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Rafaela Neiva Ganga

UMA EDUCAÇÃO (INTER/MULTI) CULTURAL A TRÊS


TEMPOS.
Um ensaio de imaginação etnográfica europeia em espaços de
arte, educação e cultura contemporânea

Tese apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto para a


obtenção do grau de Doutor em Sociologia

Faculdade de Letras da Universidade do Porto


2012
Rafaela Neiva Ganga

UMA EDUCAÇÃO (INTER/MULTI) CULTURAL A TRÊS


TEMPOS.
Um ensaio de imaginação etnográfica europeia em espaços de
arte, educação e cultura contemporânea

Tese apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto para a


obtenção do grau de Doutor em Sociologia

Orientação científica
Professor Doutor João Miguel Teixeira Lopes
Coorientação científica
Professora Doutora Laura da Fonseca

Apoios
i

Resumo

Esta dissertação, apoiada nas políticas culturais europeias e segundo uma perspetiva sociológica
cultural e educativa, estuda estratégias e práticas educativas de galerias de arte contemporâneas,
situadas em três cidades Capitais Europeias da Cultura (CEC) durante a 1ª década do século
XXI: Tate Gallery em Liverpool – Reino Unido, CEC 2008; Šiuolaikinio Meno Centras (Centro
de Arte Contemporânea) em Vilnius – Lituânia, CEC 2009; Museu de Arte Contemporânea de
Serralves, no Porto – Portugal, CEC 2001.

Este ensaio de imaginação etnográfica europeia examina a negociação entre micro processos e
forças externas, com recurso à entrevista de todos/as os/as intervenientes no processo educativo
e à observação das atividades educativas, ao longo de 2 anos, pondo em confronto contribuições
fenomenológicas e extensões teóricas.

Reconhece-se o museu como uma instituição entre territórios de relação, nos quais a arte é
instrumentalizada por um projeto pós-moderno de sociedade globalizada, enquadrado no
capitalismo tardio, em que economia e cultura são as suas duas faces. A educação cultural
contemporânea europeia estruturada assim, em modelos heterógenos de educação não-formal,
faz do museu protagonista de estratégias e discursos, analisados em três eixos: contextualização,
fundamentação e operacionalização. No primeiro, contextualizam-se as três galerias, inscritas
em forças globais, mas articuladas pelas interpretações locais e vivências múltiplas e singulares
de cada cidade, sublinhando-se o lugar particular de cada uma na interceção das políticas
culturais europeias. No segundo eixo, analisa-se como estas galerias fundamentam a sua
programação em termos pedagógicos, culturais, estéticos, sociais e políticos, afirmando a
pluralidade educativa cultural europeia. No terceiro eixo, ilustra-se a operacionalização das
práticas discursivas destas três galerias, pela decomposição das pedagogias museológicas
partilhadas e específicas em duas tendências contraditórias: por um lado, o acantonar do cuidado
com os públicos num único departamento e, por outro lado, a emergência de propostas
contemporâneas hibridas entre arte, cultura e educação.

Conclui-se que, as três galerias assumem tonalidades não-escolares de formação de públicos


distintivas entre si, mas coincidentes na reclamação de um conceito de educação cultural
contemporânea mais lato para o qual concorrem mediação, reconhecimento, integração e
participação da diferença, emergente entre condicionalismos, potencialidades e estratégias
mobilizadas em articulação com a matriz discursiva da CEC.
ii

Abstract

Supported by the European cultural policies within a cultural and an educational sociological
perspective, this dissertation studies strategies and analyzes educational practices of
contemporary art galleries located in three cities that were European Capitals of Culture (ECoC)
during/within the 1st decade of the 21st century: Tate Gallery in Liverpool, UK, ECoC 2008;
Šiuolaikinio Meno Centras (Contemporary Art Center) in Vilnius, Lithuania, ECoC 2009 and
the Serralves Museum of Contemporary Art in Porto, Portugal, ECoC 2001.

In order to confront phenomenological contributions and theoretical extensions, this European


ethnographic imagination study examines the negotiation between micro social processes and
external forces, making use of all of the educative process stakeholders’ interviews and the
educational activities’ observation over 2 years.

One recognizes the museum as in-between territories of relationship institution, where, in a


postmodern project of a globalized society framed in late capitalism, in which economy and
culture are its two faces, art is instrumental. The contemporary European cultural education
structured by heterogeneous models of non-formal education, places the museum as the
protagonist of strategies and discourses analyzed through three main guidelines:
contextualization, rationalization, and operationalization. In the first, one contextualizes the
three galleries inscribed in global forces but grounded by the local interpretation and multiple
experiences of each city, stressing its particular place at the intersection of the European cultural
policies. In the second, one analyzes how these galleries rationalize their educational, cultural,
aesthetic, social, and political programming, highlighting the plurality of contemporary
European cultural education. In the third, one illustrates the operationalization of the discursive
practices of these three galleries, by decomposing the common and specific museum pedagogies
in two contradictory trends: in one hand, the accommodation of audiences’ care in a single
department and, on the other hand, the emergence of contemporary hybrid proposals between
art, culture, and education.

One concludes that the three galleries do not share common non-formal strategies on audiences’
building; but are coincident on the complaint of a broader concept of contemporary cultural
education for which contributes mediation, recognition, integration, and participation of the
difference, emerged within the constraints, potentialities, and strategies that are mobilized in
articulation with the discursive frame of ECoC.
iii

Agradecimentos

Aos meus orientadores, exemplos de rigor e dedicação, o meu profundo reconhecimento.


À Professora Doutora Laura da Fonseca, professora de referência de sempre por quem nutro um
especial carinho, de quem recordo as estimulantes e provocativas discussões, sempre atenta e
cuidadosa com o detalhe. Agradeço o acreditar neste projeto de investigação1 até ao fim, com
constante e pertinentes contributos que tornaram este um percurso verdadeiramente educativo.
Ao Professor Doutor João Teixeira Lopes, ouvinte paciente dos meus anseios, dúvidas e
inquietações, agradeço a confiança que depositou em mim e a inestimável contribuição dos
oportunos comentários e dos desafios lançados de expansão do olhar educativo sobre a cultura.
Às instituições que acolheram esta investigação e que permitiram que esta investigação tivesse
lugares. À Tate Liverpool, ao Šiuolaikinio Meno Centras e ao Museu de Arte Contemporânea
de Serralves. Muito particularmente, a todos/as com quem partilhei 2 anos de investigação
etnográfica e da qual guardo com especial amizade as informações, os contributos, o tempo
passado, as cumplicidades e a partilha com Lindsey Fryer, Mike Stout, Abigail Christensen,
Deborah Riding, Debbie Goldsmith, Vanessa Haworth, Michelle Freeman, Jean Tormey,
Cathriona Burke, Catlin Page, Heather William, Jessie Blindell, Ed Bruce, Louise Walker, Paul
Needham, Debbie Bray, Kestutis Kuizinas, Linara Dovydaityte, Julija Fomina, Virginija
Januskeviciute, Valentinas Klimasauskas, Simon Rees, Ula Tornau, Renata Dubinskaite, Lolita
Jablonskienė, João Fernandes, Sofia Vitorino, Cristina Lapa, Elvira Leite, Sónia Borges,
Cristina Camargo, Samuel Silva, Matilde Seabra, José Maia, Sofia Santos, Cláudia Mel, Joana
Mendonça e Raquel Sambade.
A todos/as que contribuíram para este trabalho, nomeadamente ao Dr. Pereira Pinto pela atenta e
cuidadosa revisão de texto, à Ana Maria Ganga pelo incansável cuidado com os pormenores, ao
Mindaugas Snicorius e à Marisela Simões pelo apoio na transcrição das entrevistas.
A todos os/as colegas e amigos/as de quem recebi e recebo diferentes manifestações de apoio e
carinho. Arriscando nomear apenas alguns/mas, à Sofia Santos, à Luísa Quaresma, à Sandra
Coelho, à Marta Lima, ao Vasco Sousa, ao Tiago Pereira, ao Pascoal Carvalho, ao Anthony
Pattersons, à Agne Ambrazeviciute, à Alessandra Gallerano e à Chinenye Ilozue.
À minha família por continuar persistente nos afetos, no ânimo e no apoio, “suportando” a
convivência com uma doutoranda e resistentemente perto, mesmo durante os tempos de
ausência.

1 Esta investigação foi desenvolvida com o apoio institucional da


Fundação para a Ciência e Tecnologia, através da atribuição de uma
Bolsa de Doutoramento (SFRH/BD/37637/2007).
ÍNDICE

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ 1

I PARTE. A PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO SITUADO E IMPLICADO .................................... 13

CAPÍTULO I. UMA VIAGEM COM ASAS Q UEIMADAS: TRÂNSITOS METODOLÓGICOS ENTRE LIVERPOOL,
VILNIUS E PORTO .................................................................................................................................... 14

1. A Etnografia Global como Opção Metodológica: os 4 Momentos do Estudo de Caso Alargado ........ 16

1.1. Estendendo o Observador ao Participante.................................................................................................. 23

1.1.1. Acesso à Tate Gallery em Liverpool ................................................................................................. 24


1.1.2. Acesso ao Šiuolaikinio Meno Centras em Vilnius.............................................................................. 33
1.1.3. Acesso ao Museu Arte Contemporânea de Serralves no Porto ............................................................ 42

1.2. Estendendo a Observação no Tempo e no Espaço...................................................................................... 56


1.3. Estendendo Micro Processos a Forças Externas ......................................................................................... 61
1.4. Estendendo a Teoria ................................................................................................................................. 65

2. A Oralidade, a Escrita e a Imagem como Meios de Relação com o Real ........................................... 67

2.1. A Escrita da Observação Participante em Diários de Terreno ..................................................................... 69


2.2. A Oralidade Inscrita em Entrevista ........................................................................................................... 73
2.3. A Imagem Feita Fotografia Social ............................................................................................................ 78
2.4. A Análise da Escrita, da Oralidade e da Imagem ....................................................................................... 82

Notas Finais de uma Etnografia Europeia ........................................................................................... 89

CAPÍTULO II: A EMERGÊNCIA DA EDUCAÇÃO CULTURAL: TRANSFORMAÇÕES CONTEMPORÂNEAS NA


ECONOMIA, CULTURA E EDUCAÇÃO ....................................................................................................... 90

1. Problematização dos Processos de Radicalização do Capitalismo (Economia) ................................. 92

1.1. Pós-modernidade ..................................................................................................................................... 92


1.2. Capitalismo Tardio................................................................................................................................... 94

2. O Pós-modernismo Enquanto Narrativa (Cultura e Arte) ............................................................... 101

2.1. A Emergência de um Novo Conceito para uma Nova Realidade .............................................................. 102
2.2 A Viragem Cultural: A Cultura e a Arte à Luz do Pós-modernismo .......................................................... 104

2.2.1 Novos Suportes e Novos Materiais para uma Estética Contemporânea .............................................. 108
2.2.2. (Des)Construção Identitária e de Classe na Pós-Modernidade .......................................................... 114

3. A Emergência do Não-Escolar (Educação) .................................................................................... 123

3.1. Da Crise Mundial da Educação à Educação Não-formal .......................................................................... 129


3.2. Entre as Políticas Transnacionais e a Emergência da Agenda do Não-formal ............................................ 132
3.3. Sociologia da Educação Não-Escolar: Delimitação do campo conceptual ................................................. 138

4. O Lugar Educativo nos Museus de Arte Contemporânea: Historicização e problematizações


concetuais ......................................................................................................................................... 144

4.1. Museu: Um Território Contestado .......................................................................................................... 145


4.2. O Amor pela Arte: Quando a Fruição é Aprendida e o Amor é Ensinado.................................................. 153
4.3. Educar nos Museus de Arte .................................................................................................................... 163

4.3.1. Emergência da Educação em Museus .............................................................................................. 165


4.3.2. Perspetivas Atuais .......................................................................................................................... 169
4.3.3. A Educação na Partilha dos Espaços de Arte Contemporânea .......................................................... 174

Notas Finais de uma Problemática Teórica........................................................................................ 183

II PARTE. A EDUCAÇÃO CULTURAL CONTEMPORÂNEA ........................................................... 186

CAPÍTULO III. OS ESPAÇOS DA ARTE CONTEMPORÂNEA: CONTEXTUALIZAÇÃO DE TRÊS CAPITAIS


EUROPEIAS DA CULTURA (LIVERPOOL, VILNIUS E PORTO)................................................................... 187

1. Desemaranhar das Interceções entre Políticas e Instituições Culturais Europeias .......................... 188

1.1. Cidade Criativa e a Capital Europeia da Cultura: relações menos evidentes .............................................. 195

1.1.1. Os diferentes sentidos e significados das CEC ................................................................................. 198

2. A Cultura e a Revitalização da Cidade Pós-industrial: Os Casos de Liverpool, Vilnius e Porto....... 202

2.1. Liverpool: Quando se é o Motor da Estratégia ......................................................................................... 202

2.1.1. Criação da Tate Liverpool .............................................................................................................. 205


2.1.2. Liverpool 2008 – a construção da Livercool .................................................................................... 211

2.2. Vilnius: A Cultura Viva de uma História Contestada ............................................................................... 216

2.2.1. Uma cidade organizada em múltiplos anéis ..................................................................................... 224


2.2.2. O impacto da Capital Europeia da Cultura 2009 .............................................................................. 227

2.3. Porto: A Cidade Donut com “Pontes para o Futuro” ................................................................................ 228

2.3.1. O Museu de Arte Contemporânea de Serralves ................................................................................ 229


2.3.2. Porto 2001: Capital Europeia da Cultura ......................................................................................... 233
2.3.3. À Procura de um Futuro pela Via das Indústrias Criativas: INSERRALVES e Serralves 21 .............. 237

2.4. Legados e Estratégias Futuras ................................................................................................................. 239

Notas Finais de uma Contextualização .............................................................................................. 242

CAPÍTULO IV. O MUSEU ENQUANTO INSTITUIÇÃO EDUCATIVA: ESTRUTURAS, CONCEITOS E


ESTRATÉGIAS DA EDUCAÇÃO CULTURAL CONTEMPORÂNEA ................................................................ 245

1. Tate Liverpool: Laboratório de Práticas Educativas ...................................................................... 247

1.1. Configurações Particulares da Função Interpretativa Integral ................................................................... 253


1.2. Estrutura do Learning Department .......................................................................................................... 260

1.2.1. Curadoras Educativas ou de Aprendizagem ..................................................................................... 262

2. Šiuolaikinio Meno Centras: Democratização Cultural ou Fechamento Elitista? ............................. 269

2.1. Do Palácio de Exposições Soviético... à Caixa Negra: Resistências e desencontros................................... 270

2.1.1. A Montante com os Artistas ........................................................................................................... 273


2.2. A Jusante com o Público ................................................................................................................... 282

2.2. Ação Educativa Pontual e Informal: Estrutura organizacional e estratégias ............................................... 285

3. Museu de Arte Contemporânea de Serralves: Questionando o Significado de um Espaço Coletivo-


Cultural-Privado ............................................................................................................................... 295

3.1. Contornos e Linhas de um Museu ........................................................................................................... 297


3.2. Contornos e Linhas de um Serviço Educativo ......................................................................................... 300

3.2.1. Contornos do Serviço Educativo ..................................................................................................... 300


3.2.2. Linhas............................................................................................................................................ 304

3.3. O Lugar da Educação ............................................................................................................................. 312

3.3.1. Espaços Democráticos .................................................................................................................... 313


3.3.2. Estrutura Organizacional ................................................................................................................ 314

Função Interpretativa Integral / Ação Educativa Pontual/ Serviço Educativo ..................................... 320

CAPÍTULO V. PEDAGOGIAS MUSEOLÓGICAS: PARTILHADAS E ESPECÍFICAS ........................................ 325

1. Práticas Museológicas Partilhadas ................................................................................................ 327

1.1. Programas para os Públicos Educativos .................................................................................................. 330


1.2. Programas para os Públicos das Exposições ............................................................................................ 337
1.3. Várias modalidades: Visitas e Propostas Interpretativas e Artísticas ......................................................... 339
1.4. Desenvolvimento Educativo: Edição de materiais pedagógicos ................................................................ 347
1.5. Atividades de extensão: comunidades e públicos com necessidades educativas especiais .......................... 349

2. Práticas Museológicas Específicas ................................................................................................ 352

2.1. O Não-formal no Young Tate (Tate Liverpool) ....................................................................................... 353


2.2. Curadoria Educativa: Vilnius COOP: Gaps, fictions and practices (Šiuolaikinio Meno Centras) ............... 365
2.3. Projeto com Escolas (Museu de Arte Contemporânea de Serralves) ......................................................... 371

Notas Finais sobre Práticas Pedagógicas Museológicas .................................................................... 379

CONCLUSÕES ........................................................................................................................................ 383

BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................................................... 397


ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES

Ilustração 1 – Critérios de escolha dos casos desta etnografia europeia .................................................... 10


Ilustração 2 - Young Tate, sessão de 5 de julho de 2008 .......................................................................... 30
Ilustração 3 - Young Tate, sessão de 28 de julho 2008 ............................................................................. 30
Ilustração 4 -Young Tate, sessão de 5 de agosto de 2008 ......................................................................... 30
Ilustração 5 - Young Tate, sessão de 30 de setembro 2008 ....................................................................... 30
Ilustração 6 -Young Tate, sessão de 1 de fevereiro de 2009 ..................................................................... 30
Ilustração 7 -Young Tate, sessão de 31 de outubro de 2008 ..................................................................... 30
Ilustração 8 - Um dos exercícios propostos neste workshop foi a produção de autorretratos. De forma
espontânea os/as jovens retrataram-se em relação às obras expostas......................................................... 82
Ilustração 9 - O museu construtivista (Hein,2005) ................................................................................. 173
Ilustração 10 -Vista aérea de Albert Dock antes da reconversão das docas ............................................. 207
Ilustração 11 - Vista da Entrada da TL, em Albert Dock, 2012 .............................................................. 207
Ilustração 12 - Vista da entrada principal do CAC, 2009........................................................................ 223
Ilustração 13 - “Vilnius Postcard Series” de 2009, de Arunas Gudaitis, Apresentada na Exposição "Black
Swans, True Tales and Private Truths" .................................................................................................. 225
Ilustração 14 - Vista aérea do MACS e da Casa de Serralves ................................................................. 232
Ilustração 15 - Organograma da Tate..................................................................................................... 260
Ilustração 16 - Organograma do Learning Department........................................................................... 267
Ilustração 17 - Organograma do Learning Department após Reconfiguração .......................................... 268
Ilustração 18 - Organograma da Fundação de Serralves ......................................................................... 315
Ilustração 19 – Conferência de Imprensa da Exposição Lourdes Castro e Manuel Zimbro: À Luz da
Sombra, 2010 ....................................................................................................................................... 318
Ilustração 20 - Uso do espaço do museu numa visita-oficina, 2 de fevereiro de 2010.............................. 333
Ilustração 21 - Story Telling, Artist Educator/ Information Assistant J. O., 2008 .................................... 337
Ilustração 22 - Education Studio transformado para o Klimt Art Pad, 2008 ............................................ 358

ÍNDICE DE TABELAS

Tabela 1 - Atividades Educativas Observadas ......................................................................................... 70


Tabela 2 - Entrevistas Realizadas ............................................................................................................ 78
Tabela 3 - Eixos, Categorias e Subcategorias da Análise de Conteúdo ..................................................... 83
Tabela 4 - Formação Académica dos/as Colaboradores/as Permanentes da Tate Liverpool ..................... 265
Tabela 5 - Formação Académica dos/as Colaboradores/as do Šiuolaikinio Meno Centras ....................... 287
Tabela 6 - Formação Académica dos/as Colaboradores/as do Museu de Arte Contemporânea de Serralves316
LISTA DE ABREVIATURAS
% por cento
1ª Primeira
1º Primeiro
2º Segundo
3ª Terceira
3º Terceiro
LAA Lithuanian Artist Association
ATLAS Associação de Turismo e Lazer Educação
CAC Šiuolaikinio Meno Centras (Centro de Arte Contemporânea)
cap. Capítulo
CEC Capital Europeia da Cultura
cit. Citado
DG Direção Geral
ECE Educational Credential Evaluators
EEE Espaço Económico Europeu
ENF Educação Não-Formal
etc. et cetera
UE União Europeia
FS Fundação Serralves
IA Information Assistant
ICOM International Council of Museum
LARC Liverpool Arts Regeneration Consortium
m2 metros quadrados
MACS Museu de Arte Contemporânea de Serralves
MDC Merseyside Development Corporation
MoMA Museum of Modern Art
OCDE Organização para a Cooperação e desenvolvimento Económico
OPEP Organização dos Países Exportadores do Petróleo
p. Página
SE Serviço Educativo
séc. Século
TL Tate Liverpool
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciências e Cultura
URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
XIX Dezanove
XVIII Dezoito
XX Vinte
XXI Vinte e um
YT Young Tate
1

Introdução

// Enquadramento e tema

Na primeira década do século XXI, assiste-se a um aumento dramático do interesse no


papel educativo dos museus e galerias de arte2, o que, em parte, resulta do reacender do
debate, sobre a finalidade e eficácia destes. Ao mesmo tempo, observa-se uma
diversificação das oportunidades de aprendizagem, estendidas agora ao campo cultural,
onde se dilui o lúdico e a aprendizagem em programas de educação, mais ou menos
estruturados. Este é um fenómeno, se não global, pelo menos europeu. Nesse sentido,
torna-se evidente a necessidade de uma abordagem e investigação transnacional, sobre
as questões educacionais e culturais contemporâneas.

A presente dissertação – Uma Educação (inter/multi) Cultural a Três Tempos – procura


desenhar uma perspetiva sociológica face à educação em espaços culturais. Toma, como
temática, uma questão interdisciplinar que tem sido partilhada e informada pela
Sociologia da Cultura, Sociologia da Educação Não-formal e pela Museologia e Arte,
procurando, neste sentido, contribuir para uma Sociologia da Educação Cultural. Assim,
esta dissertação é elaborada a partir de diversas articulações entre várias perspetivas do
conhecimento teórico que emerge do pós-modernismo, no que este tem de dimensão
crítica, na área da Educação e da Cultura e, num sentido amplo, de Cidade.

A temática atravessa os desafios da contemporaneidade, contextualizada pelas teorias da


pós-modernidade e por conceitos como o de capitalismo tardio, que se arrastam desde o
seculo XX, mobilizando-se estes conceitos “ainda que sob rasura”, porque se considera
e argumenta que “nem tudo pode ser deitado fora, sobretudo quando ainda não se dispõe
de conceitos satisfatórios, para os substituir” (Fonseca, 2009, p. 31).

Nesse sentido lato, as estratégias educativas usadas pelas instituições culturais são
encaradas como respostas a esses desafios, na medida em que hoje, como outrora, elas

2
Tal como Loock (2005) em “Places of Art” não se distingue, nesta
dissertação, museu de galeria de arte.
2

são enquadradas por contextos e políticas culturais e educativas, elas próprias


instrumentos potenciadores de novas e determinantes conjunturas. Num sentido restrito,
e, partindo da ideia de uma plurifacetada diversidade e interdependência, subjacente ao
espaço europeu (social, cultural, económica, educativa, etc.), particularmente ao nível
da sua multiculturalidade, procuram-se singularidades e espaços da prática educativa,
como reduto de autonomia relativa, em casos que são lugares de fronteira física e
simbólica.

Esta dissertação estuda, por conseguinte, estratégias e práticas educativas de galerias de


arte contemporânea europeias. Apoiada na compreensão das políticas culturais e
educativas, a investigação incide na observação do trabalho educativo de três galerias de
arte contemporânea, localizadas em cidades europeias que, na 1ª década do seculo XXI,
foram Capitais Europeias da Culturas (CEC) 3: Tate Gallery, de Liverpool no Reino
Unido, CEC 2008; Šiuolaikinio Meno Centras (Centro de Arte Contemporânea) de
Vilnius, na Lituânia, CEC 2009; e Museu de Arte Contemporânea de Serralves, Porto,
em Portugal, CEC 2001.

Partindo da análise cruzada, por vezes comparativa, que estrutura esta narrativa
etnográfica, procura-se compreender a possibilidade das instituições culturais,
especificamente as Galerias de Arte Contemporânea, jogarem um lugar central na
definição e vivência de muitos processos educativos contemporâneos. Procura-se, pois
conhecer e interrogar o lugar, função, estratégias e discursos educativos de instituições
culturais europeias, neste início e primeira década do séc. XXI.

O interesse pelo trabalho educativo das instituições culturais remonta ao final da minha
Licenciatura em Ciências da Educação, especificamente ao objeto do meu estágio,
realizado no Serviço Educativo da Casa da Música do Porto. Aí pude acompanhar e
refletir sobre o trabalho educativo realizado, quer no interior da casa (visitas de estudo,
concertos, atividades pontuais, projetos da casa, desenvolvimento e avaliação de
programas), quer no exterior da mesma (na cidade e fora dela, em instituições e projetos
culturais, escolas e de saúde, instituições de reeducação e reclusão). Nesse sentido, a
presente etnografia retoma algumas das pistas teóricas e inquietações apontadas nesse
trabalho.

3
Duas foram-no no período da pesquisa e a outra viveu essa experiência
em 2001 e seu trabalho actual parece beneficiar dessa experiência.
3

Então, sob um olhar analítico e crítico argumenta-se a possibilidade das instituições


culturais terem um papel na definição de processos educativos contemporâneos,
pese embora o seu caráter frequentemente elitista das mesmas. Elas encerram
intencionalidades de nível cultural, através de processos educativos, em clima pouco
formalizado, potencialmente mais estimulante, participativo e aberto, do que as
clássicas instituições culturais e educativas formais, como a escola ou os museus.

Nesse sentido, interessa conhecer e problematizar o lugar dos departamentos


educativos nas instituições culturais, tendo presente a existência de uma agenda
macroestrutural, entre as políticas públicas europeias e a produção de práticas
educativas locais – micro e meso. Ora, é nesse movimento que se sublinham os
processos de interpretação e tradução local dessa macroestrutura, salientando os modos
heterogéneos de ação e a necessidade de um conhecimento sobre as instituições que
partilhem propósitos e formas de organização diversas inseridas em contextos sociais,
políticos, económicos e educativos particulares.

// Contornos e configurações de uma problemática

O problema que esta pesquisa coloca é pensado à luz das principais transformações
sociais rumo a uma sociedade baseada no conhecimento, que assentam em transições
económicas paradigmáticas, cujo impacto se faz sentir de forma (in)direta, sobre os
paradigmas educativos: novas teorias, novos perfis da população e, acima de tudo,
novas necessidades e ajustamentos educativos. Todas essas transformações exigem o
desenvolvimento de novas competências, não apenas as necessárias ao ajuste às
aceleradas exigências do capitalismo tardio, mas também à construção de plataformas
de reconhecimento, participação e diálogo, que permitam viver em conjunto.

Na verdade, em tempos de globalização e de capitalismo tardio, assiste-se a um


movimento de transnacionalização, no qual emergem organizações político-económicas,
como a União Europeia que obrigam, tal como Stoer (2001) afirmava, a uma nova
reflexão, em torno da cidadania e da multiculturalidade e, ainda, da renegociação do
contrato social. Essa renegociação é feita tendo por base uma redefinição de Estado,
diferente da dos estados-nação que buscavam, de forma própria, o consenso social e
também novos direitos. A escola pública desempenhou um papel vital na construção do
projeto de Estado-nação, através da sua função seminal de socialização dos indivíduos,
em torno de uma suposta identidade nacional e servindo um projeto político e cultural
4

unificador e homogeneizador (Araújo, 1992). Por sua vez, o museu emerge como uma
instituição europeia, comprometida com os ideais do iluminismo, assumindo, desde
então, uma função civilizadora dos/as cidadãos/ãs (Hooper-Greenhill, 1989). Neste
sentido, não será demais afirmar que a consolidação do projeto europeu busca novos
protagonistas, em que as galerias e museus de arte contemporânea europeia parecem
ocupar uma posição chave, na construção desse projeto, nomeadamente através do seu
lugar como territórios de relação (Grande, 2009) – entre a cidade e o espaço europeu –
graças ao seu elevado reconhecimento social e sua capacidade de capitalização desse
reconhecimento. Com efeito, sediados em edifícios marcantes da cidade, os museus de
arte contemporânea têm procurado ser espaços múltiplos (pós-museus) de apresentação,
mas também de produção da obra de arte e de facilitação de uma reflexão crítica, sobre
ela e a sociedade, onde se insere.

Como se refere no relatório European Cultural Policies 2015 (Lind & Minichbauer,
2005) a arte é instrumentalizada em favor da construção e reforço de identidades
específicas, ao mesmo tempo que se torna um produto comercial colecionável, o que
reflete, em parte, o bem-estar financeiro de indivíduos, nações e sociedades, assim como
tem sido usada para revitalizar oportunidades económicas das cidades.

Contudo, também é verdade que o encontro, com a arte produzida na atualidade,


aparece frequentemente caracterizado como desencontro. Com frequência, atitudes de
perplexidade, resistência ou desinteresse são expressos, por públicos mais desfasados
das exigências plásticas de vanguardas contemporâneas. Paradoxalmente, a arte de hoje
é mais próxima do quotidiano, ao mesmo tempo que é mais hermética e estranha.
Distanciando-se dos padrões estéticos do modernismo e dos seus cânones clássicos, a
arte contemporânea desafia os seus interlocutores, instigando-os a olharem a arte como
integrada na esfera do quotidiano e do comum (Willis, 1990). Comprometida com as
questões da sociedade contemporânea, a arte do agora levanta questões sobre a extensão
espacial e social da globalização, questiona velhas estabilidades e homogeneidades,
como os papéis de género, as (in)compatibilidades e unicidades culturais e nacionais, e
a submissão individual às lógicas do modelo capitalista. Ou seja, não só a instituição
cultural em si, mas particularmente o objeto da sua programação, demonstram
preocupações, face à culturalização da vida, o que coloca as questões culturais nas
agendas políticas, de uma forma nunca antes registada. O reforço social de outras
funções, para além das de conservação da coleção, impõe, a estas instituições culturais,
5

uma responsabilidade geralmente localizada e assumida pelos departamentos educativos


(quando existentes). Estruturadas em torno de modelos de educação não-formais e
dotadas de capital simbólico e cultural elevados, as instituições culturais são
consideradas como parceiros vitais no desenvolvimento de massa criativa e crítica, nesta
fase do capitalismo. Os museus e galerias de arte têm, definitivamente, o
(re)conhecimento e as ferramentas para contribuir na construção de percursos
educativos alternativos, em complementaridade com o sistema de educação formal,
respondendo aos desafios multiculturais e educacionais contemporâneos.

// Interesses que orientam a pesquisa

O meu recorrente interesse educativo e cultural nesta dissertação materializa-se, agora,


na realização duma pesquisa inscrita numa etnografia global, buscando relações entre
territórios, cidade(s) do espaço europeu, através de um mergulho nos quotidianos
institucionais de três galerias europeias de arte contemporânea, de três países e cidades
europeias, com historicidades, desenvolvimentos e culturas muito diversas. Estes três
equipamentos são, por isso, conceptualizados como centros culturais (Grande, 2006),
na medida em que se constituíram/constituem em ícones de urbanidade europeia e de
sublimação espacial.

O meu interesse está também espelhado nesta pesquisa, tanto através das escolhas e
preocupações teóricas, como dos modos de conceber e organizar a etnografia, neste
caso uma etnografia global. Estas preocupações emergem corporizadas no conjunto de
finalidades que se elencam de seguida:

i. Analisar os desafios impostos pelo evento Capital Europeia da Cultura, em cada


uma das instituições culturais, bem como perceber o seu lugar na retórica da
construção europeia; analisa-se ainda a relação existente entre estas instituições e as
respetivas cidades, em que se inserem, antes, durante e depois da Capital Europeia da
Cultura;

ii. Visibilizar e compreender a estratégia educativa destas instituições culturais,


identificando a política educativa que a enforma – conjunto de processos e dispositivos,
através dos quais os Serviços Educativos organizam as suas programações e práticas,
tendo em consideração as orientações das políticas educativas e culturais europeias;

iii. Identificar, confrontar e perceber as múltiplas práticas educativas e culturais das


instituições culturais selecionadas – pressupostos, modelos e conceitos que
6

(re)contextualizam as práticas de diferenciação pedagógica dos equipamentos e


possíveis implicações para e nos projetos educativos de arte contemporânea;

iv. Perceber o lugar da educação no museu – organograma, missão; relações entre o


serviço educativo e restantes departamentos; consonância ou dissonância com a missão
do museu; ou mesmo os perfis profissionais exigidos aos/as colaboradores/as
educativos/as.

v. Analisar (comparativamente e/ou pondo em confronto) as lógicas organizacionais


e institucionais, construindo diálogos, (des)encontros entre lugares, geopolíticas e
posições educativas na sua especificidade e comunalidade.

Por conseguinte, partindo da ideia de diversidade cultural subjacente ao espaço


europeu, pretende-se interpretar os projetos educativos (re)contextualizados pelas
mudanças contemporâneas, além de identificar e incorporar tendências consonantes e de
conflito com orientações e normas de ação emergentes ao nível europeu, sobretudo as
moldadas pelas políticas públicas regionais, enquanto organizadoras de possibilidades
educativas, nesta primeira década do séc. XXI. Procura-se perceber o espaço da prática
educativa, tendo presente as interinfluências das “comunidades de interpretação”
globalizadas, em localizações contextualizadas (Fonseca, Santos, & Caldas, 2011),
sendo o local não apenas o reduto de singularidade e especificidade do espaço de
fronteira física e simbólica, mas reconhecendo que este sofre e dispõe, cada vez mais,
de interinfluências e interinterpretações globalizadas. Este conceito permite pensar a
distinção e singularidade de cada caso, assim como as comunalidades das três galerias
de arte contemporânea, situadas em três distintas cidades e países, marcadas por
realidades sócio históricas tão diversas, como as que se discute neste estudo.

// Etnografia global como estratégia metodológica

Procurando capitalizar experiências anteriores opta-se pelo método etnográfico,


auscultando quotidianos, lugares, práticas situadas e discursos localizados. Contudo,
não se pretende localizar a investigação no estudo de um só caso. Considerando a
análise de três galerias de arte contemporânea que, no mesmo espaço europeu em
construção, parecem produzir propostas de educação cultural específicas, procura-se
reconhecer as interconexões entre local e global, no sentido em que os fluxos culturais
põem de parte a ideia do lugar como artificialmente selado ou como um espelho de uma
estrutura reificada. Na verdade, os processos sociais contemporâneos colocam novos
desafios às metodologias nas ciências sociais e humanas, nomeadamente as
7

metodologias que se obrigam a interrogar e, eventualmente, a recriar e estender os


modos de captar, articular e interpretar as realidades sociais globais/locais.

Assim, pretende-se com este projeto abrir o universo de pesquisa, através do forçar da
perspetiva crítica à “globalização” localizada ou o binário “global/local”, exigindo o
reconhecimento destes como conceitos sociológicos e não como meros fenómenos
sociais. Com a compreensão situada, da organização, estratégia, agenda e execução da
programação educativa das três galerias de arte contemporâneas europeias pretende-se,
não tanto atualizar teorias, antes desafiá-las, no confronto destas com novos terrenos
(Willis & Trondman, 2008). Aliás, o objeto de estudo, que de alguma forma foi
construído à partida, não esteve imune ao terreno, nem deixou de estar disponível “ao
vai e vem” das reformulações teóricas e empíricas, impostas pelo crescente acesso ao
conhecimento próprio do processo de pesquisa (Bourdieu, 1996). Se, inicialmente, este
projeto teve como problemática inicial o questionar da autonomia relativa dos contextos
de educação não-formal, tal como são os museus, à medida que a etnografia avançou no
tempo e no espaço – a passagem de um caso para o outro – outras preocupações
emergiram, nomeadamente a crescente intrusão entre propostas curatoriais, artísticas e
educativas. Neste sentido, o processo de investigação que aqui se introduz é fruto de
uma negociação difícil com a realidade, que conduziu a constantes (re/des)construções
do objeto de estudo.

Neste sentido, a etnografia global, proposta por Michael Burawoy (2000), emerge,
nesta pesquisa, como a modalidade metodológica de investigação social mais
apropriada, enquanto convida à localização de casos estratégicos entre escalas, a fim de
examinar a negociação de interconexões entre micro processos sociais e forças
externas, sem perder a riqueza fenomenológica da etnografia e a possibilidade de
extensão das análises mais macroestruturais. A etnografia global permite assim, pela
participação e “a partir de baixo” (Burawoy, 2000) e do observável, nas vidas
daqueles/as que experienciam e produzem a própria globalização, compreender
processos que fundamentam a educação cultural das 3 galerias, assim como apreender
como se operacionalizam as práticas quotidianas de pedagogia museológica.

Na análise do trabalho educativo, não seria possível limitar a observação às atividades


de cada departamento educativo, até porque uma delas, o CAC, não tem um
departamento educativo estruturado, assim como, no MACS os cursos orientados para
um público adulto não são programados pelo Serviço Educativo. Tal obrigou à
8

definição do que se entende por um evento educativo, sendo selecionadas as atividades


que eram vistas, pelas instituições, como programação educativa, independentemente de
integrarem a programação do departamento educativo.

Assim, esta investigação pretende ser um ensaio de imaginação etnográfica europeia,


que no terreno teve um desenvolvido ao longo de dois anos, repartidos entre três casos,
situado entre o 1º “mergulho” etnográfico na TL – junho de 2008 a fevereiro de 2009;
2º “mergulho” etnográfico no CAC – fevereiro a novembro de 2009 e o 3º “mergulho”
etnográfico no MACS – janeiro a julho de 2010.

// Critérios de escolha dos casos constituintes da etnografia europeia

Especificar os critérios que comportam a escolha dos países, cidades e instituições de


Arte Contemporânea de CEC, no âmbito da pretensão de realizar uma pesquisa
multissituada, através de uma etnografia europeia é, também, uma tarefa que merece
clarificação:

i. Serem 3 países da União Europeia, diversamente posicionados – Reino Unido,


Portugal e Lituânia –, esta opção inscreve, desde logo, a possibilidade de realizar a
etnografia global. Este critério de pesquisa é perspetivado na proximidade do pensamento
de Wallerstein (1974), seguido, entre nós, por Sousa Santos (2002), quando, na sua teoria
do sistema mundo, considera que, na articulação entre globalização e capitalismo, se
configuram três ideais tipo, face aos quais os Estados-nação se posicionam – países do
centro, periferia e semiperiferia. Apesar de se estar consciente de que esta divisão é
polémica, ela permite, todavia, ajudar a posicionar os três países com realidades sócio
históricas, económicas, culturais e políticas muito distintas. Nesta perspetiva, o Reino
Unido, a que Liverpool pertence, seria visto como um país de centro, de longa tradição
democrática, integrando a primeira vaga da União Europeia (1973). Por sua vez, Portugal
seria pensado como um país semiperiférico, com uma democracia de poucas décadas e
que integra a segunda vaga da UE (1984). Por fim, a Lituânia a qual a cidade de Vilnius
pertence, tem uma democracia recente e vem duma tradição e cultura ligadas ao “bloco
socialista” sendo que, apesar de ser o primeiro país a desvincular-se da URSS (1991) e a
solicitar adesão à UE (2004), ainda se encontra no processo de convergência. Esta opção
permite pensar o arco da extensão espacial da etnografia europeia, garantindo um dos
momentos do estudo de caso alargado (Burawoy, 1998), na sua heterogeneidade de
realidades sociais-históricas e de vagas de expansão politico-geográfico do projeto da UE
– a norte, a sul e a leste.
9

ii. Serem 3 cidades CEC, em que o critério de escolha é serem cidades de marcada
heterogeneidade no espaço europeu – Liverpool (central face a Stavanger – Noruega);
Vilnius (periférico face a Linz – Áustria) e Porto (periférico face a Roterdão – Holanda).
Parte-se assim duma seleção tendo em conta o par anual CEC, que conjuga duas cidades
de escalas diferentes, assunção das escolhas CEC, a partir de 2001 4. Este arco local de
alguma forma corporiza e territorializa a extensão do arco espacial da etnografia e
poderá traduzir a um nível local, eventualmente, a teoria Wallesteriana.

iii. Serem 3 instituições de Arte Contemporânea icónicas das CEC, promotoras das
respetivas cidades ao nível das Artes Visuais, como é o caso da Tate Gallery de
Liverpool, Šiuolaikinio Meno Centras em Vilnius e de MAC de Serralves no Porto. Trata-
se, então, de espaços escolhidos pela forte presença da programação cultural e educativa
nas cidades, ao mesmo tempo que reforçam a sua expressão e reconhecimento
internacional, projetando-se culturalmente, sem perder de vista a perspetiva educacional.
É esse o sentido atribuído às instituições e cidades CEC. A escolha recaiu em dois casos
que eram instituições da CEC na altura da pesquisa e o terceiro caso numa instituição
portuguesa e portuense, cidade que encaixa no arco temporal pós-evento. Esta
temporalidade permite observar as dinâmicas CEC, durante e pós-evento, na primeira
década do século XXI.

iv. Ser uma pesquisa educativa em espaços culturais europeus, cobrindo a 1ª década
do século XXI – arco temporal de 10 anos – Os três casos escolhidos encaixam-se neste
arco temporal. Na verdade, o interesse nesta década permite uma perceção das
dinâmicas contemporâneas ao evento e depois a sua ressignificação após evento 5. Este
propósito teve a implicação da pesquisa ser contemporânea aos eventos CEC de
Liverpool em 2008 e de Vilnius em 2009, enquanto o estudo no Porto apenas decorre em
2010, e busca eventuais efeitos do evento CEC de 2001 (ao nível cultural e educativo)
nos contextos institucional, cidade, país e espaço europeu. Poder-se-ia, assim como
Lynne Haney (2000), afirmar que se tenta quebrar os limites etnográficos, não só na
dimensão do espaço, mas também na dimensão de tempo. Como se observa na Ilustração
1, estes três casos permitem uma concretização de um ensaio de imaginação etnográfica
europeia, sendo que estes se encaixam no arco espacial e temporal pretendido, no

4
A designação utilizada nos documentos oficiais é a de "novos" e
“outros” Estados-Membros (The Selection Panel for the European Capital
of Culture (ECOC) 2009, 2005).
5
Não é aqui despiciente e, por isso também não se esconde, o interesse
em estudar as dinâmicas culturais e educativas na minha cidade, que
acolhe este projeto de pesquisa, em grande parte preocupações resultantes
duma cidade que tinha sido CEC em 2001, estudando neste caso mais os
seus efeitos e dinâmicas do que as suas memórias.
10

contexto de uma pesquisa de natureza multissituada e multidialogada, que reconhece a


distinção do local, ao mesmo tempo que as linhas de homogeneização do global na
compreensão da educação cultural contemporânea.

Ilustração 1 – Critérios de escolha dos casos desta etnografia europeia

// Momentos estruturadores da tese

A dissertação subdivide-se em duas partes e estrutura-se em cinco capítulos, que dão


conta das preocupações e orientações metodológicas, teóricas e empíricas.

Neste sentido, a I Parte, intitulada: A Produção de Conhecimento Situado e Implicado


é composta por dois capítulos. No Capítulo I, Uma Viagem com Asas Queimadas:
Trânsitos metodológicos entre Liverpool, Vilnius e Porto, produz-se uma reflexão sobre
as opções metodológicas que estruturaram a presente investigação. Discute-se a opção
pela etnografia global, proposta de Burawoy (2000) e argumenta-se esta escolha,
porque ela permite, por um lado, conhecer os quotidianos institucionais das três galerias
de arte contemporânea europeias em questão, incluindo a sua programação educativa e
os modos como são concebidas, estruturadas, executadas; por outro lado, permite
também perceber as influências que moldam, confrontam e singularizam cada um dos
contextos. Apresentam-se, ainda, as técnicas mobilizadas na mediação com o real.
11

Assim, nesta etnografia europeia, além da observação participante, mobiliza-se a


entrevista e a fotografia social, embora com contribuições pesos e intensidades
diversificadas.

Assim o Capítulo II, A Emergência da Educação Cultural: Transformações


contemporâneas na economia, cultura e educação, tem como principal propósito a
discussão e clarificação da matriz conceptual desta pesquisa. Assim, no primeiro ponto,
convoca-se para a discussão as transições paradigmáticas originadas nos anos 1970, que
tiveram repercussões nas várias esferas da vida social, com especial ênfase nos inter-
relacionamentos entre economia e cultura no capitalismo tardio. Discute-se, nesta fase,
as teorias do pós-modernismo, enquanto leituras possíveis das transformações sociais,
culturais e artísticas contemporâneas. Num terceiro ponto, decompõe-se o papel da
escola de massas, à luz da crise mundial da educação e da agenda transnacional da
educação não-formal. Por fim, no quarto ponto argumenta-se que os museus de arte
contemporânea, enquanto lugares de educação não-escolar, evidenciam e constituem o
lugar sintetizador das transformações e mudanças sociais contemporâneas. Com apoio
nos contributos da Museologia crítica, salientam-se as novas funções e
responsabilidades sociais dos museus, enquanto facilitadores educativos no percurso de
democracia cultural da arte e em particular da arte contemporânea. A articulação de
contributos da Sociologia da cultura e da educação (especificamente a educação não-
escolar), a par dos olhares da Museologia Crítica permitem compreender as
transformações operadas nas últimas décadas nas esferas da economia, cultura e
educação, a fim de perspetivar a educação em museus de arte, no contexto
contemporâneo globalizado.

Na II Parte, intitulada A Educação Cultural Contemporânea, é constituída por três


capítulos. O Capítulo III Os Espaços da Arte Contemporânea: Contextualização de
três capitais europeias da cultura (Liverpool, Vilnius e Porto) parte das transformações
das sociedades europeias das últimas décadas do séc. XX, originadas pela passagem a
um capitalismo tardio, seja nos países capitalistas ocidentais, seja nos países da ex-
URSS, para contextualizar os três casos em estudo. Nesta contextualização mobiliza-se
a discussão que destrinça algumas das interceções entre políticas e instituições culturais
europeias, tendo por pano de fundo a retórica da cidade criativa. Sublinha-se a evolução
estratégica do evento CEC, através da dualidade dos seus objetivos e, por conseguinte,
12

procura-se desenhar o lugar ocupado pelas três galerias em análise, entre dois territórios
de relação.

O Capítulo IV, O Museu enquanto Instituição Educativa: Estruturas, conceitos e


estratégias da educação cultural contemporânea, analisa e questiona as três galerias em
estudo enquanto tipos de instituições educativas, procurando perceber como cada
instituição fundamenta e organiza o seu trabalho em termos de conceção, objetivos,
lugar organizacional e missão educativa e cultural. Observam-se, por conseguinte,
como: a Tate Liverpool se distingue, enquanto laboratório de práticas educativas, ao
assumir uma função interpretativa integral; o Šiuolaikinio Meno Centras se debate num
equilíbrio delicado a montante (criação cultural) e a jusante (receção cultural),
afirmando-se enquanto ação educativa pontual; por fim, como o Museu de Arte
Contemporânea de Serralves se assume numa posição proeminente e ativa, que tem sido
traduzida especificamente pela atratividade da sua arquitetura e programação, a par da
estruturação de um serviço educativo.

Finalmente, o Capítulo V, Pedagogias Museológicas: Partilhadas e específicas,


contribui para a compreensão da operacionalização das propostas educativas dos três
casos desta etnografia europeia. Este capítulo centra-se na decomposição das práticas
educativas partilhadas e específicas de cada uma das galerias. Caracteriza os tipos de
atividades estruturadas, considera a natureza das próprias atividades, a segmentação dos
públicos e as metodologias mobilizadas. Além disso, analisa um projeto particular de
cada uma das galerias: Young Tate (Tate Liverpool); Vilnius COOP: Gaps, fictions and
practices (Šiuolaikinio Meno Centras); e Projeto com Escolas (Museu de Arte
Contemporânea de Serralves). Sublinha-se, apesar de secundárias à função expositiva,
as múltiplas e mais frequentes práticas discursivas, notando-se particularmente, a
incorporação destas nas práticas artísticas contemporâneas, afirmando-se cada vez mais
como propostas educativas e estéticas.

Para terminar, fecha-se a dissertação com tonalidade conclusiva, discutindo linhas de


pensamento produzidas nesta pesquisa, focando tanto na distinção como na
comunalidade das políticas educativas e culturais, sugeridas pelos seus resultados
globais e parcelares.
13

I PARTE.
A PRODUÇÃO DE
CONHECIMENTO
SITUADO E
IMPLICADO
14

Capítulo I. Uma Viagem com Asas Queimadas: Trânsitos


Metodológicos entre Liverpool, Vilnius e Porto6

INTRODUÇÃO

Este capítulo tem, como preocupação central, produzir uma reflexão sobre a estrutura
metodológica da presente investigação. As questões metodológicas encontram uma
articulação estreita com o objeto da pesquisa – estratégias e práticas educativas em
galerias de arte contemporânea –, cujo argumento busca a possibilidade das instituições
culturais terem um lugar na definição e vivência de muitos processos educativos
contemporâneos.

O capítulo estrutura-se em duas dimensões organizadoras. Em primeiro lugar,


conceptualiza-se a escolha metodológica na articulação com o objeto de estudo e depois
discutem-se os desenvolvimentos da pesquisa, como etnografia global, na esteira da
proposta de Michel Burawoy (2000). Com efeito, este autor argumenta que a etnografia
global tem potencial para captar a vida de todos os dias, na medida em que as realidades
locais são trespassadas por imaginações, forças e conexões globais. A proposta de
Burawoy serve a pretensão desta pesquisa ao permitir, por um lado, conhecer os
quotidianos institucionais de três galerias de arte contemporânea europeias, bem como
as suas programações educativas e os modos como são integradas, estruturadas,
executadas; por outro lado, perceber as influências que as moldam, confrontam e
singularizam. Nesta perspetiva, aceitam-se e concretizam-se com algum detalhe, os
quatro pontos estruturadores do método de “caso alargado”, propostos por Burawoy,
que correspondem aos principais momentos, em que esta investigação se amplia:

6
Opta-se por apresentar os casos em estudo, pela ordem cronológica da
investigação. Ou seja, primeiro a Tate Liverpool (2008), em segundo o
Šiuolaikinio Meno Centras (2009) e, em terceiro, o Museu de Arte
Contemporânea de Serralves (2010).
15

estendendo do observador ao participante; estendendo a observação ao longo do tempo


e do espaço; estendendo processos a forças externas; e estendendo a teoria. Assim, a 1ª
extensão supõe o acesso do observador ao quotidiano do observado e o movimento
inverso de devolução aos sujeitos, de um novo olhar sobre o seu quotidiano. Na 2ª
extensão estendendo a observação ao longo do tempo e do espaço, interroga-se a dupla
condição de estrangeira assumida nesta investigação, seja pela extensão temporal de
aceder e permanecer em espaços aos quais se é estranha, seja pela extensão espacial
decorrente de uma investigação etnográfica multissituada, que abrange três países
europeus distintos. Trata-se, ainda, de focar, nas particularidades e mesmidades, que
esta condição assumiu nos três casos e das inerentes dificuldades. Por sua vez, na 3ª
extensão, estendendo processos a forças externas, discute-se como transitar e navegar
entre micro processos e forças externas nesta dissertação, ilustrando especificamente
com o caso da Tate Liverpool. Nesse sentido, parte-se de alguns princípios das políticas
públicas de nível transnacional e “desce-se” ao nível nacional e urbano, pela análise dos
contextos sociais, políticos, económicos e culturais, que (en)formam e são (en)formados
pelos micros processos organizacionais da galeria e seu departamento educativo. Por
fim, a 4ª extensão estender a teoria, em que se coloca a questão em torno do lugar da
teoria na investigação etnográfica. Observa-se, assim, como é que a etnografia global,
no processo de extensão e reelaboração da teoria, se propõe produzir conhecimento, que
é resultante do diálogo e confronto entre a teoria disponível e o exercício de dotação de
sentido dos dados.

Finalmente, como segunda secção organizadora do capítulo, discutem-se três técnicas


de aproximação e relação com o terreno – escrita, oralidade e imagem. Através da
escrita, focaliza-se no processo de registo da observação participante, em três Diários de
Terreno, assim como no acesso aos documentos de cada instituição e das políticas
públicas que os enquadram. A oralidade é captada em entrevistas semiestruturadas
focalizando-se nos principais intervenientes do processo educativo. Por fim, a imagem
diz respeito ao retrato das atividades educativas, usadas enquanto “contexto, pretexto e
texto para o nosso trabalho de campo”, como sugerem Carles Feixa e Laura Porzio
(2008, p. 109)

Para finalizar o capítulo, mostra-se o processo de fazer a análise do conteúdo dos dados
recolhidos, construindo uma categorização informada, tanto por preocupações teóricas,
como pela abertura aos inesperados emergentes dos dados.
16

1. A E TNOGRAFIA G LOBAL COMO O PÇÃO M ETODOLÓGICA : OS 4


M OMENTOS DO E STUDO DE C ASO A LARGADO

// Discussão em torno do sentido conceptual de uma etnografia global

A presente secção tem como finalidade principal dar conta da discussão teórica em
torno do conceito de etnografia global e do modo como foram operacionalizados, nesta
pesquisa, os 4 momentos do estudo de caso alargado.

Assim, inicia-se, desde já, a discussão em torno do que significa optar por fazer uma
etnografia global e das implicações dessa escolha, tanto ao nível dos procedimentos
metodológicos, como dos seus fundamentos.

Na verdade, a globalização e a europeização têm colocado novos desafios aos métodos


de investigação das ciências sociais, na medida em que as relações e os processos
sociais não podem ser percebidos como confinados a lugares particulares. Então,
realizar uma etnografia, enquanto metodologia pensada para compreender as relações
sociais restringidas a um determinado espaço-tempo, coloca, com especial acuidade,
diversas questões ao nível metodológico:

i. Será a pesquisa etnográfica a melhor opção? Isto quando se pretende estender o


âmbito da investigação a um espaço tão lato e diverso como o europeu e,
especificamente, a organizações culturais tão distintas como as que estão em causa,

ii. Será que o potencial heurístico da etnografia sairá perturbado ao procurar


compreender a complexidade das relações sociais de cada um e dos vários contextos?
Isto quando se está consciente do “desligamento” do espaço e lugar social, em
condições de globalização.

iii. Como se constrói neste início do século XXI o retrato destes três espaços de cultura
legitimada? Isto tendo presente as suas lógicas intrínsecas, as teorias implícitas sobre
educação cultural, ou mesmo as experiências vividas das práticas pedagógicas?

iv. Como se constrói a implicação e a análise dessas complexidades de forma a capturar


a matriz vivencial destes lugares?

Todas estas questões se articulam com a pergunta pioneira e centralmente iluminadora


de Michael Burawoy, na sua obra intitulada Global Ethnography, “como é que a
17

etnografia poderia ser global?” (Burawoy, 2000, p.1). Da mesma forma pergunta como
é que o estudo da vida quotidiana poderá trazer uma compreensão sobre os processos
que transcendem as fronteiras nacionais.

Assim, este autor sustenta a possibilidade teórica e metodológica da etnografia ser


global, argumentando que esta extensão pode desafiar os seus limites espácio-
temporais. Se a etnografia permite a compreensão de um fenómeno social através da sua
análise num determinado tempo e espaço, o conceito de etnografia global, como
investigação local e historicamente fundamentada, pode permitir pensar além do local,
ao mesmo tempo que ilumina fluxos de pessoas, informações e objetos; regista
interseções geográficas entre diferentes locais e escalas, sem perder a riqueza
fenomenológica, característica da etnografia. Burawoy (ibidem) parte do pressuposto de
que a etnografia, como análise do mundo do ponto de vista da observação participante,
foi desenhada para compreender processos sociais num contexto delimitado – uma
prisão, uma escola, um gang de rua – não sendo por isso pensada para analisar
processos globais. Mas questiona, contudo, se não será já a análise de contextos,
limitados no tempo e no espaço, trespassada por preocupações fundadas nas
problemáticas da globalização.

Na verdade, a etnografia, como proposta de um retrato pormenorizado de um caso ou


evento é um método fundado na compreensão das subjetividades, sentidos e
quotidianos, que valoriza o banal, a “vida aborrecida” (Silva, 2011). Este é um sentido
localizado e contextualizado dentro de um tempo e espaço definido e limitado. Neste
sentido, a proposta metodológica da etnografia é um convite à imersão em contextos de
observação, orientado por uma epistemologia interpretativa que se esforça por dar conta
da singularidade dos fenómenos particulares, dos quais se privilegia a compreensão de
processos sociais, bem como os “objetos falantes” (Caria, 2002).

Agarrando esta perspetiva de fazer uma etnografia global, o/a etnógrafo/a emerge com
um estatuto particular, muitas vezes distante da ciência dominante. A este propósito, um
excerto da entrevista de um dos/as Monitores/as do Museu de Arte Contemporânea de
Serralves, refere-se ao papel do/a investigador/a como uma mosca que cai na sopa, que
se queima e que é inevitável a quem come a sopa. Esta perceção acerca do/a
investigador/a, por quem é investigado, expressa um sentido de ser alguém, cuja
presença não é possível ignorar, o que indica um dos pressupostos essenciais da
etnografia: privilegiar a presença e permanência contínua e prolongada no terreno.
18

“és uma pessoa que está aqui de corpo e alma, que está a participar nas coisas, que se envolve e
que estás a evitar ser aquela figura parasita. Apenas uma... “fly on the wall”, e eu acho que estás
a ser uma “fly on the soup”. Acho que um investigador deve ser um “fly on soup”, deve sentir o
calor da sopa, deve queimar-se com a sopa e... ser inevitável a quem vai comer a sopa. – Está
aqui, está na sopa e não é uma mosca que está na parede, não é? Meramente a observar... e que
nem ferra nas pessoas, nem as chateia” (MACS, Monitor do Serviço Educativo S. S., 2010).7

O “mergulho” na sopa quente é um requisito obrigatório da investigação etnográfica,


sendo o que permite sentir a temperatura e o sabor da mesma, assim como potenciar o
conhecimento aprofundado, neste caso do quotidiano dos serviços educativos em
análise, correndo-se algum risco de afogamento ou de queimadura.

A etnografia convida, deste modo, a uma análise holística do social, ou melhor, pela
imersão procura uma análise centrada na construção social do quotidiano. Quotidiano,
que é partilhado em rotinas de ação, negociado em consensos e conflitos sobre as regras
de significação e de uso legítimo dos recursos (Silva S. M., 2011; Neves, 2009; Casa-
Nova, 2009; Kehily & Nayak, 2008; Silva P. , 2003; Caria, 1999, 2002; Atkinson, 2001,
2004).

Nesta abordagem metodológica considera-se a inexistência da neutralidade, assumindo-


se que os sujeitos transportam para a ação os seus valores, ideologias e imaginários,
contagiando, assim, as relações (inter)subjetivas que estabelecem (Ardoino, 1992).
Desta maneira, pode afirmar-se que a investigação vive de forma dependente, da relação
social que o/a investigador/a consegue estabelecer com os “objetos falantes” porque de
facto “o investigador é o instrumento metodológico central” (Caria, 1999, p. 18).

Por conseguinte, este posicionamento proporciona um novo tipo de relação sujeito-


objeto, da qual nascem novas formas de conhecimento interdisciplinar. Igualmente faz
apelo ao reconhecimento de fenómenos híbridos e miscigenados que exigem uma
abordagem holística, que preserva a complexidade e é possibilitadora da construção de
saberes localizados, não necessariamente limitados.

Com efeito, a pesquisa situa-se num paradigma interpretativo que abarca uma
pluralidade de enfoques e correntes e tem como denominador comum uma postura
antipositivista e o pressuposto de que qualquer ação é fruto de uma interação social.
Inspirado em princípios sobre o conhecimento, fundados na interpretação e na

7
Os realces a negritos nas citações dos dados e dos autores aparecem
como forma de sublinhar e facilitar a leitura.
19

subjetividade, próprios da filosofia hermenêutica8 e da fenomenologia9, procura-se


entender como é que os sujeitos sociais apreendem o mundo social de forma
compartilhada. Assume-se que o conhecimento produzido não é neutro, no sentido
em que a prática científica é uma prática social que é políticamente investida. Tal exige
ao/à investigador/a uma tomada de consciência da posição que assume, assim, como a
abertura aos interlocutores, em que se clarifica o ponto de vista em que se inscreve. De
alguma forma, isto anuncia já a 1ª extensão do método de caso alargado (Burawoy,
1998).

Privilegia-se também a dimensão intersubjetiva da ação humana, o que exige que o


trabalho de interpretação vá para além dos seus modelos interpretativos para incluir
simultaneamente os modelos interpretativos dos autores das narrativas. Ou, como
Anthony Giddens explicita “a teoria prática do público não especialista não pode ser
simplesmente dispensada pelo observador [por ser] obstáculo à compreensão científica
do comportamento humano” (Giddens, 1996, p. 69). Ora, compreende-se que a
linguagem expressa o modo humano de “estar no mundo”, razão pela qual a abordagem
interpretativa dos atos de comunicação e da interação simbólica faz da palavra, melhor
dizendo, da linguagem verbal e não-verbal, o seu material de eleição, a sua matéria-
prima por excelência. Nesse sentido, a filosofia hermenêutica traz às ciências sociais o
reconhecimento do sentido, mas também do cânone hermenêutico da totalidade (Hilton-
Morrow & Harrington, 2007). Nesta teoria, a interpelação entre a unidade do todo e os

8
Hermenêutica, enquanto prespetiva filosófica desenvolvida por Gadamer
sobre como o conhecimento é construído, procura compreender o
entendimento dos sujeitos do ponto de vista do seu contexto histórico e
cultural específico. Funda-se na interpretação, seja a interpretação da arte,
seja a interpretação das interações sociais. Interpretação, neste sentido,
que procura descrever o processo de atribuição de significado através da
experiência, processo este inacabado, no qual o significado de uma obra é
construído/atribuído num processo circular – círculo hermenêutico – que
permanece sempre em aberto. O conceito do círculo hermenêutico é a
contribuição mais duradoura de Schleiermacher à hermenêutica. De
acordo com a teoria do círculo hermenêutico, o leitor só pode
compreender as partes na sua relação com o todo maior, no entanto, o
todo maior só pode ser compreendido através das suas partes
contribuintes. (Hilton-Morrow & Harrington, 2007)
9
A fenomenologia, na prespetiva de Husserl preocupa-se com a
apreensão da essência absoluta das coisas, dedica-se à compreensão dos
fenómenos, propondo uma ciência do subjetivo. A proposta da
fenomenologia passa por compreender o significado que os
acontecimentos e as relações têm para os sujeitos – compreensão
interpretativa das interações humanas.
20

elementos individuais de uma obra permitem a sua interpretação, posição que se


aproxima da proposta esboçada na 3ª extensão do método de caso alargado.

Com efeito, a 3ª extensão que está na base da etnografia global implica um exercício de
interpretação entre um elemento que se compreende como um caso e o todo da realidade
social, ao mesmo tempo que se procura a compreensão do todo pela análise do caso,
indo de micro processos a forças externas.

Por conseguinte, a extensão fundadora da etnografia global encerra o princípio


hermenêutico do recíproco esclarecimento entre as partes e o todo, o que permite
pensar que cada discurso de um sujeito, ou a obra de um autor, podem ser entendidos
como elos de uma cadeia. Este princípio hermenêutico da totalidade convida à
compreensão do todo pelo reconhecimento deste, em cada uma das suas partes
singulares (Bertaux, 1997). Na base desta abordagem, está a asserção do significado que
confere às experiências e ao processo de interpretação das mesmas (como elementos
constitutivos das mesmas experiências) a possibilidade perspetivar a realidade enquanto
soma das experiências socialmente construídas (Berger & Luckmann, 1967).

Ora, o reconhecimento do sentido que emerge desta abordagem visa compreender o


significado que os acontecimentos e as interações assumem para as pessoas comuns, em
situações particulares, o que implica reconhecer que os fenómenos não têm uma
existência independente dos sujeitos.

A Sociologia, regida pelo princípio de que o mundo social se gera a partir de múltiplas
interpretações, busca compreender o processo de construção de sentido operado pelos
sujeitos. Nesta procura, a investigação assenta na implicação como um movimento,
mais do que um estado (Le Grand, 2006), no sentido de que estabelece uma relação de
crescente complexidade, sempre opaca, que se opõe necessariamente à explicação
(linear, simples e causal). Assim, a implicação está imbricada numa temporalidade
histórica e contextual, do mesmo modo que está associada ao conceito de terreno,
enquanto sinónimo de profundidade e dinâmica, que procura algo mais do que o
superficial e que apenas se percebe, através de relações sociais de investigação
implicadas (Le Grand, 2006) – o “mergulho” na sopa quente.

Seguir nesta pesquisa a etnografia global exige transpor dicotomias – entre o todo e as
partes; a estrutura e a agência; extensividade e profundidade – perceção do todo, assim
como de cada um dos casos; enraizar historicamente a etnografia, assim como procurar
21

as regularidades ou forças (Burawoy, 2000). Para este autor, as estruturas ou “as forças
são apenas o contingente histórico resultante do processo que está oculto do etnógrafo”
(ibidem, p. 28) e a desocultação destas forças é um momento essencial do método de
caso alargado, a par da compreensão dos processos locais que constroem o contingente
histórico e que potenciam a constituição de forças globais e a sua perceção, como
naturais e imutáveis.

Estabelecer as conexões e tensões entre o macroestrutural e a vida de todos os dias, pela


consciência de que os processos locais só podem ser plenamente compreendidos se
colocados numa lógica global, é a proposta de Burawoy (ibidem). Percebe-se neste
sentido que o desafio da etnografia global é perceber as relações, práticas e processos
como partes integrantes, constituintes e constituídas de realidades sociais complexas
que, por sua vez, são atravessadas por estruturas cristalizadas e mitigantes, cuja
imaginação de resistência importa considerar.

Decorrente desta forma, a finalidade da pesquisa é perceber estes processos, práticas e


relações como originadas e originárias de resistência, negociação e integração de forças,
conexões e imaginações globais (ibidem). Estas são as três estratégias da etnografia
global, que correspondem a experiências reais de globalização distintas.

Assim, as forças – economia, política ou cultura – são moldadas para além do lugar,
manifestam-se na internalização subjetiva de valores ou crenças (ibidem). Por sua vez,
as conexões constituem estas forças de experiência global mais imediata. Uma visão
mais aberta e menos determinada é proposta pelas imaginações, terceira estratégia de
etnografia global, que potencia a desmistificação da globalização como algo dado,
natural e eterno.

Ao optar por este enquadramento no presente projeto de pesquisa, interessa mobilizar


estratégias de imaginação global. Isto na medida em que a cultura e as artes aparecem,
não só nos documentos de política pública, como são “remédios” para a cura dos
“males” originados na transição para o capitalismo tardio, como ainda parecem conter
reclamações de reconhecimento de novas formas culturais locais e comunitárias, ao
mesmo tempo que se questiona o papel social museológico de muitas instituições. A
proposta de Burawoy parece, assim, ter grande potencial para servir a pretensão desta
pesquisa em ordem a compreender os quotidianos institucionais e as influências
culturais/educativas na programação e o modo como a questão educativa é integrada,
22

estruturada, executada. Desta forma, pensa-se que é interrogado o local das instituições
culturais, enquanto reduto de autonomia relativa educativa e cultural (Fritzell, 1987).

Com efeito, em condições de globalização e de desigual desligamento entre o lugar,


espaço, tempo e sociedade (Giddens, 1996), potencia-se assim uma possível perturbação
na compreensão das relações sociais através da etnografia, só pelo facto de “estar lá”.
Ou seja, confinar a etnografia no tempo e no espaço impede-a de aceder às paisagens
sociais que os sujeitos coletivamente constroem dos processos globais (Albrow, 1997) e
revelar como a globalização está fundada no local (Burawoy et al., 2000). Por
conseguinte, os/as etnógrafos/as globais localizam-se dentro do tempo e espaço dos
sujeitos "que vivem o global” no quotidiano, mesmo que tal signifique estender a
investigação no tempo e no espaço. Isto não significa que o lugar tenha perdido o seu
lugar. Antes pelo contrário.

// Para terminar

Em síntese, a etnografia global, que se escolheu realizar, estuda a globalização, “a partir


de baixo” (Burawoy, 2000), do observável pela participação nas vidas daqueles/as que a
experienciam e produzem, neste caso com recurso a um exame dos três casos muito
distintos. Como tal, a etnografia aparece como a metodologia privilegiada para fixar as
ligações e tensões entre a vida quotidiana e as macroestruturas globais e europeias, pela
consciência de que os processos locais só podem ser plenamente compreendidos, se
colocados numa lógica global e europeia.

A presente investigação constitui-se, então, como ensaio de imaginação etnográfica


europeia que aborda os processos, foca as dimensões de análise de nível
macroestrutural e procura elucidar fenómenos, relações sociais e práticas que têm lugar
nos contextos sociais meso das 3 galerias e micros das interações quotidianas com os
respetivos públicos10 que as usam e que consubstanciam os processos de educação
culturais. Desenhar o percurso analítico das políticas públicas europeias e das práticas
produzidas nos contextos dos serviços educativos dos equipamentos culturais implica
mobilizar perspetivas teóricas, cuja articulação será ensaiada e cruzada no decurso do
processo de investigação e de interpretação dos dados empíricos e dos processos que

10
Por públicos entende-se todos/as aqueles/as que são visitantes do museu
e parte ativa nas suas propostas educativas. Por conseguinte, por não-
públicos entende-se todos/as aqueles/as não perspetivam a visita ao
museu como parte integrante das suas práticas culturais e educativas.
23

estes permitem reconstruir. Significa, assim, construir um olhar sobre determinado


aspeto da realidade social, que se revela assumidamente parcelar.

Nos pontos seguintes, considerando que a etnografia global surge a partir do estudo de
caso alargado, explicita-se como nesta pesquisa a investigação foi estendida aos
sujeitos, como a observação se estendeu ao longo do tempo e do espaço, como se
compreende a integração, resistência e reintegração de forças externas em micro
processos e, por fim, o lugar da teoria neste processo.

1.1. E ST E N D EN D O O O B SE R V AD OR AO P A RT I CI P AN TE

A extensão do observador no mundo do participante pressupõe que o mesmo deixe a


segurança da Universidade e mergulhe nas experiências de vida dos sujeitos. Esta
característica não é nova para a etnografia, sendo mesmo o seu próprio núcleo de
definição que permite aos etnógrafos aceder ao quotidiano dos/as sujeitos.

Na verdade, a etnografia tem e procura criar condições, para que o/a investigador/a
compreenda a cultura do outro e, deste modo, melhor se articular com os sujeitos e
também com o seu senso comum, até porque é com eles (e em parte para eles) que o
conhecimento científico é produzido.

