149), “observamos um
77

grande número e uma vasta diversidade de momentos [...]”, cada um deles frágil, visto ser
impossível o controle total de todas as variáveis que envolvem o objeto.
O gesto pode, pois, descrever o tempo, sobretudo de um modo completamente
diferente, mais complexo e profundo, próprio da multiplicidade dos sentidos de cada forma
visual.
Interessaram os fenômenos singulares e as especificidades do processo, que, nos
múltiplos tempos de criação, ganharam lugar de pertinência e sentido. Entre a percepção e o
gesto, destacou-se a migração do pensamento; entre a experiência e a produção, a reflexão por
empréstimos; entre o projeto e a possibilidade de realizá-lo, o tempo da espera. Por fim,
enfatizou-se que entre a objetividade intencional e a previsibilidade de um projeto, há espaço
para o acaso.
O pensamento então se vai complexificando à medida que uma trama regula a sua
arquitetura interna a um nível mais profundo, evocada por um tempo silencioso que reivindica o
permanente estado de criação.
Dessa forma, revela-se, finalmente, a senha – o objetivo último de toda
recompensa do pensamento: ser irredutivelmente carregado de riqueza e contradição, o que
instiga a mente e exige decifração.
Parece pertinente neste instante, para melhor compreensão da área do design,
voltar os olhos ao passado, com o escopo de ter em conta o conjunto de eventos que se pretende
explicar.
Essa atitude significa uma imersão no próprio tempo, na tentativa de descrever
um complexo de questões relativas a períodos suficientemente longos, os quais abarcam mais do
que simplesmente acontecimentos com datações precisas. Trata-se de encontrar sentido na
história que aconteceu no passado, entrecruzando os momentos dinâmicos que geraram
estabilidade e períodos de relativo desequilíbrio, ou mesmo assumir tal postura como pretexto
para descrever os processos que ocorrem no presente.
O percurso assumido agora é a tentativa de retomada dos acontecimentos
passados, na esperança de aprender-se com eles, extraindo uma leitura que fortaleça o presente e
que, em algum grau, possa auxiliar nas perspectivas e nas consequências quanto ao futuro.
Por isso, cabe o convite para voltar-se ao passado, pois é naquela instância que se
encontra a espessura originária em que a história do design gráfico brasileiro forma-se.
78

PARTE 2 - A HISTÓRIA CONTANDO O TEMPO DO DESIGN

Têm-se ancorado os pressupostos até aqui na certeza de ser o caminho


interdisciplinar aquele que mais aproxima as investigações da exigência de pensar processos de
criação na produção dos designers gráficos.
Por essa razão, para observar o design gráfico brasileiro de hoje, suas mudanças,
sua duração e suas flutuações, faz-se necessário deslocar o olhar para o ponto de vista apontado
por Braudel, que dialogava com vários tempos.
No seu entender, o tempo articulava-se entre o real, o passado e o presente. De
igual modo, as mudanças e as continuidades oscilavam e, na sua análise temporal, o conceito
essencial era o do “ritmo” das vidas particulares, dos acontecimentos singulares e do homem
com a natureza.
Nesse sentido, pode-se entender a cultura como um conjunto de ritmos temporais,
heterogêneos em sua expressão, talvez inacessíveis à “grande” história (construída a partir do
paradigma de conhecimento e de verdades específicas).
Toda produção humana mantém uma relação indireta com o presente e com o
passado vivido. O método retrospectivo de Braudel aponta para um presente/passado, o que
significa voltar ao passado sem idolatrar as “origens”:

As origens são concebidas como ‘um começo que explica’ todo o desenrolar do
processo [...] O presente guarda certa autonomia e não se deixa explicar
inteiramente pela sua origem [...] Em Braudel, o homem é descentrado e sofre
de alguma forma a temporalidade muito mais do que a produz [...] e sabe que
age sob os limites geográficos, sociais, mentais, culturais, econômicos,
demográficos, conscientes e inconscientes, que ele não pode vencer, pois não
dependem da sua vontade. (REIS, 2000, p. 85-105)

As ações humanas, então, inscrevem-se na continuidade e na descontinuidade, nas


desestruturações e nas reestruturações de toda ordem, exigindo uma tentativa constante de
adaptação e reequilíbrio com relação à realidade.
Não obstante, alguém pode questionar se a história descrita por Braudel não
permanece identificada com o modo clássico de concebê-la como ordenação e descrição do
passado. Por isso, é mister destacar que a diferença que se apontou em Braudel consubstancia-se
79

na sua visão sobre o critério de “longa duração”, que passa a ser imprescindível, pois evidencia
os princípios internos de cada estrutura existente, como também seu comportamento.
Isso significa que a abordagem das ações no presente e a identificação dos
princípios internos da estrutura do objeto que se pretende estudar só serão possíveis recorrendo-
se ao passado, isto é, na maneira como determinadas características de movimentos foram sendo
desenhadas na sua materialidade.
Portanto, acredita-se que as ações humanas estão submetidas às circunstâncias
objetivas, estruturais, nas quais o sujeito está envolvido. Vale destacar que “Braudel define
‘estrutura’ como um conjunto de pressões, limites e barreiras, que interditam as diferentes
variáveis de elevar acima de um certo teto” (REIS, 2000, p. 106).
Para os Annales, “[...] o homem não é só sujeito, consciente, livre, potente criador
da história; ele é [...] também, e, em maior medida, resultado, objeto, feito pela história” (REIS,
2000, p. 21).
A longa duração são as permanências que evidenciam os velhos modos de agir e
de pensar dos homens e dizem respeito ao que praticamente não muda “as estruturas”. Daí
porque enfatizar-se que “as circunstâncias fazem os homens” (REIS, 2000, p. 21).
Wallerstein (1998a; 1998b) soube ampliar os conceitos de Braudel,
principalmente quando se preocupou com o peso das estruturas, ou seja, assumiu que as
circunstâncias eram determinantes para as ações humanas, mas que, em contrapartida, os
“homens também fazem e transformam as circunstâncias” (MARX, 1996).
“Os homens fazem a própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem
sob circunstância de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e
transmitidas pelo passado” (MARX, 1978, p. 329).
Então, Wallerstein entendeu a longa duração como padrões duradouros, mas não
eternos, assumindo que todos os fenômenos são complexos, pois possuem padrões, regras ou
estruturas norteadoras que contemplam a longa duração, mas, por outro lado, possuem também
um tempo ou ritmo lento que revela os processos e, por conseguinte, evidencia a transformação.
O homem constrói-se continuamente nos movimentos da história, no cotidiano da
cultura, mantendo permanências ao mesmo tempo que as desconstrói. À semelhança da intenção
dos Annales, passou-se a analisar o design brasileiro, o que viabilizou a percepção de certa
direção, certo passado e certo modo de “durar”.
80

Esse tipo de questão remete à Teoria dos Sistemas, visto que o processo de
criação dos designers, como mencionado anteriormente, estará vinculado à ideia de sistema
aberto, que, em determinado ambiente, para fazer-se permanente no tempo, necessita apresentar
autonomia.
Para isso, três capacidades precisam ser desenvolvidas:

[...] sensibilidade, memória e elaboração de estoque. Sensibilidade para [...]


reagir adequadamente e a tempo às variações ou diferenças que ocorrem nele
mesmo ou no ambiente. Essas cadeias de eventos, geradoras de processos, se
manifestam para o sistema como sinais ou simplesmente fluxos de informação.
(VIEIRA, 2008, p. 21).

No sentido da semiótica peirceana, a retenção da informação gera hábito, o que


significa dizer que a “longa duração” encontra eco nas formulações de Peirce. Essa mesma ideia
é também percebida em outras áreas: “O que os engenheiros e físicos chamam, em Física, de
função de transferência. Construída ao longo do tempo, essa função é na verdade uma função
memória [...]”. Vieira (2008b, p. 22) continua explicando: “É a partir da memória, aqui
generalizada, que um sistema consegue conectar seu passado, na forma de uma história, com o
presente transiente e com possíveis futuros”. O autor finaliza: “[...] sistemas tendem a
permanecer; como abertos, necessitam de um ambiente; para permanecer, evoluem elaborando
informação a partir de uma história”.
Por isso, a seguir dicorrer-se-á sobre o passado do design gráfico, com a intenção
de preservar e resgatar os eventos e, em relê-los, enriquecer a visão prospectiva, pontuando-se,
assim, os fatos portadores de futuro.
81

II. Capítulo 1 - Dupla vida: design e designer

Não se pretende aqui, reduzir a história do design e aos projetos gráficos dos
designers a uma catalogação de tempos pretéritos; ao contrário, o que se propõe aqui é o avanço
com acolhida de intenções, atos expressivos, cognitivos e produções simbólicas de muitos
designers.
Então, nesse exercício dialógico com o passado, será possível ler a história não
como uma progressão ordenada e estanque, senão visualizando seus descompassos e neles
observando os significados e os valores que formam a trama social no interior da cultura. Por
esse movimento, tenta-se perceber o design e a participação do designer gráfico, que se inserem
na dimensão de signo representativo e observável na dinâmica da história.
Apontar-se-á o design gráfico como uma linguagem midiática, cuja definição e
finalidade são projetar, na área gráfica industrial, produtos para venda. Nessa peregrinação,
começar-se-á pela definição e conceituação do design no tempo, sem negligenciar, por óbvio, a
área de atuação dos designers, os quais desempenham o papel de tradutores de signos visuais da
sociedade na qual eles mesmos se inserem.
Assim, o diálogo sobre processo de criação dos designs não se esgota e não se
fecha; ao contrário, abre-se, projeta-se, desdobra-se na tentativa de adquirir novos contornos
semânticos.

II. 1.1 - Design como intervenção cultural

É fácil verificar a existência de uma tendência imediata em considerar o design


como sinômimo de desenho industrial, pois ambos se escrevem juntamente com a história.
Todavia, deve-se apontar para o fato de que há uma tensão existente entre ambos que se estende
para além dos termos.
A palavra “desenho” sempre aparece relacionada a projeto e, nesse sentido, a
palavra “design”, que tem sua origem na língua inglesa, foi incorporada à língua portuguesa para
também significar projeto, padrão e esboço. A esse respeito, Ferrara (2004) manifesta-se nos
seguintes termos:
82

Ressalvadas todas as variações semânticas que contaminam o emprego dos


vocábulos desenho e design nas línguas latinas ou anglo-saxônicas, em
português se revela com mais intensidade aquela variação por não existir, na
língua, outro vocábulo que preencha o sentido de design e o distinga de
desenho. Nessa limitação usa-se design como sinônimo de desenho ou vice-
versa e, em consequência, não se sabe exatamente do que se trata e parece uma
área de atuação difusa ou em crise de identidade. (FERRARA, 2004, p. 51).

Para a compreensão, ainda que grosso modo, das sutis diferenças entre os termos,
vale-se esta pesquisa da raiz histórica em cuja tensão desenho industrial e design revelam suas
individualidades no contexto da cultura. Para isso, faz-se necessário trazer à mente que o mundo
da produção industrial, que obteve visualidade primeiro na Inglaterra, no século XVIII, foi
marcado pelo grande salto tecnológico nos transportes e nas máquinas a vapor.
No intuito de ampliar seus lucros, os donos das indústrias investiram em
tecnologia, e a força da industrialização permitiu a produtividade extremamente dinâmica,
fazendo novas máquinas surgirem.
Esse modelo industrial possibilitou o baixo preço das mercadorias e acelerou o
ritmo da produção, pois reduzia os custos e o tempo de fabricação de produtos, além de estimular
o consumo cada vez mais.
A busca pela forma e a função do objeto utilitário encontraram no desenho
industrial sua premissa, ancorada nos sistemas produtivos em série ou nas linhas de montagens.
Análoga à produção e ao consumo, a sociedade passou a também ser reputada
como um produto programado em série e em linha de montagem, e o tempo se torna mais do que
nunca, medida de controle social e das ações humanas. O controle social estendia-se à ordenação
do modo de vida e ao exercício do poder, ainda que camuflados25. Determinava-se, destarte, para
a sociedade e para a cultura um projeto de vida cuja forma e função deveriam obedecer aos
ditames hierárquicos estabelecidos. Eram os tempos modernos, em que a palavra de ordem e
progresso reinava incólume.
Porém, a constante dinâmica da sociedade evidencia, com o passar do tempo, as
mudanças significativas no que se refere ao conceito de uma realidade para ser vivida de forma
programada e conceitual. As incertezas e as indeterminações sociais são componentes que
ditavam as mudanças, as expectativas e as tendências da vida, favorecendo o surgimento de

25
Para o leitor interessado nas dicussoes acerca da passagem da Revolução Industrial e a observação das dinâmicas
sociais ocorridas no final do século XIX e XX, recomendamos a leitura de Ferrara (2008, p.42 a 48).
83

consumidores mais críticos. Problemas de toda ordem começaram a surgir: desde as relações
conflituosas entre capital e trabalho, passando pelo critério do gosto, que também estava sendo
posto em pauta.
A crítica ao design produzido em maior escala encontra apoio na crença de que as
máquinas eram as responsáveis pelos problemas técnicos dos produtos. A necessidade de superar
todos esses problemas tornava-se urgente.
Em contrapartida, a Escola alemã conhecida como Bauhaus (1919–1933), em
cujo paradigma repousava uma comunicação que valorizava a forma e a função do objeto, surge
da percepção da necessidade de ter-se um profissional que agregasse valor ao produto. O
desenho industrial que se deseja na Bauhaus estende-se para além das ideias de desenho, esboço
ou mesmo de projeto. Pretende-se um design transgressor, no sentido de dar perspectiva de valor
ao mecanismo e à técnica. Dito de outro modo, o design pretende reunir o que fora separado:
artesão, arte e indústria. E, nesse sentido, o design pretende-se único, à semelhança da arte26.
Consequentemente, com a constante expansão da sociedade capitalista industrial,
o uso dos objetos é substituído pelo valor da troca constante de novos produtos que são lançados
no mercado. No decorrer do tempo, o valor da troca é substituído novamente por outro valor – o
da posse de uma marca, de uma assinatura ou de uma grife. O consumidor não tarda a substituir
novamente esse valor da posse por outro valor, o da seleção dos variados produtos que o próprio
desenho industrial oferece (FERRARA, 1993).
São os novos tempos, de acesso à quantidade, à qualidade, de concorrência, de
liberdade de escolha. É a força da Indústria Cultural27, que se verifica em seduzir o homem para
o consumo de “necessidades desnecessárias”, como precisamente afirma Mcluhan (1979, p.
257): “Os anúncios não são endereçados ao consumo consciente. São como pílulas subliminares
para o subconsciente, com o fito de exercer um feitiço hipnótico”.
“Design, usuário, produção, consumo são signos de um complexo processo de
percepção, que se altera rapidamente e tem, aí, a sua identificação. Não só o produto é feito para
perecer, mas, culturalmente, decreta-se a sua morte de véspera” (FERRARA, 1993, p. 197).
26
Quer-se destacar nesta pesquisa que se fará distinção entre arte e design. O principal objetivo da produção
industrial é ser vendável e dar lucro aos fabricantes. Não se quer obscurecer o fato de que o design envolve fatores
mercadológicos, além da imaginação artística. O trabalho feito por designers pode criar a impressão falaciosa de que
eles possuem autonomia, a ponto de serem os únicos responsáveis pelos resultados dos produtos.
27
Para o leitor interessado em uma discussão mais aprofundada sobre o tema Indústria Cultural, cf.
HORKHEIMER, Max; ADORNO, Theodor W. A Indústria Cultural - O Iluminismo como mistificação das massas.
In: A Dialética do Esclarecimento. Tradução de César Bloom. Rio de Janeiro: Zahar, 1985, p.155-201.
84

Vê-se, então, que o comércio, aliado à publicidade, provoca a oferta de grandes


quantidades de bens de consumo, e a noção de qualidade vai sendo substituída pelo ideal de
quantidade.
“Nessa realidade, o desenho industrial exerce uma curiosa função representativa
de estímulos para a sagacidade do usuário e sua habilidade de saber comprar” (FERRARA, 1993,
p. 197-198).
O desenho industrial já não comunica uma função inserida numa forma, mas
representa o ágil processo de associação de ideias que caracteriza o consumidor atual.
É nessa contextualização que o design encontra-se e é nesse emaranhado da
produção industrial que o designer, ainda que de forma desconfortável, percebe que ambas
condições coexistem. Por um lado, os limites impostos pelo mercado, pois o ato de escolher o
design que será produzido é determinado pelo empresário, mas, por outro, há suas próprias
produções criativas e seus projetos originais, que traduzem em forma de signos visuais as ideias
sobre a cultura e o mundo.
Eis alguns dos desafios dos designers: precisão técnica, restrições econômicas,
tempo, processo de fabricação e marketing. Isso tudo equivale a dizer que o designer está ora
condicionado a convenções de ordem econômica e projetual, ora à legibilidade e à clareza da
informação. Paradoxalmente a tudo isso, é capaz de romper esse cativeiro e explodir em
arrojadas pretensões criativas.
Daí que muitos segmentos surgiram com a nomenclatura “design”, cujo formato
opera nas áreas de design gráfico, design de objeto, web design, design de embalagens, de moda,
tipografia e outros tantos leques que se ampliam em manifestações culturais.
Todavia, quer-se apontar uma visão mais alargada do design. Interessa aqui
considerar a dinâmica relacionada ao esforço do trabalho inteligente, intuitivo e estético do
designer, cuja dimensão estende-se ao âmbito emocional, social e econômico de outros, visão em
que está implícita uma “[...] intervenção cultural. Nesse momento o design se caracteriza como
produção cultural material formal e informal também” (FERRARA, 2003).
No design “o que se desenha não é apenas um objeto, mas uma informação que
interfere no cotidiano, no modo de vida, nas relações socioculturais” (FERRARA, 2002, p. 51).
Esta pesquisa elegeu como objeto de investigação o design gráfico, partindo da
hipótese de que a articulação do pensamento dos designers e a investigação do percurso criativo
85

de seus projetos auxiliam no entendimento do design como uma ação comunicativa, capaz de
criar linguagens, traduzir textos culturais e produzir informações.

[...] o design gráfico é uma atividade profissional e uma área do conhecimento


que, em linhas gerais, tem como objeto produtos gráficos com fins
expressamente comunicacionais que, através de elementos visuais (textuais ou
não), visam a persuadir o observador, guiar sua leitura ou vender um produto. A
escolha desses elementos visuais, sua forma de apresentação e sua ordenação
visam à máxima eficiência comunicativa, priorizando a otimização de sua
funcionalidade e a sua adequação à lógica da produção e às relações sociais de
produção. Para isso, seguem determinadas regras (ou cânones) que são
considerados intrinsecamente ligados ao design gráfico. (VILLAS-BOAS, 1998,
p. 106).

Tem-se, portanto, considerado o design como intervenção cultural, mas também


se levará em conta o designer gráfico em sua dimensão subjetiva, sensível, a fim de lançar luz
sobre o fato de ser ele um tradutor de signos visuais, na medida em que faz uso da comunicação
por meio dos símbolos e dos códigos que operam na dinâmica da produção de significados.

II. 1.2 - Designer como tradutor de signos visuais

Ao projetar, o designer gráfico reorganiza e atualiza, constantemente, as inúmeras


e variadas informações28 recebidas. Nesse sentido, o resultado de seu trabalho pode ser entendido
no seu caráter informativo. Nas considerações de Flusser (2002), percebe-se a capacidade
humana de produzir informações:

O homem é capaz de produzir informações, transmiti-las e guardá-las. Tal


capacidade humana é antinatural, já que a natureza como um todo é sistema que
tende, conforme o segundo princípio da termodinâmica, a se desinformar [...]
mas o homem parece ser o único fenômeno capaz de produzir informações com
o propósito deliberado de se opor à entropia. Capaz de transmitir e guardar
informações não apenas herdadas, mas adquiridas. Podemos chamar tal
capacidade especificamente humana: espírito e seu resultado, cultura.
(FLUSSER, 2002, p. 46).

28
O conceito sobre informação aparece como termo complexo, de múltiplas acepções e riqueza semântica,
caracterizado como controverso e enganoso de variadas definições. Constitui-se por uma série de conceitos
heterogêneos. Nesta pesquisa, “Informação” será entendida de acordo com Ferrara (1993, p. 151), que define
informação como “uma produção que decorre da capacidade de inferir, da e sobre a realidade, novos conhecimentos
suficientes para provocar aprendizado e mudança de comportamento”.
86

A cultura é um sistema, indubitavelmente. É, portanto, linguagem. “Todo sistema


que sirve a los fines de comunicación entre dos o numerosos indivíduos puede definirse como
lenguaje [...]” (LOTMAN, 1988, p. 17). Então, o texto amplo da cultura abarca o trabalho do
designer, o qual indica uma intenção tradutória de converter o “máximo no mínimo”, ou seja,
concentrar toda densidade de informação num espaço mínimo.
Nesse sentido, “não há informação fora de um sistema qualquer de sinais e fora de
um veículo ou meio apto a transmitir esses sinais” (PIGNATARI, 2002, p. 15). O resultado do
trabalho do designer gráfico propõe mais do que uma intervenção intersemiótica entre imagem e
texto, pois sua comunicação visual supõe uma preocupação em sensibilizar sinais. “Sensibilizar
quer dizer conferir uma característica gráfica visível graças à qual o sinal se desmaterializa como
sinal vulgar, comum e assume personalidade própria” (PIGNATARI, 2002, p. 14).
O autor afirma de maneira enfática que: “Os grupos humanos só absorvem
informação de que sentem necessidade ou que lhes seja inteligível”. O homem é, nesse sentido,
um ser de representação29, dependente do processo de semiose, termo introduzindo por Peirce
para designar a ação do signo e o processo ou produção de sentidos, significados e interpretações
que sustentam as relações e os vínculos comunicativos30.
O designer gráfico procura transmitir, pelo visual, uma informação de caráter
estético, de modo objetivo. A comunicação visual nasce da seleção ante as inúmeras alternativas.
Em outras palavras, existe uma infinidade de alternativas para desenvolver-se um projeto gráfico
que exigem do profissional um processo de escolha, de decisão, que está intimamente “ligado ao
problema da criação, da invenção, da originalidade. Decidir é criar [...]” (MUNARI, 2001, p. 65).
Por isso, cada projeto é singular, é sempre novo, pois interage em processo dinâmico, a cada
momento, com decisões e escolhas.

29
Utilizar-se-á o termo representação como o considerou Peirce, que define “representar como ‘estar para’, quer
dizer, algo está numa relação tal com outro que, para certos propósitos, ele é tratado por uma mente como se fosse
aquele outro [...] Uma representação parece, de acordo com isso, reproduzir algo alguma vez já presente na
consciência [...] O conceito de signo e representação são unificadores dos dois domínios da imagem: mental
(ciências cognitivas) e visual perceptivo (semiótica)”. (SANTAELLA, 2005, p. 17-19).
30
Os vínculos comunicativos envolvem as relações mediadas por recursos tecnológicos e veículos lineares ou
digitais. Mesmo de forma virtual, podem gerar ambientes comunicativos biomidiáticos – ambientes multisenssoriais
ou infosemióticos – sistemas híbridos da cultura (cf. MACHADO, 2007). Nesse sentido, a semiose pode ocorrer
com a interação dos meios e veículos comunicativos.
87

É nesse sentido que se pode considerar o pensamento criativo como uma


constante articulação. O sujeito associa ideias e, dessa forma, um signo31 gera outros signos; em
outras palavras, as ideias nascem uma das outras, de modo que nenhum signo é completo (não
importando se se trata de ícone, índice ou símbolo). Todo signo só se completa em outro signo,
levando adiante uma evolução cognitiva.
O design gráfico pode ser entendido como uma forma de comunicação
modelizada32 cuja ação comunicativa pode traduzir formas de produção de mensagens
vinculadas à cultura.
A tradução deve ser compreendida para além do nível das performances verbais
de tradução interlingual. O termo não corresponde à tarefa de traduzir uma língua para outra,
mas significa criar ou exteriorizar o que foi digerido na simbiose com o que está fora.
Iuri Lotman (da Escola de Tártu-Moscou) constrói um conceito de tradução
embasado no pensamento de que a cultura seria construída em textos que se autodescrevem, ou
seja, a partir do que surge de informação no outro, do se que leu, no outro, acrescenta-se uma
nova experiência (fruto de sua vivência com as informações novas, vindas de fora), (LOTMAN,
1996, p. 26-29).
São inúmeras as vozes provenientes de textos culturais e, quando o “outro” é
incorporado ou metaforicamente “digerido”, o texto de fora faz-se texto dentro do sujeito que
interpreta. O tradutor, nesse caso, precisa conhecer o texto a ser traduzido para tirar dele todas as
informações que possam guiar suas decisões, estratégias e técnicas.
No caso do designer, “[...] o projeto vai surgir do embate entre o problema
concreto a ser resolvido e o conhecimento sobre design, filtrado e repensado pela visão particular
de cada designer” (MELO, 2005, p. 64).
Pode-se interpretar esse “filtro” como o acúmulo de historicidades que constituem
o imaginário dos designers – lugar singular da subjetividade. Uma vez tendo delimitado o

31
A definição de um signo para Peirce inclui três teorias: a da significação (diz respeito à relação do signo consigo
mesmo, de seu Fundamento, que está presente em seus limites de significação, em suas potencialidades para atuar
como signo); a da objetividade (possui relação do Fundamento com o Objeto, com aquilo que determina o signo e é
por ele representado, que estabelece relação com o caráter denotativo do signo); e a da interpretação (diz respeito à
relação do Fundamento com o Interpretante, dos efeitos que possa causar no intérprete individual ou coletivo). Cf.
SANTAELLA, 2004, p. 9-10.
32
O termo “modalização”, que primeiro foi utilizado no campo da cibernética, para designar o modelo de operar e
organizar as máquinas deverá ser entendido aqui como processo que tende à regulação de signos para construir
sistemas. Sobre isso, cf. MACHADO, 2007, p. 29.
88

problema a ser resolvido, o designer, num esforço de tradução, trabalha no sentido de deixar viva
a memória discursiva.
Observe-se no exemplo que segue, que a designer Luciana Brício encontrou na
cultura a estratégia para a solução de seu projeto. Serviu-se de um saber local, não clássico, que é
a culinária popular brasileira, ao traduzir essa série sígnica e utilizá-la como instrumento possível
de evocar a memória de um passado/presente. A designer criou, em 2008, para a Empresa
Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT –, em comemoração aos 200 anos da chegada da
família real portuguesa ao Brasil, em 1808, o selo, que representa os pratos salgado e doce da
culinária brasileira, os quais se modificaram no contágio com a culinária portuguesa: o cozido
completo, feito de carnes e legumes, e o quindim, cujos ingredientes principais são gemas de
ovos, açúcar e coco.

Figura 14 – Gastronomia Luso-Brasileira (Cozido completo, quindim) por Luciana Brício (2008). Fonte:
sítio eletrônico dos Correios – Ministério das Comunicações.

Vale destacar que “o selo é uma expressão da cultura”. Jô de Oliveira (2005)


descreve que:
O primeiro selo postal, o Penny Black, surge em 1840, na Inglaterra, fruto de
um programa de reorganização dos serviços postais. O Brasil foi o segundo pais
a adotar o selo no serviço postal. O Imperador D. Pedro II, em 1842, anunciava
que o porte de carta deveria ser pago por meio de selos de 20, 60 e 90 réis [...]
Os selos eram estampados com a efígie de D. Pedro II, com a proclamação da
república. Em 1900 a passagem dos 400 anos do país inaugura uma nova fase:
selos comemorativos. O selo brasileiro está entre os melhores do mundo.
(OLIVEIRA, 2005, p. 125).
89

Verifica-se que a composição híbrida do selo criado por Luciana Brício dá-se não
só pela fusão entre a composição do fundo (flores, azulejos portugueses) e figura (quindins,
cozido que se completa com o pirão, em prato de porcelana), mas também pelas técnicas de
fotografia e computação gráfica que foram utilizadas.
Ademais, o que se valoriza na composição é a união de um elemento fundamental
da cultura, o alimento. A tradução feita por Luciana promove uma aproximação entre signo e
objeto, cuja materialidade resulta em visualidade.
Tal amálgama entre os elementos “culinária luso-brasileira, pratos, azulejos,
flores, texturas, cores etc.” convoca os sentidos do receptor a “comer com os olhos”, suscitando
nele a lembrança do gosto salgado e do doce. Um jogo prazeroso de contrastes.
Ao serem absorvidas pelos designers, as informações da cultura podem modificar-
se ou recompor-se para designar novos conteúdos. O que se está sendo propondo aqui é a visão
do designer gráfico como tradutor, o qual pode apropriar-se de uma porção da realidade cultural
e traduzir essa realidade em uma linguagem codificada.
Desse ponto de vista, é possível dizer que ele opera com a capacidade de produzir
informação, criando linguagens plástica, icônica ou mesmo linguística, de tal sorte que os textos
culturais fornecem-lhe o fundamento de sua tradução.
No âmbito da ciência da informação, a comunicação do design gráfico pode ser
entendida mais apropriadamente como transferência da informação. Designers gráficos
produzem informações, fluxos que se reorganizam e que se regularizam para se transformarem
em códigos.
Por isso, seus projetos constituem-se em linguagem (que se relaciona com o
emissor que o produziu e com o receptor), estando vinculada em codependência com o ambiente
e seu contexto cultural propriamente dito.
O receptor interpretará os diferentes signos, solicitando um trabalho mental de
associações que leva em conta seu próprio saber e especificidades culturais e socioculturais.
A tradução constrói-se e, embora não se complete num sentido único, provoca
efeitos ilusórios de permanência por meio da criação das marcas, dos sinais, das identidades
visuais, dos cartazes, das embalagens, das ilustrações, das tipografias etc.
90

Assim é crucial relembrar a prática tradutória do designer Rubens Martins (1938–


1968), que foi titular do primeiro escritório formal de design brasileiro, conhecido como
Forminform33. Rubens Martins criou muitas marcas, dentre as quais se pode citar a “Bozzano”.
Especificamente o ato tradutório deste designer, pode destacar-se no processo de
criação para a marca do Hotel tropical, que “[...] nasceu da sombra de uma planta a costela de
adão, projetada sobre a parede de sua casa, para onde Rubens voltava, altas horas da noite,
depois de uma cerveja no boteco com amigos e colaboradores” (LEON, 2009, p. 174).
Ao prestar atenção na sombra da folha projetada, “sem desprezar a generosidade
do acaso”, experimenta e explora o desenho, a figuração e os contrastes tonais de verde para
obter o resultado final.

Figura 15 – Marca para o Hotel Tropical, criada por Rubens Martins. Fonte: sítio eletrônico – coleção
Fernanda Martins.

Certamente ele foi influenciado pela escola de Ulm, mas seu desenho é mais
macio, orgânico, sem rigidez dos seguidores intransigentes da escola alemã.
Isso aparece bem nas cores, nas formas curvas. Ruben não era um copiador, ele
tinha visão antropofágica de assimilar técnicas dos países industrializados, mas
trazendo tudo isso para a nossa cultura. (LEON, 2009, p. 173).

O designer gráfico pode buscar a competência técnica incorporando o uso e a


função à sugestão informativa dos valores culturais.

33
O escritório de design Forminform foi criado em 1958, em São Paulo, por Geraldo de Barros e Ruben Martins, em
parceria com o administrador e publicitário Walter Macedo. Em seguida, Alexandre Wollner, recém-chegado de
Ulm, associa-se ao grupo.
91

As manifestações culturais dão-se num complexo processo de sistema


comunicativo e semiótico, que perpassa todas as atividades. Por possuir um caráter sígnico, a
cultura pode ser lida como texto, cuja linguagem possui códigos portadores de significado34.

Da cultura fazem parte o vestir, os gestos, a arte, as danças, os rituais, a


literatura, os mitos, o morar e suas formas individuais e sociais, os hábitos
(comer, beber, cumprimentar, relacionar-se), as religiões, sistemas políticos,
ideológicos, os jogos e os brinquedos. (BAITELLO JR., 1999, p. 20).

