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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2019.0000514624

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº


1109302-45.2017.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante
JANAINA BRANDÃO TURQUETI (JUSTIÇA GRATUITA), é apelado CASSI CAIXA
DE ASSISTÊNCIA DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 2ª Câmara de Direito


Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram
provimento em parte ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que
integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores MARCIA DALLA


DÉA BARONE (Presidente sem voto), JOSÉ JOAQUIM DOS SANTOS E ALVARO
PASSOS.

São Paulo, 28 de junho de 2019.

Rosangela Telles
Relatora
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

VOTO Nº: 13761


APELAÇÃO Nº: 1109302-45.2017.8.26.0100
APELANTE: JANAINA BRANDÃO TURGUETI
APELADA: CASSI CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO
DO BRASIL
COMARCA: SÃO PAULO FORO CENTRAL CÍVEL
JUIZ: RODRIGO GALVÃO MEDINA

APELAÇÃO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER.


PLANO DE SAÚDE. FERTILIZAÇÃO IN VITRO.
Apelante que pretende compelir a apelada a arcar com as
despesas de tratamento de fertilização in vitro.
Possibilidade. Paciente que se encontra próxima da idade
madura para conceber, apresentando quadro de infertilidade.
Medida que visa a assegurar o direito constitucional de
proteção à maternidade (CF, art. 6º). Tratamento, ademais,
que se enquadra no conceito de planejamento familiar, nos
termos do art. 35-C, III, da Lei 9.656/98. Precedentes
jurisprudenciais. Número de tentativas, outrossim, que
deverá se limitar a três ciclos, podendo haver novo pleito
antecipatório em caso de insucesso. Sentença parcialmente
reformada. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

Cuida-se de recurso de apelação interposto contra a r. sentença


de fls. 353/364, cujo relatório adoto, que julgou improcedentes os pedidos
elencados na petição inicial, condenando a apelante a arcar com as custas, as
despesas processuais e os honorários advocatícios sucumbenciais, fixados em R$
3.500,00.

Alega a apelante, a fls. 367/383, em síntese, ter sido


diagnosticada com infertilidade feminina, baixa reserva de óvulos e hipotireoidismo,
de modo que não se mostra possível a fertilização natural. Sustenta não possuir
condições financeiras para realizar o tratamento necessário. Aponta previsão
expressa da Lei nº 9.656/98 no sentido de ser obrigatória a cobertura de
atendimento para os casos de planejamento familiar. Busca a reformada r. decisão.

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Recurso regularmente processado, com a apresentação de


contrarrazões a fls. 394/410.

Não houve oposição ao julgamento virtual.

É o relatório.

Inicialmente, cumpre ressaltar que a r. decisão guerreada foi


proferida sob a égide do Novo Código de Processo Civil. Desse modo, quando da
interposição deste recurso, já vigia a Lei nº 13.105/2015, razão pela qual as
disposições desta legislação devem ser observadas.

Cuida-se de ação de obrigação de fazer ajuizada pela recorrente


JANAÍNA BRANDÃO TURQUETTI, pretendendo compelir a recorrida a arcar com
todas as despesas decorrentes da realização de tratamento de fertilização in vitro
que lhe fora prescrito, tendo em vista os empecilhos patológicos (diagnóstico de
infertilidade feminina, baixa reserva de óvulos e hipotireoidismo fls. 30) que
inviabilizam a geração de um filho. Inclusive, o seu marido também apresenta
quadro de infertilidade.

O Juízo a quo, por sua vez, após o regular processamento do


feito, houve por bem julgar improcedentes os pedidos elencados na petição inicial,
dando azo à interposição do presente recurso.

Pois bem.

Compreendo que a tutela de urgência concedida por esta E. Corte


nos autos nº 1109302-45.2017.8.26.0100, a despeito do entendimento do Juízo a
quo, deva ser confirmada, com o acolhimento parcial do presente pleito recurso.

Com efeito, extrai-se que a apelante JANAÍNA encontra-se em


data limite para conceber (nascida em 23.03.1976) apresentando, de acordo com o

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relatório médico de fls. 35, quadro de infertilidade feminina e baixa reserva de


óvulos (disfunção ovariana), o que, por certo, faz com que lhe seja indicada a
fertilização in vitro como método essencial para dar azo à concepção.

Vale lembrar que a proteção à maternidade constitui um direito


social expressamente previsto no artigo 6º da Carta Magna. Exatamente para
preservar essa garantia constitucional que a Lei 11.935/09 acrescentou o inciso III
ao artigo 35-C da Lei 9.656/98, tornando obrigatória a cobertura de atendimento em
situações que envolvam o planejamento familiar.

Merece destaque o referido dispositivo legal:

Art. 35-C. É obrigatória a cobertura do atendimento nos casos:


I - de emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato de
vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizado em
declaração
do médico assistente;
II - de urgência, assim entendidos os resultantes de acidentes pessoais
ou
de complicações no processo gestacional;
III - de planejamento familiar.
(g.n.)

A expressão planejamento familiar, por sua vez, vem definida no


artigo 2º da Lei 9.263/96 como “conjunto de ações de regulação da fecundidade
que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela
mulher, pelo homem ou pelo casal”.