Estendendo do observador ao participante, na perspetiva de Burawoy (2000) que se


segue nesta pesquisa, implica e supõe o movimento de “sensocomunizar” da teoria
científica, o que permite (re) interpretar a 2ª rutura epistemológica (Santos, 1996) pelo
reconhecimento das virtualidades do senso comum, nos quotidianos dos sujeitos sociais.
Para Burawoy, a transferência das conclusões da investigação para os informantes
privilegiados emerge como um terreno sensível, no sentido de que, apesar da
familiaridade com a sua própria realidade, há sempre a possibilidade de surgirem
questões acerca de revelações que nunca foram trazidos à luz, ou mesmo o risco de a
interpretação feita poder ser entendida como sem sentido ou mesmo ofensiva. Também
a questão da restituição do conhecimento é do mesmo modo salientada por Silverman
(1997), quando adverte que, aos sujeitos da investigação, é devida a devolução de um
novo olhar sobre a sua realidade.
24

Por isso, esta obrigatoriedade ética de devolução, ainda que sensível, não é dispensada
na 1ª extensão do método do caso alargado – do observador ao participante. A
devolução possível tem sido ao nível da divulgação científica em congressos e
publicações.

Mas, antes da devolução é pedido aos sujeitos a possibilidade de acesso às realidades.


Assim, tal como Burgess (2001) defende, um trabalho de campo subdivide-se em etapas
que enfrentam diferentes problemas e controvérsias, consoante a conquista crescente de
terreno. A primeira delas é o ganhar acesso, dimensão que se propõe agora
contextualizar e dar conta de como aconteceu nesta pesquisa.

1.1.1. Acesso à Tate Gallery em Liverpool

Após a estabilização do projeto e a seleção dos casos, os primeiros contactos com a Tate
Liverpool foram encetados, uma vez que foi este o 1º local e caso em estudo nesta
pesquisa.

Assim, mesmo à distância, através do site online, procurou-se criar familiarização com
as lógicas organizacionais e modalidades de programação educativa desta Galeria,
nomeadamente sobre as atividades e seus públicos e sobre como e por quem eram
programadas. Depois de identificada a coordenação do departamento educativo foi
endereçado o pedido para a realização da investigação, explicitando a sua natureza e seu
“cariz etnográfico”. Deste pedido constava a apresentação do projeto de investigação, os
seus objetivos, a pretensão de observação a galeria e o tempo estimado de permanência.
A resposta da Head of Education11 chegou via correio eletrónico, dando conta de que o
meu pedido ia ser analisado pela curadora educativa responsável pelo público

11
Uma outra nota necessária prende-se com as designações dos cargos
profissionais de cada galeria. Manteve as designações oficiais em inglês,
nos casos da TL e do CAC, na medida em que se considera que são
expressivos dos lugares que a educação ocupa em cada uma destas
galerias. A designação de Learning / Education Curator (curador/a de
aprendizagem / educativo/a) emergiu na TL com o intuito de colocar a
educação e os/as seus profissionais no mesmo pé de igualdade que os/as
seus/suas colegas das exposições. Contudo, tal não acontece no MACS,
onde a profissional que desempenha as mesmas funções que a Head of
Learning da TL é designada de Coordenadora e não existem curadores/as.
O mesmo se pode afirmar em relação aos/às mediadores/as, se na TL são
designados/as por Artists Educators (Artistas Educadores), preservando a
sua designação como artistas, no MACS, independentemente da sua
formação em Belas Artes, são designados/as de Monitores/as.
25

académico e adulto. Após diversas trocas de correspondência, o pedido foi aceite e


agendado o primeiro encontro no início do mês de junho de 2008.

Após primeira reunião com a Public Programme Curator, na qual, mais uma vez foram
expostos o projeto, os propósitos e a metodologia fui apresentada às restantes curadoras
e ao Education Assistant a fim de que este me fizesse chegar a agenda semanal de
atividades. A partir desta agenda, foram selecionadas as atividades a observar, tendo
presente a pretensão de observar com proporcionalidade toda a oferta educativa da
galeria.

Como será aprofundado mais à frente, as atividades e curadorias do Learning


Department subdividem-se de acordo com os públicos-alvo. A Schools Outreach
Curator é responsável pelo público escolar; a Schools Professional Development
Curator programa a oferta educativa para os/as professores/as; a Family Curator
incumbe-se da programação para as famílias; a Community Curator tem a função da
organização de projetos com comunidades; a Young Tate Curator tem a seu cargo a
programação para o público jovem; por fim, Public Programmes Curator tem, sob a sua
alçada, os públicos académicos e adulto em geral.

Neste sentido, a observação foi estruturada de acordo com aquela estrutura


organizacional. Iniciou-se a pesquisa de terreno pela observação das atividades-eventos
nos espaços mais públicos da galeria, seguindo-se a observação de atividades de
duração mais longa nos espaços semipúblicos culminando, por fim, a observação de
reuniões estratégicas de programação educativa nos espaços privados da galeria. Ou
seja, é possível afirmar, por analogia, que o processo de ganhar acesso na Tate
Liverpool foi o percurso de ir dos espaços públicos até aos mais privados.

Assim, de junho a agosto comecei por observar atividades dedicadas às famílias que
tinham lugar nos espaços expositivos da galeria, como o Tate Explores, ou os públicos
adultos, como o Late at Tate, ou, ainda, visitas guiadas para escolas. Esta entrada pelo
lado mais público da instituição permitiu um acesso “suave” aos quotidianos da mesma.
Nos espaços de exposição encontram-se os Information Assistant, cuja dupla função é
vigiar as galerias e informar os/as visitantes. Face a tais funções estes tinham mais
disponibilidade para falar comigo e para me introduzir no espaço e na sua organização
multifacetada.
26

Ainda em julho deu-se início à observação de projetos de longo curso dedicados aos
públicos jovens – Young Tate12 – e aos públicos com necessidades educativas especiais
– In the Frame. Em setembro, antes do início do ano letivo, pude assistir a algumas das
atividades de formação de professores. Em outubro, acompanhei o início dos cursos de
História de Arte, como o Review, orientado para um público adulto em geral.

A observação das atividades que tinham lugar na sala do serviço educativo, como se
tem vindo a referir, é um passo significativo em direção ao lado interno da galeria. Este
espaço é a principal sala de atividades do serviço educativo e está localizado no
primeiro andar, numa zona periférica às salas de exposição. Acede-se a esse espaço
"semipúblico", de um modo mediado por alguém da Tate. Por conseguinte, trata-se de
um local reservado aos públicos com uma relação mais sistemática com a instituição e
que integram, usualmente, algum dos referidos projetos de longo prazo. Esta evolução e
hierarquia no acesso não significaram o abandono da observação de atividades-evento,
como as orientadas para famílias ou as visitas guiadas às exposições de público escolar.
Em novembro, mantive a participação nas atividades para público adulto geral, assim
como acompanhei as sessões de formações de professores, além de seguir a exposição
final do projeto com as comunidades – In my Liverpool Home.

A observação do Young Tate foi constante, ao longo dos oito meses de investigação
deste caso, o que possibilitou a perceção da evolução deste projeto, através de
subprojetos13. Por exemplo, o subprojecto de verão, intitulado Art Pad, previa a
construção de uma exposição no education studio, como resposta à exposição
temporária14 patente durante o mesmo período. Já Fight Night e Youth Art Interchange
foram subprojetos que acompanharam o início do ano letivo, existindo reuniões de
preparação dos mesmos aos domingos à tarde. No final de outubro de 2008, a galeria
acolheu, ao abrigo destes subprojetos, cinco grupos de jovens de galerias europeias para
trocarem experiências de liderança de oficinas para pares. O aumento de trabalho
associado a este projeto fez com que algumas das Learning Curators solicitassem a

12
Young Tate é um projeto que existe em todas as galerias Tate, criado
por Toby Jackson e Naomi Horlock, em 1994, destina-se ao público
jovem, de idades entre os 16 e 25 anos, projeto que desenvolve uma
abordagem orientada pela liderança de pares e procura promover uma
apropriação da galeria pelos jovens.
13
Chamar a estes projetos, subprojetos remete para o esclarecimento de
que estes existem dentro de um mais lato que é o Young Tate e não se
prendem com a sua dimensão ou duração.
14
“Gustav Klimt: Painting, Design and Modern Life in Vienna 1900”
27

minha contribuição direta: por exemplo, participar nas reuniões internas com os Young
Taters e fazer o acompanhamento destes nas saídas da galeria – comprar materiais ou ir
buscar grupos à estação de comboio ou aeroporto. Esta aproximação, já não aos Artist
Educators ou aos públicos habituais como no momento anterior, antes às Learning
Curators permitiu acesso ao espaço mais privado da galeria, isto é, ao patamar mais
elevado – lugar de planificação e da estratégia –, seja do ponto de vista físico (3º andar),
seja do ponto de vista da hierarquia organizacional. Representou pois um passo
significativo na (in)formalização da relação social de investigação (Caria, 2002) com a
restante equipa de curadores. Se antes me tinha sido oferecido um espaço na Resource
Room15, porta ao lado do estúdio de educação, a partir deste subprojetos fui convidada a
partilhar o espaço de trabalho das/os colaboradoras/es permanentes do Learning
Department.

Assim, o terreno foi constituído por múltiplas entradas e saídas no trânsito de ganhar
acesso ao caso como um todo, como emerge nesta forma mais descritiva de contar o
acesso. A existência de múltiplos projetos de longo prazo (1 ano ou mais), como os já
referidos Young Tate e In The Frame, fez com que para cada um existisse um processo
de entrada e de construção de relações sociais de investigação, seja com mediadores/as
seja com públicos, de permanência e de organização da saída.

Em dezembro, pude observar na Young Tate a alteração da estratégia de captação de


jovens e de execução de subprojectos – aspetos que serão analisados com mais detalhe
na terceira parte desta dissertação – e prossegui a observação de visitas e oficinas com
escolas, cursos de história de arte para adultos e, ainda, as atividades para famílias nos
espaços expositivos.

Aproximando-se o final da investigação no terreno, em janeiro e fevereiro o ritmo


abrandou, assim como a principal preocupação passou a ser a gestão da saída. Contudo,
só nestes meses finais é que acedi às reuniões de planeamento da programação
educativa. Aqui já não acedia apenas à observação da execução da programação, como

15
Na Tate Liverpool existem duas Resource Rooms. Estas são salas
dedicadas à pesquisa e autoformação dos seus colaboradores e
professores. Estão equipadas com computadores, materiais didáticos e
livros. Uma destas salas encontra-se no primeiro piso, ao lado do estúdio
de educação, acessível aos professores que a queiram usar, outra no
terceiro piso para os Information Assistants. Durante os 8 meses de
permanência na Tate Liverpool a Resource Room do primeiro piso nunca
foi usada por professores, apenas por mim, pelos young taters e por
alguns artistas educadores na preparação de oficinas.
28

acontecia nos primeiros meses, mas às atividades de conceção. Pude assim ficar com
um retrato deste caso, “tirado” de três ângulos, pelo menos – dos/as Information
Assistants, dos/as Artist Educators e das Learning Curators.

A frequência com que as reuniões do Young Tate aconteceram, aquando do início desta
investigação, e o lugar que este projeto ocupou na programação e na aproximação da
galeria à cidade é uma questão que será explorada mais à frente. Proporcionaram, no seu
conjunto, um lugar central nesta investigação. A partir do Young Tate, percebi como é
que a galeria se relaciona com os seus públicos assíduos, assim como fiquei mais
elucidada acerca dos papéis profissionais e lugares organizacionais (como os de Artist
Educator ou o de Learning Curator). Nesse sentido, apresenta-se de seguida o ganhar
acesso a este projeto, como uma ilustração do modo como aconteceram os diversos
acessos.

// Young Tate – projeto com jovens

Logo no meu primeiro dia de observação, fui convidada pela Young Tate Curator a
participar na sessão com o público, tal como os/as young taters. Contudo, face ao meu
interesse em conhecer as práticas de mediação e as orientações que as informam
interessava-me mais “participar” nas atividades educativas, do lado de quem as concebe
e executa.

Assim, a atribuição do papel de “fotógrafa” do projeto deu-me um ponto de entrada


naquele grupo, sob um ângulo de conhecimento interessante, relacionado com o lugar
da imagem no trabalho etnográfico, especificamente numa etnografia global. Se os/as
mediadores/as das sessões se mostraram, à partida, solícitos e abertos à minha presença,
os jovens, por sua vez, tendiam a manter uma certa distância. Pelas imagens captadas e,
numa análise posterior, é percetível a progressiva informalização da relação social de
investigação com este público assíduo da galeria. Atente-se as seguintes imagens16:

Na primeira sessão, não fotografei nenhum dos/as jovens e limitei-me a registar alguns
dos produtos do workshop e do espaço físico em geral (Ilustração 2). Já quase um mês
depois, como se pode ver pela imagem (Ilustração 3) o olhar distante e não autorizado
de uma das jovens lembra a inicial distância existente entre nós, o que após um mês de

16
Todos/as os/as jovens que foram fotografados, foram-no com a
autorização dos pais.
29

convivência diária (comigo e com a câmara), se pode traduzir num sorriso aberto, direto
e cúmplice (Ilustração 4).

Aquando do subprojecto Youth Art Interchange, uma das imagens recolhidas foi
selecionada, como relevante, para a apresentação oficial do Young Tate (Ilustração 5).

A ilustração 5, por sua vez, espelha a informalização, já não da relação com os sujeitos
que integram a organização, mas com este público assíduo. Esta é uma fotografia tirada
na Fright Night, que me parece significativa porque, a convite dos/as jovens, passei para
o outro lado da câmara. Na verdade, no final da investigação, já os/as jovens se
encarregaram eles/as mesmos de registar o seu processo de trabalho no workshop
(Ilustração 7), prática que evidencia como foi, entretanto, naturalmente integrado este
processo.

Seja pelo registo destas imagens, seja pelo discurso dos jovens, pode afirmar-se que foi
clara a apropriação da minha presença no contexto, reconhecendo-se este processo de
investigação como valorativo e em certa medida abonatório da qualidade do projeto.
Transcreve-se a nota de terreno, onde registo o discurso de um dos/as jovens
participantes.
30

Ilustração 2 - Young Tate, sessão de 5 de julho de 2008

Ilustração 3 - Young Tate, sessão de 28 de julho 2008

Ilustração 4 -Young Tate , sessão de 5 de agosto de 2008

Ilustração 5 - Young Tate, sessão de 30 de setembro 2008

Ilustração 7 -Young Tate , sessão de 31 de outubro de 2008 Ilustração 6 -Young Tate, sessão de 1 de fevereiro de 2009
31

Percebi que o L. estava a dizer que o projeto (Young Tate) tem sido muito positivo e mais uma vez
estava a referir, parecendo orgulhoso, o facto de ter alguém a fazer o doutoramento sobre o
projeto. Dizia “A Rafaela está a fazer o doutoramento cá... connosco, sobre nós”. (TL - Diário de
Terreno -14 de agosto de 2008).

Apesar de me interessar conhecer a organização pela perspetiva de quem organiza a


oferta educativa, a aproximação e participação no quotidiano dos/as jovens foi
fundamental, no acesso à Tate Liverpool. A partir deste projeto, cuja observação teve
uma frequência diária durante todo o verão, foi possível, de modo mais facilitado, fazer
a aproximação às restantes curadoras da equipa educativa, assim como tornou “natural”
a minha presença no quotidiano da instituição. A propósito da “naturalidade” da minha
presença na instituição, vim a perceber, mais tarde, que a equipa educativa apenas
estava habituada a receber investigadores/as com abordagens quantitativas, em que a
recolha de dados tinha uma temporalidade e permanência muito menor. Todavia, senti
que este modo de fazer foi mais apreciado.

And I think it’s really beneficial to our programs. I know across that the learning team and from
exhibition team we learn so much from you being here, you know all the questions and particular
research – all of this is useful for our programs as well. (TL Learning Curator - Young Tate C. B.,
2008)

It’s nice to have Rafaela in an open discussion and being kind of objective because we have been
so day to day weren't we? (TL Learning Curator - Public Programmes C. P., 2009)

Se me reportar agora ao processo de observação no Education Studio, foi-me pedido


que "tomasse conta" dos Young Taters – os/as jovens não podiam ficar sozinhos/as, sem
a presença de um adulto vinculado, no espaço da galeria. Além disso, foi-me solicitada
ajuda na realização de algumas tarefas, nomeadamente na planificação de workshops e
projetos de âmbito mais alargado. Depois já me era reservado um papel em
determinados projetos, como documentar fotograficamente atividades; acompanhar os
estagiários em reuniões noutros departamentos, ou até acompanhar os/as jovens na
organização e compra de materiais fora da galeria.

Este processo de acesso aos espaços “privados” da galeria espelha também o processo
de aproximação à equipa educativa e ao seu trabalho. Se inicialmente a posição de
observação era sobretudo como “público” – observação do produto – gradualmente fui
transitando para momentos integrantes do processo de construção de produtos –
32

planificação, estratégia, financiamento, comunicação e avaliação, culminando no


convite para participar numa reunião, em torno da planificação da agenda estratégica
entre as 4 galerias Tate (Tate Britain, Tate Modern, Tate St. Ives e Tate Liverpool) para
o Young Tate. Do mesmo modo, à medida que fui subindo para o office, ia-me sendo
pedida colaboração na realização de algumas funções, como se referiu antes.

Contudo, tal como Burgess (2001) sustenta, e pude vivenciar nos vários contextos,
entrar no terreno e ganhar acesso a este, pode ser difícil e desafiante, sendo por isso um
momento da investigação significativo, na medida que levanta vários dilemas éticos,
assim como pode ser emocionalmente desgastante pela resistência (interna e externa).
Contudo, enquanto elemento estranho àquele lugar, a entrada no terreno pressupõe a
existência temporária e, logo, a saída. Dependendo do nível de implicação construído, a
saída do terreno pode ser, também, um momento difícil e de grande exigência
emocional. A gestão da saída da Tate Liverpool foi particularmente difícil pelas
ligações que haviam sido criadas com todos/as informantes e observantes,
essencialmente, pela consciência de que não poderia voltar a visitá-los/as com a mesma
frequência. Neste sentido, é elucidativa a nota de terreno da última sessão com o projeto
Young Tate, na qual, os/as jovens integraram a minha despedida na programação dessa
sessão:

Hoje foi a minha última sessão com os YT. Quando cheguei ao estúdio de educação uma das YT
veio-me abrir a porta e foi a primeira vez que tive direito a um abraço. Quando cheguei já alguns
jovens estavam sentados em volta de uma mesa com a C. Estavam à conversa, a beber chá e a
comer brownies e muffins de chocolate. Como era o último dia, prometi que fazia um doce. Fiz
brigadeiros, com bolinhas de açúcar coloridas por cima.
B. e C. (duas jovens) tinham preparado a sessão, incluindo já a minha despedida no plano da
sessão. Ofereceram-me um postal feito por eles e um pássaro de papel, que me pediram que o
fotografasse nos vários lugares para onde viajasse e que lhes devolvesse as fotografias. A
despedida foi muito dura. (TL - Diário de Terreno - 1 de fevereiro de 2009).

Em síntese, a observação impõe um fecho. Apesar de terminar a observação, não se


pode afirmar que se deu a verdadeira saturação dos dados, antes estava em causa a
imposição do final do estudo, face ao cronograma pré-estabelecido. Na verdade, o final
do estudo também coincidiu com momentos de alteração de estratégias em alguns
projetos e, como tal, continuava a curiosidade de conhecer não só o processo de
mudança, mas também a estabilização da nova ordem. Mantinha-se o interesse de
33

continuar o estudo. Se houve saturação no conhecimento, foi relativa ao conhecimento


de práticas anteriores e dos modos de estruturação das galerias, ou dos modos operandi
do departamento educativo. Ou seja, estou convicta de que conheci o que era
reconhecido como importante na execução das suas atividades. Desta forma, penso
poder afirmar, tal como Telmo Caria (1999, p. 133), o efeito de saturação está
dependente do objeto de estudo, isto é, "a saturação está condicionada às
perguntas/problemas que a investigação privilegia" e, neste caso, também à imposição
da pesquisa avançar para o segundo estudo de caso.

1.1.2. Acesso ao Šiuolaikinio Meno Centras em Vilnius

A mudança do primeiro caso em estudo, a Tate Liverpool, para o segundo caso, o


Šiuolaikinio Meno Centras (CAC), de Vilnius na Lituânia, implicou naturalmente
mudanças profundas. Estas mudanças foram tão grandes que elas próprias representam a
distância geográfica, cultural, linguística e histórica, de pensar o educativo a partir do
“ocidente” para o “leste” europeu.

O processo de escolha da galeria CAC esteve relacionado, como se disse, com o critério
central de seleção das instituições culturais, isto é, de estarem integradas na
programação da Capital Europeia da Cultura da mesma cidade. Apesar da opção recair
em galerias ou museus de arte contemporânea, a seleção de uma instituição em Vilnius
não foi automática, como nos outros dois casos. Colocou-se a possibilidade de optar
entre a Nacionalinės Dailės Galerijos (Galeria Nacional de Belas Artes) e o Šiuolaikinio
Meno Centras (Centro de Arte Contemporânea). A primeira abriu em julho de 2009,
como ramificação do Museu Nacional Lituano, dedicado ao período Moderno e
Contemporâneo. Esta galeria, além de não cumprir integralmente os critérios, na medida
em que era demasiado “jovem” e de fraca presença na dinâmica cultural da cidade e na
programação CEC, não era uma instituição bilingue. Desde logo, ao ter Lituano como
única língua, tal significava que toda a programação, inclusive a educativa, decorria
apenas nessa língua, o que impossibilitava a realização da minha observação.

Assim, foi escolhido o Šiuolaikinio Meno Centras (CAC) que tinha sido inaugurado em
1992, após a independência da Lituânia, tendo já quase 20 anos de existência na altura
da pesquisa, tal como nos outros dois casos em estudo. Além disso, esta galeria de arte
contemporânea, diferentemente da outra, apresentava outras vantagens – ser bilingue
(Lituano e o Inglês como línguas oficiais) e ter forte presença histórica na cidade e na
34

programação da CEC. A desvantagem, face aos outros dois casos do estudo, era o facto
desta galeria não deter uma coleção de arte contemporânea e um serviço educativo.

Em verdade, durante a troca de correspondência com o CAC tive como principal


interlocutora a curadora responsável pela comunicação – Press and Public Relations
Curator. Nessa altura, percebi que não existia um departamento educativo no CAC, mas
imaginei a existência de um programa de atividades educativas equivalentes ao das
outras galerias – visitas, oficinas, conferências. Com efeito apesar de alguma indecisão
inicial, quanto à escolha desta instituição, a opção também teve em consideração o
encorajamento no sentido de tomar o CAC como a instituição a pesquisar em Vilnius,
por parte da Press and Public Relations Curator.

Todavia, já em contexto de observação pude perceber e esclarecer que até à abertura da


Nacionalinės Dailės Galerijos, no CAC não existia objetivamente uma coleção de arte
contemporânea. A produção e exposição de arte contemporânea aparecem publicamente
consideradas como menores, face a uma perceção do CAC como museu imaginário com
uma coleção simbólica (Trilupaityte, 2005). Esta constatação é já no terreno confirmada
aquando da entrevista com a Press and Public Relations Curator do CAC, quando
refere que o CAC, como “um verdadeiro museu”, cuja programação, durante os
primeiros anos, privilegiou exposições de artistas modernistas reconhecidos pela
história de arte ocidental, mas inacessíveis durante o período soviético.

So earlier CAC had much more of the museum kind of shows. I think now we’re going to have less
of this kind of shows, because we have newly opened museum which is the best place for museum
exhibitions […] For example, we had that exhibition showing photography… 1945-1996, it’s a
museum kind of show, kind of historical survey. […]We also had that responsibility to show
Lithuanian art classics and to show those artworks which are now shown in the permanent
collection of the National Gallery. Because this art should have been represented somehow too.
So, now our hands are much more free. (CAC Press and Public Relations Curator R.D., 2009).

Esta perceção, tal como Press and Public Relations Curator do CAC argumentava,
assentava no facto do CAC ser o único espaço público dedicado à arte do seu tempo,
sentindo-se a necessidade de, em determinados momentos, fazer retrospetivas que
mostrassem grandes nomes da história da arte ocidental, tal como Man Ray “Photos and
Objects” e Antony Gormley com “Field” em 1995, ou mesmo, Andy Warhol “Paintings,
Prints” em 2000, a par de artistas nacionais, que figuram na coleção da Nacionalinės
Dailės Galerijos. Este olhar era para os informantes privilegiados o papel da
35

Nacionalinės Dailės Galerijos, enquanto o CAC ficava liberto dessa “obrigação” e podia
dedicar-se ao seu verdadeiro papel.

Esta arrumação de papéis de produzir, expor e mostrar arte é de si já indicativo do lugar


do CAC, face aos públicos da cidade. Na verdade, no decurso das entrevistas percebe-se
este articulado de questões.

Not represent the challenge, but other institution which is dedicated to the education and the
explanation of art and the collections – that’s what national museums have to do, we’re not
responsible for that. So, I just think some of that responsibility will naturally shift[…]And now we
have the National Gallery which represents a new host and space for exhibition making. (CAC
Diretor K. K., 2009)

We also had that responsibility to show Lithuanian art classics and to show those artworks which
are now shown in the permanent collection of the National gallery. Because this art should have
been represented somehow too. So, now our hands are much more free. (CAC Press and Public
Relations Curator R.D., 2009)

The Gallery is very successful project and I think they have very good attendance, they have some
40 000 visitors since June – this is the number we get in a year and we are central, and they are a
bit away. But of course they are also very active, they have some different strategies – they have
educational department, they have bigger auditoriums, they have few events per week for free
almost of something like this. Also they’re good organized, I like the atmosphere there, it’s good,
and it’s clean at least for now. They have good exhibitions, blockbusters – people go to see it.
(CAC Curator V. K., 2009)

// A entrada e as dinâmicas observadas no CAC

O início da investigação neste estudo de caso iniciou-se, em fevereiro de 2009, com a


observação de uma visita guiada para professores, em Lituano, orientada pela Press and
Public Relations Curator.

O segundo momento de observação, só teve lugar em meados de março, através da


participação em dois eventos, uma oficina e um seminário, conduzidos por dois artistas
Filipinos que tinham uma obra exposta na “Code Share: 5 continents, 10 biennales, 20
artists17”. O seminário teve lugar na Academia de Artes de Vilnius com o propósito de

17
A exposição parte da ideia de que o mundo da arte, e não só, se tem
organizado em torno de grandes festivais e eventos, tais como bienais e
que parece persistir a ideia de que existe um espaço vazio, um deserto
artísticos nessas cidades, entre os 2 eventos. Parte, igualmente, da ideia de
que as companhias aéreas partilham passageiros para se tornarem mais
36

apresentar a obra destes dois artistas e convidar os/as alunos/as a participar, no dia
seguinte, numa oficina no CAC, que se veio a transformar numa conversa.

Ainda no âmbito da mesma exposição, observei as visitas guiadas pelo curador, que
aconteciam todas as sextas ao final da tarde, se houvesse público para as mesmas. Um
outro seminário foi assistido, desta vez, com um caráter académico, proferido por um
investigador Australiano, no qual se procurava questionar o que é o sul e as relações
entre os países do sul.

De abril a setembro tiveram lugar muito poucas atividades. Observei a inauguração de


uma nova exposição, em torno da qual, não foram propostas quaisquer atividades de
mediação com os públicos. Ainda em abril, no âmbito da preparação do novo design da
“CAC Reading Room”18, a convite de uma das curadoras, duas jovens estudantes de
Belas Artes voluntariaram-se para colaborar com o coletivo de design holandês na
decoração/bordado das cadeiras da “CAC Reading Room”. Em maio, teve lugar o
evento “Opening of 2nd Lord’s Palace”, que veio a integrar a exposição “Urban Stories.
The X Baltic Triennial of International Art”19 que, como é referido, é o evento pináculo
de arte contemporânea da Capital Europeia Cultura 2009 e programação do CAC
(Contemporary Art Centre, 2009). Este evento consistiu em levar, para o centro do país,
o pequeno pavilhão de madeira que, durante sete anos, serviu de centro de informação
sobre a reconstrução do Palácio do Lorde no centro de Vilnius, aí inaugurado como o
Segundo Palácio do Lorde. Esta pressuposta reconstrução do palácio original para os
artistas Gintautas e Mindaugas Lukošaičiai é a construção do terceiro Palácio do Lorde.

rentáveis, Code Sharing é uma seleção de 20 artistas que estiveram


presentes em 10 bienais dos 5 continentes. Simon viajou para alguns
países e fez ele próprio a seleção dos artistas. Para outros pediu a opinião
de colegas locais.
18 "CAC Reading Room" é um espaço criado a partir da transformação
da galeria do piso 0 e da expansão do já existente Info Lab no piso 1. Este
espaço de leitura para além de ser pensado como uma biblioteca e arquivo
para a coleção de arte vídeo, pressupõe o acolhimento de eventos, como a
apresentação de eventos de arte e educacionais. O design do espaço foi
concebido pelo coletivo de arquitetos e designers Anouk Vogel, Johan
Selbing, e Bart Guldemond.
19
A exposição foi fundada como a Trienal do Báltico de Arte
Contemporânea Jovem na República Socialista Soviética da Lituânia, em
1979. Durante o período soviético e até o final da década de oitenta foi
orientada por uma tentativa de mostrar arte emergente e não-conformista;
após a restauração da independência da Lituânia, em 1990, foi continuado
como um dos eventos centrais do CAC.
37

Neste sentido, levar o pavilhão de madeira para o centro do país é um símbolo da busca
pela democracia; da crítica à clivagem entre a cidade capital e o resto do país, clivagem
essa acentuada pela CEC; e essencialmente uma crítica à (re)construção do Palácio do
Lorde.

De setembro a novembro, teve lugar a “Urban Stories. The X Baltic Triennial of


International Art” que foi o evento pináculo de arte contemporânea da Capital Europeia
Cultura 2009 e da programação do CAC em 2009 (Contemporary Art Centre, 2009).
Neste sentido, à volta da Trienal do Báltico observei diversos eventos, nomeadamente
as visitas guiadas, conferências de imprensa e festas de inauguração e de encerramento.
Ao longo destes três meses, participei não só eventos artísticos como em performances
e projeções de filmes, tendo observado todas as atividades da série “Wednesday
Lectures”, que era constituída por seminários e projeção de filmes. De igual modo,
observei algumas atividades que ocorreram no espaço da CAC Reading Room, mesmo
as que não eram organizadas pelo CAC.

Sem dúvida, que este foi o estudo de caso, no qual o processo de recolha de dados mais
foi afetado pelos obstáculos e resistências do terreno, pelo que aqui se acentua um foco
maior nas dificuldades e resistências que o atravessaram.

Começando pelo princípio, o clima e a língua constituem, desde logo, a grande


dificuldade, como se vê na primeira frase do registo no Diário de Terreno do CAC
relacionada com o tempo agreste. Chegar a Vilnius, em pleno inverno, talvez não tenha
sido a melhor opção, tendo acrescentado uma dificuldade extra:

o tempo não é um fator a ignorar na 1ª impressão que tive do CAC., deveriam estar uns -4C, o céu
estava cinzento, prestes a nevar. Quando entrei, pela primeira vez no CAC, senti uma atmosfera
bastante escura, muito pouca luz artificial, tinha uma temperatura um pouco mais amena que a do
exterior, mas nem por isso era possível estar sem casaco. (CAC - Diário de Terreno - 09 de
fevereiro de 2009)

// Dificuldades e obstáculos no processo de ganhar acesso

Ganhar acesso ao CAC, tendo em conta a especificidade da galeria de Vilnius face ao


que conhecia e aos parâmetros mais ocidentais que me modelam, esbarrou com
múltiplas dificuldades, pelo que entendo que não consegui atingir o conhecimento
empírico e a informalidade da relação social de investigação que foi possível atingir nos
outros dois casos. Por isso, o acesso e o trabalho no terreno adquirirem tonalidades de
38

aproximação e implicação muito mais débeis do que nos outros casos. Houve
resistências que atravessaram este processo, tais como a língua, o clima, as questões de
investigação e o uso do próprio método etnográfico. Dir-se-ia que se deparou com um
contexto bastante adverso à etnografia, não só pela estranheza do método face a uma
ciência fixada e dominante, como pelo desconforto da própria etnógrafa. Mais ainda, a
Lituânia devido à crise económica, como se revela na nota de terreno abaixo, procedera
a cortes financeiros enormes no campo da cultura e, especificamente, nesta Galeria,

Nessa conversa, a R. focou o facto de que devido aos cortes orçamentais, na ordem dos 40%
tiveram que proceder a grandes alterações na programação, nomeadamente ao corte grande
parte das atividades do public programme. (CAC - Diário de Terreno - 9 de fevereiro de 2009)

Na primeira reunião que tive com um representante do CAC, foi-me dito que a maioria
de atividades de apoio à interpretação tinham sido canceladas, se não mesmo a quase
totalidade, como forma de fazer face aos cortes orçamentais. Esta informação é, desde
logo, relevante para uma compreensão do lugar que a educação ocupa na missão do
CAC, para além de se revelar como um significativo obstáculo para esta investigação.

Por isso, na impossibilidade de observar atividades educativas, iniciei o estudo de caso


do CAC por entrevistas aos/às curadores/as. Neste caso, a observação participante não
obteve o protagonismo dos outros dois, porque não havia atividades para observar. O
que, por sua vez, levou a que as entrevistas tivessem lugar, sem que através da presença
continua no local, se construísse uma relação de confiança.

De igual modo, a organização dos espaços de trabalho dos curadores em gabinetes


individuais, num espaço privado da galeria, contribuiu, de forma significativa, para que
não conseguisse partilhar dos quotidianos dos curadores, com exceção daqueles que
trabalhavam a partir da Reading Room – uma espécie de biblioteca que se situa no piso
da entrada. Este sim, um espaço público, ao qual, tanto eu como os públicos acediam de
forma mais descomprometida, o que me permitiu criar uma relação de investigação
mais próxima com os curadores que trabalhavam a partir da Reading Room. Este nível
de relação e de confiança possibilitou que, no segundo ciclo de entrevistas, realizadas
no final da investigação, se conseguisse que estes curadores tivessem um discurso mais
fluído e menos formal, em relação ao que haviam tido no primeiro ciclo de entrevistas.

Todavia, a inexistência de atividades, para observar, não se traduziu só numa relação


social de investigação mais pobre, mas também no que no Diário apelido de busca
39

“desesperada por terreno”. Esta procura de terreno assume contornos de “desespero”,


porque me levou a questionar, em vários momentos da pesquisa, se a opção pelo CAC
teria sido a melhor, assim como o que se deveria incluir como atividade educativa.
Atente-se no seguinte excerto do Diário de Terreno, onde dou conta desta questão.
Nesta nota escrevo sobre um evento não organizado pelo CAC que teve lugar na CAC
Reading Room:

Tenho imensa dificuldade em escrever esta nota porque não sei em que focar o meu olhar. O que
é que eu estou à procura? O que é que eu quero observar neste evento? Será que estou numa
espécie de desespero por terreno que tudo vale como estratégia/ prática educativa do CAC?
Esta é uma aula da Universidade Aberta que está a decorrer na Reading Room. Como forma de
dinamizar o espaço, este é cedido para a organização de eventos. A temática que é tratada está
completamente fora do âmbito da trienal. Enquanto estratégia de aproximação do público à
galeria, a única coisa que posso pensar é que todas estas pessoas entraram no CAC e estão na
Reading Room, algumas mesmo agarraram em alguns livros.
Um rapaz com calças de uniforme militar e de casaco de pele preto sentou-se na mesa onde são
colocados os flyers e vai lendo alguns, nos intervalos entre as traduções (o discurso do orador em
Inglês era traduzido para Lituano). Outro Sr. quase careca, mas com rabo-de-cavalo e óculos de
metal redondos, parece ser o fotógrafo do evento e vai folheando alguns dos livros dispostos nas
mesas entre alguns disparos.
Mas é isto, nada mais do que uma aula não programada pelo CAC. (CAC - Diário de Terreno - 17
de novembro de 2009)

Contudo, o reverso deste quase deserto de terreno é o aflorar da reflexão. Isto é, a


ausência de suportes à interpretação levou-me a questionar o porquê desta ausência.
Procurei avidamente compreender o que é excluído da programação das atividades
educativas num corte de 40%. Só vim a compreender melhor esta opção do CAC pela
quase etnohistória (Burawoy, 2000) que tive que fazer. Um mergulho no passado que
foi determinante para compreender, contextualmente, o porquê da aversão do CAC à
animação.

// Questões de etnocentrismo na investigação

Uma outra resistência passou pelo constatar que estava a investigar uma questão
sensível para a instituição e, como tal, a resistência que senti, desde logo, prendia-se,
também com o estar interessada em algo que não era percebido como potencialidade da
galeria. Após a fase das entrevistas exploratórias, percebi que estava à procura do que
não existia, ou que talvez não fizesse sentido o meu objeto naquele contexto. Não
40

porque o CAC não pudesse estar a oferecer educação cultural, mas porque eu estava a
olhá-la de uma perspetiva etnocêntrica, a partir do ângulo da literatura sobre educação,
produzida na academia ocidental e capitalista (Hooper-Greenhill, 1991, 1999, 2000).
Isto é, as relações com os públicos podem acontecer por canais mais informais e menos
estruturados, ou então, talvez para o contexto do CAC não se colocasse a necessidade de
formar públicos para a arte contemporânea, ou ainda, talvez não fosse pertinente o
propósito de “formar cidadãos criativos” (Florida, 2002).

Sobre esta questão, a propósito da descrição da observação no Diário de Terreno de uma


das sessões da “Wednesday Lecture” da exposição “Vilnius COOP”, confesso a
distorção etnocêntrica do meu olhar face ao conceito de comunidade.

O artista convidado descreveu vários projetos, com particular relevância para o número da
revista dedicada à divulgação de projetos de arquitetura comunitária. No final da apresentação
só houve uma questão e julgo que terá sido feita por alguém da organização: "I guess you are
aware of the different meaning that common, community and all the related concepts have in post-
communist countries."
Pareceu-me que ficou o orador surpreendido com o comentário, como se nunca tivesse pensado
sobre o assunto. A mesma pessoa, que o interpelou pela primeira vez, voltou a salientar que nos
países comunistas, as pessoas eram forçados a pertencer a uma comunidade, a formar uma
comunidade, não o faziam de livre vontade. Os apartamentos comunitários estão repletos de casos
de demonstram a falência dessa tentativa. Por exemplo, as cozinhas eram partilhadas, mas todas
as pessoas queriam ter o seu próprio fogão, o que tornava a vida diária muito difícil, nos
pormenores mais práticos.
Eu partilho da estupefação do orador. De facto esta ideia de comunidade parece ser uma das
questões que mais distingue países capitalistas dos pós – soviéticos. Uma das curadoras do CAC
escreveu um artigo sobre a conotação negativa que a animação sociocultural assumiu na Lituânia
pós – soviética, pelo forçar desta experiência comunitária. Explica que a ideia de cultura
comunitária remonta às casas da cultura soviéticas que pretendiam regular toda a vida pública
das comunidades. Com a exclusão da igreja, o estado, através da comunidade, assumiu a
orientação da vida pública, antes regulada pela igreja - nascimentos, casamentos, funerais –
assim como toda a produção cultural que estava presa ao realismo soviético e à necessidade de ir
ao encontro do horizonte e de expectativa da população.
Quando escrevo isto, às vezes é-me difícil ser crítica. A priori parecem ser ótimas ideias. A
comunidade toma em mãos o que antes estava aprisionado pela igreja; os artistas tinham o
compromisso de considerar a receção das suas obras. Contudo, pelos relatos e pelas leituras
percebo a distorção das conceções iniciais em favor da preservação do regime e do controlo da
iniciativa individual. (CAC - Diário de Terreno - 7 de outubro de 2009)
41

Aqui, o etnocentrismo aparece plasmado no Diário de Terreno, num exercício de


reflexão que procura fazer sentido a uma realidade, em que não detinha instrumentos
teóricos ou outros para compreender. Contudo, a incompreensão cultural não se põe só
para a investigadora, como Caria (1999) afirma. O primeiro estereótipo que tive de
ultrapassar prendeu-se com a associação entre mim e a questão de investigação. A
perceção de que a animação é algo dispensável, um ruído do passado, imposto pelas
influências anglo-saxónicas, trespassa todas as entrevistas exploratórias, que estão
repletas de expressões, que no momento percebi como provocatórias, tais como: “As
crianças não têm que gostar de arte contemporânea”, ou ainda “O que Liverpool faz é
populismo”.

Em síntese, neste contexto, ganhar acesso ao CAC revestiu-se de ser capaz de me


adaptar, perceber, desconstruir e contrariar as mensagens institucionais iniciais, que
pareciam pretender transmitir uma imagem inicial, que parecia como a demarcar uma
posição dentro do campo (Wacquant, 2005) – nós incentivamos a produção e
mostramos a arte de hoje, de forma livre, sem mediações ideológicas ou distorções. Na
verdade, queria ver além desse pronto-a-apresentar. Nessa desconstrução procurei uma
intervenção negativa do investigador (Caria, 2002) transmitindo uma imagem
consistente de que não era a questão de investigação, estando, ao mesmo, aberta à
curiosidade do contexto, a fim de me dar a conhecer. Abordagem que não passou ilesa
aos obstáculos.

Estes obstáculos, puseram a nu a evidência de que se impunha ultrapassar os sentidos e


os pré-conceitos iniciais mútuos; ultrapassar o meu deslumbre face ao trabalho
educativo da TL; e ultrapassar o meu olhar “ocidentrocêntrico”. Neste caso, foi, sem
dúvida, mais difícil perceber se havia recolhido informação suficiente, pelo que concebo
este estudo de caso, como num contínuo processo de entrada, que foi dificultado por
múltiplos obstáculos.

Hoje foi o último dia do trabalho de terreno no CAC. Como é 2a feira a galeria está fechada ao
público, mas usualmente todos estão a trabalhar e a Reading Room está aberta. Contudo, desta
vez quando cheguei depois do almoço, como já não há luz natural, a galeria estava as escuras.
Estava só uma 1 pessoa na front desk que encolhia os ombros à medida que eu ia perguntando
pelas pessoas. Quando chegou ao nome do S. disse: "office".
42

Fui até ao escritório do S. para me despedir, o qual me perguntou:"Did you got all the
information that you wanted?" Respondi: "I think I have quite good material in the interviews".
(CAC - Diário de Terreno - 23 de novembro de 2009)

1.1.3. Acesso ao Museu Arte Contemporânea de Serralves no Porto

O acesso ao MACS, apesar de ser a instituição mais “próxima de casa”, na realidade foi
aquela em que tive compassos de espera mais demorados, para conseguir autorização de
pesquisa. Depois de várias tentativas de contacto, por correio normal e eletrónico, e para
facilitar o processo, decidi participar numa das visitas guiadas ao MACS, aquando do
congresso “Pensar o Museu” e ai abordar o Diretor deste. Após apresentação da
investigação e dos casos entretanto já pesquisados, ficou combinada uma reunião, na
qual me foi concedida autorização para iniciar a investigação, que veio a ter lugar em
janeiro de 2010.

// O acesso às atividades educativas

Tal como nos dois casos que antecederam o MACS, comecei por tentar perceber a
oferta educativa como um todo, como se estrutura, seja em termos de atividades, seja
em termos de públicos, tendo por base o organograma do Serviço Educativo (SE).
Procurou-se observar toda a oferta, cobrindo, de uma forma aproximada, a oferta
orientada para escolas, uma vez que era o tipo de atividade principal, em termos de
número, tipo e frequência das iniciativas, pelo que também a observação teve uma
maior incidência sobre esta oferta. Observaram-se uma a duas atividades por dia.
Assim, a assistente da direção, à semelhança do que acontecia na Tate, enviava-me um
mapa das atividades da semana, a fim de poder selecionar o que observar.

Iniciou-se, assim, a pesquisa de terreno, em janeiro de 2010, pelo acompanhamento e


participação nas oficinas do Projeto com Escolas20, que se prolongou ao longo de toda a
pesquisa. Observaram-se outras atividades dedicadas ao público escolar, tais como as
Conversas no Museu, que consistiam em discussões sobre arte contemporânea com

20
O Projeto com Escolas é um projeto anual, no qual se privilegia uma
estreita relação entre o MACS e escolas de vários ciclos de ensino. Este
projeto propõe um tema, a partir do qual as escolas têm que criar objetos
passíveis de vir a ser expostos no museu. Para tal, o MACS oferece, ao
longo do ano letivo, várias proposta de apoio à realização desse objeto,
desde a disponibilização de algum material a seminários e oficinas para
professores e oficinas para crianças e jovens.
43

jovens do ensino secundário, que tiveram lugar durante todo o tempo de presença no
terreno.

Em fevereiro, mantive o acompanhamento do Projeto com Escolas e das Conversas no


Museu, além da observação de várias oficinas ligadas às artes (exemplo, Verde sobre
Verde e Livros de Artista), à arquitetura (Arquitetar), assim como visitas guiadas às
exposições e ao parque. Tive, ainda, em consideração os públicos não-escolares, sejam
as crianças da oficina No Rasto da Fotografia e visita-oficinas, sejam os públicos
adultos (exemplo da projeção no Cinema Passos Manuel do “Film Festival”).

A partir do mês de março verificou-se uma maior diversificação das atividades


observadas. No que diz respeito ao público adulto, acompanhei uma oficina e um
seminário para professores, no âmbito do Projeto com Escolas.

Também pude observar como a inauguração de exposições desencadeia um conjunto de


ações e tarefas, tais como as reuniões de preparação das atividades do SE que
acompanham as exposições, assim como as conferências de imprensa e as visitas
guiadas com o curador e as visitas guiadas ao meio-dia de domingo, para o público em
geral. Ainda associado às inaugurações, pude observar a projeção de um documentário
sobre a obra atual de Lurdes Castro e uma Conversa com Dara Birbaum. Também no
âmbito da oferta educativa para o público adulto, tive oportunidade de acompanhar dois
cursos, um dedicado à relação entre cinema e psicanálise (Cinema e Psicanálise) e outro
sobre as relações e ligações entre os movimentos sociais e as artes plásticas em Portugal
(As Fúrias).

Mantive de forma continuada a observação das oficinas do Projeto com Escola, sob o
título Máquinas, que culminou na inauguração duma exposição, no Dia Mundial dos
Museus. Ainda como se procurou acompanhar as atividades para o público escolar, que
estavam fora do âmbito do Projeto com Escolas, tais como a Arte e Paisagem para
jovens no ensino secundário; as oficinas para as famílias, que se começaram a realizar
com maior frequência ao domingo, a partir do primeiro trimestre de 2010.

Em meados de março, fui convidada a integrar as sessões de formação dos/as


Monitores/as, que decorreram em duas sessões ao final tarde. Nos períodos de férias da
Páscoa acompanhei duas oficinas, de uma semana cada, uma orientada para crianças
que pagaram a sua inscrição, e outra para crianças a quem o MACS ofereceu a
44

participação. Por fim, observei as reuniões de preparação a as oficinas do SE no evento


Serralves em Festa.

Como se afirma no excerto da nota de terreno de 27 de janeiro de 2010, “Apesar da


entrada no terreno estar a ser suave e sem grandes sobressaltos, não deixa de ter a
complexidade de ser sempre uma entrada”. Pode-se afirmar, genericamente, que o
processo de aproximação ao MACS não teve pontos de dificuldades nem “pontos de
viragem” de maior. Foi um processo de progressiva aproximação, principalmente, no
que diz respeito aos/às mediadores/as do SE, o que foi feito através da observação
participação das atividades que estes lideraram.

// Sobre a presença e implicação no terreno

Um aspeto fundamental que foi ganhando importância ao longo do trabalho foi o


impacto provocado pela minha presença. Isto remete para a forma como os/as sujeitos
me viam e sobre o lugar que ocupava no contexto de investigação.

No MACS interessava-me, tal como nos outros estudos de caso, ver a instituição sob o
ponto de vista de quem a pensa, organiza e põe em prática. Por conseguinte, tentei criar
uma relação de proximidade com os/as mediadores/as – Monitores/as – das atividades
educativas, que, não invariavelmente, se consubstanciou num apoio muito direto na
execução dessas mesmas atividades. Disso dá conta o diário de terreno,
especificamente, através do registo de uma conversa tida com os Monitores/as acerca da
minha contribuição para a execução de uma oficina, o que é fundamental para a
produção etnográfica.

Enquanto conversávamos o S. perguntou-me:


S: amanhã vens outra vez?
R: se vocês não se importarem venho.
S: sim?
R: sim venho.
S. pensei que depois do dia que hoje que não vinhas mais…
R: não…
S: então isso é ótimo. Foste uma ajuda preciosa.
So: tens a certeza? É que foste mesmo preciosa.
R: sim, se vocês não se importam eu prefiro estar a fazer convosco do que estar num canto a
observar.
So: mas vê lá, porque assim estás a fazer e não a observar.
R: sim, não te preocupes.
45

S: ótimo…
So: mesmo com a tua ajuda eu não consegui dar nenhum apoio criativo, foi só logístico, imagino
sem ti!
Estas questões da So puseram-me a pensar se de facto esta não será uma intervenção excessiva.
Porque noutras oficinas vou ajudando, mas mais no sentido de chegar materiais e pouco mais;
mas neste caso tenho mesmo dado uma contribuição maior alterando mesmo o que seria a oficina,
na medida em que delegam em mim funções. Eu dando um apoio mais logístico liberto os
monitores para o tal apoio mais criativo; o que por si acaba por suprir a falta de um/a terceiro
Monitor/a.
Por um lado, julgo que a questão essencial da oficina que é a conceção, o pensar o que fazer não
se altera com a minha presença, mas antes posso vir a potenciar a execução do planeado pelos
monitores. Por outro lado, esta atitude julgo que me aproxima dos monitores que cada vez mais
informalizam a minha presença. (MACS - Diário de Terreno - 06 de abril de 2010)

Até então, percebia o meu contributo no trabalho dos/as Monitores/as como uma forma
de aproximação a estes/as, assim como uma forma de troca, que era particularmente
compensadora para mim. O comentário “mas vê lá, porque assim estás a fazer e não a
observar” impôs-me uma janela de reflexão sobre os limites da minha intervenção e
alertou-me para a necessidade de não deixar cair os meus interesses de investigação,
face à intenção de retribuir a simpatia do acolhimento dispensado. O mesmo é percetível
no comentário de uma das monitoras, aquando do Serralves em Festa, de que só estaria
“a trabalhar para mim”, o que demonstra a perceção sobre o meu papel na investigação
e também deixa adivinhar que consegui passar a ideia de que na etnografia estava lá a
colher algo, mas também estava, em troca, a dar algo.

M: então hoje não tas a trabalhar?


R: tou, tou a trabalhar.
M: tas a trabalhar só para ti, é isso?
R: ah… sim. Ofereci-me no caso de ser preciso, mas pelos vistos não foi. (MACS - Diário de
Terreno - 6 de junho de 2010)

De igual forma acontecia com os públicos, apesar de serem atividades de pouca duração
(1 semana). Também as relações construídas foram sendo progressivamente
informalizadas (Caria, 2002) pelo quotidiano, como se pode ler nos seguintes excertos
do Diário de Terreno:

Entretanto um dos rapazes veio mostrar-me o desenho, depois veio outro. O terceiro já veio ter
comigo sem desenho. Abraçou-me as pernas e disse:
46

C: beijinho.
Baixei-me e deu-me um beijinho na bochecha. Um dos professores que os acompanhavam
responde:
P: muitos professores davam o que fosse para ter assim uma beijoca. Eles são terríveis. (MACS -
Diário de Terreno - 20 de fevereiro de 2010)

Mal entrei a C. gritou:


C: Rafaela anda-me ajudar…. Não consigo fazer isto.
R: sim, já vou. Vou só pousar as minhas coisas. (8 de abril de 2010)

Se, por um lado, de forma similar ao CAC, consegui uma certa informalização da
relação social de investigação com os/as Monitores/as e com alguns dos públicos, tal
não aconteceu com a equipa interna do departamento educativo. O facto de não ter um
lugar de trabalho permanente dificultou a partilha do quotidiano com estas profissionais,
assim como o acesso aos modos de conceção e planeamento da programação educativa,
o que só foi acessível através de entrevista. Procurou-se colmatar esta questão fazendo
uso da entrevista, como principal técnica de recolha de informação.

A proximidade com alguns dos sujeitos, informantes privilegiados desta pesquisa,


permitiu, não a transferência das conclusões para os informantes, apenas alguma
partilha do próprio processo de pesquisa.

Tenho feito um esforço em partilhar seja com ele, ou com a S. questões da investigação,
explicando o processo, que por vezes pode ser percebido como de pouca cientificidade. Com isto
julgo que os trago para a investigação como sujeito ativos e críticos do processo. Ou seja, julgo
que é um processo no qual tento manter uma horizontalidade nas relações sociais de investigação,
pela transparência e permeabilidade com que partilho com eles o processo de investigação.
(MACS - Diário de Terreno - 09 de abril de 2010)

// Dificuldades no acesso: investigar qualitativamente e selecionar atividades

À partida, o MACS era o caso que melhor conhecia, seja enquanto utilizadora/público
da sua programação, seja pelas leituras feitas sobre a origem da fundação e do museu e
sobre as orientações que informam a organização do serviço educativo (Leite &
Victorino, 2008). Neste sentido, ao contrário dos outros dois casos, a estranheza não era
um obstáculo. Neste terceiro caso antevia que a familiaridade pudesse constituir-se em
obstáculo. Contudo tal não veio a acontecer. No processo de ganhar acesso ao MACS,
outras dificuldades emergiram, nomeadamente, a estranheza dos agentes culturais face à
47

investigação qualitativa; a necessidade de selecionar as atividades a observar de entre


uma grande multiplicidade de ações, além de o próprio projeto parecer avançar com
uma certa hierarquização entre os três casos em estudo.

O facto de se realizar uma investigação qualitativa emergiu como uma dificuldade logo
na primeira reunião com a direção do museu e a Coordenadora do SE, em que me foi
pedido que esclarecesse o tema, objetivos da investigação e procedimentos de recolha
de dados. Percebi que a perceção que tinham de investigação era distante dos
procedimentos etnográficos, tal como na TL. Os modos e procedimentos de
investigação instalados nas instituições estão francamente associados à aplicação de
inquéritos por questionário, tal como registei no seguinte excerto:

“Mas qual é a sua metodologia? Não vem cá, então aplicar questionários é isso? Então a análise
que vai fazer é sobre a sua perceção puramente subjetiva!”
R - Sim, é uma posição assumidamente subjetiva. (MACS - Diário de Terreno - 13 de janeiro de
2010)

Neste sentido, desde a primeira reunião que procurei deixar claro que iria recorrer à
observação participante das atividades educativas, à entrevista dos/as intervenientes na
programação educativa e à análise dos documentos de apoio que me fossem
disponibilizados. Contudo, apesar da estranheza face aos procedimentos etnográficos,
estes não vieram a constituir um obstáculo no avançar da pesquisa. Pelo contrário. A
saturação às abordagens mais quantitativas transpareceu no discurso de múltiplos
sujeitos que se sentiam objeto de investigações, com as quais não se conseguiam
identificar, ou que consideravam que não faziam jus ao seu trabalho.

S: pois tipo hora marcado, a S. ou a D. dizem: “O S. é às 16h30” e lá vimos nós aqui pró bar, tipo
consultório do médico.
R: para fazer entrevistas?
S: não, para preencher questionários. (MACS - Diário de Terreno - 30 de março de 2010)

Contudo, não podia deixar de estar alerta acerca das representações de cientificidade
que os/as informantes privilegiados/as tinham. Numa passagem do Diário de Terreno,
onde escrevo sobre a investigação de uma outra colega, plasmo essa vigilância.

Os comentários da professora e do S. (artista educador) face às técnicas de investigação que esta


usou aquando da investigação em Serralves, para o seu mestrado, reavivou as minhas
preocupações com o método. O aparato, ao qual recorreu, que por entre grelhas, câmaras de
48

filmar, e-mails prévios com requisitos específicos etc. parece ter gerado no S., o mesmo o
verbalizou, a ideia de profissionalismo, mas também de hierarquia e de poder, dizia: “fiquei com
receio”.
Esta não é de todo a sensação que quero criar nos sujeitos. Contudo, talvez seja esta a imagem
que têm de investigação. Talvez o aparato visível, técnico e tecnológico dê uma falsa sensação de
objetividade e cientificidade. Por conseguinte, na ausência destes, podem perceber o meu trabalho
como pouco cientifico e pouco válido. Com isto tenho também em mente a observação da
Coordenadora do SE na nossa 1ª reunião – “então é totalmente subjetivo”. Ou seja, a não
correspondência à ideia de cientificidade assusta-me e coloca-me um peso extra sobre os ombros.
(MACS - Diário de Terreno - 20 de fevereiro de 2010)

O serviço educativo do MACS, em consonância com o objeto da Fundação de


Serralves, subdivide-se em Artes e Ambiente, estruturando, neste sentido, a oferta
educativa em torno destes dois eixos. A atividade de selecionar (Burgess, 2001)
configura um outro momento de alguma dificuldade que se impunha pela necessidade
de delimitação do objeto de estudo, de forma a reduzir o âmbito do trabalho e a
aprofundar a relação com os sujeitos. Efetivamente, como coloca Burgess (2001, p. 57),
“ (...) os investigadores têm continuamente de decidir quando, onde, o quê e a quem
devem observar e entrevistar” e estas decisões muitas vezes são tomadas no quotidiano
do terreno, tal como se relata na seguinte nota de terreno:

Em termos metodológicos esta sessão veio reforçar uma questão que já vinha a estar presente.
Que é a opção ou não de integrar na investigação as atividades das ciências – Ambiente. Se por
um lado, o SE está precisamente dividido em dois: artes e ciências, por outro, tal como o F. diz
sobre as atividades do Mundo Cientifico, não tem nada a ver com o museu. Ou seja, a questão
aqui prende-se com a necessidade de definir teoricamente o que é o meu objeto – estou a estudar
os mecanismos facilitadores da interpretação de arte contemporânea? Estou a estudar as
estratégias de formação de públicos?
A resposta negativa a esta última questão pode levar a uma definição de prática cultural
demasiado estreita e por referência à cultura erudita. O que não é o que procuramos. Antes pelo
contrário, temos vindo a assumir que uma das possibilidades distintivas de Serralves é o convite,
feito pelos múltiplos espaços, a múltiplas práticas culturais. Contudo, de uma forma puramente
empírica não me parece que oficinas como esta ou atividades orientadas, exclusivamente, para
servir os propósitos dos curricula escolares sejam promotoras de educação cultural. (MACS -
Diário de Terreno - 2 de março de 2010)

Neste sentido, a opção passou por excluir da pesquisa a observação da oferta educativa
que se organiza em torno do eixo do Ambiente, não por se considerar que as práticas
culturais se reduzem ao espaço do museu, antes por se considerar que a oferta de
49

educação da área do Ambiente não se liga diretamente com a política de educação


cultural, questão estruturadora desta pesquisa.

Um outro aspeto do estudo que importa não esquecer é a seleção dos acontecimentos,
que, tal como propõem Schatzman e Strauss (1973), podem ser subdivididos em
acontecimentos da rotina, sobre os quais me debrucei, por estes identificarem e
realçarem a problemática dos quotidianos da instituição. Contudo, estes foram
acompanhados, pelos acontecimentos “especiais”, isto é, as atividades que aparecem
como pontuais na programação educativa, cujos contornos são específicos. Esta questão
reforça a visão de que o trabalho científico não deve procurar a originalidade, pelo que
“o invulgar defende-se a si próprio 21”, como afirma Silverman (1997), enquanto o
quotidiano rotineiro e aparentemente “normal” é também e, sobretudo, definidor do
retrato da organização. Com efeito, durante o percurso deste estudo de caso deparei-me
com esta questão, como revela a seguinte nota de terreno:

Quando olhei para o mapa desta semana e vi “sobredotados, Paula Frassinetti”, pensei que giro!
Esta não posso perder.
Giro? Porquê? Porque é que pensei que esta sessão, com um grupo sobredotados a um Sábado de
manhã, seria importante? Em que é que ela contribuiria para me ajudar a compreender a oferta
educativa de Serralves?
Julgo que não se trata do facto de serem sobredotados, mas antes, de ser rara, pelo menos até
agora única. O mesmo se passou com a Aula no Museu especial de arquitetura. Não era pelo
grupo, mas pela resposta do museu. Como é que o museu responde a isto?
Pelo que percebi, no caso deste grupo de sobredotados, uma experiência positiva passada no
Museu levou a que o grupo quisesse regressar, tendo a boa relação e o trabalho desenvolvido com
Monitor contribuído para esta, como um dos professores me disse: “Até foi pedido ao Museu a
exclusividade do S. (Monitor do Serviço Educativo) ” Esta afirmação do professor que
acompanhava o grupo é elucidativa do facto da empatia gerada na relação entre as crianças e o
Monitor ser imperiosa para que este grupo de crianças quisesse voltar a Serralves. Uma outra
professora dizia-me sobre esta questão: “já não se tratava só de não boicotarem a atividade, mas
de ficarem entusiasmados com a proposta e quererem repetir”.
Numa análise linear, o museu gerou uma resposta adaptada a este grupo, parecendo que muito
alicerçada na equipa de monitores. Sobre esta questão, já o mesmo comentava a M., que tinha
concebido uma aula especial sobre arquitetura que a programação de respostas especiais não era
função dos monitores, até mesmo porque não são pagos para tal e tinham um vínculo precário ao
museu – freelancer.

21
Adaptado de Silverman (1997, p.243-244).
50

Contudo, não só movida pela minha curiosidade face ao grupo (por referência ao projeto de
sobredotados na Casa da Música), mas essencialmente pela exceção da oferta fui assistir à
atividade. Contudo, o retrato das atividades do departamento não pode ser tirado, unicamente,
pelo ângulo das exceções, mas antes pelo ângulo do quotidiano. Por conseguinte, apesar de
querer incluir estas atividades menos rotineiras, as visitas às exposições e ao parque, as oficinas
com escolas e este tipo de atividades são o corpo, e talvez, a espinha dorsal da oferta educativa de
Serralves. (MACS - Diário de Terreno - 20 de fevereiro de 2010)

// Uma certa hierarquia entre os três casos em estudo

Na primeira reunião com o diretor do MACS e com a Coordenadora do SE foi-me feita


uma pequena introdução à história do SE do MACS e à sua posição dentro da
organização do museu. Este encontra-se sob a alçada do Diretor do Museu, ocupando
uma posição essencialmente relacionada com o lugar atribuído no âmbito da educação
cultural na formação de públicos para a arte contemporânea. Curiosamente, o Diretor do
Museu de imediato procurou distinguir e relacionar o lugar do MACS como os outros
dois casos em estudo nesta pesquisa. Note-se o excerto do Diário de Terreno, em que se
procurava reproduzir o discurso do diretor do MACS nesta reunião:

Ainda na Casa de Serralves, existia um coordenador das visitas guiadas, que se responsabilizava
pela orientação de uma equipa de monitores. Contudo, na abertura do museu, mesmo na abertura
achamos que seria insuficiente e abriram um concurso para 2 coordenadores – as atuais – sendo
unicamente auxiliadas por uma secretária. Começaram com uma equipa pequena e ainda é uma
equipa pequena. Somos um museu jovem. Mas nós sabíamos que não sobreviveríamos se não
tivéssemos um público para a arte contemporânea. De facto não somos tão estruturados como a
Tate e não somos tão desestruturados como o CAC. (os 3 sorrimos). (MACS - Diário de Terreno
- 13 de janeiro de 2010)

Este sorriso conjunto foi uma espécie de anuência à ideia de “semiestruturação” do


MACS, à semelhança da semiperiferia do país e da cidade, nesta investigação tripartida.
Sem dúvida, que a opção inicial de ter por matriz de base a conceção de sistema mundo
de Wallerstein (1974), ainda que questionável, orienta, à partida, a investigação para
esta conclusão adiantada pelo diretor do MACS – “não somos tão estruturados como a
Tate e não somos tão desestruturados como o CAC”. Ou seja, esta conclusão antecipada
aparece como um obstáculo à heuristicidade interpretativa da etnografia, na medida em
que a conceção do projeto, tendo por base a proposta de partição dos países capitalistas
de Wallerstein (1974) parece autoimpor que se confirme esta premissa. A partir desta
reunião percebi que havia construído no projeto de pesquisa este espartilho teórico, do
51

qual teria que partir, mas também de desconstruir, a fim de não ficar pela confirmação
de uma espécie de hipótese de partida.

// Saturação dos dados e saída

Não só os primeiros momentos se mostraram desafiadores, como ao longo de toda a


pesquisa me deparei com a necessidade de tomar decisões, nomeadamente da seleção do
que observar ou o que questionar, mas também acerca de quando parar.

Face à programação, no MACS a sensação de saturação dos dados foi precoce, tal como
se lê no excerto abaixo do Diário de Terreno de 8 de março. Essencialmente, porque
existe um predomínio significativo de atividades, como as visitas guiadas e as oficinas,
orientadas para um público escolar, que assumem contornos de reprodução da
mesmidade.

Tentei contrariar essa perceção orientando a observação para outro tipo de atividades,
completando assim o retrato que se pretendia o mais caleidoscópico possível, tal como
se observa nas seguintes passagens:

Foram 3h intermináveis. Talvez sejam intermináveis, porque julgo estar a atingir um ponto de
saturação, em que cada sessão não me parece acrescentar nada de novo. Talvez seja este o
momento de intensificar a observação em outras áreas do SE e reduzir na área da relação com as
escolas. (MACS - Diário de Terreno - 8 de março de 2010)

Julgo que esta foi a última sessão de observação. Já passaram 4 meses e julgo que cobri, de
acordo com o organograma que a coordenação do SE me deu, todos os campos de atuação deste,
no que diz respeito às artes. A observação teve uma incidência mais forte nas atividades com
escolas, o que julgo que resultou do facto destas serem as atividades com maior expressão. (20 de
abril de 2010)

Dei por terminado o período de observação deste caso, no final do ano letivo de 2010.
Esta opção justifica-se pela exaustiva observação de todas as atividades propostas por
todos os campos de atuação do SE no que diz respeito às Artes. De igual modo, no final
do ano letivo observa-se uma diminuição da frequência de atividades, o que como já se
expôs, se articula com a proximidade com a educação, lógica e ritmos escolares. Neste
sentido, as últimas atividades observadas foram as oficinas do SE no Serralves em
Festa. Como se pode ler nas próximas linhas trazidas do Diário de Terreno, o olhar
começava-se a desviar para os públicos do SE, nomeadamente, para os usos que
crianças e adultos davam à cidade que estava a ser construída pelas oficinas,
52

abandonando as práticas dos/as Monitores/as que ocuparam a quase totalidade das


páginas deste diário. O que pode ser percebido como um desvio face ao objeto de
estudo, motivado pela curiosidade face às práticas culturais dos públicos destinatários
do SE:

A forma como as crianças se apropriaram da cidade foi inesperada. Algumas crianças iam
brincar para dentro da cidade, entravam nos edifícios, andavam com os carros pelas estradas,
etc. não se ficaram pelo construir, mas usaram-na. Assim como, as pessoas que chegavam e que
saiam do espaço do circo contemporânea, à noite, sorrateiramente, foram levando bocados da
cidade consigo.
Numa outra dimensão, apesar do emaranhado que se foi tornando cada vez mais caótico, no
segundo dia de oficina, os monitores passaram a sugerir uma visita à cidade antes de fazerem
alguma coisa e tal motivou que crianças e adultos construíssem o que achavam que faltava. No
final, havia todo o tipo de edifícios públicos de serviços, equipamentos culturais, indústria,
habitação, espaços verdes… um Sr. comentava: ”Esta cidade está demasiado realista. Para além
do mau planeamento urbanístico, tem também os fenómenos naturais” (os edifícios caiam com o
vento). (MACS - Diário de Terreno - 6 de junho de 2010)

// Em torno do acesso multissituado: em jeito de síntese

Por vezes, as tentativas de ganhar acesso podem provocar uma situação de crise
relacionada com a desocultação do que está encoberto ou do que é tomado por
adquirido, no decurso das práticas institucionais quotidianas. As barreiras de acesso
tendem a pôr a nu valores, pressupostos e, acima de tudo, interesses e teorias implícitas
acerca do objeto que se procura estudar.

Resumindo, ganhar acesso permite a construção de material interessante, o que, para


Burawoy (2000), se torna um dos mais momentos mais estimulantes da investigação,
embora esse sentido só emerge num momento mais tardio da etnografia. Desde logo, é
imperativo o registo de todas as experiências, resistências, receios e ansiedades, sendo
estas as questões que se procurou explicitar nos pontos em que se tratou do ganhar
acesso a cada dos casos em estudo.

Neste sentido, os três casos foram atravessados por obstáculos muitas vezes comuns,
outras vezes diferentes. No sentido de ilustrar as dificuldades sentidas nas relações com
os/as sujeitos/as, a tabela abaixo permite fazer uma leitura transversal entre os 3 casos e
perceber como fui confrontada enquanto investigadora com os meus limites e
incompetências, por exemplo, a minha incapacidade de comunicar em Lituano ou
53

acompanhar uma aula de desenho ao vivo. Mas também, a minha biografia e o meu
treino profissional como “educacionalista” impôs-se em determinados momentos. Na
segunda linha do quadro em abaixo aparecem transcritos alguns fragmentos dos três
Diários de Terreno, no qual descrevo situações que me levaram ou a abandonar a
observação, tal como fiz numa sessão de trabalho com os Young Tate, ou a ter uma
intervenção disciplinadora numa oficina da Páscoa no MACS. Os limites de resistência
física também foram reais, essencialmente, no rigoroso inverno Lituano, em que a
galeria estava mal aquecida devido aos rigorosos cortes orçamentais, ou mesmo pelos
hábitos de alimentação entre os curadores da Tate, que muitas vezes seguiam pela noite,
em trabalho sem pausas de almoço ou jantar.

Apesar das dificuldades e dos obstáculos da investigadora, julgo que nos casos da TL e
do MACS fui socializada pelos grupos de sujeitos, aquando da informalização na
relação social da investigação (Caria, 2002); Por sua vez no CAC, consegui uma certa
aproximação aos curadores mais jovens pelo facto destes ficarem mais tempo na
Reading Room uma vez que não tinham gabinetes individuais.

No que diz respeito à partilha da construção de conhecimento com os/as informantes


privilegiados, Burawoy (1998) adverte para o fato de ninguém ficar feliz quando
reduzido/a objeto sociológico. Convém, ainda assim referir que tal nunca foi o meu
posicionamento. Pelo contrário, à medida que a investigação progredia fui sendo
confrontada com a necessidade de explicar propósitos, objetivos, questões e
metodologias, como se descreve nas minhas notas de terreno:

Entretanto começámos a falar da minha tese, expliquei o projeto e respondi às perguntas do S.