Parafraseando Baitello Jr. (1999), da cultura faz parte também o trabalho do


designer gráfico, que pode traduzir a paisagem e materializar a leitura do seu entorno pelo traço,
pela forma, pelo volume, pela composição, pela cor, pela textura, pela tipografia e pelos demais
elementos da sintaxe visual35, em forma de signos visuais, os quais percebe dentro da cultura.
Não deve cair no esquecimento de que Lotman preconiza a possibilidade de
tradução entre textos culturais diametralmente opostos, caso em que, diz ele, mesmo que a
tradução resulte em aproximações, choque ou expansão, faz surgir uma nova mensagem ou um
“texto novo”, que se vale das características ligadas às combinações e aos arranjos de signos.
Em Lotman (1998, p. 30), o sentido de tradução amplia-se: “[...] la vivenciación
humana real de la estructura del mundo se construye como um sistema constante de traducciones
y traslados internos [...]”. Vai ao encontro dessa ponderação a visão de Pinheiro (1987, apud
GUARÍGLIA, 1996, p. 4): quando diz: “[...] no sentido lato, a vida toda é um ato de tradução. A
cada instante, ainda que miniaturalmente, assimilamos e digerimos aquilo que era de outro [...]
recriando-o, conforme uma nova ordem ou estado [...]”.
Portanto, o esforço a ser envidado agora será o de articular a experiência do
designer gráfico com o tempo passado, a fim de dialogar com a história da cultura e perceber as

34
A Escola de Tártu-Moscou (ETM) entendia que a cultura se realizava em sistemas sígnicos de diferentes naturezas
e que as variadas formas de expressão, como o gestual, o visual, o sonoro, se estendiam para além “da codificação
gráfico-visual do alfabeto verbal”. Dentre os grandes nomes da Escola de Tártu destaca-se especialmente o nome de
Iuri Lotman, cuja carreira acadêmica começa na Universidade de Tártu, em 1954. Dedica-se primeiro à biografia de
autores russos do final do século XVIII para depois passar a se interessar pela produção cultural, especialmente a
literatura e as artes. Lotman cria uma semiótica sistêmica, ou seja, em sua visão as experiências humanas estariam
inseridas em um sistema de signos em processo, a saber: a cultura. Para os interessados em aprofundar o assunto, cf.
MACHADO, 2003, p. 35.
35
Segundo Donis (2000, p. 18), “A sintaxe visual existe. Há linhas gerais para a criação de composições. Há
elementos básicos que podem ser aprendidos e compreendidos por todos os estudiosos dos meios de comunicação
visual, sejam eles artistas ou não, e que podem ser usados em conjunto com técnicas manipulativas. Para a criação
de mensagens visuais claras”.
92

formas particulares do trabalho, da linguagem e do ato de tradução dos designers, que se


enraizaram na sociedade sobre uma trama temporal que lhes é própria e na qual foram e são
urdidos essencialmente os projetos de uma verdadeira linhagem de autores.
93

II. Capítulo 2 - Impactos socioculturais do passado

No fundamento básico do processo civilizatório da America Latina, houve um


movimento incessante de contágios, de misturas, de mesclas, de vinculações entre diferentes
povos: uma mestiçagem de forma barroca36.
Logo de partida, ou seja, desde a estruturação das primeiras formas de
organização social do Brasil, cresceu aqui uma massa de povos, devido às grandes conexões
mestiças. As pessoas também mestiças que chegaram misturaram-se aos mestiços locais. Em
outras palavras, os povos ditos colonizadores ampliaram-se no contato com a população indígena
local durante os séculos XVI e com os africanos, trazidos como escravos, a partir do século
XVII.
Posteriormente, no século XIX até a metade do século XX, com a forte entrada de
imigrantes no país, intensifica-se ainda mais o caráter plural da sociedade brasileira.
Não se deve negligenciar as análises sobre as violências, as opressões, os furtos e
os extermínios por parte dos colonizadores e outros problemas que, até os dias de hoje, são
pontos de conflitos e criam debates entre muitos interlocutores. Delimitar-se-á, contudo, a
discussão ora travada ao fato de que, no Brasil, a constante convivência entre povos distintos
forjou um fenômeno múltiplo, plural e sincrético, no sentido mais alargado do termo, mas
também impende destacar que o “autoritarismo” de fora para dentro até hoje limita e faz
germinar no povo um sentimento forte de dependência da cultura europeia:

36
O barroco definiu-se como estilo autônomo por volta de 1580, privilegiando o dinamismo nas linhas, as
dramaticidades nas formas, os efeitos de claroescuro, as perspectivas distorcidas, além da abundância de
ornamentos. A palavra “barroco” (pérola grossa, de superfície irregular) pode designar o padrão artístico que
despontou ao final da Renascença, cujo termo serviu para denotar excesso, extravagância, bizarrice, contradição ou
qualquer outra expressão que servisse como depreciativo, sobretudo no século XIX, quando o gosto da burguesia se
voltava para a estética neoclássica (linhas retas, harmonia, simetria etc.). Mais do que uma manifestação cultural do
espírito da Contra-Reforma, é possível associar a estética barroca às interpretações que muitos estudiosos, a exemplo
de Barbero (2009), Gruzinski (2001), Pinheiro (1994) e Sarduy (1979), fazem ao ressaltarem a presença dos diversos
elementos que compõem culturas complexas, como as que se formaram na América Latina e no Brasil,
especialmente. “[...] o espaço barroco é o da superabundância e do desperdício”. O barroco esbanja "[...]
voluptuosidade do ouro, o fausto, o desbordamento, o prazer: isto é, o erotismo [...]" (SARDUY, 1977, p. 77-78). O
barroco evoca os sentidos e apela à sensualidade. Em consonância com Lacan (1985, p. 154), no barroco "[...] tudo é
exibição do corpo evocando o gozo [...]". Por isso, essa forma de “barroco mestiço latino-americano” de que fala
Barbero (2009) é um dos modos de pensar a constituição da cultura pátria.
94

[...] A América Latina tem por um lado esse turbilhão barroco mestiço, de outro
ela sofreu três invasões muito problemáticas e que são invasões que até agora
atuam na cabeça do brasileiro e do latino-americano [...] Sofreu uma invasão
clássica, aquela formulada pelas ciências clássicas; sofreu uma invasão clerical-
eclesiástica, que tem que ver com formas de ensino e conhecimento elaboradas
na Idade Média pelo mundo católico; e desde o começo de 1900 sofreu essa
nova invasão tecno-capitalista ou publicitário-capitalista. Essas três invasões
combinadas – algumas pessoas estão mais próximas de uma ou de outra –
tornam, às vezes, difícil de a gente conseguir ver o que são o Brasil e a América
Latina ou aproveitando-se e devorando isso também. Às vezes, elas são
transformadas, assimiladas. Outras são postiças.

A configuração cultural do Brasil formou-se “destribalizando os índios,


desafricanizando os negros e deseuropeizando os brancos” (RIBEIRO, 1995, p. 179). Ao longo
do tempo, o país passou por inúmeras mudanças e fez-se e faz-se, sendo mestiço, a partir da
complexidade e da multiplicidade de características, que são resultado da convivência, num
mesmo espaço, de culturas e etnias tão distintas.
Foram muitas as conquistas científicas, as contingências históricas e sociais.
Desde o Império, atravessando a Primeira República, a era Vargas, o tempo de Kubitschek, o
Regime Militar e, finalmente, entrando na democracia, o país construiu-se olhando para os
moldes europeus e americanos na tentativa de ganhar impulso, modernidade e crescimento.
Deixou de ser rural e provinciano para transformar-se em nação industrializada,
apesar de seu vasto território e da sua grande população.

II. 2.1 - Percurso intercultural e mestiço: o presente/passado

Com o crescimento e a modernidade, destacou-se no país o espírito nacionalista,


que fez surgir o sentimento de busca por uma identidade que o legitimasse enquanto nação e o
fizesse reconhecido no exterior, embora Ludwig (2007) aponte que a necessidade de uma
“Identidade” data de idos posteriores à independência. No dizer do autor:

Durante o período que concentrou a independência da maioria dos países da


América Latina (1810-1830) surgiu à necessidade de distinguir “brasileiros”,
“argentinos”, “chilenos”, “peruanos” etc. em termos culturais, a fim de legitimar
suas demandas de separar-se politicamente, tanto da metrópole colonizadora,
Portugal ou Espanha, quanto entre si. (LUDWIG, 2007, p. 14).
95

O tema da identidade nacional brasileira é um assunto enriquecido por debates e


controvérsias entre pesquisadores brasileiros e estrangeiros que se interessam pelo país. As
visões dos estudiosos contemplam caminhos que se bifurcam. Ora o pensamento faz-se rígido e
fixo na tentativa de uma resposta precisa acerca de quem somos ou de quem devamos ser como
nação, ora essa questão é vista como processo que se constrói ao longo do tempo.
Durante muitos anos, as explicações e os debates sobre identidade centraram-se
no conceito de raça, como se o critério biofísico pudesse responder, abarcar ou mesmo dar conta
dessas questões.
Posteriormente à mentalidade dos governantes, dos intelectuais e dos estudiosos,
evitou-se assumir a diversidade cultural e racial do país, pois tamanha diversidade ameaçava a
ideia de integração nacional, e o foco das discussões encontrou na literatura, nas artes visuais, no
cinema e na música respostas à questão da identidade, apontando ícones identitários que se
destacaram e evidenciando, em suas obras, certa representatividade nacional.
Pessoas como Machado de Assis, Euclides da Cunha, Gilberto Freyre, Carlos
Gomes, Villa-Lobos, dentre tantos, manifestaram uma preocupação com a realidade do país e são
apontados por muitos estudiosos como personagens que conseguiram evidenciar uma
singularidade da cultura nacional por meio da consciência que manifestaram a respeito de uma
identidade nacional.
Subsequentemente, os meios de comunicação, como o rádio, a televisão, o cinema
e as revistas, deram visibilidade a ícones como Carmem Miranda nos anos de 1930 e 1940, a
ponto de esta vir a ser símbolo de destaque da brasilidade no exterior.
Outro nome que surge nas mídias a partir da década de 50 é o de Pelé, apontado
como um “craque do futebol”, que se tornou símbolo de sucesso e transformou a imagem do
país.
Com o tempo, o Carnaval, na qualidade de grande evento cultural, foi ganhando
maior visibilidade e mostrando ao mundo a liberalidade do povo, a alegria dos foliões e a nudez
nada comedida.
Nos dias atuais, percebe-se que esse assunto ainda assume inúmeros paradoxos
quanto ao discurso daqueles interessados na identidade brasileira.
96

Encontram-se textos que evidenciam certo ressentimento de racionalistas


desiludidos ou decepcionados com o país e outros tantos que desejam, a qualquer custo, enfatizar
a importância de ter-se uma identidade nacional.
Parece claro que a busca por um símbolo nacional ou a busca pela brasilidade
sofre de um duplo problema: de um lado, torna-se tarefa árdua e aparentemente impossível
descrever e nomear os processos coletivos de mestiçagem; por outro, a dificuldade esbarra no
fato de que assumir que o Brasil não tem uma identidade (ou uma unidade que o caracterize)
pode dar margem à interpretação de um pensamento que procede, cômoda e preguiçosamente.
Temas candentes como esses, nos quais normalmente há mais geração de calor do
que necessariamente luz, tornam-se estímulos visíveis para discussões de especialistas. O que se
pode discutir em curto espaço e de forma clara versa em torno da necessidade de ultrapassar-se e
superar as ideias já gastas: identidade e oposição. Isso mereceria, à evidência, um cuidado
especial no sentido de um exame mais detalhado sobre o assunto, porém a reflexão que segue são
apenas apontamentos que levam em consideração alguns meandros da temática “identidade
brasileira”, a fim de contemplar-se o objeto de estudo deste trabalho de pesquisa, a saber: o
design gráfico como polo que até hoje se vê na berlinda dessas discussões.

II. 2.2 - Processo evolutivo e adaptativo: táticas diferentes de permanência

Os modelos preestabelecidos de pensamento dos países centrais mais


industrializados disseminam modos de comportamento e de consumo e impõem-se como
modelos de excelência a ser seguidos em todas as esferas sociais.
Nisso se incluem as referências projetuais disseminadas no âmbito local. Em
outras palavras, a cultura do design brasileiro foi sendo importada, e os modelos de didática e
referência foram provenientes das escolas alemã, italiana e suíça.
As teorias da Escola de Ulm, que surge depois da Bauhaus (1919-1933), primeiro
dirigida por Max Bill (1946-1955) e depois por Maldonato (1956-1968), foram aplicadas no
âmbito brasileiro ao se adotarem estruturas uniformes, equilibradas e lineares.
O modelo da Escola de Ulm, marcado por ideias racionalistas e funcionalistas,
propunha algumas regras rígidas, como estratégia do método, eficiência, ordem, além da ênfase
no projeto, cujo enfoque deveria ser o aspecto funcional.
97

Tal modelo é interpretado pelos intelectuais e estudiosos do design como algo


deslocado da cultura brasileira. Daí o discurso constante acerca da necessidade de ter, no design,
características que evidenciem a nação e revelem a identidade cultural.
Nos idos de 1960, foi fundada a ESDI – Escola Superior de Desenho Industrial,
que surgiu no Rio de Janeiro, importando as ideias do movimento moderno (concisão, limpeza,
geometria, formas geométricas primárias e o conceito de que menos é mais e de que forma é
função), conforme relata Melo (2003, p. 12).
O autor vislumbra o contexto histórico nacional e considera que os projetos
executados nessa época eram Ulmianos: “[...] Ninguém saiu procurando uma suposta identidade
nacional no pitoresco, no folclórico, no artesanal, tão presentes no cotidiano de um país atrasado
como o nosso”.
Não se pode deixar de manifestar aqui indignação relativamente à visão de Melo,
que reduz a cultura do Brasil em seu discurso, ao proferir frases como “um país atrasado”.
O traço marcante desse pensamento é proveniente de um saber clássico que
desconsidera e exclui as contribuições das diversas séries sígnicas da cultura mestiça brasileira
que ele mesmo cita. Anos mais tarde, revisitando as questões que envolvem identidade no design
gráfico, o mesmo autor enfatiza:

Ao falarmos da identidade, estamos cercados de armadilhas por todos os lados.


Não podemos sequer pensar em abrir mão da riqueza e do estímulo da cultura
mundial, em seu imenso mosaico de possibilidades, nem tão pouco [SIC] da
cultura local: interessam a Feira de Milão e a Feira de Caruaru; o construtivismo
russo e o barroco mineiro; o Guggenheim Bilbao e o MAC Niterói; a Cidade
Proibida e a Favela da Rocinha; a Quinta Avenida e a Marginal Tietê. (MELO,
2005, p. 31).

Em sua descrição renovada sobre o assunto, o autor, que já valorizava as


diferentes culturas externas, passa a manifestar que não se pode “abrir mão [...] da cultura local”.
Esse tom parece inadequado, pois dá margem à continuidade, isto é, abre espaço
para pensar-se a cultura interna como manifestação que, forçosamente, precisasse ser levada em
conta.
Essa expressão “nem tão pouco”, faz perder a vitalidade da mestiçagem brasileira,
que se vê ameaçada continuamente pelo fantasma do preconceito. Por outro lado, não é dado
excluir seu desabafo quando diz:
98

A identidade brasileira é uma verdadeira obsessão nacional. Parece que


trabalhamos com uma espada encostada no pescoço, indagando se estamos
sendo realmente brasileiros. Um dos nossos traços marcantes talvez seja
exatamente esse: a preocupação permanente com a identidade. (MELO, 2005, p.
27).

Não obstante, o que se procura destacar aqui é que o ensino em design que se
tinha nos idos da década de sessenta era importado, e tornou-se frequente muitos designers
utilizarem conceitos da escola de Ulm para concepção de projetos.
Cite-se também a autora Escorel (2000, p. 9-18) como uma das intelectuais que
acreditam que o design gráfico no Brasil “não foi incorporado nem como manifestação cultural
nem como instrumento de planejamento e projeto”. A autora advoga a tese de que o design e, em
especial, o design gráfico deveriam apontar para uma identidade nacional, deixando os modelos
importados.
A esse respeito, escreve em nota o editor de seu livro:

o design gráfico no Brasil tem uma história que começou a ser traçada por
muitos poucos e só recentemente ganhou impulso capaz de lhe conferir feição
própria. No entanto, esse novíssimo, pleno de possibilidades, ainda não bastou
para firmar um estilo brasileiro de design gráfico [...] o design gráfico não teria
conseguido incorporar e reproduzir, no nível da linguagem, aqueles traços
distintos que fazem, por exemplo, com que a nossa música popular e o nosso
futebol sejam reconhecíveis como brasileiros em qualquer lugar do mundo [...]
No tocante à relação com as tradições culturais, tem-se que admitir que um país
novo e pobre, como o Brasil, não carrega seus traços distintivos com o mesmo
garbo e convicção que países velhos e ricos ou que países novos e ricos, que
constituíram sua força e eventual supremacia a partir da afirmação continuada
de seus valores e respectivas identidades. Sendo assim, seria desejável que o
design que atua num país novo e pobre como o nosso se defendesse um pouco
dos apelos que vêm de fora. E também que se empenhasse no propósito de
manter a invenção sintonizada com a sensibilidade de seu tempo, sem, no
entanto, abrir mão do direito de distinguir os projetos em que estiver envolvido
com a marca de sua própria personalidade e origem nacional. (ESCOREL,
2000, p. 26).

O que afirmou a autora, segura de suas certezas, e tão asperamente, em relação à


cultura brasileira, contribui para perpetuar o reducionismo que é flagrado em seu pensamento e o
preconceito que impede a compreensão de muitos no que concerne a cultura brasileira.
Os diferentes processos e sistemas de signos, como o gestual, a voz, a dança, a
grafia, as festas, a paisagem etc, são ingredientes da cultura, que invadem, tecem e possibilitam a
99

produção criativa de profissionais ligados à publicidade, à literatura, à arquitetura, ao cinema e,


inclusive, ao design gráfico.
Critique-se essa insistência pela busca de uma identidade nacional em todas as
áreas e, em especial, no design gráfico, como também aqui o posicionamento é favorável ao
aproveitamento do alheio.
O que importa destacar é o fato de que, no design, como em outras áreas da
cultura, é possível comer, antropofagicamente, o que é do outro. É um equívoco desejar um
design gráfico pautado na identidade nacional, principalmente porque essa manifestação dá-se
devido à comparação com outros “campos de produção cultural, como na música, literatura,
arquitetura” (VILLAS-BOAS, 2002, p. 66). O autor prossegue seu raciocínio:

[...] é altamente factível e desejável que cheguemos a um design gráfico


eminentemente brasileiro. Mas ele não se dará por uma visualidade singular,
porque simplesmente não possuímos esta singularidade: por sermos híbridos,
estamos no trânsito de várias singularidades, e esta sim é nossa singularidade.
Ao imaginarmos a quimera de um design nacional amparado em mulatas, araras
e berimbaus, estaríamos não só ignorando as peculiaridades de nosso próprio
ofício como nos atendo a uma coordenada mítica de espaço-tempo que não nos
define e que jamais nos definiu: nossa cultura inclui arara, mas também o avião
(criação nossa realizada na França) e o computador. É a partir destas variáveis
históricas que existimos, por mais complicado que pareça lidar com elas.
(VILLAS-BOAS, 2002, p. 79).

O design nacional caminha na identificação da brasilidade, pois leva em conta o


exame e a elaboração da solução do projeto, a tradição estrangeira, os parâmetros de outros
campos, o procedimento das técnicas empregadas ao operacionalizar uma ação metodológica do
projeto, mas também se destaca no aproveitamento das diferentes séries culturais.
Depois da década de 90, “Ulm não ocupa mais a mesma posição”. Melo
reconhece esse fato:

[...] o que não quer dizer que trabalhos baseados em suas premissas não
continuem a ser feitos. Continuam e continuaram por um bom tempo, pela
simples razão de que muitas delas permanecerem válidas. Em determinados
contextos, nada cai melhor do que uma boa dose de espírito Ulmiano. (MELO,
2003, p. 24).
100

Parte-se aqui da hipótese de que a busca por uma identidade nacional abarca
traços da mentalidade de que só se será reconhecido internacionalmente quanto mais nacional se
for, caso em que persiste o discurso de centro ao buscar uma “essência” nacional, um design com
a “cara do Brasil”. Ao recusar um design aos moldes estrangeiros, acaba-se por adotar uma
postura também rígida na busca pela identidade.
Parta-se, pois, do pressuposto contrário: de que, cessando a busca pela identidade
nacional, é possível assumir e legitimar a identificação com o que de fato se é: um mistura de
difícil definição.
Interessa a esta pesquisa tudo que transponha a ideia de unidade, de essência e de
variações desses conceitos, pois não existe “[...] nada mais autoritário, como forma de
conhecimento, do que a ideia, eurocêntrica, de que haja uma origem perdurável, invariante,
superior ao que se mescla e traduz”. Pinheiro continua:

Não há nada “branco” ou “negro” no Brasil, mas uma tessitura, um texto móvel
em contínua transformação, esperando outras misturas [...] a palavra identidade
não serve mais para o que nós somos, porque não somos um ser em estado puro,
nós não cabemos dentro da ontologia ocidental, já que somos um território
móvel, que acumula elementos vindos de diversas partes. (PINHEIRO, 2008, p.
28).

Esse argumento encontra eco nas afirmações feitas por Gruzinski (2001), que já
interrogava a “noção de identidade” ao afirmar que essa noção:

[...] atribui a cada criatura ou a cada grupo humano características e aspirações


igualmente determinadas, supostamente fundadas num substrato cultural estável
ou invariante [...] essa definição pode tanto vir dos interessados como de um
reflexo condicionado do observador e reduzir-se na linguagem corrente a uma
etiquetagem sumária que logo vira caricatura. (GRUZINSKI, 2001, p. 54).

A problemática da busca continuará, pois como representar toda a dinâmica e


mistura que o Brasil contém? A pretensão do encontro não dá conta de revelar a cultura, que não
rejeita o espírito lúdico, o carnavalesco, o que é festivo, o sacro e o profano.
O brasileiro identifica-se ao contexto barroco, com todos excessos, estranhezas,
exuberâncias e desmesuras, e assume as ingenuidades, as utopias, o riso, o erótico, o tolerante, a
101

cultura popular, as dramaticidades das paisagens e toda efervescência e contradição implícita no


texto da cultura brasileira.
Toda indeterminação, toda imprevisibilidade, toda multiplicidade criativa cujo
ambiente trasborda energia foram ou ainda são incompreendidas e vistas pelos racionalistas
europeus e por alguns intelectuais brasileiros como efeito de atraso nos processos das
transformações industriais.
Não é à toa que é “[...] a presença do aleatório e da incerteza que confere às
mestiçagens seu caráter impalpável e paralisa nossos esforços de compreensão” (GRUZINSKI,
2001, p. 61). Pode-se, pois, aproveitar tudo e nisso estão a identificação e a incompletude da
brasilidade e também do design.

II. 2.3 - Identificação e incompletude: uma longa duração

O modo de pensar clássico, que perpetua os princípios unitários e totalizantes, não


aceita a oposição, as ambiguidades e as ambivalências. Ao contrário, é ávido pela essência, pela
pureza, pela identificação do igual, motivo por que exclui o diferente, rejeita o provisório, o
efêmero, o superficial e, nesse caso, ao buscar-se uma “identidade brasileira”, especialmente no
design, corre-se o risco de manter a mentalidade de centro, de cima para baixo, que exclui o
Brasil, cenário fluído e dinâmico de natureza tropical, de palmas, frutas e praias, cujo povo é
conhecido e feito de atividades criativas, como festas, músicas, danças, esportes, literaturas,
espetáculos, riqueza culinária, religiões, pesquisas científicas.
Por essa razão, a proposta que ora se faz é a de buscar uma identificação de
brasilidade no design nacional, o que é bem diferente de identidade.
Embora o termo “identificação” encontre pressupostos amplos extraídos da
Psicanálise, toma-se aqui o termo de empréstimo na tentativa de ajustá-lo à pertinência do
enfoque, isto é, pretende-se esboçar um pensamento semiótico na medida do possível, visto que
em ambas as áreas, quer na Psicanálise, quer na Semiótica, o termo precisa ainda ser melhor
explorado.
Então, assume-se, por um lado, a dificuldade de tratar claramente da identidade e
da identificação, mas, por outro, não se quer perder de vista que, nos debates sobre design,
sempre vêm à baila tais questões e, por isso, não se pode ignorá-las.
102

Essa reflexão pede certo número de advertências iniciais, visto que o próprio
Freud (1933, p. 3101) admitiu o desconforto por não haver dedicado, em Psicanálise, atenção
suficiente à delimitação de alguns conceitos, entre os quais o de “identificação”. As concepções
sobre os temas são por vezes intrincadas, bastante obscuras e confusas, de modo que se tentará
obter um ganho de sentido a respeito dos conceitos em foco.
A identidade aproxima seu examinador da noção de permanência de si, de
continuação, abarcando o efeito ilusório de sentido do absoluto. Funda-se num crer que se é, o
que os discursos e as práticas sociais evocam na negação da diferença.
Por outro lado, a identificação parece apontar para a incompletude da identidade,
pois se caracteriza por ser parcial e altamente limitada, contentando-se em tomar um traço da
pessoa ou do objeto. Por isso, não se trata de uma cópia ou uma assimilação completa ou total do
outro.
O pensamento freudiano tem comparado esse limiar da identificação à
“incorporação oral, canibal, de outra pessoa” (FREUD, 1933, p. 3136). A interpretação de Freud
quanto à identificação estaria ligada à “ramificação da primeira fase, a fase oral da organização
da libido”, durante a qual a criança identificava-se ao objeto ansiado e estimado, “comendo-o” e,
ao assim fazê-lo, apropriava-se parcialmente dele (neste caso, a mãe).
As discussões anteriores já caminharam pelo discurso envolvendo simbolicamente
o ato antropofágico de “deglutir” o outro. Essa metáfora foi e ainda é utilizada por diferentes
teóricos quando se pretende explicar a apropriação do que é alheio. Trata-se de reavivar na
memória o ritual dos antropófagos37, indígenas brasileiros que acreditavam que, devorando o
inimigo, incorporavam em si próprios as características positivas deles, como a força, a
vitalidade, a coragem.

37
Gonçalves Dias escreveu, em 1968, o poema “Juca Pirama” (na língua Tupi, significa “o que há de ser morto”) e
nele narra a história do guerreiro Tupi, que é capturado pelos antropófagos da tribo dos Timbiras. Ao perceber o
medo e o choro do guerreiro Tupi, os Timbiras abortam o ritual, pois se recusam a comer um covarde.
Diferentemente de um canibal (que come carne humana, como os índios Aimorés, citados no poema), os Timbiras
proclamam: “[...] nós outros, fortes Timbiras, só de heróis fazemos pasto”. Libertaram vivo e humilhado o guerreiro
Tupi, dizendo: “[...] parte; não queremos com carne vil enfraquecer os fortes”.
Oswald de Andrade, em seu Manifesto Antropófagico (1922), utiliza-se também dessa metáfora quando pretende
despertar todos à importância de “devorar” os elementos existentes na cultura ao apropriar-se do que é alheio, isto é,
das culturas diferentes, aprendendo com elas a ponto de ser por elas também transformado. Na linguagem literária
oswaldiana, percebe-se um aproveitamento dos elementos da fala popular, da culinária, do jornal e de outras séries
sígnicas da cultura, as quais traduzem em uma concepção poética a antropofagia como metáfora para o
entendimento da realidade cultural brasileira.
103

Dessa forma, o outro constitui o “eu”, pois este interioriza aquele e, assim,
constitui o seu próprio discurso. Na identificação, um sujeito assimila um aspecto, uma
propriedade ou um atributo do outro e transforma-se à medida que é também transformado.
Pinheiro (2008) sintetiza isso muito bem:

A cultura brasileira se constitui não por uma tendência centrípeta ao mesmo, à


afirmação de origem e de raízes específicas. A cultura brasileira se afirma pela
tendência a querer o outro, daí, no Manifesto, o Oswald ter dito: "só me
interessa o que não é meu". Ele disse que o movimento da cultura é esse, porque
todos os objetos da cultura são mestiços, ainda que haja necessidade aqui e
acolá de um "movimento índio", um "movimento negro", para afirmar suas
pretensas identidades numa luta. Isso tem que ser uma coisa passageira, porque
o movimento é de uma incorporação do outro. Isso está na base, não é algo de
que possamos nos afastar, porque isso é derivado do que (José) Lezama Lima
chamava de "arribada de confluência". Quase todo o ocidente se constituiu pela
oposição centro/periferia. A América Latina e o Brasil se constituíram por um
afluxo plural de processos civilizatórios que tiveram que resolver esta
pluralidade através de tecidos em movimento, criando novas configurações
lógicas, por isso na América Latina nós temos que encontrar o nosso modo de
pensar, que nasce da inclusão do alheio, o que nos faz sempre nacionais e
internacionais ao mesmo tempo.

Aplicada ao design brasileiro, “a inclusão do alheio” manifesta a relação


simbólica da identificação como um processo ativo, que pode substituir o conceito de identidade
por outro – pelo ato antropofágico. Na identificação, é possível perceber, de novo, o esforço da
tradução.
Todo esse contexto histórico brasileiro que leva em conta os impactos
socioculturais do passado, bem como o percurso intercultural e mestiço e ainda os costumes, os
hábitos, a busca por uma identificação, o aproveitar-se do alheio, a sobrevivência, enfim,
vinculam-se à ideia de permanecer no tempo.
A efeito de ilustração, faça-se menção à Escola dos Annales, em que, no curso do
tempo, é possível perceber a relação entre as mudanças (eventos) e as permanências (a longa
duração) presentes na cultura.
Essas permanências denunciam uma realidade complexa, que traduz tanto o
design gráfico brasileiro, como outras séries sígnicas que se transfiguram, se enriquecem e se
barroquizam na identificação, conceito que não pretende reviver, reconstituir ou legitimar o
passado, tampouco levar o passado ao futuro, mas, ao problematizar o presente, busca produzir
104

uma intervenção segura, que convida às associações, às oposições, às expansões, às análises, às


sínteses e a toda sorte de abertura que convoque a participação do outro.
105

II. Capítulo 3 - O design gráfico brasileiro revelado no crivo do tempo

Como recurso didático, esta contribuição presta-se a uma exposição mais livre e
menos comprometida com a sequência rígida da história do design gráfico brasileiro, pois não
será possível, nesta sede, analisar as fases que vão da imprensa artesanal à imprensa industrial.
Esta última é relativamente recente, mas, ao mesmo tempo, constitui tarefa extensa detalhar
períodos que datam desde o Império, passando pela República, até a fase atual.
A arte gráfica apresentou, no decurso do tempo, diferentes estágios, que vão
desde a circulação de jornal, almanaque, panfletos, revistas, cartazes etc., com a utilização de
diferentes técnicas (como a impressão em litografia, em xilogravura), até as máquinas e as
prensas, que, inicialmente, eram de madeira e que foram ganhando status de rotativas.
Posteriormente, à luz do avanço tecnológico, outras tantas foram elaboradas para
duplicação digital, feitas especialmente para grandes tiragens. Por isso, todos esses temas
dificilmente caberiam numa síntese, como a aqui proposta.
Mesmo antes de haver esta nomenclatura – “design gráfico” – nas publicações
impressas brasileiras, já havia textos, imagem, técnicas variadas de ilustrações, além de diversas
tipografias.
Ao se voltarem os olhos às diretrizes conceituais de alguns projetos, engendram-
se novas maneiras de compreender as continuidades, as descontinuidades e as permanências do
universo gráfico representado nas técnicas empregadas, nas mensagens vinculadas e nos diversos
elementos da sintaxe visual. De alguma forma, permanecem no tempo e enriquecem as práticas
atuais – por adição, subtração ou pela sobreposição de vários componentes estruturantes do
repertório gráfico de muitos designers.
Heller (2007) preconiza que:

Há atualmente a compreensão de que o Design Gráfico não é efêmero como o


papel em que é impresso [...] certos anúncios, pôsteres, embalagens, logotipos,
livros e revistas perduram como marcos de conquistas artísticas, comerciais e
tecnológicas e expressam mais sobre determinadas épocas e ambientes que as
belas-artes. (HELLER, 2007, p. 9).
106

Embora esse argumento possa parecer tendencioso, revela que as compilações do


material do design gráfico podem ser úteis e propícias à investigação de contextos históricos, da
cultura popular, da publicidade e de outras mídias.
Para “revelar” o design gráfico no tempo, seria preciso voltar à época do Império,
o que, de per si, deslocaria o foco de interesse desta pesquisa, a qual não pretende tratar o design
gráfico engessado dentro de uma linha de tempo histórica.
Ainda assim, por vezes, o material colhido estará organizado cronologicamente,
de acordo com o papel que o objeto desempenhou no cenário cultural e comercial brasileiro, mas
apenas para efeito metodológico, pois, obviamente, ao ser trazido à luz determinado objeto,
estar-se-á, automaticamente, deixando muitos outros à sombra.
Então, deve-se procurar ler pela borda os textos culturais marcados pelo
impresso38, os quais ganham uma mobilidade intensa de estatuto quando se lhes confere
determinado destaque e valor na tentativa de compreensão do objeto.
Uma teórica que merece menção é Martins (2001, p. 17), que estudou as revistas
ilustradas brasileiras do final do século XIX e as primeiras da década seguinte. A autora destaca
o fato de haver delimitado o campo de invetigação do impresso brasileiro para os anos de 1890 a
1922, no contexto específico da cidade de São Paulo, e reconheceu que “esse recorte se
apresentou viável em face do potencial informativo sugerido pelo corpus documental, ainda
carente de reflexões por parte da historiografia brasileira”.
A historiadora relata os hábitos criados pela cultura do impresso e o papel social
dos periódicos que cobriam diversas áreas, desde revistas femininas, científicas, pedagógicas,
esportivas, religiosas até infantis.
Outra leitura valiosa é a de Denis (2005), que, de igual modo, pesquisa o design
gráfico, destacando a importância histórica de impressos comerciais e efêmeros e aprofundando-
se na cultura material relativamente aos artefatos de origem industrial e ao seu contexto de
produção e uso.

38
Aos interessados em análise mais profunda sobre o assunto, recomenda-se a leitura de alguns teóricos que se
dedicaram à análise da história dos impressos nacionais, dentre os quais merece registro Scalzo (2008, p. 27), que
transita pela história e pela evolução das publicações brasileiras, trazendo a lume as revistas pioneiras, como as de
1812, em Salvador (Bahia), cujo título era “Variedades ou Ensaios de Literatura”. Segundo a autora, a segunda
publicação data de 1812 e surge no Rio de Janeiro sob o título “Patriota”. O foco de sua abordagem são a temática
do jornalismo e as características do bom jornalista de revista, mas as questões éticas e os aspectos econômicos do
mercado de revistas são também cuidadosamente tratados.
107

Melo (2006) foi outra referência básica para as pesquisas levadas a cabo, uma vez
que ele delimitou seus estudos especificamente na década de 60. Revisitou a trajetória da capa do
livro brasileiro partindo da tradição pictórica dos anos 30 e 40, quando as capas eram, na maioria
das vezes, projetadas e realizadas por artistas plásticos conhecidos, como Di Cavalcanti, por
exemplo.
Em sua pesquisa, destaca o design da década de 60 e sustenta, em entrevista ao
jornal on line “Diário do Nordeste”, datado de 24 de setembro de 2006, que: “os anos 60 foram o
marco inaugural da cena contemporânea. A cena que vivemos hoje é, fundamentalmente, um
reflexo do que aconteceu naquela década”.
Niemeyer (2000; 2002) também se destaca, porquanto, na qualidade de
pesquisadora, professora e designer, descreveu detalhadamente o processo de institucionalização
do design brasileiro, desde as primícias de criação de cursos, como o IAC (Instituto de Arte
Contemporânea em São Paulo, em 1951), a ESDI (Escola de Desenho Industrial, em 1962). Faz
críticas ao modelo de ensino de design adotado no país, trazendo, ainda, uma visão histórica da
institucionalização do design na Europa (Art Noveau, Arts and Crafts etc.), dos modelos de
ensino alemães (Bauhaus, Ulm). Torna-se, em suma, uma leitura obrigatória para os interessados
em aprofundar seus conhecimentos acerca do design.
Esse extenso material teórico serviu como fonte de busca e possibilitou a
constitução de uma reflexão, que se julga aqui ter satisfeito a pretenção primeira: encontrar
novas articulações e fundamentações teóricas que sustentassem o embasamento acerca do
processo comunicativo dos veículos gráficos.
Os destaques propostos a seguir englobam o design gráfico como comunicação
popular, como mídia que informa, como ferramenta de marketing e, principalmente, como marco
sinalizador de determinados panoramas culturais.
A meta é fornecer uma base viável à ampla compreesão do design gráfico
brasileiro, no compartilhamento do legado de alguns projetos que marcaram a história.
Afigura-se interessante que os primeiros suplementos literários no país tenham
sido espaço da crítica de intelectuais que demarcavam os modelos de representação jornalística.
Nos exemplos subsequentes, buscou-se mapear essas posições de variadas
revistas, tomando-as como formação cultural em si mesmas, para, depois, considerarem-se os
cartazes como importante instrumento da Publicidade e da Propaganda. Por derradeiro, mas não
108

menos importante, destacaram-se as capas de discos, as quais deixaram de ser apenas embalagem
que servia de proteção aos discos para assumirem um tratamento gráfico especial, que
identificava a gravadora.
Posteriormente, o disco tornou-se um objeto com valor estético para além de seu
caráter funcional.
Muito das configurações sociais e culturais de determinadas épocas pode ser
depreendido a partir das revistas, dos cartazes e das capas de discos, sendo tais exemplos,
portanto, lugar de circulação e sedimentação dos costumes, dos hábitos e da sobrevivência do
design gráfico, que se revela no limbo entre mudança, efemeridade e permanência ao longo do
tempo.