Desse modo, não se afigura razoável a negativa de cobertura do


procedimento de fertilização in vitro pleiteado, sobretudo depois da introdução do
inciso III, ao art. 35-C da Lei dos Planos de Saúde.

A propósito, este tem sido o entendimento exarado pela

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jurisprudência deste E. Tribunal de Justiça. Confira-se:

“Agravo de instrumento. Saúde. Antecipação de tutela requerida a


fim de obrigar a operadora ré a custear fertilização in vitro com
biópsia. Urgência incontroversa e decorrente do risco de falência
ovariana precoce. Tratamento, aparentemente, de cobertura
obrigatória a partir da Lei 11.935/09. Inteligência do 35-C, III, da Lei
9.656/98. Decisão revista. Recurso provido”. (TJSP, Agravo de
Instrumento nº 2037201-41.2013.8.26.0000, Rel. Des. Claudio Godoy, 1ª
Câmara de Direito Privado, j. 18/03/2014) (g.n.)

“Agravo de instrumento. Ação de obrigação de fazer. Custeio de


tratamento de infertilidade primária. Insurgência contra decisão que
indeferiu antecipação de tutela à ora agravante, sob fundamento de
que a controvérsia se restringiria ao âmbito patrimonial. Reforma.
Questão dos autos muito mais ampla, posto que versa sobre o
direito à vida de uma mulher em sua plenitude. Direito inalienável da
agravante à maternidade. Possibilidade de sucesso no tratamento
que diminui sensivelmente com o passar do tempo. Recurso
provido”. (TJSP, Agravo de Instrumento nº 0106401-09.2012.8.26.0000,
Rel. Des. Cesar Ciampolini, 10ª Câmara de Direito Privado, j. 14/08/2012)
(g.n.)

Ademais, é certo que a Lei 9.656/98, em seu artigo 10, inciso III,
retira a “inseminação artificial” da lista de exigências mínimas a ser observada pelo
plano-referência de assistência à saúde.

Todavia, respeitados os entendimentos em sentido contrário, não


se trata na presente hipótese de inseminação artificial e sim de fertilização in vitro,
ou seja, uma técnica de reprodução humana assistida distinta daquela indicada na
lei, considerando-se o local em que é realizada a fecundação.

Vale dizer, enquanto a inseminação artificial, mencionada

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expressamente pelo legislador, consiste na introdução do gameta masculino, por


meio artificial, no corpo da mulher, aguardando-se a fecundação natural, a
fertilização in vitro, pretendida pela apelante, é realizada fora do corpo da mulher,
de modo que óvulo e espermatozoide são unidos numa proveta1.

Assim, não há como se amparar a recusa de cobertura com base


no referido art. 10, inciso III, da Lei dos Planos de Saúde, devendo prevalecer o
direito da apelante à realização da fertilização in vitro, enquanto uma medida de
regulação da fecundidade, que lhe permite constituir sua prole.

Em outras palavras, é de todo inválida a cláusula do contrato que


desrespeita o comando legal de que os planos de saúde atendam às necessidades
correspondentes à materialização do planejamento familiar e à paternidade
assegurada pela Constituição.

Irrelevante o fato de o procedimento não constar na lista de


coberturas obrigatórias das Agencia Nacional de Saúde Suplementar - ANS, visto
que se trata de rol meramente exemplificativo, não esgotando as possibilidades de
tratamento disponibilizadas aos pacientes, sendo abusiva a negativa de cobertura
sob esse fundamento.

A propósito, o tema encontra-se pacificado por esta E. Corte,


consoante o disposto na Súmula 102 do TJSP:

Súm. 102. Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa


de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua
natureza experimental ou por não estar previsto no rol de
procedimentos da ANS.

Consigno que não desconheço recentes julgados do E. Superior


Tribunal de Justiça denegando a pretensões congêneres à intentada pela

1Responsabilidade
civil: responsabilidade civil na área da saúde / coordenadora Regina
Beatriz Tavares da Silva. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 254/255.

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recorrente. Todavia, preservo meu posicionamento sobre a matéria, notadamente


porque não fora editado precedente vinculante sobre o direito meritório em
questão.

Sendo assim, acolho o pleito recursal para que os pedidos sejam


julgados parcialmente procedentes, condenando à apelada que custeie o
tratamento médico necessário à fertilização in vitro com transferência embrionária
(Fertilização in vitro com injeção de intracitoplasmática de espermatozoides -
ICSI), limitada, em sede de cognição sumária, a três ciclos, nos termos do relatório
médico acostado aos autos. Ante a inversão do ônus sucumbencial, condeno a
apelada a arcar com as custas, as despesas processuais e os honorários
advocatícios sucumbenciais, fixados em 15% do valor atualizado da causa.

Alerto ser desnecessária a oposição de embargos de


declaração para fins de prequestionamento, na medida em que toda a matéria
questionada está automaticamente prequestionada.

Posto isso, pelo meu voto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao


recurso, nos termos da fundamentação.

ROSANGELA TELLES
Relatora

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