Faz-me, sempre, imensas questões e afirma mesmo – S: estou-te aqui a picar…
São uma espécie de provocação, mas que me têm ajudado a abrir a investigação aos sujeitos. Ao
S. falei-lhe de opções metodológicas, essencialmente sobre o que me perturba no momento. É
reconfortante partilhar com um sujeito da investigação estas questões, na medida em que me dá a
sensação de que participa na investigação de forma informada e que tem consciência do que está
em causa. Contudo, eu também tenho consciência que tal é possível porque S. é professor
universitário. Terminou recentemente a sua tese de mestrado em práticas artísticas
contemporâneas. Como tal, é mais um par do que sujeito distante das questões teóricas que me
perturbam. (MACS - Diário de Terreno - 5 de abril de 2010)

Em nenhum dos três casos que constituem esta etnografia, o estatuto de investigadora
foi por si só capaz de desbloquear processos e instaurar relações de abertura e de
54

confiança. A defesa do projeto teve lugar em vários momentos, como já anteriormente


se discutiu. Inclusive, a abertura dos meandros da investigação aos sujeitos,
essencialmente aos públicos mais assíduos das atividades educativas, gerou uma
curiosidade difícil de inverter.
55

TL CAC MACS

Quando falei com o M. sobre Durante a entrevista disse-me que ia


observar estas sessões fez-me fazer uma visita guiada para
referência ao facto que se fosse professores de arte, mas que a visita
teria que desenhar durante 3h, era em lituano. Disse-me que não se
porque como ia estar um modelo importava que assistisse e que talvez
nu seria muito incómodo se fosse interessante para mim perceber
ficasse la só a olhar! se fazem ou não perguntas e ver as
reações demonstradas às peças.
Assisti à visita, mas mais ou menos
de longe, porque a Renata não me
apresentou ao grupo, nem lhes
perguntou se se importavam que
assistisse. Provavelmente deveria ter
sido eu a sugerir que o fizesse.
No final perguntou-me o que achei.
Respondi que de facto era uma pena
eu não falar lituano, o que me
impossibilitava de perceber grande
parte da visita.

Durante a hora do almoço fiquei Estava a sentir-me um pouco Uma coisa que é constante é o facto de
na sala, porque C. me pediu para incomodada, porque me apetecia estarem sempre a brincar, a correr uns
ficar e para tomar conta dos young fotografar o local, mas dado o facto atrás dos outros, a empurrarem-se, o
taters que também ficaram a de estarmos tão poucos a minha que me dificulta dizer o que aconteceu
preparar um quebra-gelo. A câmara ia ser muito notada e talvez entre uma coisa e outra, porque,
confusão estava instalada desde o incomodativa. E estava eu ali a ser principalmente hoje que só estavam duas
primeiro momento e por várias objeto daquela obsessiva filmagem. monitoras. A J. pediu-me que interviesse
vezes tive que sair da sala, porque Não sei se a rapariga fazia parte ou ativamente e como tal, estava com algum
não me estava a conseguir não da organização. Uns minutos cuidado, porque também me senti
controlar e o que queria fazer era depois apercebi-me de um flash e responsável se acontecesse alguma
intervir e tentar controlar a mais uma a tentar avidamente coisa.
situação. Obviamente que não o retratar o momento. Esta obsessão
Depois de alguma dificuldade e de um
fiz e retirava-me quando estava a durou o filme todo.
dos meninos ter começado a bater
atingir o meu nível de saturação.
noutro, segurei-o no braço e pedi-lhe
para que se acalmasse... Como eu era a
pessoa que estava mais próxima agi...
mas senti que intervi demais...
O que é que eu estava a fazer? Senti
que era o centro das atenções da sala, o
que não me parece positivo.

Eu tenho fome! Não consigo estar A sessão foi extenuante e mais uma Estas visitas são extenuantes. Talvez
o dia todo a trabalhar e em vez foi difícil resistir ao frio. Desisti por estar muito concentrada, saio de lá
seguida continuar pelas sessões a meio. morta, sem energia para mais.
com o público adulto sem jantar...
56

1.2. E ST E N D EN D O A O B SE R VA Ç Ã O NO T EMP O E NO E SP AÇ O

O trabalho de pesquisa no terreno expandiu-se ao longo de dois anos em três cidades


europeias. Dividido em três períodos, o trabalho de pesquisa foi antecedido por um
período de preparação. A cada período corresponde a recolha de dados em cada caso.
Todavia, a presença no terreno em cada cidade corresponde simultaneamente ao tempo
de preparação do processo de acesso ao estudo de caso seguinte.

Cada fase de pesquisa no terreno teve uma duração diversa, de acordo com a
programação educativa de cada instituição, sem deixar de assinalar as possibilidades e o
meu nível de implicação e resistência, na dupla condição de estrangeira, estranha em
três casos e, sobretudo, estranha em dois países:

i. preparação da investigação – outubro de 2007 a junho de 2008 – teve lugar além


da parte académica do curso de doutoramento que incluiu a definição e conceção do
projeto de pesquisa, seguindo-se a seleção dos casos e o pedido de autorização de
investigação na Tate Liverpool (TL), assim como os preparativos logísticos de
mudança para outro país;

ii. 1º “mergulho” etnográfico na Tate Gallery em Liverpool – junho de 2008 a


fevereiro de 2009 – configura a entrada e quotidiano da TL. Compreende um
período de 8 meses de intensa e estimulante observação participante das múltiplas
atividades educativas e de um número alargado de entrevistas;

iii. 2º “mergulho” etnográfico no CAC Vilnius – fevereiro a novembro de 2009 –


Nestes meses procurei gerir a difícil permanência no CAC, em que não houve as
mesmas potencialidades empíricas do caso anterior, distinguindo-se pelos desafios
impostos pelas maiores dificuldades (língua, cultura, cultura da instituição, objeto
de investigação…). A observação foi mais intensa de setembro a novembro e foi
mais focalizada no público adulto e na realização de dois ciclos de entrevistas -
início e final da pesquisa.

iv. 3º “mergulho” etnográfico no MAC de Serralves – janeiro a julho de 2010 – A


observação só pôde ser iniciada em janeiro. Este caso distingue-se pela centralidade
do mergulho intenso na observação de atividades orientadas para o público escolar,
57

sem deixar de dar relevo a entrevistas com os intervenientes na decisão educativa


aos diversos níveis da estrutura do museu.

Neste sentido, estender a observação no tempo e no espaço exige de quem faz


investigação que seja um/a estrangeiro/a, na perspetiva de sentido do conceito de
Simmel (2004).

“Se o migrar é desprender-se relativamente a todo o ponto dado no espaço e, portanto, se opõe
conceptualmente à fixação em tal ponto, a forma sociológica do estrangeiro apresenta a unidade
destas duas características. Todavia, este fenómeno mostra também que as relações espaciais são,
por um lado, apenas a condição e, por outro, o símbolo das relações humanas. Assim, o estrangeiro
é aqui discutido, não no sentido […] do viajante que chega um dia e volta a partir no dia seguinte,
mas antes como a pessoa que chega hoje e que permanecerá amanhã; ele é, por assim dizer, o
viajante potencial: ainda que não tenha seguido o seu caminho, não abandonou completamente a
liberdade de ir e vir” (Simmel, 2004, p. 133).

Neste conceito de estrangeiro Simmel procura-se focá-lo num duplo sentido. Por um
lado, estrangeiro/a pela permanência, em trânsito, em territórios e tempos novos, assim
como um sujeito que forja relações sociais efémeras num determinado território e
tempo. Efémeras porque enquanto tal, não permanecerão imutáveis após o final da
incursão no terreno.

Sendo o terreno uma construção analítica e académica, fazer terreno hoje e nesta
pesquisa é uma atividade que lida constantemente com a familiaridade-estranheza e não
com a busca de estados originais (Silva, 2011). Também Simmel (2004), neste sentido
apresenta o estrangeiro em tensão entre duas ordens de sentido – simbólica e espacial.
Se mais próximo fisicamente da realidade para onde emigrou, simbolicamente está mais
perto da realidade que deixou. Por conseguinte, o trabalho etnográfico implica assim um
investimento não só profissional, mas também cultural, pessoal, afetivo e emocional.
Ele exige uma aproximação física e simbólica ao terreno, o que põe à prova a
capacidade de resistência e de integração do/a investigador/a, preservando a sua
“liberdade de ir e vir”. O/a etnógrafo/a é o principal instrumento de investigação, o que
coloca uma pesada ênfase na sua "perícia" etnográfica e na sua capacidade de
autorreflexividade e vigilância.

Também para Pedro Silva (2003) neste método o/a investigador/ se joga mais como
pessoa. Mas Sarah Pink (2001), vai mais longe e lembra a dificuldade de quem faz
etnografia em distinguir entre atividades pessoais e profissionais. Mas o investimento
58

em longos períodos de tempo de observação e a forte implicação do/a etnógrafo/a na


etnografia podem ajudar a tomar um conjunto de precauções e ajudar a estar disponível
para se deixar surpreender mesmo quando se está perante questões que nem sempre são
completamente novas. O que é novo, na verdade, é a extensão no espaço deste
investimento. Isto é o que Burawoy (2002) designa de unbounded ethnography
(etnografia não vinculada).

A possibilidade de navegar no espaço, através de pesquisas multissituadas, exige uma


boa contextualização relativamente a cada meio social do caso em estudo (como se fará
no Capítulo III), o que incita ao reconhecimento das práticas educacionais e culturais,
ao mesmo tempo que contribui para a compreensão do processo de negociação,
incorporação ou resistência à globalização, do ponto de vista dos agentes das três
instituições culturais europeias. Burawoy (2000) considera que esta “etnografia
histórica” está ainda, demasiado ligada a uma localidade específica.

Se a etnografia global implica estudos de caso multissituados, por sua vez estes
implicam mergulhos múltiplos nos diferentes quotidianos, especificamente para ser
capaz de sendo estrangeiro/a contextualizar cada caso. Esta característica parece ganhar
outra dimensão, no sentido em que se “deixa a segurança” do nosso lugar. Neste caso
significou que, em dois anos, residi em três países e fiz a maioria da pesquisa numa
língua que não é a minha língua mãe (em inglês), nem esta era a língua mãe do país
onde decorreu o outro caso em estudo. Neste sentido, em particular, a etnografia em
contextos internacionais ganha contornos e dificuldades muito próprios, sobretudo em
contextos europeus com passados muito diversos, como é um caso de um país de Leste.

Esta situação não só nos coloca na condição de estrangeiras (Simmel, 2004), mas
também nos transporta para espaços sociais que podem ser focados com algum
exotismo. Ser estrangeira nos dois primeiros estudos, significou e foi-o mesmo no
sentido literal. Era estrangeira, cidadã da mesma Europa, mas de outra nacionalidade,
alvo de curiosidades, interpelações, desconhecimentos e estereótipos mútuos. Alvo de
questionamento constante, mas também de incompreensões mútuas quanto aos ritos e
quotidianos organizacionais e culturais. À primeira vista, são sinais positivos do
processo de informalização das relações sociais de investigação que facultam o acesso
às questões que pretendi conhecer; contudo, em alguns momentos não consegui inverter
o sentido dessa interpelação e a relação de investigação ficou-se pela estranheza,
curiosidade e talvez mesmo superficialidade. Não que a TL ou mesmo o CAC não
59

estivessem habituados a incorporar estrangeiros nos seus quadros – grande parte dos
profissionais são estrangeiros à cidade ou ao país – mas os públicos assíduos das suas
atividades educativas são cidadãos nacionais. Enquanto estando no papel de dupla
estrangeira – nacionalidade e estranha ao quotidiano – tive muita dificuldade em passar
despercebida e dissipar a atenção sobre mim. Julgo que na TL essa dificuldade foi
suavizada pela informalização da relação social de investigação com todas as curadoras
educativas e com a coordenação do departamento, o que me permitiu o acesso às
principais questões que pretendia conhecer, por via desta relação e comunicação com
os/as profissionais. No caso do CAC, apesar de ter procurado o mais possível interagir e
comunicar com os/as curadores/as, através da permanência na Reading Room, nos
espaços expositivos e no CAC Café – ŠMC Café –, senti sempre que não tive o mesmo
sucesso. A maioria dos curadores não saia dos gabinetes individuais, com exceção
daqueles que estavam de permanência na Reading Room, ou que integravam as parcas
atividades. Com estes, o tom mais informal no segundo ciclo de entrevistas é fruto dessa
informalização que permitiu transpor, de alguma forma, a imagem inicial pronta-a-
consumir transmitida no primeiro ciclo de entrevistas Por conseguinte, procurei
compreender junto do público e durante as poucas atividades que existiram, de que
forma estas se relacionavam com o evento CEC, embora mesmo com estes não tivesse
grande sucesso. Com estes sujeitos, na mesma lógica de com os curadores, a isolada e
dispersa programação de atividades de interpretação não permitiram a construção de
qualquer tipo de relação de informalização.

As dificuldades de ser estrangeira expressam-se também e são comuns aos dois casos,
embora com diferentes intensidades e efeitos na prossecução dos objetivos da
investigação. Estas dificuldades são evidenciadas nos excertos de notas dos Diários de
Terreno da TL e do CAC e são, por isso, aqui postas em confronto para efeitos de
discussão:

TL CAC

Duas raparigas alemãs perguntam-se se sou Uma das artistas da Urban Stories fez-me as
Lituana. Respondo que não. “Italiana?” Respondo questões habituais sobre quem sou, o que faço. Lá
que sou portuguesa. Rimo-nos imenso porque uma fui respondendo, até que a conversa orientou-se
delas diz que fizéramos uma volta pela Europa em mais para a colonização portuguesa e os
10 segundos. Uma volta pelos estereótipos para fantasmas ainda presentes desta. Ambas
tentar perceber em qual deles eu encaixava percebemos que estávamos só mesmo a fazer
60

melhor. Um dos rapazes pergunta-me o que faço e conversa e ela apresentou-me a duas pessoas, uma
tento explicar em breves palavras o que me trouxe curadora da Nacionalinės Dailės Galerijos e a um
à Tate. A situação está a tornar-se comum. artista.
Começo a tentar explicar o foco da investigação e
Aí começou uma espécie de interrogatório sobre o
o interesse de cruzar três galerias e a partir daí é
fascismo português, os modos de vida, os rituais, o
uma chuva de perguntas e de comentários, de
hino, a comparação com os países pós-comunistas.
como deve ser interessante. A questão é que não
Sobre a história da minha família, a comida, o
tenho conseguido dar a volta e tentar saber o que
tempo, etc.… senti-me esmiuçada!
traz estas pessoas às atividades da Tate, porque a
A conversa estava a um ritmo intenso, que não
conversa começa a alongar-se e é interrompida
conseguia inverter, eram dois contra uma! Já
pelo retomar dos trabalhos. No final da sessão, as
estavam todos de saída, quando J. teve a ideia de
pessoas saem e cada uma segue o seu percurso ou
irmos todos jantar e o interrogatório terminou aí.
retomam conversas com outras pessoas. Não
consigo ser eu a fazer as perguntas, mas antes são Este foi sem dúvida um dos casos em que senti que
muito mais os outros interessados no que faço. a minha vida se entrecruza, inevitavelmente, com a
Mesmo com pessoas que encontro regularmente investigação. O facto de ser estrangeira suscita
em diferentes cursos do Public Programme sempre curiosidade, centrando as atenções em
perguntam-me como está a correr a investigação e mim. O que seria exatamente o oposto do que
se estou a fazer progressos e, mais uma vez, tenho gostaria que fosse. (CAC - Diário de Terreno - 15
dificuldades em inverter os papéis. (TL - Diário de de outubro de 2009)
Terreno - 09 de dezembro de 2008)

Nestes excertos evidenciam como sou eu própria alvo de investigação e curiosidade por
parte dos sujeitos, existindo quase um fascínio pelo exotismo mútuo próprio da
interação estrangeira e da clarificação/evidenciação do conhecimento existente sobre o
país de origem do estranho. Também evidencia a minha ansiedade e até alguma
eventual imaturidade científica de me estar a desviar do meu objeto, isto é, alguma
dificuldade em deixar seguir o acontecimento e até poder, eventualmente, aproveitá-lo
para conseguir uma maior informalização da relação social de investigação.
Aparentemente esta reação à minha presença poderia reverter-se numa possibilidade de
interconhecimento, o que não se verificou na maioria das situações no CAC. Contudo,
apesar de tal também ter acontecido na Tate Liverpool, não teve o mesmo efeito do
decurso geral da investigação, porque o alcance da relação que construi com os sujeitos
curadores/as e mediadores/as, minimizou o efeito da curiosidade dos públicos.

Em último, este momento de estudo de caso alargado, para além de convidar a um


papel de dupla estrangeira – nacionalidade e investigação, o ser membro e o ser
61

estranho – organiza o quotidiano da investigação num equilíbrio que procura não


resvalar em absoluto para nenhum dos lados. Ora este reposicionamento era
frequentemente suportado pela implicação teórica e focalização no fio condutor do
objeto de estudo. Consciente, de igual modo, que este equilíbrio delicado e maturidade
científica também se organizam pelo aproveitamento dos obstáculos que a estranheza
pode convocar. Nesse processo, privilegiaram-se alguns informantes em detrimento de
outros.

1.3. E ST E N D EN D O M I C RO P R OC E SSOS A F OR Ç A S E X T E RN A S

Sofia Marques da Silva, na obra Da Casa da Juventude aos Confins do Mundo (2011),
desenvolve uma etnografia sobre as contradições que atravessam as estratégias de
construção identitária de jovens que habitam as periferias da cidade e da estrutura
social. Neste trabalho, a autora, com recurso a metáforas do Barroco, como a
exuberância, ilustra o movimento de confronto dos/as jovens com as suas fragilidades e
estratégias de afirmação – a exuberância quase barroca dos dourados das madeixas dos
cabelos e das joias. Recorrendo a conceitos organizadores como o de “modernidade
líquida” de Bauman, a autora que estamos a seguir (Silva, 2011) parece já ensaiar uma
extensão de micro processos a forças externas. Iluminando o lado menos celebrado da
pós-modernidade, no que esta se configura em desigualdades sociais, económicas e
culturais agudizadas pelo individualismo, esta etnografia retrata já a pertinência do
estudo de microcosmos locais como locus de interceção e de interação entre sujeitos e
estruturas, na medida em que estes contêm e originam elementos de ordem macro.

Deste modo, a etnografia global (Burawoy, 2000) parece corporizar uma evolução,
mais ou menos latente da etnografia nas ciências sociais, que se prende com a perceção
do micro como uma expressão do macro, ou como Burawoy (2000, p. 27) refere
“descobrir a reificação na fábrica, a mercantilização na família, a burocratização na
escola”.

Estas determinações são tornadas acessíveis pela compreensão das divergências entre
dois ou mais casos similares. Pelo que a comparação entre estes permite traçar o rasto
desde as pequenas diferenças enquanto processos, numa escala micro, às forças
externas, numa escala macro. O que carreta uma outra dicotomia, entre a compreensão e
62

generalização. Pedro Silva (2003, p. 48) discute, de igual modo, este alcance conceptual
micro/macro da etnografia:

"A etnografia torna-se num pertinente método de pesquisa social na medida em que os processos
por si descritos têm um alcance que, contudo não deixa de extravasar os "muros" do contexto
específico donde provêm. Podem e devem ser "testados" noutros contextos (através de outros
estudos de caso, multicasos, etc.), os quais podem contribuir para inferir a plausibilidade da teoria
e/ou conceitos, ou ajudar a reformulá-los. Isto não significa conferir uma posição de pretensa
superioridade à etnografia”.

Também a proposta de Pedro Silva (2003) é de que a etnografia é o método privilegiado


para equacionar as relações e tensões que se estabelecem entre o macroestrutural e o
quotidiano, pela consciência crescente que permite que os processos localizados só
podem ser integralmente compreendidos se inseridos numa lógica global.

É neste sentido que a análise transescalas aparece desde logo como uma das propostas
da etnografia global. Com efeito, estes trânsitos entre escalas que vão desde os ritmos
do tempo-espaço do lugar, ao contexto geográfico ou mesmo histórico do campo, ou
seja, expansão a que nos reportamos dá-se tanto num sentido vertical transpondo
escalas de análise, mas também num sentido horizontal de quebra de barreiras
temporais, através da integração de análises históricas.

Nessa medida, o presente estudo assume uma arquitetura variável. Para as dimensões
de análise macroestrutural tomam-se, ainda que de uma forma meramente exploratória,
como unidade de observação as políticas culturais transnacionais e europeias.

Para as dimensões analíticas que referem fenómenos inscritos nos níveis mesos e micros
social da realidade empírica foram definidas três unidades de observação constituídas
por três serviços educativos dos equipamentos culturais, em que a recolha empírica se
processou com intensidades distintas, o que se inscreve no entendimento das dinâmicas
sociais, como política e historicamente construídas. O que, por sua vez, requer a
historicização da localidade, das suas agendas e das relações sociais locais e extralocais.
Estas, por definição, são dinâmicas e, como tal, afetam a problemática da investigação
pela forma como existem num determinado momento e espaço. Nesse sentido, a
procura-se perceber os agentes de tais relações como uma comunidade complexa, com a
sua própria história com a qual atribui significado às suas práticas e a partir destes
sentidos, recolhidos através da entrevista, aceder às preocupações acima expostas. Por
fim, o nível micro das práticas educativas foi acedido através da observação
63

participante. Essa utilização de múltiplas técnicas e a circulação em diferentes espaços


permitiu, neste trabalho, variações de escala e de perspetiva, conferindo assim
arquitetura variável. Pretende-se, neste sentido, percorrer cada escala recolhendo desta o
contributo possível para iluminar o fenómeno social que pretendia conhecer.

A etnografia global é o exercício desta dimensão do método do caso alargado – a


extensão do micro para o macro, do local ao extralocal, dos processos às forças. Por
conseguinte, a condição essencial para a sua realização, por mais paradoxal que possa
parecer, é não tomar a condição global como garantida, mas torná-la objeto de análise.
É precisamente esta problematização que fazemos na Parte II desta dissertação, ao
tentar mapear uma sociohistória dos processos sociais que procuramos compreender,
especificamente, por um lado a emergência e estruturação dos serviços educativos das
galerias de arte contemporânea; e por outro, os desafios que cada cidade CEC enfrenta
face às forças externas geradas na viragem para o capitalismo tardio. Analisam-se
assim, três pontos de viragens – Viragem Cultural: socio-história dos processos sociais
(capitulo II); Viragem Educativa: emergência e estruturação dos serviços educativos
(capitulo III); Viragem Urbana: desafios da cidade criativa (capitulo IV). Estas viragens
são interpretadas à luz de uma transição de paradigma de acumulação capitalista que
produz forças que geram processos específicos, locais e localizáveis seja em cidades,
seja em instituições culturais, seja em processos educativos.

Por outras palavras, o recorte de um objeto sociológico implica o enquadramento deste


num campo que permita perceber o objeto enquanto espaço articulado de teorias e
conceitos – uma problemática. Contudo, estendendo de micro processos a forças
externas implica a compreensão do objeto dentro de um sistema de movimento entre
escalas múltiplas e de mútua influência, o que alguns autores apelidam de globalização
(Castells, 2002; Santos, 2001; Giddens. 1996). Assim, os fluxos de informação, pessoas
e objetos aniquilam a suposta inocência ou pureza empírica de qualquer objeto. O
segundo capítulo desta dissertação é dedicado a pensar explicitamente este contexto
inter-relacional do objeto de estudo, combinando construções teóricas da Sociologia,
das Ciências da Educação e da Museologia com uma análise ainda que exploratória das
políticas públicas para a educação e para a cultura na primeira década do século XXI. A
opção por analisar a elaboração de políticas culturais a nível europeu, sem deixar de as
contextualizar na elaboração de políticas transnacionais, não é teoricamente inocente.
Procurou-se, assim, compreender, à partida, que forças externas influenciam os micro
64

processos que nos propomos compreender na incursão etnográfica, tomando como


exemplo o caso de Liverpool.

Na verdade, a cidade de Liverpool acolheu o evento CEC em 2008, mas desde os anos
70, que experimentava estratégias de regeneração urbana (Lorente, 2003). Nesta década,
as docas e indústrias portuárias entraram em declínio, com o colapso do processo de
desindustrialização europeu, que acarretou desemprego em massa e a necessidade de
encontrar novas estratégias de sustentabilidade para as cidades. Ajustamentos nas
políticas urbanas e nos financiamentos reorientaram-se para modelos de regeneração
urbana pela cultura e pelas artes, em particular, baseados na assunção de que é possível
converter capital cultural e simbólico em capital económico. Portanto, há um processo
de encorajamento das cidades a investir em imagem, património e cultura, assim como
na formação de uma massa crítica e criativa (Florida, 2002). Assim a Tate Liverpool e o
Learning Department, mais especificamente, nasceram num contexto de tensões sociais
e económicas na transição de uma economia baseada na indústria, para uma economia
baseada no conhecimento, assim poder-se-ia interpretar esta transição como resultante
da extensão entre micro processos e forças externas. Transição que esteve longe de ser
suave, o que fez com que as estratégias educativas da galeria se orientassem para
ultrapassar a resistência inicial da população à abertura da galeria, de modo a contribuir
para a construção de uma ideia de Liverpool como cidade criativa (Florida, 2002). A
extensão de micro processos a forças externas é um dos tipos de extensão que convida a
uma leitura, em relação estreita entre micro processos, tais como a programação
educativa e forças globais, enquanto processos de transição entre paradigmas de
acumulação capitalista, questão que será aprofundada no cap. IV desta dissertação.

Em síntese, esta investigação vai assumindo uma arquitetura variável entre escalas o
macroestrutural que influência a produção da agenda política, assim como as grandes
tendências socioculturais que se originaram na chamada viragem cultural; a meso-
estrutura que elucida fenómenos, relações sociais e práticas que têm lugar nos contextos
organizacionais das galerias; e, por fim, o microssocial das interações quotidianas que
consubstanciam os processos de educação cultural. Julgamos que o “efeito zoom” assim
conseguido permite percorrer os diversos níveis de elaboração das políticas culturais,
sem perder a análise dos processos específicos que estruturam as diferenças entre cada
caso. Simultaneamente, torna-se não só possível apreender a genealogia sociopolítica
(Antunes, 2004) de algumas das orientações e práticas observadas e promovidas nos
65

serviços educativos dos equipamentos culturais como compreender o modo como


aquelas se inscrevem e interagem com um conjunto complexo de outras relações aí
atuantes. Esta perspetiva equaciona a forma como forças macroestruturais condicionam
a mudança e criam meios de dominação na esfera micro, assim como o micro negoceia
ou resiste à dominação exercida pelos processos de globalização, reinventando
processos.

1.4. E ST E N D EN D O A T E ORI A

Estendendo a teoria é a quarta extensão do método de caso alargado de Burawoy,


(1998), que emerge como um território contestado, no que diz respeito à etnografia. Se
por um lado Silverman (1997) descreve a etnografia como assente em pressupostos
fenomenológicos, preocupada com as subjetividades, os sentidos e os quotidianos, e
desligada e despreocupada das grandes narrativas e do caracter generalizável do
conhecimento por si produzido, por outro, Burawoy (1998) defende que a teoria é
essencial em cada dimensão do método de caso alargado. Atribui-lhe o papel de
conduzir a observação, potenciando, ao mesmo tempo, a localização dos processos
sociais em contextos de determinação mais latos.

Esta é uma contradição apenas aparente. A proposta da Escola de Berkeley, na qual


Burawoy se inscreve, parece partir desta preocupação epistemológica da etnografia
como o estudo do quotidiano e do sentido (Silverman (1997), tendo como fim último a
explicação de como as estruturas sociais têm um caráter processual e se fundam elas
mesmas na ação quotidiana dos sujeitos. Na esteira de Hammersley (1992, p. 16) a
etnografia global tem como propósito “encontrar o geral no particular, um mundo num
grão de areia", mas contribuir para a compreensão do mundo a partir da análise de
alguns grãos de areia – contribuir para a formulação de teorias fundamentadas e sempre
em atualização.

Contudo, para a etnografia global a teoria não ocupa o lugar de quadro de fundo, a
partir do qual a investigação se constrói, para confirmar ou infirmar ideias hipotéticas
pré-concebidas. Antes, a investigação tem como objetivo último estender a teoria
existente, pela refutação, processo no qual as anomalias são oportunidades de avanço do
66

conhecimento sobre um dado objeto. Há assim uma proposta para a etnografia global, a
de reposicionar o lugar da teoria nesta investigação, no seguimento de uma perspetiva
pós-marxista e feminista, adversa ao empirismo, às grandes narrativas e às teorias de
longo alcance.

Parece, deste modo, procurar um “caminho intermédio”, de busca de teorias que tornem
as observações interessantes e os achados inesperados ou anómalos para, a partir daí,
reelaborar as mesmas. Ou seja, aparece reforçada a noção de teoria como inacabada,
incompleta e imperfeita, sempre incapaz de compreender completamente a realidade, ou
os objetos científicos.

A etnografia permite "estar lá", escutar construções de sentidos, e significados das


ações. Na verdade, "estar lá" permitiu construir um sentido próprio dos discursos e
práticas e auxiliou a ultrapassar “esse grande obstáculo ao conhecimento científico, que
é o etnocentrismo" (Silva, 2003, p. 81).

O suporte teórico deste estudo etnográfico não se estrutura em hipóteses que se


procuram confirmar ou infirmar, nem mesmo é um processo indutivo puro. Opera antes,
através da incorporação e reconstrução da teoria existente em pequenos avanços e não
grandes revoluções científicas, no sentido que lhes atribuiu Thomas Kuhn ( [1962]
1996). Neste sentido, na III parte desta dissertação procura-se fazer o exercício de, a
partir das teorias já estabilizadas sobre educação em espaços culturais, procurar com o
corpo dos dados, dar um passo, ainda que exploratório, na aproximação entre estes dois
universos de sentido. Do mesmo modo, o texto procura traduzir uma coerência
interpretativa entre as linhas de entendimento propostas e os dados apresentados.

Neste sentido, esta última extensão pressupõe um movimento recorrente entre teoria e
campo, posição que se tenta adotar nesta pesquisa. Considerando em particular o caso
do CAC, verificou-se que a literatura, em particularmente da Museologia Crítica, que
havia informado o meu olhar é, de alguma forma, limitada ao contexto ocidental. Mais
especificamente, esta literatura tem trazido contribuições, para a elaboração de uma
política orientada para o público e suas possibilidades de fruição – função educativa
(Hooper-Greenhill, 1991). Isto acontece nomeadamente ao enfatizar uma transição
paradigmática de uma política museológica centrada no objeto – aquisição e
conservação – para uma política centrada na receção da obra de arte. Contudo, este tipo
de proposições não são observáveis numa transição linear entre um e outro paradigma,
antes parecem existir uma coexistência matizada de ambas as orientações, cujas
67

clivagens não fogem à necessidade de uma contextualização sociológica para a sua


compreensão. Neste sentido, as explicações teóricas, construídas sobretudo a partir de
um contexto ocidental, transportam também o obstáculo etnocêntrico de olhar os
contextos pós-soviéticos, mais do que um iluminador dos processos sociais observados.
Aqui, em alguma medida a mera tradução da construção teórica pode ser um
bloqueador da relação com o terreno, pelo que as “lentes” usadas vêm uma realidade
desfocada. Desde logo, a introdução na pesquisa de um contexto pós-soviético pode ser
percecionada como um convite à extensão dessa mesma teoria completamente
ocidentalizada ao nível económico, político e histórico. Sendo, portanto, nesse sentido,
que se coloca como central e inquietante uma questão de Burawoy (1991, p. 281): "Qual
será a verdade acerca do contexto social ou passado histórico para que o nosso caso
tenha assumido as características que observamos?" Interessa compreender as
instituições em causa, em contexto, com as clivagens e tensões, múltiplas agendas dos
protagonistas que as moldam e habitam, percebendo, assim, como únicas as suas
práticas.

2. A O RALIDADE , A E SCRITA E A I MAGEM COMO M EIOS DE

R ELAÇÃO COM O R EAL

Como temos vindo a afirmar, os dados desta investigação qualitativa foram recolhidos
através da oralidade, da escrita e da imagem. Destes três elementos a imagem é aquela
que mais tem sido estranha ao campo sociológico, embora o número de pesquisas a este
nível tenha vindo a aumentar. Estranha, pela “diversidade de suas funções: das
puramente técnicas às puramente artísticas, passando pelas relativas ao lazer e à
memória do homem comum” (Martins, 2008, p. 33). Ainda assim, a oralidade e a
escrita também são atravessadas pela mesma diversidade de funções (artísticas, lazer e
quotidiano) mas as ciências sociais tem recorrido quase em exclusivo à palavra oral e
escrita. Apesar de não procurar a proteção da normalização da escrita e da oralidade,
são estes os meios privilegiados na relação de investigação e de abordagem com o
objeto de estudo. A escrita é o meio através do qual se produzem as notas de terreno, se
acede aos documentos organizadores da programação educativa de cada instituição, das
68

políticas públicas para a educação e para a cultura e, finalmente, o meio de apresentar a


investigação nas suas diferentes modalidades – comunicações e artigos científicos e
agora esta dissertação.

Todavia, tal como Tiago Neves (2009) confessa, também incorri numa forma de
começar mal o trabalho. Assim apercebi-me, logo no final do primeiro ano de pesquisa,
de que não poderia conjugar o trabalho etnográfico com análise das políticas educativas
e culturais, pelo menos fazer o trabalho com o mesmo rigor, profundidade e intensidade.
Ou seja, incorri no erro de me propor a um projeto que não seria exequível, com e no
tempo esperado.

Nunca abandonei esta intenção completamente, na medida em que considerava que um


olhar analítico sobre as políticas públicas de educação e da cultura produzidos no
âmbito transnacional, por organizações como a UNESCO, e no âmbito regional, por
organismos como a União Europeia, combinada com a problematização teórica
constituíam finalmente as dimensões mais macroestruturais do estudo, e por isso,
relevantes para uma interpretação situada do trabalho etnográfico.

Assim, realizou-se uma análise documental sobre as políticas públicas consideradas


fundamentais, ainda que de um modo muito iniciático e exploratório, estando assim
presentes nas primeiras etapas deste trabalho.

A primeira caracterização dos serviços educativos dos equipamentos culturais tem por
base os documentos disponibilizados pelas próprias galerias, sejam os seus livros e
publicações, sejam os documentos disponibilizados nos sites online. A análise desta
escrita documental levou a um percurso por projetos, relatórios, publicações oficiais, e
avaliações, quando existentes.

A oralidade, por sua vez, foi recolhida em entrevistas semiestruturadas a sujeitos que
ocupam diferentes estatutos e lugares no organograma dos serviços educativos. Ou seja,
os sujeitos que de alguma forma contribuem para a agenda, programação e execução da
oferta educativa, durante o período definido para o estudo de cada caso (Tabela 2).

De seguida, apresenta-se com detalhe cada uma das estratégias de recolha de dados.
69

2.1. A E SC R I T A DA O B SER V A ÇÃ O P A R TI C IP A NT E EM D IÁ R I OS DE

TERRENO

No que se refere à escrita da Observação Participante, inicia-se pela apresentação do


trabalho de campo efetuado através da explicitação de alguns números, como forma de
fazer uma pintura e visibilizar o esqueleto desta investigação. Esses números estão
expostos na Tabela 1, de modo a tornar percetível as atividades observadas em cada um
dos casos.

Assim, genericamente diria que esta pesquisa teve um envolvimento temporal de


trabalho de terreno de cerca de 24 meses, repartido por três períodos de mais ou menos
8 meses cada.

Observei 142 atividades, consideradas educativas escritas em 326 páginas; divididas em


três Diários de Terreno, em que o do MACS, compreende 172 páginas; o TL tem 108; e
o CAC tem 46.

Houve a preocupação de conferir aos casos uma certa proporcionalidade entre a própria
oferta educativa e a observação. Nesse sentido, a análise destes números permite, desde
já, observar diferentes orientações nas várias programações educativas, seja pelo
privilegiar de um certos tipos de público em detrimento de outro; seja no recurso mais
frequente a um tipo de atividade do que a outro; seja pela relação das galerias com
outras instituições e categorias de públicos como escola (crianças, jovens e professores);
família (adultos e idosos), juventude e outras instituições sociais e culturais (museus,
bibliotecas, universidades, autarquias, conferências, académicos, hospitais, prisões etc.).

Tanto nesta síntese da observação como ao longo do texto, as designações das


atividades e seus públicos não são inocentes. A designação de cada atividade espelha
orientações educativas que subjazem à própria programação. Contudo, a fim de
construir instrumentos que auxiliem a organização dos dados, optei por nomear os
grupos de atividade, usando nesse exercício um conceito em Português, que não
desvirtuasse o sentido do nome original de cada atividade. Quando tal não foi possível,
optei pelo nome original da atividade, como é o caso do Late at Tate ou do Serralves em
Festa.
70

Tabela 1 - Atividades Ed ucativas Observadas

Observação Participante

Públicos Atividades MACS CAC TL #


Visita Guiada 4 2
Escolar
Conversas no Museu 2
(do ensino básio ao
Oficina 12 3
secundário)
18 0 5 23
Oficina 8 2
Crianças e Famílias Tate Explores 1
(não-escolar) Story Telling 2
8 0 5 13
Formação 1
Young Tate 8
Jovens
Oficina 3
(não-escolar)
Encontros 3
0 0 15 15
Formação de Professores 1 1
Seminário 1 2
Antevisão da programação 1 1
Professores
Oficina 3
Visita Guiada 1
3 1 7 11
Conferência de Imprensa 1 1
Inauguração 2 3
Projeção de Filmes 2 2
Cursos 3 11
Conversa com Artista 1 5
Público Geral Visita guiada 4 2 3
(Adulto e Académico) Oficina 2 1
Serralves em Festa 2
Late at Tate 2
Seminário 3 3
Performance 3
15 21 20 56
Projetos longos 2
Comunidades Touch tour 1
0 0 3 3

Preparação Exposições 4 3
Reuniões Internas Formação Monitores/as 2
6 0 3 9
Entrevistas 2 3 4
Outras Espaços físicos 1 1 1
3 4 5 12

MACS CAC TL #
Total de Atividades Educativas Observadas
53 26 63 142
71

// O lugar do diário de terreno

Dada a extensividade do trabalho de observação participante, as notas de terreno vieram


a afirmar-se como um recurso indispensável de registo das observações e reflexões
decorrentes do processo de investigação etnográfica.

A investigação qualitativa e especificamente as etnografias usam os diários de bordo,


notas ou diários de terreno, como o modo básico de fazer o registo de modo a
possibilitar ao/à investigador/a a construção de uma memória de investigação, que se
torna parte construtiva da mesma. Ao mesmo tempo, torna-se um instrumento e
processo extremamente útil na gestão da relação implicação/distanciamento; no
exercício de uma necessária regulação sobre si mesmo, um modo de evitar a dispersão e
desfocalização no emaranhando de informação e de relações contextuais. Assim se
poderá alcançar diversas leituras flutuantes que possam constituir-se em explorações
profícuas para as categorizações, reflexões e interpretações poderosas e redes de
relações entre os dados.

Sendo este um instrumento metodológico que exprime o vivido no dia-a-dia, o trabalho


de apropriação e aproximação ou de recuo face à problemática central, é, por isso um
trabalho essencial na construção dos “alicerces” da investigação, situando e dando corpo
pelo discurso aos grandes acontecimentos na sua expressão da quotidianidade. Assim
sendo, os diários e o seus textos comportam um misto de racionalidade, intimidade e
afetividade, ao mesmo tempo, que nos re/transportam para o quotidiano etnográfico.
Neste registo de proximidade de curto prazo e afetividade eles conservam o espírito de
implicação e curiosidade heurística que alimenta o trabalho de investigação. Igualmente,
eles contem também o relato de vivência institucional, e nesse sentido, eles também são
um diário institucional (Barbier, 2007) que pretende (ou não) desocultar o “não-dito”,
para iluminar as relações de poder e as dimensões económico-funcionais.

Apesar da consciência de que há perda de detalhe, erros, ou mesmo uma reconstrução


distorcida que é proporcional ao tempo que leva à elaboração desse registo. Por isso,
sabendo que os riscos do tempo para a qualidade do registo e o significado de alargar o
tempo entre o momento da experiência vivida e o momento do registo, procurou-se ter
em atenção a necessária diminuição desse intervalo temporal. Mesmo assim, optou-se
por não tomar notas durante a observação, à exceção dos momentos em que a presença
do papel e da caneta não acrescentassem barreiras na relação social de investigação.
72

O primeiro conjunto de notas de cada diário, como defende Burawoy usando uma
metáfora teatral, não é o ensaio geral mas a peça em si mesma e como tal, são registos
fundamentais que beneficiam da situação de estranheza e das dimensões múltiplas do
acesso a cada caso. Por outras palavras, a entrada num determinado contexto pela
primeira vez leva a que se dê importância a múltiplos pormenores, que nos lugares
familiares passariam despercebidos. Esses pormenores, ao longo da pesquisa, podem vir
a assumir um protagonismo não esperado à partida Assim, o conjunto inicial de notas
descreve o lugar, os sujeitos com quem interagi, o que pude observar, o que se fez e se
disse sobre o que se fez. Por exemplo, o tempo de desempenho de funções educativas
dos sujeitos, o historial profissional e académico dos agentes institucionais auscultados;
as orientações da instituição na definição das práticas educativas, quem se constituía
como público educativo, que orientação e objetivos são conferidos às atividades, às
modalidades de interações criadas entre artistas e público educativo.

Apesar do registo da observação participante não se ter apoiada em grelhas explícitas


que previamente orientassem o olhar, mais tardiamente as preocupações de observação
andaram em torno de diversas questões e temas: Como foi construída a oficina?; Como
foram os participantes selecionados?; Quais eram os objetivos?; O que era esperado dos
participantes?; como eram as interações e inter-relações entre os organizadores e
participantes?; Qual o tempo e espaço da atividade?

Procurei ter presente que a tradução dos discursos de inglês para português acarretaria
alguma traição e, nesse sentido reproduziu-se o mais possível os discursos diretos, na
tentativa de reduzir a minha interpretação dos momentos. Pelo mesmo motivo, busquei
descrições específicas, concretas e detalhadas, mesmo do que à primeira vista podia
parecer irrelevante. Ao mesmo tempo, na explicitação das minhas expectativas tentei
devolver com detalhe os meus pré-conceitos, perceções erróneas, interesses teóricos,
idiossincrasias ou mesmo o próprio processo de construção do objeto de estudo e da
problemática.

Como diz Luís Fernandes (2002, p. 26) "O diário ordena, através do fio narrativo, a
dispersão de acontecimentos do dia-a-dia. Mas não ordena apenas o dado descritivo –
ordena também uma série de cognições e sentimentos que constantemente se produzem
no contacto permanente com a coisa social local”. Escrever notas de terreno é, portanto,
processo de construção de sentido.
73

Todavia, diferentemente de Fernandes (2002), não optei por separar as “modalidades


narrativas” em documentos distintos, antes restitui as incursões nos três estudos de caso,
que constituíram três Diário de Terreno com autonomia, lidos mais transversalmente do
que longitudinalmente. Estes são compostos por notas de “observação”, que visaram
transcrever o participado, descrever o observado dos comportamentos e discursos dos
sujeitos, muitas vezes, seguidos de imagens. Acompanhadas por “notas metodológicas”
– atravessadas por reflexões que reproduzem as preocupações de coerência entre o
objeto, o método e o contexto de pesquisa. Estas são também o lugar da reflexão e da
autovigilância, do confronto de mim com o “outro“ e o lugar de afloramento das minhas
preconceções e habitus. Por fim, os três Diários de Terreno são atravessados por “notas
analíticas” que, como diz Fernandes (2002) são a grounded theory do diário de terreno.
Este é momento em que esboço as relações explicativas entre dados e teorias existentes,
assim como ensaio novas perspetivas e novos eixos, de interpretação e também de
investigação, que conduzem a novas preocupações de observação.

Em jeito de síntese, pode afirmar-se que a observação participante ocupa um lugar


privilegiado nesta etnografia, seja pelo volume de dados produzido, seja pelo sentido
estruturador que lhe é conferido. Como será desenvolvido no próximo ponto, as
restantes técnicas de recolha de dados – entrevista e fotografia – decorreram do
processo de observação participante, integrando também os Diários de Terreno. Estes
cumpriram uma tripla função – descrição de sujeitos, contextos e discursos;
autovigilância permanente, ou melhor, vigilância epistemológica (Sousa Santos, 1996) e
crítica (Bachelard, 1990); e esboço de reflexões teórico-metodológicas, ainda que de
modo rudimentar.

2.2. A O R A L ID A D E I N SC RI T A EM E N TR E VIST A

O início da entrevista é quase o meio de uma conversa. Ou seja, estávamos à conversa sobre as
entrevistas a que o S. já tinha respondido – basicamente inquéritos por questionário – e estava-me
a falar sobre o como gostava mais de designar a sua profissão. E julgamos que seria interessante
integrar já essa reflexão na entrevista e liguei o gravador. (MACS - Diário de Terreno - 09 de
abril de 10)
74

A oralidade segundo Silverman (1997) é o meio através do qual se pode vir a


compreender a perceção dos sujeitos sobre os fenómenos sociais. Esta orientação
epistemológica permite o estudo da realidade social sob a perspetiva do sujeito, sem que
por isso as suas experiências subjetivas deixem de poder ser julgadas por princípios de
validade, coerência e plausibilidade, em diálogo com perspetivas veiculadas pela
comunidade científica, sendo que é a partir das representações dos sujeitos que esta
realidade se re/constrói enquanto conhecimento científico.

Este é sempre um trabalho de tradução, que pretendemos em busca de uma


reflexividade intercultural (Caria, 2002).Tradução de universos de sentido e de formas
de expressão de sentido, entre dois horizontes diferentes. Como refere Jim Thomas
(1993) em Doing Critical Ethnography, “a etnografia é um processo de tradução dual”,
entre os códigos culturais dos sujeitos e os códigos culturais das ciências sociais. Indo
mais longe, este autor diz ainda que devemos, “ser fluentes em três linguagens: a dos
sujeitos, a da nossa própria ciência e a do público", lembrando-nos a primeira extensão
da etnografia global, a par da noção de “sensocomunização da ciência” proposta por
Sousa Santos ou ainda a posição de Telmo Caria:

“os factos etnográficos são traduzidos pela reflexividade intercultural no quadro da relação social
de investigação. Esta reflexividade é desenvolvida apenas na medida em que se interceta e se faz
coexistir a reflexividade institucional sobre a cultura local com a reflexividade interativa sobre a
teoria social, protagonizadas tanto pelo investigador como cidadão e cientista como pelos atores
sociais em estudo enquanto cidadãos e potenciais utilizadores comuns da ciência” (Caria, 2002, p.
16)

Neste sentido, este autor chama a atenção para a necessidade de “atuar sobre a estrutura
da relação social de investigação” (RSI) através da informalização – facilitar as
relações, desvalorizar a culturização, facilitar a relativização do etnocentrismo enquanto
obstáculo epistemológico. Partilhando desta posição procurei criar um universo
reflexivo de trocas simbólicas e de intersubjetividades que permitisse conhecer o
contexto dos sujeitos. Universo este isento de ilusões românticas de naturalização, na
medida que consideramos que o/a investigador/a nunca pode ser os/as sujeitos que
investiga, mas pode sempre adotar uma posição humilde, reconhecendo que
verdadeiramente que aprende e respeita profundamente as interações com estes. Sendo
estas habitadas por relações de poder que o/a investigador/a desconhece à partida, a
consciência da complexidade é inevitável, turvando e desconstruindo as certezas
iniciais. Daí o protagonismo atribuído aos discursos dos/as informantes, em
75

determinados eixos de análise, nomeadamente nos dois casos da TL e do CAC, questão


que retomarei mais à frente.

Apesar de todos/as os/as sujeitos/as entrevistados/as, tal como refere Caria (1999, p. 6)
“possu[em] capacidade para se aproximar da racionalidade científica do investigador”,
não se pode aqui esquecer as dificuldades de comunicação entre sujeitos, apesar de
distinta e singular em cada caso. Seja pelas clivagens culturais, representações e códigos
linguísticos que, em vez de proporcionarem “intercompreensão discursiva”, por vezes
provocaram afastamentos entre mim e os sujeitos.

Efetivamente no caso em que tanto eu como os sujeitos comunicávamos numa língua


estrangeira – em inglês – foi naquele em que se verificou uma implicação mais débil.
Apesar do CAC adotar o inglês como língua oficial e todos/as os/as entrevistados/as
serem fluentes em inglês, o meu desconhecimento da língua materna destes ergueu-se
como obstáculo difícil de transpor, tal como é possível perceber na seguinte passagem
do Diário de Terreno, na qual se regista um dos últimos momentos da incursão por esta
galeria:

Quando subimos ao 2 andar J., surpreendentemente, vem ter comigo e diz-me: "For you must be
quite boring", ao qual respondo: "but I prefer to join the tour of staying downstairs...” (a visita
estava a ser feita em Lituano) Ao qual me propõe: "So, let’s see those pictures" – imagens do
making off de um dos filmes projetado no Vilnis COOP, que foi realizado em Pequim.
Grande parte do material está em chinês, e entre este existe um planisfério, no qual o centro é o
oceano pacífico. Começamos a tecer considerações sobre distâncias, as ideias de relações
geográficas entre países. A tomar consciência de como a própria representação da Terra no
planisfério é orientada por ordens e relações de poder. Mas sempre com alguns mal entendidos
pelo meio, eu começava a falar de uma coisa e ela comentava outra completamente diferente o
que me levou a supor que o facto de ambas estarmos a falar uma língua que não é a nossa língua
materna acresce barreiras. Como pude constatar durante a investigação só consegui transpor
essa barreira com poucos informantes. (CAC - Diário de Terreno - 21 de novembro de 2009)

No sentido de explorar esta subjetividade centrada na capacidade interpretar os


discursos dos sujeitos, nos seus termos e nos seus condicionamentos sociais. Analisar
não apenas o que dizem, mas porque e como o dizem, atribuindo um lugar fundamental
à relação social de investigação.

A observação teve um papel importante na construção desta relação. A partilha dos quotidianos
dos sujeitos permitiu, com a maioria destes, a construção da confiança reciproca necessária para
76

que os/as sujeitos se sentissem confortáveis na realização da entrevista. Contudo, face à


arquitetura da pesquisa – a menor incursão em alguns espaços – condicionou a relação social de
investigação com alguns sujeitos, como foi o caso da Coordenadora do SE do MACS. Com esta
informante procurei, através de correio eletrónico, responder a todas as questões que me colocou,
mesmo assim, o contexto artificial da entrevista levou a que este sujeito da investigação se
refugiasse num discurso por si construído, anteriormente para outros contextos, limitando-se a
fazer uma apresentação do departamento com recurso a um documento escrito. Vejamos a “nota
metodológica” que acompanhou a entrevista:
A entrevista com a S. não foi bem o que eu procurava.
Agendamos a entrevista pessoalmente, na última sessão da oficina da Pascoa e só no próprio dia
trocamos alguns e-mails. S. pediu-me que lhe enviasse o guião, o que fiz. Depois perguntou-me
como iria trabalhar as respostas; se o texto sintetizaria a conversa ou se as respostas iriam
aparecer em discurso direto com aspas. Se assim fosse, que preferia responder por escrito.
Pareceu-me que não estávamos a partilhar o mesmo conceito de entrevista, pelo que me mandou
um documento prévio – uma espécie de guião de uma outra investigadora – no qual tinha
respondido por escrito a algumas questões. Na própria entrevista voltou a focar e a ler partes
desse documento, assim como trouxe impresso o PowerPoint que costuma usar para apresentar o
SE. A entrevista resumiu-se quase a uma apresentação, usando esse documento como suporte.
Não levantei qualquer questão, ou consegui desviar a abordagem que tomou. Mesmo ao longo da
entrevista ia reiterando a mesma questão, chegando mesmo a dizer: “depois pões isto mais bonito
no texto final”. (MACS - Diário de Terreno - 12 de abril de 2010)

Este acontecimento recoloca a importância, para a etnografia, da relação social de


investigação, assim como das representações do que é a pesquisa empírica e relembra o
que significa o respeito pelo modo como os/as sujeitos organizam o seu discurso. Esta
dificuldade, como referimos em relação do CAC, estas incompreensões mútuas, não só
expõem questões que estariam ocultas, como obrigam a um exercício de dupla
interpretação em que se procura objetivar o “olhar etnossociológico” através da
teorização da estrutura da relação social de investigação a fim de compreender o que é
dito, o que não é dito e que formas assume esse discurso, como sugere Caria (1999).

Procura-se, nesse sentido, compreender o porquê da interpretation curator da TL se


recusar a dar entrevista. Apesar de justificar com indisponibilidade de tempo, mais tarde
entre conversas com outros/as informantes percebi que esta curadora tendia a estar em
desacordo com as orientações do departamento e, como tal, recusava na maioria das
situações expressar a sua posição, nomeadamente naquelas que implicavam a imagem
oficial da instituição.
77

A opção pela entrevista semiestruturada justifica-se pela sua adequação à escuta dos
testemunhos dos diversos sujeitos sobre as práticas e perspetivas sobre o quotidiano
institucional, as relações e experiências aí geradas, permitindo apreender os processos
em ação e as diversas interpretações que os/as enformam e que deles resultam.
Considerando que o que os sujeitos testemunham é filtrado quer pelas suas grelhas de
leitura da realidade e seus quadros de interpretação, quer pela posição institucional que
ocupam e que lhes disponibiliza um determinado ângulo de leitura da realidade,
procurei captar discursos de diversos ângulos. Isto em busca constituir olhares
caleidoscópios mais heurísticos, que permitissem trazer a riqueza das diversas
interpretações da realidade.

Nesse sentido, entrevistei todos os sujeitos que intervêm na programação educativa,


desde a direção dos departamentos educativos – produção da agenda, coordenação e
definição da estratégia, até aos/às artistas que propõe a sua execução. Assim se procura
responder ao meu interesse de construir um mapa de sentidos e significados, feito de
múltiplas entradas que potencialmente contribuam para a construção de uma visão
holística do trabalho educativo das três galerias de arte contemporânea. E que, em
última análise, de alguma forma pudesse também permitir uma “visão generalizável” do
que é a oferta contemporânea de educativa cultural na Europa.

A seleção dos sujeitos a entrevistar procurou constituir um conjunto diversificado e


amplo de informantes. Não considerei, no entanto, nenhuma preocupação de
representatividade. No caso do CAC, face à escassez de atividades consideradas
educativas, recorreu-se com maior frequência à entrevista, tendo sido realizadas duas
entrevistas – no início e final do período de pesquisa – a cada um dos intervenientes,
com exceção da entrevista exploratória à diretora da Nacionalinės Dailės Galerijos.

Foram, também, realizadas entrevistas coletivas com informantes privilegiados entre


os públicos da Tate Liverpool (primeira incursão no terreno), que não vieram a ser
usadas na análise, por razões de delimitação retoque do objeto, por se considerar que
abrir o âmbito da pesquisa à análise dos públicos da programação educativa seria, mais
uma vez, megalómano e desnecessário para o foco essencial da pesquisa.
78

Tabela 2 - Entrevistas Realizadas

Entrevistas

Sujeitos de Investigação TL CAC MACS #

Diretores/as 2 3 1 6

Curadores/as 9 8 2 19

Mediadores/as 16 1 9 26

Públicos Privilegiados 3 3

Total de Entrevistas Realizadas 30 12 12 54

Todas estas entrevistas (Tabela 2) foram gravadas com o consentimento dos sujeitos,
que autorizaram o uso das mesmas nesta dissertação. Cada entrevista obedeceu a um
guião que insidia em três grandes eixos: I – Dados biográficos; II – Perceções e
representações sobre o seu trabalho no seio da organização; III – Relação entre a galeria
e a cidade antes, durante e depois Capital Europeia da Cultura. Para além destes eixos
estruturadores do guião, foram colocadas questões que emergiram do processo de
observação.

Contudo, ciente de que não há formas de investigação que traduzam a realidade “pura”,
procurei, sempre que possível, confrontar as informações recolhidas no conjunto das
entrevistas, quer entre si, quer com os dados obtidos através de outras técnicas,
essencialmente através da observação participante. Nesse sentido, todo o trabalho de
construção, interpretação, análise e discussão dos dados foi guiado pela preocupação da
triangulação metodológica entre várias técnicas de recolha de dados com o propósito
último de produzir relações, conexões e cenários interpretativos empiricamente
plausíveis e coerentes, e teoricamente sustentáveis.

2.3. A I M A GE M F E IT A F OT OGR AF I A S OC IA L

A fotografia social, enquanto recurso metodológico desta etnografia, teve, contudo, um


papel localizado. Se, tal como se disse antes, em alguns momentos serviu de pretexto de
79

aproximação aos sujeitos, noutros serviu de ponto de reflexão sobre a relação social de
investigação, ou ainda de texto que mostrasse o que não se registou nos diários de
terreno, ou em entrevista. Assim, usei a fotografia como desafio à reflexão analítica, na
medida em que na maioria das vezes fotografei sem propósito explicito de ilustração de
alguma problematização ou mesmo sem intenção de registo sistemático de situações
e/ou comportamentos. Com efeito, o registo visual, como referem Carles Feixa e Laura
Porzio (2008, p. 109) “serviu de contexto, pretexto e de texto para o nosso trabalho de
campo”.

A fotografia tem uma longa história nas ciências sociais, tendo a máquina fotográfica
um percurso de ser parte do kit das ferramentas históricas dos/as etnógrafos/as desde os
arquivos coloniais, revestindo usos diversos de acordo com o paradigma em causa. O
potencial mimético da fotografia garante-lhe o estatuto de “cópia da realidade”, meio
que mais fielmente congela no tempo um determinado instante do real. Daí que, como
assinala Becker (1981) a fotografia social nascida da revolução industrial sirva para
exorcizar os “males” do seu tempo, especificamente numa sociedade orientada para a
objetividade do progresso.

"A fotografia cria uma visualidade própria da sociedade industrial, supostamente bania da imagem
as fantasias, crendices e fabulações barrocas da sociedade precedente, livraria a imagem moderna
dos rebuscamentos da pintura, livrava-a do caráter estamental da cultura pictórica do mundo pré-
industrial, socialmente hierárquica, apoiada em desigualdades sociais intransponíveis" (Martins,
2008, p. 41).

O positivismo que se apropria da fotografia procura nesta o naturalismo da


representação, fazendo-a veículo de inventário do real (da natureza, do social, da
anatomia e mesmo da arte (Medeiros (2008). Contudo, antes deste "cortejar" da
Sociologia, a fotografia "casou" com o senso-comum, tal como afirma Souza Martins
(2008). A evolução tecnológica tornou a fotografia acessível ao quotidiano, passando a
“retratar” a família, a viagem, as cerimónias sociais. Ao serviço do self ganha uma
centralidade nunca vista na sociedade contemporânea, sendo mesmo exacerbado o uso
da imagem e da web 2.0. De alguma forma reside aí a inconstância do uso da imagem
no edifício metodológico (Pink, 2001), no campo sociológico. Ou talvez, como coloca
João Teixeira Lopes, a abertura de interpretação da imagem tem retardado a sua entrada
nesse edifício.
80

“a imagem é rebelde, polissémica, liberta-se de um quadro restrito e prévio de inteligibilidade. Ela


possui, porventura mais do que o texto escrito, as características da obra aberta, assinalada por
Umberto Eco. Daí, talvez, a sua tardia entrada na panóplia de métodos e técnicas de recolha de
informação no campo da Sociologia, particularmente nas orientações predominantemente
positivistas e objetivistas” (Lopes, 2011, s/p)

A fotografia como técnica de recolha emergiu na chamada “etnografia constitutiva”


como suporte do registo, procurando o que as imagens têm a dizer, além do que as
palavras não disseram (Bogdan & Biklen, 1994). Esta "cópia" é um recorte do real,
tirado a partir do olhar, (de)formado, da investigação.

O argumento de segundo Sousa Martins (2008) é de que a fotografia é um documento


sociológico que "congela um momento do processo social" e por isso pode conduzir à
ilusão, assente na exorcização técnica do subjetivo, iludindo o facto de que a imagem
produzida pela fotografia não é una nem unívoca.

Como estes autores argumentam, não nos interessa que a fotografia exista por si mesma,
numa autonomia analítica. Na mesma medida em que os outros “dados” não existem
por si só, a fotografia como qualquer texto fica sujeita ao processo de interpretação. Tal
como qualquer outra técnica de recolha de dados, a fotografia não tem o estatuto de
produzir dados factuais ou absolutos – a ilusão da verdade crua. Com efeito, a câmara
fotográfica não é uma "câmara de produção de informações sociológicas" (Martins,
2008). A fotografia é parte integrante da memória (Medeiros, 2008) do terreno de
investigação.

A sua heuristicidade como técnica nesta pesquisa residiu no facto de esta poder
"congelar" algo não intencional. Pretendeu-se fazer imagens de fragmentos de um
quotidiano passado, podendo contribuir para evitar a perda e o distanciamento espácio-
temporal da realidade. Nesta ordem da argumentação a fotografia é um “objeto
transicional” (Medeiros, 2008, p. 80), que alimenta a ideia de que constrói a verdade de
forma reprospetiva.

Também Sarah Pink (2001) chama a atenção para o facto de a fotografia ser uma
técnica que, à partida, não se define como etnográfica. A dimensão etnográfica de uma
imagem é definida pelo discurso e pelo conteúdo, a partir do qual é possível construir
informação visual significativa, não tanto no que é representado na imagem, mas da
interpretação que desta é feita. Então, uma fotografia criada por um/a investigador/a
com agenda etnográfica pode ganhar novos significados pelos múltiplos usos que pode
81

ter, quer os atribuídos pelo/a investigador/a, quer os atribuídos pelos sujeitos de


investigação. O caso da fotografia de grupo dos Young Tate que foi tirada a pedido do
grupo e foi usada numa apresentação de jovens que participaram num projeto conjunto.

Outro contributo de Pink (2001), significativo para esta etnografia, é o seu argumento
de que a produção de imagens em contexto de investigação etnográfica, não deve ser
inocente à cultura visual local, o que é central quando o terreno de investigação é um
espaço de legitimação da cultura visual contemporânea. Nesse sentido, julgo que ao
contrário de Pink, não tive como intenção de me aproximar desse registo, procurando
apenas fazer o uso da imagem como documento visual das atividades do serviço
educativo, uma espécie de inventário das práticas educativas. Nas três galerias que me
acolheram, embora de forma heterogénea, as atividades educativas eram documentadas
fotograficamente, fosse pelos/as mediadores/as que lideravam as sessões, fosse pelos/as
curadores/as responsáveis pelo projeto, ou mesmo por profissionais da fotografia.
Apenas numa situação em particular estes dois universos de sentido se aproximaram – o
sentido de produção de imagens como obra e o uso da imagem como documento. Numa
proposta de workshop com escolas que fazia parte da produção inicial de uma série de
obras de Rineka Dijkstra para a Coleção da Tate, como se disse já o inventário desta
prática serviu de ponto de partida para a produção de um registo visual legitimado,
posteriormente exposto na mesma galeria. Na nota de terreno da observação deste
workshop registei:

Inicialmente este era um workshop com Rineka Dijkstra, que estava interessada em retratar estes
estudantes. Contudo, quando cheguei A disse que ela estava em Nova Iorque e sugeriu que eu
fizesse as fotografias e filmasse a sessão para que a artista tivesse uma ideia das expressões e
gestos destes estudantes.
Quando me aproximei do grupo cumprimentei-os e K. pediu se lhe emprestava a minha câmara
para os fotografar, mas passados alguns minutos pediu-me que eu fotografasse. Prestei atenção
às suas expressões e à forma como apresentavam o seu trabalho e às relações que estabeleciam
com as obras na galeria. Tentei cruzar o pedido que A me fez e os meus interesses de observação.
Ou seja, focar as expressões dos estudantes, mas também as atividades que K lhes propunha e a
forma como interagia com eles. (TL - Diário de Terreno -10 de dezembro de 2008)
82

Ilustração 8 - Um dos exercícios propostos neste workshop foi a produção de autorretratos. De forma
espontânea os/as jove ns retrataram -se em relação às obras expostas.

2.4. A A N Á L I SE DA E SC R I TA , DA O R A LI D AD E E DA I M A GEM

Registado o escrito, o oral e a imagem, o momento seguinte passa por tornar inteligível
todo o material empírico construído.

Para tal, a opção recaiu na análise de conteúdo, tendo daí emergido 29 categorias e 34
subcategorias exaustivas, não exclusivas, mas pertinentes (Grawitz, 1984; De Bruyne,
1974; Bardin, 1977). No que diz respeito às (sub)categorias algumas assumem um
caráter descritivo e outras mais analíticas. Elas são fruto do processo que orientou toda a
pesquisa – a de integração de preocupações teóricas que informam as “lentes” de análise
do real e a abertura conscientemente construída ao inesperado emergente do terreno.
Nesse sentido, a categorização fez-se por um ensaio de conjugação entre as orientações
teóricas, expostas no segundo capítulo desta dissertação, e a emergência de novas
significações trazidas pelos dados. A Tabela 3 mostra a estrutura das categorias e
subcategorias de análise.
83

Tabela 3 - Eixos, Ca tegorias e Subcategorias da Análise de Conteúdo

Análise de Conteúdo
Eixos Categorias de Análise Subcategorias
Capital Europeia da Cultura
Fenómenos Sociais, Históricos Políticos, Económicos e Culturais
Ethos Institucional
Contexto

Arte Contemporânea
Obras de Arte
Interpretação
Origem
Projeção no Espaço Europeu
Relação com a Cidade
Relação com Instituições Educativas
Conceção de Educação
Fundamentação

Lugar da Educação na Missão do Museu


Lugar da Educação na Organização
Objetivos Estratégicos
Quadro Ideológico da Organização
Relação entre Exposição e Educação Instrumentalização da educação
Destinatários da Programação Educativa
Educação Formal
Festa
Formação de Professores
Instituição acolhedora
Oficina
Online
Programa de Televisão
Projetos com Escolas
Projetos Comunitários
Projeto com Jovens
Elementos Curriculares das Atividades Projetos com Crianças
Pedagógicas Publicações
Operacionalização

Público Adulto
Seminários
Visitas Guiadas
Projeção de Filmes
Conferência
Avaliação
Metodologias pedagógicas
Objetivos das Atividades
Espaço de independência relativa
Relação Pedagógica
Formação Contínua
Formação Inicial
Equipa Educativa
Função
Relação entre diferentes dimensões profissionais
Espaço
Interpretação das políticas
Processos de Trabalho
Tempo
84

Outro tipo de categorias


Objeto

Obstáculos
Opções
Metodológicas Perceção sobre a Investigação

Percurso Ganhar Acesso

Relação Social de Investigação

Teorias Grounded Theory


Emergentes
Comunicação e Marketing
e
Categorias Públicos Impacto das Atividades
não
consideradas Impacto dos Estudos de Públicos

A análise de conteúdo foi norteada pela construção de categorias construídas a priori,


tais como Relação com a Cidade, Lugar da Educação na Organização do Museu, ou
ainda os Elementos Curriculares das Atividades Educativas; e categorias que
emergiram dos dados, tais como Relação entre Departamentos de Exposição e
Educação, Espaço de Independência Relativa ou ainda o Impacto dos Estudos de
Públicos.

Observa-se que as categorias emergentes são, na sua maioria, subcategorias que


enriquecem a estrutura de categorias já construídas (observáveis pela árvore de
categorias construídas no software N´Vivo, espelhadas na tabela anterior).

Esta estrutura de análise foi organizada em três grandes eixos – a Contextualização, a


Fundamentação e a Operacionalização – e complementada pelas Opções
Metodológicas e pela Teorias Emergentes e Categorias Não Usadas.

No primeiro destes três eixos, a Contextualização, pretende agrupar um conjunto de


categorias, que dão conta do contexto de cada um dos casos. Categorias como a
Fenómenos Sociais, Históricos, Políticos, Económicos e Culturais enquadram os três
casos e convidam a aceder às perceções que os sujeitos têm sobre estes diversos níveis
de enquadramento (social, politico, histórico, económico e cultural) da instituição onde
trabalham. Note-se que nesta categoria as referências ao contexto de Origem das
instituições aparecem de forma recorrente nos três casos em estudo, como forma de
85

fundamentar determinadas opções educativas ou estruturas organizacionais, por


exemplo, o cargo de curador(a) educativo(a), ou mesmo o Ethos Institucional.

Igualmente as categorias que remetem para as categorias Relação com a Cidade, com
Outras Instituições Educativas e Projeção no Espaço Europeu permitem compreender o
posicionamento dentro do campo artístico (Wacquant, 2005), que a galeria afirma deter,
o grau de implicação com o projeto europeu, ou mesmo a integração entre as
programações das CEC e da galeria no ano em que a cidade celebra o seu estatuto de
Capital Cultural Europeia. Por fim, a categoria Obras de Arte e subcategorias Arte
Contemporânea e Interpretação procuram dar conta da perceção que cada caso tem das
obras que mostra, a par das estratégias de interpretação que afirma deter e facilitar.

Já no eixo da Fundamentação compreende-se sobretudo as Conceções e Modelos de


Educação de cada um dos casos em estudo, a par do Lugar que a Educação Ocupa na
Missão e Organização da galeria. Procurou-se, neste eixos, explicitar o Quadro
Ideológico e Objetivos Estratégicos cada caso, no que diz respeito à função educativa
do museu. Por fim, a categoria Relação entre Exposição e Educação emergiu do
trabalho de campo como relevante, a fim de se reconhecer alguns esforços pontuais, que
expansão da função educativa para além do departamento educativo, o que se pode
observar que se traduz, em alguns momentos em forma de Instrumentalização da
Educação em favor de interesses estéticos.

Por fim, o eixo que trata da Operacionalização da estratégia educativa de cada uma das
galerias dá conta das práticas educativas estruturadas pelos Elementos Curriculares das
Atividades Pedagógicas, que dão conta não só das múltiplas atividades como Formação
de Professores, Oficinas, Seminários, Publicações ou Visitas Guiadas; como procuram
analisar as Metodologias, os Objetivos e mesmo a Relação Pedagógica. Na categoria
Equipa Educativa, procura-se perceber como é que são constituídas as equipas dos
departamentos educativos, seja pelo tipo de Função, Formação Inicial, assim como se
procura perceber o que é valorizado pela Formação Contínua, organizada por cada
departamento. A subcategoria Relação entre diferentes funções procura dar conta do
como os diferentes profissionais percebem os seus diferentes papéis, muito
particularmente como os/as mediadores/as percebem o seu trabalho como educadores/as
dentro do museu e como artistas fora deste. Considerando que os próprios
departamentos tende a estruturar a sua oferta em torno de uma categorização dos seus
públicos, em Destinatários da Programação, dá-se conta dessa mesma organização da
86

programação. Espaço e Tempo dão conta de questões como a duração de cada atividade
e do lugar espacial que estas ocupam dentro ou fora do museu. Por fim, Interpretação
das políticas emerge para organizar o como as políticas, essencialmente europeias, são
percebidas e integradas nos respetivos Processos de Trabalho.

Pelo teor de questões que o eixo Operacionalização trata, conduziu a que os Diários de
Terreno, enquanto o (des)escrito da observação, fossem protagonistas deste eixo,
enquanto as entrevistas preencheram a maioria das categorias dos eixos
Contextualização e Fundamentação.

Tanto os três Diários de Terreno, referentes a cada um dos casos, assim como as 54
entrevistas, foram submetidos à análise pelas mesmas categorias, mesmo quando estas
emergiram de um só tipo de dados. A categorização em dois momentos recorrentes
permite este movimento entre as categorias construídas à priori e as emergentes, de
ambos os tipos de dados.