II. 3.1 Movimento criativo: repetições que se sucedem no tempo

O quadro da vida cotidiana é invadido, em larga medida, pelas mídias em geral e,


dentre as mídias gráficas, tomem-se as revistas como objeto de amostra de comunicação de
massa, como elemento da cultura e tendência ao consumo e circulação no meio social.
Pensando precisamente na revista, ela ultrapassa a função de portadora de
informação para exceder, de múltiplas maneiras, essa restrição imposta pela sua materialidade,
pois também ela é mensagem, tanto do ponto de vista do seu criador, como do indivíduo
particular que a dota de valor simbólico.
Invoque-se, portanto, a força magistral da frase de McLuhan (2005, p. 284) “o
Meio é a Mensagem”. O autor reforça a concepção de que o “meio” é constituído pelos efeitos e
não deve ser pensado como simples canal de passagem do conteúdo comunicativo ou como mero
veículo de transmissão da mensagem; ao contrário, o meio é um elemento determinante da
comunicação.
Para McLuhan, o meio pelo qual a comunicação estabelece-se não apenas
constitui a forma comunicativa, mas determina o próprio conteúdo da comunicação. De igual
modo, o objeto “revista”, portador de forma, é também mensagem em sua exterioridade, naquilo
que se refere à possibilidade de lidar com signos, cuja potencialidade possibilita ao produtor, ao
designer gráfico e ao usuário internalizar (pensamento) e externalizar (linguagens), favorecendo
109

a exploração imaginativa pelo contágio provocado pela natureza desses meios, os quais revelam
diversas manifestações sígnicas em processos de semiose.
Donis (2000) afirma que o resultado de toda experiência visual caminha na
interação entre

[...] as forças do conteúdo (mensagem e significado) e da forma (design, meio e


ordenação); em segundo lugar, o efeito recíproco do articulador (designer,
artista ou artesão) e do receptor (público). Em ambos os casos, um não pode se
separar do outro. A forma é afetada pelo conteúdo; o conteúdo é afetado pela
forma [...]. (DONIS, 2000, p. 132).

A seguir, basear-se-ão as observações naquilo que introduz a ideia que sobrepuja


a significação funcional imediata do objeto “revista”, que se sabe limitada no espaço e no tempo,
mas que se transforma em percepção cultural e, por isso mesmo, investida de valor estético e
simbólico (no sentido genérico dos termos).
Geralmente, as revistas relacionam-se com o estatuto do tempo por seu ciclo de
longevidade variável, seu desgaste e sua renovação. Mas o que parece ser o mais importante é
destacar a experiência do sensível que adveio da experiência do designer, ou seja, do projeto
gráfico das revistas como índice de futuras realidades inovadoras que dão a outros possibilidades
de criação, muitas vezes imprevisíveis.
Destaque-se a revista “Careta” (1908 a 1960), que apresenta excelente padrão
gráfico e editorial. Foi fundada por Jorge Schimidt e, embora seu conteúdo apresentasse um tom
de humor, trazia cobertura fotográfica dos costumes sociais e dos acontecimentos políticos do
Rio de Janeiro.
Sua primeira edição data de 6 de junho de 1908 e aparece, na capa, uma caricatura
do então presidente Afonso Pena, no traço inconfundível de José Carlos de Brito e Cunha (1884-
1950, nascido em Botafogo, Rio de Janeiro).
Os trabalhos de J. Carlos destacaram-se nas melhores revistas de sua época: “O
Malho”, “Fon Fon”, “Careta”, “A Cigarra”, “Vida Moderna”, “Eu Sei Tudo”, “Revista da
Semana” e “O Cruzeiro”. Em especial pelas personagens que criou, como a Melindrosa,
Lamparina e Juquinha (estas duas últimas para a revista infantil “O Tico Tico”).
110

Figura 16 – Primeira edição da Revista Careta com a ilustração de J. Carlos. Fonte: sítio eletrônico de
James Emanuel.

Na área gráfica, o designer (caricaturista e ilustrador) J. Carlos alimentou-se de


uma sensibilidade estética por meio de sua capacidade de absorver a cultura brasileira e
incorporá-la a seu trabalho. Com uma liberdade que lhe era própria, retratou a vida carioca e,
pelo desenho, apresentou características da política, do carnaval, das praias, da rua, da moda, dos
hábitos, dos costumes cotidianos das mulheres, dos homens e das crianças anônimas.

Figura 17 – Cenas cariocas: O samba, Um almofadinhas em um café e as Melindrosas. Coleção Eduardo


Augusto de Brito e Cunha (filho de J. Carlos), ilustrações da década de 1940. Fonte: sítio eletrônico de Evandro
Carneiro.

“[...] J. Carlos recusou o convite de Walt Disney para trabalhar com ele em
Hollywood. Disney veio ao Brasil em 1941 para lançar o seu filme Fantasia” (LUSTOSA, 2006,
p. 161).
Esse episódio interessante, relatado pela autora, faz saber que a Associação
Brasileira de Imprensa homenageou Disney com uma exposição que reunia os desenhos dos
111

melhores caricaturistas brasileiros. Dentre tantos trabalhos, os desenhos de J. Carlos chamaram


mais a atenção de Disney, mormente as folhas em que estavam os papagaios com colarinho,
gravata, charuto e que se apoiavam em uma bengala.

No almoço que o Ministério das Relações Exteriores do Brasil promoveu


reunindo os caricaturistas brasileiros e a equipe da Disney, este fez questão de
sentar-se ao lado de J. Carlos. Naquela ocasião, ele convidou J. Carlos a
integrar-se à sua equipe nos EUA. J. Carlos não aceitou. Depois mandou a Walt
Disney o desenho de um papagaio vestido com o uniforme da Força
Expedicionária Brasileira, abraçando o Pato Donald vestido de marine. Dessa
visita resultaram dois filmes: Alô, amigos e Você já foi à Bahia? – e uma
enorme divulgação para o Brasil no exterior. (LUSTOSA, 2006, p. 162).

Para o filme “Alô, amigos”, Disney criou um novo personagem – o Zé Carioca


(um papagaio que possuía características semelhantes ao de J. Carlos) –, que nasceu da tradução
do desenho de J. Carlos após sua visita ao Brasil.

Figura 18 – Papagaio de J. Carlos e o papagaio de Disney. Fonte: sítio eletrônico Blogspot (a).

A produção cultural de J. Carlos permanece no tempo, fazendo história em novos


projetos de criação até os dias de hoje. Como exemplo disso, relembrem-se os projetos da
estilista Jaqueline de Biase, do carnavalesco Fábio Ricardo e do designer Tony de Marco, os
quais valorizaram o design gráfico de J. Carlos, na medida em que traduziram algumas de suas
ilustrações em produções de moda, enredo de escola de samba e na área tipográfica.
Desse modo, os três designers reavivam os feitos de J. Carlos com uma
habilíssima evocação do ausente, a ponto de torná-lo novamente atual, dado que se apropriam de
suas obras não com a intenção de se apossarem delas, de repetirem a experiência temporal
112

passada, mas, ao tomá-las por empréstimo num outro tempo e contexto, utilizam-nas e digerem-
nas para então, de forma paradoxal, revivificarem o esquecido.
Jaqueline de Biase apresentou uma coleção de maiôs, duas peças e biquínis na
passarela do verão Fashion Rio em 2008. Ao vestir e adornar o sujeito, Biase buscou, por
intermédio de linhas e contrastes das formas, privilegiar a experiência e a prática feminina de
valorizar o corpo ao vestir-se para expor-se ao sol e ser notada.
Para as estampas das peças, retornou aos documentos passados e traduziu em
moda as imagens de J. Carlos, as quais revelavam os costumes de um tempo dado, de forma que
se reconcilia o presente com o passado, que é visitado pela mudança e pela proposta do novo
projeto, que garante a memória e a duração no tempo, das imagens de J. Carlos.

Figura 19 – Desenho para coleção Fashion Rio em 2008 (estilista Jaqueline de Biase). Fonte: sítio
eletrônico Blogspot (b).

Figura 20 – Desfile Fashion Rio em 2008. Moda Praia da Salinas da estilista Jaqueline de Biase. Fonte: sítio
eletrônico da Editora Abril – Elle.
113

Nessa tendência, o carnavalesco Fábio Ricardo, em 2009, criou o enredo “Tem


Francesinha no Salão... O Rio no meu Coração" para a escola “Acadêmicos da Rocinha” (Rio de
Janeiro).
É indubitável que o carnaval brasileiro tornou-se conhecido praticamente em todo
o mundo por causa dos desfiles das escolas de samba, especialmente as do Rio de Janeiro, cujo
espetáculo transforma-se em show promovido por carros alegóricos, pela bateria, pelo casal de
mestre-sala e porta-bandeira, além dos passistas, que, no compasso da bateria, dão a dimensão
real e concreta do samba-enredo.
A criação do desfile de Fábio Ricardo baseou-se na vida e nas obras de J. Carlos e
destacaram-se as dançarinas de CanCan, o mestre-sala e a porta-bandeira, que desfilaram com a
fantasia "Sonho em Art Nouveau" (representavam o sonho de transformar a capital federal numa
Paris tropical).
Nesse evento, de magnitude ímpar, as alegorias que se destacaram foram: "Rio:
Cidade Luz" (representou a Belle Èpoque), "Alma Carioca" (simbolizando as moças cariocas) e
"Batalha de Confete" (que destacava as Guerras Mundiais, tão criticadas por J. Carlos).

Figura 21 – Sambódromo do Rio de Janeiro – Carnaval (criação de Fábio Ricardo, baseada na vida e obra
de J. Carlos) 2009. Fonte: sítio eletrônico Fototeca.

Não pode cair em esquecimento o trabalho que vem sendo desenvolvido pelo
ilustrador Tony de Marco na área de design. Ele iniciou sua vida profissional no jornal “Folha de
114

São Paulo” e, mais tarde, fundou a Bookmakers (editora com a qual lançou a revista
“Macmania”, especializada no universo Apple).
Em 2001, juntamente com o tipógrafo e editor Claudio Rocha, criou a revista
“Tupigrafia”, uma publicação que aborda as diversas formas de manifestação da tipografia
presente na pintura, na fotografia, no cinema, na história e no próprio design gráfico.
Mas o que realmente interessa é o fato de Tony de Marco haver criado a fonte
“Samba”, “inspirada nas letras Art Deco do ilustrador J. Carlos”.

Figura 22 – Revista “Para todos”. Tipografia e ilustração de J. Carlos. Fonte: sítio eletrônico de J. Carlos.

“Tony criou a fonte para uma matéria sobre J. Carlos que seria publicada na
revista Tupigrafia”. O designer explica o nome da fonte criada e a mudança do nome por conta
de sua participação em um concurso internacional de fontes tipográficas:

[...] quando eu criei a fonte para um artigo da Tupigrafia sobre o trabalho


tipográfico de J. Carlos, a fonte foi chamada de Melindrosa, numa clara
homenagem ao genial ilustrador [...] Ao decidir participar do concurso, três
motivos me levaram a repensar o nome. O primeiro é a provável pronúncia
difícil, em inglês, seria algo como "Melindrossa". Argh! E o mercado de venda
de fontes é majoritariamente norte-americano, não considerar este fato pode ser
um suicídio comercial. O segundo é que a versão Expert, que caracteriza a
família, não tem referência direta no trabalho de J. Carlos. A influência veio da
pesquisa de ferragens residenciais de estilo europeu, encontradas em abundância
também no Brasil. O terceiro motivo é que já havia uma fonte dingbat horrível,
com dançarinos de salsa, maracas e outros ícones caribenhos chamada
“Samba”!!! Decidi que era hora de uma fonte feita por brasileiros inspirada em
um ilustre brasileiro, que, aliás, escreveu alguns sambas, receber a honra de se
chamar “Samba”.
115

O designer destaca que esse trabalho marcou sua carreira, pois, em 2003, foi
reconhecido e premiado no Linotype International Type Design Contest com a fonte Samba.

Figura 23 – Fonte Samba, de Tony de Marco, homenagem a J. Carlos. Fonte: sítio eletrônico de Tony de
Marco.

Esta arte me influenciou muito. Foi uma coisa de pesquisa, de sair na rua
fotografando tudo o que era Art Deco. Além disso, é prazeroso ver que o
espírito do J. Carlos, que era uma pessoa muito ligada ao carnaval e ao samba, é
inspiração para CD de um artista também ligado ao samba, como Zeca
Pagodinho e para produto publicitário da Rede Globo para o Carnaval de
Recife39.

Esses três exemplos citados, que fizeram uso da força dos traços de J. Carlos,
remetem de novo ao pensamento de Braudel, que não escreveu sobre design gráfico
necessariamente, mas o fato de ter ele incluído edifícios, mobiliário, interiores, vestimenta,
comida, tecnologia, dinheiro e urbanismo no seu estudo do capitalismo continua a servir de
exemplo sobre como a cultura material pode ser assaz incorporada na compreensão dos trabalhos
dos designers, dentro de um contexto socioeconômico.

39
O leitor pode ter acesso aos depoimentos de Tony de Marco acerca de sua carreira e das premiações que recebeu
no site pessoal do designer, que também serviu de consulta a esta pesquisa: I)
http://www.professionalpublish.com.br/; II) http://tipograficamente.blogspot.com/2006/01/deu-samba_12.html.
Acesso em 16/02/2010.
116

Braudel sondava as permanências e as repetições da história em proveito das


estruturas de longa duração. Uma história que não era feita por antecipação, “ao contrário surgia
da materialidade do passado, e que se revelava pouco a pouco na medida em que (SIC) ia sendo
transformada pela decifração de hieróglifos em geral esquecidos” (DAIX, 1999, p. 92).
Sob a perspectiva da longa duração, Braudel não via as maneiras de agir e de
pensar dos indivíduos como obras isoladas, mas estas surgiam das manifestações coletivas que os
ultrapassam e davam-se em processo de continuidade, a ponto de transcenderem o tempo.
Pode-se considerar que a importância da produção de J. Carlos e,
consequentemente, de um modo mais alargado, a dos designers gráficos não estão somente
adstritas ao ponto de vista da produção pessoal e individual, mas porque avançam pelo vasto
mundo social e cultural, que produzem as circunstâncias determinantes, dentro das quais os
designers trabalham, dando-lhes as condições para a continuação de sua prática.
Sob a cambiante diversidade de procedimentos criativos em qualquer área, as
traduções podem ser atos comuns que manifestam uma forma de fazer e saber que oferece
resistência à anulação dos textos instauradores do passado.
As traduções criativas servem, por vezes, de testemunho triunfante ou modesto,
íntegro ou mutilado da tentativa humana de permanecer no tempo, estabelecendo relações ou
conexões com o grande contexto em que a vida acontece (características dos sistemas
complexos).
Os “[...] sistemas complexos podem agregar certos elementos e negar ou excluir
outros, à medida que isso importe para a sua permanecia” (VIEIRA, 2008a, p. 37).
Essas ideias caminham novamente para o pensamento sistêmico em termos de
conectividade de relações e de contexto. Afinal, Vieira trata “relações e conexões” como
palavras sinônimas, assumindo que as conexões podem “ser estabelecidas em graus de
intensidade”. As conexões dizem respeito aos parâmetros evolutivos, ou seja, estão associadas ao
parâmetro sistêmico – aquele que surge e permanece no tempo e tende a ser coeso:

A conectividade entre os subsistemas com o consequente transporte de


informação gera a condição em que cada subsistema é mediado ou vem a
mediar outros, comportando-se como signo, de acordo com a proposta de
PEIRCE. Dessa forma, temos a possibilidade de conciliar a visão sistêmica com
a semiótica peirceana, o que nos parece uma dilatação ontológica fértil para o
estudo da complexidade. (VIEIRA, 2000, p. 14).
117

Ao se levarem em conta os processos criativos na abordagem sistêmica, está-se


enfatizando que o pensamento é contextual, ou seja, estabelece teias de relações entre as várias
partes componentes de um todo mais amplo.

À medida que a concepção de rede tornou-se mais e mais proeminente na


ecologia, os pensadores sistêmicos começaram a utilizar modelos de rede em
todos os níveis dos sistemas, considerando os organismos como redes de
células, órgãos e sistemas de órgãos [...] há redes aninhadas dentro de outras
redes. (CAPRA, 2006, p. 44-45).

Isso quer dizer que o processo de criação pode ser entendido numa complexa teia
de relações, que determinam a textura do todo. Desse modo, não se impõe a criação de um
modelo rígido, mas se supõe um diálogo com o variante e o instável, com as alterações de
trajetórias inesperadas e com as bifurcações imprevistas que surgirem ao longo do caminho.
Em outras palavras, Salles (2006) desenvolve o conceito de criação como rede em
processo e sustenta que o ato criativo vincula-se à noção do pensamento, que experimenta
associações e interações em diálogo com as subjetividades tramadas em redes particulares da
percepção de quem produz.
Isso significa que o ato criativo vivencia um modo individual de busca dentre uma
infinidade de signos e objetos para, por fim, reuni-los como fonte na criação. “Ao adotarmos o
paradigma da rede estamos pensando o ambiente das interações, dos laços, da interconectividade,
dos nexos e das relações, que se opõem claramente àquele apoiado em segmentações e
disjunções” (SALLES, 2006, p. 24).
Essas temáticas são persistentemente suportadas por se ancorarem na perspectiva
do tempo, o qual revela as mudanças, mas também a permanência social. Esta, a seu turno,
manifesta a resistência dos hábitos, dos valores e dos movimentos repetitivos que ultrapassam o
individual e o evento, sem, necessariamente, negá-los, pois os insere no bojo de um realidade
mais complexa.
É com esse olhar que se visualiza o tempo longo, que permite a percepção e a
identificação das continuidades e das descontinuidades do design gráfico. Revela a criação como
processo de um resultado não linear, não determinista, e que continuamente movimenta a
história.
118

Por essa razão, a criação humana tem a ver com a complexidade e “[...] todo
mundo percebe que a complexidade está ligada a multiplicidades de comportamento, a sistemas
cujo futuro não se pode prever, como se pode prever o futuro de uma pedra que cai”
(PRIGOGINE, 2003, p. 50).
O processo de criação não está limitado a situações simplificadas, mas leva em
conta o incerto, estando aberto a possibilidades, uma das quais é, exatamente, a de reabsorver os
eventos, visando a uma tradução com novas bases, fundada em uma liberdade própria do ser
humano.
Com Prigogine (2003, p. 50), essa urdidura torna-se ainda mais perspicaz, pois ele
oferece o conceito de um futuro que se constrói graças ao jogo de possibilidades criativas. No
seu entender, essa forma de perceber compreende um tempo irreversível que se torna propício à
amplificação das inovações. Diz ele: “[...] podemos falar de um futuro que se faz, de um futuro
em construção [...]”.
O indeterminado e a irreversibilidade (é impossível voltar ao estado anterior, pois
existe uma flecha do tempo) são teorias que, para Prigogine, desempenham um papel
fundamental na Física, mas também as escolhas, as possibilidades e a incerteza são, ao mesmo
tempo, uma propriedade do universo e da existência humana.
No que concerne ao design gráfico, portanto, compreender o tempo físico
irreversível de Prigogine é compreender a criação e todo seu processo como uma nova
inconstante estética que abarca a ordem/desordem, o equilíbrio/não equilíbrio e o
determinismo/indetermismo. Vinculado à experiência da troca de matéria, energia e informação
com o ambiente, implica acatar a complexidade do mundo e admitir uma realidade em constante
transformação, que se dá em uma relação dinâmica de interdependência entre a história, o social
e o biológico, conjuntamente com os aspectos culturais.
Significa sobrepujar a concepção de tempo clássico e aceitar os tempos
individuais, coletivos, objetivos e subjetivos, que se apresentam para a finitude do homem como
infinitos tempos. Para Prigogine, há uma multiplicidade de formas e de estruturas que escapam
ao determinismo, que são baseadas em probabilidades e que constituem como resultado o
irreversível (a seta do tempo).
É importante associar a complexidade do processo criativo às questões do tempo-
espaço (vinculados a cultura e à história). O processo de criação deve ser percebido pela
119

singularidade que a experiência criadora propicia, e esta não deve ser compreendida como algo
estático, homogêneo e atemporal. Ao contrário, deve ser pensada como portadora de tempo-
espaço e de movimento, visto que, sendo sistema aberto (aquele que troca matéria e energia com
o mundo exterior), varia em torno de fluxos dinâmicos (que se transformam continuamente) e
configura, em certa medida, a transmissão, a circulação e a recepção das ideias.
A atenção aqui dispensada gira em torno dos movimentos criativos dos designers
do passado/presente, que, associados às experiências culturais, abrem perspectivas que
assinalam, marcam e amplificam as inovações em uma nova tradução, a qual, a propósito, aceita
a condição da instabilidade, da indeterminação e dos desvios de normas que, ao serem
“transgredidas”, permitem a explosão de novos processos criativos.
A partir dessas ideias, cabe então pensar que o processo criativo move-se sempre
fora de uma certeza absoluta. Em Braudel e em Prigogine, os conceitos de incerto e de
indeterminado são vistos como sinônimos que marcam o tempo em que a mudança é
desencadeada como estratégia na dimensão do cotidiano.
Por isso, parece viável continuar a recorrer aos discursos ambíguos e inexatos da
história, pois neles se verifica a apropriação de um sistema de signos, que possibilita buscar os
aspectos do design gráfico brasileiro, revelado no crivo do tempo. E, ao fazê-lo, pode-se
encontrar, antes de tudo, continuidades e raízes de “longa duração” e, nesses caminhos trilhados
com tantas vozes, pode-se apreender a globalidade de seus contextos.
Então, voltar o olhar para a historicidade é um dos meios possíveis de acessar-se a
complexidade, visto que as narrativas dos acontecimentos não estão circunscritas aos objetos, às
datações e aos eventos, pois as permutas, as transferências e as apropriações que se entrelaçam,
se embrenham e fazem erigir o design gráfico no tempo estão circunscritas em um passado
efetivo de experiências individuais e coletivas, nas quais se constata um processo de criação
lento, que toma amplitude e aparência nítida a partir de mutações visíveis, gestadas em diferentes
projetos ao longo do tempo.

II. 3.2 - Caminhos da História: indícios culturais do tempo

No ato de voltar-se para a história, pretende-se considerar os instantes, as


reminiscências e as imagens dos vestígios culturais deixados pelas revistas, as quais têm e
120

tiveram um papel importante na cultura visual, não só pelas características básicas (portabilidade,
condições táteis e combinação entre textos e imagens), mas também pela articulação entre os
elementos que definem um projeto (tamanho, estrutura básica de referência, tipografias etc.), que
permitem maior impacto visual.
Sem desviar-se do intuito de investigar a história do design e seu processo
cultural, destacar-se-ão, doravante, os projetos que envolveram não só as revistas, senão também
os cartazes e as capas de discos.
Ter-se-á sempre como coadjuvante o tempo da história e da cultura, que serve
para ilustrar as especificidades do design gráfico e sua linguagem no contexto brasileiro.
As informações, os artigos e os mais variados assuntos cabem nas páginas de uma
revista e, no contexto brasileiro, é incontável o número de revistas que já existiram, somadas às
que existem. Dá-se aqui mais atenção a algumas revistas do passado que estão sendo objeto de
análise por parte de alguns estudiosos, os quais têm concluindo que no Brasil, “[...] o número de
produções do gênero humorístico, político, ou econômico era relativamente grande”.
Borges (2008) destaca algumas dos idos de 1900:

O Engrossador, 1900, Bolina, 1900, O Buraco, 1901, A Aljava, 1902, A Bola


Bola, 1902, O Azeite, 1903, O Clarim, 1906, O Camaleão 1906, Argus, 1908,
Gargalhada, 1909, O Pirralho, 1911, Zé Povo, 1911, O Parafuso, 1915, O
Alfinete, 1915, Maroto, 1916, O Queixoso, 1916, A vespa, 1916 e A Rolha,
1918.

Em linhas gerais, também se podiam encontrar, nesses pequenos periódicos,


outras variedades de temas, notadamente artes, notícias e entretenimento.
Tais exemplos são produções feitas na cidade de São Paulo, local de significativas
mudanças históricas e palco do movimento modernista no país.
Esse grande evento, que fez surgir nova revista, foi a Semana de Arte Moderna,
que se realizou no Teatro Municipal de São Paulo, entre os dias 13 e 17 de fevereiro de 1922,
com três festivais contendo partes literária, musical e plástica.
Foi uma semana que se tornaria memorável, pois promoveu a
interdisciplinaridade entre literatura, pintura, escultura, música e demais manifestações artísticas,
aproximando, destarte, intelectuais de diferentes áreas, a exemplo de Mário de Andrade, Oswald
121

de Andrade, Guilherme de Almeida, Di Cavalcante, Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, dentre


outros.
A revista “Klaxon”, publicada em 1922, sintetiza o pensamento estético do grupo,
posicionando-se contra todo detalhe naturalista, contra o equilíbrio geométrico e a perspectiva e
torna-se um dos marcos do movimento modernista.
Contrastando com os demais caracteres em preto, Guilherme de Almeida cria a
capa partindo da tipografia do imenso “A”, que se destacava colorido, ao ocupar quase todo
espaço vertical da página.
O visual instiga e estimula o leitor, que precisa decodificar, com atenção, o
raciocínio criativo, a preocupação e o cuidado técnico do seu criador.

Figura 24 – Revistas: Klaxon – 1922. Fonte: sítio eletrônico Almanaque Abril.

Nos anos de 1930, a ideia de reunir tiras de quadrinhos editadas anteriormente


em jornais e reproduzi-las em uma só publicação deu origem às revistas em
quadrinhos, que logo começariam a publicar histórias inéditas e seriam
divididas em dois tipos: infantis e para adultos. (SCALZO, 2008, p. 24).

Nas décadas de 40 e 50, destacam-se as revistas “Cinelândia” e “Capricho”. A


primeira privilegiava os fãs de cinema, e a segunda popularizava-se com as fotonovelas.
Destaca-se ainda a importância da revista ilustrada “O Cruzeiro” (1928-1975),
haja vista ter-se tornado um ícone nacional de larga circulação a partir de sua primeira
publicação, pelos Diários Associados de Assis Chateaubrians (SODRÉ, 1999, p. 372). O olhar de
122

outros dois historiadores, Andrade e Cardoso (2001, p. 111), captou a importância da aludida
revista.

O Cruzeiro foi a primeira revista de circulação nacional de fatos diversos a


introduzir a linguagem da fotorreportagem. Criado em 1928 e reformulado em
1945, esse periódico revolucionou a técnica e o espírito do jornalismo ao
romper com a influência das escolas europeias na imprensa brasileira. Dominou
esse mercado por algumas décadas, uma vez que possuía uma excelente rede de
distribuição. Por ser uma revista semanal de entretenimento, com muitas
fotografias e títulos, representava a possibilidade de mais pessoas de uma
mesma família, principalmente as mulheres, lerem ou folhearem as suas páginas
de diversas maneiras. Sua linha editorial era precisa: queria ser popular a fim de
fazer-se compreender por todos e para vulgarizar as artes e as ciências. Por isso,
a pauta entremeava fatos verossímeis entre trivialidades de aceitação garantida.
As fotografias imprimiam o realismo. De inegável qualidade técnica, as
fotografias não se limitavam a uma página; estendiam-se à página do lado,
deixando o leitor embevecido pela imagem.

Na intenção de concorrer com “O Cruzeiro”, começou a circular, em abril de


1952, outra revista – “A Manchete” (1952-2000), que utilizava, como principal forma de
linguagem, o fotojornalismo.
Posteriormente, o nome da revista foi dado à emissora de televisão, a extinta Rede
Machete (1983-1999) . “A revista era pouco atraente: papel de qualidade inferior, diagramação
ruim, e a matéria de capa era a única colorida” (ANDRADE e CARDOSO, 2001, p. 112).

Figura 25 – Revista “O Cruzeiro”, de 1928. Fonte: Figura 26 – Revista “Manchete”, de 1952. Fonte:
sítio eletrônico Almanaque Abril. sítio eletrônico de Fernando Machado.

Ambas as revistas, “O Cruzeiro e “A Manchete”, destacaram-se porque foram


revistas semanais de grande tiragem e de circulação nacional, e suas reportagens faziam alusão à
123

arte, à política, aos esportes, a par de apresentarem suas notícias impregnadas de sentidos que
podiam ser vistos para além de seus suportes textuais, uma vez que, na enunciação dos editoriais
e das fotoreportagens, comunicavam suas ideologias.
A capa de cada revista sinalizava a singularidade do exemplar e evidenciava suas
edições como pertencentes a uma série. Isso permitia ao leitor, a um só tempo, a percepção do
nome da revista, que se destaca em meio ao conjunto, e a visualização dos acontecimentos.
O discurso dessas mídias impressas semanais estava associado ao projeto
industrial do país, que aparecia estampado nas páginas das revistas

[...] como um produto veiculado, a ser popularizado, customizado, oferecido e


consumido [...] Partindo da assertiva que as revistas fundam-se sobre um projeto
editorial definido, decerto tal projeto faz-se revelar em suas páginas e circula na
medida em que são consumidas. Assim, ao passarem, as citadas revistas, a
integrar o cotidiano de leitura e acesso à informação de um determinado setor
e/ou contingente da população, o projeto norteador destes periódicos também é
“vendido” semanalmente junto às suas páginas gradativamente coloridas.
(SILVA, 2008, p. 3).

A década de 50 é analisada por Silva (2008) por meio de discursos de


modernidade característicos das revistas “O Cruzeiro” e “A Manchete”. Nesta segunda, aliás,
vislumbra-se, por exemplo, a fotoreportagem cujo título impresso em página dupla traz os
dizeres: “Encontro marcado em Brasília”. A matéria noticiava: “A carrocinha de ontem cruza nas
estradas com o ônibus de hoje, que dispõe de música à bordo, instalações sanitárias, serviço de
bar e de lanches”.

Figura 27 – Revista “Manchete”, 5 março de 1960. Fonte: sítio eletrônico Anais Eletrônicos do VIII Encontro
Internacional da ANPHLAC.
124

Então, as discussões acerca dos problemas sociais, políticos e econômicos, bem


como as questões de um modo geral, eram fortemente abordadas nessas revistas, as quais
passaram a mesclar seu conteúdo ao universo das artes, a partir de 1960.
Se ao rádio cabia a função de tratar das notícias imediatas, cujos acontecimentos
recentes transmitiam sentidos por via oral, aos jornais e às revistas cumpria a transmissão pela
palavra escrita. As revistas em geral, sendo periódicas, circulavam com duração variável,
podendo ser semanais, quinzenais ou mensais, e o design podia experimentar, a cada novo
número, novas oportunidades de criação das tendências gráficas.
A credibilidade da informação escrita assegurava as vendas e garantia a
fidelização do receptor ao consumo.
As revistas apresentam-se, geralmente, segmentadas por assuntos, sendo
especializadas em determinados gêneros. Elas também atraíam a atenção pelo fato de
complementarem os assuntos que se destacavam na televisão.
Não é necessário enfatizar que a publicidade via nelas excelentes vantagens para
divulgar seus negócios. Tais atributos, elencados de maneira rápida, podem ser percebidos como
permanentes até os dias de hoje nas mais variadas revistas do país.
Fez-se aqui um mapeamento do contexto temporal do design, que foi sendo
perseguido de forma assumidamente aberta e esgarçada, porque, de antemão, é por demais
impreciso considerar o peso das inovações estético-políticas e socioculturais que marcaram
especialmente a segunda metade da década de 50.
No Brasil, surgem a Bossa Nova (1958-1972) e as experimentações, dentro dos
ideais do concretismo, seguindo-se com o movimento neoconcreto. Nesse período, destacam-se
muitos intelectuais no cenário da configuração dos valores culturais.
Durante os anos 50 e começo dos anos 60, com o intenso processo de
industrialização, o perfil da sociedade brasileira passava rapidamente de agroexportador para
industrial, com uma forte urbanização causada pela migração de milhões de pessoas do campo para
as cidades, em especial para o Rio de Janeiro e para São Paulo. Por extensão:

[...] nos anos 50, os industriais brasileiros sequer sabiam direito o que era
design. Nessa época, um segmento da elite ilustrada paulista vislumbrou a
necessidade de formar profissionais com qualificação adequada para suprir a
demanda de projetos de produtos e de comunicação visual que advieram da
atividade econômica crescente e da indústria nacional nascente. (NIEMEYER,
2000, p. 63).
125

A abertura do Instituto de Arte Contemporânea do MASP, em 1951, e a


inauguração da Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI) no Rio de Janeiro, em 1963,
constituíram paradigmas no design brasileiro.
Surgiu, nessa época, não o design propriamente dito, ou seja, as atividades
projetuais relacionadas à produção e ao consumo em escala industrial, mas antes a consciência
do design como conceito, profissão e ideologia.
Começava o ensino de Desenho Industrial no país com as iniciativas que foram
implantadas pelo professor Pietro Maria Bardi e por Lina Bo Bardi, em 1951, no Instituto de
Arte Contemporânea (IAC), conforme relato de Moraes (2006, p. 29). Em São Paulo, no ano de
1960, a FAU/USP implanta no programa os cursos de programação visual e desenho industrial.
Nessa época, o Brasil estava sendo dirigido por um Presidente da República
mineiro, Juscelino Kubitschek de Oliveira (eleito em 1955), cujo modelo de governo foi muito
dinâmico e modernizador. Destacava-se a chamada política desenvolvimentista, com lema de
“cinquenta anos em cinco”, objetivando o crescimento econômico do país.
É nesse cenário de rápidas transformações que o design gráfico desponta,
especialmente quando, em 1951, acontece a 1ª Bienal de São Paulo, ou seja, é a primeira
exposição de arte moderna de grande porte realizada fora dos centros culturais europeus e norte-
americanos (MELO 2003, p. 35).
Pensados para a exibição pública e, em especial, para o evento da Bienal, os
cartazes que serviram para anunciar esse evento foram criados por profissionais ligados aos
primeiros cursos de desenho industrial e comunicação visual do IAC.
As peças gráficas foram concebidas em consonância com um projeto gráfico de
estruturação racional, que visava à comunicação imediata e clara para com o público dos espaços
urbanos.
126

Figura 28 – Cartaz de Antonio Maluf, para a 1ª Bienal de São Paulo. Ano de 1951.
Fonte: sítio eletrônico da Revista Museu.

Os elementos estruturais desse cartaz

[...] reiteram e enfatizam o formato retangular do suporte. À medida que são


reduzidos, os retângulos se adensam em direção ao centro do papel, projetando
uma perspectiva tanto espacial quanto temporal [...] O cartaz é veiculado em
três versões diferentes: com fundo vermelho, preto e branco. Uma quarta
versão, com fundo azul, não é impressa. Esse trabalho torna-se, para muitos, o
marco zero do design gráfico moderno no Brasil. (BARROS, 2002, p. 11).

As linhas ortogonais utilizadas por Maluf dirigem o olhar ao centro da peça,


destacando a informação que deveria ser salientada: Museu de Arte Moderna, redigida com uma
tipografia simples e legível.
O cartaz da segunda Bienal é de Antonio Bandeira e privilegia as formas
orgânicas e abstratas livres, as quais refletem o abstracionismo como tendência de vanguarda,
anteriormente divulgada na primeira Bienal.
Já os cartazes da terceira e quarta Bienais são de autoria de Alexandre Wollner e
neles se percebem a valorização e a apropriação de elementos gráficos simples e precisos.
A composição da III Bienal apresenta uma sequência de triângulos (figura
geométrica que imprime ritmo ao cartaz), uso de tipografia simples e contraste tonal (laranja e
azul em dois tons). O da IV Bienal, de 1957, é escolhido e apresenta novamente precisão
geométrica (a figura do quadrado em diferentes tamanhos movimenta a composição). As cores
complementares (vermelho e verde) contrastam com o branco e o preto, que também são
utilizados para que a composição pareça vibrar.
127

Figura 29 – Cartaz para a 2ª Bienal (Antonio Bandeira). Cartaz para a III e IV Bienal (Alexandre
Wollner). Fonte: sítio eletrônico Cores Primárias.