Na análise posteriormente feita à categorização dos dados, estes foram organizadas em


grelhas que permitem uma leitura individual de cada um dos casos (vertical) e/ou
transversal dos três casos (horizontal). Eis um exemplo de uma destas grelhas:
87

Função Profissional
TL CAC MACS
Enunciado Observado Enunciado Observado Enunciado Observado

H. - Since then I have just H. received them and gave C. - Isso Serralves é um C. convidou a que pensassem
been a member of Young them an introduction to sítio interessante porque que máquina gostariam de
Tate, just everyone what was going on. não te corta isso, aqui construir, que ainda não
downstairs... but taking However, she told me that cada Monitor é sabido e tivesse sido feita. Teriam que
more responsibilities, she didn’t know her role in é aceite que cada um tem começar pelo desenho. Em
different projects and Young Tate anymore. She a sua ambição das cima da mesa, para além do
now I'm the Art Pad is no longer being paid to coisas, dentro de um papel e lápis, tinham peças
coordinator. So... I send play the role of contexto razoável. Cada de máquinas e lanternas. A
e-mails to let them know coordinator, but when she Monitor tem a liberdade Cláudia explicou mais tarde
when we have a meeting is in project, that’s what de fazer as coisas à sua que as lanternas serviam
Mediadores

and get current she does. maneira e isso é muito para auxiliar o desenho.
information with bom. Poderiam criar sombras das
emergency details and peças e desenhá-las. Esta
that sort of things. fase durou cerca de 2h ou
H: I was employed to talvez mais. Tanto a Cláudia
work on Art Pad, but a como a Sofia iam de mesa em
lot of stuff I do for Young mesa apoiando os projetos,
Tate is volunteer, so... I sobretudo questionando o
mean a lot of this doesn't que era, a função que tinha e
fell like a proper job, I como funcionava. Apontava o
mean this is a proper job. que não era percetível no
There is lot of organizing desenho. Salientava a
and administration and necessidade de desenharem o
things like that, but mais pormenorizadamente
everything else I just do. possível, para que os outros
(risos) yeah... só a olhar para o papel
pudessem perceber o que era
e para que servia a máquina.
88

Estas grelhas foram criadas, para cada uma das categorias. São constituídas por duas
colunas para cada um dos casos, subdividindo os dados entre o Enunciado dos discursos
dos sujeitos em entrevista, e o Observado, captado através da observação; e por
múltiplas linhas que dão conta das subcategorias. Regista-se, uma frequência imprecisa
a existência de “espaços em branco” – tal como se observa para o caso do CAC, no
exemplo exposto – significando que para aquela subcategoria, num determinado caso,
não existem dados. Esta inexistência, num dos dois tipos de dados – Enunciado e
Observado – traduz as diferenças e, subsequente, uma possível complementaridade
entre as duas principais técnicas de recolha. Se a entrevista facultou o acesso, de forma
mais facilitada, à perceção que os sujeitos têm sobre o seu lugar na organização, a
relação que a instituição estabelece com outras instituições educativas, ou mesmo os
públicos que tende a selecionar para as atividades educativas; já a observação tende a
privilegiar as práticas educativas, as metodologias, os tempos e os espaços da educação
cultural destas galerias.
89

NOTAS FINAIS DE UMA ETNOGRAFIA EUROPEIA

Assim, salientou-se o potencial analítico da etnografia em iluminar os diálogos


educativos glocais em espaços culturais, no início do século XXI, a partir do
argumentar e contar o nosso próprio processo de pesquisa. Procurou-se assim neste
capítulo defender conceptualmente e mostrar como se pode operacionalizar uma
etnografia global de maneira a compreender o mosaico de uma nova sociedade civil
global. Defendeu-se um modo concreto de pensar e fazer pesquisa através de uma das
metodologias que melhor pode possibilitar uma relação com o real que se pretende
conhecer.

Assume-se o fascínio apelo imaginativo da etnografia global, como modo de


compreender e retratar o local em articulação dinâmica com as transformações
educativas que estão a ocorrer nestes tempos de pós-modernidade globalizada. Nesta
perspetiva, a etnografia que se firma no local mas que perceciona esse mesmo local
como conectado com o exterior, sob fronteiras porosas e relações sociais múltiplas, que
são construídas em várias escalas espaciais e temporais. Assim, esta etnografia global
apresenta o(s) local(ais) e o global como mutuamente constitutivos e passíveis de
leituras localizadas e globais. Efetivamente o que pode trazer de novo esta pesquisa aqui
narrada é a possibilidade de revelar como é que a globalização é localizada em
processos, inter-relações ou mesmo perceções (Burawoy et al. 2000).

A extensão do lugar no tempo e no espaço colocou-nos problemas práticos e


conceituais. Todas estas texturas de interseção, saltos e reviravoltas no espaço e no
tempo, do singular para o geral resultam da encarnação quotidiana dos movimentos
glocalizados. Esta etnografia não ficou constrangida a exemplificar o impacto local de
processos globais, mas procurou estar aberta à compreensão de como o predomínio do
global é “resistido, evitado e negociado” (Burawoy, 2000: 29), em cada e no conjunto
dos três casos e nos modos como o fizemos e pudemos captar. Através de uma análise
multissituada, procuramos então explorar os três eixos analíticos que esta metodologia
nos convidou a abrir, através da superação de uma perspetiva hegemónica dos discursos
sobre a globalização e sobre a construção europeia. Neste sentido, procura-se um
“caminho intermédio” de recorrente interpretação teórica e empírica no sentido de
perspetivar os dados como potenciais manifestações imprevistas de teorias inacabadas.
90

Capítulo II. A Emergência da Educação Cultural:


Transformações Contemporâneas na Economia, Cultura e
Educação

“We have new and faster access to information than ever before, and there is a shift from industrial
economies to those that are knowledge-based. In turn, the production of knowledge through
educational practice has been scrutinised, challenged and revisited with new theories and shifts in
policy. In the face of all this, I am forced to reflect on my own setor and ask of my colleague,
Sandra (with no intended flippancy), ‘What is to be done?’ Are there any theoretical bedrocks for
us to draw on and make a plan of our own?” (Cutler, 2010, p. s/p)

INTRODUÇÃO

O principal objetivo deste segundo capítulo consiste na discussão e clarificação do


enquadramento e da matriz conceptual desta pesquisa, numa perspetiva de integração
entre teoria e o processo metodológico da etnográfica europeia.

Assim, inicia-se esta viagem teórica convocando para a discussão, no primeiro ponto, as
transições paradigmáticas originadas nos anos 1970, que tiveram repercussões nas
várias esferas da vida social, com especial ênfase nas representações, contextos e inter-
relacionamentos entre economia e cultura. Recorre-se a uma discussão em torno da
periodização deste fenómeno, sob as lentes do capitalismo, em três momentos,
observados por autores como Mandel (1975) ou Santos (1994), com a pretensão de
compreender o aparecimento das pré-condições de emergência de uma nova estrutura
de sensibilidade como Jameson ([1991] 2000) apelida a cultura.

Num segundo ponto, discutem-se as teorias do pós-modernismo, enquanto leituras


possíveis das transformações sociais e culturais contemporâneas enquadradas pelo
conceito de viragem cultural. Centra-se a atenção na arte contemporânea como uma
91

nova realidade estética do capitalismo tardio. Argumenta-se que, apesar da arte


contemporânea se inscrever e comprometer com as questões da sociedade
contemporânea, estabelece relações difíceis com os seus públicos. Convoca-se o debate
entre Adorno ([1974] 2003) e Benjamin (1992) sobre a democratização cultural, assim
como se observam os contributos dos estudos culturais, em particular a perspetiva de
Paul Willis (1977, 1990, 2005). Ainda no pós-modernismo, enquanto narrativa,
questionam-se a as possibilidades de transformação e justiça social, que a democracia
cultural parece prometer.

Num terceiro ponto, decompõe-se o papel da escola de massas na construção do projeto


de Estado-nação, nomeadamente na sua função seminal de socialização servindo um
projeto político e cultural homogeneizador sob uma artificial identidade nacional. Do
mesmo modo, procura-se perceber como é que o processo de construção europeia
reconhece e promove a educação não-formal, na tentativa de que esta desempenhe uma
função próxima à da escola de massas na consolidação do Estado-nação, no que diz
respeito à consolidação do espaço europeu. Afirma o desvanecimento da crença na
educação escolar como solução para todos os males. Localiza-se este desvanecimento
nas crises dos anos 70 – crise mundial da educação – na qual organismos transnacionais
como a UNESCO e a EU tiveram um papel determinante no estabelecimento de uma
agenda política do não-formal, enquanto lugar e modo de “flexibilização” face a uma
normatividade e exclusão do formal institucional. Analisa-se a tripartição do universo
educativo no sentido de perceber as potencialidades que são apontadas à educação não-
formal, nesta fase de capitalismo tardio. Por fim, observa-se como a própria Sociologia
da Educação em Portugal reconhece a necessidade de alargamento do seu objeto de
estudo aos fenómenos educativos não-escolares.

Por fim, no quarto ponto argumenta-se que os museus de arte contemporânea


evidenciam e constituem o lugar sintetizador das transformações e mudanças sociais.
Este território contestado tem vindo progressivamente a reconhecer e a reforçar as suas
funções educativas. Estas novas funções são reconfiguradas pela imposição de
responsabilidade social desses museus, usualmente assumidas pelo departamento
educativo ou equivalente. Consideram-se, com cuidado, as nuances interpretativas que
marcam a emergência da arte contemporânea, a par da verificação da centralidade da
educação no percurso de democracia cultural da arte e em particular da arte
contemporânea.
92

Neste sentido, procura-se compreender as transformações operadas nas últimas décadas


nas esferas da economia, cultura e educação, a fim de sintetizar estes contributos e
esclarecer o que se entente por educação em museus de arte contemporânea.

1. P ROBLEMATIZAÇÃO DOS P ROCESSOS DE R ADICALIZAÇÃO DO

C A PITALISMO (E CONOMIA )

Concentra-se neste ponto na transição pós-moderna e em particular na discussão em


torno das transformações da economia capitalista no século XX, salientando as diversas
etapas e crises do seu desenvolvimento. Discutem-se, em particular das transformações
da economia, desde os anos 1970, e a transição para o capitalismo tardio.

1.1. P ÓS - M OD E R NI D AD E

Diversos autores desenvolvem reflexões em torno da ideia de que vivemos numa época
de transição, que denominam de pós-modernidade. Entre os que explícita ou
implicitamente têm conferido centralidade a esta noção, aplicando-a à análise das
mudanças culturais, sociais e educativas em curso, encontram-se autores tão diversos
como Lyotard ([1979] 2006), Baudrillard ([1981] 1991), Featherstone (1991; 1995;
1997), Jameson ([1991] 2000), ou mesmo Hooper-Greenhill (1991; 2000, 2002, 2007),
Canário (2000, 2005, 2006), Stoer (2001, 2009) no que diz respeito à educação. Por
isso, são autores centrais para a presente discussão, em torno do lugar da cultura e da
educação na contemporaneidade globalizada.

Assim, os autores adeptos da continuidade, tais como Beck (1992) e Giddens (1996),
desenvolvem a sua reflexão na esteira de Lash e Urry (1987), argumentando que a
transição contemporânea é o resultado de severas mudanças na modernidade e de uma
radicalização do projeto modernista. Por conseguinte, o que estaria em causa seria a
substituição por “um outro tipo de modernidade”, através da sua “descontextualização”
e posterior “recontextualização” produzindo o que denominam de “modernização
reflexiva” das sociedades capitalistas avançadas (Beck, Giddens, & Lash, 2000).
93

Por sua vez, outros autores analisam os mesmos fenómenos como sintomas de uma
transição paradigmática da pós-modernidade (entre nós Boaventura Sousa Santos),
recorrendo-se a esta designação, “à falta do melhor [considerando ser] um nome
autêntico na sua inadequação” (Santos, 1994, p. 70).

Assim, o modelo de análise da modernidade desenvolvido por Santos (ibidem) nos


anos 1990 estrutura-se sob a tensão e controvérsia entre “pilar da regulação” e “pilar da
emancipação”. Cada pilar é constituído por três princípios: estado, mercado e
comunidade, como instâncias de regulação; e por três racionalidades: a racionalidade
estético-expressiva, a racionalidade moral-prática e a racionalidade cognitivo-
instrumental, como potências de emancipação. Estes princípios interligar-se-iam por
lógicas de correspondência dominantes.

Nesta perspetiva, a racionalidade estético-expressiva articula-se privilegiadamente com


os princípios da comunidade, enquanto a racionalidade moral-prática se liga com o
Estado, na medida em que a este compete a definição e cumprimento do mínimo ético e
detém o monopólio da produção do direito. Por fim, a racionalidade cognitiva-
instrumental corresponde diretamente ao Mercado. Santos (ibidem) afirma que esta
dupla vinculação assegura o desenvolvimento de valores contraditórios. Cada uma das
lógicas e princípios tem aspirações de autonomia e diferenciação, o que conduz a uma
maximização das mesmas, contrariando o projeto global de racionalização da vida
social prática e quotidiana. Ou seja, nos termos de Boaventura Sousa Santos:

“Tanto o excesso de cumprimento de algumas das suas promessas como o défice no cumprimento de
outras são responsáveis pela situação presente, que se apresenta superficialmente como de vazio ou de
crise, mas que é, a nível mais profundo, uma situação de transição” (ibidem, p. 70).

Neste argumento, falar em pós-modernidade é sugerir a mudança de uma época para


outra, o que envolve a emergência de uma nova totalidade social, com princípios
organizadores próprios e distintos. Assim, analisada a construção do projeto
sociocultural da modernidade, em coincidência com a emergência do capitalismo
(enquanto modo de produção dominante nos países europeus que integram a primeira
vaga de industrialização), defender-se-ia que o projeto da modernidade tem
possibilidades infinitas (Santos, 2001). Porém, pela sua complexidade, algumas das suas
promessas foram cumpridas por excesso, enquanto outras foram por defeito.

Se se considerar também, na esteira deste mesmo autor, que o trajeto histórico da


modernidade está intrinsecamente ligado, como causa e efeito, ao desenvolvimento do
94

capitalismo nos países ocidentais (Santos, 1994), salvaguardando as diferenças


históricas entre países, é possível delinear três períodos de desenvolvimento do
capitalismo, em correlato com a modernidade.

1.2. C A P IT A LI SM O T A R DI O

Com efeito, vários são os autores que olham a modernidade numa ótica tripartida pelos
desenvolvimentos do modo de produção capitalista. Na verdade, já nos anos de 1970
Mandel (1975), na obra O Capitalismo Tardio, desenvolve a tese de que se verificam,
igualmente, três momentos fundamentais na história do capitalismo ocidental, sendo
que cada um marcado por uma expansão dialética em relação ao anterior: capitalismo de
mercado, capitalismo de monopólio e capitalismo pós-industrial. O autor considera já a
associação entre os três estádios do capitalismo e os três paradigmas artísticos –
realismo, modernismo e pós-modernismo, considerando o terceiro estádio como a forma
mais pura de capitalismo, na medida em que elimina os enclaves de organização pré-
capitalista. Assim, como argumenta também o crítico literário marxista Fredric Jameson
([1991] 2000), no seu ensaio seminal “Pós-modernismo, ou a Lógica Cultural do
Capitalismo Tardio”, este inaugura uma nova historicização de penetração e
colonização do inconsciente e da natureza, ao verificar-se uma expansão global e
geográfica do capitalismo, após a queda do muro de Berlim e subsequente colapso da
URSS. Também entre nós, Nuno Grande (2009, p. 457) fala duma transição que ocorre
nos anos de 1990, com importantes reflexos ao nível cultural:

"Se aceitarmos, uma vez mais, o repto […] – de que a data de 11/9 de 2001 inaugurou o novo século,
tal como a de 9/11 de 1989 encerrara o anterior, então é possível afirmar que a década de 90, na sua
marcante transitoriedade, não corporizou apenas a vertigem do fim-de-século; constituiu, ainda, a
celebração de um fim-de-festa cultural".

Nuno Grande apoiado em Manuel Castells (2002) procura basilares acontecimentos


culturais e sociais como o maio de 1968 e, também, acontecimentos políticos como o
fim União Soviética, por um lado, e a construção da União Europeia, por outro.
Intrincados em causa e efeitos mútuos, estes acontecimentos, segundo o mesmo autor,
assinalam a nova Era da Informação, na qual as cidades globais parecem assumir
protagonismo, pela conjugação de três fatores emergentes e interrelacionados: “crise do
95

Estado-nação”, “sociedade em rede”, e “economia informacional” (Castells, 2002) –


questão que será desenvolvida no Capítulo III, naquilo que articula com a
contextualização das três Capitais Europeias da Cultura em análise: Liverpool, Vilnius e
Porto).

Também na mesma lógica de análise tripartida da história capitalista, Boaventura Sousa


Santos (1994), baseado nas diferentes relações que se estabelecem entre os pilares da
regulação e da emancipação, observa três períodos do capitalismo.

Na sua ótica, neste primeiro período, que cobre todo o séc. XIX, caracteriza-se por
um capitalismo liberal, no qual se assiste a um desenvolvimento ambíguo do Estado,
ao qual se contrapõe um desenvolvimento vertiginoso do mercado, apoiado pela
industrialização e acompanhado pela expansão das cidades industriais. Sedimenta-se o
princípio da filosofia política liberal do laissez faire, orientador de todo o processo de
desenvolvimento do capitalismo, no qual se pressupõe uma “ligação orgânica” entre as
lógicas de governação do Estado-nação e as exigências de acumulação de capital. Esta
inter-relação entre os princípios de mercado e do estado, durante o séc. XIX, faz-se
através do aumento da legislação e das estruturas administrativas do Estado –
burocratização – no sentido de servir o laissez faire. Por outras palavras, o Estado
liberal aumenta a sua intervenção para deixar de intervir.

Na ambiguidade do projeto da modernidade, as racionalidades do pilar da emancipação


desenvolvem-se no sentido da especialização, autonomizando diferentes esferas de
acção, como as ciências, a religião e a arte. Cada uma destas esferas de ação foi-se
particularizando, lutando pela sua legitimidade e autonomia, o que vem a dificultar a
sua articulação no espaço público. Operando em circuito fechado, de auto reflexão e
auto reprodução, desenvolvem os seus próprios critérios, lógicas e ritmos.

Por sua vez no segundo período, continuando a seguir o mesmo autor, o processo de
concentração dos pilares produz articulações mais compactas e ajustamentos mais finos.
O mercado continua em expansão e assume novas formas. Assiste-se, ao pós-II Guerra
Mundial à concentração do capital industrial, financeiro e comercial, à separação da
propriedade jurídica e da gestão das empresas, intensifica-se a luta pelo controlo dos
mercados e das matérias-primas, ao mesmo tempo que as economias de escala fazem
com que a indústria se expanda.
96

O terceiro período começa nos anos 60. Segundo Sousa Santos a designação do atual
período de capitalismo desorganizado dá conta da perturbação atual. Neste período, o
princípio do mercado adquiriu uma robustez sem precedentes, ultrapassando a economia
e colonizando tanto o Estado como a Comunidade. No plano económico, os
desenvolvimentos mais dramáticos devem-se ao desenvolvimento das empresas
transnacionais e à consequente erosão da capacidade de regular a económica nacional e
por conseguinte verifica-se uma retracção dos mecanismos de regulação das relações
laborais, aproximando o modelo económico ao liberalismo.

Neste sentido, através do embaratecimento dos transportes, a industrialização alastra-se


pelo globo, originando uma onda de industrialização fordista em ambientes novos, nos
quais, o contrato social era fraco, ou mesmo inexistente. Esta situação acaba por alterar
por completo a configuração espacial do aparelho produtivo existente: ruralização da
indústria, desindustrialização das grandes cidades, subcontratação industrial – extensão
global do capitalismo, sem precedentes. Contudo, a industrialização massiva conduz à
intensificação da competição internacional, levando a uma queda da produtividade e do
lucro, o que marca o início de um problema fiscal nos Estados Unidos, que só foi
revolvido com a aceleração da inflação, conduzindo ao colapso do acordo de Bretton
Woods22.

No próximo ponto, dar-se-á particular atenção a este período que autores como Mandel
(1975) e Offe (1989) designam de capitalismo desorganizado.

// Crise dos anos 1970 e o terceiro período do capitalismo

Neste contexto dos sistemas capitalistas, as crises geradas e iniciadas na viragem de


1960 para 1970 decretaram a falência do modelo de desenvolvimento fordista e
funcionaram como propulsoras da emergência e consolidação de um modelo de
desenvolvimento baseado na flexibilização económica e social.

Elas marcam, por conseguinte, o início do terceiro período, isto continuando a seguir a
matriz teórica de Sousa Santos (1994).

22
O acordo de Bretton Woods, assinado na Conferência monetária e
financeira das Nações Unidas em 1944, foi o primeiro exemplo, na
história mundial, de uma ordem monetária, tendo como objetivo gerir as
relações entre Nações-Estado independentes. Este acordo surge da
necessidade de reconstrução do capitalismo mundial no pós-II Guerra
Mundial.
97

Com efeito, o cerne da ideologia capitalista é o lucro e a acumulação de capital. Logo, a


falta de acumulação é definida como uma crise económica, ficando as consequências
sociais, políticas, geopolíticas ou ecológicas para segundo plano – o que o marxismo
designa de superestrutura. O lucro, definido pela diferença entre o que o trabalho obtém
e aquilo que cria, estrutura um dos princípios do capitalismo – relação de classe entre
capital e trabalho. Marx & Engels (1993) demonstraram que a dinâmica do capitalismo
é propensa à crise e tem tendência a produzir fases periódicas de sobreacumulação23. As
condições que prevaleciam nos anos 30 e que periodicamente surgem, nomeadamente
desde 1973, têm de ser consideradas manifestações típicas da tendência de
superacumulação dos regimes capitalistas. Como tal, a crise sob o capitalismo, nunca
pode ser eliminada (Harvey, [1989] 2000). Neste sentido, a crise do fordismo pode ser
interpretada como o esgotamento das opções para lidar com o problema da
superacumulação, o que passou pela desvalorização de mercadorias, da capacidade
produtiva, do valor do dinheiro e do trabalho. No período de 1965-73 tornou-se evidente
que a rigidez foi sinónimo da incapacidade do fordismo e do keynesianismo de
controlar as contradições do capitalismo, no sentido em que os problemas residiam nos
investimentos de capital fixo de larga escala, nos sistemas de produção em massa, nos
contratos de trabalho. Também qualquer tentativa de ultrapassar esta rigidez encontra
obstáculos na classe trabalhadora mobilizada, o que explica as ondas de greve no
período de 1968-72, de que Liverpool foi palco privilegiado (Lorente, 2003). Do mesmo
modo, a rigidez dos compromissos com o Estado foram-se intensificando no pós-guerra,
através das exigências crescentes da consolidação do Estado-Providência, restando a
política monetária como único instrumento de resposta flexível; isto é, a capacidade de
imprimir moeda, em qualquer montante que fosse necessário, gerou uma onda
inflacionária que acabaria por pôr termo ao crescimento económico. Por trás de toda a
rigidez específica de cada área, refere David Harvey ([1989] 2000, p. 136):

“estava uma configuração indomável e aparentemente fixa de poder político e relações recíprocas que
unia o grande trabalho, o grande capital e o grande governo no que parecia cada vez mais uma defesa
disfuncional de interesses escusos definidos de maneira tão estreita que solapavam, em vez de garantir,
a acumulação do capital”.

23
Uma condição generalizada de superacumulação seria indicada por
capacidade produtiva desnecessária, um excesso de mercadorias e de
stock, um excesso de capital-dinheiro e elevado desemprego.
98

Como Vakaloulis (2003) argumenta, as tentativas de refrear a inflação ascendente em


1973 expôs os excedentes das economias ocidentais, precipitando antes de tudo uma
crise mundial nos mercados imobiliários e severas dificuldades nas instituições
financeiras, a que se associou o aumento dos preços do petróleo, já provocado pelo
embargo das exportações do petróleo para o ocidente, decretado pela OPEP em 1973,
dando forma aos chamados choques petrolíferos de 1970. Esta situação exacerbou a já
forte instabilidade dos mercados financeiros mundiais.

A forte deflação de 1973-75 indicou que as finanças do Estado estavam muito além dos
recursos, o que desencadeou uma crise fiscal e de legitimação. Por sua vez, as
organizações depararam-se com excedentes inúteis, o que as obrigou a entrar num
período de racionalização, reestruturação e intensificação do controlo do trabalho.
Surgem assim novas estratégias para superar a deflação: mudança tecnológica, novas
linhas de produto e novos nichos de mercado, dispersão geográfica para zonas de menor
controlo das condições de trabalho, fusões e aceleração do tempo de giro do capital
(turn over). Reestruturações essas, que inauguraram novas experiências nos domínios
da organização industrial e da vida social e política, representando a passagem para um
regime de acumulação novo, associado a um sistema de regulamentação política e social
distinto. Sustentado na flexibilidade (dos processos de trabalho, sujeitos, mercados de
trabalho, produtos ou padrões de consumo) caracteriza-se pelo surgimento de setores de
produção inteiramente novos, novas formas de fornecimento, serviços financeiros,
novos mercados e, sobretudo, taxas de inovação comercial, tecnológica e organizacional
altamente intensificadas. Chega-se, assim, a uma nova fase que alguns autores
denominam de capitalismo tardio (Mandel, 1975), ou de economia informacional
(Castells, 2002).

A definição de capitalismo tardio, desorganizado, pós-industrial ou economia


informacional é sinónimo de um novo regime de acumulação, estruturado no
desmantelar do princípio de acumulação fordista. O uso da expressão capitalismo tardio
nasce na Escola de Frankfurt 24, tendo como sinónimo expressões como sociedade
administrada, demonstra, como diz Jameson (2000), uma conceção Weberiana que

24
O Instituto de Pesquisa Social, conhecido como Escola de Frankfurt
desenvolveu uma teoria que se distanciava criticamente tanto do
capitalismo, como do socialismo da União Soviética. Os seus trabalhos
apontam para uma fusão transdisciplinar de matriz marxistas e weberiana,
questionando a possibilidade de um caminho alternativo para o
desenvolvimento social.
99

acentua duas características: tendência para o aumento do controlo burocrático e


interpenetração do Estado e do big business (capitalismo estatal). Contudo, a definição
atual do capitalismo tardio tem implicações diferentes, na medida em que a
burocratização do Estado aparece como um fenómeno natural. Por conseguinte, a
distinção não se faz só pela existência de empresas transnacionais, mas por uma nova
organização internacional do trabalho, rápidas transações bancárias e bolsistas, novas
formas de inter-relacionamento dos média, automação e informatização, fuga da
produção para países chamados de terceiro mundo, com todos os seus efeitos colaterais.

Segundo Sousa Santos (2002), a designação do atual período de capitalismo


desorganizado, dá conta da perturbação, em que nos encontramos. O princípio do
mercado adquiriu um vigor sem precedentes, aglutinando outras instâncias de regulação
e colonizando tanto o Estado como a Comunidade. No plano económico, os
desenvolvimentos mais dramáticos devem-se ao crescimento de um novo agente
económico - empresas transnacionais e a consequente erosão da capacidade de regular a
economia nacional. Esta alteração profunda leva a uma retração dos mecanismos de
regulação das relações laborais, aproximando o modelo económico ao neoliberalismo.

Para o geógrafo marxista David Harvey ([1989] 2000), a recessão de 1973 foi
propulsora do colapso do regime de acumulação fordista e do reajustamento político dos
anos 1980 para padrões de flexibilidade e de mobilidades acrescidas, acarretando
consequências sociais. Tais consequências acontecem ao mesmo tempo que a indústria
se deslocaliza para a periferia e por sua vez se importa para o centro as normas e
práticas regressivas da periferia, associadas à necessidade de rápida reestruturação de
competências, ganhos modestos, retrocesso do poder sindical que permitem maior
controlo sobre os/as trabalhadores/as.

Neste sentido, David Harvey ([1989] 2000) em “A Condição Pós-moderna” avança


três modelos de análise deste modelo de acumulação capitalista emergente. O primeiro
deles, baseado na visão de Halal (1986 cit. in Harvey ([1989] 2000), celebra os
elementos positivos e libertários do novo capitalismo. O segundo, baseado em Lash e
Urry (1987), coloca a tónica nas relações de poder entre política, economia e cultura.
Estes autores vêem a evolução como o colapso das condições materiais para uma
política coletiva poderosa da classe trabalhadora e tentam, assim, apontar as raízes
económicas, culturais e políticas desse colapso. O próprio termo para caracterizar a
transição, “organizado” e “desorganizado”, acentua mais a desintegração do que a
100

coerência do capitalismo contemporâneo, evitando, assim, o confronto com uma


transição no regime de acumulação. Por fim, com base em Swyngedouw (1986 cit. in
Lash e Urry, 1987), os autores acentuam as transformações no campo da tecnologia e do
processo de trabalho, ao mesmo tempo que avaliam como o regime de acumulação e a
sua regulamentação se transformam, enfatizando as mudanças no modo de produção
industrial. Harvey coloca-se a par de Swyngedouw, pela sua análise materialista da
mudança, quando afirma: “fazer a passagem requer a volta ao básico e ao tratamento da
lógica subjacente do capitalismo geral” (Harvey, [1989] 2000, p. 164).

A reestruturação pós-fordista envolve novas tecnologias, novos métodos de gestão da


produção, novas formas de utilização da força de trabalho e novos modos de regulação
estatal, baseia-se em elementos que definem o chamado "modo de acumulação flexível
de capitais", e estão intrinsecamente relacionados à condição histórica pós-moderna,
assim como estão na base da emergência da chamada economia do conhecimento.

Globalizando a produção, troca e circulação de mercadorias, acelerou-se o turnover da


produção e do consumo; ao mesmo tempo, dispersou-se geograficamente a produção,
através de uma mudança na estrutura ocupacional, como as novas modalidades de
empregos (temporários, tempo parcial e a terciarização). Globalização, efemeridade e
dispersão estão também presentes na reorganização do sistema financeiro global. Este
tornou-se agora esfera autónoma e dirige os fluxos de capital, desprezando noções de
tempo e espaço, "alcança tal grau de complexidade, que ultrapassa a compreensão da
maioria das pessoas" (Harvey, [1989] 2000, p. 70), escapando ao controlo dos Estados-
nação.

Por sua vez, Vakaloulis (2003) coloca a tónica no desvio do conflito social das relações
de classes para problemas de ordem cultural, o que o conceito de sociedade pós-
industrial contempla. Igualmente para Mandel (1985), o presente dos anos 1980
demonstra, de forma veemente, a outra metade (a vertente cultural) do capitalismo
tardio. O cultural e económico fundir-se-iam num só significado, quase como o eclipsar
da distinção entre base e a superstrutura, usando a terminologia marxista. Contudo, para
o autor, os pré-requisitos tecnológicos estavam prontos no final da II Guerra Mundial, o
que por sua vez, também teve repercussões na reorganização das relações internacionais
acelerando os processos de descolonização e lançando as bases para o terceiro estágio
do capitalismo. No campo cultural, essas bases foram lançadas nas transformações
sociais e psicológicas dos anos 1960. Por conseguinte, pode afirmar-se que a preparação
101

económica do capitalismo tardio começou nos anos 1950, enquanto o habitus psíquico,
a quebra radical de uma era só se dá na década de 1960.

// Em síntese

Verifica-se assim que, como se irá argumentar, que o tempo presente se reveste de
configurações económicas e também culturais e educativas que modelam uma forma
radical de capitalismo – tardio, informacional, desorganizado, ou do conhecimento.
Estas mesmas mudanças, nas diferentes esferas das sociedades, levam à discussão do
sentido do pós-modernismo, para compreender as inter-relações e interdependências
entre as diversas esferas societais, no emergir do cultural e do educativo. Questão que
será considerada na próxima secção.

2. O P ÓS - MODERNISMO E NQUANTO N ARRATIVA (C ULTURA E

A RTE )

A narrativa do pós-modernismo é uma possibilidade de leitura de uma época em


transição que autores como Santos (1994) apelidam de pós-modernidade. Apesar de
imperfeito, por remeter para aquilo a que se opõe – modernismo –, o termo parece
consensual no campo das ciências sociais, para analisar as transformações sociais e
cultural das últimas décadas. Neste sentido, organiza-se o debate mobilizando os
contributos de Jameson ([1991] 2000), Featherston (1995), e Harvey ([1989] 2000),
procurando perceber o pós-modernismo como mais do que um movimento ou estilo
artístico, mas como uma possível narrativa cultural. No que à arte diz respeito, analisa-
se, com particular cuidado, o debate sobre a democratização cultural inaugurado pela
Escola de Frankfurt. Considera-se, para tal, além da dimensão mais mercantilizada da
arte, a sua antítese, ou melhor, o que Foster (1983) apelida de “pós-modernismo de
resistência”.

Por fim, questiona-se se a expansão da cultura a todo o domínio social se traduz seja
numa extensão social das práticas culturais, seja numa dissolução das desigualdades.
102

2.1. A E M ER GÊ N CI A DE UM N OV O C ON C E IT O P A RA UM A N OVA
R E A L ID A D E

Passa-se agora a debater a questão do pós-modernismo, que num sentido lato é a lógica
cultural das transformações da sociedade contemporânea, isto é, a lógica cultural do
capitalismo tardio, como argumentou Jameson ([1991] 2000).

Se a teoria do pós-modernismo é uma tentativa de medir a temperatura de uma época


sem os instrumentos e sem a certeza da existência de coerência de aproximação à
definição de uma época, os museus e galerias de arte contemporânea aparecem como a
unidade de observação mais adequada, para tal tentativa.

Todavia, esta teoria pós-modernismo divide autores sendo mesmo muito criticada por
alguns. Apesar disso, ganhou grande espaço no campo teórico das Ciências Sociais e
Humanas. Rapidamente difundido entre a Europa e os Estados Unidos, enquanto procura
de explicação teórica para os alcances artísticos, o pós-modernismo introduziu uma
discussão alargada sobre o próprio pós-modernismo e gerou um interesse pelos
trabalhos de teóricos como Lyotard ([1979] 2006), Foucault (1999), ou Baudrillard
([1981] 1991). Tal como Jameson ([1991] 2000) adverte, os teóricos pós-modernistas
parecem revelar um enorme fascínio pela paisagem contemporânea que incorpora o
retro, o Kitsch, os filmes B, ou a designada paraliteratura, chamando, assim, a atenção
para o facto de um sem número de análises – económicas, marketing, críticas de cultura,
novas terapias, críticas de cinema – se aglutinaram para formar a teoria do pós-
modernismo como um novo género discursivo que, curiosamente, se inclui a si mesmo.

Neste sentido, como sublinha Sousa Santos (1994), a pós-modernidade é a possibilidade


de entrada numa situação radicalmente nova, ressalvando contudo o caráter provisório
desta nomenclatura. O termo pós-modernidade, já usado anteriormente no campo das
artes, teve a sua primeira abordagem analítica pelo filósofo J. F. Lyotard ([1979] 2006),
quando em 1979, publicou “A Condição Pós-Moderna”. Lyotard (ibidem) considerava
que a chegada da pós-modernidade se ligava ao surgimento de uma sociedade pós-
industrial, na qual o conhecimento se tornara a principal força económica de produção,
aquilo que mais tarde se veio a chamar-se economia criativa.

Também como Jameson ([1991] 2000) descreve a panóplia de novas atitudes,


experiências e formas culturais que caracterizam toda a sociedade americana e europeia.
103

Entre muitas especificidades do pós-modernismo, Jameson aponta como


particularmente importante "uma nova falta de profundidade, que encontra seu
prolongamento, tanto na 'teoria' contemporânea e em toda uma nova cultura da imagem
e do simulacro" (Jameson, [1991] 2000, p. 6). Jameson (ibidem) observa como a cultura
pós-moderna narra ruturas e descentraliza subjetividades numa dispersão
"esquizofrénica" de fragmentos. Os indivíduos estão sobrecarregados com informações,
imagens e vertiginosas complexidades de um "hiperespaço" que desativa a capacidade
de situar os fragmentos dentro de grandes sistemas de significado. Seria, assim, “o fim
das grandes narrativas”, o que exigiria um "mapeamento cognitivo" para uma nova
condição contemporânea, cultural, social, política e económica. O mesmo autor refere
ainda:

“Estamos metidos nesse hiperespaço com nossos olhos e nossos corpos; e se antes parecia que a
supressão da profundidade, a que me referi ao tratar da pintura pós-moderna, seria difícil de
conseguir na arquitetura, talvez a imersão nesse espaço desconcertante possa agora servir como
o seu equivalente formal no novo médium” (Jameson, [1991] 2000, p. 69).

Propõe, então, uma relação entre as dimensões cognitivas e as pedagógicas da arte e


cultura políticas, afirmando que uma política cultural para o pós-modernismo terá que
levantar a questão do espaço – “uma estética de mapeamento cognitivo” (ibidem: p. 76).
Em essência, o que Jameson ([1991]2000) vem ilustrar é a forma como o pós-
modernismo se manifesta em diferentes formas artísticas, sustentado pelo
desenvolvimento, do que denomina de teorias pós-modernistas, ao mesmo tempo que
associa o pós-modernismo e a cultura da sociedade de consumo que nasce com a
passagem do capitalismo monopolista, para o capitalismo tardio.

Contudo, Mike Featherstone (1995), em Undoing Culture: Globalization,


postmodernism and identity afirma que muitos aspetos atualmente identificados com o
pós-modernismo, tais como “a volatilidade dos signos”, a “fragmentação cultural”, a
“confusão das identidades” e a “estetização da vida quotidiana” podem ser encontrados
nas análises de Georg Simmel (2004) e Walter Benjamin (1992) das sociedades do final
do século XIX e início do século XX. Tal demonstra que muitas experiências e formas
culturais, tidas como pós-modernas, não são novas. Todavia, a partir da década de 1960,
elas diferem no desenvolvimento e na difusão gerados, sob o efeito das novas
tecnologias de comunicação e de informação.
104

Fundamentalmente a esfera cultural deixa de estar independente da organização social.


Apesar de nem todas as formas culturais do capitalismo desorganizado poderem ser
consideradas pós-modernistas, Featherstone (1995) não deixa de destacar o que define
como afinidade eletiva entre a emergência do pós-modernismo no plano cultural e o
processo de desorganização do capitalismo no plano económico-financeiro. O pós-
modernismo, assegura David Harvey (2008), aparece como uma resposta às solicitações
da compressão do tempo e do espaço e à necessidade de constituição de novas formas
de pensar, sentir e criar. As galerias de arte contemporânea podem ser considerados um
exemplo destas novas formas.

Também Mandel (1985), seguindo a tradição marxista estabelece uma relação dialética
entre o desenvolvimento do capitalismo nas sociedades mais industrializadas e os
movimentos mais significativos. Assim, associa o modernismo ao monopólio capitalista
e o pós-modernismo ao pós-II Guerra Mundial e ao capitalismo avançado. Parte das
mesmas raízes que Braudillard ([1981] 1991) na afirmação de que o pós-modernismo
conduz à “expansão da cultura no campo social”, até ao ponto em que tudo na vida
social venha a tornar-se cultural e examina expressões diversas da cultura
contemporânea, em articulação com conceções de tempo e espaço.

2.2 A V I R A GE M C U LT U RA L : A C U L T U RA E A ARTE À LUZ DO P ÓS -


M OD E RN I SMO

Este ponto discute os traços que a cultura, num sentido lato, e a arte, num sentido
particular, assumem na pós-modernidade, configurando o processo social que se apelida
de viragem cultural.

Tentando fazer a historiografia do conceito, Featherstone (1991) recorrendo a Kohler e a


Hassan afirma que o termo pós-modernismo foi inicialmente usado, nos anos 1930, por
Federico de Onis indicando uma reação contra o modernismo. O termo tornou-se popular
nos anos 1960 em Nova Iorque, quando foi usado por jovens artistas, escritores/as e
críticos/as, tais como Robert Rauschenberg, John Cage, Burroughs, Barthelms, Fielder,
Hassan e Susan Sontag, para se referirem a um movimento para lá do alto modernismo, o
qual tinha sido rejeitado, devido à sua institucionalização em museus e academias, tal
como Vakaloulis (2003, p. 37) analisa,
105

”Honrado pelas instituições culturais oficiais (os museus, as galerias, etc.), desvitalizado pela perda da
sua postura anti burguesa, codificado nas formulações rigorosas dos anos 40 e 50, [o modernismo]
acaba por se desvanecer nos anos 60. Adquire, em contrapartida, uma respeitabilidade burguesa que
seria um anátema para os seus fundadores”.

Por conseguinte, a contemporaneidade e em particular os/as artistas pós-1968 parecem


perspetivar o modernismo como um conjunto de velhos clássicos institucionalizados –
museusificados – rendidos às convenções burguesas de cultura.

Já Lash e Lock (1987) recuam aos anos 1920 e definem o avant-garde como a 1ª aparição
da cultura pós-moderna, embora considerem que esta não se difundiu na cultura popular,
devido à inexistência de público predisposto para a receber. Porém, nas últimas décadas, as
condições sociais específicas do capitalismo desorganizado têm conduzido à criação de um
público predisposto para a receção de uma cultura pós-moderna, com o papel educacional
atribuído às galerias de arte a terem aqui um lugar importante. Procurando compreender as
bases sociais da sensibilidade pós-modernista, Lash e Lock (ibidem) sublinham a sua
importância crescente na cultura contemporânea, associando-a às características do
capitalismo resultantes da sua desorganização. Os mesmos autores (ibidem) rejeitam a
conceção do pós-modernismo como mero reflexo do capitalismo desorganizado, mas
sublinham a sua importância crescente na cultura contemporânea, associando-a às
características do capitalismo resultantes da sua desorganização.

Assim, nesta fase mais “pura” do capitalismo, a produção estética tornou-se integrada
na produção de mercadorias em geral, facto que veio alterar profundamente as suas
características constitutivas e impor progressivamente à cultura uma nova
superficialidade e uma intensificação das relações com as novas tecnologias, elas
próprias, alfa e ómega de um novo sistema económico globalizado. Se se entende, tal
como Sousa Santos (2001, p. 55), que “os fenómenos culturais só lhe [mercado]
interessam na medida em que se tornam mercadorias”, então, a produção estética está
integrada na produção de mercadorias. Por conseguinte, o ritmo acelerado do giro
atribui uma posição e função estrutural à inovação estética e ao experimentalismo,
havendo mesmo apoios institucionais disponíveis para a produção de uma arte mais
nova. A arquitetura é destas a mais próxima da esfera económica em virtude expansão
das encomendas e da sua função de distinção na competição intercidades. Contudo, as
artes visuais através nos eventos de arte contemporânea, tais como bienais, tendem a
incorporar cada vez mais a lógica da encomenda e a lógica da competitividade urbana
106

(questão que se irá debater com mais atenção na contextualização dos três casos em
estudo).

Também Jameson interpreta a dilatação da esfera da mercadoria como um salto face


àquilo que Benjamin (1992) denominava de estetização da realidade, comentando:

“ele achava que isso dava em fascínio, mas nós sabemos que é apenas divertimento: uma prodigiosa
alegria diante da nova ordem, uma corrida às compras, nossas “representações” tendendo a gerar um
entusiasmo e uma mudança de humor não necessariamente inspirados pelos próprios objetos
representados” (Jameson, [1991] 2000, p. 14).

Igualmente, Jean Baudrillard ([1981] 1991), figura central na discussão da relação entre
o pós-industrialismo e a esfera da cultura, advoga que no capitalismo desorganizado os
objetos valem por aquilo que significam. Recorrendo a um triângulo semiótico no qual
os sinais comprimem o significado e o significante e são livres do referente – o objeto –
Baudrillard afirma que desta forma, a distinção social já não se faz pelo objeto, antes
pelos sinais. As identidades são construídas pela troca de sinais-valor e o meio de
legitimação do significante é o significado socialmente atribuído. A própria cultura
tornou-se num produto, e “o pós-modernismo é o consumo da própria produção de
mercadorias como processo” (Jameson, [1991] 2000, p. 14).

O pós-modernismo, ao mesmo tempo que abraça o mercado, contra a abstração,


racionalidade e padronização do projeto cultural e artístico modernista, apadrinha o
relativismo e o pluralismo estéticos, propondo uma nova forma de encarar a tradicional
separação entre níveis culturais. O facto de o modernismo ter cedido ao establishment
cultural, abandonando o ideal progressista e libertador que estivera na base da sua
constituição e consolidação, contribuiu decisivamente para o esgotamento do seu
projeto.

O esteticismo, que a arte moderna toma como seu projeto, é mais vasto, enquanto
alternativa à racionalidade instrumental técnico-científica, espoletando desejos de
reestruturação da humanidade, enquanto valor de resistência e salvação, oferece
possibilidades de compensação, através da experiência de outros mundos oferecidos
pela arte. Por conseguinte, quando a vanguarda dita a morte, da arte tal não se prende
com o desaparecimento da mesma, mas com a ampla difusão desta na sociedade. De
igual forma, outros domínios que se definiam por oposição ao estético recorrem à
criatividade e à ficção. A cidade também não escapa à vaga criativa e o seu futuro,
107

enquanto tal, é definido através da criatividade – indústrias criativas, cidadãos criativos,


cidades criativa.

Neste sentido, os finais dos anos 1950, início dos anos 1960 abriram espaço à
emergência do pós-modernismo, em que o expressionismo abstrato, o existencialismo,
ou os filmes de autor são vistos como derradeiros impulsos do alto modernismo, que se
esgota com estas obras. Jameson ([1991] 2000, p. 27) coloca, a este propósito, uma
questão pertinente:

“Mas será que isso implica uma mudança ou rutura mais fundamental do que as mudanças periódicas
de estilo, ou da moda, determinadas pelo velho imperativo de mudanças estilísticas do alto
modernismo?”

Ou seja, este autor, cujo pensamento está próximo de Giddens (2006), questiona a
profundidade e a extensão desta mudança. Será esta uma mudança estilística, ou uma
mudança paradigmática? Contudo, Jameson ([1991] 2000) não responde à sua própria
questão. Se, por um lado, afirma o pós-modernismo não como um estilo, por outro
afirma-o como uma dominante cultural. Escusa-se a estabelecer uma definição do
mesmo e refugia-se na perspetiva de que este aponta uma tentativa de pensar
historicamente o presente e a consciência pós-moderna, que não é mais do que uma
teorização da sua condição. Foca-se, pois, na enumeração de mudanças e modificações,
como refere:

“Neste sentido, o pós-modernismo é mais formal, e mais “distraído”, como poderia dizer Benjamin;
apenas cronometra as variações e sabe, bem demais, que os conteúdos são somente outras imagens”
(Jameson, [1991] 2000, p. 13).

Por conseguinte, esta é a dialética que tem a perspicácia de usar essa incerteza como
pista, já que afirma que a definição de pós-modernismo é impura e imperfeita, no
sentido em que nomenclaturas, como pós-estruturalismo ou sociedade pós-industrial,
são demasiado rígidas e, como tal, não dão o contributo que era esperado na sociedade
contemporânea. Aparentemente, o conceito pós-moderno está, por sua vez, à vontade
nas áreas da vida quotidiana e a sua ressonância cultural desvia, devidamente, a atenção
da economia, ao mesmo tempo que permite que novos fatores económicos sejam re-
catalogados sob novas perspetivas.

Assim, no argumento de Jameson ([1991] 2000), que assenta na conceção de uma nova
norma cultural sistemática e da sua reprodução a fim de poder fazer uma reflexão
adequada sobre as formas mais efetivas de política cultural radical, sobressaem duas
108

características do pós-modernismo: a falta de profundidade, observável na cultura da


imagem e do simulacro (Baudrillard, [1981] 1991); e o enfraquecimento da
historicidade, originária de novas formas de temporalidade privada, cuja estrutura
esquizofrénica determina novas sintaxes e um novo tipo de nível emocional básico. Isto
é o que Jameson ([1991] 2000) denomina de intensidades ou de novas formas de
espacialidade.

Em síntese, o pós-modernismo emerge, progressivamente, como um campo de forças


que aglutina diversos e mesmo contraditórios impulsos culturais, numa tentativa de
ultrapassar a alteridade, a esquizofrenia e o esmorecimento do afeto. Retém-se, por fim,
como conceito orientador desta pesquisa a definição de pós-modernismo de Featherstone
(1991, p. 11):

“O pós-modernismo cobre um largo espectro de práticas artísticas, ciências sociais e disciplinas


humanísticas, dirigindo a atenção para as alterações presentes na cultura contemporânea. As alterações
na esfera cultural, em termos largos, envolvem modos de produção, consumo e circulação de bens
simbólicos, os quais podem ser relacionados com equilíbrios de poder mais largos e interdependências
entre grupos, que podem ser usados em diferentes regimes de significação e em diferentes formas,
desenvolvendo novos significados de orientação e novas estruturas de identidade”.

2.2.1 Novos Suportes e Novos Materiais para uma Estética Contemporânea

Se até aqui se tratou dos novos sentidos e mensagens atuais da cultura, focar-se-á agora
com mais detalhe nos moldes que esta assume, nomeadamente o debate em torno da arte
contemporaneidade. Neste subponto, procura discutir-se o lugar do pós-modernismo, na
pluralidade da arte que produz e das perspetivas que convoca, numa caminhada de se
construir, criticamente, uma alternativa à arte elitista modernista dominante e à
massificação alienante.

Na verdade, confirmando as previsões de Walter Benjamin, a arte modernista tem vindo


progressivamente a perder a sua “aura”, à medida que se expandem os meios técnicos
de reprodução dos objetos artísticos e se acentua a mercantilização da cultura (Adorno,
[1974] 2003).

Ora, as posições pós-modernistas, particularmente na arquitetura, são inseparáveis de


uma crítica ao alto modernismo. Ao mesmo tempo, a arquitetura aponta, tal como
sugere Venturi, em Aprendendo com Las Vegas, a diluição da fronteira entre a alta
109

cultura e a cultura de massas e o aparecimento de um novo tipo de texto impregnado das


formas, categorias e conteúdos da indústria cultural, criticada pela Escola Frankfurt,
nomeadamente por Theodor Adorno ([1974] 2003).

Na verdade, as novas sensibilidades pós-modernas e formas estéticas espalharam-se


rapidamente, irrompendo na arquitetura, mas sobretudo no vídeo, dança, fotografia e na
criação de novas formas de arte – happenings, performances, instalações e arte por
computador. Com efeito, trata-se essencialmente de novas linguagens e novos suportes
que se revelam nos “espaços sagrados” dos museus, pondo-se a nu, as realidades sociais
e as condições e as práticas de produção, como coloca Douglas Crimp (2009, p. 152):

"Para mim, a arte pós-moderna era essas práticas, práticas como a de Daniel Buren e Marcel
Broodthaers, Richard Serra e Hans Haacke, Cindy Sherman, Sherrie Levine e Louise Lawler25.
Empregando estratégias diversas, esses artistas propuseram-se revelar as condições sociais e materiais
da produção e da receção da arte - as condições que tem sido função do museu disfarçar".

Com efeito, o ecletismo complacente na arquitetura pós-moderna, sem critérios nem


princípios, canibaliza todos os estilos do passado em ensambles exageradamente
estimulantes como é evidente pelo exemplo do rétro. Também no cinema, os filmes de
nostalgia recolocam a questão do pastiche, projetando-o a um nível coletivo e social, em
que as tentativas de recuperar um passado perdido são refratadas pela lei da mudança da
moda. Aí, o passado é apresentado, através de um falso brilho da imagem. Jameson
([1991] 2000), por seu turno, interroga a dimensão mistificadora neste movimento,
apontando-o como uma tradução da impossibilidade de questionar e representar o
presente:

“Essa abordagem do presente através da linguagem artística do simulacro, ou do pastiche do passado


estereotipado, empresta à realidade presente, e à abertura presente, o encanto e a distância de uma
miragem reluzente. Entretanto, essa mesma modalidade estética hipnótica emerge como a elaboração
de um sintoma de esmorecimento de nossa historicidade, da possibilidade vivenciada de experimentar
a história ativamente” (Jameson, [1991] 2000, p. 48).

Ou seja, a mudança pós-moderna nas artes manteve algumas ligações com as antigas
tradições estéticas, ao mesmo tempo que quebra com alguns dos aspetos fundamentais
do elitismo burguês, do alto modernismo e do avant-garde do início do século XX. Tal
como o modernismo e a vanguarda, o pós-modernismo rejeita o realismo, a mimese, e a

25
Alguns destes artistas estão presentes nas coleções da Tate Liverpool e
do Museu de Arte Contemporânea de Serralves.
110

linearidade narrativa e como tal, é possível admitir que algumas características do pós-
modernismo estejam já desenvolvidas num ou noutro modernismo. Note-se, por
conseguinte que, em 1960, já havia um sentimento generalizado no mundo das artes de
que o modernismo se tinha esgotado e feito o que poderia ser feito. Visto como
obsoleto, elitista, pretensioso e alienante, o alto modernismo europeu e americano é
rejeitado em favor de novas atitudes e estilos. Enquanto os modernistas defendiam a
autonomia da arte e denunciam a cultura de massa como mistificadora, os pós-
modernistas rejeitaram o elitismo e abraçaram a diluição da "alta" e "baixa" cultura,
num pluralismo e populismo ainda contestada.

// Diluição de fronteiras, miscigenação de códigos

Esta diluição das fronteiras entre níveis culturais e a relativização das referências
estéticas e artísticas parece ter aberto as possibilidades de democratização e
participação, que Benjamin via na massificação da cultura. O ponto fulcral, “A Obra de
Arte na Época de sua Reprodutibilidade Técnica”, de Walter Benjamin (1992)
encontra-se na análise das causas e consequências da destruição dessa “aura” que
envolve as obras de arte, enquanto objetos individualizados e únicos. Assim, com o
progresso das técnicas de reprodução, sobretudo do cinema, essa aura dissolve-se nas
múltiplas reproduções do original, destituindo o estatuto de raridade a obra de arte. Tal
acontece para Benjamin, a partir do momento em que a obra fica excluída da atmosfera
aristocrática e religiosa, que fazem dela uma coisa para poucos e um objeto de culto.

A dissolução da aura ganha dimensão social, o que resulta da estreita relação existente
entre as transformações técnicas da sociedade e a massificação da experiência estética.
Em essência, Benjamin via nas técnicas de reprodução das obras de arte a possibilidade
um outro relacionamento das massas com a arte, dotando-as de um instrumento eficaz
de renovação das estruturas sociais. Esta é uma postura otimista, objeto de reflexão
crítica por parte de Adorno.

Trata-se, no fundo, de aceitar que as artes passam a viver numa condição de impureza,
ou seja, em vez da morte da arte, verifica-se a morte da estética setecentista. Por
conseguinte, em vez de se discutir a comunicação da arte em termos passados, de juízo
e gosto, propõe-se que se faça em termos de experiência estética (Monteiro, 1992 e
Cruz, 1992).
111

A arte, em fusão com a vida, apesar das raízes românticas, tem orientado os
movimentos de vanguarda da arte contemporânea e, como tal, os seus compromissos
não são com a arte, mas sim com a vida e com a sua estetização (Cruz, 1992). Contudo,
Conde (1987), na senda de Adorno, manifesta a sua preocupação com a contaminação
entre esferas, na medida em que receia pela autonomia da função estética e a
legitimidade das vanguardas. Adorno denomina este processo de integração da cultura
na sociedade de indústria cultural, como uma negação da verdadeira cultura. É este o
sentido atribuído no seguinte excerto

“Transformar a cultura numa gigantesca instituição de educação popular cria uma conceção
afirmativa da cultura, que servem como um meio de manipulação das massas a aceitarem a
hegemonia” (Kockel, 2000, p. 40).

A massificação da cultura para Adorno ([1974] 2003) representa o esvaziamento do seu


potencial transformador e a redução dos públicos ao estatuto de meros consumidores de
produtos. Altamente crítico da posição otimista de Benjamin reitera:

“As formas culturais no estilo da indústria da cultura deixaram de ser também mercadorias: são-no
agora de forma integral [...] Em última instância, a indústria da cultura acaba por dispensar a
prossecução universal e imediata dos interesses de lucro que lhe estão na origem. Estes reificaram-se
na sua ideologia, autonomizando-se, por vezes, da pressão para vender os produtos culturais que, de
uma maneira ou de outra, têm de ser engolidos. [...] O que se vende é um consenso geral e acrítico,
fazendo-se publicidade para o mundo de tal modo que cada produto da indústria da cultura é um
anúncio publicitário a si próprio”. (Adorno, [1974] 2003, p. 99)

Aparentemente desmedidas, as considerações de Adorno acerca da indústria da cultura,


auxiliam a salientar as contradições da cultura pós-modernista e a dificuldade da sua
compreensão. Este autor passa de certa forma uma ideia paradoxal, isto é, a mesma
cultura que rejeita as distinções entre cultura erudita e cultura popular, entre arte e vida,
entre estética e sociedade, é a mesma cultura que pretende afirmar-se como experiência
estética democrática, “acessível a todos graças à sua natureza de pronto-a-consumir”
(Vakaloulis, 2003, p. 55 e 56). Ao mesmo tempo é ainda a mesma cultura que abraça
abertamente o mercado e incorpora, muitas vezes, veladamente as suas ideologias e
linguagens – a publicidade é o exemplo último desta questão. Assim, a cultura que visa
desconstruir o caráter aurático dos objetos culturais modernistas é a mesma cultura que
aparece aos olhos dos públicos mais desapossados como elitista, incompreensível e
muitas vezes insultuosa. Foster (1983), neste mesmo sentido, salienta na arte
contemporânea o recurso a características “ofensivas”, como a obscuridade, o material
112

sexual explícito ou a esqualidez psicológica e claras expressões de desafio social e


político, que deixaram progressivamente de ser recebidas com estupefação (Pérez,
2006). Nesta perspetiva de pluralidade discursiva integra-se, também, a dimensão mais
crítica da arte contemporânea, que incorpora elementos progressivos vindos desde os
finais da década de 1960, possivelmente próximo da ideia de Hal Foster (1983) de "pós-
modernismo de resistência", ou de “possibilidade de emancipação” que este Adorno
([1974] 2003) via nas manifestações estéticas mais radicais. As galerias de arte
contemporânea, de formas diversas, pretendem expressar educativamente esta dimensão
mais crítica, de resistência e possibilidade de emancipação, incorporando obras como a
fotografia de Cindy Sherman, parte integrante da coleção da Tate.
Outros autores, como Lash e Urry (1987), sublinham este caráter intrinsecamente
contraditório da cultura pós-modernista procurando uma “terceira via” da mesma,
lembrando que as suas características podem servir quer propósitos de dominação, quer
propósitos de libertação.

Se, por um lado, a promoção do populismo alinha com lógicas de mistificação e


dominação, aproximando-se de um relativismo extremo no qual “tudo é possível”; por
outro, a implosão das distinções hierárquicas entre culturas parece aproximar a
produção artística das questões quotidianas e, como tal, potencialmente acessível a um
maior número de sujeitos.

Um dos contributos significativos para o debate, e que evidencia uma nova centralidade
da cultura, é trazido pelos trabalhos da Escola de Birmingham 26. Este laboratório,
fundado por Richard Hoggart e Stuart Hall em 1964, analisou o significado das culturas
da classe trabalhadora na Grã-Bretanha e os efeitos negativos da cultura de massa,
enfatizando não só a dominação capitalista, mas também a resistência a esta. Paul
Willis, uma das vozes mais estimulantes desta Escola, em “Learning to Labour” (1977),
numa etnografia seminal sobre culturas jovens da classe trabalhadora, ilustra a ambição
teórica de pensar as relações culturais considerando tanto a importância das estruturas
sociais, assim como a autonomia da cultura, a sua apropriação e interpretação por parte
dos indivíduos. Mais tarde Paul Willis, tece um comentário sobre Learning to Labour,
no qual ilustra que, apesar da dimensão de dominação associada à submissão ao
consumo, este pode ser uma manifestação possível de produção da diferenciação e
individualização:

26
Centre for Contemporary Cultural Studies (CCCS).
113

“[...] grande parte da identidade dos jovens do livro girava em torno do consumo. De fato, eles se
distinguiam dos professores e dos conformistas por meio do uso de artigos de consumo culturais:
fumando, vestindo, bebendo etc. Sua identidade situava-se completamente no terreno da cultura dos
artigos de consumo. Ainda que agora estejam desempregados e sejam pobres, não se vêem a si
mesmos como trabalhadores que votam em um partido de trabalhadores, mas como consumidores que
votam nos conservadores, ou no partido trabalhista de Blair. Assim, alguma coisa muito profunda e
importante mudou nas relações culturais” (Willis, 2005, p. 310)

De forma particular, Willis (2005) ultrapassa a posição dicotómica, que advém da


Escola de Frankfurt, face à quebra das barreiras entre as diversas representações que a
cultura assume, sustentando que a imersão no terreno do consumo é inevitável, na
mesma extensão em que os estilos formados a partir de artigos de consumo foram, eles
mesmos, convertidos em artigos de consumo, que por sua vez criam um novo estilo,
diluindo as posições puras de classe:

“Ou seja, para mim, a classe e a exploração ainda são importantes. O que acontece é que já não
sabemos como se conectam a prática cultural e a consciência. Parece que existem alguns vazios
consideráveis. Não posso, apesar de tudo, acreditar que não haja conexões” (Willis, 2005, p. 308)

Contudo, esta aparente horizontalização, ou como referem Lash e Urry (1987), o


conteúdo “transclassista” do pós-modernismo é ilusório. Jameson, por sua vez, também
rejeita o elogio do admirável mundo novo, onde tudo é estetizado e a nostalgia disfarça
o presente, sublinhando a necessidade de investigar o pós-modernismo, como
componente do atual estádio histórico e como configuração que permite a análise de
formas coletivas, até à data inimagináveis.

Esta progressiva diluição das fronteiras entre arte e vida, que tem vindo a ser debatida,
tão característica da cultura pós-modernista, é hoje evidente nas diversas manifestações
de um quotidiano cada vez mais esteticizado.

A fragmentação da própria vida individual é acompanhada por uma deflagração de


estilos e pela multiplicação de códigos sociais (Jameson, [1991] 2000). O pós-
modernismo simultaneamente alimenta e é alimentado pela nova “semiótica da vida
quotidiana”, cujos discursos favorecem a constituição de (não)públicos para as formas
culturais pós-modernistas, ao apresentarem a cultura como elemento transversal a todos
os domínios da realidade social. A consolidação do projeto pós-modernista, de que é
exemplo a esteticização do quotidiano, não deve deixar de ser dialeticamente associada
à complexificação da estrutura de classes resultante da transição para o capitalismo
flexível.
114

2.2.2. (Des)Construção Identitária e de Classe na Pós-Modernidade

Como se tem vindo a salientar nesta discussão, inegavelmente, o pós-modernismo é


tudo menos um discurso artístico monolítico e unidimensional. Assim como, no seio da
diversidade pós-moderna e, numa perspetiva de transformação e justiça social, a cultura
pode ser pensada como espaço particular, sendo posicionada como elemento sério duma
política cultural, como argumenta Giroux (2000, p. 17):

“Não mais relegada simplesmente às alturas olímpicas da cultura superior, ou sumariamente rejeitada
simplesmente como um reflexo da base económica, a cultura finalmente adquiriu seu espaço de
direito, institucional e produtivamente, como um objeto crucial de debate, uma estrutura poderosa para
a criação de significados que não possam ser abstraídos do poder e um local de intensas disputas sobre
como as identidades devem ser moldadas, a democracia definida e a justiça social ressuscitada como
um elemento sério da política cultural”.

Por conseguinte, nas próximas linhas questiona-se a, efetiva, extensão social desta
pretensa democracia cultural (Lopes, 2007).

A introdução do pós-modernismo nas culturas populares, feita de múltiplas expressões e


múltiplas referências, sugere a quebra dos moldes do capitalismo organizado, traduzido
em formas e práticas culturais estáveis, identificáveis com cada classe social. A
culturalização / esteticização das sociedades contemporâneas, traço distintivo do
capitalismo tardio, traz mudanças profundas nas identidades, nos estilos de vida,
introduzindo as questões culturais nas agendas políticas, de uma forma nunca antes
registada.

Neste sentido, a destradicionalização (Hobsbawm, [1984] 1997), característica das


sociedades capitalistas avançadas, elimina muitas das certezas de outrora e coloca os
indivíduos perante novas escolhas. As transformações na esfera da produção e na
estrutura de classes, a influência das novas tendências culturais e as mudanças na
perceção do tempo e do espaço contribuem decisivamente para uma progressiva
diversificação e complexificação dos processos de construção identitária, isto é, uma
relativa individualização das trajetórias, assim como Fonseca (2009) afirma a
necessiadde de uma alternativa democrática e uma política da interculturalidade.

A cultura contemporânea, operada através da frequente combinação de símbolos


figurais, anti-auráticos (Benjamin, 1992), eletrónicos e espetaculares, tem convidado à
115

desintegração de velhos modelos de identidade individual e coletiva. Por seu lado, o


princípio da comunidade atravessa transformações paralelas. “As classes trabalhadoras
continuam a diferenciar-se internamente em estratos cada vez mais distintos.” (Santos,
1994, p. 33). A classe dos serviços atinge proporções sem precedentes, o que se traduz
na descentração das práticas de classe. Surgem novas práticas de mobilização social em
novos movimentos sociais que focam a atenção em reivindicações pós-materialistas. Ou
podem desenvolver novos significados e estruturas de identidade, como refere
Featherstone (1991, p. 11):

“Alterações na esfera cultural, em termos largos, envolvendo os modos de produção, consumo e


circulação dos bens simbólicos, que podem ser relacionados com equilíbrios de poder mais largos e
interdependências entre grupos (…) e ser usados diferentes regimes de significação em diferentes
formas e desenvolvendo novos significados de orientação e de estruturas de identidade”.

No que diz respeito à classe trabalhadora, Lash e Lock (1987) evidenciam como esta
tem enormes dificuldades em sustentar o nível nacional de ação coletiva, questionando
mesmo como é que os movimentos laborais iriam defender o estado providência,
quando o controlo das economias nacionais está cada vez mais fora das fronteiras do
estado-nação, em parte devido ao desenvolvimento de corporações globais e à
fragmentação do processo de produção, que incorporaram de forma crescente uma nova
classe de serviços.

As relações sociais alteram-se profundamente, à medida que se acentua a segmentação


dos mercados de trabalho (divididos entre um cada vez menor segmento primário de
emprego estável e protegido e um cada vez maior segmento secundário de emprego
precário), a fragmentação da classe operária e a polarização social. A emergência de
uma era de acumulação flexível configura indubitavelmente uma transformação
profunda, global e irrefragável do capitalismo.

Todas estas transformações parecem convergir para a desregulação da vida económica,


social e política. Quando tudo parece negociável e fluído ao nível das micro-instâncias
de regulação (e da interpretação) como a família, o partido ou o sindicato, tal como
auspiciava Sousa Santos:

“ao fim dos monopólios de interpretação (da família, ou da Igreja ou do Estado) não parece seguir-se a
autonomia da interpretação, mas antes a renúncia à interpretação” (Santos (1994, p. 34)

Todavia, em virtude do seu inerente dinamismo, a sociedade moderna está a modificar


de forma inquestionável,
116

“as suas formações de classe, de status, de ocupação, os papéis sexuais, a família nuclear, a
indústria, os setores empresariais e, claro, também os pré-requisitos e as formas do natural
progresso tecno-económico”. (Beck, Giddens, & Lash, 2000, p. 2)

Na verdade, a experiência duma estrutura social do século XX, baseada numa classe
social fundada numa indústria massiva, em grandes cidades industriais e em relações
sociais estruturadas pela relação trabalho (capital, uma classe de serviços minoritária e
insignificante) tem vindo a ser questionada, com implicações na forma como se pensa
e se estruturam as relações entre cultura e educação, tal como Fonseca (2009, p. 25)

“Os termos de uma nova agenda de justiça educacional e social, como se argumenta implicam, um
projeto de educação democrática, como garantia da inclusão educacional, que atravessa as relações
e práticas escolares micro/macro, em que o Sujeito só o é quando imerso numa «política de
interculturalidade»”.

A educação intercultural, de que trata Fonseca (ibidem), implica a percepção de que a


escola não é mais o único fórum educativo na construção da cidadania. Preocupação
expressa dentro do espaço europeu na gestão da diferença, colocando-se cultura e
educação no cerne da expansão e coesão cultural, ou, pelo menos, no reconhecimento e
celebração da diversidade cultural e identitária dentro do espaço europeu. Neste sentido,
viver em sociedades multiculturais implica perspetivar uma reconfiguração positiva
(ibidem), que a autora coloca na busca de comunicação, integração entre conjuntos
culturais onde se reconhece a diferença pela reinterpretação e alargamento cultural.

Neste contexto, a compreensão de conceitos de educação, (inter/multi)culturalismo e


arte recoloca a questão em ideais de justiça social e equidade educacional e social.
Questões nascidas do pós-modernismo e expressas em várias formas de "política de
identidade" e na emergencia de "novos movimentos sociais". Contudo, tal parecem ter
resultado num enfraquecimento do sentimento de classe e uma fragmentação da
sociedade civil, que Baudrillard retrata com recurso a conceitos de roçam o diagnóstico
de uma doença fatal – “leucemia da história”, “hemorragia de valores”, “trauma da
perda de referências”. Terry Eagleton (2012), por sua vez, na obra Why Marx Was
Right, partindo do contexto atual de mais uma crise do capitalismo, afirma que a
denúncia e o combate à exploração, à desigualdade e à dominação são centrais hoje
como eram no século XIX, na medida em que reconhece hoje “níveis vitorianos de
desigualdade”. A acrescer o fato de que, num cenário geopolítico do séc. XXI, bem
mais global do que o dos últimos dois séculos (muito centrado no ocidente do
hemisfério norte), o desemprego aparece como estruturalmente inseparável das
117

dimensões de acumulação e expansão intrínsecas à natureza do capitalismo. Ou seja, a


expansão global do capitalismo tem, como reverso, a globalização das suas próprias
contradições – desigualdades de poder e riqueza, intensificação da exploração e da ação
dos aparelhos ideológicos do estado (Althusser, [1970] 1980). Neste sentido, apesar de
todo o discurso de um otimismo fundado entre o pós-modernismo, o (neo)liberalismo e
o Estado Providência, a classe trabalhadora, longe de ter desaparecido, é agora uma
classe trabalhadora global contemporânea que aparece tão precária como no início da
revolução industrial. Costa, Mauritti, Martins, Machado, & Almeida (2000) afimam que
as condiçoes de exitência dos sujeitos continuam a ser pautadas pela distribuição
desigual de recursos e oportunidades, lembrando as preocupaçoes de substituição dos
recursos redistributivos pelo reconhecimento cultural expressas por Fraser (2002) e
reafirmadas por Fonseca (2008, p. 52):

“Na verdade, os riscos de substituição e de desvio do investimento público nos direitos, cultura e
educação, de que falava Fraser (2003), quando acompanhados da legitimação e ênfase na
segurança, punição, disciplina e privado, podem estabelecer relações com políticas de
«criminalização da miséria» (Wacquant, 2000) e percursos de exclusão social, onde as mulheres
também têm ocupado lugar de destaque”.

Apesar de óbvio, parece necessário afirmar que as sociedades estão em trânsito. Tudo o
que era sólido no capitalismo organizado (classe, indústria, cidades, comunidade,
estado-nação) está, pois, em recomposição, o que não significa dissolução.

A emergência de uma nova aristocracia global – os novos intermediários culturais, ou


os yuppies (Jameson, 2000) para os Estados Unidos nos anos 1980 –, parece ter
acontecido num contexto de relação entre trabalho e capital. Já no Reino Unido, este foi
um processo sustentado pelo Estado.

Este processo traduz-se no crescimento dos empregos de colarinho branco, em relação


com as modernas formas de gestão que geraram novos e complexos desenvolvimentos –
universidades, fundações privadas, instituições culturais, etc. Ora, estas instituições
constituem elas próprias uma espécie de terceira força, o 3º setor, que pareceu procurar
ultrapassar a relação de exploração capitalista. Assim, à medida que a classe de serviços
crescia, ia transformando a sociedade e reforçando o ocidente capitalista, enfraquecendo
o trabalho e expandindo a estratificação baseada no capital educacional e no capital
cultural.
118

Determinados segmentos da emergente “classe de serviços”, de que falam Lash e Urry


(1987), são os “consumidores da cultura pós-modernista objetivada”, incorporando-a
como parte das suas lutas pela distinção, no processo de ascensão desta “nova pequena
burguesia” de intermediários culturais. Esta classe móvel, caracterizada por ter elevado
capital educacional e cultural ocupa os lugares emergentes da economia do
conhecimento, procurando “legitimar o estilo de vida” novo burguês.

Numa época de crescente flexibilização económica e social, é expectável que os


processos de construção identitária sigam, de certo modo, as principais tendências
societais da contemporaneidade. A classe trabalhadora, apesar das visões mais
pessimistas, parece estar a ser reconstruída e protagonista de novas formas de
experiência cultural. Transformações múltiplas emergem no espaço social com a
elevação da classe média, o alargamento do sistema escolar, a democratização dos
acessos aos consumos culturais e a disseminação estética produzida pelos meios de
comunicação social, o que em conjunto concorre para o esbatimento de tradicionais
clivagens culturais. Além disso, também contaminam os valores que afetam
globalmente identidades, hábitos, práticas e estilos de vida, num espaço social aberto à
mobilidade, urbanidade e metropolização cosmopolita, em que se abrigam estruturas de
sensibilidade hedonistas pós-materialistas. Este é um cenário de otimismo liberal e de
confiança num mercado aberto ao indivíduo móvel numa cultura mosaico
multirreferencial que serve a nova doxa intelectual, como avança Idalina Conde (1992)
e Helena Santos (2008, pp. 81-82):

“O aumento da procura museológica nas últimas décadas, e as alterações dos contextos de visita, têm
permitido inferir alguma diversificação dos públicos dos museus, aliada a um maior cosmopolitismo
cultural dos visitantes […] Apesar do caminho que nos distancia do fechamento analisado por Pierre
Bourdieu no seu estudo pioneiro sobre os museus de arte (BOURDIEU & DARBEL, 1966), o
aumento de públicos e a pressão às lógicas de mercado não arrastaram tendências efetivas de
acessibilidade cultural democrática – aumento e diversidade efetivos de públicos... e de públicos
críticos”.

Crescente ênfase tem sido colocada sobre como o significado cultural é produzido e
consumido, e como isso afeta a construção de identidades social. Um importante
contributo pode ser retirado de L'Amour de l'Art (Bourdieu & Darbel, [1969] 2007). Os
autores desenvolvem uma análise das formas de manipulação de recursos culturais e
simbólicos para produzir e manter o poder e estatuto social. Tal explicita que, por vezes,
a frequência do equipamento cultural pode ser motivada por fatores externos à receção
119

da obra de arte, tais como socializar, gerar motivos de conversa, dar-se a ver, exibir o
seu estilo pessoal, recriação, procura de modelos de comportamento. O que permite aos
consumidores criarem relações ou fronteiras entre si. O consumo de cultura, o que pode
ser identificado com o gosto, pode servir como um meio de construção de relações
sociais, particularmente num processo dinâmico de complexa configuração social.

Contudo, como Helena Santos (2008) argumenta, a procura cultural permanece


dependente de processos de construção de gostos que tendem a gerar cumulatividade
e ecletismo, mais do que alargamento da definição sociológica de público. Para a autora,
as tendências de ilusória democratização parecem resultar, particularmente, da diluição
das fronteiras culturais.

Contudo, como Lash e Lock (1987), já se adivinhava uma interpretação da


racionalidade estético-expressiva como uma fuga à colonização neoliberal do mercado,
numa perspetiva Benjaminiana; ou numa perspetiva Adorniana, a racionalidade estético-
expressiva passou, também, a ser regulada pelo mercado. Numa possibilidade ou noutra,
não se afirma a superação das desigualdades, pela cultura, impostas pelo mercado. Na
perspetiva de Santos (1994, p. 35) independentemente da “colonização” pelo mercado, a
racionalidade estético-expressiva afirma-se como central na vida social contemporânea:

“A racionalidade estético-expressiva é a que concentra melhor as autonomias e é aquela em que são


mais fortes os sinais do futuro. A alta cultura modernista esgotou-se e a insistência em que tal não
sucedeu é desmentida diariamente pela distração em que é contemplada ou pelo preço que
comercializada. A fuga do mundo a que Adorno a condenou, por mais compreensíveis e honrosas que
tenham sido as suas razões, é insustentável numa situação cultural de celebração afirmativa ainda que
superficial, mas profunda na sua superficialidade”

Sousa Santos (2002), numa tentativa de ilustrar tal afirmação, analisa a emergência de
protagonistas e movimentos que identifica com um movimento de globalização contra-
hegemónico. Observa um aumento do desenvolvimento de organizações e grupos
sociopolíticos que, desligados dos constrangimentos das fronteiras nacionais, da classe
ou da raça, incorporam novas formas de envolvimento político. São exemplos, os
partidos dos verdes, os movimentos feministas, as organizações antinucleares, os novos
movimentos sociais, que criticam extensivamente a globalização de índole neoliberal e
parecem emergir como reposta cultural da comunidade ao desmantelar do Estado-
Providência. A obra de Burawoy (2000) Global Ethnography, à qual se recorreu com
particular enfoque no capitulo I, faz uma análise particular dos processos descritos por
120

Sousa Santos. Nesta, ilustra-se não só a culturalização da sociedade contemporânea


global, como se o faz pela análise particular de vivências locais, com particular
incidência nos novos movimentos sociais (conf. Haney, 2000; Thayer, 2000).

Tal como referenciava Paul Willis (2005), assiste-se a um investimento em


comportamentos, atitudes e objetos, nos quais a criatividade se tornou num valor
dominante da actualidade. Willis (1990) argumenta que a cultura tem o vigor de ser
vivida, usada e comunicada a nível global, vigor que a arte encerrada no circuito
tradicional de distribuição – galerias, museus e bienais – não tem. Assim, a estética
localizada (ibidem) sugere que a cultura é fundada nas atividades quotidianas,
influenciada pelos média e pela cultura de consumo. Ora, a cultura comum, de que trata
o mesmo autor, pode ser percebida na atribuição de significado simbólico a objetos e
práticas “culturalizando” o quotidiano e “estetizando” da vida aborrecida. Contudo, a
perceção da cultura comum na ótica de Willis (1990) tem o problema de assentar na
estreita relação entre cultura e estética, uma estética urbana, contemporânea e
fundamentada na cultura de consumo pós-moderna, próxima do conceito de espetador
pós-moderno empírico desenvolvido na literatura sobre arte, educação e cultura material
(Fulková, Straker, & Jaros, 2004).

Contudo, as práticas culturais associadas ao consumo não parecem ter uma tradução
direta numa melhoria das condições de vida efetivas. Elas aparecem como necessárias.
Logo, trazem ao debate a relação entre a globalização económica e cultural, o que
levanta uma série de questões sociais, como a pobreza, desemprego e informalização do
trabalho, desigualdade e igualdade de oportunidades educacionais e culturais. Contudo,
não se trazem essas questões, ainda que pertinentes à análise, pois elas estão para além
do enfoque deste capítulo e desta dissertação.

Por conseguinte, num complexo mundo contemporâneo, numa sociedade que faz
constantemente apelo ao estético e continua atravessada pela desigualdade social, é
necessário questionar qual a função que desempenha a arte, nos moldes que Maria
Teresa Cruz (1992, p. 46-47) o faz:

“Qual é o lugar que a arte ocupa na cultura? Entendendo cultura no domínio da experiência, de nos dar
algo a experiênciar. Trata-se da interrogação sobre a possibilidade de distinguirmos, no domínio da
experiência, um modo particular de perceção, de relacionamento e de vivência, que possamos
especificar como estético. […] De que forma se relacionam arte e experiência estética: recobrindo-se,
encontrando-se, desencontrando-se?”
121

Como João Teixeira Lopes (2001; 2007) argumenta, nesta perspetiva, a cultura
enquanto noção permite inaugurar e consolidar identidades, pode ser ainda vista como
fonte de sociabilização, foco de interesses comuns, formando círculos que favorecem ou
dificultam projetos de mobilidade social. De igual modo, para autores como Beck
(1992) e Crane, Kawashima, & Kawasaki (2002), na pós-modernidade os processos de
individualização e de informalização atenuam posições de classe, na medida em que se
tem verificado uma transposição da demarcação da classe social para estilos de vida,
nos quais se explicitam miscigenações das sociedades pós-modernas.

Este contexto torna difícil estabelecer uma relação nítida entre as escolhas culturais e as
pertenças de classe. Contudo, Idalina Conde (1992) afirma que concluir positivamente a
favor da extensão social de uma disposição cultivada não rejeita questionar a motivação
cultural enquanto difusa e potenciadora de consumos culturais localizados. Para a
mesma autora, a maior parte das pessoas vive de uma pequena margem intersticial de
manobra e de um jogo em que cada um compõe o seu tabuleiro à sua maneira, o que
pode nem ser partilhado por nenhuma outra pessoa. A autora observa uma sobreposição
de gostos na multidireccionalidade da procura cultural, evidenciando o ecletismo dentro
de cada perfil social associado a um estilo de vida e a combinações estruturadas de
diferentes consumos.

Assim, as identidades e as próprias classes sociais têm sofrido alterações com a


perceção contemporânea de cultura. Esta tem um papel nessas mesmas transformações,
que parece importante, embora polémico, como tem vindo a ser observado.

// Em síntese: o pós-modernismo enquanto narrativa

A inter-relação entre o cultural e o económico é, sem dúvida, um sintoma de que se vive


numa nova época, que teve as suas origens nas crises do capitalismo nos finais dos anos
1960. Nesta época, observa-se uma contínua interceção e realimentação entre a
economia e a cultura, com óbvias consequências, não só no campo da arte, como
também na vida social. A definição que se adota de pós-modernismo, no capitalismo
avançado, é inseparável e impensável sem uma mutação na esfera da cultura,
conducente a uma modificação da sua função social. Sendo, portanto, pertinente discutir
estas questões pondo em perspetiva o destino da cultura, em geral e da função da cultura
em particular.
122

A conceção de pós-modernismo aqui esboçada é uma conceção histórica e não


meramente estilística, que visa apreender o pós-modernismo como dominante cultural
do capitalismo tardio, numa tentativa de pensar a contemporaneidade.

Antes de mais parece ser central reconhecer se a progressiva implosão da hierarquização


das diferentes culturas se traduz efetivamente no reconhecimento dos objetos dessas
culturas não institucionalizadas pelas instâncias de legitimação, como o museu ou a
escola.

Atente-se que ao invés de diminuir a cultura popular, os pós-modernistas assimilam as


suas imagens e incorporam influências populares nas suas obras. Por outro lado, se
enfatiza a simulação, o fetichismo, ocultando os reais processos político-económicos
por detrás de muitas manifestações culturais. O pós-modernismo é, por vezes, irónico e
apolítico, afastando-se de conceitos como génio, criatividade e até mesmo de autor.
Orienta-se para a superfície e renuncia à tentativa de produzir significados mais
profundos, sobressaindo a superficialidade como a característica mais importante do
pós-modernismo. Contudo, não esquecendo os virtuosismos do eclectismo, a vanguarda
contemporânea parece querer revolucionar a arte e a sociedade. Apesar de não procurar
forjar um estilo original, as obras contemporâneas produzem uma riqueza de
significados e interpretações complexas, que atribui importância ao pluralismo da arte.
Todavia, questiona-se se este pluralismo, diluição de fronteiras e miscigenação de
código significa, finalmente, uma democracia cultural; ao mesmo que se procura
perceber como este “movimento” pode ser interpretado na crescente preocupação
educativa das galerias de arte contemporânea.

Em jeito de síntese e introduzindo o próximo ponto de discussão desta problemática,


parece ser urgente questionar se, tal como no período vitoriano 27, se procura “civilizar”
a classe trabalhadora através do acesso desta à cultura e à educação.

27
O papel do museu urbano no séc. XIX teve como principal foco de
atenção a classe social.
123

3. A E MERGÊNCIA DO N ÃO -E SCOLAR (E DUCA ÇÃO )

Neste terceiro ponto analisa-se o desvanecimento da crença da educação escolar,


enquadrada nas crises dos anos 1970 – crise mundial da educação. A partir desta
perspetiva-se a emergência da influência política de organismos transnacionais, como a
UNESCO e a UE, na definição de uma agenda da educação não-formal. Para tal
considera-se o mapa conceptual construído por Alexandra Sá Costa (2002), em que a
autora cruza o do “ciclo político” de Bowe, Ball, & Gold (1992) e os níveis de
elaboração política de Cortesão, Magalhães, & Stoer (2001) enquanto instrumento que
permite compreender a produção de ideologia, o estabelecimento da agenda política, a
formulação das políticas, com o intuito de perceber como é que localmente, as políticas
culturais e educativas, transnacional, regional e nacional condicionam o trabalho
educativo dos equipamentos culturais.

Observa-se como estes organismos argumentam a “falência” do modelo escolar de


educação e reconhecem o potencial das dinâmicas de educação não-formais como mais
adaptáveis às exigências de criatividade e flexibilidade do capitalismo tardio e da
sociedade contemporânea globalizada. Por fim, não deixa de se considerar a repercussão
que esta emergência do não-formal teve na abertura do objeto da própria Sociologia da
Educação em Portugal às questões da educação não-escolar.

// Crise mundial da educação

As mudanças e transformações operadas nas últimas décadas, sobretudo a partir da


segunda metade do século XX são visíveis nos tecidos sociais, económico, político e
cultural derivados da emergência de novos contextos culturais e educativos, para além
de novas necessidades educativas.

O campo da educação tem sido, pois, atravessado por profundas alterações estruturais,
cuja compreensão não dispensa o recurso a instrumentos teóricos inscritos em
perspetivas globais de abordagem, como os que temos vindo a desenvolver ao longo
desta tese. Na verdade, durante muito tempo tem sido pedido à escola um lugar de
legitimação e de otimismo acerca do lugar da educação, como resposta para tudo o que
precisa de ser feito na sociedade, em termos de desenvolvimento e/ou de anomia, como
se pode observar na seguinte citação:
124

“Durante três séculos, a sociedade ocidental celebrou a cura mágica da escolarização de massas.
Qualquer que fosse a doença económica ou social - uma progressão lenta na produtividade, a erosão
da organização comunitária, injustiças intratáveis, ou mesmo descontentamento sexual -,
aparentemente tudo podia ser remediado por mais educação. Deus está morto, vive encarnando a
figura dos ministros da educação” (Fuller e Rubinson, 1992 In Teodoro, 2001, p. 125).

As transformações a operar parecem apelar à emergência de novas competências,


individuais e coletivas, socialmente reconhecidas e valorizadas, indo de encontro tanto
às solicitações de novas formas de acumulação como às necessárias ao exercício de uma
cidadania participativa numa sociedade moderna e globalizada, crescentemente
heterogénea e assimétrica. Essas competências têm sido pedidas ao sistema de ensino
formal. Contudo, este, por si só, não tem sido capaz de as promover – correndo-se um
acrescido risco de (re)produzir desigualdades sociais. Esta incompatibilidade de
produzir correspondência entre múltiplas necessidades e possibilidades configura o que
se tem vindo a designar, desde os anos 1970, de crise mundial da educação.

A crescente interdependência e consciencialização do global, do desenvolvimento


tecnológico, da mobilidade dos mercados de bens e serviços, das transformações
demográficas e ambientais estimularam o desenvolvimento de uma consciência ética
global para a coesão social e construção de plataformas de entendimento e diálogo.
Estas levaram teóricos da educação como António Teodoro e Carlos Alberto Torres
(2005) a questionarem as possibilidades dos sistemas educacionais de responder às
necessidades e desafios contemporâneos.

A escola, configurada no contexto de um modelo de produção pós-fordista, emerge cada


vez mais fragilizada na sua capacidade de responder às expectativas nela depositadas e
aos desafios da nova agenda global. Por isso, enfrenta acusações de nem preparar
adequadamente para a vida profissional, nem cumprir as funções emancipadoras que lhe
estariam incumbidas (Magalhães & Stoer, 2003).

Por isso, o movimento para pressionar a mudança e as novas respostas educativas não
pára de crescer contemporâneamente, face a novos problemas e a novas fragilidades.
Como diz Almerindo Janela Afonso (2005), acerca do lugar do emergente sistema de
educação não formal, como resposta para os novos desafios locais e (trans)
(inter)nacionais,

“a situação precária – tanto em termos educativos quanto em termos sociais – de uma percentagem
significativa da população mundial (incluindo a dos países ditos desenvolvidos) e as exigências dos
125

modelos de desenvolvimento vigentes, pressionavam para encontrar novas respostas educativas. Às


limitações e condicionantes reconhecidas na escola, respondia-se com os programas de educação não-
formal – libertos dos formalismos do sistema tradicional de ensino” (Afonso, 2005).

Não ignorando esta questão, o processo de europeização implicou a formação de um


referencial comum na área das políticas públicas, particularmente aos níveis culturais e
educativos, organizando as circunstâncias específicas de produção e receção dos efeitos
de globalização nos seus países membros. Steve Stoer, em 2001, sintetizava a
implicação deste alargamento do debate educativo na construção de novos modelos de
cidadania e de repreapreciação da educação, pelo que é pertinente evidenciar o que dizia
este autor

“De facto, os efeitos da mudança estrutural, associada com o fenómeno de globalização (que,
sobretudo nos países do centro, se identifica quer com o pós-industrial e com o pós-nacional),
conduzem-nos a uma nova reflexão sobre cidadania, tanto social como aos níveis local, nacional e
global [...] o contracto social estabelecido entre o Estado e o capitalismo industrial durante o século
XIX garantiu, constitucionalmente, através da escola obrigatória, laica e gratuita, o direito (de acesso)
à educação (escolar) a todos os cidadãos. [...] Numa época de globalização, este contracto social
encontra-se numa fase de renegociação, que toma como base, por um lado, uma reapreciação do
papel do Estado na provisão da educação, e, por outro, novos direitos e novos deveres, sobretudo
culturais, protagonizados por agentes coletivos (novos movimentos sociais) e associados com as
mudanças inerentes ao processo de globalização” (Stoer, 2001, p. 256)

Neste novo contexto de renegociação e reapreciação do contrato social, que contém em


si, um contrato educativo, parece operar-se uma relação estreita entre o mandato das
políticas educativas e as novas necessidades de acumulação do sistema capitalista,
implicando a formação, para o mercado, de indivíduos “flexíveis”, “adaptáveis” e
“competitivos” (Canário, 2006). Parece tratar-se de um retorno à ideologia do capital
humano, que emergiu nos anos 1970, no seio da OCDE (Teodoro, 2001). As mudanças
educacionais para as novas necessidades têm um impacto direto sobre o paradigma
educativo da escola de massas que, desarticulado do sistema de produção, não é capaz
de responder, por si só, às exigências que lhe estão a ser impostas.

No entanto, esta preocupação não é nova. A importância de contextos educativos


não-escolares remonta à Conferência Mundial sobre a Crise da Educação (1967),
organizada pela UNESCO, a partir da qual a educação não-formal (Rogers, 2004) e a
ideologia do capital humano se generalizaram, como resposta às rápidas mudanças
económicas e políticas da segunda metade do século XX.
126

Mais ainda, a aparente sobreposição entre o mandato das políticas educativas e as novas
necessidades do sistema capitalista ganhou renovada relevância no contexto da
Estratégia de Lisboa (Sousa & Malheiros, 2005).

Na verdade, este documento europeu afirma o papel central da aprendizagem ao longo


da vida na criação de uma sociedade baseada no conhecimento. É assim, uma vez mais,
colocada como verdadeira a contribuição da educação formal para desenvolvimento
das competências e aptidões exigidas pelo mercado de trabalho.

O reconhecimento das limitações e constrangimentos da escolaridade tem como


contraponto o surgimento de educação não-formal, desprendida das formalidades do
sistema tradicional de educação – curricula, avaliações, graus de ensino, como dá conta,
o organismo Europeu, a Direção Geral da Cultura e da Educação: “os sistemas de
educação formal sozinhos não podem responder aos desafios da sociedade moderna e,
por conseguinte, congratula-se o reforço com práticas de educação não-formal”
(Dumitrescu, 1999, p. s/p).

No mesmo sentido se pronunciam autores como Erica McWilliam e Sandra Haukka,


2008; Richard Florida e Jim Goodnight, 2005, quando sublinham a ideia de que
competências como criatividade, flexibilidade, adaptabilidade e competitividade
constituem capitais mobilizáveis, não apenas no campo das Artes, mas também no
campo económico:

“O ativo mais importante da empresa [...] É o seu capital criativo – em suma, um arsenal de
pensadores criativos cujas ideias podem ser transformadas em produtos valiosos e serviços”
(McWilliam & Haukka, 2008, p. 656).

Assim, as mesmas autoras sustentam que os/as jovens necessitam, mais do que no
passado, de uma boa qualificação, de um saber-fazer diferenciador. Enfatizam assim a
centralidade de contextos não escolares como "parceiros" no processo de aprendizagem
contemporânea. Museus e galerias, como ambientes de aprendizagem menos
estruturados podem ser percebidos como espaços privilegiados de construção de
propostas educativas diferenciadoras.

Da mesma forma, McWilliam e Haukka (2008, p.658) indicam, contudo, a necessidade


de chamar a atenção para os perigos que podem surgir da submissão da educação às
exigências económicas, até porque estas são rapidamente mutáveis:
127

" “[...] aprendizagem pode, desempoderar a longo prazo, como pode empoderar a curto prazo, e,
portanto, [todos] competências e saberes são tão bons quanto a sua última aplicação"(ibidem, p.. 22).
(…) Assim, o que conta hoje como a capacidade da força de trabalho pode ter uma vida útil muito
curta: as capacidades de hoje podem ser as casualidades de amanhã" (ibidem).

Indubitavelmente, os processos de aprendizagem em contexto de educação não-formal


não estão sujeitos às mesmas condicionantes que o sistema de ensino formal. A
educação não-formal não está condicionada pelas relações de poder intrínsecas ao
próprio corpo institucional como o sistema de ensino, nem pelas necessidades de
reprodução desse mesmo corpo.

Num contexto de educação não-formal, a “influência do capital linguístico” (Bourdieu


& Darbel, [1969] 2007) não representa necessariamente um fator de sucesso ou
insucesso nem de maior ou menor valorização do capital cultural dos aprendentes. Num
processo de aprendizagem em educação não-formal não há lugar à obtenção de graus,
nem mecanismos de julgamento próprios de um sistema de avaliação seletivo, como se
diz no excerto seguinte,

“num contexto de educação não-formal, os conteúdos de aprendizagem podem ser veiculados a partir
da experiência particular dos aprendentes, tendo em conta o conjunto do seu capital cultural
incorporado” (Pinto, 2007, p. 44)

Questiona-se esta afirmação, no entanto, na medida em que a educação em contexto


não-formal, próprio das instituições culturais, talvez não seja tão desprovida de
condições estruturais como afirma Pinto (ibidem). De facto, a ausência de
obrigatoriedade e de avaliação, características da educação não-formal liberta-a de
alguns constrangimentos. Contudo, permanecem as que estão associados à dimensão
simbólica do museu e da galeria, os mesmos constrangimentos que dificultam o acesso
a estes espaços. Estamos a falar de capital cultural, tal como Bourdieu & Darbel, o
apresentam em L'Amour de l'Art ([1969] 2007), mas também é necessário equacionar os
conteúdos destes equipamentos, o que as suas exposições representam e que identidades
traduzem e representam.

A escola, ainda que instância de socialização secundária alargada permite colmatar,


através de um ensino cultural contínuo, metódico e sistemático, as possíveis privações
face à cultura erudita da socialização primária no seio da família. Na medida em que a
obrigatoriedade da educação escolar a transforma na instância de dissolução das
desigualdades, ainda que aqui resida a utopia. Apesar de intersticial, Bourdieu & Darbel
128

([1969] 2007) demonstram uma margem de possibilidade para a ação da educação


escolar sobre aqueles que apenas acedem a este recurso, como se lê na seguinte
passagem:

"poderá compensar (pelo menos, parcialmente) a desvantagem inicial daqueles que, em seu meio
familiar, não encontram a incitação à prática cultural, nem a familiaridade com as obras, pressuposta
por todo discurso pedagógico sobre as obras, com condição somente de que ela utilize todos os meios
disponíveis para quebrar o encadeamento circular de processos cumulativos ao qual está condenada
qualquer ação de educação cultural" (Bourdieu & Bardel, [1969] 2007: 108).

Todavia, o espaço do museu e o espaço escolar não são estanques. As parcerias e


projetos conjuntos são múltiplos, deixando-se contaminar mutuamente, como é o caso
dos múltiplos programas para estudantes e das visitas escolares aos museus, apesar de
serem muitas vezes dinamizadas pelos/as mediadores/as destas instituições. São, quase
invariavelmente, integradas em atividades escolares que podem ser sujeitas a avaliação.
Por outro lado, dentro da programação dos equipamentos culturais é possível encontrar
atividades desligadas do modelo escolar.

Também, como lembra Luís Rothes (2005), a tripartição do universo educativo é


artificial e, por conseguinte, as fronteiras entre essas partes são porosas, como defende:

“É preferível, com efeito, sublinhar que as características da educação não formal resultam sobretudo
de perspetivas e de tradições de intervenção que, não estando condicionadas pela preocupação de
validação de saberes, se foram estruturando com determinadas marcas que perduram até aos nossos
dias. Umas vezes, essas características surgem de modo mais claro e inquestionável, outras vezes elas
cruzam-se de modo mais ou menos tenso com outras lógicas de intervenção educativa” (Rothes, 2005,
p. 173-174).

Para este autor as perspetivas conceptuais de tipos de educação, como temos vindo a
discutir, resultam sobretudo de tradições de intervenção.

Uma interrogação se coloca aqui: poder-se-á considerar que uma ação educativa
orientada, estruturada, pública e políticamente reconhecida e valorizada, contribui para
transformar o capital cultural incorporado em capital cultural institucionalizado, sem o
recurso à instituição escolar?

Com efeito, questões como esta levantam pistas face à emergência de um novo
paradigma educativo assente no reconhecimento e valorização de outros contextos
educativos, que não só o escolar, mas que articulados entre si podem ajudar a responder
a desafios colocados às sociedades contemporâneas. A definição deste paradigma
129

educativo passará seguramente pelo papel a atribuir à educação para além da escola, em
particular, a educação em espaços culturais, como museus e galerias de arte, questão
que nos interessa sobremaneira a esta pesquisa.

3.1. D A C R I SE M U N DI A L DA E D U C A ÇÃ O À E D U C A Ç Ã O N Ã O - F ORM A L

Abordamos agora a problemática da crise mundial da educação e suas relações com a


emergência da educação não escolar e da reflexão sociológica sobre essa questão. Com
efeito, após um período áureo entre a Segunda Guerra Mundial e o início dos anos 1970,
o protagonismo da instituição escolar numa conjuntura de expansão económica e
aumento de empregos qualificados é central, na medida em que vem dar resposta às
esperanças de desenvolvimento, mobilidade social e igualdade (Canário, 2005).

Num período fértil de crença nos efeitos da educação de massas, desenvolvem-se as


teorias do “capital humano” que inauguram uma fé na ideia de que o “investimento em
seres humanos” (Teodoro, 2001, p. 131), através da qualificação, gera crescimento
económico e oportunidades de maior desenvolvimento para os indivíduos, levando ao
investimento em cada vez “mais escola”, por parte do Estado e por parte das famílias
que vêem na escolarização uma estratégia válida de mobilidade social ascendente

Nesta lógica, o projeto modernista da escola de massas é indissociável de uma certeza


no papel da educação no desenvolvimento social e económico associado à revolução
industrial e, simultaneamente, assume-se como projeto político e cultural induzido pelas
aspirações racionalistas do humanismo burguês e do iluminismo (Afonso & Ramos,
2007).

Mas o que é certo, é que a teoria do capital humano torna-se omnipresente nos
documentos da OCDE, assumindo o estatuto de legitimação científica (e económica) do
clima de euforia e progresso. Neste período, marcado por um processo de crescimento
económico a uma escala sem precedentes na história da humanidade, a expansão da
oferta educativa dirigida a adultos, bem como o crescimento exponencial dos sistemas
escolares, só pode ser entendido no quadro da afirmação de uma ideologia
“desenvolvimentista” que, de forma extremamente otimista, vê no investimento
educativo a principal alavanca para o desenvolvimento e a construção de “sociedades de
abundância”.
130

Na articulação entre as políticas de expansão da oferta educativa e as políticas


orientadas para o desenvolvimento, organizações supranacionais como a UNESCO,
desempenham um papel relevante.

Ao mesmo tempo, já na década de 1960, eram produzidas investigações sociológicas


pioneiras que demonstravam como a instituição escolar não só não era um instrumento
de mobilidade ascendente, como também se revelava instrumento de reprodução da
estrutura social. Assim, no contexto capitalista ocidental, a promessa otimista igualitária
parecia que não podia ser cumprida, inaugurando-se o que veio a designar-se por crise
mundial da educação.

Ao contrário do que Parsons (1963) concebia, a meritocracia revelara-se um conceito


ilusório, na medida em que a massificação da escola permitia o acesso da maioria.
Contudo, a uniformização e disciplinação, através de práticas pedagógicas
monoculturais e etnocêntricas, dificultava o sucesso de determinados grupos sociais,
desfasados da cultura oficial, perpetuando assim, as desigualdades e revelando as débeis
potencialidades da escolarização em termos de esbatimento das diferenças sociais
(Coleman, 1968).

Wallerstein (1984) acrescenta que a escola funciona, apenas aparentemente, como um


mecanismo moderno de mobilidade social, para os/as filhos/as dos “trabalhadores
livres”, na medida em que apenas substitui o pressuposto de estatuto herdado pelo
estatuto conseguido:

"O maior mecanismo social, criado presumivelmente para distribuir indivíduos na estrutura
ocupacional através do seu talento e não na base da ascendência – o sistema educativo – funciona, de
facto, apenas entre os trabalhadores "livres" e, mesmo entre estes, sobretudo como forma de manter
linhas de ascendência criando algumas exceções (cooptação dos indivíduos inteligentes das classes
trabalhadoras), assim justificando a distribuição por "castas" como consequência da aplicação da razão
humana. Diz-se que cada indivíduo tem um estatuto conseguido, em vez de ser um estatuto herdado"
(ibidem, pp. 154-155)

Richard Rubinson & Irene Browne (1994) acrescentam que a educação escolar é um
mecanismo de construção de indivíduos enquanto cidadãos e que circunscreve os seus
lugares na estrutura social. É, portanto, a própria organização da educação escolar que,
através de um conjunto de práticas e de rituais, sustenta as crenças sobre o poder da
educação.
131

Com efeito, a própria escola incorpora processos de alocação numa estrutura de


estratificação meritocrática, na qual se produz cidadãos/ãs numa pretensa ilusão de
promoção de mobilidade social, de igualdade de oportunidade e de reconhecimento
social, parecendo não fazer mais do que sustentar posições sociais herdadas.

No final do séc. XX, a consolidação da escola de massas surge associada a uma “nova
classe média”, cujo crescimento se deve à nova organização científica do trabalho e ao
capitalismo monopolista. Stoer (2001) afirma que a mudança de habitus apanha esta
classe numa contradição. Se, por um lado, pretende manter a pedagogia da descoberta
para os seus filhos no ensino secundário, por outro lado, pretende assegurar o sucesso
profissional dos seus filhos, através de um ensino mais tradicional, promovendo valores
como a hierarquia, o individualismo e a competição. Ball, citado por Stoer (2001)
afirma que a escola pós-fordista e a flexibilização da divisão do trabalho podem indicar
a superação dessa contradição. Analisando pois, a correspondência entre processos de
ensino e aprendizagem e o processo de trabalho industrial Correia, Stoleroff, & Stoer
(1993) adotam, nos anos 1990, o conceito de novo vocacionalismo, que atribui à
aprendizagem um papel central:

"o pós-fordismo vê a força de trabalho como um bem principal da produção moderna. A produção
depende de trabalhadores multiqualificados capazes de inovação e de melhorar os processos e os
produtos" (Ball, 1990, p. 126).

Como se analisa, os fatores supostamente geradores da atual crise da educação, são hoje
amplos e heterogéneos. No contexto atual, as referências à crise da educação escolar
remetem, implícita e explicitamente, para condicionantes económicas, sociais e político-
ideológicas muito diversificadas e, consequentemente, para explicações diversas e
contraditórias:

i) globalização da economia capitalista num encadeamento ideológico neoliberal;

ii) mutações nas formas de organização mundial do trabalho;

iii) desemprego estrutural;

iv) desvalorização social dos diplomas;

v) peso crescente dos meios de comunicação de massa como agentes de socialização


secundária;

vi) migrações e a subsequente necessidade de adaptação a realidades culturais, sociais e


linguísticas diversas.
132

3.2. E N T RE AS P OL Í TI C A S T R AN SN A CI ONA I S E A E ME R GÊ N CI A DA

A GE N D A DO N Ã O - F ORM AL

“Ello es la causa de que en los países industrializados, con tasas de escolarización formal muy
elevadas y poblaciones estabilizadas, las necesidades de aprendizaje no estén relativamente
estacionarias. Por el contrario, fruto del desarrollo económico, científico y tecnológico se están
creando continuas necesidades de reciclaje y perfeccionamiento profesional, de actualización de
conocimientos de todo tipo, de manejo de nuevas tecnologías, de aprendizaje de técnicas del tipo
“hágalo usted mismo” (bricolaje, fontanería...), debido a los altos costes de reparación, de
conservación y mejora del medio ambiente, de aprendizaje de estrategias para hacer frente a la
avalancha consumista y publicitaria, etc. (Pastor, [2004] 2007, p. 16)

Num contexto de mudança social, a educação não-escolar tem vindo a desempenhar


um papel importante na reengenharia do sistema de ensino e a revelar-se como mais
capaz de proporcionar oportunidades de aprendizagem.

A educação não-escolar apresenta forte crítica às práticas e políticas públicas de


educação, e tem funcionado, além do mais, como uma espécie de laboratório de novas
práticas pedagógicas, respondendo assim à necessidade de construção de novos
paradigmas educativos (Pinto, 2007), nos quais emergem novos protagonistas, no
desenvolvimento dessas novas competências, inscritas num determinado modelo de
desenvolvimento humano e social.

Neste sentido, a crescente visibilidade social do campo da educação não-formal não é


separável da emergência de novos espaços, tais como os museus de arte, como
protagonistas na educação contemporânea.

A questão da educação não-formal (ENF) tem atravessado vários departamentos e


agências das Nações Unidas ao longo do último meio século e tal como se tem vindo a
observar, alguns autores atribuem, às agências internacionais para o desenvolvimento, e
em particular à UNESCO, o lugar de espoletar da ENF, enquanto conceito e enquanto
resposta à crise mundial da educação. Contudo, outros tendem a afirmar que, a partir
dos anos 1980, a UNESCO tende a “assumir a liderança no ataque a ENF” evitando o
uso do termo “não-formal” de forma sistemática (Torres, 1992).
133

Em 1968, Coombs, primeiro diretor Instituto Internacional de Planeamento


Educacional, criado na década de 1960 pela UNESCO, em Paris, publicou "A crise
mundial da educação". Na sequência desta publicação realizou-se uma conferência
(1967), na qual o conceito de crise mundial da educação se popularizou como
denominador comum de um conjunto de fenómenos anteriormente dispersos. Do
mesmo modo, a educação não-formal que emerge na década de 1970, para se referir a
programas de nível local para a educação de adultos nos chamados países de Terceiro
Mundo, é apresentada como uma possível resposta a esta “crise” (LaBelle, 1982).

Carl Rogers (2004) afirma, por sua vez, que, provavelmente, nenhuma outra ideologia
educativa esteve sujeita a um debate tão intenso e por tempo tão continuado, como a
ENF28. Coombs & Ahmed (1974) definem educação não-formal como qualquer
atividade educacional sistemática, organizada, exercida fora do âmbito do sistema
formal para subgrupos particulares da população, tanto adultos como crianças (ver
Magalhães, Fonseca & Oliveira, 1991; Fonseca, 2001, 2009).

Ao analisar-se os documentos-chave sobre a perspetiva global nesta matéria, a


Declaração de Jomtien é incontornável, apesar de recair fora do arco temporal que
definimos para as políticas sob análise (primeira década do séc. XXI). Nesta declaração
estão presentes referências diretas e indiretas à importância e ao papel da educação não-
formal. Entre outras referências, este documento destaca o reconhecimento de que as
necessidades de aprendizagem de jovens e adultos não se esgota nos sistemas
educativos formais, sendo portanto, necessário o desenvolvimento de programas que
cubram múltiplas áreas, como saúde, nutrição, demografia, técnicas agrícolas, ambiente,
ciência, tecnologia, vida familiar e outras questões sociais.

Já a partir de 2000, o Dakar Framework of Action (2000), apesar de não fazer


referências explícitas à educação não-formal, pode ser concebido como um documento
central, na medida em que define a educação como um direito humano básico e, como
tal, coloca-a como prioridade para os estados-nação e para a comunidade internacional.
Este enquadramento para a ação salienta-se ainda a necessidade de implementação de
processos de conceção política, planeamento estratégico e a execução dos programas

28
Como Rogers (2004) procura explicar, após Declaração de Jomtien –
Declaração Mundial da Educação para Todos (1990) – alguns governos
tenderam a priorizar a educação formal de nível básico como o principal
veículo de uma educação universal, enquanto o não-formal foi
marginalizado, mal financiado e remetido para graus de ensino pré-
escolares.
134

que tenham uma abordagem abrangente e que se estendam para além dos limites dos
sistemas de ensino formal.

Desde o “International Appeal for the Promotion of Arts Education and Creativity at
School” (Apelo Internacional para a Promoção da Educação Artística e Criatividade na
Escola), aprovado pela Conferência geral da UNESCO em 1999, a organização tem
vindo a desenvolver um programa estruturado para a promoção da educação artística,
que se estende ao longo da primeira década do séc. XXI. Com o início do novo milénio
parece consolidar-se um interesse estratégico de inter-relação entre educação e cultura,
marcado pela produção de investigações, organização de reuniões de peritos regionais,
produção de documentos, como os “Road Maps”, redes como a LEA – Links to
Education and Art29, mas também de encontros como as Conferências Mundiais de
Educação Artística.

Em 2006, teve lugar em Lisboa a 1ª Conferencia Mundial Educação Artística


explicitando claramente novos usos da educação e da cultura na económica
informacional, nos termos de Castells (2002). Desta conferência, cujo lema foi Building
Creative Capacities for the 21st Century (Construindo Capacidades Criativas para o
Século XXI), nascem os “Road Maps”. Estes roteiros são orientações regionais, ou seja,
orientações para a ação de cada região do globo, no que toca ao desenvolvimento da
educação cultural e artística. Tal como já se teve oportunidade de referenciar, esta veio a
configurar-se um marco de referência no emaranhar de sentidos e usos entre educação,
cultura e economia.

No mesmo ano, preocupado com a participação cultural, o Instituto de Estatística da


UNESCO publica Guidelines for Measuring Cultural Participation (Orientações para
Medir a Participação Cultural), em resposta a um pedido dos Estados-Membros,
nomeadamente de Itália e França. No ano seguinte, em 2007, o programa de orçamento
para 2008-2009 da UNESCO define os museus como lugares para aceder ao
conhecimento, assumindo-os desde logo, como espaços de aprendizagem não-formal e
concebendo os departamentos educativos como motores desse processo. Ora, esta
definição é um ponto importante na argumentação sobre o lugar e alcance da presente
pesquisa globalizada e multissituada

29
LEA é uma iniciativa da UNESCO que almeja a criação de ligações
entre a comunidade internacional com vista ao estabelecimento de
contactos entre especialistas, de todo o mundo, na área da educação
artística e cultural.
135

A 2ª Conferência Mundial da UNESCO em Educação Artística, realizada em maio de


2010, em Seul, produziu, como principal resultado, a “Seul Agenda: Metas para o
desenvolvimento da educação artística, um plano global de ação para todas as partes
interessadas de ensino de artes”. Reforçando o sentido atribuído à educação cultural e
artística na primeira conferência, pode ler-se, logo no preâmbulo deste documento, que
a UNESCO considera:

“Arts education has an important role to play in the constructive transformation of educational systems
that are struggling to meet the needs of learners in a rapidly changing world characterized by
remarkable advances in technology on the one hand and intractable social and cultural injustices on
the other. Issues that concerned the International Advisory Committee included but were not limited to
peace, cultural diversity and intercultural understanding as well as the need for a creative and adaptive
workforce in the context of postindustrial economies” (Education, 2010, p. 2).

No seu sítio, da internet a UNESCO reafirma o pendor mais humanista do


desenvolvimento intelectual, emocional e psicológico dos/as indivíduos e das
sociedades, observando a instrumentalização da arte em favor da educação. Afirma que
as artes detêm um potencial para serem instrumentais, como veículos de conhecimento e
como metodologias de aprendizagem de diferentes disciplinas, muito para além de
meras ferramentas educacionais suplementares.

Salvaguardando potenciais posicionamentos mais críticos que poderiam observar a arte


pela arte, a organização promove duas abordagens para educação artística e
cultural: a aprendizagem através da arte/cultura, que promove o recurso a expressões
artísticas e culturais, contemporâneas e/ ou tradicionais, como ferramenta de
aprendizagem; a aprendizagem nas artes/cultura que sublinha o valor de perspetivas
culturais, multi/interculturais contribuindo para a compreensão da importância da
diversidade cultural e para o reforço dos padrões de coesão social. Contudo, conclui a
favor da importância desta perspetiva na aquisição de competências para a vida, tais
como a reflexão crítica e ou o pensamento inovador e criativo (UNESCO, 2010).

De igual modo, a Agenda da Aprendizagem ao Longo da Vida para Todos (OECD,


2001) configurada como produção de um contexto de influência, visando possibilitar
aos decisores políticos o acesso a exemplos para o desenvolvimento de sistemas
eficazes, benéficos e equitativos que reconheçam a aprendizagem não-formal e que
determinem as condições de reconhecimento da aprendizagem não-formais.
136

Também a OCDE, tal como a UE na estratégia lançada pelo Conselho da União


Europeia, em 2002 – Aprendizagem Ao Longo Da Vida – emprega a expressão
“aprendizagem não-formal” em vez de “educação não-formal”, transição conceptual e,
supostamente paradigmática, entre o enfoque sobre o ensino – “educação não-formal” –
e o enfoque sobre a aprendizagem – “aprendizagem não-formal”. O trânsito entre estes
conceitos pode confrontar o estudo de caso do Serviço Educativo da Tate Liverpool.
Inicialmente designado como departamento educativo viu alterado o seu nome em 2008
para departamento de aprendizagem. Evolução semelhante observa-se na designação
das colaboradoras do serviço educativo, cuja designação profissional foi alterada de
“curadoras educativas” para “curadoras de aprendizagem”.

Como se tem vindo a analisar, os organismos de governação Europeus, sob influência


do contexto que temos traçado nestas últimas linhas, parecem apostados em
compreender, reconhecer e promover o valor da educação não-formal. Definem a
aprendizagem não-formal como paralela aos sistemas educativos e de formação,
distinguindo-a destes, essencialmente, pelo facto de não atribuir certificação. Afirmam
igualmente que a aprendizagem não-formal pode ocorrer em múltiplos locus, não sendo
o lugar onde ocorre que a define, visto que esta pode ter lugar inclusive na escola
(Comissão Europeia, 2000).

Inúmeros documentos ilustram este esforço e este investimento, enquadrado no âmbito


da estratégia de aprendizagem ao longo da vida, expresso e explícitos num conjunto de
medidas legislativas e diretivas comunitárias. Desde 1999, o Conselho da Europa tem
vindo a afirmar:

“A assembleia reconhece que os sistemas de educação formal sozinhos não podem responder aos
desafios da sociedade moderna e como tal acolhe favoravelmente o seu reforço por práticas de
educação não-formal. (...) A Assembleia recomenda que os governos e autoridades competentes dos
Estados-Membros reconheçam a educação não-formal como no parceiro efetivo no processo ao longo
da vida e torná-lo acessível a todos” (Conselho da Europa, 1999 In Rogers, 2004: 1).

Neste sentido, as políticas públicas europeias evidenciam a emergência do não-formal e


produzem um discurso que imbrica a tríade educação-cultura-cidade. Numa síntese dos
inúmeros documentos como resoluções, conclusões, pactos, estudos e pacotes,
destacam-se os seguintes:
137

i. As conclusões do Conselho Europeu, de 23 e 24 de março de 2000, em Lisboa definem


novos objetivos estratégicos para reforçar o emprego, reforma económica e coesão
social, como parte integrante de uma economia baseada no conhecimento.

ii. O livro branco: um novo impulso à juventude europeia, de 21 de novembro de 2001,


considera o reconhecimento das aprendizagens não-formais e informais, salienta a
necessidade de clarificar a definição dos conceitos, das competências adquiridas e das
normas de qualidade a fim de um maior reconhecimento dos/as envolvidos/as, das
atividades e complementaridade com a aprendizagem formal.

iii. A resolução do Conselho, sobre a aprendizagem ao longo da vida, de 27 de junho de


2002, que convida os Estados-Membros a promover a cooperação através de medidas
eficazes para validar os resultados de aprendizagem, apresentando-as como cruciais
para a construção de pontes entre a aprendizagem formal, não-formal e informal e,
portanto, uma condição prévia para a criação de um espaço europeu de aprendizagem
ao longo da vida.

iv. As conclusões de 28 de maio de 2004 do Conselho e dos representantes dos governos


dos Estados-Membros, de acordo com a Declaração de Copenhaga, de 30 de novembro
de 2002, apontam para a adoção de um conjunto de princípios comuns europeus de
identificação e validação da aprendizagem não-formal e informal e para a produção e
divulgação de instrumentos europeus para o reconhecimento das mesmas.

v. No estudo publicado em 2004, Dispositivos de análise e iniciativas de interligação


entre cultura e educação, formação ou juventude em Estados-Membros, países
candidatos e países EEE, conclui-se que existe a necessidade de tornar o ensino mais
atrativo; a formação de mediadores/as e agentes culturais; a promoção de profissões
artísticas e culturais; e, por fim, a necessidade de apoiar a criação de redes de
profissionais ativos no cruzamento entre educação e cultura.

vi. Em 2004, na comemoração dos 50 anos da Convenção Cultural Europeia, foi levada a
cabo uma conferência, na qual, em comum acordo, se estabeleceu um quadro de política
cultural a nível europeu. Contudo, a investigação sobre as práticas culturais dos/as
europeus/eias demonstrou que o consumo de produtos culturais se tem vindo a
democratizar, o que não significa que as práticas mais cultivadas como a frequência de
museus, teatros ou sitio patrimoniais tenham sofrido o mesmo processo de
democratização (Kilibarda, 2004).

vii. As conclusões da Presidência do Conselho Europeu, de 23 de março de 2005, vão de


encontro ao Pacto Europeu para a Juventude, no qual é aprovado um pacote de
medidas e estratégias dedicado à juventude, a fim de integrar as recomendações da
138

Estratégia de Lisboa. Um dos objetivos é desenvolver uma cooperação mais estreita


entre os Estados-Membros em matéria de transparência e comparabilidade das
qualificações profissionais, bem como reconhecer a aprendizagem não-formal e
informa.

viii. Em 2007 a Comissão Europeia – Sociedade da Informação e Media – publicara um


documento intitulado Sociedade da Informação e Cultura: Ligando as Políticas
Europeias, no qual se sustenta o papel da cultura no desenvolvimento de uma cidadania
europeia ativa, respeitando a diversidade cultural e a promoção do diálogo intercultural
enquanto reforço do sentimento de identidade europeia. Destaca-se, ainda, a
contribuição da cultura para os objetivos económicos e sociais da Estratégia de Lisboa e
o papel da criatividade no reforço da capacidade competitiva da Europa.

O reconhecimento da aprendizagem não-formal e informal aparece como um meio para


a execução da agenda da "aprendizagem ao longo da vida", ao mesmo tempo que,
nestes dois níveis de elaboração política, a ENF aparece como um recurso retórico para
atender às necessidades da economia informacional (Castells, 2002). Observa-se um
alinhamento dos discursos políticos para uma crescente consciencialização da
importância e do valor da ENF.

3.3. S OC IOL OGI A DA E D U CA Ç Ã O N ÃO -E SC OL A R : D E LI MI T AÇ Ã O DO

C A MP O C ON CEP T U AL

“A Sociologia da educação não é parte da Sociologia, mas sim Sociologia como um todo voltada para
a delimitação, descrição e explicação dos fenómenos educativos, no sentido de reconstruir a lógica
social que lhe subjaz tanto na sua especificidade como nos aspetos comuns a outros fenómenos
sociais.” (Esteves & Stoer, 1992, p. 68).

A Sociologia da Educação em Portugal, assim como a Sociologia em geral


desenvolveram-se de forma significativa nos anos posteriores à revolução de abril, o
que não significa, tal como Esteves & Stoer (1992) demonstram, que antes de 1974 não
existissem registos de um olhar sociológico sobre educação. Contudo, a autonomização
da Sociologia da Educação faz-se pela incorporação de todo o saber sociológico no
trabalho de leitura do fenómeno educativo, como os mesmos autores desenvolvem:
139

“a posição que se defende que a Sociologia da educação não é “parte” (feita) de uma
“Sociologia” (por fazer) ou “parte” (por fazer) de uma “Sociologia” (feita) mas “ponto de
vista” (sociológico) sobre os fenómenos educativos (quaisquer que sejam as suas extensões)
quase refaz e amplia continuamente na “troca”, nem sempre igual, com as demais
sociologias” (Esteves & Stoer, 1992, p. 101)

Esse olhar sociológico sobre a educação centrou-se, de forma quase exclusiva, nos
fenómenos escolares. A centralidade da educação escolar durante mais de dois séculos
traduziu-se numa agenda de investigação voltada essencialmente para o estudo dos
processos educativos de âmbito escolar, em detrimento de outras modalidades de
educação. Mas a Sociologia da Educação parece estar cada vez mais atenta ao
desenvolvimento de outros contextos e processos de educação e aprendizagem centrais
na sociedade contemporânea, essencialmente num contexto de integração europeia e de
globalização, no qual as instituições culturais se têm destacado, como se mostra na
secção anterior.

Maria José Magalhães, Laura Fonseca & Olga Oliveira, em 1991, afirmam fazer já uma
tentativa de classificação dos processos educativos segundo Coombs (1968) na análise
da história de vida de uma operária da indústria corticeira.

Almerindo Janela Afonso, em 1992, avança com uma primeira proposta de análise
sociológica dos fenómenos não escolares, afirmando a necessidade da construção de
uma Sociologia da Educação Não-escolar que é, antes de mais, uma designação
estratégica no sentido em que tem como principal objetivo promover a necessária
visibilidade social e académica de novos objetos e temáticas de investigação no interior
da Sociologia da Educação. O autor, para além de afirmar que a Sociologia da
Educação Não-escolar é um novo objeto teórico que dá conta de novas formas de
educação em novos contextos, apela particularmente a que este olhar seja estruturado
pela procura da compreensão dos espaços não-escolares como “instâncias de reprodução
ou de mudança social”. Atente-se:

“Se como afirma Bourdieu (1974: 295), a Sociologia da educação (escolar) configura seu
objeto particular quando se constitui como ciência das relações entre produção cultural e
reprodução social, ou seja, no momento em que se esforça por estabelecer a contribuição
que o sistema de ensino oferece com vista à reprodução da estrutura das relações de força e
das relações simbólicas e das relações simbólicas entre classe, então, também é possível,
que por analogia, propor uma Sociologia da educação (não-escolar) que estude como se
caracterizam os contextos educativos informais, mas sobretudo, não-formais, enquanto
instâncias de reprodução ou mudança social” (Afonso, 1992, p. 86).
140

Desde logo, Almerindo Janela Afonso (1992) adverte para a tentação de perceber os
espaços não-formais de educação como libertos de mecanismos de reprodução social e
cultural. Pergunta-se, contudo, se tal permitirá a libertação de constrangimentos
curriculares e avaliativos, uma maior liberdade estrutural destes espaços e uma maior
possibilidade de desenvolvimento individual?

As investigações sobre educação não-formal cingem-se normalmente a contribuições


dispersas e fragmentadas e quase sempre adjacentes a outros conceitos ou temáticas no
âmbito da educação e da formação, como sejam educação de adultos, educação
permanente, aprendizagem ao longo da vida, formação profissional, educação popular
ou comunitária. Esta dispersão parece dever-se à sua definição por antítese face à
educação escolar e formal. Pode argumentar-se, como em outro contexto, que esta é
uma nomenclatura adequada na sua desadequação. Tal como a pós-modernidade é
analisada em relação à modernidade, a Sociologia da educação dos contextos educativos
para além da escola é uma Sociologia da Educação Não-escolar.

Consensualizou dizer-se que a educação não-formal surge como conceito e como


resposta educativa, para superar os problemas não resolvidos e suprir carências
educativas do sistema formal de ensino, sobretudo para boa parte dos autores,
geralmente referenciados acerca dos países em desenvolvimento (Coombs & Ahmed,
1974; LaBelle, 1982; Trilla-Bernet, 2003; Poizat, 2003).

Por conseguinte, a “visibilidade” dos processos educativos não formais ocorre e afirma-
se progressivamente, a partir da segunda metade do século XX e corresponde a um
fenómeno que nasce do interior de um campo emergente de práticas educativas
orientadas para públicos adultos, como é o caso da animação sociocultural. Assim, a
história da difusão de um campo de práticas educativas não-formais é indissociável da
afirmação do campo da formação de adultos, no período imediatamente posterior à
Segunda Guerra Mundial.

A partição do universo educativo, proposta por Coombs (1968) a educação formal, não
formal e informal, configurou-se na Conferência sobre a Crise Mundial da Educação,
em 1967 e prolonga-se até aos dias de hoje – não de forma exclusiva ou consensual,
mas ainda assim abundantemente referenciada no âmbito académico, político ou
especificamente educativo. Almerindo Janela Afonso (1992, p. 86) avança com a
seguinte definição desta tripartição:
141

“(...) por educação formal entende-se o tipo de educação organizada com uma determinada sequência
e proporcionada pelas escolas, enquanto que a designação educação informal abrange todas as
possibilidades educativas no decurso da vida do indivíduo, construindo um processo permanente e não
organizado. Por último, a educação não-formal embora obedeça também a uma estrutura e a uma
organização (distintas porém das escolares) e possa levar a uma certificação (mesmo que não seja essa
a sua finalidade), diverge ainda da educação formal no que respeita a não fixação de tempos e a
flexibilidade na adaptação dos conteúdos de aprendizagem a cada grupo concreto.”

Rui Canário, por sua vez, reflete sobre a imbricação destas três modalidades de
educação:

“Integram-se e articulam-se processos formais (cujo protótipo é o ensino escolar), processos não-
formais (marcados pela flexibilidade de horários, programas e locais, em regra de caráter voluntário,
sem preocupações de certificação e pensados “à medida” de públicos e situações singulares) e
processos informais (correspondentes a todas as situações potencialmente educativas, mesmo que
pouco ou nada organizada ou estruturadas). O reconhecimento e a valorização dos processos e
dinâmicas educativas não formais e informais” (Canário, 2005, p. 197).

Trilla-Bernet (2003) sugere que, no que diz respeito a esta distinção quatro critérios que
têm sido mais veiculados: i) intencionalidade, ii) caráter metódico e sistemático do
processo educativo; iii) metodológica e iv) estrutura. Segundo o primeiro critério
caberia no espectro da educação formal e não-formal todo o processo educativo
intencionalmente encetado, enquanto no segundo integrar-se-ia toda a forma educativa
que obedece a uma sistematicidade, o que deixa de fora a educação informal. Na base
de definição dos critérios iii) e iv) está uma assunção importante: a de que a instituição
escolar – ou melhor, a forma escolar – foi e continua a ser o referente central do que
atribuímos comummente à educação formal. O terceiro critério – o metodológico – tem
sido dos mais utilizados recentemente, atribuindo à educação não-formal todos os
processos educativos que, ainda que intencionais, com objetivos de aprendizagem ou
formação explícitos, diferenciados e específicos, se distanciam dos “procedimentos
convencionalmente escolares” (Trilla-Bernet, 2003, p. 27). A este critério está associada
a ideia de metodologias formais e não-formais. Já o quarto critério se reporta sobretudo
ao caráter institucional do sistema de ensino. Segundo este critério:

“o formal é o que tenha sido definido, em cada país e cada momento, pelas leis e outros acordos
administrativos; o não-formal, por sua vez, é o que é deixado de fora da estrutura organizacional do
sistema de ensino de graduação hierárquica resultante. Portanto, os conceitos de educação formal e
não-formal apresentaram uma relatividade política e histórica clara: o que antes era não-formal, em
142

seguida, pode se tornar formal, da mesma forma que algo pode ser formal num país e não-formal
noutro” (Trilla-Bernet, 2003, p. 29).

A construção de uma perspetiva larga dos processos educativos, superando a visão


estreita que tende a reduzi-los ao modelo escolar, encontra na obra de Abraham Pain,
publicada em 1990 e dedicada à educação informal, um importante suporte teórico. A
contribuição principal desta obra consiste em por em causa o principal critério de
definição das situações educativas relativamente ao princípio da intencionalidade. Pain
(1990) propõe uma inversão desta maneira de encarar o problema, qualificando uma
situação como educativa, não a partir da explicitação prévia das intenções, mas sim com
base nos seus efeitos educativos – mudanças duráveis de comportamentos e atitudes,
decorrentes da aquisição de conhecimentos e da capitalização de experiências
individuais e coletivas.

É nesta perspetiva que também Laura Fonseca (2009) argumenta que no interior da
escola se podem inscrever processos e contextos de educação na escola formal das
aulas, na escola não formal das atividades não curriculares e na escola física de espaços
informais como os recreios, por forma a dar conta de diversos percursos de cidadania
vividos pela juventude feminina na escola.

De um ponto de vista epistemológico, o reconhecimento da importância dos processos


educativos não-escolares está associado ao reconhecimento da experiência. O
paradigma interpretativo abarca uma pluralidade de enfoques e correntes que tem como
denominador comum uma postura antipositivita e o pressuposto de que qualquer ação é
fruto de uma interação. Inspira-se em princípios da filosofia hermenêutica, da
fenomenologia e da etnometodologia, procurando entender como os atores sociais
fazem a apreensão compartilhada do mundo social. A filosofia hermenêutica trouxe às
ciências sociais o reconhecimento do sentido e desde logo da experiência individual,
fazendo a Sociologia “descer” à escala do sujeito.

Por conseguinte, se tradicionalmente a Sociologia da educação se ocupou


separadamente dos processos de escolarização dos processos de socialização, já na obra
de Durkheim, a educação é definida como “uma socialização metódica da geração
jovem” (Durkheim, 1978, p. 41). Na ótica da obra de Durkheim, Lesne e Minvielle
(1988) distinguem socialização de educação, não as opondo. Na perspetiva teórica
desenvolvida por estes autores apresentam-se duas ideias essenciais: a primeira consiste
em encarar a socialização como um processo de natureza global, complexo, multiforme
143

e permanente que acompanha todo o ciclo vital e não é suscetível de ser reduzido a
situações de constrangimento externo; a segunda afirma que cada pessoa além de ser
objeto de socialização desempenha um papel de sujeito (agindo sobre si próprio) e de
agente de socialização (agindo sobre os outros). Esta é uma conceção larga, multiforme
e permanente de educação que se define não pela sua intencionalidade, mas pelos seus
efeitos. Para Rui Canário (2006) este reconhecimento assenta na revalorização
epistemológica da experiência, que remonta a uma tradição de abordagem
compreensiva dos fenómenos sociais – característica da Escola de Frankfurt e retomada
nos Estados Unidos pela Escola de Chicago – e que se traduz por uma forte valorização
da subjetividade humana30. O autor salienta ainda o contributo do construtivismo
psicológico, presente na obra de Piaget, assim como da “educação experiêncial”, cuja
participação mais significativa é dada por Dewey:

“Este conjunto de autores partilha, no plano científico, uma importante contribuição para, na análise e
compreensão dos processos educativos, conferir ao sujeito e à sua subjetividade um estatuto
epistemológico” (Canário, 2006, p. 162).

De um ponto de vista educativo, a Educação não-formal nasce de uma crítica ao modelo


escolar, que originou o movimento de educação permanente e, um pouco mais tarde, da
afirmação das “histórias de vida”, como metodologia. O movimento da educação

30
De uma ótica mais alargada, Giroux (1983) mostra como as
preocupações da Escola de Frankfurt se alargaram, para além do trabalho
e se estenderam à cultura, psicologia e educação. Analisa o conceito de
cultura, sob novas premissas, mostrando como o modelo racionalidade
instrumental se alargou às diferentes instituições, originando o que
chamamos de cultura de massas, que alia a função uniformizadora da
escola de massas, cinema de massas e meios de comunicação de massas.
Contudo, a cultura pode jogar um papel de impulsionadora de processos
emancipatórios, enquanto “protesto” contra relações petrificadas,
uniformização, ou redução ao entretenimento. A Escola de Frankfurt
afirma a necessidade de construção de uma estética de sensibilidade
radical, na qual esteja presente uma consciência crítica coletiva, enquanto
premissa essencial para emancipação humana.
Com estes contributos, o autor prespetiva uma possível direção para uma
teoria crítica da educação, na qual o conhecimento e a história devem
estar ao serviço da emancipação, podendo a escola assumir a função de os
contextualizar e afirmar como um produto que esconde, essencialmente, a
cultura das minorias e dos oprimidos. Por conseguinte, uma interpretação
crítica do conhecimento e da História deve possibilitar a mudança social,
pelas mãos daqueles que também são donos da sua História, aqueles que
não vêm nos manuais escolares. São exemplos, as mulheres, os/as
negros/as ou os/as trabalhadores/as. Por conseguinte, a teoria crítica deve
ser recriada na educação como uma ideologia que funciona como
experiência de vida e um instrumento teórico na reformulação de valores
e práticas sociais, para uma verdadeira pedagogia critica.
144

permanente, sob o apadrinhamento da UNESCO, afirmou, no início dos anos 1970, o


primado do sujeito e do “aprender a ser”, propondo uma concepção de aprendizagem
como algo de global e contínuo, que ocorre sem delimitações de tempo ou espaço. É
neste quadro que ganham visibilidade as distinções entre os diferentes níveis de
formalização possível das situações educativas. Esta posição foi retomada na viragem
do milénio no documento “Educação Um Tesouro a Descobrir – Relatório para a
UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI” (Delors & et
al, 1996).

// Em síntese

As mudanças sociais, políticas e económicas anteriormente desenvolvidas implicaram


uma erosão da centralidade da educação escolar nos trajetos educativos e
consequentemente da centralidade da escola na certificação de conhecimentos. Importa,
na construção da problemática teórica, não só equacionar as propostas em torno da
educação não-escolar, uma vez que tanto na escola como no museu podem ocorrer
simultaneamente as três modalidade de educação (formal, não-formal e informal) –
como também colocar o “sujeito que aprende” no centro do processo educativo, numa
tónica da educação na aprendizagem, em detrimento da do ensino.

4. O L UGAR E DUCATIVO NOS M USEUS DE A RTE


C ONTEMPOR ÂNEA : H ISTORICIZA ÇÃO E PROBLEMATIZAÇÕES

CONCETUAIS

Nas reflexões sobre o pós-modernismo do capitalismo tardio, sobressai a centralidade e


transversalidade da cultura – viragem cultural – sublinhando a relevância simbólica,
económica, política e mediática da cultura. Contudo, urge questionar como é que o
museu, enquanto bastião da cultura legitimada e objetivada se comporta numa relação
com a cultura pós-moderna. Institucionaliza a superficialidade anunciada por Jameson?
Ensina a gramática de Cindy Shearmn (Tate, 2012) e de outros/as artistas
contemporâneos? E a educação? Como lida a educação com novas exigências que não
se compadecem com rigidez, memorização e repetição? De que modos se revestem as
relações entre globalização, pós-modernidade, educação, cultura e arte contemporânea?
145

Neste ponto, analisa-se o conceito de museu enquanto espartilhado entre academia e


repositório, esgrimindo entre os dois o seu sentido educativo. Mobiliza-se, nesta análise
o trabalho original de Bourdieu & Bardel ([1969] 2007) essencialmente no que elucida a
interpretação da obra de arte e o consumo cultural, enquanto processos sociais. Esta
afirmação permite compreender o papel da educação na democracia da fruição artística.

Nesse sentido, fecha-se este ponto com uma análise e historiografia do que significa a
educação em museus, prestando-se espacial atenção à partilha do lugar do museu entre a
educação e a arte contemporânea.

4.1. M U SEU : U M T E R RI T ÓR I O C ON TE ST ADO

Discute-se, nas próximas linhas, o papel educativo do museu, ou melhor, o museu como
instituição educativa na pós-modernidade. Afirma-se a impossibilidade de este ser
equacionado sem levar a cabo uma arqueologia do que significa o conceito de museu,
tanto na sua dimensão linguística, como e sobretudo na dimensão histórico-sociológica.

Neste sentido, afirma-se que o museu, nos contornos que hoje se lhe conhece, teve
origem em alguns museus europeus, nomeadamente nos Museus de Berlim, do Louvre
em Paris e na Galeria Nacional Britânica em Londres.

Para a definição de museu foram importantes os contributos da Museologia,


essencialmente, nos seus posicionamentos mais críticos, protagonizados por autores/as
como Hooper-Greenhill ou Padró, ou ainda, Douglas Crimp e Andreas Huyssen.

A Museologia é um campo de estudos e de trabalho bastante vasto em que se inclui a


análise dos processos educativos que ocorrem dentro do museu. A partir dos anos 90
emergiu uma nova linha dentro da Museologia que define os museus como
comunidades de aprendizagem, ressalvando a centralidade das funções educativas do
mesmo (Hooper-Greenhill, 1991; Pastor, [2004] 2007; Hein, 2005; Semedo, 2005;
Padró, 2009, 2005; Marques, 2011). Desde logo, o museu é apresentado como um
espaço aberto e democrático, onde as exposições combinadas com oficinas, palestras,
debates, procuram promover e responder a uma cidadania crítica e reclamada. São
efetivamente assumidos como locus de aprendizagem e, como tal, devem ser entendidos
146

como instâncias educativas ou, como comunidades de aprendizagem tal como são
concebidos por autores da Museologia Crítica.

Nos anos 1990, começa a afirmar-se um recentrar das funções educativas do museu,
local em que até então prevaleciam funções de conservação e de investigação. Este
posicionamento valeu aos museus duras críticas, chegando mesmo a ser apelidados de
mausoléus ou de cemitérios da arte, como demonstra Maria del Carme Valdés (1999).

A criação do Museu do Louvre, em 1793, é considerada pela Museologia, como o passo


mais significativo na abertura dos museus à sociedade. Promovido por uma elite
iluminada do século XVIII, este facto é considerado como a primeira grande mudança
paradigmática que origina o museu moderno. Também no seguimento das orientações
do British Museum Act, aprovado em 1753 pelo parlamento britânico, passou a
considerar-se que os artefactos deveriam ser tornados públicos, como representação dos
feitos alcançados pela humanidade (Charman, Rose, & Wilson, 2006), tendo ainda esta
proposta subjacente uma intencionalidade moralizadora vitoriana. Neste seguimento, a
Galeria Nacional Britânica, fundada em 1824, após a aquisição pelo Estado, de uma
coleção privada. Tornada pública e gratuita, a coleção foi aberta ao público com o
propósito de a tornar acessível à maioria da população. Raquel Henriques da Silva
(2008) afirma que o colecionismo, pelo menos na Europa, foi um pré-requisito para a
construção do museu, na medida em que a coleção de objetos artísticos advém da ideia
iluminista do valor e interesse geral destes objetos. Vários museus Europeus tiveram
como base fundadora a intenção de facilitar o acesso generalizado a coleções privadas.
Contudo, o conceito de museu de arte, ao longo do séc. XIX, foi sendo desenvolvido em
espaços de distinção, como o palácio do Louvre, transformado num museu. Por
conseguinte,

"O museu, que emergiu na sua forma moderna por alturas da Revolução Francesa, no até então
Palácio do Louvre, tornou-se o cenário institucional privilegiado da velha "querela dos antigos e dos
modernos" de há três séculos. Permaneceu no olho da tempestade do progresso, servindo de
catalisador à articulação da tradição e nação, herança e cânone, e forneceu um modelo para a
construção da legitimidade cultural no sentido tanto nacional como universal" (Huyssen, 1995, p. 162)

Para este mesmo autor, o museu ajudou a fundar identidades, pela delimitação assente
em exclusões, marginalização e codificação – o que está dentro e o que fica de fora; o
que é válido e o que não; e o que é arte e o que não é.
147

Por sua vez, Douglas Crimp ([1995] 2000), autor de “On the Museum's Ruins”,
considera que a arqueologia da história do museu de Karl Friedrich Schinkel contribui
de forma significativa para compreender o que é museu na contemporaneidade,
sobretudo, a oposição entre o museu como lugar educativo ou como lugar de pura
fruição estética. Para este autor, o Museu de Berlim é o expoente máximo do clássico
conceito de museu, do séc. XIX:

"O museu clássico é construído da seguinte maneira: quatro paredes, luz vinda de cima, duas portas,
uma para os que entram outra para os que saem. Todos estes museus novos são regra geral edifícios
belos, notáveis, mas, como toda a arte, hostis a "outros" tipos de arte". Não dão uma oportunidade a
quadros simples e inocentes, a esculturas simples e inocentes… A arquitetura deve possuir a grandeza
de se apresentar de forma a que a arte seja possível no seu interior, a que a arte não seja repelida pelas
pretensões a obra de até do próprio museu e sem que – pior ainda – a arte seja explorada pela
arquitetura como "decoração" (Lupertz, 1985 in Crimp, 2009, p. 153).

A inscrição da palavra museu, em latim, na fachada do Museu de Berlim provocou,


segundo o mesmo autor, acérrima discussão nos meios académicos e políticos. Em
alternativa propunha-se monumento ou repositório, na medida em que museu remetia
para o museu original de Ptolomeu de Alexandria, que era um local de estudo – uma
academia. Esta era um espaço de residência de eruditos, com uma biblioteca repleta de
artefactos ao serviço da educação. O que não era, de todo, o caso do Museu de Berlim.