No ano de 1952, surgiram os primeiros indícios do movimento concreto no Brasil,


e figuras como Décio Pignatari, Augusto e Haroldo de Campos destacaram-se especialmente na
literatura. O surgimento desse grupo vem acompanhado do lançamento, em São Paulo, do
primeiro número da revista, de nome “Noigandres”.

Figura 30 – Capa da revista “Noigandres”, nº. 4 (1958), design de Hermelindo Fiaminghi.


Fonte: sítio eletrônico Blogspot (c).

Artistas como Geraldo de Barros, Waldemar Cordeiro, Lothar Charoux, Kazmer


Fejer e outros se destacaram nas artes plásticas, e a pintura concreta, que seguia pari passu com a
128

poesia, propunha uma nova visualidade, orientada em princípios geométricos organizados


segundo critérios de Gestalt (Teoria Geral da Forma).
A referência dessa tendência partiu da tradição do Neoplasticismo de Mondrian e
do Suprematismo de Malévitch, além das concepções estéticas de Max Bill e seus companheiros
da Escola de Ulm.
A poesia concreta afastava-se de suportes semânticos e sintáticos que permitiam
uma decodificação mais discursiva dos poemas. Tanto os poetas, como os artistas atuaram lado a
lado na pesquisa de novas linguagens e formas de expressão.
Nesse período, largas escalas de peças gráficas são produzidas, especialmente os
cartazes para os grandes eventos. “[...] A poesia concreta começa a ver o espaço gráfico como
agente estrutural, um espaço qualificado, uma estrutura espaço-tempo, em vez de um
desenvolvimento meramente temporário-linear” (BRITO, 1985, p. 107):

Desde então, instalou-se na história do cartaz brasileiro certo dualismo. De um


lado, cartazes criados por designers com formação superior, produzidos
segundo os preceitos da “boa forma”, estes derivados em última instância do
Estilo Internacional e da escola suíço-alemã de design gráfico [...] De outro
lado, uma tradição eclética ligada à ilustração, às linguagens visuais de matriz
vernacular e a uma estética publicitária cultivada dentro das agências pela classe
de profissionais conhecidos, à época, pelo termo layout-men. Essa separação
entre um fazer erudito e um outro empírico (na falta de palavra melhor)
predominou entre as décadas de 1960 e 1980 [...].

O cartaz em si pode ser considerado um meio de comunicação simples, acessível


e útil como ferramenta para a propaganda e a publicidade. Nesse sentido, é notável o modo como
o cartaz foi utilizado para anunciar os lançamentos de filmes em exibição nos cinemas (e até hoje
o é, mas agora com técnicas de manipulação digital de imagem), muitas vezes se utilizando a
fotografia como base para o cartaz cinematográfico.
Se, por um lado, pode-se considerar o cartaz efêmero, em virtude do seu tempo de
exposição limitado, deve-se considerá-lo, por outro, peça gráfica datada, portadora e anunciadora
de um valor expressivo, a fornecer um panorama das atividades econômicas, sociais, culturais e
políticas de determinada época.
A semelhança das revistas pode vir a ser um artigo de coleção e, por isso, não raro
encontram-se exposições em museus e galerias em que o cartaz é apreciado do ponto de vista
129

estético, fato que aponta para a permanência dessas peças gráficas no tempo como um bem
cultural, um registro do design e do contexto histórico em que foi criado.

II. 3.3 - História em movimento: contaminação, rupturas e continuidades

O que se têm até aqui são discursos que evocam o design gráfico como tendência
criativa que pode dirigir-se a várias direções projetuais.
Pinçaram-se algumas peças gráficas que apontam a riqueza da dinâmica flutuante,
a qual evidencia a criação como processo ativo e os saltos da História no tempo, que revelaram a
expansão e as possibilidades de criações novas.
Nesse percurso, pareceu viável caminhar na perspectiva de um repensar o design
gráfico à luz de um pensamento sistêmico40, que valoriza o “contexto” e possibilita a leitura do
sistema na ótica do todo, das interações e das relações entre as partes (a natureza do todo é
sempre diferente da mera soma de suas partes).
“Isso quer dizer que não podemos compreender alguma coisa de autônomo, senão
compreendendo aquilo de que ela é dependente” (MORIN, 1999, p. 25). Embora existam
fenômenos que não logram ser explicados, como, por exemplo, o processo de criação humana, o
universo e toda a relação sistêmica da vida e da morte, que é ilustrada nesta “ordem dentro da
desordem”, é possível, ao menos, empreender uma tentativa de compreensão de determinado
fenômeno num contexto maior.
Nesse sentido, tem-se encaminhado esta reflexão a uma leitura que possibilite
integrar os movimentos da História com as práticas criativas do designer gráfico, a fim de
vislumbrar as possíveis contaminações, rupturas e continuidades que se dão num contexto
temporal amplo.
É em meio a esse cenário, altamente complexo, que, para entender as atividades
criativas dos designers, são direcionadas as discussões e o pensamento (pautado nas décadas de

40
O pensamento sistêmico pode ser compreendido no aporte teórico de CAPRA (2006), especificamente quando
esclarece que foi na ciência do século XX que houve a percepção de que os sistemas não podiam ser entendidos pela
análise. Sobre isso considera o autor: “As propriedades das partes não são propriedades intrínsecas, mas só podem
ser entendidas dentro do contexto do todo mais amplo. Desse modo, a relação entre partes pode ser entendida apenas
a partir da organização do todo. Em consequência disso, o pensamento sistêmico concentra-se não em blocos de
construção básicos, mas em princípios de organização básicos. O pensamento sistêmico é “contextual”, é o oposto
do pensamento analítico. A análise significa isolar alguma coisa a fim de entendê-la; o pensamento sistêmico
significa colocá-la no contexto de um todo mais amplo”. (CAPRA, 2006, p. 41).
130

50, 60 e 70, palco em que a música popular brasileira destaca-se no processo cultural do país e,
consequentemente, as capas de discos tornam-se a nova vertente de projeto gráfico).
Na década de 50, a elaboração das capas de discos era objeto de trabalho
interdisciplinar, conduzido por profissionais diversos: artistas plásticos, ilustradores, arquitetos,
músicos, designer e outros tantos.
Havia “uma contaminação de áreas”, afirma Rodrigues (2007, p. 97). “[...] É
dentro do contexto político-econômico dos anos 50 que o design começa a ser visto como mais
um fator de modernização e superação do subdesenvolvimento” (LESSA, 1995).
Destaquem-se os músicos da Bossa Nova Elizeth Cardoso, Tom Jobim e João
Gilberto, que se tornam conhecidos no Brasil e no exterior.

Figura 31 – Capa de disco de Nara Leão por César Villela, de 1963. Fonte: Melo (2006, p. 40).

O uso do espaçamento, do contraste do movimento, das estruturas verticais e


horizontais, bem como a relação entre texto e forma, eram aspectos explorados na diagramação
da poesia concreta, e essa manifestação faz-se perceber nas capas projetas por César Villela, que
passou a simplificá-las ao apropriar-se do alto contraste, da fotografia e de elementos
minimalistas como estratégia visual.
Melo (2006) traz uma detalhada reflexão sobre a modernização do país ancorada
nos diferentes projetos de designers que podiam ser visualizados na diagramação de jornais,
revistas, capas de discos e de livros.
O autor destaca a revista “Senhor”, lançada em março de 1959 no Rio de Janeiro,
revelando ser esta uma das mais importantes entre as consideradas cultas e de design gráfico do
131

Brasil, com direção de arte de Carlos Scliar e Glauco Rodrigues. “[...] a revista Senhor veio no
bojo do projeto modernista que acontecia no país [...]” (NIEMAYER, 2002, p. 189).
Ela oferecia um elevado nível, compatível com o programa da Editora Delta,
pertencente aos irmãos Simão e Sérgio Waissman, Abrahão Koogan e Pedro Lorsch, os quais
publicavam e vendiam coleções a crédito.
O jornalista gaúcho Nahum Sirotsky, outrora editor das revistas “Visão” e
“Manchete”,

[...] reuniu o que havia de melhor em jornalismo, design, humor e literatura no


início dos anos 60. Símbolo de elegância e de qualidade visual e de texto, a
revista tinha seu público cativo junto à classe média sofisticada das grandes
cidades. (SCALZO, 2004. p. 32).

A charge e o desenho humorístico davam um tom descontraído à revista,


mormente por conta da presença do cartunista Jaguar no Departamento de Arte. Outros
desenhistas destacaram-se e ilustraram muitas matérias, além de fotógrafos e artistas plásticos.
“Em Senhor, ocorreu uma simbiose entre as linguagens das artes plásticas e do design. As duas
saíram ganhando com isso” (MELO, 2006, p. 144).
Vale enfatizar que a revista “Senhor” (1959 a 1963) até hoje é lembrada por seu
layout e conteúdo inovador, visto que, a partir dela, o modelo de prática em design de impressos
ganhou visibilidade. No dizer de Scalzo (2004. p. 32): “Senhor viveu até 1963, mas muito do que
se fez depois nas revistas brasileiras já estava ali”.

Figura 32 – Capas da revista “Senhor”. Fonte:


Sítio eletrônico Design Brasil.
132

Nesse mesmo período, houve uma expansão da imprensa popular, e as revistas


abriram-se para a inclusão de assuntos culturais, especialmente voltados a teatro, música e artes
plásticas.
A revista “Realidade”, publicada pela Editora Abril no ano de 1966, é o exemplo
do novo jornalismo41 que floresceu no período: “grande circulação, reportagens corajosas e
profundas e ensaios fotográficos sobre a realidade brasileira eram trazidos no corpo da revista. A
revista desapareceria na década seguinte” (LAUERHASS e NAVA, 2007, p. 92).
No primeiro número, o jogador Pelé aparece sorrindo, tendo na cabeça o busby
usado pelos guardas da Rainha Elizabeth. Era uma alusão à possibilidade de o Brasil vir a ser
tricampeão na Copa da Inglaterra, o que aconteceria, de fato, naquele ano. A grafia e a fotografia
da revista são resultado da linguagem digital. A revista “Realidade” fecha em 1976, tendo sido
uma das revistas mais conceituadas do país (SCALZO, 2008, p. 31).

Figura 33 – Primeiro número da Revista “Realidade”, com Pelé na capa


Fonte: Melo (2006, p. 15).

Muitas transformações econômicas fazem-se sentir na população, que vem mudado seus
hábitos e costumes, bem como os modos de consumo, comportamento, alimentação e vestimenta.

41
A expressão utilizada como novo jornalismo foi a mais adequada para a forma de fazer jornalismo na década de
60. Não se tornou manifesto, mas a novidade estava no modo de fazer jornalismo “artístico”. Percebia-se a mistura
entre dois gêneros discursivos, “o jornalístico e o literário, o que potencializa a narrativa jornalística” do ponto de
vista de Santos (2007, p. 115). Cf. SANTOS, Marielle Sandalovski. A arte narrativa na rede de redes: quando o
jornalismo digital se aproxima do novo jornalismo. Curitiba: Universidade Tuiuti do Paraná, 2007.
133

Surgem os consumidores menos exigentes, que valorizavam os preços baixos em


detrimento do design, que, no dizer de Kanitz (1995, p. 81), eram “consumidores ainda frugais,
que aceitavam pacificamente tudo aquilo que lhes era oferecido”.
Aparece no Brasil, durante o conhecido “milagre econômico”, um mercado
interno de consumidores de bens industriais em constante expansão. Paralelamente, cresce o
setor de mão de obra operária e o país entra para o cenário mundial como exportador de bens
primários, principalmente de café, algodão, soja e minerais.
Com a maior industrialização do país, promovia-se o aumento do fenômeno da
migração do campo para a cidade, favorecendo a violência urbana e o surgimento de periferias e
favelas.
Essas metrópoles híbridas e plurais viam-se diante do fato de ter de adaptar-se às
várias transformações sociais, contradições e complexidades.
As multinacionais foram crescendo no Brasil e usufruindo da mão de obra e dos
recursos nacionais locais, sem preocupação com a qualidade dos produtos que abasteceriam o
mercado interno.
Elas adotavam a prática de prover o mercado brasileiro com produtos já obsoletos
em seu país de origem e, dessa forma, o design local não encontrava espaço próprio para
legitimar sua expressão, apesar de o país contar com ensino e Escolas de Desenho Industrial
(COUTINHO, 1995, p. 252).

A problemática do design é essencialmente a mesma em todos os países


periféricos: a falta de apoio estatal, ambiguidade do mercado de trabalho (a
oferta não corresponde jamais à demanda, nem do ponto de vista qualitativo,
nem quantitativo), e diversidade de ideologia profissional. (NETO, 1981, p. 7).

Surgem os primeiros escritórios de design, como, por exemplo, a “Forminform


em São Paulo com Ruben Martins, Geraldo de Barros, Alexandre Wollner e Karl Heinz
Bergmiller e, no Rio, surge a PUDI com Aluísio de Magalhães à frente” (MELO, 2006, p. 14).
A Europa, “tendia a uma orientação pragmática e funcional: o ultra-racionalismo
de Ulm [...] mas com as guerras se questionava uma nova maneira de tratar a forma”. O mundo
vivia um período movimentado e turbulento, especialmente pelo conflito causado pela Guerra do
Vietnã, que durou quase 20 anos, entre o final dos anos 50 e o início dos 60.
134

Nesse tempo, a juventude manifestava-se a favor de uma ruptura com a sociedade


vigente e manifestava sua indignação por meio de greves, protestos e organizações políticas, que
lutavam pelo fim da guerra, do racismo, contra toda forma de injustiça, pela democracia e
liberdade de expressão, propondo novas mudanças de comportamento.
Surgem, nessa década, muitos movimentos artísticos contestadores. Nas Artes
Plásticas, o impacto da Pop Art torna-se símbolo de irreverência e ironia contra a cultura
consumista norte-americana. A Op Art (abreviatura de optical art, explora fenômenos ópticos)
também fez parte dessa época, juntamente com outro movimento: o Psicodélico. Este teve seu
auge entre 1965 e 1966, fazendo uma ponte com a Europa a partir de Londres.
As ideias da contracultura (conjunto de manifestações contestadoras entre os
jovens) defendiam uma prática underground, ou seja, buscavam-se um novo comportamento, um
estilo de vida peculiar na prática da sexualidade, dos costumes, da moral e da estética dos
cabelos longos, a par das roupas coloridas, do misticismo oriental, da música e das drogas.
Tais tendências podiam ser observadas na música norte-americana, em que se
destacam personagens como Elvis Presley e Rick Nelson, e, depois, na Inglaterra, com os
Beatles.
Todos eles foram “criando uma verdadeira indústria do design para sua imagem,
que incluía desde canetas e pequenos bonecos até meias e camisas. “[...] O design gráfico
determinava o que era ser jovem” (RODRIGUES, 2007, p. 83), cabendo à publicidade reforçar a
propagação da cultura visual.
O Psicodélico, que emerge com grande força no design gráfico, rejeitava o
modernismo como padrão e única tendência, mas se pretendia representação visual, tudo o que
estava acontecendo no mundo, aceitando as representações mentais, que surgiam, por meio de
alucinações provocadas por drogas alucinógenas (LSD) (MELO, 2006, p. 55).
A tipografia industrial, que, desde o século XIX, se desenvolveu com a
reprodução de tipos e com as famílias tipográficas, encontrou no design um método, um rigor
que impunha espaçamento, recuo, ou seja, desenvolve-se uma tipografia clássica com princípios
de identidade e com uma preocupação relativa ao equilíbrio visual.
Com o Psicodélico, “a segurança da uniformidade é trocada pela aventura
disforme”. Perrone (2003) continua:
135

Em vez de construção tem-se comportamento, pois as ações da contracultura


não se propunham construir nada, mas sim trabalhar comportamentos. E o
comportamento desses tipos, que parecem muito loucos, é na verdade orgânico,
biológico. Sim, em tempos de revolução sexual, o corpo está na berlinda, mas
não se trata do corpo esculpido, mecanicamente construído para ser visto, como
acontece nos anos 2000. Trata-se do comportamento do corpo, orgasmo e
repouso, de um corpo fisicamente livre que seria pré-requisito a uma psique,
alma ou espírito também liberto [...] As letras psicodélicas não acontecem
basicamente por construção; ocupam o espaço organicamente, como células,
como plantas, as palavras são: contaminação, reprodução, conjunção,
acomodação, divisão. (PERRONE, 2003, p. 14).

A tipografia torna-se desenho, e as características florais da estética Art Nouveau,


acrescentadas à experiência cromática e à liberdade do gesto, geram sinais e grafismos que
podiam ser ou não lidos e compreendidos. “[...] Mais do que isso, pode ser algo aparentemente
legível para que apenas um tipo de leitores desenhe a resposta: aqueles confiáveis, com menos de
trinta anos” (PERRONE, 2003, p. 25).

Figura 34 – Cartaz de Rogério Duarte para o cinema marginal psicodélico de André Luiz Oliveira. Filme:
"Meteorango Kid, Herói Intergaláctico" (1969). Fonte: Melo (2006, p. 56).

Enquanto a televisão popularizava-se e as programações jornalísticas e de


entretenimento diversificavam-se, surgiam no cinema, pouco a pouco, jovens como, por
exemplo, Glauber Rocha (cineasta baiano e símbolo do Cinema Novo), que realiza uma série de
136

filmes imbuídos de forte temática social, a exemplo de “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, de
196442.
Nesse período, os cartazes para as empresas cinematográficas possuíam grandes
dimensões, e os ilustradores – Ziraldo e Jaguar –, por exemplo, destacam-se como os
responsáveis pela visualidade que atraía o público para o cinema43.

Figura 35 – Cartaz de Ziraldo para o filme Figura 36 – Cartaz de Jaguar para o filme de
de Ruy Guerra “Os Fuzis” (1964). Fonte: Domingos de Oliveira “Todas as mulheres do
Fonte: Melo (2006, p. 52). mundo” (1966). Fonte: Melo (2006, p. 54).

Não obstante o ano de 1964 ter sido um ano no qual o Brasil experimentou o rigor
do golpe militar (a ditadura durou até 1985, quando, indiretamente, foi eleito o primeiro
presidente civil, Tancredo Neves), a televisão espandia-se em nível nacional.
Em 1965, foi inaugurada a TV Globo (canal 4 do Rio de Janeiro), e o designer
Aloísio Magalhães foi o criador da primeira marca, que era um desenho em formato de um “cata-
vento”, composto por quatro números 4 (remetendo ao canal 4 da TV).

42
Figura 7, p. 66.
43
O mineiro Ziraldo Alves Pinto (1932) começou sua carreira profissional nos anos 50 em jornais e revistas de
expressão, como “Jornal do Brasil”, “O Cruzeiro”, “Folha de Minas” etc. Ele se denomina pintor, cartazista,
jornalista, teatrólogo, chargista, caricaturista e escritor. Seus principais cartazes foram reunidos em livro pelo design
carioca Ricardo Leite. Aos interessados fica a seguinte recomendação bibliográfica: LEITE, Ricardo. Ziraldo em
cartaz. Rio de Janeiro: Senac Rio, 2009.
137

Outra ideia criativa substitui a primeira: um globo terrestre com linhas


de meridianos e, no desenho de Mauro Borja Lopes, o signo visual permaneceu pela década de
70.
Quando a emissora começou a formar a rede de Televisão, o globo com os dois
hemisférios recebeu vários círculos, transmitindo a ideia de rede que se interligava.

Figura 37 – Desenho de Aluisio de Figura 38 – Desenhos do Globo com hemisférios feitos por Mauro
Magalhães (1965). Fonte: sítio Borja Lopes, em 1966, e nova versão, em 1973. Fonte: sítio
eletrônico Amanda designer. eletrônico Amanda designer.

Era então nas telas da TV e do cinema que se repercutia a ideia: “O Brasil era
moderno, Brasília era o máximo, a música era moderna. [...] podemos arriscar dizer que, a
Tropicália, poucos anos mais tarde, indicaria novos rumos em direção ao pós-moderno”
(RODRIGUES, 2007, p. 24).
É importante lembrar que o artista plástico Helio Oiticica idealiza e cria, no
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em 1967, um ambiente chamado “Tropicália”.
Tratava-se de uma instalação que possibilitava a participação do público, que
podia caminhar por um labirinto e experimentar sensações variadas com elementos acústicos,
táteis, olfativos e visuais. Tudo era cercado de cenas tropicais (fauna e flora) e, no final dessa
ambientação, encontrava-se uma TV ligada.
Oiticica contagiou o cenário brasileiro ao propor uma linguagem contaminada
pela imagética pop e op internacionais, mas que, acima de tudo, pudesse ser uma posição crítica
diante de problemas advindos do contexto político. Afinal, os anos da ditadura foram difíceis e,
nesse contexto, destacou-se o meio estudantil brasileiro como um movimento que também
contestava o sistema.
Em confronto com os militares, o estudante Edson Luis foi morto e todo esses
eventos fizeram eclodir a música de protesto que tomou de empéstimo o nome criado por
Oiticica, ficando conhecida como Tropicália.
138

A tropicália, o movimento musical, foi grande estatuário de todas as inspirações


da época. Devorando a tudo e a todos, justapondo “acordes perfeitos e maiores”
em uma relação até então nunca vista, reverberando pelos quatro cantos do país
o movimento chacoalha todas as estruturas. (RODRIGUES, 2007, p. 46).

No projeto das capas de disco da Tropicália, destacam-se os designers Rogério


Duarte, Luciano Figueiredo e Oscar Ramos. O design gráfico das capas rompe com o formalimo
utilitarista e com a previsibilidade conhecida até então.

Figura 39 – LP de Caetano Figura 40 – LP de Gal Costa. Figura 41 – LP de Gilberto Gil.


Veloso. Fonte: Melo (2006, p. 56). Fonte: sítio eletrônico Mercado Fonte: sítio eletrônico Parada
Livre. Musical.44

O movimento Tropicália foi um espaço aberto à inversão dos designers e artistas,


pois eles exploravam todas as possibilidades expressivas, subvertendo as regras para atingir o
objetivo comunicacional.
Nas peças gráficas, notava-se certo estranhamento, pois a diversidade constituía-
se em ingrediente ativo com o aproveitamento do que era nacional, vernacular, kitsch, erudito,
arcaico ou moderno.
Aproveitava-se até o que era publicidade, à semelhança da Pop Art americana, e
toda essa mistura era enriquecida por um toque de humor ou mesmo de drama.
Para essa atitude da época e na tentativa de explicar o movimento, Caetano
utilizava-se da metáfora de Oswald de Andrade: “antropofagia cultural”, “tudo seria digerido”.
“[...] o tropicalismo era um neoantropofagismo [...]” (RODRIGUES, 2007, p. 65).

44
Capas de Rogério Duarte.
139

Figura 42 – Caetano Veloso: Araçá Azul (1972). Figura 43 – Gal Costa: -FA-TAL- (1971). Fonte: sítio
Fonte: sítio eletrônico da Discografia. eletrônico da Discografia45.

O design gráfico contribuiu para o desenvolvimento do imaginário social dos anos


60, além de servir para ironizar o regime militar:

Interessado em viver as “relíquias do Brasil”, o Tropicalismo vai misturar


Oswald de Andrade com Carmem Miranda, santos barrocos com guitarras
elétricas, Carolinas e óvnis. Incorpora influências que vão do Concretismo ao
psicodélico, signos orientais e todas as linguagens artísticas surgidas nessa
época, principalmente por meio dos trabalhos artísticos de Hélio Oiticica, Lygia
Clark e Antonio Dias, fazendo o design gráfico das capas de disco da MPB
tropicalista e pós tropicalista refletir de forma nítida e rigorosa o
comportamento da juventude da época [...] A antropofagia cultural continua a se
estabelecer em todos os sentidos. Os Beatles tinham sido referência, tanto nas
músicas como nas capas. A pop art e o psicodélico idem [...] Dessa vez, a
referência eram os objetos maleáveis de Lygia Clark, artista neoconcreta, a
quem Caetano já tinha homenageado em uma de suas canções. (RODRIGUES,
2007, p. 24-73).

As novas capas produzidas apareciam com dobras, à semelhança da escultura de


Lygia Clark, em especial “Os Bichos”, peça com dobradiças que interagia com o público.
“A Tropicalia tinha colocado no mesmo caldeirão o rock e o samba, a fossa e a
palhoça, Jackson do Pandeiro e poesia concreta. Tudo o que causava estranheza passou a ser
consumido [...]” (RODRIGUES, 2007, p. 102).

45
Projeto gráfico de Luciano Figueiredo e Oscar Ramos.
140

O autor destaca que o movimento Tropicália durou até dezembro de 1968, quando
Caetano e Gil foram presos.

Figura 44 – Expresso 2222, de Gilberto Gil (1972). Figura 45 – Transa, de Caetano Veloso (1972).
Fonte: sítio eletrônico da Discografia. Fonte: sítio eletrônico da Discografia46.

Com o passar do tempo, no cenário midiático, a Música Popular Brasileira (MPB)


seguia ganhando destaque, e “[...] sugem os Novos Baianos, o grupo dos nordestinos,
discretamente o grupo mineiro, os roqueiros, os drop-outs, os andróginos e muitos outros, cada
um deles trazendo suas histórias” ( RODRIGUES, 2007, p. 102).
Personagens como Milton Nascimento, Elis Regina, Chico Buarque de Holanda,
Caetano Veloso e Edu Lobo, dentre outros, já haviam sido consagrados. A TV Record lançava o
programa musical “Jovem Guarda”, em que despontavam os cantores Roberto Carlos, Erasmo
Carlos e Wanderléa.
Toda estética “rebelde”, que enfatizava o realismo social dos anos 60, prosseguia
com novo perfil de engajamento e efervescência na década de 70. As produções culturais
insistiam na continuidade da proposta iniciada pela contracultura, ou seja, resistiam aos discursos
promovidos pelo Estado e pelo regime militar, que se intensificaram ainda mais depois 1964,
sobretudo pela outorga do Ato Institucional nº. 5 e pela censura prévia.
Muitos artistas e intelectuais ainda tinham seus trabalhos sob vigilância.

46
Criação do discobjeto – Álvaro Guimarães; Projeto gráfico – Aldo Luiz. Tais artistas marcam o retorno de Gil e
Caetano do exílio em Londres.
141

Com um incentivo do governo, a televisão gerava grande audiência, em especial


as novelas, os shows e os jornalismos transmitidos pelas emissoras, como a Rede Globo. Esta,
aliás, ao absorver em sua equipe o designer Hans Donner, que renovou o visual da identidade da
Globo, ganhou volume e tridimensionalidade.
Com o uso de máquinas especializadas e, mais tarde, efeitos computacionais, seu
design ganha movimento na tela:

No guardanapo, o primeiro rabisco que fiz foi uma esfera, com uma tela de
televisão, e uma menor dentro. E visualizei aquele globo solto, flutuando no ar
[...] Precisaria esperar dez anos para um gênio matemático conseguir produzir
em computação gráfica aquele símbolo, como o vi, a bordo do avião. Até lá,
teria que simular a liberdade da esfera no espaço, e seu volume, com efeitos
especiais. (DONNER, 1996, p. 17).

Posteriormente, a televisão consolidou-se como meio de comunicação de massa,


aumentando-se o número de emissoras e de programas que vieram ao ar.

Figura 46 – Raff de Hans Donner. Guardanapo em que o artista rafeou uma proposta para a Rede Globo,
em meio a uma viagem à Áustria, e o conhecido logo, finalizado posteriormente. Fonte: Donner (1996, p. 17).

Na área musical, vários músicos começam a fazer sucesso nos quatro cantos do
país. Vindas da Bahia, destacam-se Gal Costa e Maria Bethânia. De Alagoas surge Djavan; do
Pará, destaca-se Fafá de Belém; de Minas aparece Clara Nunes; do Ceará, destacam-se Belchior
e Fagner. Alceu Valença, de Pernambuco, e Elba Ramalho, da Paraíba, também fazem sucesso
nas grandes cidades.
É nessa efervescência cultural que o percurso do design gráfico continuou tendo
sua inserção na música.
142

Esses anos passados tornaram-se sombras e retaguardas dos anos que estavam por
vir, foram signos que aqueceram as imagens do mercado cultural voltado ao marketing em
diferentes linguagens.
Outros estilos musicais surgem com suas perspectivas próprias, e desponta o rock
brasileiro, com Raul Seixas e Rita Lee, além de várias bandas, como Paralamas do Sucesso,
Legião Urbana, Titãs, Kid Abelha e Barão Vermelho, exemplificativamente.
Também alcançam sucesso Cazuza, Lulu Santos, Marina Lima, Lobão, Cássia
Eller e Zeca Pagodinho. O funk projeta Tim Maia e Jorge Ben Jor, e aparecem também as
músicas sertanejas, que fariam sucesso nas décadas posteriores (80 e 90).
Nesses variados textos da cultura, em que se tecem as relações sígnicas o tempo
todo, a cultura organiza-se em processos e, nos seus resíduos (peculiaridades da cultura e da
sociedade), tenta-se compreender as particularidades do design gráfico no tempo.
Optou-se aqui por revisitar esse percurso pelo viés da história, sondando-se a
produção estética cultural do país presente nas diferentes representações que foram
impulsionadas por uma ideologia realista, engajada e alternativa, suscitadas pelos conceitos de
consciência social e alienação.
Toda essa realidade multiforme da sociedade brasileira reafirma, no imaginário
coletivo, uma maneira de compreender uma nova forma de sociabilidade, que não se aderia mais
aos paradigmas antes cristalizados. Nesse tempo social, no qual as ações humanas inserem-se
impondo ritmos que regulam as linguagens, os trabalhos e a própria vida, é que intervém o
design gráfico, como outras tantas mídias que estiveram inseridas no contexto da complexidade
cultural.

II. 3.4 - Tudo ao mesmo tempo agora

O desenvolvimento do país, os novos estilos das relações sociais, inclusive os


modos de integração e exclusão propostos pelas mídias, transformam o tempo em tempo para o
consumo de imagens presentes no simulacro dos programas comunicativos, que, em forma de
“espetáculo” tecnológico, se propagam em grande escala.
143

A televisão consolida-se, aumentando o número de emissoras e de programas que


iam ao ar na década de 80. O mercado cultural, como canal de divulgação da sua própria
produção, explorara o rádio, que divulgava os ritmos musicais variados.
Na área editorial, ampliam-se as publicações de jornais, revistas e livros. Também
aumenta o número de grupos de teatro, como outra opção de entretenimento. Todavia, os
economistas brasileiros denominam essa época de “década perdida”, e o Brasil passa a enfrentar
a inflação, a desvalorização da moeda, como informa Ortiz (1994, p. 178). Mesmo assim, os
consumidores em potencial despontam como sendo maiores em número do que toda a população
de países como Portugal e Grécia.
Em 1989, ocorrera a primeira eleição direta, e o país assistiria, pouco depois, à
estabilização da moeda, trazida pelo Plano Real, proposto pelo futuro Presidente da República:
Fernando Henrique Cardoso (presidente do Brasil entre 1995 e 2003).
Seu governo foi marcado pela privatização de empresas estatais, por denúncias de
corrupção, pela desvalorização do real, devido a crises financeiras internacionais, e pelos
programas sociais como “A Bolsa Escola”, “A Bolsa Alimentação” e o “Vale gás”.
Em meio a uma economia em crise, o design brasileiro não passa incólume e
despercebido, especialmente no que se refere ao design gráfico voltado a revistas, publicidade e
embalagem.
Os produtos eram feitos para seduzir:

O design gráfico brasileiro soube responder com maior qualidade às


condicionantes projetuais do movimento moderno, vindo por fim a se destacar,
em nível nacional, como sendo mais profícuo e expressivo que o design dos
nossos artefatos industriais produzidos no mesmo período. (ESCOREL, 2000, p.
59).

Alicerçando a produção dos designers gráficos, muitas empresas beneficiavam-se


dos recursos proporcionados pelo computador, que viabilizava o trabalho no início da década de
90.
Da chegada do primeiro computador à válvula ao Brasil, em 1961, até o
crescimento da indústria da informática, em meados da década de 70, vão-se instaurando
paulatinamente no país novas formas de relações sociais, culturais e profissionais, mediadas
pelos recursos de comunicação e informação.
144

No plano cultural, a década de 90 revelou crescimento nas representações


artísticas, que obtiveram maior patrocínio das estatais. Enquanto o cinema nacional seguia
manifestando novas produções, a televisão tornava-se prioridade em muitos lares, principalmente
por causa da TV a Cabo, que incrementou a quantidade de canais e a qualidade das imagens.
É interessante considerar que a televisão gerou oportunidades ampliadas para o
trabalho dos designers de web, devido à indústria audiovisual. Nesse meio (televisivo,
cinematográfico ou de jogos eletrônicos), foi notável a inserção de animação, vinhetas, marcas e
propagandas, que ganharam volume e tridimensionalidade por causa do uso do computador.
Numa panorâmica, vale realçar o contraste e as transformações que ocorreram ao
longo do tempo, com as formas do logotipo da emissora de televisão “Rede Globo”, antes do
computador e depois dele, e o modo como esse novo suporte viabilizou a exploração da terceira
dimensão.

Figura 47 – Evolução da marca “Rede Globo de Televisão”. Fonte: sítio eletrônico de Amanda Designer.
145

Os designers que faziam uso do computador na década de 90 passam a perceber a


nítida diferença empreendida no seu tempo de trabalho e na qualidade da produção gráfica;
todavia, o preço desse meio ainda era um obstáculo a ser superado, mas mesmo “[...] antes da
metade de 1990, os escritórios estão todos equipados: mudam a rotina de trabalho, ampliam-se
enormemente os recursos disponíveis” (MELO, 2003, p. 25).
Na fala espontânea de alguns designers já citados anteriormente, percebe-se que,
não obstante usarem o computador como ferramenta de trabalho, o desenvolvimento com
técnicas manuais como o papel, a régua e o compasso servia-lhes ainda como instrumentos
indispensáveis.
Mário Cafieiro assevera que “O computador assume desde os serviços de uma
máquina de escrever até a digitalização de imagens; ele é uma mini gráfica [...] o desenho feito à
mão tem uma espontaneidade que o computador não permite”. E Guto Lacaz complementa:
“Coisas que gostava de construir com régua, no computador ficavam absolutas, com vértices e
agudos bem definidos” (COLETÂNEA DE PORTFÓLIOS, 2000, p. 60).
Outra experiência interessante do uso do computador pelos designers é a
experiência de Moema Cavalcanti com capas de livros que projeta. Ela

[...] se vale de recortes, papel rasgado, folhas secas coladas, escaneadas. Ela
nunca cria direto no computador [...] Essa atitude diante do papel – de rasgar,
recortar e colar – é mais quente, mais criativa do que o uso dos recursos do
computador. Com ele é fácil que outra pessoa faça igual. Então não há nada de
seu ali, você apenas tem um cardápio no qual escolhe o prato e manda ver. Eu
tenho de ir para a cozinha e preparar uma receita só minha. (COLETÂNEA DE
PORTFÓLIOS, 2000, P. 68).

Já Chamie (2009), refletindo acerca da produção brasileira de fazer design, é


enfática:
146

[...] Nós não medimos como os suíços; nós entregamos a aferição de nosso rigor
muito mais a nossos sentimentos do que a nossas réguas. Temos uma visão de
conjunto, sim, mas chega uma certa hora, em que você dribla tudo, como Mané
Garrincha, e chega lá [...] Meu portfólio é um objeto pessoal, armado em
lâminas, que pode ser montado de várias formas, espalhado numa mesa, visto
em sequência [...] Ele exprime muito do que sou; minha capacidade de conceber
o conjunto, de ter o projeto in head (na cabeça) e só depois desenhar [...]
Atualmente, afiro minha criação no computador; aliás, esse é o maior mérito do
computador: ser um grande instrumento de aferição do que foi realizado [...]
depois de muita experiência, você armazena na cabeça todo o visual que
pretende, você sabe chegar ao computador, colocar as coisas já resolvidas.
Percebo, no entanto, que antes, com a fotocomposição, a liberdade era maior;
hoje a gente começa a ver sempre as mesmas coisas. Apesar da oferta enorme, a
prática é mais redutiva, o próprio computador é muito redutivo – a internet faz
das pessoas umas solitárias e criam-se cacoetes, você fica com redução
mecânica; começa a faltar exuberância. Vejo essa atitude em mais pessoas, vejo
sempre os mesmos tipos utilizados. Até eu mesma começo sofrer disso e devo
me cuidar [...] Antes eu pensava no significado do assunto e escolhia o alfabeto
de acordo. (CHAMI, 2009, p. 56-59).

No final da década de 90, surge a ADG, Associação dos Designers Gráficos


(MELO, 2003, p. 24). Tal associação passa a motivar jovens profissionais a promover bienais de
design gráficos que resgatassem temáticas já pontuadas anteriormente no design como
“identidade nacional”:
[...] Um exemplo nítido desta busca por elementos característicos do país foi a
identidade visual criada por Bárbara Szaniecki para a Bienal do design gráfico,
que ocorreu em 2000. Eleito através de concurso, o trabalho da designer
explorou cores como o verde limão e amarelo maracujá, que muito agradou.
(SANTOS, 2002, p. 18).

É inegável que o computador, uma vez incorporado à rotina dos designers, altera
o modo de produção e o tempo empreendido nos projetos, especialmente nos anos subsequentes.
Não obstante ser o computador um instrumento ainda caro, tornava-se cada vez
mais objeto de desejo, principalmente pela internet, que propiciava uma nova forma de
comunicação e entretenimento.
O impacto da evolução tecnológica foi sentido também pela indústria fonológica,
pois os compositores, gravadoras, produtores musicais e executivos ficaram prejudicados com a
expansão e a duplicação dos originais.
Novos formatos para compactação de áudio surgiram na mídia digital e esse fato
fez muitos artistas repensarem o modo de produzirem e reproduzirem suas músicas para a web.
147

Reconheçam-se as implicações econômicas, sociais e políticas que a presença


marcante das tecnologias impôs nesta década e nas vindouras. São, de igual modo, perceptíveis
os efeitos da velocidade vertiginosa e das transformações provocadas, que impactam, nos dias
atuais, as novas mídias.
A popularização dos computadores tornou-se oportuna devido à redução dos
custos do próprio aparelho, além das novas relações de negócios, de lazer, de entretenimento e de
diálogo, que interagem nesse ambiente virtual.
A chamada “globalização” favoreceu variadas perspectivas de interpretação da
sociedade e da cultura e, em meio a esses tempos sociais descontínuos, em que se pluralizam os
valores e as ideologias nessa complexa realidade, o tempo e o espaço apresentam-se como
primordiais e destacam-se nas atividades humanas, especialmente no cyber espaço.
As novas tecnologias caracterizam-se pela desmaterialização do tempo e do
espaço ao introduzirem, na vida, uma multiplicidade de tempos que as redes de informação
permitem.
Esse novo espaço origina oportunidades de criação para os designers, pois o
computador aparece como instrumento útil para organizar, armazenar e distribuir informações
em grande escala, além de possibilitar o desenvolvimento de projetos gráficos por meio do
domínio da técnica de determinado programa.
É possível, pois, interferir, manipular, digitalizar ou alterar uma mensagem que
aparece na tela do computador, criar, tratar e reproduzir as imagens. Além de visualizar a
concretização de suas produções na tela, o designer passa a trabalhar num tempo diferenciado,
que lhe permite um vaivém constante entre suas ideias, que se processam amparadas e mediadas
pelo comando de um click.
Com o hibridismo das variadas formas de comunicação, com o avanço
tecnológico e a velocidade com que as redes digitais impuseram-se na paisagem sociocultural do
país, foram-se quebrando, ainda mais, os discursos de certeza e de totalização.
O tempo presente é intensamente valorizado e potencializado, ainda que fugaz, e
reflete signos de outras temporalidades e espacialidades na atmosfera cultural.
Vive-se, hodiernamente, o tempo digital da convergência das indústrias da
computação, do entretenimento e da interatividade. Ou seja, o modo como se vive, como se
comunica e como se arquiteta o cotidiano no tempo e no espaço sob as condições da velocidade
148

impostas pelo ritmo digital é exacerbado pela imposição das tecnologias da informação ou, para
usar uma terminologia cunhada por Lévy (1994), tecnologias da comunicação ou, mais
amplamente, tecnologias da inteligência.
São inúmeras as consequências comunicativas que propõem novas medidas de
duração nessa “aldeia global” (McLUHAN, 1972, p. 58):
Agora, o espaço é global e o tempo, real, ou seja, sem a medida cronométrica
que o submetia à precisão de calendários ou relógios: o espaço de lá está aqui e
o tempo de ontem é hoje, presente. Convergem o ontem e o hoje, o passado e o
futuro, o tempo e o espaço. As técnicas das telecomunicações, via satélite, laser
ou fibra ótica suprimiram a distância como diferença, banalizaram
definitivamente o deslocamento e engoliram a velocidade: a aceleração é a nova
medida da velocidade. (FERRARA, 2008, p. 117).

No domínio digital do eterno presente, o tempo é alterado pelo espaço que a


cibercultura transforma e assinala como uma nova narrativa temporal. O aqui do espaço e o
agora do tempo manifestam-se como instâncias que desestabilizam o cotidiano e supõem uma
compreensão quanto aos processos de mudança. “É hoje claro que a mudança é não só uma
constante da sociedade, mas também que a adaptação é quase impossível. Não há tempo para se
adaptar [...]” (McLUHAN e STAINES, 2009, p. 52).
Para adaptar-se a toda e qualquer mudança, exige-se um tempo. Um tempo mais
calmo, de reflexão, de ajuste, de tomada de decisão, de aprendizado. A “inclusão” do indivíduo
no ciberespaço exige deste uma série de práticas de protocolos estruturais.
Contudo, “[...] a inclusão digital é uma utopia, um mito [...] porque o capitalismo
virtual vai exigir que o indivíduo esteja se atualizando [...]”. Esse argumento de Trivinho (2009,
p. 6) diz respeito aos dias de hoje, em que a velocidade é flagrada no ciberespaço e em que se
exige conhecimento pragmático para dominar-se a tecnologia, como também recursos
financeiros para se se manter atualizado com os novos equipamentos que o mercado oferece.
Por isso, para muitos a “adaptação” torna-se quase impossível, consoante afirmou
Mcluhan, e a “exclusão digital”, como pontua Trivinho, é uma possibilidade, visto que os que
estão hoje incluídos nas redes virtuais não têm, necessariamente, a garantia de que se manterão
atualizados.
Isso se intensifica quando se aplica essa lógica aos que estão distantes da
realidade virtual, quer por impossibilidade financeira (os excluídos da “elite virtual”), quer por
um esforço, ressentido ou não, em favor da aceitação desse “novo espaço público planetário”:
149

Apesar das mudanças em aceleração que atingem nosso cotidiano, mas


repelindo qualquer ciberufanismo tecnológico, é necessário observar que, com
as novas tecnologias da informação, os valores modernistas são desconstruídos,
mas não se destroem [...]. (FERRARA, 2008, p. 140).

O que Ferrara (2008) afirma é que as permanências ressurgem modificadas,


alteradas e “permanecem como resíduos à espera de outro momento para demonstrar sua
imagem”.
Entre tantas possibilidades oriundas do desenvolvimento técnico e da cibercultura,
o designer gráfico reinventa seu tempo e sua peculiar e subjetiva experiência criativa, mesmo
estando envolto em interfaces gráficas e interativas e em meio aos hardwares e softwares. Assim
trabalha a imaginação de forma ativa na sociedade, devorando o próprio tempo.
Traça-se aqui, portanto, um caminho provável para compreender-se o tempo
longo da história tocado pelo tempo da criação dos designers e pelo tempo acelerado dos novos
tempos.
Lutando contra o tempo, num esforço da razão para satisfazer a exigência do
discurso não contraditório, julga-se ter sido oportuno recolher aqui os principais fatos como uma
espécie de guia no reconhecimento do design gráfico dentro da cultura, mesmo sob a ameaça de
permanecer-se no puro desejo.
Nesse espaço de liberdade, propôs-se a experiência de uma comunicação aberta
tomando da história esse poder de vivificar as faculdades do conhecimento. Afinal,

[...] contando histórias, os homens articulam experiência do tempo, orientam-se


no caos das modalidades potenciais de desenvolvimento, marcam com enredos
e desenlaces o curso muito complicado das ações reais dos homens.
(RICOEUR, 1975, p. 289).

Nesse fluxo inestancável dos movimentos da história, que foram balizados pelas
permanências, pelas contaminações e pelas rupturas, provenientes da diversidade dinâmica dos
traços subjetivos do barroco mestiço da cultura nacional, o tempo e o espaço alteram-se
rapidamente e, sob a égide da complexidade, vive-se “tudo ao mesmo tempo agora”, como já
anteviam McLuhan e Staines (2009, p. 129).
150

PARTE 3 - O DESIGN CONTANDO O TEMPO DA HISTÓRIA

O ser humano tem, diante de si, uma imensa expectativa quanto ao futuro, pois o
vislumbra numa perspectiva indefinida.
Com o avanço da tecnologia e com o suporte econômico que impulsiona as
mudanças, vive-se um momento histórico, sob o rótulo da “era da informação”, suscitado pela
evolução das mídias digitais.
Vive-se, em apertada síntese, o ritmo acelerado que a tecnologia propõe,
especialmente a computacional, com seus variados serviços de internet, os quais se
transformaram de um simples canal de texto em circuitos de última geração, em uma
distribuidora de serviços digitalizados, que vão dos impressos às diferentes formas de recursos
multimídia.
As informações circulam e são distribuídas em toda parte e ao mesmo tempo de
maneira difusa, tornando-se, também, rapidamente obsoletas. A velocidade dos avanços
tecnológicos, juntamente com as necessidades de um mercado cada vez mais exigente,
preconiza, por um lado, um alto nível de especialização técnica por parte do designer, que deve
estar preparado para dar conta da competição mercadológica, mas, por outro, amplia sua ação
profissional, pois, junto a especialistas em marketing, ele atua diversificando seu campo e
mercado.
Nesse contexto, o trabalho do designer pode desenvolver-se com outras
competências, em cooperação com outros profissionais, dentro de empresas de distintos portes.
O processo de criação de um determinado projeto pode ser gerenciado num conjunto de ações ou
em coautoria, a fim de que haja uma otimização das etapas. Essa rede de agenciamentos amplia,
então, a prática do designer.
“Poucas profissões sofreram um impacto tão benéfico da informática quanto à do
design gráfico, como também poucas receberam, em consequência, um aumento tão grande na
sua carga de responsabilidades” (BATAGLESI, 2004, p. 157).
Nesse sentido, a função de transmitir uma informação determinada, de fornecer
ideias e soluções através de diferentes suportes que solucionem o problema do cliente, pode, com
a velocidade e variedade desse meio, ser concebida e elaborada diretamente no computador.
151

Essa conjuntura faz com que o projeto técnico (ou de criação) possa ser ou não
arquivado (ou mesmo perdido), haja vista que o tempo passa a ser referência de reprodutibilidade
e de utilidade.
A constatação dessa realidade marca também a ideia de imposição temporal ao
ritmo do trabalho do designer e reflete a noção da cultura do consumo como um imperativo
mercadológico que sustenta a realidade profissional da área. E a área percebe-se existindo num
cenário marcado por uma crescente competição produtiva e voltado ao critério do lucro.
Então, de um modo um tanto irônico, pode-se gritar: “[...] Informação ou morte!”
(MARTÍN-BARBERO, 2002, p. 253). Este autor consigna que: “[...] este é o lema de um capital
em crise, precisando com urgência vital expandir o consumo da informática”. Ou, num olhar
retrospectivo mais otimista:

Ontem, conceitos formais da Bauhaus, pena e lápis; hoje, com a visão voltada
para o objetivo primordial de comunicar, ligar o PC ou o Macintosh, fazer
trabalhar mouses e tabelas digitalizadas e ativar programas. E, sem dúvida, o
melhor resultado será uma boa mistura dessas duas fases. (FUENTES, 2006, p.
61).

Obviamente, não se trata de escolher posições, mas sim de levar em conta que
somente a aquisição instrumental exclusiva, baseada num corpus de conhecimentos informáticos
e procedimentais, com utilização de determinados pacotes de software, não garante a qualidade
de um bom design. Afinal, toda ferramenta pode ser dominada por qualquer indivíduo.
A questão que interessa diz respeito à enorme aceleração do poder dos
computadores e à capacidade das telecomunicações, as quais apresentam efeito sobre a
produtividade do designer e a competitividade industrial na área, além de muitos outros aspectos
da vida social.
Cada vez mais, o designer trabalha de forma acelerada e em função de um
calendário, de um tempo que passa cada vez mais rápido. Daí que a relação com essa dilatação
das temporalidades personaliza, atualiza e transforma o modo como os designers fazem design,
que é o de, tradicionalmente, deitar o foco nas necessidades da clientela, de modo que a
velocidade, que imprime uma temporalidade marcada pela urgência, promovida pelo
desenvolvimento tecnológico, também imprime aos processos de criação temporalidades
instáveis.
152

No momento em que a tecnologia, especialmente a computacional, torna-se mais


rápida e sofisticada, o processo de criação do designer e o tempo para a realização de seus
trabalhos exigem uma ação inventiva, inteligente e ousada.
Esta abordagem traz à tona a heterogeneidade subjacente às questões temporais.
Vive-se a pluralidade das temporalidades e, por isso mesmo, o tempo não possui uma mesma
significação coletiva.
Transforma-se a ideia do tempo, e a representação que se tem do decurso
temporal pode ser mensurável pelo critério da usabilidade, da prática e pela precisão, impostas
pelos esforços quantitativos, que atingem contornos tangíveis se emoldurados pela velocidade
das engrenagens, da instantaneidade da economia de mercado e da informação:

A instantaneidade, no nosso mundo da modernidade, tornou-se um verdadeiro


imperativo moral. A urgência transforma-se em ideologia. A rapidez, ou seja, o
tempo que ultrapassa a si mesmo e confirma seu domínio sobre o espaço, é o
critério superior para os utensílios e para as pessoas [...] O homem instala-se,
assim, numa névoa espaço-temporal que degrada e decompõe a relação fecunda
entre o aqui e o ali, o próximo e o distante, o dentro e o fora, o central e o
periférico, o antes, o agora e o depois. (CHESNEAUX, 1996, p. 24-30).

Se, por um lado, se desfizeram as tradicionais referências de tempo, transformou-


se, por outro, a noção do espaço, muito em função dos processos simultâneos de comunicação
que o momento oferece a partir do contexto do imediato, do agora e da tessitura complexa que se
expande, sem limites, e que se constitui nessa “rede mundial” (talvez perversa e geradora de
exclusão), mas que, inegavelmente, se torna o horizonte do futuro.
“No universo de software e da viagem à velocidade da luz, o espaço pode ser
atravessado, literalmente, em ‘tempo nenhum’; cancela-se a diferença entre ‘longe’ e ‘aqui’”
(BAUMAN, 2001, p. 15), ficando nítido que a atualidade se faz medida de produtividade.
Toda a brusca mudança e toda a vivência temporal sempre conferiram
importância à história e tornaram-se alvo de interesse dos Annales47.

47
É importante destacar que alguns críticos da Nouvelle Histoire, como Dosse (2003), apesar de explicarem de
forma clara e evolutiva as diferentes posturas e adaptações da Escola dos Annales ao longo do tempo, fazem severa
crítica a ela, que, na sua visão, insistia no caráter mais conservador e juntava "migalhas" da história sem que fossem
feitas relações entre ela e os fatos, além de negligenciar o tema “política”.
153

Consequentemente, a caracterização que os historiadores atribuíram às


temporalidades é inseparável de suas percepções acerca das mudanças que afetavam o mundo
nas relações entre os homens, a partir das propriedades de uma “estrutura”.
Braudel descreveu o comportamento humano pela imposição de mecanismos
reguladores e pelo "processo civilizador", no tempo longo. Em sua visão, o tempo histórico era
uma grandeza plural, atribuindo especial valor à duração e aos ritmos que imprimiam mudanças
históricas.
Os Annales contribuíram para que se possa, hoje, formalizar conceitos sobre as
vivências dinâmicas, os desencaixes e a velocidade das diferentes temporalidades (individuais e
coletivas), admitida uma cumplicidade entre o passado-presente como uma terapêutica que
reconcilia a autoconfiança em um presente-futuro.
Atribuindo especial valor ao cotidiano, ganharam relevo as mentalidades e as
atitudes em relação aos processos, aos ritmos, ao comportamento e ao corpo.
Tem-se seguido a mentalidade deixada pelas trilhas dos Annales, sem, contudo,
considerá-la um modo de ver único e triunfalista. Sempre que possível, tenta-se contextualizar,
de forma ampliada, seus pressupostos, a fim de aproximar-se de alguns intelectuais, que
conseguiram propor uma ruptura com matizes lineares e rígidas.
O que confere singularidade a este trato com as temporalidades é o fato de a
concepção de tempo e espaço ter mudado. No discurso racional, pleno de certezas, dentro de uma
visão mecanicista de mundo, havia a pretensão de controle do tempo, e a melhor forma de fazê-
lo era buscar a redução das complexidades. Essa atitude era visível quando se se propunha
quantificar, classificar e observar, de forma rigorosa, todos os fenômenos. Agora, com “a crise
deste paradigma dominante”, (parafraseando SANTOS, 2001), torna-se impossível descrever o
curso do tempo e, de igual modo, depara-se com a imprecisão em conceituar a complexidade.
“Assim, atualmente, a distinção baseada na ideia de complexidade nos parece menos clara do
que antes” (PRIGOGINE, 2002, p. 13). Todavia, para Prigogine, as noções de “instabilidade
dinâmica associada ao caos” assumem um papel essencial e parecem encontrar êxito cada vez
maior na compreensão das questões relativas ao tempo. Em seu livro “As Leis do Caos”,
Prigogine (2002), afirma que:
154

Ao longo das últimas décadas, um conceito novo tem conhecido êxito cada vez
maior: a noção de instabilidade dinâmica associada ao “caos”. Este último
sugere desordem, imprevisibilidade, mas veremos que não é assim. É possível
[...] incluir o caos nas leis da natureza, mas contanto que generalizemos essa
noção para nela incluirmos as noções de probabilidade e de irreversibilidade.
(PRIGOGINE, 2002, p. 8).

Essa visão surge para anunciar que o ser humano vive de incertezas e de
desordem, e o pensamento funciona por meio de um conglomerado caótico. A experiência de
criação, que está carregada do emaranhado e do complexo, precisa de um tempo – condição
necessária à reflexão.
Apesar de o tempo externo tornar-se, cada vez mais, variável e mutável, o tempo
interno de criação é singular e destaca-se pela brusca descontinuidade. Constitui-se de histórias,
cada uma com suas qualidades e temáticas específicas, mas que, necessariamente, não são
suficientes para garantir asserções criativas.
As condições de resistência e conflito com o próprio tempo, na experiência
criativa dos designers e sob o movimento particular de suas emoções, dispersões e ideias, fazem
com que o processo de criação flua no seu próprio ritmo, não por progressões, mas por entre
pausa, descanso, aceleração, reflexão, instabilidade e interrupções, sempre em busca da
consumação de projeto que se afigure mais satisfatória.
Então, ao cabo destas observações, o leitor poderá chegar a conclusões ou
interpretações diferentes das alcançadas aqui, mas isso à custa de um duro esforço profissional
dos designers Lassala, Kito, Silvia e Julio Cesar, cujo desprendimento fez-se acompanhar de uma
beleza constatada em suas produções.
Edificar-se-á esta abordagem sobre os processos de criação de tais designers
gráficos na expectativa de apontar os traços gerais do pensamento e da experiência deles, os
quais foram surgindo a partir da tentativa de solucionar os problemas apresentados por diferentes
clientes.
155

III. Capítulo 1 - Os emaranhados fios que tecem os processos de criação

As diversas áreas das ciências (as naturais, as sociais e as ditas humanas), ao


serem conciliadas, partindo-se da interdisciplinaridade ou mesmo da transdisciplinaridade entre
os variados campos do saber, avançam experimentando o caos e a turbulência, na tentativa de
buscar-se um novo paradigma para o conhecimento que evite a análise, o controle e a
previsibilidade, mas que caminhe sob o influxo da subjetividade da natureza humana.
Tem-se apoiado este trabalho, na Teoria Geral dos Sistemas (TGS), uma vez que
ela considera as variadas relações e interrelações do todo com suas partes (e vice-versa), sendo
um dos caminhos possíveis à compreensão de determinados contextos de ruptura com antigos
padrões paradigmáticos do conhecimento. Tais caminhos coincidem com o discurso das escolas
dos Annales:

O caminho da nova história dos Annales era precisamente este, a apreensão do


todo: os movimentos profundos da vida dos homens, as formas amplas da vida
coletiva, as “arquiteturas sociais” e as civilizações bem como as conexões entre
os diversos mundos. Tudo isto sem desdenhar a aventura individual do espírito,
o que cada pessoa sempre tem de insubstituível. (LIMA, 2005, p. 5).

Quando se deseja conhecer mais acerca dos processos de criação, que envolvem a
atividade humana, depara-se com padrões de comportamento que concebem a estrutura mutante
e imprevisível do pensamento. Um sistema caótico organiza-se e desorganiza-se no tempo e, no
lugar de haver simplicidade e regularidade, reina o pensamento complexo.
Não foi em vão que declarou Morin (2006, p. 14): “A dificuldade do pensamento
complexo é que ele deve enfrentar o emaranhado, o jogo infinito das interretroações, a
solidariedade dos fenômenos entre eles, a bruma, a incerteza e a contradição”.

III. 1.1 Aspectos da subjetividade: a contribuição do paradoxo

Insistiu-se nos capítulos precedentes em que variados temas (como


multiplicidade, interconexão, interrelação de assuntos diferentes, pluralidade ante as muitas
possibilidades da ação criativa, além das temporalidades da feitura de projetos) são percebidos
como singularidades presentes nos procedimentos de diferentes designers.
156

Tais abordagens reportam ao contexto amplo dos processos de criação e


novamente diante das pesquisas de Salles (2006), que há muito já vem desenvolvendo teorias
investigativas acerca dos fenômenos criativos e das estruturas que os geraram.
Compreende-se, então, que não lhe era novidade investigar a “plasticidade do
pensamento em criação”. A investigação de Salles encontrou modos de leitura nos “documentos
dos processos”, que são uma forma da materialização das lembranças, do percurso das ideias, das
coletas, das percepções e das experiências guardadas em forma de registro.
Por isso, tem-se encaminhado esta discussão com a consciência de que os
processos de criação, além de estarem envoltos em uma teia complexa de relações e de
possibilidades inovadoras (próprias da atividade humana), foram descritos por Salles como
possuidores de uma natureza geral, abrangente.
Dito de outro modo, Salles (2006, p. 17-18) registrou alguns procedimentos
cognitivos intrínsecos a todo processo ou as “características marcantes do processo de criação”,
como, por exemplo: “[...] simultaneidade de ações, ausência de hierarquia, não linearidade e
intenso estabelecimento de nexos”.
A dinamicidade do pensamento, ou memória não linear, o movimento prospectivo
e retroativo (variação contínua e mudanças de ideias) e o sistema aberto, que aceita os desvios de
normas, foram abordados pela autora, dentre tantos outros conceitos.
Fica claro que Salles (2006, p. 26), ao estudar processos de criação, não tem a
pretensão da descoberta pela origem do pensamento criativo, ou mesmo pelo resultado da obra,
que somente suporta um “ponto final” em virtude de ter de ser apresentado ao público.
Por isso, diz: “[...] foge-se, assim, da busca pela origem da obra e relativiza-se a
noção de conclusão”.
Na tentativa de continuar o diálogo com as pesquisas de Salles, a ênfase aqui tem
sido a renúncia de alguns conceitos clássicos, como os de acabado e definitivo, os quais foram
superados e substituídos pelos conceitos de indefinido, aberto, disperso, instável, múltiplo,
ocasional etc., sob a ótica do caos e da complexidade que rege o mundo físico, a história, a
atividade humana e a própria vida.
Para tentar explicar questões tão complexas, manteve-se uma aproximação com
algumas afirmações de Prigogine, as quais se ajustam aos aspectos da complexidade que envolve
os processos de criação.
157

No exemplo que segue, fica mais clara a visão sistêmica que Prigogine tinha da
vida e da subjetividade48 humana, que experimenta flutuações comportamentais e emocionais de
toda ordem, que ora colidem, ora se ajustam mutuamente, até chegarem a um resultado decisivo:

O exemplo que sempre dou é a bola em oposição ao cristal. Um cristal é uma


estrutura de equilíbrio: se não querem que ele caia e se quebre, é preciso deixar
o cristal tranquilo; uma bola, não se pode deixá-la tranquila, ela vive apenas da
troca com o mundo exterior, ela só existe porque está dentro do todo.
Entretanto, ela é diferente do todo. A individualidade emerge do todo e, no
entanto, ela é diferente do todo. Já temos aqui uma resposta para uma das
interrogações: o que é o subjetivo? O subjetivo emerge do todo, ao mesmo
tempo fazendo parte do todo. Então, evidentemente, essas estruturas fora de
equilíbrio são muito numerosas. Toda a nossa biosfera é uma estrutura desse
tipo. E todas essas estruturas possuem aspectos de instabilidade. Existem pontos
de ruptura, existem pontos de bifurcação onde uma solução dá origem a várias
soluções possíveis. (PRIGOGINE, 2003, p. 54).

Esse desenho (ou essas estruturas que evidenciam a instabilidade da subjetividade


humana) tem sido alvo de investigações por parte de Salles (2006, p. 62), preocupação que se
percebe quando registra, por exemplo, a necessidade e as dificuldades que os artistas muitas
vezes encontram diante de decisões e escolhas.
Existe a possibilidade de um embate interno, permeado de dúvidas, e uma
mobilidade no pensamento, que, no ir e vir de uma ideia, avança e recua. Portanto, a autora
discute o conceito de “inacabamento”, ou seja, o objeto pode tornar-se mutável, impreciso e
vago, pois no seu dizer:

[...] não há precisão absoluta ideal ou perfeita [...] algo que está para ser
descoberto [...] modificam rumos, surgem imprevistos, alternativas [...]
retomadas, adequações, novas tomadas, novas rejeições [...] critérios que
refletem modos do desenvolvimento do pensamento [...] Diante dessas ações
múltiplas e diversas fica bastante claro que lidamos com um tempo da criação
artística em uma perspectiva não linear [...] Mais uma vez quando se pensa em
determinação, encontra-se a dispersão. Quando nos aproximamos de alguns
pontos de referência, deparamo-nos com novas interações das redes, ou seja,
suas ramificações, divisões e subdivisões. (SALLES, 2006, p. 20-51).

48
O termo subjetividade deve ser entendido no seu duplo sentido – como “[...] caráter de todos os fenômenos
psíquicos, portanto, fenômenos da consciência” e também como “[...] uma representação da relação entre as coisas
e nós, ou seja, uma relação com quem as pensa [...]” (ABBAGNANO, 2007, p. 1089).
158

Dentre tantas outras especificidades subjacentes ao ato de criar, percebem-se os


caminhos bifurcados do pensamento, que padece, conscientemente, do efeito de cada
experimento e que precisa ser conduzido num tempo que se esgota e, constantemente, faz
lembrar ao designer para onde está caminhando seu trabalho.
A “obra não é fruto de uma grande ideia localizada em movimentos iniciais do
processo, mas está espalhada pelo percurso” (SALLES 2006, p. 36). Essa ideia de processo
coincide com o que foi descrito por Braudel (1987, p. 53): “[...] um fato não ocorre no tempo, ele
é resultado de algo ao longo do tempo”.
Não se trata, por conseguinte, de reduzir processos à mera retrospecção, mas de
levar em conta o caráter permanente da criação, que, no tempo, designa a semiose, a operação
produtora e geradora de signos.
Esse reconhecimento supõe que a subjetividade será investigada como
experiência pessoal, ainda que ela se revele repleta de lacunas e com tendência ou probabilidade
de que o acaso, o risco e o imprevisto surjam no itinerário criador.
Esse funcionamento insinua uma experiência subjetiva que suporta entropia,
oscilações, estados de equilíbrio e de não equilíbrio (estrutura complexa). E, sendo sistema
aberto (que troca energia com o meio), funciona sem negar sua ação, que transita em rotas
imprevisíveis, ora em desordem e confusão, ora gerando sistemas organizados e sofisticados, em
termos de funcionalidade e adaptabilidade (VIEIRA, 2003, p. 292).
Os conceitos mostram que o "caos" assume um papel construtivo a ponto de
evidenciar que a subjetividade, mesmo em estado paradoxal, (estabilidade/instabilidade,
atenção/dispersão etc.), pode ser movida por um propósito, dando à obra seu particular sentido.
O paradoxo inverte a direção única das coisas e liberta a subjetividade, sabotando
a sucessão sensata e linear que rege o “bom senso”. Aponta caminhos ao pensamento, e este se
serve de diversas direções, indo a múltiplos sentidos contraditórios.
Os predicados das ações subjetivas revelam que cada individualidade atua em
uma engenhosidade plural, por vezes incoerente, mas, noutras, com possibilidades de ganhos.
“[...] Prática indissociável de momentos singulares e de ‘ocasiões’, portanto irreversível (não se
pode remontar ao tempo primordial, não se pode voltar atrás e aproveitar uma ocasião perdida)”
(CERTEAU, 1994, p. 99).
159

A despeito das reflexões sobre a experiência subjetiva da criação, não se pode


deixar de retomar a força vigorosa que possui uma das concepções gregas de tempo: o Kairós –
compreendido como tempo ou ocasião oportuna.
Diferente do Ckronos, que assegura um tempo determinado, o Kairós é energia
acumulada, é o aproveitamento do instante e relaciona-se com a prática no tempo, com as
experiências vividas no momento oportuno:
[...] A ocasião é “aproveitada”, não criada. É fornecida pela conjuntura, isto é,
por circunstâncias exteriores onde (SIC) um bom golpe de vista consegue
reconhecer o conjunto novo e favorável que irão construir mediante um
pormenor a mais. Um toque suplementar e ficará “bom” [...]. (CERTEAU,
1994, p. 162).

É o “Tempo do Agora” de que fala Benjamin (1985, p. 229) e que se interconecta


com o tempo dos Annales, lugar em que a “[...] história é objeto de uma construção cujo lugar
não é o tempo homogêneo e vazio, mas um tempo saturado de agoras”.
A prática criativa, fundada na relação com o Kairós, mobiliza o pensamento por
causa de sua operosidade, que ganha novos arranjos cognitivos à medida que aproveita o
momento oportuno, o “agora”, a ideia que surge, e traduz-se em uma ação precisa.
Uns diriam que, nesse momento, a criatividade dá-se de forma intuitiva; outros
diriam que por insight. E haveria ainda os que atribuem à descoberta do novo pela espera da
serendipidade (descobertas criativas aparentemente por acaso), mas o que importa é esse caráter
da criação humana, que, no Kairós, promove o raciocínio abdutivo, tal como caracterizado por
Peirce, gerando ações criativas diversas e introdindo a comunhão entre a certeza/incerteza, o
provisório/definitivo.
Isso assegura a permanência do contraditório e do paradoxo nos procedimentos
intelectuais e operacionais. Significa reconhecer que a subjetividade, como experiência, pode
aproveitar a possibilidade do momento em direção à exteriorização dessa subjetividade, que será
visibilizada (pela liberdade e por escolhas do sujeito) na realização de projetos.
Esta tese atesta que, no decurso de todo processo de criação, convivem,
juntamente com o empenho do sujeito, temporalidades diferenciadas: a experiência temporal do
Ckronos linear,
160

[...] o tempo externo, coerente com aquele adotado pela ciência clássica em sua
visão macroscópica de mundo e o tempo interno, aquele que governa a evolução
de um sistema, em seus ritmos diversificados, mas coordenados e organizados.
(VIEIRA, 2008a, p. 82).

É na experiência temporal difusa do “tempo interno” que se sente a vida vivida na


realidade que avança e recua, encurta e alonga uma experiência singular. Essa temporalidade dá
margem para o aproveitamento da experiência, que é automotivada pelo “momento oportuno”
(Kairós), tempo muitas vezes não mensurável, pois, ao longo do processo o sujeito pode
experimentar muitos Kairós, os quais o conduzirão à descoberta, à solução e ao desenvolvimento
de uma ideia criativa.
Quando se têm em mente a investigação e o acesso aos “documentos de processo”
dos designers (registros gráficos esboçados em grafite ou digitais), é necessário recordar ao
menos um dos pressupostos dos Annales, de acordo com o qual é “impossível uma neutralidade”
do pesquisador no contato com os arquivos dos diferentes designers.
Isso porque, ao percorrer o caminho do pensamento criativo, não consegue um
retorno absoluto ao passado ou ao Kairós do designer; afinal, só “os documentos não falam por
si”.
Então, volta-se ao passado, ao processo, aos vestígios, na ótica dos Annales, na
tentativa de debruçar-se sobre o percurso criativo deles, entendendo tais procedimentos de forma
ampla (visão sistêmica).
Toda a atividade humana como forma de sociabilidade e os diversos tempos
vividos pelo designer serão entendidos como portador de uma história.
Essa também é uma das características-chave do pensamento sistêmico, o modo
de perceber a realidade como uma rede de relações interconectadas de concepções sem
fundamentos firmes.
Apesar de perturbadora, essa ideia revela a importância do universo material, que
pode ser visto como uma teia dinâmica de eventos interrelacionados:
161

A ciência sistêmica mostra que os sistemas vivos não podem ser compreendidos
por meio da análise. As propriedades das partes não são propriedades
intrínsecas, mas só podem ser entendidas dentro do contexto do todo maior.
Desse modo, o pensamento sistêmico é pensamento "contextual"; e, uma vez
que explicar coisas considerando o seu contexto significa explicá-las
considerando o seu meio ambiente, também podemos dizer que todo
pensamento sistêmico é pensamento ambientalista. (CAPRA, 2006, p. 46).