O projeto arquitetado por Schinkel propunha um museu neoclássico, construído de raiz


e integrado num plano mais amplo de reconstrução de uma parte da cidade. Crimp
(2009, p. 156) escreve: "Para Schinkel o importante não era aquilo a que chamava o
propósito "puro" do museu – o alojamento de obras de arte – nem o que deveria ser
privilegiado, se a arte, se a arquitetura", mas sim o projeto como um todo. Um todo, que
tinha as suas partes ao serviço, nomeadamente um museu ao serviço de uma ideia de
cidade e de cultura. Neste sentido, para Douglas Crimp ([1995] 2000) o museu moderno
nasceu duma tensão entre a origem etimologica de museu – academia – e a pretensão de
o tornar num repositório de obras, num santuário de arte em que se privilegia a fruição
pura e transcendental. É assim que Crimp observa o projeto de Schinkel:

"Primeiro o prazer, depois a instrução. Esse santuário de Schinkel lhe chamava, conteria as obras
estimáveis da escultura clássica monumental, escolhidas independentemente da sequência histórica
montadas em pedestais altos por entre grandes colunas, banhadas por uma luz difusa vinda de cima.
Num estado de espírito assim sugestionado, os observadores estariam prontos para a sua marcha pela
história da busca humana do Espírito Absoluto” (Crimp, [1995] 2000, p. 156).
148

O museu moderno descrito por Douglas Crimp, aproxima-se mais de um espaço de


culto, uma catedral, do que de um espaço educativo. É um lugar construído para criar a
distância devida entre espectadores (humanos e impuros) e a arte (acima da realidade).

"Se a ideologia carismática que transforma o encontro com a obra na ocasião de uma descida de graça
(carisma) proporciona aos privilegiados a mais "indiscutível" justificação de seu privilegio cultural,
fazendo esquecer que a perceção da obra é necessariamente erudita – por conseguinte, aprendida – os
visitantes oriundos das classes populares estão bem posicionados para saber que o amor pela arte
nasce de um convívio bem prolongado e não de um golpe repentino" (Bourdieu & Bardel, [1969]
2007: 90).

Também o museu moderno, analisado por Bourdieu & Bardel no final dos anos 1960, é
o museu que parece incorporar a fragmentação, descontextualização e sacralização da
cultural, fazendo deste um espaço social restrito, usufruído por uma minoria dominante.
Contudo, pergunta-se, será o museu, no sentido de Althusser ([1970] 1980)31, um
aparelho ideológico do estado, cujos sentidos se limitam a satisfazer as necessidades de
legitimação e distinção da classe dominante? Será o museu, assim como a escola, um
poderoso instrumento de controlo social?

O museu enquanto edifício imponente, no qual se depositam os tesouros do passado e


do presente, teve e continua a ter, funções de legitimação à semelhança de outras
instituições que delimitam a oposição entre o sagrado e o profano, a catedral e a rua,
arte e o quotidiano. Neste museu espera-se silêncio, omnipresença do branco, ascetismo
puritano, solenidade e decoro e, importante também, a recusa de apoios à interpretação.
Esta recusa de apoios à interpretação realça a diferença entre aqueles que acedem à obra
e os que não o fazem sem recurso a esses apoios. Portanto, para Bourdieu & Bardel
([1969] 2007) é a obra de arte que permite a distinção entre àqueles que a ela acedem,
confinando os restantes à normalidade.

“O museu fornece a todos, como se tratasse de uma herança pública, os monumentos de um esplendor
passado, instrumentos de glorificação sumptuária dos grandes de outrora; liberdade fictícia, já que a
entrada franca é também entrada facultativa, reservada àqueles que, dotados da faculdade de se

31
Althusser ([1970] 1980) afirma que a dominação dos aparelhos
ideológicos de Estado (AIE) permite à elite burguesa reproduzir sua
lógica de dominação. Nesta lógica, o autor afirma que a escola, sem
excluir a igreja, a família, sindicatos, o direito e outros, tende a reproduzir
a estrutura de produção capitalista, através dos curricula, linguagem,
metodologias, etc.
149

apropriarem das obras, têm o privilegio de usar dessa liberdade, e que, por conseguinte, se encontram
legitimados em seu privilegio, ou seja, para falar como Max Weber, no monopólio da manipulação
dos bens de cultura e dos signos institucionais da salvação cultural” (Bourdieu & Bardel, [1969] 2007:
169).

Esta perceção de prática cultural desvanece-se facilmente quando a obra deixa de ser
instância de legitimação, ou partilha esse estatuto com uma multiplicidade de
mecanismos contemporâneos ou mesmo quando a ela acedem a maioria.

Desde as vanguardas modernistas dos manifestos que o museu é uma instituição


contestada, sentenciada como incapaz de acompanhar os ritmos da contemporaneidade;
mausoléus de uma arte morta e de descontinuidades entre os ritmos de produção e a
plasticidade dos seus espaços expositivos. Isto mesmo é já observado como asfixiante
pelos autores modernos, como Picasso ou Marinetti. O museu era um bode expiatório,
corporizando as aspirações monumentais e hegemónicas da burguesia (Charman, Rose,
& Wilson, 2006; Huysse, 1995).

Numa relação próxima, o museu de arte assumiu uma maior visibilidade social no
século XX. Esta visibilidade deve-se aos projetos arquitetónicos monumentais,
acompanhados pelas exposições mediáticas, apoiadas em campanhas publicitárias,
como se um produto de consumo se tratasse. Baudrillard ([1981] 1991) lembra o
fascínio pelo espetacular na sociedade atual, enquadrando desta forma, as tendências de
massificação da arte contemporânea.

Como tantas outras instituições da modernidade, o museu evoluiu de forma radical, a


partir da segunda metade do século XX. O desenvolvimento do conceito de museu no
século XX foi, de alguma forma, liderado pelos Estados Unidos da América, por
consequência das duas guerras mundiais que aniquilaram a Europa. Neste sentido, uma
das instituições que se destaca é o MoMA – Museum of Modern Art. O Museu de Arte
Moderna de Nova Iorque abriu em 1929, sendo o primeiro museu público dedicado, em
exclusivo, à coleção e exposição de arte moderna. Por conseguinte, era o primeiro
museu dedicado à arte do presente. O seu primeiro diretor H. Barr considerou-o como
um laboratório, no qual, o público é convidado a participar. Como lembra Huyssen, o
MoMA foi fundado antes mesmo da extinção do modernismo. Como tal, o autor
observa a fundação do MoMA como um sintoma da musealização do presente, o que,
segundo o mesmo autor, só poderia ter acontecido no "Novo Mundo", em que o
150

presente ou o novo se tornam passado e velho de forma mais apressada do que na


Europa.

O boom museológico na Europa, por sua vez, acontece nos anos 1960, no período de
reconstrução do pós-guerra. Esta ressurreição do museu na segunda metade do século
XX é indissociável dos novos usos da cultura, nomeadamente na revitalização das
cidades industriais, tornadas obsoletas pelo capitalismo tardio e por novos modos de
vivenciar o lazer, no qual a cultura tende a ser protagonista, essencialmente para uma
pequena burguesia urbana e em rota de ascensão social.

Aparentemente, na transição para a pós-modernidade, o museu passou de bode


expiatório a filho predileto da família das instituições culturais. A este fenómeno parece
estar associada a combinação entre a arquitetura do star system, a construção
desenfreada de novos museus e o lugar ocupado pela cultura nos "novos" estilos de
vida.

Por sua vez, Huyssen (1995), levanta um outro argumento, o de que o museu é o
contraponto da aceleração da modernidade, paradigma-chave das atividades culturais
contemporâneas. Para este autor, o museu é um efeito imediato da modernização,
assente no receio de perder o passado. O museu reúne, preserva e procura eternizar,
sendo vítima da modernização, enviesado pela construção de um passado informado
pelos discursos de um presente. As coleções dos museus estiveram na origem da
formação do museu moderno. São disso exemplo último o projeto dedicado à
preservação do passado (en)informada à luz das teorias e narrativas presentes.

Deste modo, as coleções são estruturadoras de identidade, muitas vezes nacional, na sua
baliza do que se inclui e do que se exclui; do que mostra e do que não convida a entrar,
configurando identidades e, por conseguinte, públicos mais ou menos representados.
Como defende Huyssen (1995), e muito bem, apesar desta pretensa ordem simbólica,
acrescentar-se-ia a ordem estética. O museu não controla o "excedente de significado" o
que abre espaços de reflexão e de interpretação contra-hegemónicas. Para Huyssen o
museu cumpre uma necessidade antropológica vital para os modernos, que passa por
negociar o passado a uma velocidade cada vez mais vertiginosa, concluindo que o
museu é:

"sede de preservação elitista, bastião de tradição e alta cultura, deu lugar ao museu como meio de
comunicação de massas, um local de encenação espetacular e exuberância operática, [sendo nesse
151

sentido] um local e um banco de ensaios para reflexões sobre temporalidade e subjetividade,


identidade e alteridade " (Huyssen, 1995, p. 162-163).

A modernidade existe nesta tensão entre a necessidade de esquecer e a vontade de


recordar e, por isso, Huyssen (1995) argumenta que o "vanguardismo é impensável sem
o seu medo patológico do museu". Dá como exemplo o facto de os surrealistas
recorrerem a objetos obsoletos e relembra que tanto este "ismo" – surrealismo,
dadaísmo, construtivismo, futurismo, etc. – como todos os outros das vanguardas
modernistas acabaram por ser museoficados. Nesta suporta batalha cultural,
aparentemente o museu sai vitorioso pela incorporação dos "ismos".

Em que sentido, a incorporação no museu de movimentos museofóbicos poderá ter


contribuído para a configuração do atual museu de arte contemporânea, derrubando as
paredes, ou tornando-as mais permeáveis?

O inverso também é passível ser questionado:

"O destino da vanguarda está associado de outro modo paradoxal à recente transformação do museu.
O declínio do vanguardismo como ethos dominante das práticas artísticas a partir dos anos 1970
também contribuiu para a crescente (embora, claro, não invasiva) diluição das fronteiras entre museu e
projeto expositivo que parece caracterizar a atual paisagem museológica" (Huyssen, 1995, p. 166).

As exposições temporárias são cada vez um quotidiano no museu. No caso em estudo, o


Museu de Arte Contemporânea de Serralves, só dez anos após a sua inauguração é que
expôs a sua coleção, sendo que até então ocupou as suas galerias e publicou catálogos
com exposições temporárias organizadas por si, ou abrigou exposições itinerantes.

Se, tradicionalmente, os museus eram vistos sobretudo como locais de preservação do


património cultural e da memória (Ferreira-Alves, 2005), que podiam ser contemplados
por uma certa elite, já sensibilizada para a sua fruição, Anderas Huyssen (1995) advoga
mesmo que na pós-modernidade, o museu não só foi restituído à sua posição de
autoridade cultural tradicional, como parece estar a ultrapassar a "dialética tradicional
museu/modernidade". Essencialmente, as exposições são cada vez mais geridas como
grandes espetáculos, com benefícios calculados para patrocinadores, organizadores e
orçamentos municipais – o poder de atração, de turismo cultural, de uma cidade é cada
vez mais dependente das exposições sonantes dos seus espaços museológicos.

Este entrecruzar entre cultura, economia e política de cidade não só já não é uma
dissimulação escondida, mas é tornada agora bandeira pelos seus intervenientes. Dizer
isto não significa que esta museofobia se tenha esvaído na mercantilização, mais
152

recente, da arte contemporânea, antes, esta coexiste nos círculos intelectuais, apesar de
mais direcionadas a espaços expositivos individuais e não tanto à instituição museu;
nomeadamente pelas múltiplas transformações sofridas pelos museus nas últimas
décadas, passando de bastião da arte e da cultura a pilar das indústrias criativas.

Apesar de tudo, a diluição das fronteiras entre a arte e a vida, a cultura erudita e outras
expressões anunciadas pelas vanguardas modernistas, parecem ter ajudado a diluir as
paredes do museu. A noção de pós-museu está ainda por definir, contudo, tal como
outros termos “pós” que se tem vindo a mobilizar é adequado na sua inadequação
(Santos B. S., 1994).

Compreendendo as mudanças nas noções de conhecimento e de receção das obras,


Hooper-Greenhill (2000) propõe uma transição entre a conceção do museu moderno,
baseado na transmissão de conhecimento, para a noção de pós-museu baseado numa
abordagem cultural dos objetos. Em Museums and the Interpretation of Visual Culture,
através de exemplos tirados recolhidos através da análise de galerias de arte e coleções
etnográficas, Hooper-Greenhill (2000) mostra como o museu "modernista", baseado
num modelo de transmissão de conhecimento é inadequado, do ponto de vista da cultura
visual e da aprendizagem. Pelo que, em vez de perpetuar relações de poder injustas,
argumenta a autora, que os museus devem ser lugares, onde os visitantes podem
perspetivar e talvez rever os seus próprios pressupostos culturais. A autora questiona o
papel educativo da cultura visual, enquanto conceito que recusa a distinção entre cultura
erudita e de massas, reiterando a sua relação com a aprendizagem:

“Visual culture as a field of study raises theoretical questions about the social practices of looking and
seeing, which are related to processes of learning and knowing” (Hooper-Greenhill E. , 2000, p. 14).

Hooper-Greenhill observa que o pós-museu terá um foco maior sobre as coleções


existentes ao invés de acumulação contínua, uma preocupação igual com os aspetos
intangíveis do património, assim como uma feminização da própria organização. Na
perspetiva da autora, o pós-museu irá negociar as capacidades de resposta, encorajar
parcerias e celebrar a diversidade. No pós-museu, sugere, que os profissionais de
museus prestem mais atenção aos públicos. Afirma, de igual modo, que o palco deste
museu não serão as grandes cidades europeias como no passado:

"muito do desenvolvimento intelectual do pós-museu terá lugar fora dos grandes centros europeus, que
presenciou o nascimento do museu modernista" (Hooper-Greenhill E. , 2000, p. 153).
153

Contudo, não deixa de ser pela função de patrimonialização que os museus permanecem
as instituições culturais que definem as fronteiras do valor cultural: entre o que é arte e o
que não é. Ou seja, continuam a ser instâncias privilegiadas de legitimação cultural,
considerando, embora, as referidas mutações.

Na verdade, a definição de museu evoluiu, em linha com a evolução da sociedade.


Desde a sua criação em 1946, The International Council of Museum (ICOM) atualiza
essa definição, de acordo com as realidades da comunidade museológica global. De
acordo com os seus Estatutos, adotados durante a 21ª Conferência Geral, realizada em
Viena, em 2007, o ICOM define museu como:

“uma instituição sem fins lucrativos, permanente ao serviço da sociedade e seu desenvolvimento,
aberta ao público, que adquire, conserva, pesquisa, comunica e exibe o património tangível e
intangível da humanidade e do seu meio ambiente para fins de educação, estudo e diversão” (The
International Council of Museum, 2007, p. s/p)

Os serviços educativos são, neste sentido, uma formalização organizacional da função


educativa dos museus. Função, que se faz cumprir através da comunicação daquilo que
é exposto no museu. Nesse sentido, essa função que se cumpre através da comunicação,
aproxima-se, não só da receção da obra de arte próxima da teoria da comunicação, como
também se estrutura como “subsídio pedagógico” (Bourdieu & Darbel ([1969] 2007).

4.2. O A M OR P EL A A RT E : Q U A N D O A FRUIÇÃO É A P R EN D I DA E O

A M OR É E N SI N AD O

Neste subponto analisa-se, com particular atenção, os contributos da obra de Bourdieu


& Darbel ([1969] 2007) L’Amour de L’Art, tida como seminal para a Sociologia da
Cultura, na análise dos públicos do museu moderno. Procura-se, neste sentido,
descortinar os processos aos sociais que permitem afirmar que a fruição é aprendida e o
amor é ensinado.

Os contributos de Bourdieu & Darbel ([1969] 2007) integrados no estudo L’Amour de


L’Art são centrais, para esta discussão em torno do lugar educativo da cultura e da arte
contemporânea, como território aberto, produtivo e criativo, especificamente sobre os
processos e mecanismos, para aceder à interpretação da mesma.
154

"A aquisição dos instrumentos que tornam possível a familiaridade com as obras de arte não pode
operar senão por uma lenta familiarização" (Bourdieu & Bardel, [1969] 2007: 105).

Na verdade, estes autores sabiamente argumentaram que o gosto é construído na lenta


familiarização com as obras de arte e como o acesso aos seus instrumentos. O gosto
pode ser descrito, medido, explicado, na exata medida em que é uma qualidade
adquirida na vida em sociedade. Os "eleitos" tendem a considerar-se inclinados para o
“belo” por um dom de natureza, uma capacidade inata, e não como resultado de
aprendizagem, formal, não-formal ou informal. Por conseguinte, é esta convicção que
incute a certeza de que se distinguem dos demais.

Desvendadas as condições sociais de acesso às práticas cultivadas e demonstrado que a


cultura não é um privilégio natural, afirma-se, optimistamente, que esta poderá ser
acessível a todos, através da educação. Neste contexto, as instâncias de
socialização/educação como o museu e a escola ganham, uma das ideias veiculadas e
uma renovada função, como tem veiculado tanto a Sociologia da cultura, como a
Sociologia da educação.

Bourdieu & Darbel ([1969] 2007) recentram, desta forma, a discussão na educação
escolar, relembrando que esta encerra em si a desigualdade, na medida em que a ela
acedem os indivíduos já "iniciados", ou não, pela educação familiar. Sem deixarem de
questionar as operações de difusão cultural da escola, os autores afirmam que, no final
dos anos 1960, a educação cultural parecia abandonada à iniciativa dos professores,
circunscrita à educação artística, às visitas guiadas a museus e à história da arte.

“ao omitir de fornecer a todos o que alguns recebem da família, o sistema escolar perpetua e sanciona
as desigualdades iniciais […] ocupar apenas de discentes iguais em direitos e em deveres, se limita [a
escola] na maior parte das vezes a reduplicar e sancionar as desigualdades iniciais diante da cultura"
(Bourdieu & Bardel, [1969] 2007, p. 108).

Ora, tal não significa que Bourdieu & Bardel ([1969] 2007) desvalorizem a ação da
educação escolar. Pelo contrário, afirmam que o “bom gosto” dos sujeitos mais cultos se
deve à ação “homogénea e homogeneizante, rotinizada e rotinizante” da escola.

Neste sentido, a escola tende a inculcar, em diferentes graus, uma disposição definida
pelo reconhecimento do valor das obras de arte e, por conseguinte, uma aptidão mais
duradoura de se apropriar dos múltiplos códigos das linguagens artísticas.

De igual modo, a frequência de visitas a museus aumenta na proporção do aumento do


nível de instrução, o que demonstra que a necessidade de prática cultural, como a visita
155

ao museu, pode ser também um produto da educação escolar. O que não significa que o
museu não tenha também um papel fundamental na educação cultural.

No mesmo estudo estes autores concluem que a visita, por si só, não é condição para
motivar uma segunda visita. A grande maioria dos entrevistados do seu estudo gostaria
de ver disponibilizados mecanismos de auxílio à interpretação (guias, textos de parede,
etc) como formas de se orientarem dentro do museu e, acima de tudo, como forma de
minimizar o sentimento de inacessibilidade da obra e de dignificar o espectador.

Desta forma, os autores constataram que a recetividade aos mecanismos de auxílio à


interpretação aumenta, à medida que se desce na escala social. Isto verifica-se mesmo
na classe alta, em que existe uma repulsa pelas “formas escolares”, ou pelos “subsídios
pedagógicos”.

Será, pois, pertinente questionar: partilham os museus desta ideologia do dom natural,
indissociável da recusa de qualquer mecanismo de auxílio à interpretação?

Na medida em que existe o receio de que as informações que acompanham as obras


perturbem a contemplação das mesmas, isto é uma forma de ignorar que só alguns as
contemplam, sem recurso a auxiliares, pela familiaridade proporcionada por
aprendizagens impercetíveis adquiridas em visitas assíduas e contínuas adquirindo
assim, os códigos múltiplos de interpretação. Por conseguinte, a questão que os
“subsídios pedagógicos” distorcem a interpretação, ou que não deixam margem para a
interpretação individual é uma falsa questão. Nessa medida, o programa curatorial é já
um ponto de vista construído e defendido pelo curador. As obras não são apresentadas
num vácuo interpretativo. Brian O'Doherty ([1976] 1999) afirma que o simples facto de
as obras de arte serem expostas num lugar consagrado é suficiente, por si só, para
modificar o significado do objeto. Desde logo, o modo como os quadros são colocados
na parede fornecem pistas sobre a informação que se pretende transmitir. É isto que
O'Doherty ([1976] 1999, p. 147) argumenta:

“Colocar é meditar sobre questões de interpretação e valor e é um ato inconscientemente influenciado


pela moda. Pistas subliminares indicam ao público que o seu comportamento deve ser possível
relacionar a história interna dos quadros com a história externa da sua colocação."

Por conseguinte, privar o/a visitante de informação contextual sobre as obras ou sobre o
conceito subjacente à exposição impede a abertura de horizontes de expectativa (Jauss,
1978). O facto de se privar o/a visitante de informação é um obstáculo extra à
156

construção de significado, à sua própria interpretação individual, pelo que, à falta de um


primeiro suporte ou motivação de interpretação, acontece frequentemente a desistência,
ou mesmo a exclusão, dos públicos mais desmunidos. Neste sentido, parece ser
fundamental refletir sobre a questão da interpretação, em especial sobre a interpretação
da arte contemporânea.

// Interpretação e Arte Contemporânea

Na verdade, Bourdieu & Bardel ([1969] 2007) analisam a receção como um processo
que se relaciona com a teoria comunicacional, segundo a qual a informação emitida pelo
museu, dirigida a todos, só ganha sentido e valor para aqueles que a decifram. Ou seja,
para os autores, o público de um museu é definido na preparação de uma exposição, no
momento em que se decide o conteúdo e a forma dessa mensagem.

Assim, o nível da informação difundida pelos museus pode ser definido,


grosseiramente, como programa curatorial. Contudo, o conteúdo de um museu ou de
uma exposição nunca é homogéneo. Óbvia é a observação de que a mesma obra é
recebida de múltiplas formas, assim como cada perceção nova de uma obra é fruto de
perceções anteriores e âncora de ulteriores. Desde logo, aparece como evidente que, ao
modificar-se a oferta, modifica-se a estrutura do público recetor.

Uma mesma mensagem dirigida a um público diferenciado pode ser objeto de uma
receção qualitativa e quantitativamente diferentes. A sua legibilidade é mais forte se
corresponder às expectativas do recetor. Estas dependem do seu capital cultural, mas
também podem ser atualizadas pela influência exercida pelo grupo de referência, através
da recomendação de livros, filmes ou exposições. Neste caso, as diferentes instâncias de
legitimidade cultural e os sujeitos investidos de autoridade em matéria de cultura, “style
leaders" ou os "taste makers", desempenham um papel determinante.

Por conseguinte, interessa perceber como é que se processa a construção de sentido face
a uma obra de arte.

Para tal, a hermenêutica deu um contributo assinalável. A palavra interpretação na


hermenêutica, ou filosofia da interpretação de Gadamer e Hilthey é usada para
descrever o processo de atribuição de significado através da experiência. Este processo
surge como algo inacabado, uma vez que o significado de uma obra é construído (e
atribuído) num processo circular, o círculo hermenêutico, que permanece sempre em
aberto (Hilton-Morrow & Harrington, 2007). Nesta perspetiva hermenêutica observa-se
157

o encontro entre dois horizontes de sentido que resulta da atividade de interpretação


recíproca: do sujeito para a obra e de volta para o sujeito, que através desta reequaciona
a sua relação com o mundo, num exercício de dotação de sentido. Esta posição reaviva
uma das perspetivas românticas da arte: a de que esta desempenha um papel
fundamental na experiência estética dos sujeitos e na dotação de sentido do mundo,
como referência Maria Teresa Cruz (1992, p. 57):

“O sentido mais profundo da colocação do problema da experiência estética é assim, para a


Hermenêutica, o da recondução da arte à sua razão humana de ser, e por isso Gadamar fala da arte
como algo onde a humanidade se encontra com ela mesma”

Jauss (1978), por sua vez, procura explicar a estética da receção, enquanto apelo da obra
inacabada, como um jogo que tem que ser jogado, para que se institua o sentido e a
comunicação. Segundo este autor, cabe ao recetor fornecer respostas ou atualizar a
resposta inicial através da sua interpretação da obra de arte.

Através do conceito já referido de horizonte de expectativa, Jauss (1978) explica que a


receção é feita por comparação com obras anteriores, uma vez que o recetor cria uma
expectativa da presente obra, que pode ou não ser confirmada. Este conceito introduz
uma nova variável (a experiência de vida do recetor) e uma nova função (função social
da arte).

Aqui reside a ideia de que o alargamento do horizonte de expectativa do sujeito implica


um alargamento do horizonte de expectativa no quotidiano. Trata-se aqui de uma
possível função dos serviços educativos dos museus que, partindo de um exercício de
interpretação das obras de arte contemporâneas expostas podem, num sentido mais lato,
fomentar a capacidade de reflexão, sobre as questões levantadas pela obra. A afirmação
de que a arte transforma o sujeito é, no fundo, a afirmação de que ela é
fundamentalmente experiência e deve ser compreendida enquanto tal. Isto explica o
crescente interesse da hermenêutica na problemática da receção de uma obra de arte e
sua realidade concreta, podendo-se afirmar particularmente a função educativa dos
museus de arte contemporânea.

O carácter incompleto e aberto de uma obra de arte é um pressuposto fundamental das


teorias da receção. Umberto Eco (1976) foi o primeiro a fazer reconhecer que a obra de
arte é aberta e ambígua e que faz parte do projeto do artista a abertura à comunicação
com o recetor. A questão coloca-se, quando se afirma que o sentido se pode procurar na
interação entre a obra e o recetor, independentemente da procura de um sentido que o
158

autor tenha dado a essa obra. Ou seja, a estética da receção situa-se num paradigma
interacionista, no qual já não se trata de descodificar o sentido do texto, mas sim de
partir da obra para perceber os sentidos que os recetores, criativamente lhe vão
atribuindo. Isto significa, no limite, que a obra não existe, a obra acontece em cada
interação com o recetor. Por conseguinte, Eco (ibidem) afirma que é de interesse
analítico verificar em que grau a atitude do recetor permite alterar a natureza da obra e
os limites dentro dos quais uma obra é capaz de impor valores. Michel Foucault (1999)
de uma forma mais radical afirma que a escrita dita o desvanecimento e mesmo a morte
do autor, diluindo a aura e a genialidade do criador:

“The work, which once had the duty of providing immortality, now possesses the right to kill, to be its
author’s murderer, as in the cases of Flaubert, Proust, and Kafka” (Foucault, 1999, p. 206).

A mensagem plural permite a multi-interpretabilidade, i.é., a cada leitura um acréscimo


de informação. Contudo, nem a arte é indissociável das suas estruturas formativas, nem
o recetor altera completamente o sentido, nem cabe ao autor o estabelecimento da
verdade da obra.

Neste sentido, o paradigma da comunicação não é isento de críticas: seja pelo seu
extremo relativismo, denominado por “iconoclastia percetiva e envergonhada” (Idalina
Conde, 1992) no sentido em que “ [...] um texto é simplesmente um piquenique para o
qual o autor leva as palavras e os leitores o sentido” (Todorov in Eco, 1998: 30); seja
pela asfixia do sentido, uma vez que, segundo Susan Sontag (1966) a estética da receção
não consegue responder aos experimentalismos radicais da arte contemporânea, que
podem não deixar nada a compreender. Esta autora insurge-se contra a “praga da
interpretação”, que sufoca a superfície sensual da arte. A autora (ibidem) defende, pois,
que a arte se dirige, fundamentalmente, às sensações e que ela é sensualidade, em si
mesma. Desde logo, Maria Teresa Cruz faz a ponte entre o apelo à experiência feito
pela hermenêutica e a reivindicação estética feito por Sontag:

“Se é possível dizer “contra Gadamar” que nem sempre há assim tanto a compreender numa obra de
arte, também é possível dizer “contra Sontag”, que nem sempre há assim tanto a sentir.” (Cruz, 1992,
p. 58).

Teixeira Lopes (2001) evidencia também a necessidade de cruzamento entre três


intencionalidades: autor, o leitor e a obra. Nesta perspetiva, o autor procura potenciar a
interceção entre as múltiplas perceções de quem propõe (artista), de quem legitima
(mediação) e de quem receciona (públicos). Por conseguinte, os objetos culturais
159

aparecem sempre como uma obra aberta, instável e polémica, enquadrada na dinâmica
da interação social, como refere este autor

“Ao negligenciar-se, o que na vivência cultural, se processa ao nível dos usos e das apropriações
corre-se o risco da análise permanecer internas às obras, ou na superfície dos consumos culturais“
(Lopes, 2001: 113).

Desde logo, a teoria e a crítica da arte moderna confirmaram a pertinência de questionar


a receção e a necessidade de pensar a arte como experiência, recolocando o público no
centro do debate sobre a produção, circulação e receção da arte contemporânea. Como
Cruz (1992, p. 48) argumenta, “a vontade de provocação do espectador, a exigência de
que a poética nos libertasse, pela estranheza, do automatismo da perceção, o apelo à
participação do recetor na obra, tornaram-se quase chavões gastos da poética moderna”.

Colocar o problema da relação entre arte e experiência implica a compreensão de uma


forma de experiência peculiar. A noção de experiência estética tem vindo a ser
convocada pelas perspetivas estéticas e comunicacionais, de inspiração filosófica.
Contudo, está ainda por encontrar uma teoria que explique os diferentes modos de
entender a prática cultural nos diversos perfis sociais, reconhecendo que tudo isto difere
da possibilidade de acesso à experiência, dos tipos de experiência e dos recursos
passíveis de serem mobilizados. Diferentes experiências estéticas podem variar dentro
do mesmo perfil social, contrariando qualquer determinismo unilinear do gosto que una
condições materiais e projeções subjetivas.

// Dificuldade de interpretação da arte contemporânea

Aparentemente uma forma de facilitar a interpretação de uma obra é fornecer o código


segundo o qual esta foi codificada pelo autor e recodificada pelo curador, através de um
discurso cujo código seja dominado por ambas as partes deste processo comunicacional.
Ou ainda, como Bourdieu & Darbel ([1969] 2007, p. 141) propõem revelar
“continuamente o código da sua própria decifração, em conformidade com um modelo
de comunicação pedagógica perfeitamente racional". Por conseguinte, sendo a história
dos instrumentos de perceção complementar à história dos instrumentos de produção, a
obra é elaborada duas vezes: pelo artista e pelo espectador, acrescentando conhecimento
às matrizes culturais de ambos.
160

Logo, a legibilidade de uma obra depende da diferença entre o código exigido pela obra
e o código como instituição historicamente constituída (Bourdieu & Bardel, [1969]
2007).

Diferentes obras requerem códigos desigualmente complexos e, por conseguinte,


suscetíveis de serem adquiridos com maior ou menor facilidade pela aprendizagem,
institucionalizada ou não. As regras que definem a legibilidade da arte contemporânea
variam segundo a relação que os/as artistas alimentam, em determinada época e
sociedade, com o código da época precedente. Assim, nos períodos de consolidação de
um código existe um menor desfasamento do que em períodos de rutura, nos quais se
engendra uma nova gramática gerativa de novas formas. Logicamente, a transformação
dos instrumentos de produção artística precede a transformação dos instrumentos de
perceção. Esta é mais lenta, na medida em que se trata de desenraizar um tipo de
competência e substituí-la por outra.

Mas tal como Bourdieu & Bardel ([1969] 2007) advogam, a inércia própria do habitus
faz com que, em períodos de rutura, as obras produzidas segundo uma nova gramática
sejam, durante um determinando período, percebidas por meio de antigos códigos,
aqueles contra os quais foram produzidas. Por conseguinte, assiste-se a uma
descoincidência de códigos.

Estes autores afirmam, também, que as obras mais vanguardistas são inicialmente
recebidas apenas pelos especialistas, que, invariavelmente, ocupam posições
dominantes no campo artístico e na estrutura social. A confiança, que lhes é dada pelas
visitas assíduas a obras com linguagens estéticas díspares, permite-lhes procurar na obra
a chave da sua própria leitura, contribuindo assim para a construção de um novo código
de leitura.

Assim, a cultura, enquanto competência, é a cultura interiorizada e tornada disposição


permanente para decifrar objetos e comportamentos culturais.

Os autores que vimos seguindo defendem, por sua vez, que no caso das obras de cultura
erudita a aprendizagem do código tem que ser sistemática e depende das instâncias
vocacionadas para esse fim, tais como a família, a escola e o museu. Neste sentido,
depende diretamente do valor, intensidade e modalidade da comunicação pedagógica,
encarregada de transmitir o código das obras de cultura erudita.
161

Contudo, a comunicação pedagógica encerra em si mesma um código, seja este verbal,


gráfico, ou teatral e, por conseguinte, tanto a interpretação da obra de arte como os
processos de mediação dependem da cultura como "sistema de esquemas de perceção,
de apreciação, pensamento e de ação, historicamente constituído e socialmente
condicionado" (ibidem). Referem assim o lugar da experiência estética na transmissão e
difusão cultural:

"Considerando que a experiência direta das obras de cultura erudita e a aquisição institucionalmente
organizada da cultura que é a consolidação da experiência adequada dessas obras estão submetidas às
mesmas leis, compreende-se como é difícil quebrar o círculo que faz com que o capital cultural leve a
capital cultural; de facto, basta que a instituição escolar permita o funcionamento dos mecanismos
objetivos da difusão cultural e se exima de trabalhar, sistematicamente, para fornecer a todos na e pela
própria mensagem pedagógica, os instrumentos que condicionam a receção adequada da mensagem
escolar para que a Escola reduplique as desigualdades iniciais e, por suas sanções, legitime a
transmissão do capital cultural" (Bourdieu & Bardel, [1969] 2007, p. 111).

Como diz Bernstein (1996), a socialização primária de cada indivíduo pode ser mais
próxima ou mais desfasada da cultura erudita e dos modelos linguísticos e culturais
transmitidos pela educação formal.

Também Cruz (1992) afirma que a análise do gosto desemboca numa análise do juízo
estético, ou seja, nas formas axiológicas previamente existentes numa cultura. Importa,
pois, refletir sobre a perceção da experiência estética como integrada na experiência do
sujeito e situada num determinado momento e contexto social. Assumindo esta posição,
a autora recusa entender a receção numa lógica determinista, que tende a esvaziar a
perceção de uma especificidade própria. Tal significa que a combinação entre fruição
(sensitiva) e inteligibilidade (racionalizante) varia consoante a competência estética e
dependente de cada obra na sua relação com o recetor. Podem coexistir, nesta
experiência, as possibilidades de gostar por se entender, entender sem gostar e gostar
dispensando o entendimento.

Todas estas problematizações nascem de uma questão de fundo: o que é gostar?

Contudo, no contexto contemporâneo a questão vai mais longe, interrogando o saber


sobre a hierarquização social e a incomunicabilidade do gosto:

“Decerto que, na situação limite de um frente a frente entre gostos maximamente assimétricos em
lugares antípodas da estrutura social – porque uns são providos e outros são desapossados da
competência estética legitima à luz da hierarquia das legitimidades culturais –, quando obras de arte
emblemáticas da dissonância e de harmonia moderna que fazem o gosto de “estetas” são impostas
162

àqueles que os “estetas” tomam por “populares” ou “filisteus”, explode deste lado o desentendimento
como sintoma de uma experiência de violência simbólica, justamente porque aqui é outra a ordem de
sentido informando o gosto, mesmo se isso se passa ao abrigo das melhores intenções da
descentralização vs. democratização cultural“ (Conde, 1992: 159-160).

Idalina Conde (1987, p. 58) analisando as Bienais Internacionais de Arte Moderna de


Vila Nova de Cerqueira pergunta, “E o que se passa do lado do público local?

Que atitudes e apreciações se encontram sobre esta arte de vanguarda que, no dizer de
um dos responsáveis da Bienal, “lhes é oferecida, chega até eles como deve ser a
verdadeira descentralização cultural”?”

Com efeito, o contato dos habitantes de uma vila portuguesa com a vanguarda
contemporânea tornou-se um caso ímpar de interesse para a Sociologia, uma vez que
permitiu analisar as homologias entre as perceções e as pertenças sociais. Nesta
experiência foi percetível a fratura entre os que procuravam “gostar das coisas bonitas”
e os que queriam “ler as propostas interessantes”. Como diz a autora,

“Uma rutura social atravessa os seus portadores, uns leigos e outros eruditos, como os classifica
Pierre Bourdieu. Se a necessidade da representação natural do mundo exprime uma atitude ética dos
primeiros, o que se designa de atitude estética traduz uma distância social que os segundos vivem face
a esse mundo.” (Conde 1987: 60).

Esta “receção dual” pode ser comprometida com perceções diferentes sobre a função e a
legitimidade da produção artística. Se para uns a arte deve ser a expressão nobre do
quotidiano, para outros a arte é um domínio de expressão, no qual cada elemento
descontextualizado pode significar, por si, as suas componentes formais. Como
estratégia de contorno dos efeitos de dominação dos segundos sobre os primeiros,
assiste-se à autoexclusão dos primeiros, que revelam uma distância insensível face às
obras às quais não conseguem aceder. Outra estratégia, segundo a autora, é o maldizer
das obras e dos/as artistas, em prol da integridade da identidade local, atitude que
transparece a frequente “intolerável impotência face à agressão simbólica” (Conde
1987).

De forma similar, para Bourdieu & Darbel ([1969] 2007) a falta de competências
artísticas não é condição necessária para a leitura das obras de rutura. Os autores
afirmam, pelo contrário, que os sujeitos que não foram iniciados pela família ou pela
escola estão condenados a uma perceção da obra que toma de empréstimo as categorias
163

das suas experiências quotidianas. O recetor desarmado de outros códigos, se não os do


quotidiano, vê as significações primárias e sensíveis.

"Os sujeitos menos cultos estão condenados a apreender as obras de arte em sua pura materialidade
fenomenal. Ou seja, a maneira de simples objetos do mundo; e se eles se sentem fortemente inclinados
a procurar e exigir o realismo da representação e porque, entre outras razões, desprovidos de
categorias específicas de perceção, não podem aplicar as obras senão a "cifra" que lhes permite
apreender os objetos de seu meio ambiente quotidiano como dotados de sentido" (Bourdieu & Darbel,
[1969] 2007, p. 80).

A perspetiva de que a obra de arte "deverá exprimir sem equívocos uma significação
transcendente ao significante" (ibidem) torna-a cada vez mais indecifrável, à medida
que se afasta de princípios narrativos e se aproxima do não-figurativo, conceptual ou
abstrato nas artes plásticas. Assim, nas palavras de Sontag (1966), a transição entre uma
receção fenomenológica, sensível ou sensual para uma receção de segunda ordem, tem
em consideração o significado, a racionalidade ou mesmo a degustação erudita. Opera-
se pela manipulação de conceitos caracterizantes e endógenos ao campo artístico
(Wacquant, 2005) – ex.: plástico ou pictural. Ou seja, o grau de competência artística de
um sujeito está na dependência direta do controlo de um conjunto de instrumentos de
apropriação da obra de arte, os esquemas de interpretação disponíveis num determinado
momento e determinada sociedade.

Por analogia à aprendizagem da gramática da língua materna, a tomada de consciência


de esquemas de pensamento e perceção já existentes fornece, apenas, o léxico de análise
do que antes já havia sido percecionado de forma puramente intuitiva.

Por conseguinte, será que a educação cultural tem como condição prévia a existência de
um capital de experiências (visitas a museus, concertos, leituras, etc.), que se encontram
distribuídas de forma desigual entre sujeitos?

4.3. E D U C A R N OS M U SE U S DE A R TE

O conceito de museu é um conceito em transformação a par com as transformações


económicas, políticas culturais e educativas das sociedades. Interessa em particular,
para esta problemática, perceber os contornos assumidos pelo museu do século XXI
enquanto instituição educativa. Neste sentido, num primeiro momento procura-se
164

perceber a evolução da perceção do museu enquanto instituição educativa, salientando o


papel deste enquanto instituição civilizadora. Tal serve de enquadramento histórico para
o segundo ponto no qual se analisa as orientações, as definições concetuais e as teorias
atuais, com particular atenção para o museu de arte contemporânea enquanto parceiro e
palco.

Sede de diversas e profundas transformações ao longo das últimas décadas, reflexo da


contemporaneidade, o museu interseta múltiplas áreas que vão desde a conservação à
comunicação, educação, tecnologia, entretenimento, marketing e até à economia. Tal
como Huyssen (1995, p. 164) questiona-se, se este “novo” museu contemporâneo se
articula entre a sociedade do espetáculo ou da aprendizagem, entre o que Jameson
([1991] 2000, p. 11) chama de a celebração pós-moderna de superfície ou se procura a
profundidade:

"A pergunta fundamental aqui é, claro, se a nova cultura museológica do espetáculo e da encenação
ainda cumpre essas funções, ou se a tão falada liquidação do sentido da história e da morte do
sujeito, a celebração pós-moderna de superfície versus profundidade, de velocidade versus lentidão,
destituiu o museu da sua aura específica de temporalidade"

Questão que emerge como pertinente no sentido em que já se afirma como consensual
que o crescente interesse dos museus de arte contemporâneas pela formação de públicos
não se fica pela retórica de que o museu do séc. XXI pretende ser um espaço aberto aos
e para os públicos, um espaço de aprendizagem ativa e de cidadania participada; mas a
preocupação de captação de um público cada vez mais diversificado deve-se à pressão a
que os museus estão sujeitos, para justificar a sua própria existência. O museu do séc.
XXI vê-se obrigado, desde logo, a romper com o conceito de museu para elites e
reconhece o público como elemento vital para a própria existência da instituição,
obrigando-o a reestruturar-se internamente para o receber, acolher, cativar, interessar e
educar de acordo com as exigências, também das políticas culturais públicas.

As pressões sociais e políticas conduzem a que os museus procurem organizar-se como


espaços educativos (Hooper-Greenhill, 2002). Criam-se estruturas organizacionais
independentes e introduzem-se objetivos estratégicos de aproximação aos públicos.
Inclusão social e educação passam a ser chavões mais que presentes em qualquer
apresentação oficial, de qualquer instituição cultural contemporânea.
165

Discute-se a importância que atualmente se atribuiu aos públicos, o que veio impôr ao
museu uma gradual adaptação, essencialmente na autonomização organizativa da
função educativa num departamento autónomo. Esta autonomização teve o reverso da
medalha na dicotomia entre a curadoria e a educação. Se os primeiros cuidam dos
objetos, os segundos dos públicos, enquanto forma de justificar a existência dos
primeiros. Ora, começa a aparecer a programação educativa, com propostas de
experiências educativas.

A criação do museu pós-moderno gerou a necessidade de criar serviços diferenciados,


como a educação, a comunicação, o acolhimento, para que o museu esbata o seu sentido
de mausoléu. Estes serviços progressivamente criados e difundidos ao longo do seculo
XX nascem da tentativa de superação da contradição entre o museu repositório e o
museu academia, sem nunca superar efetivamente essa contradição. A existência de um
serviço educativo, que funcione como mediador entre os conteúdos – as coleções e as
exposições –, e os públicos aproximam-se de instrumento de mediação que funcionará
como um instrumento facilitador da aproximação entre o que é exposto, como é exposto
e os múltiplos públicos, que crescentemente reclamam uma cidadania cultural (Miller,
2007).

Por conseguinte, um serviço educativo é um serviço organizado que faz parte da


estrutura orgânica do museu, com recursos humanos responsáveis pela sua ação e
desenvolvimento, com o objetivo de providenciar experiências educativas a públicos
diferenciados em interesses, faixas etárias e enquadramentos institucionais (escolas,
hospitais, prisões, organizações comunitárias, etc.).

4.3.1. Emergência da Educação em Museus

A emergência da Educação em museus é um conceito ainda difuso e indefinido, para o


qual contribuem as áreas disciplinares da Museologia, das Ciências da Educação, da arte
e da Sociologia. Esta inscreve-se no quadro evolutivo do museu. Por este motivo, nas
próximas linhas discute-se a evolução da educação em museus, procurando perceber as
origens e a sua evolução, de forma a se enquadrar as atuais orientações e perceções.
Para tal, atente-se na seguinte afirmação de Pedro Fróis (2008, p. 64) em Os Museus de
Arte e a Educação. Discursos e práticas contemporâneas:
166

“Tal como Lichtwark, nos Estados Unidos da América, Albert Barnes (1872-1951) e Thomas Munro
(1901-1973), importante teorizador da psicologia da educação artística e fundador do Journal of
Aesthetics and Art Criticism, contribuíram para a afirmação do serviço educativo e acreditaram que as
artes tinham o “poder” de civilizar e humanizar através da convocação das capacidades intelectuais,
morais e estéticas dos/as cidadãos/ãs. Ao abrirem as portas dos seus museus ao público, estes diretores
compreenderam que deveriam assumir outras responsabilidades, além das relativas à recolha e à
conservação das obras, procurando os melhores recursos para a facilitação do acesso dos públicos
jovem e adulto às coleções; por isso, organizaram conferências, visitas, ateliês, promoveram
exposições de “arte infantil”, desenharam programas para o envolvimento das famílias, tal como,
ocorre, hoje, nalguns dos museus contemporâneos”

Como se depreende das palavras de Pedro Fróis (2008) as preocupações educativas do


museu não são novas, remontam à sua própria origem. Eilean Hooper-Greenhill (1989)
considera que ao apropriar-se das coleções reais, aristocráticas e clericais em nome do
povo, a revolução francesa transformou o museu num instrumento de educação dos/as
cidadãos/ãs. Na mesma ordem se sentido, a autora afirma que o museu nasce no seio de
duas contradições: se por um lado, constituiu um instrumento para a educação
democrática, por outro, o conhecimento continua a ser produzido e organizado por um
grupo restrito, a fim de ser apreendido pelo público de uma forma passiva, tornando-se,
assim, num instrumento de poder e de controlo social. Neste sentido, os museus, como
instituições públicas, orientados pelo princípio do bem comum e do advento da ciência,
tornam-se agentes civilizacionais da população.

Cedo os museus foram influenciados pelo processo de modernização, procurando


reorganizar o seu universo de objetos, ideias, fenómenos, de uma forma ordenada e
racional – “reordenação dos objetos”. Nicolas Serrota (1997) em Experience or
Interpretation: The Dilemma of Museums of Modern Art, afirma que, há cem anos, a
arte era exposta de forma cronológica, de modo a servir propósitos educativos. As
galerias refletiam a perspetiva do curador sobre a história, em detrimento dos demais
pontos de vista. Nesta perspetiva e como Hooper-Greenhill afirma o museu evolui do
caos para a razão: dos gabinetes de curiosidades a espaços organizados para um sistema
racional e científico para que os/as cidadãos/ãs possam, através deles, integrar os novos
valores e comportamentos da sociedade industrial.

Salvo as devidas diferenças, a par das bibliotecas e de outros lugares conotado com os
objetos da cultura erudita, os museus foram progressivamente encarados como
relevantes instrumentos educacionais e civilizadores da população. Os museus tinham
167

papel central nas estratégias de civilizar a classe trabalhadora e as atividades culturais e


de lazer eram dominadas pelo ideal da recreação racional, em resultado duma crescente
ênfase vitoriana na educação popular (Hill, 2005). Esta tendência, mais marcada desde
meados do século XIX, que Hooper-Greenhill descrece em The Museum in the
Disciplinary Society (1989), reporta ao museu um duplo papel civilizador, próximo da
orientação vitoriana. Se por um lado, se defendia que a convivência com objetos
artísticos e com o próprio espaço físico do museu potenciava a renovação dos
comportamentos dos públicos, particularmente da classe trabalhadora; por outro lado,
argumentava-se que os menos familiarizados com o ambiente dos museus poderiam
aprender a se apresentar e se comportar no espaço público observando os frequentados
tradicionais, oriundos da classe alta. Ou seja, para além do contato com os objetos, os
públicos mais desfasados poderiam contar com os visitantes habituais como modelos de
civilidade.

Emerge, ao mesmo tempo, no museu moderno uma outra contradição: homogeneização


e diferenciação. Homogeneização, pelo que, enquanto instrumento de controlo, o museu
impunha uma única visão do mundo, de cultura e de sociedade. Diferenciação, porque,
como Bourdieu & Darbel afirmam, ([1969] 2007), as obras de arte emprestam o seu
carater distintivo a quem a estas acede. Em síntese, o museu do séc. XIX para além de
ser um instrumento civilizador é, ao mesmo tempo, um espaço de diferenciação que
distingue a classes alta, detentor do saber e da forma de estar.

Tony Bennett (1995), na mesma ordem de sentido, defende que o museu público deve
ser entendido não apenas como um local de instrução, mas como um reformatório de
maneiras, no qual rotinas e performances sociais acontecem. Seguindo o pensamento de
Foucault, o mesmo autor considera os museus como heterotopias da cultura ocidental,
ou seja, espaços nos quais os objetos expostos são veículos transmissores de mensagens
de poder. Ou seja, o museu moderno passa a ser considerado não tanto um meio de
instrução, mas um instrumento de regulação e de reforma do comportamento social e
individual.

O museu, por conseguinte, era um dos sistemas sociais, onde estes valores poderiam ser
produzidos e transmitidos. Neste sentido, durante o período modernista, as exposições
eram como livros, esperando-se que, só por olhar, se aprendesse (Hooper-Greenhill E. ,
1991). Na prática, e apesar dos ideais nascidos da revolução francesa, o alargamento dos
públicos do museu moderno revelou-se ténue, continuando os museus de arte a serem
168

maioritariamente frequentados por elites, tal como Bourdieu & Darbel ([1969] 2007)
observam, já na década de 1960. Nesta conceção de museu a educação é sinónimo de
civilização, de inculcação de normas de conduta.

Hooper-Greenhill em Museum and Gallery Education (1991) afirma que ao longo da


modernidade, os museus traçam um caminho paralelo ao das escolas públicas, ambos
são parte integrante de um sistema de educação pública para as massas. Contudo, ao
longo do séc. XX o museu vai perder, progressivamente, este caráter educativo.

No início da segunda década do século XX, o entendimento do museu enquanto espaço


educacional perde vigor e é objeto de alguma contestação, o que, segundo Hein ([1998]
2000, p. 5) se fica a dever ao surgimento de “uma nova geração de curadores [...]
menos interessada no uso público dos museus e mais voltada para a acumulação de
coleções”.

A instável conjuntura provocada pela I Guerra Mundial é apontada pelo autor como
estando na causa do receio de perder as coleções que motivou o afastamento da
educação como principal função do museu, para se intensificarem as práticas de
investigação e gestão de coleções. No seguimento desta transposição da função
principal do museu, o trabalho educativo remete-se para a relação com a escola e foca-
se no público escolar. O que acarretou, que a educação em museus passasse a ser
sinónimo, até quase à atualidade, de um conjunto de atividades para crianças que
acediam ao museu através dos curricula escolares. Neste processo, observa-se uma
separação entre as funções educativas e curatoriais, que marca, até hoje a discussão do
papel educativo das intuições culturais.

A título de exemplo desta questão, chama-se à atenção para as conclusões do Relatório


Miers de 1928. O documento, que dirige várias críticas ao cenário museológico inglês,
muito em particular em relação à educação, afirma que esta se restringe à organização
de propostas para o público escolar.

Fróis (2008, p. 67) sintetiza esta questão de forma que vale a pena transcrever,
chamando à atenção para o legado desta orientação que esteve na origem da perceção
atual, de que a programação educativa infantilizante é redutora:

“O mandato educativo do museu de arte, tornou-se, em parte, na sua estrutura operativa, extensão do
discurso da educação escolar e, juntos, colonizaram em vários lugares o espaço da interpretação, por
vezes infantilizaram os públicos, e, por vezes, “secaram” as artes do seu inerente poder interpretativo
169

na esfera pública. Esta constatação aponta desafios novos para o serviço educativo dos museus que
importa pensar e que devem emergir a partir de dentro da entidade museu”.

O pós-II Guerra Mundial e a emergência dos organismos transnacionais também têm a


sua influência na instituição museológica. A criação do International Council of
Museums (ICOM), em 1946 sob os auspícios da UNESCO, para além de “decretar”,
como já se teve oportunidade de evidenciar, a definição oficial de museu, cria uma
agenda que considera o museu ao serviço da sociedade. Tal evidência, com carácter de
definição de ideologia informadora das políticas, tem vindo a orientar a transição da
função do museu na sociedade, enquanto espaço expositivo ou transmissores de
“verdades” culturais, para um espaço de encontro e de criação cultural.

Neste sentido, no ponto seguinte, analisam-se as perspetivas atuais que informam a


educação em museu.

4.3.2. Perspetivas Atuais

“Na verdade, se, em geral, os museus portugueses parecem atrair cada vez maiores números de
visitantes (sobretudo os urbanos, o que se deve em grande medida às relações com as escolas e o
turismo), esse aumento não deve ser tomado, nem como regular nem como homogéneo […] E, no que
toca à reorganização funcional que autonomiza, em particular, os serviços educativos e culturais (uma
distinção que pretende dar conta da diferença entre o direcionamento propriamente escolar e
pedagógico e a orientação para outras segmentações sociológicas, como as famílias, os idosos, os
turistas, etc..), ela tem servido porventura mais a pressão instrumental-gestionária sobre as instituições
museológicas do que o resultado de uma reflexão profunda sobre elas” (Santos H. , 2008, p. 83)

Depois de sinteticamente aflorada a evolução da educação em museus, procuram-se


agora as perspetivas atuais, enquadradas pela Museologia Crítica, pelas teorias da
aprendizagem e pela estética da receção. Observam-se as novas abordagens ao conceito
de educação em museus, que se diferencia de muitas outras instituições por
proporcionar uma educação não-escolar.

Neste sentido, na Museologia, enquanto ciência que estuda o museu, também se observa
uma evolução que a aproxima de uma dimensão mais crítica que Lorente (2003) procura
configurar na obra Museología Crítica y Arte Contemporaneo. Esta surge como uma
reação à perceção do museu como um espaço de divisão e antagonismos entre
especialistas e iniciantes, produtores e consumidores, oposição que marcou as políticas
de aquisição, gestão, exposição e interpretação e hierarquizou os profissionais, de
170

acordo com as tarefas que desempenham. Observa-se que a formação de públicos e as


práticas educativas em galerias estão em desenvolvimento e reconhece-se uma
necessidade dentro do sector de investigação. Hooper-Greenhill (1999), analisando as
tendências recentes considera que, de simples armazéns de objetos, os museus tornam-
se lugares de aprendizagem ativa. O centro das atenções deixa de ser a coleção para ser
a comunicação, na qual se integra a aprendizagem e o lazer.

Helena Santos (2008), na citação que abre este subponto, dá conta de uma perspetiva
crítica face à extensão social das práticas culturais, assim como parece pôr em questão
as motivações verdadeiramente emancipadoras que levaram ao ressurgimento da
dimensão educativa no museu. Contudo, não deixa de afirmar, que no panorama
nacional, se pode observar um aumento do número de visitantes. Portanto, numa visão
mais ou menos otimista, não é exagerado afirmar que os públicos ganham centralidade e
assumem-se, progressivamente, como um elemento ativo na organização da sua
experiência no museu. Sendo este o conceito que em seguida se analisa.

// Experiência no museu

A experiência no museu – the museum experience –, como Falk & Dierking (1992) a
perceciona na obra homónima, é considerada um conjunto total de sensações, vivências
e, sobretudo, aprendizagens experiênciadas na interação com os objetos, discursos e
diferentes espaços do museu. Por conseguinte, os autores consideram que a
aprendizagem no museu constitui uma experiência global, que incorpora um conjunto
de fatores, que vão desde a interpretação das obras de arte, ao contacto com o pessoal do
museu, às leituras na biblioteca ou na livraria, ou mesmo as condições de acessibilidade
física.

O modelo da experiência no museu define-se por um articulado de três esferas, que


apresentam cada uma um contexto. Neste articulado a relevância de cada contexto é
vaiável influenciando a experiência dos públicos. Atente-se, agora, em cada um destes
contextos:

i) contexto pessoal: incorpora as experiências e os conhecimentos anteriores do sujeito,


assim como os interesses, motivações, ou preocupações, definindo atitudes e
comportamentos.
171

ii) contexto social: perspetiva a visita ao museu, enquanto atividade social, seja porque
a visita é um evento social, seja nas relações que o público pode estabelecer entre si e
com o pessoal do museu.

iii) contexto físico: implica a perceção do museu enquanto um espaço físico, no qual a
envolvente e a arquitetura são fundamentais para provocar sensações no público, sem
esquecer, o próprio design das exposições, ou mesmo as zonas de apoio ao visitante.

Esta conceção de experiência do museu deriva da influência que o construtivismo tem


tido na educação museal contemporânea. Isto porque percebe os públicos como sujeitos
de interesses, saberes e motivações prévias, com experiência de vida e conhecimentos,
que necessariamente influenciam as experiência e aprendizagens. Ou seja, na educação
cultural deixa de se perceber apenas a oferta – exposições, coleções, etc. – como
estruturadoras das aprendizagens e das vivências no museu e passa-se a considerar
também o património cultural, social e emocional dos sujeitos. Em síntese, a
experiência experiência no museu, de acordo com Falk & Dierking (1992), é resultante
de uma espécie de interface entre múltiplos fatores: os próprios públicos, as obras em
exposição, o design expositivo, a sinalização disponíveis, os espaços de lazer (loja,
livraria ou restauração), o espaço arquitetónico, a receção por parte dos profissionais e
mesmo a disponibilização de diferentes atividades interpretativas.

John Dewey ([1934] 2005), por seu lado, adverte que nem todas as experiências no
museu são educativas. Antes de mais, torna-se necessário esclarecer que o trabalho de
Dewey foi redescoberto como significativo, para pensar a educação em museus por
autores como George Hein (2005). A colaboração de John Dewey, aparentemente
circunscrita ao espaço e ao tempo da sua produção, foi importante para o modo como a
educação artística nos museus foi estruturada nos Estados Unidos. A filosofia educativa
e estética elaborada por Dewey influenciou o pensamento e as práticas na educação nos
museus de arte, até aos dias de hoje. Hein (2005) chama a atenção para este educador
seminal salientando, só não o interesse pessoal de Dewey pela visita ao museu, como
procura combinar os seus contributos teóricos com as preocupações contemporâneas da
Museologia Crítica:

“Dewey’s clear sense of the educational potential of museums can also be seen from his critical
remarks about some museum. Dewey criticized traditional museums much as he criticized traditional
school. He recognized that in the public mind, museums, like schools, are seen as dusty places filled
172

with rows of objects, neatly catalogued but devoid of the interaction that animate knowledge” (Hein,
2005, p. 420).

Para o autor o verdadeiro desafio encontra-se em entender como é possível transformar


o entusiasmo dos públicos, em experiências educativas significativas, pelo que, no
conceito de experiência no museu, também se articulam as transformações que
corporizam a “viragem cultural”, especialmente no que diz respeito à dissolução das
fronteiras que dividem hierarquicamente as culturas. Ou seja, a prática cultural
entendida através deste conceito engloba a par da experiência educativa, as experiências
de lazer e de consumo.

// As teorias da aprendizagem

Não só o contributo de Dewey tem sido considerado significativo como, atualmente, são
cada vez mais aceites, seja pela Museologia, seja pelos discursos institucionais, as
teorias da aprendizagem que definem os sujeitos como ativos na construção das suas
experiências educativas. Esta perspetiva recoloca nos públicos a responsabilidade da sua
aprendizagem, remetendo os/as educadores/as para o papel de mediadores/as e
facilitadores/as dessas mesmas experiências.

O modelo educativo do museu tomou por empréstimo esquemas da escola tradicional,


replicando, deste modo, os seus “erros” e procurando, de igual modo, ultrapassá-los.
Ora, as teorias da aprendizagem que têm vindo a ser mobilizadas pelos museus de arte
aproximam-se das propostas construtivistas e hermenêuticas. George Hein ([1998]
2000) em Learning in the Museum confronta o papel educativo que os museus podem
ter e mostra como a investigação sobre os públicos e a filosofia da educação podem ser
aplicados para potenciar uma experiência significativa nos museus. O autor observa
como as teorias educacionais de Dewey, Piaget, Vygotsky se relacionam com a
aprendizagem no museu. Conclui que os visitantes aprendem melhor, quando o
conhecimento é ativamente construído, e fornece um modelo de "museu construtivista"
física, social e intelectualmente acessível a todos/as.

Neste sentido, tanto teóricos/as como educadores/as mobilizam diferentes abordagens,


sendo o construtivismo uma espécie de “guarda-chuva teórico” (Fróis, 2008), ao abrigo
do qual se elabora a tese de que o sujeito é autor do seu conhecimento. Para esta tese
contribuiu não só a premissa de que o conhecimento é construído, como também a de
que os sujeitos aprendem, por relação àquilo que já sabem.
173

Um outro contributo desta abordagem é a perceção que a aprendizagem é algo que


acontece ao longo e ao largo da vida, isto é, ao longo do curso de vida e em múltiplas
esferas da mesma. Conceção que deriva diretamente dos debates, que já foram
apresentados, sobre a emergência da educação não-escolar (formal) e parece ser cara à
política cultural e educativa europeia que tem vindo a ser veiculada, também, nas
galerias de arte contemporânea.

Hein (2005) para desenhar o museu construtivista parte da dicotomização das teorias da
aprendizagem e do conhecimento. Nesta dicotomia, que se observa nos dois eixos
centrais da Ilustração 3, o autor coloca a aprendizagem entre a possibilidade de esta
acontecer por imposição exterior, na qual o sujeito é passivo – incremental learning; ou
a aprendizagem é produto da interação social da qual o sujeito é protagonista –
constructivist learning. Ao mesmo tempo perspetiva o conhecimento na mesma lógica
dicotómica: o conhecimento é algo que existe independentemente dos sujeitos – realist
knowledge; ou o conhecimento é uma construção social e individual – constructivist
knowledge. Na combinação destas quatro possibilidades o autor cria quatro tipologias
de museu o Museu Sistemático (incremental learning – realist knowledge), o Museu
Descoberta (constructivist learning – realist knowledge), o Museu Ordenado
(incremental learning – constructivist knowledge) e por fim o Museu Construtivista
(constructivist learning – constructivist knowledge).

Ilustração 9 - O m useu construtivista (Hein,2005)


174

Hein ([1998] 2000) caracteriza a exposição construtivista como possibilitando múltiplos


pontos de entrada, apresentando vários pontos de vista e que tem como objetivo a
aprendizagem, seja por convidar os públicos a se relacionarem com as obras, seja pelo
motivar de experiências.

Partindo de um ângulo diferente, também Nicholas Serota (1997) examina a relação


entre o artista, o público e o curador e afirma que hoje não só museus e galerias
celebram essas diferenças de expressão, como mas também acolhem a colaboração de
artistas vivos, proporcionando uma "casa" para o trabalho de artistas contemporâneos.
Promovendo um diálogo ativo entre o presente e o passado, numa época na qual a
cultura é mais vorazmente consumida por um público mais amplo do que nunca,
galerias e museus não são mais apenas repositórios, são lugares de experiência.

Enquanto teoria educativa, o construtivismo perspetiva a aprendizagem como um


processo ativo, no qual os sujeitos constroem o significado através da experiência.
Nesta perceção o conhecimento não é um dado adquirido, mas construído na síntese
cultural do sujeito. A fim de converter a perceção sensorial em significado, os sujeitos
apoiam-se em experiências e processos de produção de sentido anteriormente
construído. Aquilo que aqui se define por teorias da aprendizagem convocadas na
análise e construção de possibilidade educativas no museu, teve o contributo da
Museologia Crítica, para visibilizar a perceção de que o museu, enquanto instituição
moderna, tende a perceber o conhecimento como algo disciplinar (muito informado pela
História da Arte) e à aprendizagem não restava se não interiorizar o que é mostrado,
pelo museu, como legitimo. Apesar de Lorente (2003) afirmar que há consenso sobre
como definir, ou mesmo se Museologia Crítica é a designação correta, este corpo de
saber contribuiu para apresentar várias perspetivas, a fim de validar diferentes caminhos
para se interpretar objetos e diferentes maneiras de aproximação ao museu. Ou seja, o
museu percebido como um espaço de reflexão, de justiça social e cultural, como um
espaço educativo, construtivista, que converge para a aprendizagem ao longo da vida.

4.3.3. A Educação na Partilha dos Espaços de Arte Contemporânea

De fato, como Balerdi & Iraola (2003) afirma, na década de 1980, por toda a Europa, e,
como já analisamos, Portugal não foi exceção, desencadeia-se uma espécie de ansiedade
de inaugurar museus de arte contemporânea. Parte integrante, também, de uma nova
175

estratégia de cidade, os museus de arte contemporânea, como os próprios autores


descrevem são apetecíveis por vários motivos:

“Lo contemporáneo se tomaba como un talismán contra los aromas añejos que parecían flotar en los
museos tradicionales; implicaba una inmediatez que, al menos en teoría, debería desencadenar
movimientos de identificación del museo con lo que acontecía en el instante; proporcionaba un
escaparate más accesible a los artistas vivos, que ya no necesitarían de dilatados filtros para mostrar su
producción y dejar circunstancia notarial de lo que se cocía en el crisol de la sensibilidad artística del
momento; y, last for not least, constituía una inmejorable cara de presentación, una excelente
operación de imagen, capaz de derribar estereótipos sobre adscripciones ideológicas, por cuanto que
quien apoyara tales museos se veía aureolado de una pátina que oscilaba entre la sensibilidad y la
exquisitez” (Balerdi & Iraola, 2003, p. 186)

Por conseguinte, neste subponto, analisar-se-ão as particularidades que a educação em


museus pode assumir na partilha dos espaços de arte contemporânea. Procura-se
analisar o sentido e a necessidade de educação na cultura contemporânea, questionando
o que se compreende por educação na denominada cultura visual contemporânea.

Tal como adverte Lorente (2003), a função dos espaços de arte contemporânea
transformou-se. Entrar na dinâmica da arte contemporânea exige interpretar um
contexto concreto que procura constantemente o novo através da fuga às linguagens
estéticas já presentes. Tal implica, uma opacidade que se revela, nem sempre, amiga dos
públicos mais desfasados.

No entanto, tal não significa que tal interesse não coexista com preocupações de
rentabilidade política e económica. Esta transformação é motivada pela dependência
que os museus têm, num figurino de autonomia financeira, dos seus públicos. Públicos
estes que parecem já não buscar, apenar, admirar objetos que lhe são alheios. Parecem
procurar elementos com os quais se possam identificar e viver experiências estéticas,
mas também de lazer. Daí que a função educativa do museu aparece como cada vez
mais essencial para a sobrevivência do museu, na medida em que trabalha para o
crescimento e alargamento dos seus públicos.

// Teorias sobre a educação nos museus de arte contemporânea

Como advoga João Pedro Fróis (2008) a educação cultural foi e tem sido configurada
no contexto de uma ideologia da falta que, apela à lógica do suplemento. Provocou o
surgimento da escolarização das práticas dos museus e o domínio da palavra. O discurso
educacional, tal como hoje se apresenta, segue a tradição dominante: privilegia o verbal,
176

enquanto “modelo de comunicação pedagógica perfeitamente racional" (Bourdieu &


Darbel, [1969] 2007, p. 141). Esta lógica do suplemento conduz ao crescimento de
ofertas de atividades, organizadas pelos serviços educativos para vários tipos de
público, que podem incluir visitas guiadas, atividades hands-on (oficinas), seminários,
projetos para as escolas, publicações de catálogos, programas para famílias, cursos de
formação, programas educacionais online. Preferencialmente, estas propostas vão além
da mera ação lúdica ou informativa, potenciando “novos modos de agir” (Fróis, 2008, p.
66), numa procura de novos espaços de relação com os públicos. Esta é uma das
características fundamentais do museu contemporâneo, um espaço que combina o
entretenimento e a educação, que une o ócio à aprendizagem, característica que Neil
Kotler e Philip Kotler (2004, p. 180) chamaram de edutainment.

No entanto, o apetite pela educação tem sido, por conseguinte, assumido, na lógica do
suplemento de que Fróis (2008) trata, o que por si só não resolve. As inibições que
impedem a experiência estética estão relacionadas prioritariamente, como refere Fróis
(2008), não só com esta lógica do suplemento, mas também com o tratamento
pedagógico dos conteúdos da coleção. Ou seja, prendem-se com a relutância do museu
em disponibilizar informação sobre: a biografia do artista, o código de uma determinada
obra, as narrativas da história da arte e do contexto cultural, o design da própria
exposição, ou mesmo o espaço físico. O que aqui se pretende evidenciar é que o
conhecimento sobre o que se vê torna a experiência no museu significativa para os
públicos. Se a experiência visual tende a ser mais aberta do que a experiência do texto,
também é mais difícil de verbalizar, exige o domínio de outros códigos, como Bourdieu
& Darbel ([1969] 2007) explicam. Se o museu não consegue auxiliar o visitante a
ultrapassar as dificuldades aludidas, todas as outras missões do museu – a gestão e
conservação da coleção, entre outras – esvaziam-se de sentido. Ora, importa salientar
que a educação nos museus, desde o seu início, foi concebida como um auxílio à
pedagogia da própria exposição e como tal, interessa dar a conhecer aos visitantes o
processo de pensamento subjacente à exposição. Contudo, aparentemente, parte do
pressuposto curatorial é a ocultação do seu próprio discurso, o que coloca uma
dificuldade entre a experiência e aprendizagem dos públicos. Desde logo, parecer ser
importante para o aprofundamento da dimensão pedagógica dos museus, a clarificação
da comunicação. Neste sentido, Fróis (2008, p. 70) argumenta, e muito bem, que:
177

“Se os museus de arte desejam ser mediadores das experiências estéticas da comunidade, devem
propor modos de interação que articulem o que as obras propõem e as capacidades que os visitantes
trazem para o museu”.

Como se tem vindo a argumentar, os espaços de arte contemporânea ambicionam ser


mais do que espaços expositivos, apoiados em pressupostos como o de que a
interpretação da arte contemporânea é um meio de autoconstrução de significados e de
descoberta de novas formas de compreender a realidade, estes espaços aparecem, hoje,
como lugares privilegiados para formação cultural do/a cidadão/ã. Neste sentido, parece
ser importante analisar as teorias explícitas sobre a educação nos museus, questionando
as perceções e usos da educação cultural.