Ao aplicar-se tal abordagem nesta pesquisa, está-se valorizando a teia de relações


que serão descritas por intermédio do contexto limitado da percepção do objeto.
O conhecimento aqui manifestado será, portanto, apenas aproximado, haja vista
que uma compreensão completa e definitiva será sempre ilusória. “Independentemente de
quantas conexões levamos em conta na nossa descrição científica de um fenômeno, seremos
sempre forçados a deixar outras de fora” (CAPRA, 2006, p.49). Afinal, pode-se

[...] afirmar que a diversidade epistêmica do mundo é potencialmente infinita,


pois todos os conhecimentos são contextuais e parciais. Não há conhecimentos
puros, nem conhecimentos completos, há constelações de conhecimentos.
(SANTOS, 2006, p. 154).

A abordagem que se faz, leva em conta a dificuldade com a qual esbarra toda
empreitada que demanda “investigar os rastros” na sua relação com o tempo. “Então, é preciso
dotar o rastro de uma dimensão semiótica, com um valor de signo, e considerar o rastro como um
efeito-signo, signo da ação do sinete sobre a impressão” (RICOEUR, 2007, p. 434).
Desse modo, essa visão abrangente acerca dos processos permite conhecer, ainda
que parcialmente, o pensamento criativo, que existe graças à contribuição valiosa de todos os
paradoxos, visto que “[...] existe uma vigorosa força de agregação que mantém a coesão no
desagregamento” (VESCHI, 1993, p. 23).

III. 1.2 - Exteriorização da subjetividade: liberdade e escolhas

Os processos de criação permitem verificar que os parâmetros do discurso


clássico não lhes são adequados, de maneira que a textura semiótica que ora se propõe (para a
162

compreensão dos processos de criação dos designers gráficos) dispensa modelos e padrões
definidos; antes se torna um convite à estranheza, que se assume no paradigma do complexo.
Propõe-se, então, um saber que duvida, que não se constrói na certeza absoluta,
mas que se faz ciente de que tais desenhos semióticos estarão sujeitos a se tornarem marginais e
desprezados, uma vez que se manifesta a força do caos, que atrapalha e incomoda toda
concepção do pensamento ordenado, como marca inevitável do pensar.
Não se encerrarão, portanto, a tentativa veemente de tentar compreender a
exteriorização da subjetividade e a preocupação aqui demonstrada com os processos de criação,
sempre condenados à complexidade.
Apesar de a pesada carga semântica que o conceito de “complexidade” suporta, já
que o termo carrega no seu rótulo a tensão permanente da ambiguidade e da contradição, além de
confusão, incerteza e desordem, o argumento delineado evidencia que, à luz da Teoria Geral dos
Sistemas (TGS) e dos conceitos como auto-organização, é possível compreender o pensamento
criativo e toda sua imprevisível liberdade, juntamente com a mistura conceitual entre os
discursos de instável, múltiplo e variante.
Não se trata de buscar os fundamentos da liberdade do pensamento, mas de
assumir que, no momento de gestação das ideias, se experimentam as intuições obscuras e, por
vezes, confusas e até contraditórias.
O informe mescla-se com sentimentos e emoções, com a percepção do sujeito,
com contingências e acaso. E, nessa distância do equilíbrio, percebem-se mais as opções que
existem e a liberdade de ação que determina o caminho da escolha.
No momento em que se superam as contradições mais gritantes, mediante uma
escolha, busca-se uma técnica especifica que materialize, em forma de projeto, a ideia criativa
que será comunicada e tornada pública.
As opções e escolhas não são simples, porque há muitas articulações criativas e
possíveis. Para compreender-se melhor esse raciocínio, pode-se recorrer à poética de Derrida
(2004, p. 35), quando este não se sujeita a ser ou agir de forma irredutível, mas assume a
liberdade de ser, agir ou pensar de acordo com o que lhe for conveniente: “[...] não, eu sou isto e
aquilo; e sou antes isto que aquilo, de acordo com as situações e as urgências [...]”.
Essa liberdade, que se manifesta na exteriorização da subjetividade, que abriga
ação ou produção do designer, permite que este atue cedendo de acordo com as pressões
163

externas, comprometendo-se com o trabalho, cessando-o por decisão própria ou, ainda,
concluindo seu projeto, pelo esgotamento do próprio tempo e do prazo que estrangula a liberdade
criativa.

Por isso, a “liberdade criativa” descrita deve ser entendida no seu sentido geral de
coerência. Afinal,

[...] liberdade absoluta é desvinculada de uma intenção e, por consequência, não


leva à ação. Limites internos ou externos à obra oferecem resistência à sua
liberdade; no entanto, essas limitações revelam-se, muitas vezes, como
necessárias e propulsoras da criação. (SALLES, 2006, p. 105).

A liberdade do designer no fazer design garante-lhe a solução do problema


essencial que ele quer resolver, mas não é absoluta. O designer é livre para escolher e decidir,
mas não liberto totalmente, porque sempre há, por trás de suas escolhas, a intenção do que se
quer criar.
Como podem ser muitas as opções criativas para resolver-se um projeto, tome-se
em empréstimo novamente de Salles (2006, p. 21) o argumento de que o resultado do trabalho,
conquanto acabado, permanece aberto, no sentido de que outras soluções seriam possíveis: “O
objeto dito acabado pertence, portanto, a um processo inacabado. Não se trata de uma
desvalorização da obra entregue ao público, mas da dessacralização dessa como final e única
possível”.
Um projeto não pode ser entendido como um universo fechado, razão pela qual o
designer possui uma liberdade para traçar seu caminho legítimo, que, para aquele que o traça, é
uma maneira de tornar a apresentação visual em qualquer meio impresso uma função primordial
para a comunicação que se deseja transmitir.
Não se nutre aqui a ambição de explicar, sob um único ponto de vista, a produção
sígnica dos designers ou, dito de modo mais específico, não se pretende pesquisar os processos
de criação de projetos etapa por etapa, mas sim levar em conta a abrangência dos conjuntos de
decisões tomadas. Os resultados aqui colhidos serão apontamentos meramente probabilísticos,
pois será impossível especificar, com precisão absoluta, o objeto desta tese de doutorado, uma
vez que a totalidade do real é complexa e a experiência de criação não pode ser reduzida à soma
das partes.
164

III. 1.3 - Em tempo: convergência e fusão entre complexidade, cultura e processo

Dentre tantas abordagens significativas apontadas por Salles, lance-se luz na sua
assertiva: “Conhecer os procedimentos criativos envolve [...] a compreensão do modo como os
processos culturais se cruzam e interagem nos processos criativos: como esses índices culturais
passam a pertencer às obras em construção” (SALLES, 2006, p. 50).
Então, como partes constituintes de um sistema maior, notadamente o cultural,
tem-se avançado na tentativa de construir um mosaico reflexivo capaz de ampliar algumas
temáticas vinculadas à pesquisa sobre processos de criação no espaço alargado da cultura e nisso
perceber a produção dos designers, cuja visibilidade manifesta-se nas representações gráficas
diversas.
Fica claro que o produto acabado dos designers interfere, de diferentes modos, no
cotidiano das pessoas, podendo ser entendido como um dos textos da cultura.
Para isso, recorreu-se ao pressuposto de que se pode estabelecer uma relação
recíproca entre os fenômenos complexos do mundo físico e os da escala humana (em especial, os
ligados aos processos de criação).
Todavia, sobre esses fundamentos amplos, interessa ressaltar ainda os aspectos da
cultura brasileira, com vistas a acrescentar a possibilidade de se fazerem certas associações entre
complexidade, cultura e processo.
Essas associações refletem-se, entrelaçam-se e vão além da equivalência de
termos, mas abarcam a ideia de complementaridade, sob a regência de um sentido que conecte o
biológico, o cultural e o social, uma vez que não dá para pensar a cultura de forma desvinculada
da complexidade, dada a sua natureza processual.
Fez-se referência, em capítulos anteriores, ao fato de as diferentes configurações
culturais no Brasil possibilitarem a recepção de outras culturas, herança não só do cruzamento de
raças, mas também das múltiplas interações entre linguagens, que incluem conexões de toda
ordem e mesclam os suportes midiáticos (rádio, jornal, televisão, cinema, internet).
Ademais, os distintos códigos provenientes das práticas sociais (fala, objetos,
paisagens, arquiteturas, vestiários, ritmos, danças etc.) e o cotidiano anônimo das pessoas
igualmente não podem ser negligenciados.
165

Essa interpenetração, que aproxima diferentes signos, evidencia a variedade de


competências cognitivas e revela a mestiçagem em contínua transformação. Dito de outro modo,
essa contaminação entre os variados códigos e linguagens enfatiza as características da
heterogeneidade pela incorporação e pelo intercruzamento de inúmeros conhecimentos e práticas
que foram se modificando ao longo do tempo e que ainda estão em constante hibridação.
Por isso, algumas abordagens que se têm feito até o momento, com relação a
fenômenos complexos, podem também ser aplicadas ao contexto amplo da cultura,
especialmente quando se entende que ela, de igual modo, abriga e imprime alguns valores, a
exemplo do inacabamento, da pluralidade, da dispersão, do fragmento e da instabilidade.
A cultura brasileira é marcada pela complexidade e pode ser observada também à
luz do “pensamento sistêmico”, haja vista que as propriedades essenciais de um organismo são
propriedades do todo que surgem das interações e das relações entre as partes.
Pode-se entender a cultura como sistema dinâmico cuja trajetória no tempo
sinaliza, constantemente, seu caráter caótico e sua potência criativa:

Nos deparamos com uma realidade organizada, acima de qualquer critério de


ordem; irregular e por vezes imprevisível, além de qualquer nível de
periodicidade ou simetria; e acima de tudo, complexa [...]
Vivemos uma época caracterizada pela crescente importância da complexidade.
Em nosso século [...] enfrentamos problemas complexos gerados não só pelo
avanço do conhecimento, mas também (e de forma urgente) pelos fortes
processos de transformação social e degradação em todos os níveis do nosso
mundo, o que pode vir a comprometer o futuro próximo de nossa espécie. Os
problemas dos sistemas humanos e dos decorrentes sistemas psicossociais são
aqueles ligados à nossa dificuldade em lidar com a complexidade. O nosso
conhecimento mais clássico não consegue captar os aspectos complexos das
novas e, por vezes, incontroladas situações que têm surgido em todas as nossas
atividades. (VIEIRA, 2006, p. 10).

Ocorre que os discursos clássicos citados, cujos paradigmas racionais já não


cabem mais para entender os processos de criação, também se aplicam sobre o país,
principalmente os que envolvem imagens projetadas acerca da identidade, da unidade, da
essência, da origem e da organização. Não se mostram mais capazes de descrever e domesticar
processos sociais e a realidade complexa da cultura, tornando-se ineficazes na tentativa de
explicar e compreender acontecimentos, práticas e condições culturais brasileiras.
166

Em capítulos anteriores, já se apontou para os riscos de tentar-se ou desejar


categorizar a cultura, que não possui contornos definidos e fixos. Ressaltou-se a cilada que pode
haver na tentativa de definir o que seria a mestiçagem.
Por essa insistência, muitos esbarram na dificuldade de traspôr o pensamento
binário, que compartimenta a visão de mundo baseada no mito de uma realidade homogênea e
coerente.
Revela-se difícil uma leitura da cultura brasileira que insista em encontrar um
significado rigoroso ou um signo que não seja elástico a ponto de desconsiderar os sinônimos de
desordem e caos.
Afinal “[...] as noções de fragmento, simultaneidade, brevidade, instabilidade, tão
caras à modernidade, já estavam sendo tecidas no âmbito das culturas urbanas [...]”, argumenta
Pinheiro (2007, p. 71), referindo-se à aceleração dos contágios díspares e movediços entre
diferentes códigos e linguagens, os quais já estavam enraizados na base da constituição do
continente e que ainda subvertem o paradigma eurocêntrico de modernidade.
Na cultura residem processos não normativos que se comportam, à semelhança do
mundo físico, como sistemas instáveis que incluem, indistintamente, mecanismos de turbulência
e formas desordenadas e irregulares.
Tais fenômenos também são suscitados e percebidos tanto nos processos de
criação, como “nas relações combinatórias entre textos e séries culturais”, os quais ressaltam
formas de

[...] mosaicos ou arabescos barrocos-mestiços em movimento, descentrados,


inacabados e descontínuos, para os quais os sistemas lógicos-cognitivos da
ciência moderna e seus corolários tecnológicos, baseados em unidades
totalizantes e no crescimento contínuo, não oferecem conceitos compreensíveis.
(PINHEIRO, 2009, p. 14).

A mestiçagem sugere vínculos sociais marcados por indeterminações,


instabilidades, disparidades, improvisações e misturas de toda ordem. “A mistura leva ao oposto
da uniformização” (GRUZINSKI, 2001, p. 223) e favorece o dinamismo, a ebulição, a
heterogeneidade, a incorporação do outro, a “infração às normas”, fazendo prevalecer toda a
complexidade dos diferentes fenômenos da cultura.
167

A impressão é de que tais noções comportam o fato de que a vida social e toda a
esfera cultural, em circunstâncias gerais, permitem combinações e sincretismos inusitados.
Presume-se que a intensificação de fluxos e toda sorte de mobilidade, dado o
caráter mestiço da cultura, ressaltam “a noção de processos dentro de sua estrutura” (PINHEIRO,
2007, p. 69).
Cultura é processo. Portanto, invoquem-se os conceitos antes tratados, como
inacabamento e outros, que tendem para o aberto, para o movente e fractal. Podem estabelecer
vínculos, dobras, encaixes em contração que fortaleçam os conceitos que dão dimensão de
sentido ao universo.
No território das associações, é fácil observar a convergência e a fusão das
combinações entre complexidade do mundo físico, cultura e processos de criação, visto que os
termos nutrem um convívio que fecunda essas aproximações, dadas as persistências da
incompletude, da descontinuidade e da incerteza, que os alimentam e os acomodam.
Essas premissas indicam que, na estrutura da cultura (como o todo da vida),
prevalecem a excepcional e sublime equivalência dos paradoxos: ordem/desarmonia,
irracional/racional, absurdo/coerente, simetria/assimetria, limites/excessos, assim como toda
força expressiva da mestiçagem.
Essa dinâmica que assume forma irregular e imprevisível e que se caracteriza
como fascínio na estética do Barroco traz à memória o pensamento de Sarduy (1989), que propõe
retomar o conceito do Barroco para dar conta das culturas heterogêneas e mutantes, como a
brasileira.
A definição proposta por Sarduy49 religaria o termo barroco para além das
retóricas e estilismos artísticos, na medida em que, ao propor o “neobarroco” como objeto
cultural, percebe ser possível um barroco generalizado, presente nas atitudes, nos objetos e em
tudo que se oponha ao clássico.
Seria então um modo de tradução para a toda efervescência da América Latina:

49
Haroldo de Campos (1929-2003) faz saber que, em 1955, já havia utilizado, em seus artigos, a expressão “barroco
moderno” ou “neobarroco” e, de igual modo, Lezama Lima e Alejo Carpentier (mestres cubanos), “influentes em
Sarduy, já reivindicavam, em âmbito hispano-americano, o estilo barroco e o barroquismo de impacto
transhistórico” (CAMPOS, 2004).
168

[...] lugares não-ortogonais lentos (mas de grande rapidez combinatória) [...] A


não-ortogonalidade não se mostra apenas na aparência externa de formas não-
ortogonais (seios, frutas, nádegas, ondas, dunas etc.), mas na textura em retícula
dos materiais e signos (vozes, letras, pedras, metais, luzes, vegetais, etc.)
situados no interior dos processos de tradução nas fronteiras dos inúmeros
textos e séries culturais que, com suas práticas e saberes diversos, foram
aportando e sendo assimilados no laboratório externo e a céu aberto do
continente. (PINHEIRO, 2009, p. 13-14).

Na dinâmica cultural barroco-mestiço, transbordam fenômenos que tendem à


máxima complexidade e, nesse sentido, a perspectiva dos Annales permite visualizar-se, com
esteio na continuidade do “tempo longo”, o contexto da cultura no curso irreversível do tempo
histórico, que comporta ritmos descontínuos nas assimetrias dos grupos sociais.
Desse modo, logra-se identificar ações, reações, produções, processos,
linguagens, textos e saberes que se obtêm pelo resultado complexo, não linear, não determinista,
dos grupos distintos e coletivos que movimentam e fazem a história.
É nesse caldo cultural que caminha para o não equilíbrio ou, no dizer de Prigogine
e Stengers (1984, p. 239), para uma “ordem por flutuação”, espécie de convergência entre a
Física e as intenções dos Annales.
Ao reler alguns textos de Marc Bloch (um dos fundadores dos Annales),
Prigogine admite que "o tempo é construção" e reafirma a necessidade de uma visão sistêmica
implicada na “permanência” do planeta.
Ao fundamentar esse pressuposto, embasado no conceito de "termodinâmica
generalizada", assume a complexidade crescente que envolve a realidade, os processos, os seres
humanos, a natureza e a cultura, entendendo que “[...] nunca podemos predizer o futuro de um
sistema complexo. O futuro está aberto e esta abertura aplica-se tantos aos pequenos sistemas
físicos como ao sistema global, o universo em que nos encontramos” (PRIGOGINE, 1988, p.
23).
Reaparece o tom nas aproximações de conceitos e de fenômenos que estabelecem
redes de conexões, tramas marcadas por dinamicidades, não linearidade e tantos outros atributos
que sustentam as teorias de Salles (2006), em termos de complexidade e situações de
instabilidade.
A imagem do mundo físico compara-se à de processos de criação e aos sistemas
da cultura. Alguns signos da cultura mantêm-se no tempo e outros tantos se transformam.
169

Tais conceitos acentuam-se ao constatar-se que, nessa tríade amorosa, nesse


encontro ziguezagueante entre complexidade, cultura e processo, sedimentados na falência de
códigos rígidos, há uma combinação e, sobretudo, uma possível relação que entrelaça as noções
de probabilidades, riscos, improvisos e incertezas, que contestam o discurso do fechado, do
distinto e do único.
Destarte, a cultura brasileira caminha, como todo sistema, insistindo e lutando
para “permanecer no tempo”, sendo e estando ela mesma em um constante “processo”.
Essas especificidades, as quais admitem a realidade como sistêmica e complexa,
estão profundamente enraizadas nas práticas sociais e culturais brasileiras e exacerbam a
mestiçagem possibilitando “[...] uma criatividade especificamente cultural e social, umas vezes
altamente codificada, outras vezes caótica, umas vezes erudita, outras popular, umas vezes
oficial, outras ilegal [...]” (SANTOS, 2006, p. 205).
Portanto, a pretensão primeira será sempre a busca por respostas provisórias que
se façam norteadoras do pensamento também processual, com apoio em uma abordagem
sistêmica, no intuito de que o objeto torne-se passível de ser semiotizado.
No enquadramento dessa perspectiva, levar-se-ão em conta algumas
circunstâncias e contextos dos quais os designers extraíram prioridades, que os levaram, num ato
seletivo, a criar, umas vezes incorporando o alheio, outras vezes traduzindo sistemas de signos,
umas vezes digerindo a vida cotidiana, outras vezes transformando o ordinário em experiências
significativas e inovadoras. Afinal até “[...] a experiência bruta está carregada do emaranhado e
do complexo” (DEWEY, 1985, p. 20).
170

III. Capítulo 2 - Experiências ordinárias, consequências extraordinárias

“A experiência constituiu-se de um material cheio de incertezas, movendo-se em


direção a sua consumação através de uma série de variados incidentes” (DEWEY, 1985, p. 95).
A reflexão ganha mais amplitude quando se consideram certos aspectos – a
experiência humana com a criação. Toda experiência (característica da vida) supõe
aprendizagem num decurso de tempo e desfruta, nesse processo, do caráter educativo que toda
experiência comporta.
Toda experiência, por mais tácita, modesta, acidental, ordinária ou mesmo
imprecisa, será sempre uma categoria da vida que se efetua na troca com o outro ou no esforço
pela comunicação, razão pela qual a experiência em criação dá-se em processos tão complexos
que é impossível fixar-lhes os limites.
A experiência durante o processo de criação opera, conforme já notado, segundo a
ação proposital do indivíduo, que confere sentido àquilo que faz. A emergência em criação em
design dá-se mediante o reconhecimento de uma problemática que mobiliza o designer e
encaminha-o na busca por respostas.
Os “processos” são marcados por irrupções de ideias, por desvios e pela
inventividade, o que confere valor comunicativo à produção dos designers. Interessam as
limitações dos processos, o percurso “livre” das ideias, as percepções, as atitudes mentais, as
relações combinatórias entre os textos da cultura e o sentido que os designers conferem a suas
ações.
No que tange à pluralidade investigativa, as intenções dos designers tornam-se
relevantes, ou seja, resgata-se o valor do senso comum (superficial e falso para as ciências
clássicas) e do todo. Brifing, cliente, designer, processo e produto ganham novo sentido, haja
vista que o produto feito pelo designer passa a ser uma extensão dele próprio, conectando-se ao
cliente.
É nesse sentido que Santos (2002) sustenta que a visão distinta dos modelos de
“saberes” da racionalidade científica dominante enxerga o senso comum como alternativa para a
promoção de um novo saber.
171

Juntamente com o conhecimento vulgar ou ordinário, com a percepção e com a


intuição do designer convivem outros saberes: a técnica e o conhecimento da visualidade gráfica.
Eles não se opõem; ao contrário, o senso comum não dispensa o conhecimento teórico ou técnico
prévio.

A partir do exposto aqui, abstrair-se-ão a seguir, processos de criação de três


designers, tecendo considerações sobre as temporalidades internas e externas inerentes aos
processos e o modo como esses diferentes tempos são reconhecidos pelos designers ao lidar com
os aspectos de natureza subjetiva da criação e com os aspectos sociais e econômicos envolvidos
na complexidade da produção gráfica.

III. 2.1 - A força operativa nos processos de experimentar

A designer e artista plástica Silvia de Medeiros Cabral50 trabalhou com o designer


Julio Cesar Takayama na BIREME51 (Centro Especializado da OPAS – Organização Pan-
Americana da Saúde), mas, dentre tantos trabalhos desenvolvidos por ambos, parece
extremamente enriquecedora a apreensão do processo criativo de um projeto cujo desafio era
realizar um visual que pudesse homenagear o trigésimo quinto ano da organização dessa empresa
no Brasil.
O desafio havia sido colocado pelo diretor/cliente. Silvia informa: “O trabalho foi
solicitado pelo Diretor da BIREME, Abel Laerte Packer para a comemoração dos 35 anos da
Instituição e deveria ocupar o espaço integral de uma das paredes da recepção”.
Mas o que fazer para representar 35 anos da empresa? Como homenagear num
material gráfico uma instituição que deseja ser lembrada no tempo? De que modo contar seus
feitos?

50
O suporte teórico sobre a experiência dos designers deve-se à entrevista pessoal concedida por Sílvia de Medeiros
Cabral em dezembro de 2009 e aos contatos posteriores obtidos em forma de conversas telefônicas e troca de e-
mails.
51
A BIREME estabeleceu-se no Brasil em 1967 em colaboração com o Ministério da Saúde, o da Educação, a
Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo e a Universidade Federal de São Paulo e até hoje presta serviços no
sentido de fortalecer o fluxo de informação em ciências da Saúde. Para isso, promove, dentre outras atividades, a
divulgação da literatura técnico-científica publicada em papel e em formato eletrônico (Biblioteca Virtual em
Saúde). Tais meios possibilitam o atendimento às necessidades de publicação, preservação, acesso e uso de
informação dos governos, dos sistemas de saúde, das instituições de ensino e investigação, dos profissionais da
saúde e do público em geral.
172

Dado o desafio, os designers iniciaram um diálogo, de troca, de busca por uma


solução e puseram-se a pensar sobre as possibilidades do projeto:
Foi mobilizada uma comissão de funcionários que viveram parte da história da
BIREME para nos ajudar a reunir documentos, homenagens, fotos, fatos e
curiosidades etc. As reuniões de briefing foram momentos bastante prazerosos e
às vezes até emocionantes [...] foram gastos aproximadamente 5 meses no
trabalho de pesquisa de conteúdo, pesquisa de referências gráfica e produção
gráfica propriamente dita.

É difícil mensurar o tempo envolvido nessa dinâmica. Constatou-se, porém, que a


busca por uma coerência de projeto foi mediada pelo tempo. Robinet (2004) pôs-se a questionar
a relação do processo do pensamento com as obras e para tanto indagava: Por que o pensamento
exige tempo? Qual o tempo do pensamento?
[...] Em sua forma espontânea, o pensamento funde-se no objeto que ele visa,
sem se reconhecer. Em sua forma refletida, ele volta sobre si mesmo para
identificar os atos pelos quais ele pensa seu objeto. O pensamento espontâneo
não tem começo nem fim designável. Ele acompanha nossa existência no ritmo
dos humores do nosso corpo, de nossos desejos, de nossas paixões e de nossas
meditações, de nossos sonhos e de nossas ruminações. Ele é como que o rumor
de fundo, como o vigia benevolente de nosso eu, sendo certo que ele pode voltar
sempre depois que acordamos e que, às vezes, nos importuna até durante a
noite. O pensamento reflexo, desperta e se torna ativo quando nossos hábitos e
nossas reações não conseguem mais resolver as dificuldades encontradas.
(ROBINET, 2004, p. 11).

O modo de proceder reflexivo e crítico dos designers à procura de uma solução


implicou a tomada de uma decisão: contar os 35 anos de história da empresa em formato visual.
Uma das soluções foi a investigação do percurso da BIREME no Brasil e, ao
pesquisar-se seu passado com base em documentos arquivados, registros e imagens, obtiveram-
se os indícios de alguns fatos que poderiam destacar-se e servir de memória.
Mas ainda assim o desafio persistia: como condensar muito tempo, muita história
em pouco espaço?
Tendo essa perspectiva, os designers trabalharam num esforço de captar imagens
e textos que traduzissem e condensassem significados passados e que pudessem dar sentido ao
presente.
Então, projetaram um Painel (2 x 8 m) que materializasse a vivência da
organização e que pudesse ser portador de uma história. Criaram em planos superpostos uma
linguagem gráfica contendo fragmentos do passado e, por intermédio dos vestígios simbólicos
173

dos acontecimentos, das ações comemoradas, das mudanças da empresa ao longo do tempo e da
pressão do tempo acelerado e imediato, realizaram um painel reinvestido de uma perspectiva
aberta ao futuro, fonte de reapropriação coletiva.
Dito de outro modo, o resultado do trabalho foi um painel programado para ser
alterado, ou seja, novos signos, símbolos e textos podem ser acrescentados aos já existentes à
medida que outras histórias forem sendo escritas e somadas. Silvia Cabral explica:

A ideia inicial era ter uma linha do tempo como base para o mural e, a partir
dessa linha, registrar os fatos importantes da história da BIREME usando textos,
fotos, ícones e referências gráficas. Foram usadas referências a documentos de
criação da BIREME, comissões de avaliação da BIREME, produtos e serviços
da BIREME, centenário da Organização Pan-Americana da Saúde, cooperação
técnica, virtualização da informação (CABRAL, 2009).

O projeto foi executado em fatias, ou camadas verticais, que possuem um caráter


de sucedimento ou substituição. Os designers elaboraram uma linha do tempo em que “estão
registrados os Diretores da BIREME, os Diretores interinos da BIREME, os Diretores da
Organização Pan-Americana da Saúde e os Diretores/Reitores da UNIFESP” (CABRAL, 2009).
Quando se deseja acrescentar um novo diretor, funcionário, imagem ou outro
signo visual, elege-se a faixa a ser alterada sem mexer no todo do painel (não se pode deixar de
mencionar que tal opção facilita o processo de produção serial da peça gráfica, pois, ao se
acrescentarem outras imagens, não há necessidade de substituição geral, e sim de uma parte do
todo).
174

Figura 48 – Uma das fatias verticais projetadas pelos designers Silvia Cabral e Julio Cesar Takayama.
Fonte: Acervo pessoal da designer Silvia Cabral.

Essas diversas fases de atualização da imagem permitem reabrir o horizonte do


futuro para a imprevisibilidade da criação, que está sempre “por vir”, e introduzem a incerteza de
novas projeções.
O painel é um constante “vir a ser” de uma instituição que contém memória e
quer “permanecer no tempo”. Nesse sentido, o resultado do trabalho dos designers pode ser
considerado um memorial que distancia o tempo passado e torna o tempo presente gerador de
sentido da realidade vivida.
175

Figura 49 – Parte do painel, contendo, no primeiro plano, a linha do tempo, que revela os diretores da
instituição e, no fundo, observa-se a evolução dos materias graficos, do livro ao digital, além de texturas com essa
temática. Fonte: Acervo pessoal da designer Silvia Cabral.

O ato de projetar não foi imediato, deu-se num processo longamente duradouro
que envolveu um controle e uma intenção consciente que se modificava, enquanto se percebia
pouco a pouco o resultado da produção.
A intenção de criar algo que satisfizesse a percepção do receptor e do cliente era
constantemente controlada pela satisfação de agradar também aos próprios produtores do projeto,
ou seja, os designers usufruíram da experiência sensorial imediata acerca do resultado do
176

trabalho e permitiram-se a experiência estética do gosto pessoal, ao manipular cores, imagens,


textos e outros signos e qualidades a cujas fontes tiveram acesso.
Mas essa experiência não foi liberta de tensões e resistências advindas da
dispersão, das dúvidas, das excitações inerentes ao ato da criação; ao contrário, a experiência foi
motivada pela necessidade de um término satisfatório.
Dewey (1985) define experiência:
A experiência, como o respirar, é um ritmo de inspiração e expirações. Sua
sucessão é pontilhada e tornada um ritmo pela existência de intervalos, pontos
nos quais uma fase cessa e a outra está latente e em preparação [...] Cada lugar
de descanso na experiência é um padecer em que são absorvidas e abrigadas as
consequências de um fazer anterior e, a menos que o fazer seja o total capricho
ou a rotina pura, cada fazer traz em si próprio um significado que foi extraído e
conservado. Como no avanço de um exército, todos os ganhos já efetuados são
periodicamente consolidados e, sempre em vista do que se fará depois. Se nos
movemos rápidos demais, afastamo-nos da base de suprimentos – dos
significados acumulados – e a experiência é aturdida, pobre e confusa. Se
perdermos tempo demais após havermos extraído um valor líquido, a
experiência perece de inanição. (DEWEY, 1985, p. 105).

Fica claro que a “experiência” proporciona variedade e movimento numa contínua


função de ações e ritmos peculiares.
Particularmente no processo de criação do painel para a BIREME, os designers
experimentaram a conexão do gosto pessoal e da sensibilidade, além do juízo perceptivo, até que
pudessem estar satisfeitos com a produção planejada. Puderam, continuamente, reformar o
projeto e guiar-se nesse propósito a cada estágio.
Uma série de atos (como o fazer, o refazer, o desviar-se do planejado, o domínio
da técnica, o exercício da imaginação, a ordenação das ideias e a incorporação de outras novas)
pôs-se em interação contínua, consubstanciando-se em experiência criativa.
Os designers selecionaram, simplificaram e extraíram o que pensaram ser
significativo a ponto de condensar os códigos visuais, primeiro de acordo com seus próprios
interesses para, então, submeter o resultado do que se construía à preferência do cliente.
Existe nessa experiência uma “ênfase seletiva”, como bem afirma Dewey (1985,
p. 22): “[...] escolhas são inevitáveis quando ocorre a reflexão. Não há mal em seja assim. A
fraude começa apenas quando a presença e a operação da escolha são ocultadas, disfarçadas,
negadas”.
177

Figura 50 – Partes do painel, contendo elementos diversos.


Fonte: Acervo pessoal da designer Silvia Cabral.

As séries de ações experimentadas impuseram um ritmo dinâmico ao trabalho,


proporcionando, como resultado, variedade e movimento. Fica amplamente visível que o
resultado agrega a abundância, que inclui uma parte do conto de Jorge Luis Borges em sua
própria caligrafia.
178

O conto de Jorge Luis Borges, “A Biblioteca de Babel”, foi a metáfora


inspiradora da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS)52 e seu Logo.
O projeto exigiu uma ordenação dos elementos para que a totalidade do resultado
pudesse ser consumada, a ponto de haver integração das partes. Cada parte do todo deveria
resumir um aspecto da história, além de agregar um valor coerente à obra.
Percebe-se, então, a opção pela sobreposição de imagens, as quais sugerem a
dominância de alguns elementos sobre os outros.

Figura 51 – Última parte do painel, contendo o nome de todos os funcionários da Instituição. Fonte:
Acervo pessoal da designer Silvia Cabral.

52
* A Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) é um dos serviços da BIREME. Disponível em:
http://regional.bvsalud.org/php/index.php.Acesso em: 10/12/2009.
179

O excesso dá-se na proliferação das formas e das variadas imagens, que, por
adição, percorrem vertical e horizontalmente toda tela, enriquecidas pelos detalhes.
A pluralidade torna-se instância permanente, o paradoxo
“completude/incompletude” constrói-se a partir de signos fragmentados, em um grande mosaico
de muitas combinações e texturas, características, aliás, tipicamente barroquizantes.
O tempo do fazer passa-se longo e carrega no resultado da obra um tempo que
enfatiza a longa duração, pois o painel concebe a dinâmica das mudanças e permanências sociais.
Silvia Cabral comenta:
Na última lâmina do mural aparecem escritos os nomes de todas as pessoas que
trabalham ou já trabalharam na BIREME e que de alguma forma deram sua
contribuição. Esses nomes não aparecem em ordem alfabética, com o propósito
de fazer com que as pessoas parem em frente ao mural, procurem seu nome e,
nessa procura, acabem identificando nomes de colegas e fatos relacionados a
eles, fazendo do mural um objeto de interação. Essa lista de nome deve
continuar a crescer e com o tempo virar uma textura que para ser lida necessite
de uma lupa rsrsrs […] CABRAL (2009).

Vale lembrar que a investigação da história da empresa necessitou de um domínio


que levasse em conta, seriamente, a memória passada e a perspectiva de futuro, sem jamais
deixar de lado uma das dimensões em benefício da outra.
É curioso observar que o percurso mental de ambos os designers coloca o tempo
sociocultural como um fator primordial e de destaque no projeto. Ora o tempo apresenta-se
marcado pela relevância da permanência, do tempo linear, em que se priorizam os eventos
coletivos, as atividades profissionais e o destino ímpar da história da empresa com seus
movimentos, rupturas e mudanças, ora se destaca o tempo cuja perspectiva flutuante dá a
impressão de contínuo e impõe um sentimento de perspectiva para o futuro.
O tempo está em aberto, juntamente com a obra que destaca seu inacabamento.

Figura 52 – Instalação do painel. Fonte: Acervo pessoal da designer Silvia Cabral.


180

O tempo de criação contou com a vantagem de ambos os designers estarem


trabalhando para a empresa BIREME, o que facilitou o acesso constante dos designers à pesquisa
e ao contato frequente com o diretor (cliente).
Ambos conheciam o objeto “empresa” no qual estavam trabalhando, mas tal
conhecimento não os dispensou da investigação árdua, que se deu num processo dinâmico, pois,
à medida que a pesquisa constituía-se fonte de busca para a solução do projeto, também os
conduzia em suas ações.
Outro fato importante agrega a parceria de ambos os designers, conforme comenta
Silvia: “Julio C. Takayama é meu marido, então já viu, trabalhávamos sem parar em casa ou
onde estivéssemos. Sempre acompanhados do nosso notebook. Foi um trabalho delicioso de
fazer e carrego muitas boas lembranças desse momento” (CABRAL, 2009).
Portanto, o projeto emergiu da interação social e afetiva dos designers, que, no
contexto de trabalho e nos momentos informais, evidenciaram, como característica fundamental
no desenvolvimento do projeto, a manifestação da comunicação interpessoal de todas as partes
envolvidas.

O processo de criação do painel aparece como resultado da relação do designer


com os diferentes tempos (internos e externos) que ambos experimentaram. Tempos diluídos e
tempos extremamente concentrados ao longo de cinco meses.

O processo de criação foi regido pelo conceito de tempo plural, ainda que alguns
momentos da história apareçam por sucessão linear. A ideia foi a combinação, a conjunção, a
dispersão e a reunião de várias linguagens que, no espaço, fazem reaparecer o tempo não como
linha, mas como um emaranhado, um turbilhão.
O design deveria contar a história a partir de uma trajetória no tempo, mas,
curiosamente, ao investigar-se o processo de criação dos designers, outra história é percebida, a
que marcou a experiência de ambos.
Houve o tempo de luta com o projeto em si, que envolvia a complexa pesquisa,
mas também houve o tempo do fazer, que esteve sempre aliado ao aspecto de domínio técnico
instrumental dos designers.
A competência de ambos para a execução do projeto é inegável; contudo,
percebe-se que a designer Silvia transmite um modo peculiar ao projeto. Flagram-se nas texturas
181

do painel movimentos em caracol, à semelhança de suas pinceladas, que são encontradas nos
lenços em seda que ela mesma pinta.

Figura 53 – Lenços em seda pintados pela artista plástica e designer Silvia. Fonte: Acervo pessoal da designer
Silvia Cabral.

De forma geral, sua pintura, num primeiro momento, parece ser realizada de
maneira espontânea, uma “reflexão espontânea” que alimenta e constitui sua expressão, a qual
explode em emoções carregadas de afetividade (paixão, alegria, raiva etc.).
Sua atitude afetiva e seu gestual dão formas específicas ao objeto. Nele ela impõe
sua imaginação, sua reflexão e acomoda suas emoções, especificando assim a relação existente
no humano: subjetividade e objetividade.

Figura 54 – Detalhe do painel, em forma espiral ou caracol. Fonte: Acervo pessoal da designer Silvia
Cabral.
182

A singularidade do gestual da designer também aparece nas formas verticais ou


em faixas pintadas em outros trabalhos. Sua maneira de significar o mundo que circundante
ganha sentido, e o que poderia ser interpretado como acaso, ou gesto caótico, já que, na pintura
mais solta, não se tem um total e absoluto controle sobre o resultado, passa, paulatinamente, a ser
experimentado na materialidade do painel que projeta.
O sujeito traz das experiências vividas sua subjetividade e imprime-as em tudo o
que realiza, em uma postura espontânea, com ou sem essa consciência.

Figura 55 – Lenço em seda pintado pela artista plástica e designer Silvia. Fonte: Acervo pessoal da
designer Silvia Cabral.

Dessa forma, a designer trouxe seu imaginário ao processo de criação do painel, e


a experiência irreversível que se intensifica é a da subjetividade do caos/ordem, os quais deixam
de ser antíteses, passando a predominar a objetividade/liberdade e o pensamento
reflexivo/emotivo, que vão sendo estruturados no tempo e no espaço.
Nessa direção, pode-se afirmar, ao lado de Salles (2006), que é possível encontrar,
tanto na obra, como nos documentos dos processos, os resíduos de outras linguagens e saberes
que, ao serem incorporados, remetem o sujeito à tradução de uma nova linguagem.

Figura 56 – A designer Silvia acompanhando a instalação do painel. Fonte: Acervo pessoal da designer
Silvia Cabral.
183

O resultado do trabalho afirma-se pelo jogo existente entre a subjetividade dos


sujeitos, submetidos ao contexto histórico e cultural dos envolvidos (cliente/designers), e a
competência do fazer, que confere sentido ao projeto no tempo.
O painel contém várias temporalidades, uma vez que assume a representação da
história, da cultura e da tradição. É uma tentativa de registrar todas as ações, as maneiras de agir,
de deixar vestígios de sua presença no mundo e na memória dos homens e, por isso, reflete que a
empresa continua no tempo: o que está por vir pode ser acolhido e proporciona uma unidade na
disparidade, uma sensação de harmonia em meio a mudanças e apela para o sentido da
permanência da BIREME no tempo.
É, no fundo, uma intenção de sobrepujar a finitude e elevar-se ao infinito.

III. 2.2 - Entre a expressão efêmera e a tradução permanente: o processo

Outra experiência que pareceu interessante examinar, foi como o designer


Gustavo Lassala Silva53 percebeu a contribuição do gesto transgressor dos pichadores nas ruas de
São Paulo, ao traduzir essa visualidade efêmera do cenário urbano em forma de tipografia digital.
Dentre as tantas atividades desenvolvidas por Lassala, é a tipografia que mais
interessa, calhando esclarecer que a fonte digital54, desenvolvida por ele, nasceu no contexto de
sua pesquisa de mestrado.
Sobre as diferentes expressões gráficas existentes na cultura de rua, Lassala
classificou algumas delas, a exemplo da “arte de rua”, que consiste no artifício humorístico de
encapuzar estátuas, placas falsas etc.

53
Gustavo Lassala Silva possui curso técnico em Artes Gráficas pelo SENAI, graduação em Design (habilitação em
Programação Visual) pela USJT e mestrado em Educação, Arte e História da Cultura pelo Mackenzie. Aos que
desejam aprofundar o assunto sobre design gráfico e cultura, fica a sugestão de leitura de sua dissertação de
mestrado, intitulada Os Tipos Gráficos da Pichação: Desdobramentos Visuais. O lado underground do typeface
design. Manteve-se contato por meio de entrevista pessoal e troca de e-mails ao longo de 2009 e 2010. Seu sítio
eletrônico é http://www.pichacao.com/adrenalina.htm.
54
Lassala esclarece que “uma fonte digital é um conjunto de caracteres em um corpo e estilo, usada para escrever
texto em softwares de computador. As fontes digitais começaram a ser usadas a partir da introdução do computador,
portanto, por volta da década de 1970/1980. Curiosamente essa data tem certa semelhança com a origem das
pichações, principalmente, no Brasil”.
184

Percebeu a presença do “Sticker”, como a colagem de adesivos pela cidade, a


“tipografia popular” (encontrada em placas, cartazes etc.) e o grafite, em que o uso do spray e da
tinta pode resultar em variados desenhos e efeitos cromáticos.
Em sua dissertação de mestrado, Lassala aponta outra manifestação gráfica da
rua, que é o grapicho, uma mescla entre a pichação e o grafite.
Seu interesse debruça-se sobre a observação detalhada da pichação, que se
manifesta como expressão transgressora, pois é uma prática ilegal:

A pichação é uma ação de transgressão para marcar presença, chamar atenção


para si por meio da subversão do suporte. Muitas vezes o nome pichado é
repetido como uma espécie de carimbo pela cidade. A pichação não configura
gesto estético obrigatório - em relação à forma e conteúdo - embora possa
ocorrer. (LASSALA, 2009).

Teóricos interessados nessa manifestação cultural explicam a diferença do grafite


e da pichação:

O grafite e a pichação, em São Paulo, são expressões que se apoiam num ritual
de risco, mas o grafite é uma atividade lúdica, enquanto a pichação é, além de
lúdica, agressiva. No grafite, por ele ter partido de grupos de jovens
universitários e/ou ligados às artes, há um aumento de esteticidade em relação à
pichação. No grafite há uma preocupação de elaborar os signos, agrupá-los e
ambientá-los ao suporte; há uma preocupação poética consciente. A pichação é
mais aleatória, trabalha com mais improviso, mais acaso, quando a poética
acontece, e muitas vezes acontece, é por puro acaso. (RAMOS, 1994, p. 168).

Percebe-se que o designer Lassala domina tecnicamente não só o grafismo


artesanal, a fotografia e as artes gráficas, como também as tecnologias informatizadas. Essa
variedade de competências revela que tais recursos expressivos podem ser também o suporte de
sua criatividade.
No entanto, no trabalho específico que realiza sobre a tipografia digital, observa-
se que o designer flagra o que emerge da rua, da riqueza da informação que se faz pelo “ruído”,
pela “entropia”, pelo acaso do gesto de pichadores, que renunciam a qualquer forma de controle.
Tais registros possuem uma intenção comunicativa sobre a qual o designer
consegue refletir, traduzindo para uma linguagem digital. Essa tradução parte de um olhar atento,
da observação centrada nas tensões subversivas produzidas por grupos que mantêm o anonimato.
185

Ela explica o incremento das aspirações, dos desafios, das socializações, da revolta contra a
manutenção do sistema social e econômico e toda forma de repressão no âmbito da cidade.
A caricatura de costumes, que funciona como afirmação da autovisibilidade
pública, como reconhecimento de coragem e de pertencimento de um determinado grupo, é
também uma prática social coletiva que afeta (ao ignorar ou afrontar), no exercício da linguagem
informal, todo o conjunto da sociedade:

[...] Na tipografia digital, a incorporação de formas populares pode ser


entendida como uma tentativa de incluir, em um universo que tende à exclusão
e ao estilismo, vozes que estão afastadas devido à sua posição econômica ou
social. Este tipo de prática também está, muitas vezes, associada à tentativa de
descoberta ou recuperação de formas genuinamente brasileiras ou regionais.
(FARIAS, 2003, p. 17).

Tomado por uma sensibilidade com o que é estigmatizado, Lassala lança-se na


criação de tipos, sendo fácil identificar, em seu processo de criação, que seu desejo nasceu desta
vontade simples: “entender o universo da pichação”.
Para o estudo do termo pichação, ele “explora um sentido restrito” e a todos faz
saber que seu interesse estava relacionado a toda atitude, como

[...] o ato de escrever, rabiscar, desenhar, dizeres de qualquer espécie em


suportes externos (muros, paredes, fachadas, postes, chão, árvores etc.) [...]
Tenho interesse particular por letras. E as letras de pixação tem um desenho
único no mundo e foram concebidos autenticamente em São Paulo. (Chamo de
pichação qualquer tipo de pichação e pixação somente as letras feitas pelos
grupos paulistas). As pixações estão presentes na maioria das ruas onde circulo
no cotidiano. É uma epidemia. Une design – que é minha área de atuação, e
arquitetura, cidade, comportamento de massa etc. Ao mesmo tempo é um
assunto afeito a preconceito e descaso governamental e dos transeuntes. Enfim é
um tema que me fascina. (LASSALA, 2010).

Enfim, o designer opta por tudo que envolve o universo da pichação e assegura-se
de observações que forneçam dados iniciais a sua reflexão, a fim de tê-las como referência para
seu trabalho. Seu projeto nasce a partir de um desejo e interesse por conhecer e experimentar,
mas também carregado de memórias, que são ativadas pelas recordações regidas por uma
temporalidade única, de um tempo passado que viveu:
186

Digo que a pixação foi um rito de passagem na minha vida. Todos os meninos
da minha idade, no bairro onde morava, faziam isso, e é claro que eu não queria
ficar de fora. Tive uma breve passagem nesse circuito, com direito a apelido,
gangue etc. Mas logo depois comecei a fazer faculdade, estágio, trabalho e
abandonei o “esporte”. (LASSALA, 2010).

Verifica-se, pois, um processo de identificação do design com aquilo que ele


deseja exprimir e, por consequência, essa atitude sugere que o ato criativo está conjuntamente
ligado ao processo intelectual, que envereda por momentos de impulso poético num movimento
que unifica a memória, a personalidade do sujeito e a potência do objeto que deseja conhecer e
representar, sinal que, a propósito, cria condições legitima à operação de todo conhecimento
sensível.
Dentre um campo de possibilidades de fazer design, Lassala quer renovar sua
percepção ao tentar compreender o seu entorno, ou seja, o suporte que dá sentido ao seu trabalho
é recolhido do que é rejeitado e posto à margem. Ele traz o “fora” para “dentro”, e o que antes
era excluído é agora escolhido para ser alvo de sua tradução.
Nessa atitude consciente de coleta, “[...] pode-se dizer que, de modo tanto
metafórico quanto literal, a rua vai para dentro do escritório de trabalho” (SALLES, 2006, p. 51),
isto é, a escolha é embasada em um direcionamento na tentativa de encontrar respostas:

[...] a vida em sua imediatez não é abertura e casualidade. Para fazer dessa
casualidade um nó de possibilidades reais é preciso introduzir nela um modo
organizativo. Em suma, escolher os elementos de uma constelação, entre os
quais se estabelecem nexos polivalentes, mas unicamente após a escolha. (ECO,
2005, p. 194).

Para que a metodologia de sua pesquisa pudesse ser efetivada, o designer


necessitava observar, escolher e fotografar os elementos que lhe eram caros na própria rua, onde
os grafismos estavam expostos, sem que fosse, como ele mesmo diz, “necessário adentrar os
ambientes [...] O método de decodificação das pichações levou em consideração a configuração
gráfica, o suporte, o aspecto formal da letra/grafismo, os materiais e as cores utilizadas”
(LASSALA, 2007, p. 24-44).
Seu recorte temático foram “os tipos gráficos de pichações no bairro da Mooca”,
local de fácil acesso ao designer, o que, inclusive, justifica a escolha feita, opção feliz não só
pelo critério prático (ato consciente), mas também por valorizar o bairro em si como lugar
187

efervescente e dinâmico (ato inconsciente); afinal, “[...] o espaço social onde melhor se expressa
o sentido da dinâmica cultural e dá forma a novos movimentos urbanos é o bairro, enquanto
território de exibição da resistência e da criatividade cultural [...]” (MARTÍN-BARBERO, 2002,
p. 143).
Os bairros refletem o encontro entre várias culturas, as configurações
arquitetônicas muitas vezes não planejadas e favorece o contraste, a anarquia e a diversidade de
expressões, dentre as quais a pichação, entendida como um texto da cultura que, por um lado,
carrega uma criação subversiva e contestadora, mas, por outro, faz emergir na sociedade o
caráter emblemático, fragmentado, impreciso e caótico da metrópole:

As nossas cidades não têm estilo [...] começamos a descobrir agora que
possuem o que poderíamos chamar um terceiro estilo: o estilo das coisas que
não têm estilo [...] por uma nova disposição de elementos, de texturas, de
fealdades embelezadas por aproximações fortuitas, de encrespamentos e
metáforas, de alusões de “coisas” a “outras coisas”, que são, em suma, a fonte
de todos os barroquismos conhecidos. (CARPENTIER, 1969, p.16).

As cidades da America Latina e, em especial, São Paulo desenvolveram-se muito


em função do fomento industrial. Mais restritamente no caso da Mooca, porém, onde se
instalaram os imigrantes italianos no final do século XIX e que se tornou um polo industrial
desativado, repleto de casarios antigos que convivem com a explosão imobiliária e com suas
construções luxuosas.
O bairro possui inúmeros lugares de lazer e cultura e modifica-se acolhendo
migrantes e imigrantes oriundos de diferentes locais. Tanto as cidades, como os bairros, possuem
a capacidade de rearranjar modos de permanecer no tempo, imitando estilos arquitetônicos
clássicos, misturando estilos de diferentes épocas ou mesmo pela “mistura dos seres humanos e
dos imaginários”.
Nessa mistura, a que Gruzinski (2001) atribui o nome de “mestiçagem”,
coexistem e interconectam-se diferentes sistemas de valores. Nessa perda de noção de unidade,
nesse amontoado desconcertante de misturas, nesse meio altamente complexo, em que centro e
periferia interpenetram-se, é que se encontra a produção residual das “séries culturais”, alvo de
investigação por parte do designer Lassala: “refletir o dinamismo, em contração e expansão,
entre o dentro e o fora, entre o micro e o macro, dos objetos da comunicação e da cultura”
(PINHEIRO, 2009, p. 15).
188

Figura 57 – Algumas das fotos captadas no bairro da Mooca. Fonte: Acervo pessoal do designer Lassala.

Para criar a fonte digital “Adrenalina-sp”, Lassala escolheu caracteres das fotos
realizadas na pesquisa de campo, “o que permitiu uma visita constante e repetitiva às mais de
800 fotos captadas” (LASSALA, 2009).
Os “documentos de processo” foram fotografados e digitalizados, constituindo-se
em fonte de busca constante. O processo dele tornou-se também obra, pois se nota, ao longo de
seus comentários, que seu projeto revelou-se passível de modificações, interferências
permanentes: “Bom, esse é um tipo de trabalho que não tem como esboçar algo no papel.
Devem-se dominar as ferramentas digitais e o processo todo é feito em meios digitais. Existem
esboços, claro, mas é na base da tentativa e erro, direto nos softwares Photoshop e Fontlab”
(LASSALA, 2010).
Salles (2006) salienta que os processos de produção em mídias digitais

[...] têm esse potencial processual em sua intensa agilidade, ou seja, sua
propensão para a rápida e constante metamorfose [...] São obras que tendem a
acontecer na continuidade ou na constante mobilidade das formas. Os limites
entre obras e processos desaparecem a partir de um determinado momento.
(SALLES, 2006, p. 162).
189

É interessante como Lassala assume seu gosto pela atividade, que não se encerrou
após a criação da fonte “Adrenalina” (registrada em seu mestrado e na página da internet); ao
contrário, ele continua fotografando e arquivando imagens de pichações para novas fontes:

Basicamente eu ia fotografar aos domingos, por ser um dia com menos pessoas
nas ruas e menos carros estacionados, facilitando o enfoque das fachadas. No
mestrado fotografei só ruas da Mooca. Para a nova versão da fonte venho
fotografando obsessivamente fotos de pixação por onde quer que eu passe em
São Paulo. Após as fotos (mais de 1.000) busco os caracteres e faço todo o
processo até a finalização da fonte digital. Eu não sou um cara muito
organizado, prefiro trabalhar de acordo com a minha inspiração e vontade.
(LASSALA, 2010).

A foto digitalizada torna-se mais que referência ao longo do processo, na medida


em que, com a técnica digital, a tipografia da pichação é retirada diretamente da imagem “foto” e
transportada para o documento do designer, que, com o auxílio de programas computacionais,
manipula e dá sequência a sua ideia.
Acerca dessa escolha e coleta:

[...] cada caractere ao lado foi “pescado” direto do seu habitat natural e
conduzido à adaptação técnica necessária para se transformar em uma fonte
digital. Vale observar que esse processo de digitalização é sempre um processo
de perda de resolução e qualidade de imagem. (LASSALA, 2009).

Figura 58 - À direita, tipografia digitalizada; à esquerda, fachadas das casas do bairro da Mooca. Fonte:
Acervo pessoal do designer Lassala.
190

Com relação à segunda fase do trabalho, que resultou na fonte “Adrenalina”, o


designer argumenta:

a análise das fotos permitiu, em um passo posterior, a separação de grupos de


letras com proximidade visual e a formação de fontes digitais a partir do
material fotografado. Sendo assim, as fotos e as fontes digitais criadas
formaram um material de preservação e evidência desse tipo de manifestação
registrada. (LASSALA, 2007, p. 45)

Figura 59 – Fonte “Adrenalina” terminada. Fonte: Acervo pessoal do designer Lassala.

Lassala lembra que:

[...] as letras captadas são definidas como tag reto (letras feitas pelas grifes de
pichadores) [...] Tag é um termo que deriva da denominação utilizada pelos
grafiteiros e tem origem em Nova York e quer dizer assinatura. O tag reto foi
difundido pelos pichadores de São Paulo e é mais que uma assinatura, já se
tornou um estilo de letra. Surgiu como elemento diferenciador dos grupos de
pichadores que foram buscando desenhos próprios para as letras, “com quebras
lembrando o estilo gótico” [...] ou até mesmo, influenciados pelas capas de
disco de músicas de punk e rock [...]. Esse estilo de letra é caracterizado por
letras retas, alongadas e pontiagudas, que procuram ocupar o maior espaço
possível no suporte, o surgimento deste estilo de letras típico de São Paulo é
único no mundo [...] Este é o estilo de letra com maior número de intervenções
nos muros da cidade, fato que o levantamento fotográfico realizado na pesquisa
comprova. A visualização repetitiva permitiu a construção de um olhar crítico
sobre o próprio trabalho e a pichação como um todo. (LASSALA, 2009).

Tendo em vista que a pichação encontrada em São Paulo possui características


que a diferenciam das demais expressões populares encontradas no mundo, hipotetiza-se que a
razão para tanto possa ser o caráter plural e antropofágico da cultura brasileira em aproveitar-se
do alheio.
191

Ao devorar o punk e o rock, o fecundante processo evolutivo de entrecruzamentos


provenientes das diferentes manifestações culturais gera a pichação, especificidade que é de uma
intensidade barroco-mestiça. Mas também se deve levar em conta o fato de que “todas as coisas
tendem a permanecer [...] as coisas e objetos, a partir do momento em que se tornam existentes,
‘tentam’ durar, tentam permanecer” (VIEIRA, 2008a, p. 32).
A pichação necessita de “um ambiente” para permanecer, e toda a expressão
cultural envolvida nessa manifestação, que troca informação com outros sistemas, tende a
permanecer, garantindo a semiose como processo evolutivo.
Ainda que seja uma expressão rápida (o pichador, ao invadir telhados de prédios,
viadutos e mesmo os muros públicos e privados, precisa agir rapidamente para não ser flagrado),
a pichação pode ser considerada uma manifestação de caráter dual.
É permanente no tempo, pois cada grupo ou tribo, ao sobrepor o desenho, a
assinatura ou o tipo de letra de outros grupos, num constante duelo pelo espaço, evidencia um
texto cultural (a despeito de sua ilegalidade) cuja complexidade envolve, de um lado, uma
constante efetivação, mas, por outro, essa manifestação mostra-se também efêmera, dado o seu
caráter provisório, uma vez que a intervenção pode ser apagada ou substituída.
Por isso, na sua relação com o tempo, a pichação está sempre fadada ao contraste
entre a permanência e a efemeridade.
Não obstante, o designer consegue congelar a temporalidade do instante por meio
do registro fotográfico da imagem fixa. A pichação, dessa forma, ganha o status da duração,
ainda que apenas pelo tempo necessário à manipulação da imagem ou, então, dependente da
decisão e da espera por adequações que satisfaçam o critério estético do designer, durante a
tradução de uma série cultural para outra (neste caso, a tipografia digital).
192

Figura 60 – Processo de captação e digitalização das fontes


(fotografia, aplicação do filtro no Photshop, inversão das cores, isolamento das letras, preenchimento da
letra e acerto de detalhes, letra final). Fonte: Acervo pessoal do designer Lassala.

Lassala reconhece as limitações da técnica empregada na tradução e reflete sobre


isso:

As letras não possuem exatamente a mesma textura se comparadas a sua


visualização na parede. Para minimizar esse processo de perda, os desenhos
foram manipulados o mínimo possível, alterando hastes, altura ou largura [...] O
processo utilizado teve o objetivo de manter uma unidade no conjunto formando
letras e palavras com coerência visual. O critério de escolha dos caracteres não
se ateve às palavras compostas pelas grifes, muito pelo contrário. Nesse sentido
ele foi aleatório, pois se pode perceber o “y” ou o “r” utilizado por uma
determinada grife de pichadores, mas que no conjunto buscam uma unidade em
si. Os números e todos os caracteres de “a” até “z”, tanto na categoria das
caixas-altas, quanto das caixas-baixas foram formados a partir das fotos.
(LASSALA, 2009).
193

Resistindo a uma oposição binária entre cultura erudita e cultura popular, Lassala
elabora a construção da família tipográfica em caixa-alta (maiúsculas),

privilegiando as letras com desenhos mais rebuscados, preservando texturas e


respingos de tinta, sempre que possível [...] Assim a caixa alta é uma opção
mais “agressiva” de composição, embora o usuário digitando no seu software
tanto caixa alta ou caixa baixa apareçam caracteres maiúsculos [...] a
possibilidade de se compor um texto misturando letras caixa alta e caixa baixa,
que neste caso formarão palavras apenas com letras maiúsculas, mas com
diferença de estilos e com opções de variação de desenho numa mesma palavra.
Assim a fonte digital permite a construção de textos orgânicos e cambiantes.
(LASSALA, 2009).

Figura 61 – Alfabeto em caixa-baixa (minúscula). Fonte: Acervo pessoal do designer Lassala.

Figura 62 – Alfabeto em caixa-alta (maiúscula). Fonte: Acervo pessoal do designer Lassala.

Figura 63 – Composição de palavras com caracteres cambiantes. Fonte: Acervo pessoal do


designer Lassala.

Tomando como modelos os softwares profissionais de produção de fontes, em que


se incorporam variações de desenhos e letras para compor a família tipográfica, Lassala cria os
acentos como novos caracteres, visto que

alguns caracteres de acentuação ou especiais não foram encontrados nas fotos e


foram construídos tendo como base a lógica visual do conjunto restante ou até
mesmo criados a partir do desenho de outros caracteres, por exemplo:
$%&®´¨ªº¿¡@ [...] criar e produzir uma fonte digital de qualidade é um
processo que requer muito trabalho e refinamento, não muito diferente do tempo
em que os antigos tipógrafos fatigavam suas retinas para dar acabamento a uma
minúscula punção de letra. Basicamente, uma fonte digital é um arquivo com
um conjunto de informações contendo não só as letras do alfabeto, mas também
números, ligaturas, pontuações e símbolos. (GAUDÊNCIO JUNIOR;
LASSALA, 2008, p. 60).
194

Figura 64 – Caracteres desenhados tendo como base a lógica do conjunto. Fonte: Acervo pessoal do designer
Lassala.

Figura 65 – Caracteres acentuados. Fonte: Acervo pessoal do designer Lassala.

Acontece que as iniciativas que lhe chegam casualmente desencadeiam novas


ideias, prontas para aflorar, evidenciando um processo de “inacabamento” da obra. Esse
“percurso contínuo em permanente mobilidade” sustenta as teorias de SALLES (2006, p. 20):

Nunca houve pressa e o trabalho não terminou até hoje. Eu atualmente estou
produzindo a versão PRO da fonte55, que inclui letras respingadas e com textura
de tintas. Fonte digital é igual software, você nunca tem uma versão definitiva, é
sempre versão 1, 2; você, com o tempo, vai corrigindo imperfeições, adaptando
e criando outras versões. Podemos dizer que no mestrado concluí um
determinado número de caracteres para que a fonte pudesse ter uma utilização
razoável. (LASSALA, 2010).

Ao transportar os elementos da pichação a outro suporte, como também ao criar


outros signos visuais em amálgama, Lassala imprimiu a memória da rua na sua objetividade
técnica, estabelecendo a comunhão antropofágica do subversivo, que se transforma, ao ser
deglutido, em material renovador e criativo, patrimônio icônico e visual, tanto por razões
culturais, como comerciais.

55
Para os interessados em conhecer a continuidade da tipografia de Lassala, cf.
http://www.flickr.com/photos/lassala/4052947303/.
195

Figura 66 – Fonte digital completa. Fonte: Acervo pessoal do designer Lassala.

Gustavo Lassala Silva acaba de entrar para o seleto time de designers brasileiros
com fontes sendo vendidas comercialmente no mercado mundial, usando como representante o
maior distribuidor mundial de fontes, MyFonts:

Eu tenho uma Type Foundry que é basicamente um selo independente que cria,
produz e vende fontes digitais. O nome dela é BRtype. (www.brtype.com) BR
de Brasil, mesmo. A partir desse nome-conceito busco sempre nomes em
português para as minhas fontes [...] Quando tenho inspiração, opto por nomes,
engraçados, diferentes ou que possam causar falta de entendimento para os
gringos. Essa provocação aos gringos é porque o Brasil é um país desconhecido
nesse ramo e tem meia dúzia de gatos pingados fazendo isso no país [...] A
adrenalina foi a primeira fonte a documentar a pixação brasileira, achei injusto
“roubar” o nome pixo ou pixação. Procurei uma outra palavra que representasse
a pixação de modo “sutil” e inteligente. Essa palavra foi adrenalina; se
entrevistar algum pixador e perguntar porque ele pixa, você vai entender o
nome da fonte. Naturalmente, tentei evitar uma banalização no nome. Mas é
claro que não deu certo. Hoje temos fontes no mercado com nomes como:
Brazil Pixo Reto, Pixo, e Tipo Pixo. Percebe-se que o nome é de certo modo
marketing. Mas como essa não é minha atividade principal eu gosto de tratar
esse trabalho tão estafante, que é produzir uma fonte, com humor em alguns
casos. Como é o caso da minha fonte Boqueta. Em outros casos batizo fontes
com nomes autênticos brasileiros como Arbusto e Borboleta. Enfim dar nome a
uma fonte é como dar nome a um filho ou uma música. Talvez seja um misto de
inspiração, gosto pessoal e um pouco da personalidade de cada um.
(LASSALA, 2010).

Lassala encontrou modos de tradução que resultaram em uma reinvenção, a qual


experimentou a inquietação, a curiosidade e a atividade investigativa.
196

O designer privilegia a heterogeneidade e a diferença dessas séries culturais:


pichação e tipografia digital. A primeira, assimétrica; a segunda, precisa. Uma revela ser imagem
e tipos; outra, tipos e imagens. Ao tecer a trama dessa série, LASSALA (2007) argumenta que
“[...] a pichação deslocada do seu habitat permite uma leitura aberta e distanciada do preconceito
ligado a ela” e expõe o jogo de contaminações que houve na aproximação entre as séries:
manual/digital, aleatório/técnico, ilegal/lícito, informal/formal, constestação/experimentação,
desproporção/proporção, absurdo/coerência, escrito/refletido, anônimo/autoral.
Esse efeito de estranhamento traz, novamente, a reminiscência da tendência desse
processo criativo, que, na bricolagem técnica, conseguiu evidenciar mais do que a simples
duplicação de um modelo de tipografia. No itinerário do designer, inscreveram-se sua tendência à
tradução barroco-mestiça e também sua própria singularidade.

Figura 67 – Pôster produzido com a fonte. Fonte: Acervo pessoal do designer Lassala.
197

III. 2.3 - O passado presente no futuro

O designer Marcos Castanha Junior (ou Kito56, como é conhecido) desenvolve


programas estratégicos de identidade corporativa desde o diagnóstico de posicionamento da
marca no mercado, passando pela proposta de revisão e criação de imagem, conceito e marca, até
o lançamento e a gestão de comunicação de determinada marca:

Sou fundador/sócio da empresa Tre Comunicação Criação Visual EPP Ltda. há


15 anos e atuo na área de produção de ilustrações, design e filmes de
animação/trabalhos plásticos e gráficos nas linguagens vídeo, cinema e
multimídia. Nosso grande desafio é permear a competência do design dentro das
corporações, fomentando o valor do design para a sociedade. (KITO, 2009).

Dentre as áreas de atuação de Kito e os projetos que sua empresa abarca, elegeu-
se aqui refletir sobre o “reposicionamento” de uma marca no mercado. A marca é um nome, um
símbolo gráfico, um logotipo ou a combinação desses elementos e valoriza “[...] qualquer
produto, serviço ou organização na qual as pessoas acreditam que não há substituto”.
Kito (2009) diz que, “de forma simples e eficaz, a Tre Comunicação sugere uma
metodologia que compreenda momentos como: a análise estratégica da marca; a definição da
identidade da marca e a implementação dessa identidade”, de maneira que o fazer do designer
está umbilicalmente ligado à pesquisa de mercado, que envolve os fatores econômicos do cliente,
além dos aspectos sociais e culturais do público alvo.
O valor e o diferencial de uma marca, para garantir a preferência do consumidor,
consistem na atração, no impacto ou ainda na lembrança que ela causará. Em um ambiente
competitivo como o de hoje, a marca é um dos signos visuais que carregam, na sua
representação, mensagens produtoras de efeitos de sentido.
Não obstante haver inúmeras marcas que nascem, morrem ou renovam-se, muitas
outras permanecem no tempo e resistem na memória coletiva de determinada cultura. Algumas,

56
Marcos Castanha Junior é professor universitário (Mackenzie e Senac) e Diretor Geral e de Criação da Empresa
Tre Comunicação (escritório de design montado em 1990), em que atua até hoje. Sua experiência profissional na
área de Design Gráfico encaminhou-o à Fotografia e à Animação, mas principalmente ao planejamento da
construção da imagem de uma empresa (ou de sua Identidade Corporativa). Os argumentos encontrados no texto
sobre processos de criação devem-se à entrevista concedida por Kito, em setembro de 2009, a acessos ao sítio
eletrônico “http://www.tre.art.br/”, a conversas telefônicas e à troca de e-mails (2009/2010).
198

fortes ou não, destacam-se no ponto de venda, atraindo a atenção do consumidor por vários
motivos (símbolo, embalagens, slogans, cor etc.), mas o que fica evidente é o papel da
publicidade, do design gráfico, do marketing e dos profissionais especializados na sustentação da
marca, com o escopo de valorizar-se o apelo sensorial, afetivo e emocional.
A marca, seja de produto, seja de serviço, envolve um conjunto de sinais de
identidade, mas também evidencia a força que ela possui no plano perceptual, ou seja, a marca
agrega potencial, que permite a criação de associações mentais positivas ou não, dependendo da
experiência que o sujeito tenha tido no contato com ela.
Não se pode desconsiderar o fato de que, hoje, um dos aspectos valorizados na
área do marketing57 é não só a marca em si, mas o que ela significa na mente do consumidor.
Esse aspecto revela a força da memória como elemento ativo na elaboração das associações,
preocupação que, aliás, não é nova, haja vista que a memória já era objeto de interesse e motivo
de reflexão por parte de estudiosos do passado:

O grande receptáculo da memória – sinuosidades secretas e inefáveis, onde


(SIC) tudo entra pelas portas respectivas e se aloja sem confusão – recebe todas
essas impressões, para as recordar e revisar quando for necessário. Todavia, não
são os próprios objetos que entram, mas as suas imagens: imagens das coisas
sensíveis, sempre prestes a oferecer-se ao pensamento que as recorda.
(AGOSTINHO, 1999, p. 267).

Não se quer afirmar aqui que a marca transcenda o tempo, mas sim que ela
destaca, sobejamente, o papel da memória (campo movente de singularidades), a qual trabalha a
serviço do universo da impressão e como um filtro que ativa as experiências vividas ou assegura,
de algum modo, o apego à continuidade e à repetição.
Muitas serão as opções do designer ou de outros profissionais para conseguir com
que a atenção do consumidor seja ativada para o consumo, mas, nas estratégias possíveis ao
designer, destaque-se sua preocupação com os atributos voltados à estética visual e com a
qualidade técnica do material impresso que cria.
No entanto, diante dessa gama de liberdade, Kito foi consultado para trabalhar no
“reposicionamento” da marca “Hotel Santa Mônica”, a fim de agregar-lhe valor.