As teorias sobre a educação nos museus passam pela experiência estética e incentivo à
cidadania, como um mote à participação e inclusão que se percebe, nomeadamente no
apelo à cidadania europeia; formação para o mercado de trabalhadores criativos, para
a qual a relação com a arte é vista como potenciadora da criatividade; apoio à educação
escolar, enquanto paradigma educativo e facilitador das aprendizagens escolares; a
mediação cultural enquanto representação estética das formas de identidade expressas
nas práticas culturais; por fim, pode ser ainda percebida como formação de públicos
para as instituições culturais, seja através de “subsídios pedagógicos”, seja através de
atividades de animação que procuram levar ao museu os públicos mais desfasados.
Sintetizam-se, agora, algumas destas teorias:

i) A experiência estética e o incentivo à cidadania

Leontiev (2000) considera que a relação com a arte, a par de Bourdieu & Darbel ([1969]
2007), é mediada por uma chave. Para Leontiev (2000) essa chave não é o código em
que se inscreve a obra, mas a competência estética do observador. Ora, esta chave de
Leontiev (ibidem) aproxima-se mais do conceito de horizonte de expectativa de Jauss
(1978), do que de código. Neste sentido, para Leontiev não se trata tanto de ensinar ao
recetor o código da escrita, mas formar esteticamente o observador, construir com este
uma atitude dialógica para com a arte. Apesar de não ser única, para Leontiev, a
competência estética do sujeito é fundamental para o resultado do encontro entre
pessoa-arte. Outros fatores como a estrutura do sentido de personalidade e os géneros,
estilos, escolas e obras de arte também são importantes. Como consequência, para este
autor, a educação tem como objetivo o desenvolvimento da competência estética:
178

"Com base nas obras teóricas e experimentados existentes, podemos destacar, pelo menos três aspetos
interligados da competência estética. O primeiro especto é a complexidade cognitiva da visão do
mundo que um indivíduo tem, a capacidade pessoal de compreender a ambiguidade de ver as
possibilidades que as coisas tem de mudar, de ser diferentes, o segundo especto é o domínio que uma
pessoa tem das "linguagens" especiais de diferentes tipos, géneros e estilos de arte, que requer um
conjunto de códigos culturais (Lotman, 1994), que tornam possível descodificar a informação contida
no texto artístico de modo a traduzir a estrutura de sinais de uma produção artística na língua materna
das emoções e significados humanos. O terceiro especto da competência estética, oriundo das
características de atividade de perceção artística (ver a seguir), é o grau de mestria das competências e
aptidões operacionais que define a capacidade pessoal para desempenhar uma atividade de
desobjectivação de textos relevante para um determinado texto. Todos estes três aspetos estão
evidentemente ligados, mas o caracter da sua ligação representa uma tarefa para um estudo especial"
Leontiev (200, p. 133)

Neste modelo, a arte tem como funções: a recreação, a socialização e o


desenvolvimento pessoal. Segundo Leontiev (2000) a função recreativa apesar de se
aproximar das práticas culturais próximas da cultura de massas, está inerente a qualquer
estilo artístico, porque a receção da obra de arte está inserida na esfera do tempo livre e
do ócio. Já a função socializante procura fornecer informação sobre o mundo, os valores
culturais e as normas, sobre padrões de comportamento e modelos de identidade
pessoal. Contudo, como o autor refere, esta função não é exclusiva da arte, tendo outras
instâncias ocupado este papel de forma mais eficaz. Por fim, a arte orientada para o
desenvolvimento pessoal, ao contrário da arte com função socializante, tende a quebrar
padrões de comportamento, normas e clichés. Confere novos significados e novas
formas de ver e de perceber a realidade. Contudo, este tipo de função da arte pressupõe
que o público detenha, o que o autor define como um elevado nível de competência
estética, assim como a motivação para fazer o exercício cognitivo de interagir com uma
obra que, à partida, não é óbvia. Como refere Leontiev (ibidem, p. 144) esta função:

"Exige muito e promete muito ao mesmo tempo. As recompensas que se recebem de profundos
encontros com a verdadeira arte jamais se podem alcançar de outro modo. Todavia, apenas uma
minoria de um público potencial consegue compreender e apreciar esta promessa - a promessa do
significado".

A educação artística contemporânea aproxima-se da narrativa da arte, enquanto


promotora do desenvolvimento humano, encaminhando-se a teorias da educação
estética, enquanto promotoras de cidadania. Nesta, afirma-se que uma educação que
vise a formação integral dos indivíduos torna-se antagónica da cultura de massas e
aproxima-se das exigências concetuais e sensoriais da arte contemporânea, próximo do
179

potencial que Adorno ([1974] 2003) lhe confere. Ao mesmo tempo que, neste
argumento concorre a afirmação do papel da arte na configuração do cidadão europeu
do século XXI, em sintonia com a proposta do Parlamento Europeu e do Concelho da
Europa para o Programa Cultura 2007. Certamente, a preocupação em promover ações
que favoreçam a cultura e propiciem o acesso e a participação cidadã, assim como o
fomento ao conhecimento e a melhoria da difusão artística, é compartilhada por
numerosas instituições transnacionais, desde a UNESCO, ao Concelho da Europa, como
já se teve oportunidade de aflorar.

ii) A formação para o mercado

A formação para o mercado emerge dos novos usos da cultura na sociedade da


informação capitalista, enquadrada na agenda transnacional para a educação artística.
2006, na Conferência Mundial de Educação Artística, em Lisboa, o diretor-geral da
UNESCO faz um apelo à formação de trabalhadores para uma economia criativa,
argumentando que as instituições culturais têm o potencial e os instrumentos para o
fazer. Contudo, estas motivações a nível transnacional não são recentes. Já em 1999 a
UNESCO lançou um Apelo Internacional para a Promoção da Educação Artística e da
Criatividade nas Escolas. Entre outras afirmações, declara que:

“hoje estamos claramente e fortemente cientes da importante influência do espírito criativo na


formação da personalidade humana, fazendo florescer todo o potencial das crianças e dos adolescentes
e mantendo o seu equilíbrio emocional” (Bamford, 2007, p. 8)

O apelo surge num contexto de reconhecimento das potencialidades de novos contextos


educativos, tais como são os espaços culturais, no desenvolvimento de competências
caras a uma nova organização capitalista. Por conseguinte, em 1999, apela-se a “tipos
de educação mais equilibrados” a fim de fazer face às “necessidades do século XXI”.

iii) Apoio à educação escolar

Alberto Sousa (2003) em Educação pela Arte e Artes na Educação afirma que a
educação artística leva ao sucesso académico e é um bom veículo para pedagogias
interdisciplinares. Inspirado em autores como Herbert Read argumenta que a educação
estética pode ser o modelo paradigmático para a educação, porque não faz mais sentido
que a educação tenha apenas uma componente técnico-científica, considerando o atual
modelo económico. Em Educação pela Arte, Herbert Read ([1943] 2010) defende a tese
de que a arte deve ser a base da educação, privilegiando a expressão livre, a
180

espontaneidade e a criação. Para este autor, a educação, pela arte, remete para um
conceito mais amplo de educação estética, que engloba todas as formas de expressão
artística. Esta, por sua vez, deveria potenciar a realização plena da harmonia entre o
indivíduo e o mundo exterior. Para Read (ibidem) a arte remete para uma razão
emocional e espiritual e não tanto para a aquisição de conhecimentos e trata da
construção de competências, como o gosto, assim como a capacidade de reflexão e
questionamento, como referem Joo, Keehn II, & Ham-Roberts (2011, p. 7):

“Generally missing from multicultural art education is an approach that connects everyday experience,
social critique, and creative expression. When the focus is shifted to issues and ideas that students truly
care about and that are relevant within a large life-world context, art becomes a vital means of
reflecting on the nature of society and social existence”.

Segundo Bamford (2007), a UNESCO encomendou uma investigação a nível global, em


2004-2005, para se compreender o impacto dos programas artísticos na educação das
crianças e dos jovens. Os resultados da investigação apontaram que a arte tem uma
contribuição importante na educação global das crianças, especialmente no que se refere
ao seu desempenho académico, bem-estar, atitudes em relação à escola e perceções da
aprendizagem.

iv) Mediação cultural

Para Lamizet (1999) em La Médiation Culturelle a mediação cultural consiste numa


representação estética das formas de identidade, que se expressam através das suas
práticas culturais. Num sentido colectivo traduz-se em políticas culturais e no
desenvolvimento de um espaço estético de circulação de formas colectivas de
representação. Nesta perceção, a cultura não pode ser reduzida a um conjunto de
práticas estéticas ou jogos de representação, mas dá forma aos laços sociais, conferindo
uma linguagem de significação e de comunicação através do qual se constroem os
significados, se articulam as instâncias semioticas, políticas e estéticas da identidade. A
primeira, através da interpretação dá sentido às práticas e às obras culturais e permite
pensar o investimento em cultura como um desejo do sujeito.

Lamizet (1999) afirma os museus como espaços de fechamento de formas culturais, que
conferem estatuto estético aos objetos que compõem as suas coleções, que, por sua vez,
representam a memória de determinada sociedade. Neste sentido o autor apresenta seis
181

tipologias de mediação. A mediação museológica afigura-se como um espaço de


circulação; enquanto a mediação estética é a dialética entre os usos singulares e as
formas coletivas, referindo-se à dimensão estética da comunicação e da representação.
Sobre a dimensão da representação, as artes plásticas são uma forma de mediação
estética porque os significantes que realizam esta mediação inscrevem-se em imagens
projetadas sendo estas objeto de uma perceção visual por parte dos públicos. Esta
tipologia assenta no pressuposto que a estética e as artes fazem parte de um sistema de
formas acessíveis aos sistemas de perceção e que se fazem inteligíveis à interpretação
lógica. O autor perceciona a mediação, também, como incorporando as lógicas clássicas
da comédia e da tragédia. Na primeira, a mediação cómica, é uma representação que
não procura a adesão dos públicos ao objeto artístico, baseando-se na distância crítica,
na identificação pela diferença e distância de códigos. Por outro lado, a mediação
trágica representa modalidades de pertença coletiva, favorecendo assim a adesão dos
públicos, elimina a distância crítica e favorece a adesão às opções culturais, políticas e
ideológicas em presença na obra de arte. A mediação museal é a representação da
sociabilidade inscrita na apresentação dos objetos, através da qual, o museu de arte
procura representar o ideal estético de uma determinada sociedade, num determinado
tempo. Nesta tipologia, mediar é apresentar este ideal característico de um tipo de
conhecimento e cultura, que são representados pelas próprias obras de arte. Por fim, a
mediação didática inscreve a representação da sociabilidade na continuidade das lógicas
de transmissão do saber e da aprendizagem e inscreve-se nas formas, nos objetos e nos
lugares que constituem a unidade e a integração cultural da sociabilidade sobre o
reconhecimento e aquisição de saberes comuns.

v) Formação de públicos

Sobre a teoria da formação de públicos, a educação em museu tem como objetivo


primordial abrir o museu a diversos públicos. Pretende formar a sensibilidade estética e
artística, o gosto, favorecer o pensamento crítico, assim como a atividade dos públicos
na procura dos seus interesses percetivos e informativos. Julga-se poder afirmar-se que
as propostas educativas do museu de arte contemporânea têm como objetivo principal
desenvolver a literacia visual dos seus públicos através da formação do gosto. Contudo,
tal como Helena Santos (2008, p. 82) perceciona:

“Os processos de construção de gosto tendem a gerar efeitos de cumulatividade e ecletismo culturais,
mais do que alargamento do seu espectro sociológico”.
182

Ou seja, falar de formação de públicos significa falar de democracia cultual? Talvez


não.

Tal como já se teve oportunidade de referir, a formação de públicos, para a cultura, tem
sido uma prioridade das políticas culturais nacionais. Nestas, sem dúvida que é central o
lugar que os serviços educativos ocupam, pelo que se crê que cabe a estes a inculcação
do gosto cultivado, essencialmente, nos mais jovens e nos não-públicos. Como
Martinho (2011) argumenta, esta orientação política é acompanhada de um incentivo ao
contacto regular entre as escolas e os museus, que se verifica no documento
Contribuição para a Formulação de Politicas Públicas no Horizonte Cultura 2013,
relativas ao tema Cultura, Identidades e Património produzido entre os Ministérios da
Cultura e da Educação (Santos M. d., 2005). Ou seja, a integração educação escolar e a
não-escolar tem sido apontada como a solução para a formação de públicos.

Questão que não parece nova tendo já sido apontada por Bourdieu & Darbel ([1969]
2007) e entre nós por autores como José Madureira Pinto (2007) ou João Teixeira Lopes
(2001; 2007).

António Firmino da Costa (2004), por sua vez, faz uma chamada de atenção para o que
está implícito quando de trata de formação de públicos para a cultura. Para o autor, está
implícito a “desejabilidade”, isto é, valorização positiva desta estratégia, que convém
por em questão e problematizar os múltiplos interesses que para esta convergem.
Salienta ainda que se faz uma relação de causa-efeito entre “competências e
apetências”, expectando-se que a formação de competências (artísticas) gere apetências
(consumo) o que não é necessariamente verdade. Por fim, alude à relação entre
“coletivos e indivíduos”, visibilizando que o conhecimento dos primeiros (por via, por
exemplo, dos estudos de públicos) não conduz ao aparecimento das especificidades dos
segundos. Para o autor, este é um exercício que potencia um uso mais reflexivo do que a
formação de públicos implica.

// Para terminar

Neste último ponto, desta viagem teórica, procurou-se sistematizar um conjunto de


conceitos e pressupostos que constituem para dar corpo à educação cultural
contemporânea. Analisar as origens das preocupações educativas dos museus aparece
pela necessidade de afirmar a temporalidade destas. Argumentou-se, então, que a
contemporaneidade trouxe novos contornos à educação em museus, que se organizou no
183

que se denominou de teorias sobre a educação nos museus de arte contemporânea.


Nestas procura-se visibilizar os diferentes discursos que lhe apontam múltiplos “efeitos
secundários”, desde a experiência estética e incentivo à cidadania, passando pela
formação para o mercado de trabalhadores criativos, pelo apoio à educação escolar, até
formação de públicos tão cara à Sociologia da Cultura portuguesa.

Interessa, por conseguinte, nesta dissertação, conhecer as estratégias, os recursos


educativos e a pedagogia museológica (Hooper-Greenhill, 2007) utilizados em espaços
de arte contemporânea europeus e de que forma incorporam, rejeitam ou sintetizam
estas influências.

NOTAS FINAIS DE UMA PROBLEMÁTICA TEÓRICA

Ao longo deste capítulo analisaram-se os processos de radicalização do capitalismo e as


interligações entre este e a cultura, no sentido de salientar que o capitalismo tardio é
acompanhado e acompanha a emergência do pós-modernismo enquanto narrativa
possível sobre o atual momento social, cultural e artístico, sendo neste contexto de pós-
modernismo que é pensada a emergência da cultura na sociedade contemporânea, seja
enquanto crítica à massificação, seja enquanto emergência da dimensão mais radical e
crítica da arte contemporânea. Isto apesar da atenção a ter face a um eventual risco de
substituição dos recursos redistributivos pelo reconhecimento cultural, de que fala
Nancy Fraser (2002).

Assim, observa-se em que moldes o princípio de mercado tem colonizado áreas até
então consideradas inacessíveis, como a cultura e a educação e percebem-se as
consequências dessa colonização. Tomando como ponto de partida a definição de
cultura, como um constructo social e histórico que sofre transformações, por relação às
dinâmicas de troca no seio das relações sociais capitalistas, discutiu-se a
contextualização social, política, histórica e económica, situando-a em tempos de
viragem de finais do séc. XX e a primeira década do séc. XXI. Conceptualizou-se este
período como sendo de crescente aproximação, entre a dimensão económica da cultura
e a dimensão cultural da economia.

Sem dúvida que diversas obras de arte contemporânea questionam e reclamam sobre a
extensão espacial e social da globalização, interrogam os clássicos papéis de género,
184

classe, etnia, idade, etc., assim como a submissão individual às lógicas do modelo
capitalista. Distanciando-se dos padrões estéticos do modernismo e dos cânones
clássicos, a arte contemporânea desafia os seus interlocutores, instigando-os a olharem a
arte como parte da esfera quotidiana, comprometida com as questões da sociedade
contemporânea. Estas são, aparentemente, duas ordens de sentido, preocupando-se com
as mesmas questões, mas talvez desencontradas pela distância dos seus códigos. Esta
estratégia cultural participativa da arte contemporânea pode ser uma das formas de
evitar o risco de substituição de que falava Fraser (2002).

De igual modo, se pretendeu sustentar que a assunção de que a escola, por si só, não é
mais o único parceiro privilegiado desta fase do capitalismo pós-nacional e pós-
industrial, reforçando a dimensão educativa, na relação com mercado, de outras
instituições públicas, nomeadamente das instituições culturais. Estas são, por isso,
frequentemente estruturadas em torno de modelos não-formais e mais flexíveis de
educação e de alguma homogeneidade cultural europeia, parceiras centrais na formação
de massa criativa necessária nesta nova fase do capitalismo. Importa reter que a
educação em museus é enquadrada neste movimento de reconhecimento das
potencialidades dos contextos não-escolares, no capitalismo tardio e numa sociedade
progressivamente global e heterogénea.

Assim, as galerias e museus de arte contemporânea, que nascem da crítica ao museu


moderno, têm ocupado uma posição chave na estratégia da cidade criativa, cara ao
projeto europeu de integração pela diversidade cultural. Usualmente são instituições de
elevado reconhecimento social, sediadas em edifícios marcantes na cidade, muitas
vezes, simbolicamente emblemáticos dos processos de transição capitalista que,
frequentemente, se alimentam da criatividade de vanguardas artísticas, podendo assim
complementar e/ou desafiar a educação mais formal.

Neste sentido, não deixa de ser pertinente questionar se é possível afirmar que a
consolidação da escola de massas transferiu a discussão sobre o acesso à escola para o
sucesso escolar. Contudo, as mesmas circunstâncias de desfasamento, face a uma
cultura legitimada não conduziram à discussão nem sobre o acesso, nem sobre o
sucesso dos diversos públicos no museu. Observa-se não só um desfasamento entre o
que é homologado pelo museu, como cultura legítima objetivada, e as disposições dos
não-públicos, mas também um desfasamento entre aquilo que o pós-museu (Hooper-
Greenhill, 2000) afirma ser e o que parece ser. Por conseguinte, a questão em torno da
185

representatividade da multiplicidade de diferenças (género, etnia, classe, religião)


presentes, ou não, num espaço institucional legitimador como o museu, conduz à
discussão da igualdade de acessibilidade a esta instituição educativa.

Aqui o exercício da cidadania aparece como um efeito positivo. Porém, traduzir-se-á


esta expressão cultural numa receção mais crítica e reclamada da obra de arte? Ou seja,
retoma-se a ideia de que a formalização de uma atividade educativa do museu surge
usualmente objetivada num departamento, numa tentativa de apaziguamento de uma
reclamação por direitos culturais. Por conseguinte, o aumento do acesso dos grupos
sociais negligenciados levará o museu incorporar essas diferenças, tal como a escola,
legitimando outras formas de expressão cultural, além das eruditas? Ou optará o museu
pelo reforço das suas práticas de tradução cultural, através de pedagogias diferenciadas?
Nas palavras de Worts (2003), irá o museu sustentar a sua programação nos outputs –
exposições – ou nos outcomes – no sucesso? Procurará um equilíbrio delicado entre ser
uma “instituição cultural pública” e um “fórum de experimentação artística”? questões a
que se procurará responder na II parte desta dissertação, com recurso a análise dos três
casos em estudo.

Neste capítulo, articulou-se diversas propostas interpretativas e de reflexão teórica,


permitindo o foco selecionado identificar as perspetivas que analisam as atuais
transformações sociais, culturais e educativas, como enraizadas historicamente e
articuladas com as dinâmicas contemporâneas.
186

II PARTE.
A EDUCAÇÃO
CULTURAL
CONTEMPORÂNEA
187

Capítulo III. Os Espaços da Arte Contemporânea:


Contextualização de Três Capitais Europeias da Cultura
(Liverpool, Vilnius e Porto)

INTRODUÇÃO

As transformações das sociedades ocidentais das últimas décadas do séc. XX,


originadas pela passagem a um capitalismo tardio, são marcadas por processos de
desindustrialização, que acarretaram elevados índices de desemprego e desestruturaram
seriamente a organização da vida social existente até então.

De igual modo, o desmantelamento da União Soviética e do chamado Bloco de Leste


significou a des/re/estruturação de um modelo social, político, económico e cultural,
fortemente centralista e “comandado” pelo chamado socialismo de estado.

Decorrente e par com todas estas transformações, emerge e observa-se uma ideologia
sobre a construção de uma sociedade do conhecimento e da informação, em que a
dimensão cultural das cidades se torna fator de diferenciação e de distinção favorável a
um posicionamento competitivo na cena mundial. Contudo, os usos que as cidades
fazem deste discurso diferenciam-se, por um lado em virtude das condições sócio-
históricas e, por outro, das oportunidades que capitalizam contemporâneamente.

Uma das oportunidades desse reposicionamento competitivo emerge com maior


evidência na última década do séc. XX e está associada ao evento Capital Europeia da
Cultural, manifestação mais visível e mais duradoura da política cultural da União
Europeia.

Nesse sentido, no presente capítulo, que tem por objetivo central contextualizar as três
galerias em estudo, há uma concentração inicial em torno da discussão enquadradora
que destrinça algumas das interceções entre políticas e instituições culturais europeias,
tendo por pano de fundo a retórica da cidade criativa. Num segundo momento, faz-se
188

uma análise exploratória sobre a evolução estratégica do evento CEC, através da


dualidade dos seus objetivos. Por fim, discutem-se os processos de revitalização urbana
em três CEC – Liverpool, Vilnius e Porto – objeto de análise, de modo a perceber o
lugar ocupado nesses contextos (também na cena europeia) pelas 3 Galerias de Arte
Contemporânea – Tate Liverpool, Šiuolaikinio Meno Centras em Vilnius e Museu de
Arte Contemporânea de Serralves no Porto.

1. D ESEMARANHAR DAS I NTERCEÇÕES ENTRE P OLÍTICAS E

I NSTITUIÇÕES C ULTURAIS E UROPEIAS

"Se aceitarmos, uma vez mais, o repto […] – de que a data de 11/9 de 2001 inaugurou o novo século,
tal como a de 9/11 de 1989 encerrara o anterior, - então é possível afirmar que a década de 90, na sua
marcante transitoriedade, não corporizou apenas a vertigem do fim-de-século; constituiu, ainda, a
celebração de um fim-de-festa cultural" (Grande, 2009, p. 457).

Nuno Grande (2009) apoiado em Manuel Castells (2002) procura basilar o atual
momento a partir de acontecimentos culturais e sociais como o maio de 1968, assim
como acontecimentos políticos, como a derrocada da União Soviética, por um lado, e a
construção da União Europeia, por outro. Intrincados em causa e efeitos mútuos, estes
acontecimentos, segundo o mesmo autor, assinalaram a nova “Era da Informação”, na
qual as cidades globais parecem assumir protagonismo, pela conjugação de três fatores
emergentes e interrelacionados: “crise do Estado-nação”, “sociedade em rede”, e
“economia informacional” (Castells, 2002).

// A “era da informação”

Sugere Nuno Grande (2009) que da chamada “crise do Estado-nação” emergem os


territórios de relação: de índole supranacional, como a União Europeia; e de índole
sub-nacional, como a cidade. O que não significa que as diferenças de escala destes
territórios de relação (Grande, 2009) os desarticulem, pelo contrário. Estes territórios
da relação emergem de uma complexa dialética local-global, fomentada pelo fenómeno
da globalização cultural (Melo, 2002), como resultado de uma nova ordem do sistema-
mundo. A sua expansão resulta de um processo de compressão (Giddens, 1996),
189

fazendo com que alguns fenómenos, tais como os culturais, escapem aos Estados-nação,
na medida em que contribuem para a intensificação de contactos transnacionais
(Featherstone, 1997), nos quais os grupos ganham autonomia e podem reclamar uma
participação igualitária (Fortuna, 1999), ao mesmo tempo que emergem aparelhos
político-económicos supranacionais, como a União Europeia (UE) (Castells, 2002;
Warde, 1999). Fundada em acordos multilaterais, a UE para além de se ter vindo a
transfigurar-se num projeto económico e político comum para os países europeus, numa
fase mais recente tem procurado a criação de um referencial na área de políticas sociais
públicas, que visa gerenciar as circunstâncias de produção e receção dos efeitos da
globalização pelos estados-membros (Featherstone, 1997).

Interessa, na construção desta problemática teórica, questionar esse propenso referencial


comum europeu para a cultura, configurado, essencialmente, no programa Cultura
(2007) e em particular no projeto Capital Europeia da Cultura, que se irá desenvolver
mais à frente.

Continuando a análise dos fatores que, segundo Castells (2002), explicam a nova “Era
da Informação”, na configuração de uma “sociedade em rede”, a identidade pós-
moderna parece procurar a pertença a um local, ao mesmo tempo que se desenraíza do
mesmo, reinventa nostalgicamente tradições, territorialização e cidadanias, tal como é
argumentado por Sassatelli (2009), quando se refere a cidadania europeia.

Desde logo, no espaço europeu, as cidades têm sido consideradas lugares de


protagonismo na construção de um espaço político e cultural europeu, nomeadamente
através de eventos como a Capital Europeia da Cultura (CEC). Este acontecimento pode
ser considerado como resposta à reclamação da promoção anual de uma cidade, facto
social que conceptualiza o espaço urbano como lugar da convergência entre os dois
territórios de relação (Grande, 2009), criando oportunidades para que a identidade
europeia se funde num cosmopolitismo revitalizador de identidades locais, agora
reconfiguradas pela diversidade cultural (Corijin e Van Praet, 1997). Nesta perspetiva, a
cidade é vista como palco privilegiado de intensas e diversificadas manifestações
culturais, suportadas por equipamentos culturais e/ou por eventos transnacionais, cujo
objetivo central tem sido assim descrito:

“fomentar o conhecimento que os cidadãos europeus possam ter uns dos outros e ao mesmo tempo
para criar um sentimento de pertença a uma mesma comunidade. A este respeito, a visão geral do
190

evento deve ser Europeu e o programa deve ter um apelo a nível europeu” (AA.VV., European Capital
of Culture, 2007, s/d).

No último meio século, os espaços dedicados à cultura visual tornaram-se poderosos


meios de visibilidade urbana e símbolos do marketing de cidade. Ícones de uma
identidade urbana, as Galerias de Arte Contemporânea, enquanto espaços dedicados à
produção, exposição e fruição da arte dos nossos dias, parecem concentrar em si os
heterógenos processos da globalização, simbolizando, ao mesmo tempo, o cruzamento
entre as múltiplas escalas e, por conseguinte, revelam-se terrenos férteis para a
etnografia global (Burawoy, 2000).

Na verdade, estas galerias tornaram-se recursos da cidade global (Sassen, 2001), ao


mesmo tempo que infraestruturas cosmopolitas que têm ajudado a discutir as condições
de existência na “Era da Informação” (Castells, 2002).

A globalização é muitas vezes vista como um discurso hegemónico que afeta todas as
possíveis formas sociais, em todo o mundo. No entanto, a síntese possível entre forças
globais e processos locais (Burawoy, 2000) depende de múltiplos fatores,
nomeadamente da forma como as sociedades e culturas locais se reconhecem no seio do
sistema mundial. Isto é, se se reconhecem mais como globalismo localizados, ou
localismo globalizados, como Boaventura de Sousa Santos (2002, p. 179) distingue:

"O primeiro que eu chamaria de localismo globalizado, implica o processo pelo qual determinado
fenómeno local é globalizado com sucesso [..] A segunda forma de globalização chamo globalismo
localizado, envolve o impacto específico de práticas e imperativos transnacionais nas condições locais,
que são assim reestruturado a fim de responder a esses imperativos transnacionais"

Esta ideia de Boaventura Sousa Santos encontra paralelo nas políticas culturais
Europeias que têm emergido com um forte sentido de revalorização do local, à escala
urbana, sendo o evento Capital Europeia da Cultural, inserido no Programa Cultura, o
seu exemplo mais expressivo. Neste sentido, são uma espécie de “nós” da “sociedade
em rede”.

Consequentemente, aparece como patente que o espaço urbano se articule com as


características principais de um regime político e económico e que facilite a
consolidação de uma estrutura social que suporta esse regime. Ou seja, o traçado urbano
de cada cidade tende a ser desenhado pela mão da história política, social e económica.
A educação, de forma similar, tem um conjunto complexo de relações com e no seio dos
processos históricos, políticos e económicos de globalização. Todavia, observa-se um
191

processo de convergência das políticas educativas e culturais em países que têm


histórias políticas bastante distintas, na medida em que passam a coexistir dentro de um
espaço comunitário comum – a União Europeia.

Existe, ainda assim, uma variação no ritmo e no grau de intensidade da implementação


destas novas políticas, uma vez que fazem parte, em geral, de um mesmo conjunto
flexível de políticas, enfatizadas e implementadas de forma diferente em circunstâncias
e locais diferentes. Pretende-se, assim, compreender os aspetos comuns e as clivagens
locais, não através do que poderia ser apelidado de “convergência simples”, ou seja, a
implementação das mesmas políticas em diferentes estados-membros, mas sim debater
uma “convergência de paradigmas” – a invocação de políticas, que intercetam a
educação e a cultura, com uma base de princípios e objetivos comuns, mecanismos
operacionais idênticos e efeitos semelhantes (Ball, 1990), que se corporizam no evento
Capital Europeia da Cultura.

Neste âmbito, as políticas culturais europeias têm sido percecionadas, não como
baseadas numa cultura preexistente ou em processo, mas como uma ferramenta de
integração Europeia (Sassatelli, 2009). Contudo, não se pode considerar as medidas
culturais europeias como uma política, porque, até recentemente, a dimensão cultural do
projeto de integração europeu era considerada um aspeto menor do aparelho burocrático
da UE, sem qualquer aspeto vinculativo para os estados-membros, tendo sido
reconhecida pela própria EU só no final dos anos 1980. É com o Tratado de Maastricht
(1992), no Artigo 128.º, que a cultura foi oficialmente incluída no âmbito das
competências da Comunidade. Vera Dantes (2007), através da análise da evolução em
termos jurídicos e políticos, na obra A Dimensão Cultural do Projeto Europeu – Da
Europa das Culturas aos Pilares de uma Política Cultural Europeia, argumenta que
uma política cultural especificamente Europeia, ainda não existe e, provavelmente,
nunca existirá devido à relutância dos Estados-nação em abandonar a sua soberania
neste domínio. Dada a impossibilidade de se falar de “cultura europeia” (o que
implicaria uma homogeneidade que não existe), só se poderá falar de uma dimensão
cultural Europeia que reflete e perpetua a forte dialética da diferença definidora do
próprio projeto Europeu.

Esta questão parece dever-se à recorrente incidência sobre a falta de uma identidade
europeia historicamente definível. Monica Sassatelli (2009) considera a Europa como
um enquadramento, e como tal, é um projeto eternamente vago e indefinido. Contudo,
192

para esta autora que explora o evento de Capital Europeia da Cultura como prática de
identidade, é precisamente esta indefinição que é distintiva do espaço europeu.
Sassatelli (2009) argumenta ainda que o evento Capital Europeia da Cultura é uma clara
tentativa de estimular uma identidade europeia que, enquanto dispersa os seus signos,
procura que esta seja coexistente com pressupostas culturas nacionais e locais,
reconhecendo, tal como Giddens (1996), que a globalização pressupõe a invasão dos
contextos locais, mas não a sua destruição. Forjam-se, por conseguinte, novas formas de
identidade e expressão cultural local.

Neste sentido, as políticas europeias para a cultura parecem vir a ser vistas como
propulsores de uma pressuposta cultura e identidade europeia, na mesma ordem de
sentido que António Teodoro e Carlos Alberto Torres (2005) sustentam que a escola de
massas foi instrumentalizada na consolidação do estado-nação. Por outras palavras, a
emergência cultural e simbólica do Estado e da correspondente cidadania nacional
resultou, em boa parte, da ação socializadora da escola pública. Impõe-se, deste modo,
questionar se serão as instituições culturais incentivadas a moldar, construir, ou mesmo
criar a sua identidade, motivadas pelas políticas culturais europeias, como uma forma de
dissipar o problema de legitimidade da EU?

O 3º fator da Era da Informação é a denominada Economia Informacional, ainda


segundo Castells (2002). Neste sentido, pode afirmar-se que na análise da dimensão
simbólica da globalização, ao considerar a complexidade e pluralidade dos vários
centros da geopolítica em interação com periferias igualmente heterogéneas, bem com
as novas possibilidades que se abrem a culturas híbridas ou de interseção, a cidade
assume-se como uma concentração e densificação das principais dimensões da
“economia informacional”, nomeadamente as suas características imateriais, criativas
e simbólicas (Melo, 2002). Assiste-se, tal como já analisado no segundo capítulo, a uma
crescente aproximação entre a dimensão económica da cultura e a dimensão cultural da
economia, como duas faces da mesma moeda (Jameson, 1996).

Com o colapso do fordismo, o processo de desindustrialização subsequente acarretou a


necessidade de encontrar novas estratégias para consolidar a sustentabilidade das
cidades. Políticas públicas e financiamentos têm sido direcionados para modelos de
regeneração urbana orientadas por projetos artísticos e culturais, motivados pela
suposição de que é possível converter capital simbólico em capital económico,
193

incentivando assim as cidades a investir em património, imagem e cultura, bem como na


formação de uma massa crítica e criativa.

O primeiro conjunto de contributos teóricos, em que o conceito de cidade criativa é


usado numa ampla perspetiva de planeamento urbano, aparece nos trabalhos de Charles
Landry com Franco Bianchini “The Creative City” (1995) e na obra posterior de
Landry “The Creative City: A Toolkit for Urban Innovators” (2000). Este conjunto de
trabalhos emerge do movimento de regeneração urbanística através das indústrias
culturais, no Reino Unido, no final de 1980 e início de 1990. Landry e Bianchini (1995)
apresentam um conceito amplo de criatividade, posicionando-se para além da dimensão
artística, mais no sentido de pensamento descentrado. Sem dúvida, o trabalho destes
autores coincide com uma nova interpretação do papel da cultura na política cultural
Europeia.

Saskia Sassen (2001), por sua vez, de forma também pioneira, chama a atenção na sua
obra The Global City para o modo como um novo poder financeiro fundado entre
cidades globais – como Nova Iorque, Londres, Paris e Tóquio – se sobrepõe à soberania
dos Estados-Nação, apontando a obsolescência dos sistemas produtivos e
administrativos do Estado-nação moderno e a crescente centralidade das cidades na
equação da economia de casino. Sedes de transnacionais, as cidades globais, como o
mesmo autor as apelida, passaram a concentrar um conjunto de serviços altamente
especializados, que, por sua vez, produzem um leque alargado de empregos qualificados
e qualificáveis no setor terciário. Esta situação parece captar novos habitantes para os
centros históricos, frentes marítimas e zonas desindustrializadas das cidades pós-
industriais. Ao mesmo tempo, estas “cidades globais” tornam-se territórios de produção
cultural e criativa forte, pela multiplicidade, confronto e mesclas sociais e culturais. Um
habitat fértil para a proliferação de interstícios culturais nascidos dos encontros entre
múltiplos localismos trazidos por uma classe, já não tão emergente quanto isso, de
artistas, intermediários/as culturais e outros/as profissionais do campo artístico.
Citando Saskia Sassen (2006, p. 2):

“Pessoas de todo o mundo cruzam-se de formas que não o fariam noutros lugares. Nestas cidades
complexas, a diversidade pode ser experimentada através das rotinas da vida diária, nos locais de
trabalho, transportes públicos e eventos urbanos, tais como manifestações ou festivais. Além disso, na
medida em que são poderosos atores globais fazem exigências cada vez maiores no espaço urbano e,
assim, afastam os usuários menos poderosos. O espaço urbano torna-se politizado no processo de
reconstrução de si mesmo. Isso é política incorporada na fisicalidade da cidade.“
194

A partir desta ideia de cidade criativa, podemos falar numa reabilitação urbana através
da cultura que tem sido observada por autores como Otília Arantes (2000), como
sinónimo de gentrificação. Em poucas palavras, gentrificação significa que após os
processos regeneração urbana, liderada por projetos artísticos e culturais, os/as
habitantes dessas áreas são forçados a moverem-se, porque não conseguem suportar os
custos de vida após a intervenção, ou como John Belchem (2007, p. 233) afirma, os
habitantes locais não conseguem pagar as “rendas regeneradas”. Além de regeneração
da cidade, há uma intenção de "regenerar" a população local ou substituí-la por grupos
com uma afinidade eletiva com o ethos da "classe criativa" e com o espírito do projeto
urbano neoliberal que Richard Florida preconiza na obra The Rise of the Creative Class
(2002). Perdem a “sua cidade” e as oportunidades que os centros urbanos tendem a
fornecer para indivíduos simbólica, económica e culturalmente mais capitalizados.

Para construir esta cidade criativa, as instituições culturais, tais como museus e galerias
(Lorente, 2003), bem como eventos culturais, como é exemplo a Capital Europeia da
Cultura (CEC), têm sido cada vez mais aceites como componentes críticos e
instrumentos que legitimam uma estratégia para aumentar a atração do espaço urbano.
Neste âmbito, Melina Mercouri, aquando da criação da CEC, argumenta:

“it was time for our (the Culture Ministers) voice to be heard as loud as that of the technocrats.
Culture, art and creativity are not less important than technology, commerce and the economy”
(Palmer/Rae Associates, 2004, p. 41).

Esta ideia apoia-se na crença de que a cultura tem o potencial para superar uma pesada
herança industrial, a fim de desenvolver novos produtos, novas imagens, novas
estruturas organizacionais e, finalmente, novas e altamente competitivas especializações
económicas (Florida, 2002) através da projeção de fluxos nacionais e internacionais de
investimento, pela aceleração de estratégias de reestruturação urbanística e, ainda, pela
consolidação de novas identidades urbanas (Harvey, 1989; 2001).

Neste sentido, a cidade aparece como protagonista da “Era da Informação”. É vista


como o elemento essencial desta nova era, ao mesmo tempo que emerge um outro
território de relação de nível supranacional. Já não se trata dos nós da rede, mas da
própria rede. Existe um projeto político, económico e cultural que procura
instrumentalizar a cultura em busca de respostas, face à crise de identificação dos
cidadãos com este projeto e face à crise do fordismo. E uma dessas respostas aparece na
forma da Capital Europeia da Cultura. Evento que, tendo sede nas cidades, tem como
195

objetivo criar as linhas que articulam cada nó da rede europeia. Apostado em criar, pela
síntese, uma identidade e uma cidadania europeia, a CEC é também um evento que
incorpora a retórica da construção da cidade criativa.

No próximo ponto analisar-se-á, com mais detalhe, a evolução histórica do evento CEC.

1.1. C I D AD E C RI A TI V A E A C A PI T AL E U R OP EI A DA C U LT U R A :
R E L AÇ ÕE S ME N OS EV I DE N TE S

Concentra-se agora a atenção, de forma não exaustiva, na evolução histórica do evento


Capital Europeia da Cultura, considerando, de igual modo, a evolução das estratégias de
nomeação das cidades.

Assim, realça-se que o evento “Cidade Europeia da Cultura” foi lançado em 13 de junho
de 1985 pelo Conselho de Ministros e por iniciativa da ministra da cultura grega Melina
Mercouri. Concebido como um meio de aproximar os cidadãos da União Europeia, a
CEC promove, anualmente, uma cidade como centro da cultura europeia, tendo a
diversidade na unidade como mote, tal como se observa na seguinte afirmação do
Conselho Europeu em 1985:

“Os ministros responsáveis pela cultura consideram que o acontecimento “Cidade Europeia da
Cultura” deverá ser a expressão de uma cultura que, na sua emergência histórica e
desenvolvimento contemporâneo, seja caracterizada por ter tanto de comum como de riqueza que
nasce da diversidade.” (Corijin e Van Praet, 1997, p. 139).

Na transcrição em epígrafe é percetível o reconhecimento da diversidade cultural


europeia e a recomendação de que a identidade europeia deve ser fundada nas cidades,
enquanto pontos nevrálgicos da convergência entre o supranacional e o local. Assim,
esta identidade europeia deveria ser construída na base de um cosmopolitismo que
revitaliza a emergência das identidades locais reconfiguradas pelo reconhecimento da
diversidade europeia, a par da tomada de consciência da “[…] globalização como o
resultado de um número crescente de fluxos culturais que alargam e penetram as
fronteiras dos Estados-nação” (Corijin e Van Praet, 1997, p. 137).

O conceito original do evento consistia em todos os anos um estado membro, por ordem
alfabética, nomear uma cidade para organizar o evento. As primeiras 15 cidades (1985-
1999) a serem escolhidas foram: 1985 Atenas (Grécia), 1986 Florença (Itália): 1987
196

Amesterdão (Holanda), 1988 Berlim (Alemanha); 1989 Paris (França); 1990 Glasgow
(Reino Unido); 1991 Dublin (Irlanda); 1992 Madrid (Espanha), 1993 Antuérpia
(Bélgica), 1994 Lisboa (Portugal), 1995 Luxemburgo (Luxemburgo), 1996 Copenhaga
(Dinamarca); 1997 Thessaloniki (Grécia), 1998 Estocolmo (Suécia); 1999 Weimar
(Alemanha).

No início, muitas capitais nacionais usufruíram do título de capitais culturais, mas com
o passar do tempo, esse foco mudou para outras cidades, incluindo as de pequena e
média dimensão. Esta opção parece justificar-se pelo facto das cidades capitais serem,
por si só, capitais culturais e como tal, cidades capitais como Paris (1989) e Madrid
(1992) foram notadas como fracassos porque não se observou diferenças significativas
face a outros anos (Corijin & Van Praet, 1997). Nestas cidades, a diversidade cultural,
os equipamentos culturais, e o fluxo de turismo já existiam antes de serem nomeadas
CEC, pelo que, o processo de nomeação das cidades foi alterado. Se de 1985 a 2004 as
cidades eram designados pelos governos nacionais nos respetivos Conselhos de
Ministros, a partir de 1992, o Conselho de Ministros da União Europeia propõe que: a
seleção das cidades alterne entre cidades da União Europeia e cidades de outros países
europeus; as cidades não devem consecutivamente ser da mesma zona geográfica
devendo existir um equilíbrio entre as cidades capitais e não-capitais; e duas cidades
poderiam ser designadas, conjuntamente. Estas propostas parecem retirar poder de
decisão aos estados-membros, procurando potenciar, desta forma, a ideia da diversidade
da união europeia assente nas cidades e não a unicidade dos Estados-nação
representados pelas suas cidades capitais (Representantes dos Estados-Membros
reunidos no Conselho, 1992).

Para a comemoração do novo milénio, no ano de 2000, nove cidades tiveram a


designação de Capital Europeia da Cultura. Essas cidades foram: Avinhão (França);
Bergen (Noruega); Bologna (Itália), Bruxelas (Bélgica); Cracóvia (Polónia), Helsínquia
(Finlândia), Praga (República Checa); Reykjavik (Islândia); e Santiago de Compostela
(Espanha) (Comissão Europeia, 2011). Apesar de ainda terem sido nomeadas algumas
cidades capitais, em 2000, a maioria das cidades nomeadas são cidades não-capitais. A
partir de 2001, com o par Porto-Roterdão, é implementado o par anual. Acordou-se para
o período 2001-2004, as Sete Cidades Europeias da Cultura: 2001 Roterdão (Holanda) e
Porto (Portugal); 2002 Bruges (Bélgica) e Salamanca (Espanha), 2003 Graz (Áustria);
2004 Génova (Itália) e Lille (França) (Comissão Europeia, 2011).
197

Em 1999, o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia concordaram que à


Cidade Europeia da Cultura deveria ser atribuído o estatuto de Ação Comunitária, no
âmbito da Decisão 1419/1999/CE (Parlamento Europeu e Conselho, 1999). Um novo
processo de seleção foi determinado e critérios de planeamento e avaliação foram
delineados. A decisão expressa no artigo 3 º indica que a nomeação deve incluir um
projeto cultural de dimensão europeia, assente principalmente em estratégias de
cooperação cultural, em conformidade com os objetivos e ações previstas no artigo 151
º do Tratado Maastricht 32. A partir de então, da cidade designada seria esperado que:
organizasse um programa cultural que valorizasse a cultura da própria cidade, bem
como o seu contributo para o património cultural comum europeu; envolvesse os
habitantes da cidade na programação e execução das atividades culturais; assim como,
cooperasse, de forma duradoura, com outros países europeus. Neste sentido, é
vivamente recomendado que se estabeleçam ligações entre o par anual de cidades. Por
fim, passa a ser obrigatório a apresentação de um relatório de avaliação dos resultados
do ano anterior, incluindo uma análise dos organizadores.

Em novembro de 2003, a Comissão apresentou ao Parlamento uma nova proposta de


alteração da Decisão 1419/1999/CE, que estabelece a Capital Europeia da Cultura como
uma Ação comunitária, para os anos de 2005 a 2019 (Parlamento e Conselho Europeu,
2006). A decisão 1419/1999/CE prevê que a nomeação da CEC passa a ser da
competência da EU. Neste sentido, é criada uma lista no qual se atribuiu a cada Estado-
Membro um ano específico. Podem apresentar como proposta de CEC ao Parlamento
Europeu, ao Conselho, à Comissão e ao Comité das Regiões, pelo menos duas cidades,
o mais tardar quatro anos antes do ano que lhe foi atribuído. Fica reservado aos Estados-
Membros a possibilidade de recomendar cidades, mas a decisão final é tomada pelos
organismos da EU já enumerados (Parlamento Europeu e Conselho, 1999).

O projeto de resolução propõe que, a partir de 2009, o par de Capitais Europeias da


Cultura deve ter em consideração a chegada dos novos Estados-Membros (Comissão
Europeia, 2010). Em 2005, o evento é restrito a cidades de países da UE.

32
Com o Tratado de Maastricht, assinado em 7 de fevereiro de 1992 e em
vigor a 1 de novembro de 1993, a União Europeia (UE) reconhece a
cultura como uma competência Europeia. O Artigo 151º (ex-artigo 128)
regula as atividades culturais a nível europeu e é a base para iniciativas
como o programa Cultura (2000 e 2007) (União Europeia, 1992).
198

No decurso da mesma decisão (Decisão 1419/1999/CE), é instituído um júri de seleção


das CEC propostas pelos Estados-Membros, constituído por peritos, que tem como
função a análise e seleção da CEC, comunicada através da publicação de um relatório
sobre as candidaturas, em função dos objetivos da ação. Este novo procedimento cria
uma competição entre as cidades do mesmo país. A título de exemplo, o Reino Unido, a
fim de constituir uma lista de cidades a propor como CEC, lançou um concurso
nacional, ao qual se candidataram doze cidades: Belfast, Birmingham, Bradford,
Brighton and Hove, Bristol, Canterbury and East Kent, Cardiff, Inverness and the
Highlands, Liverpool, Newcastle/Gateshead, Norwich and Oxford. Destas, seis cidades
foram propostas à EU, sendo Liverpool nomeada CEC 2008, em junho de 2003
(Department for Culture, Media and Sport, 2002). A Comissão Europeia nomeou a
Noruega como o anfitrião não-membro da EU para 2008, e Stavanger foi a escolha
norueguesa.

A lista dos Estados-Membros da EU responsáveis pela nomeação das Capitais


Europeias das Cultura 2005-2019 foi a seguinte: 2005 Cork (Irlanda); 2006 Patras
(Grécia); 2007 Luxemburgo (Luxemburgo) e Sibiu (Roménia); 2008 Liverpool (Reino
Unido) e Stavanger (Noruega); 2009 Linz (Áustria) e Vilnius (Lituânia); 2010 Essen /
Ruhr (Alemanha), Pécs (Hungria) e Istanbul (Turquia); 2011 Turku (Finlândia) e
Tallinn (Estónia); 2012 Guimarães (Portugal) e Maribor (Eslovénia); 2013 Marselha
(França) e Kosice (Eslováquia); 2014 Umeå (Suécia) e Riga (Letónia); 2015 Mons
(Bélgica) e Plzeň (República Checa); 2016 Donostia-San Sebastian (Espanha) e
Wroclaw (Polónia); 2017 Dinamarca e Chipre 33; 2018 Holanda e Malta; 2019 Itália e
Bulgária34 (Comissão Europeia, 2011).

1.1.1. Os diferentes sentidos e significados das CEC

De acordo com o European Cities and Capitals of Culture (Palmer, 2004), o conceito
de CEC está aberto a uma série de interpretações e, como tal, as principais motivações
para a nomeação, a missão e os objetivos têm variado de cidade para cidade ao longo da

33
Ainda não são conhecidas as cidades que irão ser designadas para 2017,
2018 e 2019.
34
A Bulgária só participará no evento Capital Europeia da Cultura 2019
se aderir à EU (Parlamento e Conselho Europeu, 2006).
199

sua história. A maioria das cidades teve múltiplos objetivos, na maioria das vezes
referindo-se à necessidade de aumentar a visibilidade internacional, executar um
programa de atividades culturais e eventos de artes, atrair visitantes e aumentar o
orgulho e a autoconfiança. Para outras cidades, os objetivos passaram, também, pela
formação de públicos para a cultura, melhoria das infraestruturas culturais e ainda pelo
desenvolvimento de relações com outras cidades e regiões europeias, na promoção da
criatividade e a inovação dos/as artistas locais.

Apesar do evento CEC ter nascido com o intuito de unir a Europa pela sua herança
cultural, rapidamente as cidades se aperceberam da importância simbólica deste evento
para a atração de investimento financeiro e, como tal, têm-no usado como uma
oportunidade para alavancarem novas soluções para a cidade. Escolhas como Glasgow
(1990) (Garcia, 2005), Porto (2001), Vilnius (2009) e Liverpool (2008) apresentaram-
se, como Corijin e Van Praet (1997) denominam, de “projetos de enobrecimento
urbano”, no qual, as cidades utilizam a cultura como instrumento e não como objetivo
em si mesma, possivelmente, subvertendo o sentido seminal que Melina Mercuri lhe
havia dado.

Mais especificamente desde Glasgow (1990) – primeira cidade não capital a ser
nomeada CEC –, que este evento tem sido usado como instrumento vital, gerador de
processos de revitalização urbanística. É, ao mesmo tempo, usado como fator de
diferenciação e trunfo no jogo da competição interurbana pela atração de pessoas, bens
e capitais. Este uso do programa tem sido justificado devido à crença gerada, quanto à
possibilidade de conversão de capital simbólico em ganhos de natureza económica. Ora,
tal facto, tem vindo a suscitar uma forte aposta em políticas culturais públicas de
espetacularidade e/ou políticas urbanas centradas na cultura (Corijin e Van Praet, 1997)
de modo a atrair públicos à cidade, usando especificamente determinados ícones
emblemáticos artístico-culturais e patrimoniais, como são exemplos ou o MACS, no
Porto, a Tate, em Liverpool; o CAC, em Vilnius.

Todavia, o pressuposto da regeneração urbana, só é tornado explícito em 1999, como se


observa no seguinte objetivo: "explorar o património histórico e arquitetónico urbano e
qualidade de vida na cidade" (1419/1999EC, s/p), enquanto até então tinha sido parte
implícita da política cultural europeia, desde 1990. Por conseguinte, os efeitos
económicos da CEC e os efeitos de regeneração urbana que aparecem como causa e
efeito do sucesso económico, tornaram-se um dos objetivos mais importantes da CEC,
200

juntamente com a comemoração simbólica, a apresentação de imagens e a articulação


de identidades. É neste sentido que a CEC é a mais antiga e firmemente
institucionalizada forma explícita de política cultural na EU. Recorrendo a fundos
mínimos, a EU potencia uma a visibilidade bastante ampla, sendo comumente vista
como uma celebração dos territórios de relação (Grande, 2009).

Glasgow 1990 (Garcia, 2005) parece ter marcado um ponto de viragem nos usos na
cultura, não só nas políticas culturais europeias, como nas estratégias urbanas. A mesma
autora (2004) argumenta que esta abordagem cultural não assume apenas a forma de
simples iniciativas culturais efémeras, antes adota a base de uma política cultural
abrangente que visa estabelecer a identidade, mais do que Europeia, a da própria cidade,
a fim de competir na cena global. As cidades industriais embarcam numa espécie de
redefinição identitária e imagética agressiva a fim de combater a degradação urbana e a
decadência, originadas na passagem a uma economia informacional (Castells, 2002). O
foco desta redefinição agressiva é posto, como David Harvey (2001) argumenta, sobre
megaeventos, como as Olimpíadas e a Capital Europeia da Cultura.

Contudo, o Conselho Europeu parece ter integrado e reconhecido a validade destas


distorções, tal como se atenta no sítio da Internet da Comissão Europeia:

“Nos últimos 20 anos, o evento foi muito bem-sucedido, em termos de meios de resposta e para o
desenvolvimento cultural e socioeconómicos associados às cidades em questão”. (AA.VV., 2007,
s/p)

O evento de CEC não é certamente a única estratégia de regeneração conduzida através


da cultura. Exemplos de soluções, de orientação artística e cultural, para a regeneração
urbana estão espalhadas por toda a Europa, tendo Barcelona um dos principais
exemplos dessa estratégia. O gigantesco complexo cultural que inclui tanto o Museu
d'Arte Contemporânea e o Centro de Cultura Contemporânea tornaram-se a força motriz
por de trás do planeamento urbano e um ponto de referência para circuitos culturais e
atração turística. No fundo, a arquitetura do museu é o palco de encontro com a arte.
Indo um pouco mais longe, Nuno Grande (2009) sustenta que a conceção de novos
“museus globais” introduziu uma tensão entre arquitetura e arte contemporânea. Tensão,
esta, nascida do "efeito Guggenheim".

Em jeito de síntese, o evento CEC existe numa dualidade de objetivos. O primeiro é que
é uma "marca" única e, portanto, uma oportunidade para a visibilidade internacional e,
como se tem sustentado, tem um potencial de regeneração, tendo-se tornado um dos
201

principais objetivos que levam as cidades a competir pela nomeação a CEC; o segundo
é o aumentar da compreensão mútua entre os/as europeus/eias e aproximá-los/as. Esta
combinação de objetivos é a única e torna-a um dos principais instrumentos de política
cultural europeia.

Existe, por conseguinte, uma clara ligação entre a Capital Europeia da Cultura e os
debates atuais a nível da EU, enquadrados pela Estratégia de Lisboa 35, sobre a
contribuição da cultura no desenvolvimento da própria União Europeia. Reconhece-se a
cultura como um crescente catalisador para a regeneração económica, que contribui para
o surgimento de novas atividades económicas, associando criatividade a inovação,
também, como um instrumento de coesão social e territorial e como uma ferramenta
para melhorar a atratividade das cidades e regiões enquanto lugares para se viver, visitar
e investir.

Contudo, como Ana-Karina Schneider (2008) refere, a mera nomeação de uma cidade
como CEC advém do reconhecimento da sua condição periférica, em termos políticos e
económicos, mas também em termos culturais e artísticos. Neste sentido, o evento
aparece não mais como um reconhecimento de que uma determinada cidade sintetiza a
“cultura europeia”, mas que tal cidade precisa do apoio Europeu, para se reposicionar
no espaço regional e global, através da cultura. Esta orientação para construir "cidades
criativas" tem estimulado as políticas públicas a adotar fórmulas padronizadas para o
desenvolvimento cultural e urbano. Isso muitas vezes assume a forma de uma lista de
verificação de requisitos, tais como uma nova galeria de arte, um festival étnico, um
cluster de média e um cluster de indústrias criativas, e alguma arte pública. Atente-se no
próximo ponto no como Liverpool, Vilnius e Porto localizaram esta estratégia europeia.

35
Um dos objetivos apresentados para gerar valor tendo por base o
conhecimento, incorpora o fomento das indústrias criativas e culturais, a
par de aspetos múltiplos como a internet ou o envelhecimento ativo e
mesmo a interação entre biologia e engenharia, atente-se na seguinte
citação do documento Futuro da Estratégia de Lisboa-Estratégia
“UE2020”: “Estimular programas mobilizadores de criação de
conhecimento em áreas emergentes, tais como, economia de redes de
grande escala, tecnologias da Internet do Futuro, indústrias criativas e
culturais, sistemas e tecnologias de apoio à qualidade de vida e à
extensão da vida activa de idosos, e sobre processos biológicos associados
ao envelhecimento e sistemas complexos envolvendo as bases
matemáticas de sistemas de grande escala e com forte interactividade e a
interacção entre as ciências biológicas e humanas e a engenharia, com o
objectivo de assegurar a liderança europeia em âmbito mundial”
(Ministério da Economia, Inovação e Desenvolvimento, 2010, p. 6).
202

2. A C ULTURA E A R EVITALIZAÇÃO DA C IDADE P ÓS -


INDUSTRIAL : O S C ASOS DE L IVERPO OL , V ILNIUS E P ORTO

No início do século XXI, as cidades pós-comunistas e/ou pós-industriais de média


dimensão, como Liverpool, Vilnius e Porto, enfrentam transições paradigmáticas,
principalmente no que diz respeito à transição para uma sociedade baseada no
conhecimento (Harvey, 1989; 2001), mas paradoxalmente celebram um “fim-de-festa
cultural”, sendo Capitais Europeias da Cultura.

Liverpool, Vilnius e Porto partilham o título de Capitais Europeia da Cultura (CEC)


através do qual procuraram fazer face a estas profundas transformações económicas e
sociais que têm caracterizado esta nova fase de capitalismo. Como cada cidade,
apresenta a sua história e especificidades, optou-se por analisar separadamente cada
uma delas.

2.1. L I V E RP OOL : Q U A N D O SE É O M OT OR DA E ST R A TÉ GI A

I rather think about something like Tate Liverpool on the docks. You know... that’s a much more
interesting way of regenerating a place, because it's bringing an audience, is not just a place
where you can buy things, is not just a shopping centre. It's a place where you can have
experiences and where you can see the public collection of modern and contemporary art, as
well. (TL Learning Curator - Public Programmes J. T., 2008)

A Tate Liverpool, um dos casos em estudo, integra um projeto de regeneração urbana


através da cultura. O conceito da Tate no Norte, como ficou conhecida, enriquece a
proposta de regeneração urbana através da cultura, desenhada para o complexo
portuário de Albert Dock em Liverpool, tal como Jackson (2000, p. 27) constata:

“Urban development socialists pointed to the importance of establishing a sound infrastructure,


and providing high quality cultural and leisure activities in order to attract major investors and
manufacturing industries to the city”

Assente na ideologia da construção de uma sociedade do conhecimento e da


informação, Liverpool, desde os anos 1970, parece procurar uma estratégia de
regeneração na qual a dimensão cultural das cidades é observada como fator de
203

diferenciação e de distinção favorável para um posicionamento competitivo na


economia informacional.

Liverpool, enquanto cidade, assistiu, nos anos 1970, a um triplo golpe: colapso do
sistema económico do Império Britânico; introdução do transporte de contentores; e a
entrada na União Europeia, que conduziu ao declínio da indústria e ao encerramento das
docas. Porém, como Pedro Lorente observa, este declínio da cidade não é exclusivo
desta, sendo comum a outras:

"Roterdão atua como principal porto da Europa, absorvendo a maior parte do comércio marítimo
na União europeia, os seus concorrentes periféricos foram condenados a definhar em águas
paradas: os efeitos manifestam-se especialmente em Liverpool, Marselha e Bilbau, mas são
também viáveis em Génova, Vigo, Bristol, Glasgow, Antuérpia e Hamburgo. O declínio
económico, o desemprego, o crime, a desertificação, a degradação urbana, o radicalismo político e
a violência social têm sido endémicos desde a crise económica mundial de 1974 — talvez com
particular virulência nos inícios dos anos 1980” (Lorente, 2003, pp. 70-71).

Albert Dock, uma das docas do complexo portuário, tornou-se símbolo dessa transição.
Na época, as docas de Liverpool e o setor industrial, em geral, entraram em declínio
acentuado. Pedro Lorente (2003) afirma que o advento do transporte de contentores
sentenciou o encerramento das docas da cidade e de toda uma lógica económica assente
no comércio de bens de consumo da indústria pesada, com graves consequências
sociais:

“As laboriosas cargas e descargas de cargueiros de outrora, de mão-de-obra intensiva, foi


substituída pela passagem direta e mecanizada dos contentores entre barcos e camiões. Esta
situação tomou inúteis as velhas docas em linha com os seus armazéns adjacentes, à volta dos
quais se reuniram as populações dos tradicionais estivadores das históricas cidades portuárias. Para
além disso, no caso de Liverpool, Marselha e Bilbau, não só o conjunto das atividades
relacionadas com o porto foi transferido para fora delas, como também a posse dos negócios,
indústrias e indústria alimentar foram sendo apropriadas por empresas multinacionais baseadas
noutro lugar. Este facto tomou-se a grande causa da decadência física destas cidades” (Lorente,
2003, p. 70).

Vários planos foram desenvolvidos para a reutilização dos edifícios, mas nenhum
realmente se materializa. Consequentemente, em 1972, o cais é fechado e torna-se o
símbolo do colapso da economia local como um todo e da cidade, em geral (Lorente,
2003). Ficando ao abandono por quase dez anos, já que a remodelação do cais começa
quando o recém-eleito governo conservador de Margaret Thatcher, em 1981, percebe
que a cidade era incapaz de lidar com a própria regeneração e, assim, sob o auspício do
204

Ministro da Merseyside, criou o Merseyside Development Corporation (MDC). Este


organismo é criado na sequência dos motins em Toxteth36, no início da década de 1980,
assumindo a responsabilidade de regeneração e reabilitação da cidade (Mcintyre-Brown,
2001). Tanto a regeneração da Albert Dock e a criação da Tate Liverpool, como o
desenvolvimento de Otterspool para o Festival Internacional de Jardim são programas
que serviram de bandeira ao MDC.

Nesta busca pela revitalização, o Festival Internacional de Jardim é um evento realizado


nas docas sul de Liverpool, entre maio e outubro de 1984, reconhecido pela Associação
Internacional de Produtores de Horticultura e pelo Bureau Internacional de Exposições,
sendo o primeiro evento do género realizado no Reino Unido. Para o festival, alterando
radicalmente a paisagem industrial, são construídos sessenta jardins individuais,
incluindo um jardim japonês e pagodes; uma cúpula de vidro grande, múltiplas
esculturas alusivas à cultura pop da cidade, como um submarino amarelo, alusivo à
banda local – The Beatles – atualmente instalado no aeroporto John Lennon.
(International Garden Festival, 1984).

Múltiplas vozes apontam o sucesso e os erros do evento. Os primeiros, tendo por base o
elevado número de visitantes que a este aflui, e os segundos, à efemeridade da solução
de regeneração que o festival constitui. Após o seu encerramento, parte do espaço
original do Festival é transformado num conjunto habitacional, enquanto o restante,
depois de algumas tentativas de conversão em espaços de entretenimento, é abandonado
e permanece enquanto tal, ao longo dos últimos 20 anos. Até, que, em fevereiro de 2002
um grupo de residentes da parte sul da cidade forma uma campanha pela revitalização
do jardim, enquanto espaço público. Contudo, em setembro de 2009, um ano após a
CEC, é anunciado que os trabalhos de remodelação dos jardins, bem como dos lagos e
dos cursos de água associados, seriam iniciados por uma empresa privada, pondo em
risco o conceito de espaço de lazer público da Promenade Otterspool – passadiço à beira
rio – que havia sido iniciado na década de 1930, e que é defendido pelos moradores
locais.

Como Sharon Zukin (1996) sustenta, a valorização e exploração económica destes


recursos, sobretudo pela economia de serviços, é sustentada na intenção de promover o

36
Os tumultos de 1980, em Toxteth, duraram quatro dias, durante os quais 150 edifícios foram incendiados e 781
polícias ficaram feridos (Patterson, 2010).
205

reforço e o desenvolvimento do potencial económico destes e de fazê-los um fator de


renovação e de projeção externa de imagens atrativas, deixando de lado a satisfação dos
interesses e necessidades dos habitantes locais.

2.1.1. Criação da Tate Liverpool

Para dar resposta aos problemas de armazenamento da coleção da Tate, Alan Bowness,
diretor da galeria à data, procura um edifício, fora de Londres, que tivesse perdido o seu
propósito inicial e que pudesse ser transformado numa galeria 37. Bowness visitou várias
cidades no Norte de Inglaterra e escolheu Albert Dock como o lugar para a Tate do
Norte (McKain, 2008). Apesar de Liverpool ser a cidade natal de Henry Tate38, esta não
parece ter sido a principal razão para a escolha. Contudo, nos discursos de vários
colaboradores da Tate Liverpool, a ideia romântica de que esta implantação era o
retornar da Tate à cidade Natal do seu fundador não só está presente, como é transmitida
aos públicos nas atividades educativas como as visitas guiadas, tal como uma das Artist
Educator/ Information Assistant reporta em entrevista:

I started here with 15 min talks in the foyer, so that was sort of my training giving short talks – just
giving 15 min talk and that was the introduction to the Tate. My understanding is that Henry Tate
was from North West, Tate Britain was the first gallery, but when it was being built… well before
it was built Henry Tate wanted to have an art gallery because he had a massive collection. If you
open your collection out the public, you don’t have to pay the tax as if you keep it as a private
collection. So he wanted to open the gallery in the North West, the Walker Art Gallery was being
also built, so he thought: “No city needs two galleries”. So he built it in London instead. He felt
Liverpool wouldn’t possibly need two art galleries, so he built it in London instead as Tate Britain.
So when it became the second Tate gallery just because of the size of the collection, he thought
he’d do it here, because he was involved in the sugary factory – he was a big employer. It was a
good idea to put some money into the industry that had died, so he kind of rebuilt it as the second

37
Todos os edifícios que alojam as quatros galerias passaram por
processos de reconversão. Confira-se o sítio em linha:
http://www.tate.org.uk/archivejourneys/historyhtml/buildings.htm.
38
Sir Henry Tate (1819-1899) fez sua fortuna, em Liverpool, com o
processo de refinação de açúcar e venda de açúcar em cubos brancos. Em
1889, ofereceu-se para doar a sua coleção de arte contemporânea britânica
à National Gallery. Uma vez que não havia um espaço adequado, Tate
financiou a construção de uma galeria nova em Millbank, inaugurada em
1897, atualmente Tate Britain (Tate, s/d).
206

Tate gallery here and he always wanted this gallery in the North West. (TL Artist Educator/
Information Assistant L. W., 2008)

A opção de Bowness recaiu sobre os degradados armazéns portuários de Albert Dock


(ilustração 10), em Liverpool. Opção, esta, que entraria em concorrência com projeto de
empreendedores privados, Gerald Zisman Associates, que planeavam construir o
Dockland Trade Centre – um centro comercial, o que prometia assegurar a criação de
5.000-7.000 novos empregos. No entanto, esta proposta foi abandonada em favor da
implantação da Tate in the North.

Antoinette McKaine (2008) explica que esta foi uma imposição central do governo
conservador de Margaret Thatcher, claramente em confronto com a recém-formada
câmara trabalhista da cidade. Segundo Richard Williams (2004, p.127):

“The processes by which the Tate Gallery was realised in Liverpool were certainly neo-colonial,
involving the operation of governmental and quasi-governmental agencies over the local. Local
government, as we saw, was suppressed and several of its functions taken up by the centre; at the
most critical stage of the conflict between centre and periphery, in 1986, central government began
to consider the possibility of direct rule of Merseyside, in an explicitly colonial sense".
207

Ilustração 10 -Vista aérea de Albert Doc k antes da reconversão das docas

Ilustração 11 - Vista da Entrada da TL, em Albert Dock, 2012


208

A implantação de uma Tate do Norte (a par de lojas, escritórios e apartamentos) é uma


mais-valia da estratégia de regeneração urbana proposta pelo MDC de usar a cultura
como "instrumento" na renovação das docas de Liverpool (Ilustração 11). Este
programa de revitalização não só foi um fator importante na transição para uma
sociedade baseada no conhecimento, e suportada em indústrias criativas, que era
também uma maneira de retirar a pesada carga simbólica das docas associada com os
problemas do desemprego, de habitação e da luta da classe trabalhadora que há muito
tempo estigmatizam a cidade. Pedro Lorente (2003, p. 71) lembra:

“As cidades de Liverpool, Marselha e Bilbau estão a sofrer sobretudo os efeitos de uma má
imagem o que, até certo ponto é um problema do fraco juízo que fazem de si próprias.”

Contudo, o mesmo autor parece apontar para fatores que tornam estas cidades
apetecíveis à economia cultural, tais como o seu caráter periférico face às grandes
capitais nacionais, terem sido cidades de trabalho industriais, de expressões culturais
particulares e de lutas sociais:

“Ainda assim, por mais forte que sejam as opiniões desfavoráveis, é apesar de tudo curioso o nível
de atração e de ligação pessoal que as três cidades provocam, quer entre os residentes, quer entre
os estrangeiros. Têm com certeza um encanto especial; as pessoas podem considerá-las
ambientalmente degradadas, sujas, barulhentas, perigosas, mas nunca sem atrativos. Existe uma
dimensão cultural que o justifica. Liverpool, Marselha e Bilbau são cidades imensamente
proletárias, cosmopolitas e multiculturais. Os seus habitantes são reputados nos seus respetivos
países pela sua vivacidade, humor e os seus clãs fortemente unidos” (Lorente, 2003, p. 71)

Do mesmo modo, Anthony Patterson (2010) argumenta que a fronteira sempre foi e é
um elemento sedutor de transformação, descoberta e de criatividade, quase obrigatória.
Encontra-se perspetivas similares nos discursos dos/as colaboradores/as da galeria:

And I think we always had fantastic poets in the city as well, painting people and... the Beetles and
we have always been this avant-garde kind of pop city, as well as this kind of working class city. I
think we always had that. I think, you know, we had the Blue Coat in the 60's. And then people are
very very arty, but then sometimes Liverpool is sort of avoidable crossover, and sometimes there
are people who never meet each other, there’s kind of…mix up… (TL Artist Educator/
Information Assistant J. O., 2009)

No entanto, esta estratégia de regeneração, que aparece como positiva para cidade nos
discursos dos/as informantes privilegiados/as desta pesquisa, ficou muito aquém das
expectativas Liverpudlianas (Lorente, 2003). Continuaram a existir céticos face à ideia
209

do MDC investir fundos públicos para implantar uma Galeria de Arte Nacional em
Liverpool, parecendo preferir o esquema de investimento privado para construir um
centro comercial. No retrato que Deborah McIntyre-Brown (2001, p. 108) faz da
exposição de abertura da Tate Liverpool, está latente essa tensão:

“The Tate's opening exhibition included the Liverpool equivalent of Carl Andre's pile of bricks39 -
a piece title Bed by Anthony Gormley, which consisted of 6,000 slices of white bread which,
although waxed, went mouldy over the exhibition’s run, causing much fevered arts analysis, and
many barbed Scouse40 jokes”.