57
Nesta tese, não foi alvo de pesquisa o aspecto referente ao Branding, conceito relacionado ao conjunto de práticas
e técnicas que buscam a construção, o fortalecimento e o gerenciamento de uma marca junto ao mercado.
199

Em razão da urgência conjuntural e das expectativas do cliente, o processo de


criação de Kito orientou-se pelo desmembramento do nome. Sabedor de que a propriedade
passara de pai a filho e que a origem do nome fora dada pelo antigo proprietário como uma
homenagem à filha falecida, Kito ativa a sua própria memória e associa o nome “Santa Mônica”
à mãe de Santo Agostinho (fato desconhecido do novo proprietário).
Invoque-se Ostrawer (1991, p. 7):

As associações nos levam para o mundo da fantasia (não necessariamente a ser


identificado com devaneios ou com o fantástico). Geram nosso mundo de
imaginação. Geram um mundo experimental, de um pensar e agir em hipóteses
– do que seria possível, nem sempre provável. O que dá amplitude à imaginação
é essa nossa capacidade de perfazer uma série de atuações, associar objetos e
eventos, poder manipulá-los, tudo mentalmente, sem precisar de sua presença
física.

Kito trabalha por associação e caminha na direção de um resgate da memória do


nome, ou seja, ele pesquisou o aspecto religioso ligado ao nome “Santa Mônica” e reconstituiu a
história: Mônica, mãe do Santo Agostinho, fez com que seu filho que antes não acreditava em
Deus se convertesse. É invocada quando necessitam de ajuda para a conversão dos filhos. Kito
recorda a oração de Sabta Mônica:

[...] Ó Santa Mônica, que pela oração e pelas lágrimas, alcançastes de Deus a
conversão de vosso filho transviado, depois santo, Santo Agostinho, olhai para o
meu coração, amargurado pelo comportamento do meu filho desobediente,
rebelde e inconformado, que tantos dissabores causaram ao meu coração e a
toda a família. Que vossas orações se juntem com as minhas, para comover o
bom Deus, a fim de que ele faça meu filho entrar em si e voltar ao bom
caminho. (KITO, 2009).

O percurso do designer na criação da marca nasce impregnado de histórias e, a


partir delas, introduz uma ideia base: “A ideia em que me baseei foi no caminho até a luz” (Kito,
2009). Todavia, é notório que o designer restringe seu vigor e operacionalidade criativa ao
partilhar suas ideias com uma equipe, a qual discute as informações fornecidas por ele e os
parâmetros referenciais que Kito considerou importante e, assim, num clima coautoral, as ideias
transformam-se, gerando algo novo, que, indubitavelmente, é modificado a cada intervenção de
Kito.
200

Num clima de liberdade intelectual, o processo de criação é marcado por


“documentos de processo”, que são esboçados em papel, mas rapidamente arquivados pelo
manejo de programas técnicos de computador, e o que parece ser ainda rumo vago e impreciso
vai aos poucos tomando forma:

Tendências são rumos vagos que orientam o processo de construção das obras
no ambiente de incerteza e imprecisão; geram trabalho em busca de algo que
está por ser descoberto. O desenvolvimento do processo leva a determinadas
tomadas de decisão que propiciam a formação de linhas de força que vão dando
consistência aos objetos em construção. Ao longo do percurso vão sendo
estipuladas restrições ou delimitações de naturezas diversas que tornam a
construção da obra possível. As tendências dos processos podem ser observadas
sob o ponto de vista dos princípios direcionadores ou projeto poético e do ato
comunicativo. (SALLES, 2008).

Algumas ideias criativas são postas em suspensão, enquanto outros designers


trabalham na ideia introduzida e objetivando um controle essencialmente econômico das
atividades de trabalho.
Kito desenvolve esse projeto e o de outros clientes (treze projetos estavam sendo
estruturados paralelamente na ocasião da entrevista) sempre em parceria com os designers que
compõem sua equipe. Referindo-se a sua equipe, Kito diz: “Hoje sem ela não realizaria o
trabalho nesta velocidade e sem falar que muitos insights acontecem por membros da equipe e
não por mim, o que na verdade atribuo a mim é a condução e metodologia e o cruzamento de
dados que faço desde que trabalhava sozinho” (KITO, 2009).
Nesse sentido, o raciocínio abdutivo58 de Kito não se faz isolado do contexto
competitivo de mercado. Como diretor de arte, toda mudança conceitual é diretamente exercida
por ele, assim como é aprovada ou não toda ideia que venha somar ao projeto. Nota-se, assim,
que as noções que envolvem temporalidades diversas são bem perceptivas ao designer, que
recorda que, para a conclusão desse projeto, foram necessários: “aproximadamente 45 dias de
pesquisa e mais 20 de criação e desenvolvimento de artes”.

58
É importante recordar que, para PEIRCE (1975), o pensamento apresenta um padrão similar aos três tipos de
raciocínio: dedução, indução e abdução. Essas funções da mente cognitiva são responsáveis pela formação de certos
hábitos de inferência. A indução, necessariamente, não pode originar ideias novas, pois tende a confirmar ou não as
hipóteses levantadas pelo raciocínio. A abdução introduz ideias novas e torna-se responsável pelas descobertas
criativas. Já a indução torna eficaz o argumento e o passo conclusivo do raciocínio.
201

Foge da capacidade investigativa descrever, em termos de processualidade, todo o


trabalho dos designers envolvidos em temporalidades complexas, mas fica evidente que as
tendências, os impulsos e as inclinações criativas possuem a natureza da incompletude ou do
“inacabamento”, levando-se em conta que o projeto constrói-se à medida que se concretiza a
troca coletiva, num movimento de ir e vir de ideias, as quais apelam para respostas múltiplas,
mas que são dirigidas pelo estímulo de Kito, o qual coordena e ajusta o processo.
As ideias, que, a princípio, não tinham ordem, vão-se ajustando, e as
temporalidades heterogêneas, que constituem as criações dos designers, convivem sem se anular
e fundem-se, regidas pela mediação do tempo imposto pelo cliente.
A marca nasce fortalecida na sua identidade:

O produto carrega expressões das instâncias de elaboração e de produção:


cultura e tecnologia [...] Quando ele entra em circulação, além de portar essas
expressões, passa a ser também um elemento de comunicação – não só portando
informações objetivas, mas passando a ser suporte também de mensagens do
usuário para si próprio e para os outros. (NIEMEYER, 2003, p. 14).

Figura 68 – Arquitetura da Marca Santa Mônica. Fonte: Acervo pessoal do designer Kito.

A marca torna-se, em suma, “memória” ao expor o drama vivido pelo cliente. Ao


mesmo tempo que a imagem ativa as lembranças que se mantêm no tempo, afirmam-se, como
fragmento bricolado, a força do nome (Mônica), a força da religião (Santa Mônica), a beleza da
paisagem (estrada, campo, céu, sol) e o contraste tonal da paisagem latina (cores frias – verde e
azul – e cores quentes – laranja com fundo branco, que difunde luz).
Todos esses elementos convivem, permitindo ao leitor da imagem perceber a
materialização híbrida da comunicação que une a técnica à cultura, fusão que traduz em
202

linguagem gráfica a simplicidade arquetípica do imaginário, dando sentido à vida bucólica do


campo.
Esse signo, como indicial, sinaliza o convite aos olhos para deixar a paisagem
urbana, seguir por uma estrada e reportar-se ao lugar de descanso após uma viagem (no caso, o
Hotel Estância Santa Mônica), mesmo à custa de que a imagem pareça comum aos sentidos.

Figura 69 – Arquitetura da Marca “Santa Mônica” e opção com tagline. Fonte: Acervo pessoal do designer
Kito.

Para as diretrizes do manual de identidade da marca, o designer elaborou, com


objetividade técnica, um padrão que pudesse servir aos materiais impressos e digitais, de forma
que a informação da marca e o seu conceito seriam visibilizados com coerência. Kito explica:

As diretrizes do manual têm por finalidade apresentar um padrão de condução


da marca Santa Mônica em seus materiais impressos e digitais, a fim de
construir uma hierarquia de informação na identidade desta empresa. Deve-se
reconhecer a importância de se manter um padrão na confecção das peças
gráficas digitais e impressas para que sejam obtidos resultados coerentes na
identidade. As peças gráficas, aqui apresentadas, trazem informações técnicas
necessárias para a orientação de produtos de futuros trabalhos que envolvam
tais especificações. (KITO, 2009).

Em uma linguagem mais técnica, Kito aprova o “Manual de identidade visual” e


nele revela:
203

A assinatura Santa Mônica é composta por até quatro elementos: Logotipo


(componente) ''Hotel estância", Símbolo, Logotipo: "Santa Mônica" e Tagline
"A sua casa no campo". Eles formam uma imagem sólida e elegante com
proporções e disposições devidamente especificadas e configuradas. Elas não
devem nunca ser recriadas ou alteradas [...]. (KITO, 2009).

Figura 70 – Elementos da Assinatura “Santa Mônica”. Fonte: Acervo pessoal do designer Kito.

A tipografia que intensifica a força expressiva do nome aparece como resultado


de uma criação modesta e efetiva, e as demais informações técnicas (aspectos que não serão
abordados) são apontadas como fundamentais para “a fixação do valor visual promovido pela
identidade da marca Santa Mônica” e envolvem espaçamentos, medidas para a aplicação, paleta
de cores, controle de fundos, composição etc.
204

Figura 71 – Malha construtiva (página nº. 8 do manual de identidade da marca). Fonte: Acervo
pessoal do designer Kito.

Kito esclarece que “outras composições de grafismos são criadas a partir da


representação de formas orgânicas sintetizando as vegetações existentes no Hotel Estância Santa
Mônica”. Esses grafismos podem ser aplicados em todo material institucional, como envelopes
de diferentes tipos, veículos automotivos, sítios eletrônicos, e-mail, banner para internet etc.

Figura 72 – Grafismo Padrão para material institucional. Fonte: Acervo pessoal do designer Kito.

Figura 73 – Aplicações da marca no envelope “ofício”. Fonte: Acervo pessoal do designer Kito.
205

Figura 74 – Aplicações da marca: adesivos para veículos. Fonte: Acervo pessoal do designer Kito.

“A Marca Santa Mônica se apresenta, exclusivamente, com três subdivisões;


Fogão da Fazenda Gourmet, Empório Hotel Santa Mônica, Santinhos do Santa Mônica” (KITO,
2009). Para essas extensões da marca, Kito inicia a criação das submarcas, partindo da
observação do contexto em que está inserido o Hotel e compartilhando a experiência criativa
dessas submarcas: “A chave desta marca está no naming que remete à relação de fazenda,
trazendo em alguns detalhes da comunicação do restaurante o DNA da Marca e a essência da
fazenda com seus hábitos e peculiaridades” (KITO, 2009).

Figura 75 – Arquitetura da submarca: Fogão da Fazenda. Fonte: Acervo pessoal do designer Kito.

Para a submarca do Empório, ele comenta: “a moldura que remete ao Art


Nouveau tem profunda ligação com os imigrantes que traziam ou copiavam seus mobiliários para
estes estabelecimentos comerciais onde geralmente eram os proprietários” (KITO, 2009).
206

Figura 76 – Assinatura da submarca: Empório. Fonte: Acervo pessoal do designer Kito.

Nota-se que, mediante a seletividade de uma série de elementos e de associações


convocadas conscientemente, Kito organizou seu projeto, mantendo, juntamente com a força do
nome, signos visuais carregados de sentido.
Imbuído de um modo de operar, as submarcas nascem impregnadas de qualidades
abertas a interpretações múltiplas. As experiências interpretativas diversas podem suscitar, por
vezes, um movimento interrogativo, lembranças ou simplesmente o reconhecimento perceptivo
do indivíduo que se identifica com a imagem.
Todavia, não se pode esquecer que o cliente, ao contratar um designer, deseja que
sua marca permaneça no tempo.
Para a recreação infantil, cria a submarca “Santinhos do Santa Mônica”. Kito
explica que a ideia levou em conta “a relação entre educar e brincar (fazer arte) ao mesmo
tempo; afinal esse é o intuito dos monitores, sendo assim ‘Santinhos dos Santa Mônica’ possui
um aro de anjo, com cauda de capetinha” (KITO, 2009).

Figura 77 – Assinatura da submarca: Santinhos do Santa Mônica. Fonte: Acervo pessoal do designer Kito.
207

Surge aqui uma memória imaginativa que brota da continuidade da vida e ajuda
na compreensão de que a tradução operada durante o processo de criação nunca esteve
divorciada da prática do designer, qual seja, de criar signos que contam e até mesmo inventam
novas histórias.
A intenção que alimenta as ideias criativas é a vivência passada, são os vínculos
culturais, a relação com a natureza e com o humano. Essas características, que afetam a produção
dos designers, proporcionam a reconstrução da marca no tempo presente e sua permanência no
futuro.
Os designers experimentam, durante o tempo de execução do projeto, o tempo
linear, que submete o processo de criação à urgência das relações sociais envolvidas entre cliente
e agência.
Ao perceberem tamanha complexidade, lutam com o tempo mensurável e
empreendem esforços para que o tempo torne-se potencial de suas possibilidades criativas. A
experiência temporal do processo de criação da marca “Hotel Estância Santa Mônica” apresenta
simultaneidade com outros projetos, dos quais Kito também participou.
Nesse contexto, sem desconhecer fronteiras que limitam o trabalho, o designer
cria, acompanha e interfere em cada projeto, sem perder a consciência das soluções estéticas
envolvidas no processo de criação, bem como as limitações que envolvem os prazos, os
orçamentos e as necessidades de todos os clientes.
Essa realidade, no seu cotidiano, evidencia que a temporalidade do designer
experimenta, durante o processo de criação, uma verdadeira rede de temporalidades superpostas
e heterogêneas, de tal forma que o nível de seu desempenho depende, em grande parte, da
capacidade que demonstre em resolver questões, que, no fundo, não passam de questões de
competência, nos vários planos que envolvem seu trabalho.
Após o briefing fornecido pelo cliente, Kito experimenta sozinho a atividade
mental, que detém a dificuldade do projeto, e, então, prossegue num esforço para encontrar uma
solução, auxiliado pelo empenho de sua equipe.
Após absorverem os conceitos iniciais, escolhem caminhos prováveis e
compartilham ideias. As ideias são subordinadas a Kito, que as reduz ou amplia e até mesmo
aceita o princípio formal em favor da conveniência, das opções.
208

A aprovação ou a desaprovação estão, portanto, sujeitas a julgamento crítico,


embasado no critério reflexivo, técnico, estético e prático, no sentido de ser viabilizado e
interessante do ponto de vista do cliente.
Referindo-se ao término do projeto, Kito reflete: “na maioria das vezes acredito
que possa melhorar mesmo com o cliente amando o trabalho, mas isso é natural [...]”(KITO,
2009).
O processo criativo, em agência de design, conhece restrições, renúncias,
inconsistência e obstáculos, mas também experimenta propósitos, entusiasmos, espírito de
equipe, continuidade e persistência. A enumeração desses predicados tem alcance amplo e está
longe de ser norma ou padrão para a ação.
Seria mera pretensão supor que a totalidade da experiência coletiva das agências
pudesse resumir-se nessa estrutura. Em cada caso, a ênfase criativa da agência depende de
inúmeros fatores e objetivos vários, interligados a interesses que se interpõem constantemente,
como é o caso da concorrência implacável e da necessidade do lucro.
O resultado do projeto, voltado ao “reposicionamento” da marca no mercado,
destaca a razão fundamental que circunscreve a marca: permanecer no tempo, ocupando para
isso um lugar de pregnância na memória, numa tentativa de bloquear o esquecimento.
O trabalho coautoral de Kito com sua equipe e o processo de criação da marca
“Santa Mônica”, unem o passado e o presente, abrindo caminhos para sua permanência no
tempo.

III. 2.4 - Fazer design: temporalidades materializadas em produtos comunicativos

Pode ser oportuno revisar os aspectos comuns do processo criativo dos designers
citados não para procurar modelos e paradigmas de criação, mas para, na medida do possível,
conhecer a natureza múltipla de tais processos, sobretudo no que diz respeito à amplitude de
ações e de contextos em que se visibiliza a pró-atividade dos sujeitos. Há de que ficar claro que,
nessas tendências comuns, “[...] admite-se, portanto, a impossibilidade de se determinar com
nitidez o instante primeiro que desencadeou o processo e o momento de seu ponto final. É um
processo contínuo, em que regressão e progressão infinitas são inegáveis”. Salles (2001)
continua:
209

[...] Essa visão foge da busca ingênua pela origem da obra e relativiza a noção
de conclusão. Como cada versão contém, potencialmente, um objeto acabado e
o objeto considerado final representa, de forma potencial, também, apenas um
dos momentos do processo, cai por terra a ideia da obra entregue ao público
como sacralização da perfeição. Tudo, a qualquer momento, é perfectível. A
obra está sempre em estado de provável mutação, assim com há possíveis obras
nas metamorfoses que os documentos preservam. (SALLES, 2001, p. 26).

Dessa forma, ainda que esgarçada, pôde-se observar o processo de criação dos
designers Sílvia e Júlio Cesar, Lassala e Kito. Perceberam-se os aspectos comunicativos e as
diferentes temporalidades que envolveram cada projeto a partir de uma perspectiva geral e,
simultaneamente, das experiências individuais de cada sujeito.
Observaram-se, também, as tendências emergentes do processo sob o âmbito da
cultura por meio da integração dos elementos textuais, visuais, táteis, com o conjunto de valores
simbólicos de significados vários, tanto econômicos, como sociais, religiosos etc.
A experiência dos referidos designers foi resultado da interação de uma série de
condições, as quais implicaram ora elaborar, no percurso livre da vontade, projetos autorais
(Lassala), ora satisfazer as exigências dos clientes (Sílvia, Júlio Cesar e Kito), salvaguardando
suas respectivas atitudes inventivas, pois souberam aproveitar o “momento oportuno” (Kairós)
para, no ato criador, trabalharem o processo de recriação de uma memória.
Todos souberam traduzir em códigos visuais o que haviam retirado do passado, da
história e da cultura:
Uma ação com tendência, certamente, complexa [...] Uma atividade ampla que
se caracteriza por uma sequência de gestos, que geram transformações múltiplas
na busca pela formatação da matéria de uma determinada maneira, e com um
determinado significado. Processo que envolve seleções, apropriações e
combinações, gerando transformações e traduções. (SALLES, 2001, p. 27).

Sílvia e Júlio Cesar converteram os eventos realizados no passado da empresa em


conteúdo comunicativo, sob a forma de painel mesclado por textura, imagem, formas e palavras.
Ao escolherem determinados arranjos, colocam em prioridade alguns elementos
gráficos e no resultado ficam evidentes as múltiplas interpretações que se tornam possíveis ao
olhar do observador.
210

Uma dessas interpretações diz respeito à valorização do tempo passado/presente e


do presente/futuro, delimitado pelo incômodo espaço que possui o painel. No registro gráfico
detalhado, conseguiu-se condensar o tempo no espaço e engendrou-se uma estratégia para que a
história (por vir) pudesse ser passível de permanência.
O resultado da obra vai além de ser um veículo de informação, pois o painel
apresenta a abstração para um público urbano vasto, familiarizado ou não com a empresa.
Significa que os designers Silvia Cabral e Júlio Cesar e a competência profissional de ambos,
conseguiram demonstrar a evolução da empresa no tempo, a par de contar sua história e
contribuição social ao preservar sua memória.
Essas características, guardadas as devidas proporções, foram vivenciadas por
Kito e sua equipe. O projeto levou em conta uma investigação acerca do nome: “Mônica”. E,
pelos documentos do tempo passado, procurou manter a memória ligada do nome, ao agregar
nele um significado espiritual ou religioso.
No desenrolar do processo, agregaram-se outros valores simbólicos e culturais, a
exemplo do calor, da paisagem, da cor, da luz. Dando forma ao ato mental e intencional, propôs-
se a solução para um problema concebido pelo cliente.
Parafraseando Salles (2001, p. 27), foram “gestos formadores que se revelam, em
sua intimidade, como movimentos transformadores da mais ampla diversidade”: cores
transformadas em paisagens; história, em imagem memorativa; e a vida sendo celebrada em
registro gráfico no tempo.
Na experiência de Lassala, admirou-se aqui seu interesse pela pichação e pela
linguagem que potencializa a liberdade, a inteligência e a transgressão coletiva de determinados
grupos sociais.
Destacou-se a complexidade desse texto cultural, mas se valorizou o modo de
elaboração de um trabalho autoral de tipografia a partir de um texto da cultura. O estímulo
externo, projetado sobre seus sentidos, acionou sua memória, que estava assentada em sua
experiência e hábito com a pichação.
Para Peirce (1931), a incorporação dos hábitos (tendências adquiridas) está
relacionada com a continuidade entre as experiências, os contextos e as ações que levam o
indivíduo a “comportar-se de forma similar sob circunstâncias similares no futuro”.
211

Ao romper com os hábitos, surge a possibilidade de criação e a incorporação de


novos hábitos e crenças. Então, Lassala, pela percepção, interpreta a pichação e a traduz em nova
linguagem, e o analógico transforma-se em digital; afinal “[...] percebemos aquilo que estamos
preparados para interpretar [...] enquanto isso deixamos de perceber aquilo para o qual não
estamos preparados” (PEIRCE, 1977, p. 227).
Daí decorre sua perseverança em sempre experimentar outras formas de
comunicar e, com seu repertório tecnológico, ora apropria, ora transforma e ajusta a referência
visual fotográfica.
Assim, todos os aspectos envolvidos na processualidade da criação são aliados à
temporalidade decorrente da percepção do designer, que, no seu tempo, elabora esquemas
mentais para representar seu projeto.
Portanto, os designers Silvia e Júlio Cesar, Lassala e Kito experimentam
características comuns durante o processo de criação de seus projetos, podendo-se sustentar que:
Há, portanto, padrões comuns a várias experiências, não importa quão diversas
sejam uma da outra nos pormenores de seu tema. Há condições a serem
preenchidas nas quais uma experiência não pode vir a ser. O esquema do padrão
comum é dado pelo fato de que toda experiência é o resultado de interação entre
uma criatura viva e algum aspecto do mundo no qual ela vive. (DEWEY, 1985,
p. 95).

“A criação é, assim, observada no estado de contínua metamorfose: um percurso


feito de formas de caráter precário, porque hipotético”. O produto surge “[...] como resultado de
um longo percurso de dúvidas, ajustes, certezas, acertos e aproximações. Não só o resultado, mas
todo esse caminho para se chegar a ele” (SALLES, 2001, p. 25).
Posto isso, cabe lembrar que a abordagem generalizada sobre processos de criação
na área do design procurou tecer, durante a investigação, uma proposta de leitura semiótica da
qual resultem todas as variedades possíveis de semioses ou processos de significações.
Em outras palavras, a semiótica generalizada proposta por Peirce (1975) ajudou
na descrição da natureza empírica do objeto, uma vez que a complexidade que envolve a criação
e a mente cognitiva, com todos os padrões de pensamento, requerem da parte do examinador
uma observação baseada em probabilidades.
Por outro lado, para entender a cultura como um grande texto, recorreu-se a uma
teoria que pudesse tratá-la como um sistema semiótico (MACHADO, 2007).
212

Sob o prisma da tradução, os designers geraram informações e, durante o processo


de criação, foram sendo conduzidos por percepções aliadas à simultaneidade da experiência, que
faz coincidir reflexão e ação.
Toda essa semiose reafirma que, durante o processo de criação, ao invés de uma
linha do tempo, o que se tem é um emaranhado de tempo: um fluxo do tempo externo e variações
infinitas, um tempo informal, plástico.
De igual modo, notou-se não serem lineares as ações que os levam a produzir.
Muitas vezes, as ações foram imprevistas sob a dimensão da “dinâmica e do complexo”, que
envolve todo o processo:

No contato com diferentes percursos criativos, percebe-se que a produção de


uma obra é uma trama complexa de propósitos e buscas: problemas, hipóteses,
testagens, soluções, encontros e desencontros. Portanto, longe de linearidades, o
que se percebe é uma rede de tendências que se interrelacionam. (SALLES,
2001, p. 36).

Essas tendências de “encontros e desencontros” que ocorrem durante o processo


de criação, descritas por Salles, destacam o que salienta Prigogine, quando, em outros termos,
diz que a entropia desempenha um papel central nos processos evolutivos e que,
necessariamente, perder rendimento ou experimentar a “desordem” pode tornar-se fonte de auto-
organização.
Assim, todo processo criativo supõe um sistema complexo e pode apresentar
vários comportamentos diante dos “caminhos bifurcados” que se apresentam no processo de
criar. O conceito de “ordem por flutuação”, discutido por Prigogine & Stengers (1984), revela
que, em um ponto de bifurcação, a trajetória futura de um sistema é definida pelas suas
flutuações, de modo que, ao desestabilizar-se um sistema, este retoma a busca por uma nova
trajetória, um novo caminho, uma nova tendência ou solução possível.
O processo de criação vivenciado pelos designers (Silvia e Júlio Cesar, Lassala e
Kito) apresenta tendências a caminhos bifurcados, a repetições, a mudanças e a permanências, ou
seja, nota-se um tempo assimétrico, não linear, não determinista.
213

CONCLUSÃO

Espera-se ter sido possível entender-se o design como linguagem que assume as
características de seu tempo, como campo de confluência interdisciplinar, de ampla
representação gráfica e aberto a diversas atuações de profissionais, cujas práticas de projetos
dependem da configuração do mercado.
O design brasileiro ajudou a escrever a história e contou a história do seu fazer.
Ao refletir seu entorno, assume o papel de tradutor de signos visuais, legitimando-se na esfera da
produção e da expressão da criatividade, pois permite a si novas experimentações. O design
gráfico é uma área plural quando mistura elementos heterogêneos e incorpora a cultura para
expressar valores e destacar a produção de sentido.
Por intermédio de um retorno rápido no tempo e um deslocamento de olhar para o
passado do design gráfico, percebeu-se o embate de teóricos pela legitimação do “estilo
brasileiro de fazer design”.
Por isso, para posicionar o design brasileiro como atividade legítima da cultura
nacional, empreendeu-se aqui um pensamento que se valeu da metáfora antropofágica, a fim de
evitar-se o fascínio pela “identidade”.
Para reduzir a tensão das discussões que cercam esse termo, valorizou-se a
miscigenação como característica de enriquecimento da cultura do país e, para compreender-se o
design gráfico nesse contexto, a proposta foi destacar, de forma ampliada, o conceito de
“identificação”, que supõe a mistura. É na identificação com o que está fora que se aceita a
comunhão entre as fronteiras e que se permite a conexão com outros saberes. É na identificação,
em suma, que o design destaca-se, em meio à multiplicidade de redes diversas, materializadas
em signos gráficos.
Cada projeto pode ser lido na relação com qualquer outro modelo ou estilo: por
sucessão, por semelhança, por resistência, por justaposição, por ruptura ou por continuidade. O
que importa é que o signo faz-se vivo na expressão das ideias – aspecto tipicamente barroco.
Dessa maneira, considerando a abrangência do tema aqui tratado, caminhou-se na
tentativa de integrar as experiências criativas dos designers gráficos num cenário ampliado da
história, pois se entendeu que o ato de criar humano, seja em que área for, faz parte de uma
realidade maior, intrincada em complexidade.
214

Optou-se, por isso, em apoiar-se na Teoria Geral dos Sistemas (TGS), como
suporte à investigação, nunca perdendo de vista que a realidade é sistêmica, em virtude de que se
pode vincular alguns parâmetros do pensamento sistêmico a processos de criação.
Para conhecer o objeto, qual seja, o design gráfico e os processos criativos de
diferentes designers, insistiu-se, a título de analogia, nas observações dos fenômenos que
moldam a realidade da vida e do Universo, por entender-se que tais sistemas são altamente
complexos, já que não seguem um padrão regular, apresentam mudanças bruscas de
comportamento e experimentam a dinâmica dos processos caóticos, dos quais emergem várias
bifurcações.
Pôde-se descrever, de forma global, assuntos como a história, a cultura, o design e
os processos de criação de designers. Direcionou-se o diálogo a tais áreas, pois estas também se
apresentam como sistemas complexos, uma vez que abarcam, na sua estrutura, graus de
turbulência, experimentando fases de ruptura, de regularidade, de auto-organização e de caos.
Sendo sistemas não lineares, caminham por constâncias e variações para também gestar o novo,
mediante o diálogo com o meio. Por isso, foram observados a partir do pressuposto de que
sistemas complexos apresentam fraca previsibilidade.
Foi possível encontrar, nas ideias de Prigogine, a descrição das estruturas de um
sistema vivo como uma estrutura dissipativa (ora aberto, ora fechado, quanto ao fluxo de energia
e de matéria) e, na termodinâmica, a sinalização dos problemas das perdas, da entropia, da
irreversibilidade e da evolução, e que o novo surge de certa ruptura do equilíbrio, o qual tende,
por sua vez, à auto-organização, à estabilidade e, de novo, ao equilíbrio. Essa dinâmica, que,
continuamente, se refaz pela adaptação, aponta para o todo ampliado da vida, pois a natureza,
como processo evolutivo, caminha para fases de ruptura a fim de, em seguida, gestar uma nova
regularidade (organização, ruptura, desorganização, novo equilíbrio). E assim permanentemente.
Buscou-se, então, uma adequação da visão sistêmica com a expansão da
Semiótica de Peirce, que mostra a complexidade do humano em lidar com aspectos de seu
ambiente, também complexo.
Interessou compreender aspectos da cognição, que move a criação, e da
complexidade, que permite a realização de representações (domínio da semiose). Nesse viés
investigativo, acomodaram-se os códigos próprios do design gráfico com os inúmeros sistemas
de signos presentes na cultura e, na perspectiva da Semiótica da Cultura, pôde-se endossar o fato
215

de que os sistemas de signos, traduzidos em suas especificidades por diferentes designers, são
possibilidades de significar e dar sentido aos atos do pensamento.
A abordagem sistêmica que se procurou descrever nesta tese de doutoramento
apresenta uma grande convergência com os aspectos propostos pelos Annales, cuja noção apela
para o plano da realização da sociedade, da civilização e para o que diz respeito à vida do
homem, no que estão compreendidos a sua subjetividade, os seus hábitos e os comportamentos.
Foi chamada de École des Annales, porque apresentava uma concepção diferente
do tempo histórico, que se interessava pelo cotidiano, pelas mentalidades, pelas atividades
humanas não registradas em documentos oficiais e, por isso mesmo, admitia a coexistência de
velocidades e de temporalidade distintas. Tempo que traduz o ser humano com o meio
econômico, social, demográfico e cultural que o cerca e convida-o ao “tempo longo”: "o reino do
habitual, do rotineiro” (BRAUDEL, 1987, p. 19), em que é possível perceber “[...] o passado da
cultura, através de códigos e desvios, que vão lentamente condensando e reorganizam e
atualizam os modos de produção do futuro [...]” (PINHEIRO, 2009, p. 22). Destarte, ao codificar
e decodificar mensagens, o designer traduz novos sistemas de signo, os quais se dirigem contra o
esquecimento.
Particularizando o conceito de “tempo”, pode-se dizer que se tem consciência de
um passado, de um presente e de um futuro, mas se tem também a ilusão de que o tempo
prossegue para sempre e, muitas vezes, desenvolve-se o sentimento ancestral e intuitivo de que
todas as experiências durarão.
As pessoas tentam agarrar-se ao tempo, especialmente quando observam sua
passagem, seu desgaste nas coisas e o fim de todas elas no tempo. Num esforço progressivo pela
permanência, valem-se de mecanismos, expressões e registros que, de alguma forma, imprimem
uma marca e saciam sua busca por referência.
Nesse sentido, percebe-se que os designers trabalharam, ainda que
inconscientemente, com essas questões. Para executarem projetos e serem bem sucedidos como
profissionais, esperam que seus clientes fidelizem um relacionamento com seus serviços.
Os clientes, por sua vez, esperam que o resultado do empreendimento redunde em
memória e que o retorno do leitor da imagem, do consumidor ou do receptor, de igual modo
traga investimento, gere também memória afetiva, garanta fidelidade e lucro.
216

Para isso se efetivar, os designers projetaram engrenagens que sustentassem um


painel e, dessa forma, construíram um memorial pleno de história. Na revitalização de uma
determinada “marca”, garantiram a permanência dela no tempo. Na tradução digital da
manifestação da pichação, fez-se durar o que antes tendia ao efêmero.
Essas produções seriam impensáveis sem a mediação do tempo (Ckronos), que,
no seu fluxo, evidencia diversas temporalidades subjetivas dos designers, os quais viabilizaram
seus projetos ao aproveitarem o tempo oportuno da criação (Kairós).
O resultado das produções pode ser percebido facilmente, e o juízo estético do
receptor é livre para apreciá-las ou não. Todavia, a existência de outra intenção, talvez não tão
eloquente, mas que se vincula ao processo de criação e ao resultado de toda criatividade humana,
agrega memória – a ideia de um valor permanente no tempo.
Reconheceu-se que os “processos de criação”, em toda sua tendência e trajetória,
buscam adaptar-se e evoluir para permanecer no tempo (Aiôn).
Evidentemente, as direções apontadas acerca dos processos criativos na área de
design estão ainda por serem exploradas, e é nisso mesmo que reside a força e o percurso
argumentativo desta pesquisa, haja vista que a intenção nunca foi prover respostas, senão, ao
contrário, identificar um processo aberto, com espaço para questionamentos, contribuições e
críticas. Isso porque se trata de empreitada inacabada e não definitiva.
Por essa razão, revelou-se conveniente deixar vagas as questões relacionadas às
diferentes temporalidades em criação, pois se admitiu que a criação humana não pode estar
associada a um único tempo ou a uma única situação determinada. Essas questões, tão férteis,
atestam a incompletude das discussões aqui levadas.
Então, a metáfora de Benjamin pode ser aplicada tanto na experiência dos
designers, como na experiência desta pesquisa, que me permite agora mudar o tom - da abstração
de um tratado a uma subjetividade de uma narrativa -, especialmente quando Benjamin valoriza
toda a “ação de busca”, mesmo sob pena de “não se poder encontrar”, e diz:

[...] além de um plano, em uma escavação é igualmente indispensável o golpe


sensível e experimental da pá na terra escura e perde o melhor quem só
conserva o registro escrito o inventário de seus achados e não a obscura
felicidade do local encontrado. (BENJAMIN 1983 apud MATOS, 1992, p.
254).
217

Lancei mão da pá, escavei o solo. Enfrentei caminhos bifurcados, percorri


labirintos e tive a sorte de encontrar o desconhecido e a mim mesma, ora indignada com a
persistente ameaça de caos, ora reconciliada com a luta que travei pela ordenação.
Nessa procura ansiosa, cercada pelo incômodo sentimento de “instabilidade e
insegurança”, o engodo da “permanência” revelou-se a mim, extremamente sedutor. Friso assim,
o limite desta contribuição, que se reunirá aos que ainda se surpreendem com a descoberta;
afinal, a conclusão de W. Benjamin (1983, p. 597 apud MATOS, 1992, p. 254) me é
consoladora: “procurar em vão é tão importante quanto ter a sorte de encontrar”.
218

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