De igual modo, esta posição aparece refletida, nos discursos de um dos colaboradores
da Tate Liverpool, que afirma que os habitantes da cidade estavam céticos e
questionavam-se sobre as intencionalidades que estariam por detrás da implantação da
galeria:

I think people are sort of very very skeptical, and I can imagine of thinking in early days that
people had been very skeptical about Tate and “what you want out of this”, you know. And then
they thought there was an agenda, there was an agenda to take something out of this, because
sometimes the politics of, you know, the grass roots, that is twiddled with politics and the idea that
institution is coming in and they didn’t want anything out of it or they didn’t used to take part. (TL
Artist Educator/ Information Assistant J. O., 2009)

No início de 1980 as taxas de desemprego em Liverpool estavam entre as mais altas do


Reino Unido41, pelo que o Dockland Trade Centre foi visto como uma oportunidade
para ajudar a resolver os problemas sociais que a cidade enfrentava (McKain, 2008).
Assim, parece que longe de ser apenas um conflito político entre governos nacionais e
locais, a implantação da Tate em Liverpool revestiu-se também de um conflito cultural e
de classe. A nova galeria tornou-se o foco da discussão pública e da tensão social e

39
Carl Andre “Equivalent VIII”, de 1966, foi comprado pela Tate Gallery
em 1972. A exposição compreende 1025 tijolos, dispostos em duas
camadas, fazendo um retângulo de seis por dez. Todas as oitos estruturas
da série têm a mesma altura e volume, mas diferentes formas. Assim, as
oito são "equivalentes". Aquando da primeira exposição na Tate Gallery
em Millbank em 1976, a peça recebeu muitas críticas na imprensa devido
à perceção de que o dinheiro dos contribuintes foi gasto na compra, por
um preço inflacionado, de um conjunto de tijolos (Tate, s/d).
40
Termo usado para designar as pessoas originárias de Liverpool (Reino
Unido) ou o seu sotaque / dialeto. Palavra que pode adquirir uma carga
positiva/neutra, ou pejorativa. O scouse era uma refeição comum na
classe trabalhadora de Liverpool. É uma espécie de ensopado de cordeiro
e legumes (Belchem, 2007).
41
A par do desemprego, o abandono escolar era uma das maiores
preocupações em Liverpool (Cressey & Jones, 1995).
210

económica. Tensão que é transversal a todas as estratégias de regeneração através da


cultura, associadas a estratégias de gentrificação, como Barker (1999, p. 181) aponta:

"Far from solving the problems of mass unemployment in a post-industrial society, they generate
comparatively few jobs, many of them low-paid and short-term (waitresses etc.). Indeed, this type
of strategy can exacerbate social divisions by subsidizing the leisure pursuits of the middle classes,
especially tourists, at the expense of spending on public services such as housing and education
that would benefit the majority of social inhabitants”

Otília Arantes (2000), por sua vez, argumenta que esta estratégia não é nova, nem os
seus efeitos. Desde os anos 1960 que a viragem cultural, analisada no segundo capítulo
deste texto, originou processos de gentrificação. Como David Harvey, mais uma vez,
coloca o problema como um problema de conflito de classe:

"Implica acessos repetidos de reestruturação urbana através de "destruição criativa", que quase
sempre tem uma dimensão de classe, uma vez que são os pobres, os mais desfavorecidos e os
marginalizados do poder político que sofrem em primeiro lugar, a partir deste processo (Harvey,
2008, p. 33)

Tal questão é reconhecida por uma sujeito de investigação mas, desta vez, sobre a
atratividade que a CEC confere à cidade. Afirma que artistas, originários/as ou não de
Liverpool, mudaram-se para a cidade animando o mercado imobiliário e aproveitando
as oportunidades de trabalho criativo qualificado que a CEC oferece, mas assim que
estas diminuem, abandonam Liverpool. O que, por sua vez, reitera o pressuposto de que
o investimento feito pela Liverpool 2008 não beneficia, em primeiro lugar, os/as
habitantes da cidade.

We have so many artists coming in because of the ECoC. Some landlords are renting studios,
artist studio. There are lots of artist coming who lived in London for few years, coming back to
Liverpool just to join in the success but they will disappear again. You know they only kind of
come to cash in and take the opportunities whereas the other people work here for years and
years, and years – it’s all this put this way polítically. (TL Artist Educator/ Information Assistant
L. W., 2008)

Não se pense, contudo, que, com a abertura da Tate, Liverpool consegue ultrapassar o
estigma da pós-industrialização. Em 1994, a área metropolitana de Liverpool qualifica-
se para os fundos estruturais europeus destinados a regiões de baixo rendimento, uma
vez que tem um produto interno bruto médio abaixo da média da União Europeia
211

(Garcia, Cox, & Melville, 2010) 42. Anthony Patterson (2010) argumenta que a cidade,
apesar de já ter sido a segunda cidade do império Inglês, deter o maior número de
edifícios protegidos (Listed Grade Buildings) e a maior rede de museus fora de Londres,
um cais qualificado como Património Cultural da Humanidade (UNESCO), ainda é
observada como uma cidade pós-colonial em pé de igualdade com algumas do Terceiro
Mundo. Aparentemente, todas as tentativas, anteriores à CEC, para revitalizar Liverpool
e restaurar à cidade a sua antiga glória ficaram aquém do esperado. Isto significa que o
processo de revitalização da cidade, através da cultura, não se inicia com a nomeação
como CEC, mas remonta, antes, a estratégias e políticas de desenvolvimento urbano
falhadas, ao longo das últimas duas décadas do século XX. Porém, a candidatura de
Liverpool a CEC parece incidir na mesma estratégia. Curiosamente, a “cidade
espancada das décadas de Thatcher” (Belchem, 2007, p. 227), com uma Câmara
Democrata desde 1998, parece adotar o empreendedorismo urbano, iniciado pelas
políticas liberais dos anos 1980.

2.1.2. Liverpool 2008 – a construção da Livercool

A CEC aparece como o instrumento privilegiado para relançar Liverpool como uma
cidade apetecível para o séc. XXI, ou como Belchem (2007) afirma, transformar
Liverpool em Livercool. Segundo o mesmo autor, a cidade esteve exposta a grandes
transformações e, subsequentemente, a procura de renovação remonta ao período áureo
do Império Britânico, no qual Liverpool era a Nova Iorque da Europa; passa por ser a
capital do comércio de escravos até à abolição do mesmo e posterior processo de
civilização da cidade, no período vitoriano, através da criação da Universidade de
Liverpool, da Biblioteca Municipal e da Walker Gallery, fazendo desta a Florença do
Norte. As nomenclaturas e chavões, ou como Claudino Ferreira (2004) denomina, as
“convensões metafóricas” proliferam até aos dias de hoje para uma cidade que continua
na busca do seu posicionamento na “Era da Informação”, desta vez fazendo uso do
evento CEC e do seu lado mais boémio e cosmopolita. Como John Belchem (2007)
afirma, até o sotaque scouse, lugar de estereótipos no passado, é agora um ativo para
marketing da cidade.

42
Com um produto interno bruto (PIB) 27% abaixo da média da União
Europeia (Belchem, 2007).
212

Analisa-se, agora, em que moldes se estuturou a candidatura de Liverpool a CEC 2008.

O programa da CEC tende a operar em vários níveis, particularmente no contexto das


grandes aspirações de regeneração urbana, por parte dos decisores locais e regionais que
vêem o título como um potencial catalisador de mudança económica e social a longo
prazo. Em Liverpool, a aspiração de se regenerar e reposicionar a cidade foi colocada no
centro da visão CEC, questão visível nas premissas que anunciam a intenção de criar
um legado de crescimento sustentável a longo prazo no setor cultural; crescimento, este,
que se espera que seja impulsionado pelo aumento do turismo nacional e internacional;
acompanhado pelo reconhecimento do papel instrumental das artes e da cultura na
reelaboração urbana; e por fim, fica a menção de incentivar a formação de públicos. De
fora desta visão fica a dimensão europeia do evento (Garcia, Cox, & Melville, 2010).

Liverpool estruturou a sua programação, através de um calendário anual temático que se


estendeu de 2000 a 2010, enfatizando que, apesar de 2008 ser o ponto fulcral com a
CEC, o projeto teria impulso para dez anos. Estes temas anuais incluem: 2000-2002:
Liverpool CEC Candidatura; 2003: Ano da Aprendizagem e da nomeação oficial; 2004:
Ano da Fé numa Cidade; 2005: Ano do Mar; 2006: Ano da Performance; 2007: Ano do
Património e do 800º Aniversário; 2008: Ano da Capital Europeia da Cultura; 2009:
Ano do Ambiente; 2010: Ano da Saúde, do Bem-estar e da Inovação (Garcia, Cox, &
Melville, 2010).

Ao empregar essa estratégia, Liverpool, habilmente, ilustra não só a sua forte herança
cultural, mas também o seu desejo de criar um legado duradouro (Liverpool Culture
Company Board, 2009), o que favoreceu a sua candidatura. Neste legado de património
cultural, material e imaterial, pôde contar com as instituições culturais fundadas no
período vitoriano e que sobreviveram à Segunda Guerra Mundial e ao declínio
económico. Não menos importante para esta estratégia é a vibrante cena musical da
cidade, que desde a década de 1960, posiciona Liverpool como um grande centro de
criação. Cena musical, essa, que cresce e que continua a interagir com o setor das artes e
produziu festivais de música independentes dos anos 1970 até à criação da Bienal de
Liverpool, em 1999. Esta vertente musical da cidade, com a sua comunidade artística de
base independente, apoiada em organizações como a Everyman Theatre ou o Bluecoat
(Garcia, Cox, & Melville, 2010), foi importante para a atribuição do título a Liverpool,
sem esquecer o papel central da Tate Liverpool, como organização cultural principal
para a programação das Artes Visuais. Liverpool Arts Regeneration Consortium –
213

LARC – foi criado como um associação que reúne as grandes organizações culturais da
cidade, como forma de capitalizar os recursos através da criação de iniciativas
conjuntas, como é o exemplo do programa piloto “Find your Talent”43. Deste consórcio
fazem parte: Bluecoat, FACT, Liverpool Biennial, Liverpool Everyman and Playhouse
Theatres, National Museums Liverpool, Royal Liverpool Philharmonic, Tate Liverpool
e Unity Theatre.

Neste sentido, os discursos dos informantes privilegiados desta pesquisa apontam não
só o já histórico trabalho do serviço educativo da TL com as comunidades locais, assim
como afirmam que houve intencionalmente um “encontro” entre as programações da TL
e da CEC para 2008, essencialmente em eventos marcantes, tais como o vigésimo
aniversário da galeria e as exposições “Liverpool Biennial: International Festival
MADE UP” e “Gustav Klimt: Painting, Design and Modern Life in Vienna 1900”.
Neste sentido, a importância da galeria na candidatura de Liverpool é sustentada na
promessa de envolvimento e de participação das comunidades nas artes da cidade que é
feita na candidatura a CEC 2008.

I think Tate made conscious effort on to use…because one of the reasons why Liverpool got the
bid of Capital of Culture is because of community’s participation and people participation in the
arts of the city and the promise of peoples involvement in the arts, so I think, Tate consciously took
on…I mean Tate any way would have had the program in 2008, but it took that on kind of guiding

influence on that program for that year. We’ll have big events on the 20th birthday (of Tate
Liverpool) – we’ve worked with huge range of community groups to produce a really big event for
that they’re all coming on a stake. So I think the program in 2008 was consciously looking at
international visitors that would be coming to Britain in terms of choosing the “Klimt”. And that

promise of our community participation in terms the 20 th birthday (TL Learning Curator - Young
Tate C. B., 2008)

Observa-se no discurso dos decisores políticos a retórica de que a candidatura de


Liverpool era a “candidatura do povo”. O lema "A World in One City" mostra uma
certa ideia comunitária de regeneração. Contudo, como se pode ler no relatório final do
Impacts 08, já em 2007 a população local relatava, tal como nos anos 1980, as suas
reservas face ao impacto do evento no seu quotidiano:

43
“Find Your Talent was the Government’s pilot cultural offer for all
children and young people, aiming to ensure they had access to the wide
range of quality cultural experiences essential to unlocking their talent
and realising their potential.” (Creativity, Culture and Education, 2012, p.
s/p)
214

“[…] the local population tended to have increasingly mixed views about the potential impacts of
the Liverpool ECoC on their community. This lasted until the end of 2007. Concerns related in
particular to the possibility that the expected positive change might not spread beyond the city
centre and that the Liverpool ECoC might not impact on their neighborhoods or on ‘ordinary
people” (Garcia, Cox, & Melville, 2010, p. 56).

A Capital Europeia da Cultura, neste sentido, foi uma oportunidade perdida que poderia
ter sido usada para potenciar os recursos das comunidades e dos criadores locais para
encontrar soluções criativas para os problemas endémicos da cidade, que parecem
prevalecer às tentativas, liberais dos anos 1980 e neoliberais da primeira década do séc.
XXI, de regenerar a cidade através do uso instrumental da cultura e das artes.

Contudo, e de alguma forma paradoxal, aparece como consensual, em algumas


entrevistas, a perceção do evento CEC 2008 como o momento de reconhecimento da
importância da Tate para a cidade, e, por conseguinte, uma espécie de reconciliação.
Atente-se nos seguintes excertos de algumas entrevistas:

Think if we [Tate Liverpool] weren’t here, if we were in Manchester, perhaps this wouldn’t be
capital of culture. (TL Information Assistant Supersior D. B., 2008)

This year is converting everyone to feeling that Tate’s theirs… Like you know, maybe the
beginning of the segment in good number of communities that had nothing to do with art before,
we begun to think that we could go in there. […]Tate is really in what Capital of Culture is about,
I think we’ll have the recognition in the city that at taxi driver level that the Tate was identified
really close to 2008 and to the Capital of Culture in terms of program. (TL Learning Curator -
Young Tate C. B., 2008)

I think Tate Liverpool, I may be wrong about it, but I think that Tate Liverpool, a lot of its
audience actually are not people from the city – there are some people who do come there from
the city, but a lot…it’s a big tourist attraction, you know, the Albert Dock is kind of tourist area,
and I think it was about time to connect a bit more of it – people who actually live in and are
from the city. (TL Information Assistant S. N., 2009)

So, it took a long life and this is actually the year ever good, it’s a fantastic facility no matter how
people want to use it. (TL Artist Educator/ Information Assistant J. O., 2009)

Em jeito de síntese, importa salientar que a CEC 2008 é avaliada através do projeto
Impacts 08: European Capital of Culture Research Programme no qual se procura
perceber o impacto do evento desde a nomeação ao ano da CEC, isto é, de 2003 a 2008.
Este é o primeiro projeto de investigação, encomendada por um Conselho Municipal e
215

realizado por duas Universidades locais (University of Liverpool e Liverpool John


Moores University) com o objetivo de medir o impacto de uma CEC. Esta iniciativa de
investigação conjunta avalia o impacto social, cultural, político, económico e ambiental
que o evento teve em Liverpool. O relatório final desta pesquisa que dá conta da
avaliação de Liverpool, enquanto CEC 2008 – Impact 08 –, abre com a seguinte
afirmação:

“The Liverpool ECoC programme had a total income of £130 million over six years, the highest of
any European Capital of Culture to date” (Garcia, Cox, & Melville, 2010, p. 3).

No mesmo relatório pode ler-se que o programa da CEC tinha “amplas aspirações de
regeneração urbana” e que o título é observado com um “catalisador para mudança
económica e social a longo prazo”, concluindo que se aspira que Liverpool se
“regenerasse e se reposicionasse“, tendo as indústrias criativas um crescimento de 8%
(Garcia, Cox, & Melville, 2010, p. 16).

Estudando o caso do Liverpool, pode-se admitir que houve uma grande tensão
decorrente de dois pontos de vista diferentes: por um lado, reposicionar Liverpool como
uma cidade cosmopolita através do slogan "A World in One City"; e por outro lado, a
ênfase na cultura como uma ferramenta de desenvolvimento económico que
representava uma ameaça à cultura alternativa na cidade. CEC Liverpool 2008 surge a
partir de uma adoção mais geral de empreendedorismo urbano da cidade e o surgimento
de uma elite, refletindo as tendências mais amplas da política económica do Reino
Unido para as principais cidades. Também refletiu a crescente prevalência de discursos
de envolvimento da comunidade na política urbana britânica, que salientam que o
sucesso da regeneração só pode ser alcançado através do envolvimento da comunidade
genuína e apropriação local do processo de regeneração.

A candidatura de Liverpool a CEC 2008, assim como sua implementação tentou criar
uma nova realidade que contrasta com as manifestações culturais presentes na cidade.
Parece ter apoiado o discurso na retórica da participação e da inclusão comunitárias para
legitimar uma estratégia de regeneração económica. Contudo, como Jonh Belchem
(2007) questiona, com razão, Liverpool enquanto cidade vitoriana mais multicultural e
não-inglesa é, na atualidade, suficientemente boémia e cosmopolita, considerando este
processo de mercantilização da cultura e da identidade local, para atrair a tão desejada
classe criativa de Florida (2002), tendo presente que serão estes os principais condutores
do crescimento económico da “economia informacional”.
216

Apesar da versão otimista do relatório de avaliação oficial, outras vozes tendem a


demonstrar o inverso. O investigador da Universidade de Liverpool, Anthony Patterson
em Extreme Cultural and Marketing Makeover: Liverpool Home Edition (2010), veio
demonstrar, não só a insatisfação dos residentes locais que viram as suas expectativas
goradas, como ainda chama a atenção para o questionável retorno financeiro dos
grandes investimentos em novas construções para habitação, comércio e cultura.
Conclui que Liverpool perdeu as suas marcar distintivas, tornando-se numa cidade
global, meca do consumo de produtos e imagens, igual a tantas outras, sem rosto ou
traços distintivos. Com efeito, nesta estratégia, em que as cidades procuram a
regeneração urbana e renovação da sua imagem, cultura e capital tendem a ser escritos
com o mesmo C. Em Liverpool durante a CEC 2008, era comum fazer-se uma piada em
torno do título CEC. As pessoas costumavam dizer que havia uma Liverpool AC e uma
Liverpool DC – antes e depois da Capital, da Cultura e do Cappuccino – como símbolo
de uma prática de consumo já sem território. O que leva a questionar se Liverpool verá
novamente gorada a esperança depositada nas estratégias de revitalização urbana através
da arte e da cultura.

2.2. V I L NI U S : A C U L TU R A V I VA D E UM A H I ST ÓR IA C ON T E ST A D A

The city presents itself as having been hospitable, open and tolerant throughout the ages.
Throughout the course of its history three faiths merged: paganism and both western and eastern
Christianity. Vilnius has always been home to a variety of ethnic and religious groups and has
strong Polish, Russian, Jewish (Litvak), German and Karaite communities. The city played a
special role in the history of Jewish community and culture; indeed, perhaps 45% of its population
before the Second World War was Jewish. Vilnius has also had a major impact on Poland's
cultural history. (McCoshan, Rampton, Mozuraityte, & McAteer, 2010, p. 45)

Vilnius, que no século XX já foi uma cidade Polaca, Russa e Alemã, invadida pelos
nazis e indexada ao projeto soviético pelos russos, foi, em 2009, proposta, sem qualquer
concurso público, pela Lituânia, para ser a capital cultural da Europa.

Desde o início do século XX que tiveram lugar movimentos para a formação de um


Estado Lituano independente, fazendo recurso ao facto histórico de que até ao século
XVIII, Vilnius foi o centro político e cultural do Grão-Ducado da Lituânia. Em 16 de
fevereiro de 1918, a Lei de Independência foi proclamada pelo Conselho Lituano e,
217

desde então Vilnius encontrou-se no centro de uma luta política entre Polónia,
Alemanha e Rússia. A ocupação nazi, em 1941 e anos mais tarde soviética, seguida de
décadas de ocupação até ao início dos anos 1990 configuraram a geografia urbana e
social da cidade (Liekis, 2010).

A iniciativa de sediar a CEC foi tomada em antecipação da adesão da Lituânia à União


Europeia. Na sequência da adesão de dez novos Estados-Membros (incluindo a
Lituânia) em 2004 e da intenção da ECE integrar (Decisão 649/2005/CE), desde o
início, os novos Estados-Membros, a iniciativa de Vilnius CEC 2009 foi aceite.

Demonstrando a importância do evento a nível nacional, fez-se coincidir o acolhimento


do título CEC com a celebração de um evento nacional – o milénio. A justificação para
hospedar o título CEC em 2009 estava intimamente ligada à estratégia para a celebração
do Milénio da Lituânia no mesmo ano. Para o país, a CEC, 20 anos após da queda da
URSS, marca o encerrar de um capítulo na história do país, a consolidação da sua
adesão à EU e projeta uma imagem mais proeminente e positiva internacionalmente.
Assumindo a CEC, portanto, uma importância simbólica que transita entre múltiplas
escalas – instâncias europeias, retórica nacional e reposicionamento urbano.

A opção pelo dia da Restauração da Independência da Lituânia para a abertura das


celebrações da CEC, segundo o painel de avaliação das candidaturas a CEC, é apontado
como um tópico que potencialmente poderia vir a pôr em questão o ideal da CEC –
união da diversidade – na medida em que, Vilnius era uma cidade Polaca aquando da
restauração da Independência Lituana, em 1918. Desde logo, o júri apontou certos
aspetos, tais como ligações históricas do país com a Polónia, e a tradição judaica, que
deveriam ser enfatizados, de forma a suavizar o tom nacionalista da candidatura de
Vilnius. Comprometendo uma "versão internacional da história da Europa", a
candidatura de Vilnius a CEC foi orientada para encontrar um ponto de equilíbrio entre
o orgulho nacional e “o seu antigo papel como um cosmopolita ponto de encontro
Europeu” (The Selection Panel for the European Capital of Culture (ECOC) 2009,
2005, p. 8).

Território indiscutivelmente contestado, Vilnius tem vindo a ser palco de múltiplas


transições que deixam as suas marcas na língua, na arquitetura, no traçado urbano, nas
tradições e em múltiplas manifestações culturais e artísticas. Vilnius foi também berço
218

do movimento Fluxus44, o que parece ser retomado no slogan alusivo à CEC 2009, pelo
conceito de fluxo. No âmbito da "Culture Live" (Cultura Viva), segundo a diretora do
projeto, Elona Bajoriniene, propõe que todos/as sejam de algum modo artistas no
evento. Com o intuito de fomentar a criação através de um fluxo constante de pessoas e
ideias, que envolva não só profissionais do campo, como habitantes e turistas da cidade
(Jansonaitė, 2007).

A candidatura original de Vilnius a CEC 2009 incluía uma grande variedade de


objetivos que abrangem diferentes aspetos que vão do desenvolvimento do sector da
cultura à dimensão europeia, passando pela imagem do país, o turismo, o
desenvolvimento de infraestruturas culturais e participação dos cidadãos nas atividades
culturais. Vilnius, enquanto cidade capital e capital cultural da Lituânia, parecia apenas
buscar o reconhecimento internacional como um destino cultural. Neste sentido, a
amplitude dos objetivos não parece fornecer um foco à CEC, mas antes traduz um
esboço de um enquadramento de um rumo de desenvolvimento para o país.

Através da nomeação de Vilnius como CEC, a Lituânia parecia querer atualizar a


experiência cultural europeia e provar a sua abertura à Europa e à restante comunidade
internacional. Contudo, Simon Rees (2009) argumenta que o abandono do flyLAL 45
pelo governo, apesar das esperanças dos/as envolvidos/as nos projetos Guggenheim e
Capital Europeia da Cultura, é mais uma evidência de uma ambivalente política cultural,
visto que o corolário do apoio a estes projetos era a priori uma melhoria do turismo, que
sem uma estrutura de transportes internacionais perde o seu sentido. Simon Rees (2009)
conclui afirmando que a CEC explicitou os mal-entendidos, que afirma regulares, entre

44
Fluxus é um movimento artístico caracterizado pela mescla de
diferentes manifestações artísticas, que apesar de ter nascido dentro das
artes plásticas se estendeu até música e literatura. Fundado nos anos 1960
pelo lituano George Maciunas (1931-1978) através da Revista Fluxus,
rapidamente se estendeu para o resto do globo, seguindo a onda de
globalização, à boleia, da internet. Nomes como George Brecht, John
Cage, Joseph Beuys, Yoko Ono, Allan Kaprov e Marcel Duchamp
juntaram-se ao movimento produzindo os primeiros happenings, poesias
visuais, performances, vídeo e mail art, sendo por alguns comparado com
Dadaísmo e do Pop art (Bukoff & Midwest, 2011). Desde 2010 que o
George Maciunas Fluxus Cabinet está exposto permanentemente no
Šiuolaikinio Meno Centras (Centro de Arte Contemporânea).
45
FlyLAL era a companhia aérea Lituana que faliu. A falência deste
parceiro oficial da Vilnius CEC este na origem dos significativos (40%
cortes orçamentais (McCoshan, Rampton, Mozuraityte, & McAteer,
2010).
219

a política cultural Lituana e o campo artístico contemporâneo. Questão que emerge no


seio de algumas entrevistas, tal como demonstra o seguinte excerto:

But how can you become Bilbao if you haven’t got the flight to your country as our national flight
carrier got bankrupted. (CAC Curator V. K., 2009)

Emilia Palonen (2010) explica que Vilnius 2009 experimentou problemas devido à
mudança de governo e consequente alteração na política cultural. Com uma definição de
cultura diferente da já definida pela programação da CEC, o governo nacional vigente
não disponibilizou o financiamento acordado pelo anterior executivo, impedindo a
prossecução da programação. O CAC viu o orçamento cortado em 40%, optando, por
isso, por eliminar todos os eventos interpretativos em torno das exposições. A propósito
da exposição “Code Share: 5 continents, 10 biennales, 20 artists”, o Senior Curator do
CAC, em entrevista, partilha que era sua intenção, com esta exposição, refletir sobre o
significado que os eventos como as bienais de arte contemporânea têm vindo a assumir
para as cidades que as organizam. Nesse sentido, e considerando a conjugação da
organização de bienais e do evento CEC, foram selecionadas as bienais de Liverpool
(CEC 2008) e de Istanbul (CEC 2010) como duas das fontes para as obras selecionadas
para a “Code Share”. Com isto, parece querer reiterar o que veio a ser sustentado no
relatório final das CEC 2009, produzido por McCoshan, Rampton, Mozuraityte, &
McAteer (2010), no qual é dito que os poucos sucessos da Vilnius 2009 se deveram à
inciatia, quase individual, das instiuições culturais da cidade. Ou, ainda, como o Senior
Curator do CAC constata o falhanço do evento:

[…] with the selection of those biennials of course Liverpool and Istanbul were targeted, because
Liverpool is ECoC in 2008 and Istanbul will be one of the capitals in 2010, so there’s certain logic
in there. And within a structure of the exhibition I wanted to reflect upon what biennale came to
mean in terms of qualification of cultural field, and dominates the ground. Well, considering the
financial crisis, I mean ECoC has actually proved to be a disaster. (CAC Senior Curator S. R.,
2009)

A par de Liverpool ou do Porto, Vilnius procurou o seu "efeito Guggenheim" com o seu
próprio museu Guggenheim, um volume escultural, um híbrido Guggenheim-
Hermitage, como o de Las Vegas, desta vez desenhado por Zaha Hadid. A vencedora do
concurso internacional para a Baía de Dubai Business, com o "Dancing Towers", foi
uma estudante de Rem Koolhaas – arquiteto da Casa da Música, no Porto – e uma
220

colega no Office for Metropolitan Architecture. Desde logo, não podemos deixar de
observar que a CEC 2009 parece procurar seguir as mesmas estratégias das suas
antecessoras pela procura de atraentes edifícios desenhados por arquitetos do
denominado star system mundial, o que é explicitado nos objetivos de Vilnius CEC
2009:

“Desenvolver a cultura como uma virtude na sociedade moderna e como a força motriz no
desenvolvimento da cidade” (AA.VV., 2009).

Contudo, a crise económica e a conturbada situação política (McCoshan, Rampton,


Mozuraityte, & McAteer, 2010) deitaram por terra as ambições arquitetónicas da
Vilnius 2009, demonstrando, ao mesmo tempo, que a CEC não é necessariamente um
catalisador para a regeneração urbana e não gera, por si só, retornos financeiros e
económicos automáticos.

O CAC, por sua vez, parece ser a antítese desta estratégia. Construído a partir do Dailės
Sovietų Parodų Rūmai (Palácio de Exposições de Arte), do arquiteto lituano Vytautas
Čekanauskas, inaugurado em 1968, enquanto filial do Museu de Arte da Lituânia. Este
edifício modernista localizado no coração do centro da cidade – Património Cultural da
Humanidade – parece incorporar uma outra estratégia de posicionamento face à cidade.

“Impressive white building at number 2 Vokiečių Street right in the heart of the city centre”
(Kuizinas & Formina, 2007, p. 5)

Se bem que o CAC Café – ŠMC Café – é um ponto de reunião dos agentes do campo
artístico (desde estudantes e professores/as de Belas Artes a curadores/as e artistas
internacionais), não parece incorporar a lógica do empreendedorismo urbano neoliberal.
Este lugar parece ser, antes, um espaço fértil da criação artística contemporânea. Esta
questão é transversal a todos os tipos de dados recolhidos. Atente-se na entrevista da
Diretora da Galeria Nacional:

The usual art crowds started to shape around CAC. It has to do with the Café. The café was a very
important accumulation. In 99 when I worked there, the whole generation of the 90’s of the
artists gathered there (Nacionalinės Dailės Galerijos Director L. J., 2009)

Na própria apresentação da galeria pode ler-se:

“The CAC has a café that is a favourite among Vilnius artists” (Contemporary Art Centre, 2009-
2012, p. s/p)
221

Algo que também foi constatado através da observação participante, tal como se lê no
excerto da seguinte nota:

O CAC café está sempre repleto de pessoas, de idades múltiplas e a fazer múltiplas coisas. Ouve-
se de forma comum mais do que 1 língua, essencialmente, lituano e inglês. Contudo, não acho que
possa ser considerado um espaço acessível, por ex. um café custa 1Euro, mais de 3 Litas.
Algo que chamou à atenção neste espaço, até porque eu própria passei por essa situação, foi o
facto das "reuniões" do CAC com pessoas exteriores à organização acontecerem, de forma
frequente, no café. Quando chego e vou ter com a Renata ao gabinete e ela diz-me: “Vamos até ao
café?” e o mesmo parece acontecer de forma comum. Vejo o Simon várias vezes no café com
pessoas exteriores ao CAC. Inclusive o workshop com os artistas filipinos terminou no café.
(Diário de Terreno do CAC, 07 de outubro de 2009)

Contudo, tal não significa que o CAC ignora a importância da instituição na cidade,
mesmo no que diz respeito ao papel dos edifícios dos museus de arte contemporânea na
estratégia de modernização das cidades. Sobre um programa de televisão, o Diretor do
CAC comenta, em entrevista, o seguinte:

And when I hear: ‘we have this kind of nonsense here'. When she speaks like this about the CAC,
naturally I’m very sad about that. Because normally I’d say that we’re still living in the province.
Because in many modern countries contemporary art centers more than museums are flags of the
city, their architecture has very symbolical position in the city infrastructure. The architecture is
like the statement: ‘we’re looking forward; we’re part of the future’. (CAC Director K. K., 2009)

A questão da “modernização” aparece no discurso dos informantes desta pesquisa mais


no sentido de reconhecer a importância histórica, que a construção de um edifício com o
traçado do CAC teve no período soviético, em que foi construído, do que na mesma
lógica de estratégia de construção de cidade que se observa em Liverpool. Numa
exposição recente (abril de 2012), intitulada “Possible Modernism”, o CAC parece
refletir sobre a arquitetura produzida em Vilnius no período da União Soviética que
ficou conhecido como o “degelo de Khrushchev”. Refere-se ao período compreendido
entre meados dos anos 50 e o início dos anos 1960, quando a repressão e a censura na
União Soviética foram suavizados e milhões de presos políticos foram libertados dos
Gulags. Durante este período, pós-II Guerra Mundial e pós-Estaline, observa-se um
período complexo e contraditório, mas que não deixou de ser um ponto de viragem na
História da União Soviética (Bittner, 2008). Tal como o CAC afirma no texto que
apresenta a exposição “Possible Modernism”, o “degelo de Khrushchev” é uma espécie
222

de relaxamento ideológico da repressão cultural imposta pelo estalinismo, que permite


uma certa libertação do culto da personalidade e do modelo de construção que Bittner
(2008) apelida de “método palaciano”, para designar a construção de edifícios públicos
no período de Estaline (Burawoy & Kroto, 1992). Tal relaxamento permite aos
arquitetos Lituanos, tais como Čekanauskas, alguma liberdade de pensamento e de
construção, que parecem aproveitar para romper com a rigidez até aí imposta e se
aproximarem das influências escandinavas e do modernismo. Vale a pena citar uma
parte significativa do texto de apresentação do “Possible Modernism”:

“The start of their professional careers coincided with the beginning of the Khrushchev ‘thaw’ in
cultural politics, and a rather unique situation in the field of architecture. The natural course of pre-
war Modernism at the time was forcibly discontinued, while the stylistics of Stalinist Neo-
Historicism in architecture was suddenly at odds with the shifting aims of the system. Architects
were in great demand during the post-war period of rapid urbanisation, and also due to the fact that
many professionals had fled the country at the end of the war. These circumstances opened up
opportunities for younger architects who were eager to innovate, to design public buildings that
would stand out against the background of the typical mass-built social housing. The work by the
architects mentioned had a major influence on the development of Lithuanian architecture in the
second half of the 20th century, and in particular on shaping the identity of national institutions of
art and culture. Theatres, exhibition halls, palaces of culture, like the Art Exhibition Palace (now
the CAC), the National Opera and Ballet Theatre and the National Drama Theatre, to name just a
few, that were built during the Soviet period and are still functioning today, came to represent not
only the highest achievements by their designers, but also distinctive forms of modern culture”
(Contemporary Art Centre, 2009-2012, p. s/p).

Como se lê na citação em epígrafe o edifício do CAC – antigo Dailės Sovietų Parodų


Rūmai (Ilustração 13) – é um dos proeminentes exemplos da nova arquitetura.
Construído no centro histórico de Vilnius, ainda, como um “palácio”, mas desta vez
modernista, obedece no seu interior ao arranjo funcional necessário a um espaço de
exposição – ainda na atualidade o CAC orgulha-se de ser um dos maiores espaços
expositivos da região do Báltico –, e no exterior foi especificamente concebido para
combinar com o contexto do bairro antigo, parcialmente destruído durante a II Guerra
Mundial.
223

Ilustração 12 - Vista da entrada principal do CAC , 2009

No final dos anos 50, Vilnius, tal como outras cidades soviéticas deparava-se com
graves carências habitacionais. Como forma de fazer face a esta situação, Khrushchev
ordenou a construção, em larga escala, de blocos habitacionais fabricados
industrialmente. Tal foi percebido pelos arquitetos locais como uma ameaça ao centro
histórico da cidade, repleto de edifícios góticos, renascentistas, barrocos e neoclássicos
– que em 1994 valeram à cidade a nomeação como Património Mundial da UNESCO.
Segundo o Baltic Times, Čekanauskas havia dito que teriam que convencer as
autoridade soviéticas a construir fora do centro histórico:

"We pushed the authorities to build new housing estates in areas outside the city center in order to
perpetuate the historical Old Town" (Becker, 2005, p. s/p)

Segundo Becker (2005), foi possibilitado ao grupo de arquitetos, Vytautas Brėdikis e


Vytautas Čekanauskas, a construção de uma cidade satélite de Vílnius. A área escolhida
foi a sudeste, perto de uma pequena cidade chamada Lazdynai. Os arquitetos
encontraram uma paisagem intacta, com colinas arborizadas e em escalonados paralelos
ao rio Neris. Incentivados pelo seu sucesso na prevenção do centro histórico de Vilnius,
o grupo de trabalho queria, agora, romper com as diretrizes da política habitacional
soviética. Lazdynai, a par do CAC dos mais reconhecidos exemplos da arquitetura
modernista em Vilnius. Projetado em 1962, Lazdynai é um bairro residencial (40.000
habitantes) que pode ser entendido, tal como o CAC, como uma das poucas tentativas
de romper com a rigidez burocrática da grande escala de planeamento estatal. Em 1972,
o projeto foi reconhecido pelo próprio comité central russo, que atribui aos arquitetos e
224

engenheiros responsáveis pelo projeto o Prémio Lenin, um dos mais prestigiados


prémios na União Soviética (Becker, 2005).

Contudo, esta não parece ser uma mera luta burocrática entre os arquitetos e as
autoridades soviéticas, mas antes a arquitetura que surge como uma expressão da
independência nacional através da cultura, da qual o edifício do CAC é um dos seus
expoentes.

2.2.1. Uma cidade organizada em múltiplos anéis

Numa vista panorâmica sobre Vilnius, é possível observar que esta cidade tem vários
anéis. Desde logo, tal como outras cidades pós-soviéticas, a estrutura urbanística de
Vilnius foi influenciada pela ideologia socialista soviética – é um produto da história,
que territorializa tensões sociais. A desintegração do bloco comunista significou o fim
de uma estrutura urbana específica, baseada numa forma profundamente politizada de
urbanização centralmente dirigida e impulsionada pelo crescimento industrial do
socialismo de Estado, tal como é o exemplo já tratado de Lazdynai.

Este anel da cidade, com os seus bairros, é cercado por áreas suburbanas de tipologias
pré-soviéticas, com casas de madeira que acidentalmente se incendeiam e novos focos,
comerciais e industriais e arranha-céus que servem a economia informacional, emergem
(Burneika, 2008). Por conseguinte, observa-se que esta cidade é muitas vezes feita de
novo a partir de áreas desmilitarizadas, zonas de agricultura coletiva do período
soviético e da margem direita do rio. Margem esta, onde, aparentemente, o híbrido
museu de Zaha Hadid viria ser localizado.

Na Trienal do Báltico de 2009, organizada pelo CAC, tal como a Press and Public
Relations Curator refere na entrevista, teve como principal foco a cidade de Vilnius.
Não querendo ficar pela imagem da cidade que é vendida nos postais, a galeria
convidou artistas a viverem na cidade durante 8 meses e a produzirem obra sobre esta.
Por conseguinte, a própria programação da trienal fez emergir estes múltiplos anéis, que
fazem de Vilnius uma cidade também ela com múltiplas camadas.

Well, for example, the title…the topic of Baltic International Artist Triennial was certainly related
with the fact that Vilnius is European Capital of Culture. It was dedicated to the Vilnius city and
topic of Vilnius in general. Getting to the ECoC of course we’re trying to show our best side –
225

everything that we have the best, and of course old town with its baroque and everything else. So,
we were trying to organize parties in the suburban areas – to see another side of Vilnius, not only
the center which is from all postcards, albums and everywhere, and those soviet areas of the city
that are not that present, but which is normal parts of our city and our daily life. (CAC Press and
Public Relations Curator R.D., 2009)

Ilustração 13 - “ Vilnius Postcard Series” de 2009, de Arunas Gudaitis, Apresentada na Exposição "Black
Swans, True Tales a nd Private Truths"

Nesta fotografia (Ilustração 14) do artista de Arunas Gudaitis pode-se observar a


coexistência de um centro comercial envidraçado, numa presumível tentativa se fazer a
cidade refletir em si; assim como as esculturas do realismo soviético que adornam os
terminais da ponte e os candeeiros que suportam os néon, apagados, que anunciam
Vilnius como uma das capitais da cultura Europeia.

Por fim, o centro histórico da cidade é o anel central, no qual convivem galerias de arte,
como o CAC, igrejas barrocas, organismo políticos como a Câmara Municipal e a casa
do Presidente da República, o que tende a atrair a massa turística. Neste bairro,
concentram-se outras importantes organizações artísticas, como teatros, salas de
concertos, museus, a universidade e bibliotecas. Outros bairros culturais, como Užupis e
Loft em Naujamiestis e Pilaitė, tendem a atrair menos visitantes. Contudo, Užupis
226

apresenta, essencialmente, um projeto que apesar de não ser único na Europa46, é no


mínimo curioso.

Užupis é um dos bairros mais antigos da cidade. Distrito de artesãos/ãs, prostituição e


artistas, o Montmartre de Vilnius, como os habitantes locais o apelidam, tornou-se no
século XX um projeto de república artística independente. Uma ilha colorida separada
da cidade por Vilnele (um dos dois rios da cidade), que ganhou uma imagem e uma aura
mística e romântica. Um distrito cultural que se declarou independente do país,
instituindo para tal, constituição, hino, calendário, mapa; assim como órgãos de
governação como um presidente, primeiro-ministro, embaixadores em várias partes do
mundo; um exército, um canal de televisão, um bispo, estando dentro da republica duas
igrejas, o mais antigo cemitério de Vilnius, sete pontes e seu guardião – um anjo de
bronze na praça principal. Užupis tem também os seus cidadãos/ãs livres, tais como o
Dalai Lama, o presidente Valdas Adamkus, artista Jonas Mekas, entre outros. Festejam
o Dia da Independência, dia do peixe, dia da toalha de mesa branca, mas também as
festividades nacionais (Respublika, 2011). Contudo, Jūratė Černevičiūtė (2011) em
Mapping Vilnius as Creative City, através do levantamento efetuado e do inquérito por
questionário no The Map of Vilnius Creative Industries, conclui que este não é um
bairro criativo na ideologia apresentada por Florida (2002), visto que Užupis não
rentabiliza economicamente o seu potencial através das indústrias criativas, como o
mesmo autor sustenta:

“Užupis and Loft districts lack the distinction of cultural activities, broader coalitions with other
creative industries companies, and with local businesses. Social cooperation with Lithuanian industrial
producers and traditional crafts would strengthen both clusters in economic and social aspects, as well
as the ability to create synergies in preparation to fairs, festivals, etc” (Černevičiūtė, 2011, p. 96).

As transformações sociais e económicas dos anos 1990 motivaram a construção de


novos tipos de espaços urbanos no centro e periferias de Vilnius (Tsenkova, 2004).
Donatas Burneika (2008), no mesmo sentido, apontou a transformação de uma
sociedade soviética, relativamente equitativa, com um deficit constante de habitação,
para uma sociedade capitalista, com desigualdades sociais, e um deficit permanente de

46
Metelkova é um outro bairro cultural que ocupou uma zona
desmilitarizada da cidade de Liubliana, na Eslovénia. Neste proliferam
galerias de arte, salas de concertos, bares, assim um hostel construído na
antiga prisão do complexo – Celica Hostel (Kurti, 2011).
227

terra disponível; a par da descentralização até à economia de mercado como a força


motriz das transformações do espaço urbano de Vilnius.

2.2.2. O impacto da Capital Europeia da Cultura 2009

Antes de mais, McCoshan, Rampton, Mozuraityte, & McAteer (2010), no relatório de


avaliação da CEC 2009, salientam que a visão comum entre os entrevistados (decisores
políticos) assenta na ideia de que a cultura não era vista como um meio de alcançar
objetivos sociais e económicos. Dito isto, fica claro o desfasamento da estratégia de
Vilnius face às outras cidades aqui analisadas. Como se observa, a motivação geral de
Vilnius para acolher o evento CEC relaciona-se com a organização de um programa
cultural para a celebração do Milénio da Lituânia, e para melhorar a imagem e aumentar
a visibilidade do país, a fim de se tornar num destino de turismo cultural na Europa.
Contudo, até esta motivação central parece ter sido afetada pelos cortes orçamentais,
que reduziram para zero o orçamento de comunicação e marketing para 2009, tal como
se lê no mesmo relatório.

Vilnius CEC 2009 foi mais um festival, com um conjunto de atividades culturais
suportadas pelas já existentes instituições artísticas, como o CAC, do que um
megaevento, de âmbito europeu, com objetivos económicos e sociais. A crise
económica que se iniciou no final da primeira década do séc. XXI é apresentada, de
forma constante, como o motivo do insucesso da Vilnius 2009. Contudo, McCoshan,
Rampton, Mozuraityte, & McAteer (2010, p. 62) consideram, com razão, que a disputa
política em torno da CEC inviabilizou, de forma considerável, não só a programação,
como a execução do próprio evento:

A well-run ECoC can, indeed, cause a step change in cultural governance capacity, providing a new
platform for cooperation. Such benefits were not generally realised in Vilnius[…]There is also no
evidence that the ECoC caused a step change in levels of public participation in culture or a shift in
public understanding of it – indeed the evidence from the interviews is that the on-going polítical
controversies may have had a negative effect in this regard.

De igual modo, Vilnius aparenta olhar para o passado de maneira seletiva, imaginando
as suas tradições, à luz das atuais realidades políticas culturais, tentando abraçar novas
identidades urbanas no contexto europeu e global (Corijin e Van Praet, 1997), como
228

forma de se aproximar a europa e se desfazer do seu passado recente de ocupação


soviética.

2.3. P OR T O : A C I D A DE D ON U T C OM “P ON T E S PA R A O F U T U RO ”

Essas “pontes” discursivas sustinham-se em três articulações centrais: nos conceitos de


“Memória/Futuro”, ligando o grande prestígio da cidade em finais do século XIX, à sua desejada
reafirmação no século XXI; “Paisagem/Cidade”, tirando partido das qualidades paisagísticas e urbanas
do Porto, agora em processo de transformação física e ambiental; e finalmente, “Eu/Outro”
intensificando uma visão cultural baseada nas relações de “alteridade” na criação artística, mas
também de “transculturalidade” com uma realidade urbana tão distinta quanto estimulante para a
cultura portuense – Roterdão. (Grande, 2009, p. 528)

O tema principal do evento Porto 2001 era "Pontes para o Futuro", aparentemente
inspirado na importância do Douro e das suas pontes para o Porto. Este tema refere-se a
um desejo de criar novas iniciativas e estruturas que iriam durar, para além do ano
cultural.

Contudo, ao longo das últimas décadas do séc. XX, essas pontes, mote da Porto 2001,
também foram pontes para fora da cidade. A crescente migração para os municípios
periféricos da cidade originou, não só uma crescente urbanização destas zonas, como
impulsionou novos centros económicos, nomeadamente, novas áreas comerciais
integradas em centros comerciais, ao redor da cidade. Como efeito, o centro da cidade
foi-se progressivamente esvaziando, assim como a economia local assente no pequeno
comércio familiar, no café e em algumas pequenas instituições culturais, como cinemas,
foi declinando, formando o que Carlos Balsas (2004) designa de “cidade donut”. Para o
mesmo autor, este padrão de desenvolvimento urbano é o padrão de suburbanização
típico de uma cidade metropolitana ocidental, sustentando que entre 1960 e 1996, o
centro da cidade de Porto perdeu mais de metade (53%) da sua população.

A nomeação como Capital Europeia da Cultura e o investimento financeiro que tal


nomeação implica foi percebido como uma oportunidade para implementar uma série de
projetos estruturantes na área da regeneração urbana, a fim de reanimar uma cidade
inanimada. Na mesma altura, o Ministro da Cultura, à data, Manuel Maria Carrilho,
atraído pelas Jornadas de Arte Contemporânea, enquanto contexto reflexivo e dinâmico
em torno da criação artística emergente, parece ambicionar com a candidatura à CEC
229

“colocar o Porto no mapa”, procurando o efeito replicado em tantas outras cidades de


média dimensão europeias.

Contudo, há muito que o Porto reclama pelo estabelecimento de espaços nacionais


qualificados, passíveis de inclusão nos fóruns e nas redes globais da criação
contemporânea. Manifestação simbólica da comunidade artística e intelectual local, mas
visível, deste apelo é o “enterro” do museu Soares do Reis – manifestação de 10 de
junho de 1974 –, que se perspetiva como um dos eventos que está na origem do MACS.
A importância da existência de um local como o MACS pode ser verificado no seguinte
fragmento da entrevista com a Consultora do Serviço Educativo da mesma instituição:

Eu acho que a cidade… há uma cidade antes de Serralves e uma cidade depois de Serralves.
Porque repare o ser de arte contemporânea é muito importante, porque fala da época. Nós
precisamos de conhecer bem a época em que vivemos, precisamos de ter dados da nossa época.
Portanto, é outra coisa, o ver, o ter esta possibilidade, vocês nem sonham! (MACS Consultora do
Serviço Educativo E. L., 2010)

Alexandre Pomar parece ser da mesma opinião, afirmando o MACS como um dos oásis
de uma cidade cultural, quase deserta:

"Serralves é uma ilha ou uma bolha, no Porto e no país. A somar a outras bolhas como o São João e a
Casa da Música, que formam uma cúpula cultural a pairar longe do chão e levam o Porto a pensar-se
como um deserto cultural com alguns oásis. Incluindo ou não a capital cultural de 2001 e a Miguel
Bombarda, conforme os dias” (Pomar, 2009, p. s/p).

2.3.1. O Museu de Arte Contemporânea de Serralves

Fundado a 6 de junho de 1999, o MACS é o primeiro museu de arte contemporânea em


Portugal, localizado na segunda cidade do país – Porto. Grande (2009) afirma que a
construção do MACS se inseriu quase num paradoxo vergonhoso, no sentido em que só
em 1999, é construído o último museu português do século XX, e o primeiro a
apresentar uma política museológica orientada para a coleção, estudo e divulgação da
arte contemporânea. Neste sentido, a criação do Museu de Arte Contemporânea no
Porto parece já anunciar um rumo de política cultural para a cidade, que se
consubstancia na preparação do ano da CEC 2001.
230

A estratégia programática da Porto 2001 destacou-se, tal como em Vilnius, pela


cooperação com as principais instituições culturais da cidade, nomeadamente com o
MACS. Esta estratégia programática não só parece reforçar a programação no ano
cultural, como parece reforçar a visibilidade dessas mesmas instituições. Exemplos
desta cooperação são as exposições “Squatters/ Ocupações47”, "In The Rough48" e
“Claes Oldenburg / Coosje Van Bruggen”. Em entrevista, o diretor do MACS afirma
essa mesma possibilidade que a Porto 2001 trouxe ao MACS. Seja na expansão na
própria cidade com o “Squatters/ Ocupações”, seja pela exposição "In The Rough" na
qual foram mostradas uma seleção de obras da coleção Museu Boijmans Van
Beuningen, da Idade Média à contemporaneidade, que de outro modo não seriam vistas
no Porto; seja ainda no enriquecimento da própria coleção do MACS, com a aquisição
da Colher de Jardineiro a partir da exposição de “Claes Oldenburg e Coosje van
Bruggen”.

Ora de vez em quando fazemos algumas atividades ou desenvolvemos alguns projetos a esse nível,
isso aconteceu com o projeto Squatters em 2001, isso aconteceu com o projeto Reunidos e com a
apresentação da nossa coleção no ano passado … Infelizmente isso são projetos que nos são
muito difíceis de conseguir manter, se não tivermos um apoio financeiro específico para o
realizar. E não temos tido condições para o fazer com uma grande regularidade, há momentos
quando reunimos essas condições, isso aconteceu na altura da Capital Cultural ou na altura do
décimo aniversário do Museu isso foi possível. Infelizmente não conseguimos mantê-lo com
regularidade, mas eu gostaria muito de o conseguir fazer. (MACS Director do Museu J. F., 2010)

A Colher de Jardineiro, de Claes Oldenburg e Coosje van Bruggen, que integra a


coleção do MACS desde a exposição dos mesmos artistas durante a Porto 2001, é a pá
“imagem de marca” do MACS referida pela Monitora do Serviço Educativo.
Atualmente, esta escultura permanente, de aproximadamente 6,50 metros, parece
integrar a imagética da cidade sobre o museu, construída aquando da CEC.

47
“Squatters/ Ocupações” é um projeto com o Witte de With de Roterdão,
o qual jovens artistas exibem trabalhos em lugares inesperados por toda a
cidade do Porto. Em Roterdão foi apresentado um projeto similar.
48
“In The Rough” reuniu uma das mais relevantes coleções de arte no
contexto dos museus europeus, apresentando obras de Rembrandt,
Ruysdael, Courbet, Gauguin, Monet, Kandinsky, Dali, Magritte, de
Kooning, Boltanski, entre outros, mostrando obras que partem da pintura
holandesa dos séc. XVII e XVIII à arte contemporânea holandesa e
internacional.
231

S: Sabem nós somos conhecidos pelo Museu da Pá. Sabem porquê? Porque não se consegue ver o
museu de fora. A única coisa que as pessoas vêem é esta pá aqui no jardim. Sabem, no outro dia
fui comprar o passe aqui ao pé, onde vou sempre. A Sra. Diz-me assim: “A menina trabalha em
Serralves não é?” Eu disse que sim e ela disse-me que nunca cá veio, mas disse que: “Quando
passo lá vejo a pá e aquelas árvores todas, mas nunca lá entrei”. Portanto esta é a nossa
imagem de marca. (Diário de Terreno, MACS, 03 de fevereiro de 2010)

O museu de Álvaro Siza, ou o Museu da Pá estabelece, de facto, uma continuidade com


a memória contextual do local. Observa-se essa continuidade na relação que estabelece
com o jardim, seja na exposição permanente de esculturas, seja na vista que possibilita
através das suas janelas, que para alguns perturba a fruição das obras.

O museu nasce a partir de aquisição, por parte do Estado, de uma propriedade burguesa,
no eixo entre a zona baixa da cidade e a foz do Douro. Zona nobre da cidade que
“escondia” uma casa, exemplar único na Europa de Art Déco (Serralves, 2012), e uns
extensos e sumptuosos jardins, cujo antigo proprietário ambicionava que tocassem as
margens do Douro. Considerando o valor patrimonial da propriedade, o Ministro da
Cultura considerou que este seria o local esperado para alojar o Museu Nacional de Arte
Contemporânea. Contudo, a gestação do museu levaria 10 anos e o Museu só viria a
habitar o edifício idealizado pelo arquiteto Siza Viera em 1999, dois anos antes da
Capital Europeia da Cultura – Porto 2001.

Durante estes 10 anos, a Casa de Serralves foi a “sala de ensaios” para o Museu, após
uma intervenção de restauro do arquiteto Siza Vieira. Neste período, a arquitetura da
casa, incomum para um museu de arte contemporânea, alimentou o imaginário de
múltiplos/as artistas que usaram a Casa de Serralves como palco das suas obras, criadas
ou adaptadas às singularidades desta obra de Arte Nova, exercitando as possibilidades e
impossibilidades que este espaço “privado-familiar-burguês” que transitava para um
“coletivo-público-cultural”, alimentava. Muntadas, em 1992, ou James Lee, em 1997,
foram estimulando a reflexão sobre as formas e significado atuais desta dicotomia
público-privada, assim como da natureza e função social dos espaços culturais
contemporâneos que, por exemplo, Serralves parecia ambicionar. No entanto, a Casa de
Serralves parecia “distrair” artistas e públicos e como tal, não era tida como o espaço
ideal para a exibição de obras de arte contemporânea. Definitivamente, no Palacete de
Arte Nova não cabe o tipo ideal de cubo branco de O'Doherty (1999)
232

O Museu, este sim, o maciço novo edifício que se encontra em terrenos do antigo
pomar, de um branco reluzente, cativa o/a espectador/a com as suas linhas fortes,
janelas rasgadas nas paredes das galerias, recantos e citações à casa “mãe”, mas, ainda
assim, feito cubo branco pela imposição de que o conteúdo é o protagonista e não o
contentor.

Contudo, a coexistência entre ambos, é feita de forma subtil (Ilustração 15), facilitada
pela arquitetura e pela programação. Tal como lembra o arquiteto: “[...] a relação entre
os dois edifícios seria, porém, estabelecida mais pela memória, do que visualmente”
(Costa A. A., 2002, p. 129)

Ilustração 14 - Vista aérea do MACS e da Casa de Serralves

Neste sentido, ao contrário de outras experiências, tais como as da Tate Liverpool e Tate
Modern ou do já ex-libris Guggenheim Bilbao, Serralves não nasceu de um espaço
industrial degradado e esquecido. Antes pelo contrário, veio ocupar uma casa já ela
símbolo do Mecenato às artes contemporâneas, feito sim, com recurso a uma indústria
perdida noutro tempo e noutro espaço (Vale do Ave). Deste modo, é um distanciamento
deste modelo de revitalização urbana, testado por toda a Europa, mas que, ao mesmo
tempo, exerce a sua pressão na cidade. Como Pedro Lorente (2003) refere, no caso de
Serralves, “o museu [também] chegou primeiro”. O museu exerceu um efeito de
extensão social e espacial da cidade, no sentido em que, se até então a Casa, os Jardins,
a Quinta e toda a envolvente estavam reservados a uma minoria. Após a aquisição de
Serralves pelo Estado e a sua transformação num espaço semipúblico, a sua fruição foi
aberta a todos/as que o entendam fazer. Mais uma vez, como Muntadas na exposição
Intervenções: a Propósito do Público e do Privado explora:
233

“Serralves servirá neste caso de exemplo de uma experiência pessoal, ligada a interesses económicos
e de classe (de propriedade e de proveito), históricos (estilo, moda), sensibilidade, mas que pode
estender-se a outras situações de tempo e de espaço, onde experiências similares fornecem resultados
culturalmente importantes. Tanto em determinados momentos da contemporaneidade como em
experiências de mecenato através dos tempos, é possível que por vezes o “privado” se ocupou daquilo
que o “público” ignorou, desatendeu ou, simplesmente, deixou de perceber” (Muntadas, 1992, p. 62-
63).

Estas múltiplas sobreposições entre responsabilidades públicas, financiamentos


privados, mecenato e arte contemporânea parecem coexistir na génese de Serralves,
motivando um questionamento contínuo.

2.3.2. Porto 2001: Capital Europeia da Cultura

Neste sentido, sem dúvida que o MACS, a par da reabilitação do Museu Soares dos
Reis, a construção da Biblioteca Almeida Garrett, a reconversão da Cadeia da Relação
no Centro Português de Fotografia, e a dinamização do Teatro Nacional S. João, em
articulação com os renovados Auditório Nacional Carlos Alberto e o Mosteiro de São
Bento da Vitória, parecem dar corpo a uma estratégia da CEC 2001 de dotar o Porto das
infraestruturas necessárias para o futuro.

Este objetivo não fica completo sem a construção de um edifício que ajude a projetar a
imagem da cidade como um lugar a visitar. Na verdade, a Casa da Música, obra
emblemática, projetada por Rem Koolhas, foi considerada o ícone da Porto 2001.
Observada como o legado mais visível, define-se por uma arquitetura singular e
emblemática, que alguns afirmam construída na busca do chamado “efeito
Guggenheim”. O “meteorito” de Koolhas deixa dúvidas quanto ao seu potencial de
contextualização, agreste ao que o circunda, mas acolhedora da talha dourada e do
azulejo, numa espécie de barroco pós-moderno tão Portuense. Nuno Grande (2009), por
seu turno, pronuncia a Casa como um bom de fim-de-festa cultural, pelo que inscreve o
Porto no futuro. Sem dúvida, que a Casa da Música parece inscrever o Porto no jogo do
reconhecimento global e do marketing de cidade, podendo também ser pensada como
símbolo de uma estratégia de resposta aos modos de gestão dos problemas originados
pelo desmantelar da economia industrial, próxima da retórica da cidade criativa que se
analisou em linhas anteriores.
234

Contudo, Nuno Grande (2009) relembra que ambas as “obras-legado” da Porto 2001 –
MACS e a Casa da Música – possuem uma dimensão global, porque essencialmente são
locais, perfazendo um “efeito Guggenheim” que não deverá constituir-se como uma
perturbação, mas como uma estruturação de hardware cultural para o futuro,
apropriando-se do léxico de Charles Landry ([2000] 2008).

O Museu inaugurou dois anos antes da Capital Cultural Europeia em 1999. Ora a Capital
Europeia da Cultura vai-nos permitir reforçar a programação. Foi um ano em que nós fizemos
25 exposições, uma dessas exposições foi levada a vários pontos da cidade, aconteceu em mais de
20 espaços da cidade, com mais de 40 artistas internacionais, jovens artistas que fizeram projetos
específicos para esta cidade. Ora isso numa cidade obviamente muito conhecida, isso criou uma
outra relação com a cidade ao mesmo tempo isso foi fundamental para reforçar, consolidar
públicos da vida cultural da cidade e da vida cultural do museu também. Acontece que, no
entanto, nós sentimos que toda uma série de energias que foram retornadas com a Capital
Cultural não foram continuadas depois. Continuam no contexto das instituições que a cidade
tem ou que passou a ter, é o caso de Serralves, é o caso do Teatro Nacional São João, é o caso
da Casa da Música que veio acontecer anos mais tarde mas que começa com uma metodologia de
programação que acontece já em 2001. Aquilo que depois deixará de existir na cidade será todo o
apoio à programação independente e toda uma série de programações independentes das
instituições que a cidade teve com uma riqueza e diversidade muito grande e que deixaram de
existir pela falta de condições de apoio que a cidade tinha até à Capital Cultural e que deixou de
ter depois da Capital Cultural. Nessa medida, hoje a cidade do Porto é uma cidade que é um
paradoxo. Por um lado tem três instituições culturais de referência nacional e internacional e
por outro lado é uma cidade onde essas três instituições são quase como três oásis num deserto
cultural onde a cidade não é muito generosa para com a atividade cultural independente. Há um
paradoxo que não é resoluto por nenhuma destas instituições… (MACS Director do Museu J. F.,
2010)

De facto, a Casa da Música, que só inaugurou quatro anos após a Porto 2001, vem a
ocupar o terceiro vértice do atual triângulo de grandes instituições culturais da cidade –
MACS, Teatro Nacional S. João e a Casa da Música, que parecem preservar as
“sinergias” como o Diretor de Serralves afirma, criadas no decurso da CEC 2001.

Argumenta Balsas (2004), na mesma ordem de sentido, que o Porto Capital Europeia da
Cultura 2001 teve três áreas principais de intervenção: i. a regeneração urbana; ii. a
renovação e construção de equipamentos culturais; e iii. eventos culturais. Entre a
primeira área encontra-se a renovação do espaço público, a recuperação económica e o
programa de habitação, todos os três no centro da cidade. Das três áreas, a regeneração
235

urbana foi a intervenção mais visível, transformando a cidade num estaleiro 49.
Associando, ainda, conflitos institucionais, atrasos e derrapagens orçamentais,
dificuldades técnicas que deram origem a vários projetos no espaço público, que vieram
demonstrar a dificuldade de fruição da cidade, por parte dos seus habitantes, seja
durante o ano do evento, como nos anos precedentes e subsequentes ao mesmo. O
MACS e a zona envolvente não foram alvo de intervenção, facilitando a sua visita:

Penso que não se refletiu assim no Museu… Em termos de números no Museu, imagino que se
deve ter refletido, não é? Mas no Museu, como Museu, que foi das poucas coisas que se manteve
aqui direitinha, não andaram a esburacá-lo todo… nem se lembraram de esburacar as
imediações porque achavam que nem se devia fazer um metro para chegar aqui ao Museu.
Portanto podiam ter-se lembrado e terem aqui as imediações à volta também tudo esburacado
mas penso que foi, assim, um oásis no meio do Porto, não é?! (MACS Monitora do Serviço
Educativo C. C., 2010)

Esta intervenção urbana, que teve como foco praças e ruas e é simbólica para a cidade,
deixou de fora as zonas habitacionais da zona histórica, já que foi concedida prioridade
à dimensão simbólica da cidade, deixando cair, desta forma, a cidade "real". Em termos
operativos, o programa de reabilitação da habitação é abandonado, devido à falta de
recursos técnicos e financeiros para ser implementado (Balsas, 2004).

Este mesmo autor argumenta que o Porto CEC 2001 entra na categoria de eventos de
“projetos de propaganda urbanística”, projeto esse, desenhado para canalizar
financiamentos públicos e publicitar a cidade a nível mundial, procurando, em última
instância, através de um efeito desencadeado, melhorar as condições de habitabilidade
da cidade, mais como consequência do que programação urbana deliberada. O mesmo
parece ter sucedido em Liverpool (2008). Ruas de acesso à cidade, como Edge Lane 50,

49
Mais de 30 ruas e praças foram submetidas a obras de remodelação,
incluindo a substituição das suas infraestruturas subterrânea (sistemas de
água, gás, esgotos e telecomunicações), bem como a ampliação de
calçadas e a definição de novos traçados das vias e construção de espaços
de estacionamento (Balsas, 2004).
50
Edge Lane é uma estrada principal que vai da periferia ao centro de
Liverpool. Na direção oposta, liga com a autoestrada M62, sendo a
principal porta de acesso à cidade. A estrada estreita, com prédios de cada
lado, foi alvo de uma ordem de expropriação pelo Conselho Municipal de
Liverpool, a fim de poder demolir os prédios e melhorar o fluxo de
trânsito, sob o argumento de que as casas estavam degradadas. Contudo,
uma queixa apresentada, pelos moradores, ao Supremo Tribunal atrasou
os trabalhos de demolição. Por conseguinte, aquando da ECE, em 2008,
as casas estavam vazias, mas de pé, sendo entaipadas com painéis
decorados com imagens mostrando o património cultural da cidade e os
236

consideradas zonas de habitação da classe trabalhadora foram desalojadas e as fachadas


entaipadas com painéis a publicitar a Capital Europeia da Cultura – cidades onde, como
Claudino Ferreira (2004) observa, o investimento feito na cultura é visto como uma
forma de melhorar a qualidade ambiental e estética do espaço público urbano, para além
de procurar induzir efeitos de desenvolvimento económico e de promover imagens
identitárias, atraentes e competitivas das cidades, concluindo que as capitais da cultura
são "vestidas para o sucesso", ou melhor para a sedução de capitais múltiplos.

Autores como Grande (2009) e Balsas (2004), assim como uma das informantes
privilegiadas reiteram que o Porto 2001, Capital Europeia da Cultura foi um claro
investimento em hardware cultural, com reflexos na vivência cultural da cidade.

Portanto eu acho que 2001 não surge em 2001, não é? Surge um bocadinho antes, todo o
planeamento, todo o projeto e também alguns pequenos espetáculos que se iam fazendo e
inaugurações e publicações. Portanto Serralves no fundo vai acompanhar muito o que é que é
99 para 2001, esses momentos. E eu acho que o Porto mudou imenso desde 2000. Ou posso dizer
99 mas é desde este milénio mudou imenso a vários níveis. Mudou a nível urbano, mudou a nível
de vivências, mudou a nível artístico, cultural, tudo isso. Uns momentos muito para melhor,
outros para pior. Mas mudou muito. E Serralves, eu falo sempre destas relações, falo sempre o
que é que é a Porto 2001, falo das mudanças que houve na cidade, no centro histórico, falo da
questão do metro, falo da questão da Casa da Música e falo da questão do que é que foi antes de
Serralves e como é que isto já foi um engrenar de qualquer coisa que vinha a seguir. Portanto
faz sempre parte das visitas e acho que Serralves de certa forma poderia viver sem a Porto 2001
mas ainda bem que viveu com a Porto 2001! (MACS Monitora do Serviço Educativo M. S., 2010)

Por conseguinte, a Porto 2001 parece ter-se concentrado, quase em exclusivo, em


soluções físicas, sobre as quais se procurava estabelecer, então, um software
potenciador de práticas culturais e articulador das diversas programações, pelo que sem
estas, como Chales Landry ([2000] 2008) argumenta, perde-se o potencial de solução
que adviria da promoção da criatividade. Desde logo, mesmo que necessárias, as

logotipos da ECE. Nas nossas deambulações pela cidade podemos


perceber que com o passar do tempo as placas foram-se deteriorando e o
que parecia ter sido a solução de “embelezamento” de Edge Lane para a
Liverpool 2008 deixou-a, ainda, com um ar mais degradado.
Este processo de expropriação e tentativa de regeneração da cidade contra
os seus habitantes locais não passou despercebido do campo artístico.
Nina Edge, artista local, foi convidada a criar uma obra para a exposição
que encerrou o ano da ECE, na Tate Liverpool, criou um jogo chamado
Five Dimensional Everything (multimédia). “Jogou” com as palavras dos
habitantes de Edge Lane, sobre o processo de expropriação, recolhidas
por entrevista (Gorschluter, 2009).
237

soluções de hardware vieram a demonstrar-se insuficientes, para injetar dinamismo no


coração criativo da cidade. Contudo, Teixeira Lopes, Batista, & Firmino da Costa
(2009) argumentam que a programação, a terceira área definida por Balsas (2004),
ambicionou ir mais além, potenciando o cosmopolitismo, as redes já estabelecidas e a
formação de intermediários culturais. Contudo, as deformações políticas levaram a
problemas de continuidade das dinâmicas de desenvolvimento cultural lançadas, ou
projetadas, pelo evento, refletidas no desencanto dos agentes culturais, que a imprensa
deu eco desde o encerramento das celebrações.

Respeitando a gramática de pensamento de outras capitais precedentes, como afirmam


Teixeira Lopes, Batista, & Firmino da Costa (2009), o Porto parece também vítima
desta política neoliberal, que autores como Arantes (2000) e Harvey (2001; 2008)
apelidariam, na medida em que se assiste a fenómenos que indiciam processos de
gentrificação. Balsa (2004) afirma que o centro da cidade tem vindo a tornar-se
apelativo, mas para uma geração mais jovem de profissionais e estudantes das artes e
das indústrias criativas, que podem custear as necessidades de reabilitação do centro da
cidade. Ao mesmo tempo, o centro parece emergir, mais recentemente, como um lugar
de comércio, serviços e habitação, um polo na economia do entretenimento.

No fundo, colocar em números os espetos que já foram abordados neste ponto, tal como
se pode ler no relatório Palmer/Rae Associates (2004) o Porto gastou quase 10 milhões
de euros a mais do que Roterdão no total, mas 20% menos na programação cultural, o
que por si só demonstra o privilegiar do desenvolvimento de infraestrutura – o
hardware face ao software.

2.3.3. À Procura de um Futuro pela Via das Indústrias Criativas: INSERRALVES


e Serralves 21

Paralelamente a Vilnius, o Porto viveu uma herança da CEC mitigada pela mudança da
perceção do que a cultura é, e do que podem ser os seus usos e práticas, desta vez, por
parte do governo local. Ficando, enquanto legado, as instituições culturais que nasceram
do evento. Apesar deste constrangimento, o Porto empreendeu grandes projetos de
regeneração urbana no centro da cidade, desenvolvendo áreas abandonadas,
remodelando praças e prédios públicos e melhorando os espaços verdes.
238

Serralves, por sua vez, parece estar ciente da importância crescente das denominadas
indústrias criativas, numa economia pós-industrial e tem vindo a assumir-se como um
ator importante na criação de um cluster criativo local. Para tal, financiou um estudo
macroeconómico51 para avaliar o impacto das indústrias criativas, assim como para
aferir o seu atual papel e evolução futura, no quadro da economia e transformações
sociais da região norte de Portugal (Otgaar, Den Berg, Der Meer, & Speller, 2008). A
par deste estudo macroeconómico, criou outro projeto, o INSERRALVES, que é uma
incubadora de indústrias criativas. Este projeto fornece espaço físico, bem como
desenvolvimento e apoio da gestão, para projetos que anualmente são selecionados 52.

A ideia, por trás desta imagem, é que Serralves pode agir como um catalisador do
desenvolvimento económico, sem sacrificar a autonomia artística; uma eficiente
ferramenta na revitalização das economias urbanas pós-industriais, pela atração dos
fluxos de capitais, pessoas e ideias – uma retórica gasta na argumentação neoliberal, à
semelhança da TL.

Devido à falta de espaço de armazenamento, Serralves parece pretender expandir o


projeto para a construção de um outro edifício, desta vez fora do espaço da Quinta de
Serralves e fora do Porto – Serralves 21. Este novo Serralves, ainda em projeto, parece
que, para além de funcionar como espaço de reserva da coleção do MACS, irá
acrescentar uma outra camada de complexidade ao papel de FS, no apoio ao cluster
criativo. O arquiteto português Nuno Grande (2009) classifica este novo edifício como
um aglomerado urbano, próximo dos projetos do Matadero (Madrid), ou do Le
Centquatre (Paris). Serralves 21 pode ser construído por fases, de acordo com as
necessidades e terá como objetivo ser um "espaço dinâmico e flexível numa área no
âmbito de um processo de reconversão de desindustrialização e urbanidade" (Grande,
2009, p. 135).

A expansão do projeto Serralves vai abraçar, desta vez, uma estratégia de reconversão
urbana já experimentada e controversa. O principal objetivo é criar residências de
indústrias criativas, mas também preservar o património industrial local – é sempre
interessante para "localizar" o projeto e abraçar a antiga identidade do lugar. Neste

51
Com o título: “Desenvolvimento de um Cluster de Indústrias Criativas
na Região Norte de Portugal”.
52
Inovação, criatividade, potencial de negócios, a qualidade dos
promotores, respeito pelo meio ambiente e contribuição para o
desenvolvimento do país, em especial, da região Norte, foram os critérios
utilizados para selecionar os projetos incubados.
239

sentido, apesar de Serralves atrair muitos visitantes, a sua contribuição para a economia
regional é mais simbólica, e organiza-se em termos de imagem, identidade e
consolidação de práticas culturais. Por essa razão, a aliança estratégica com Serralves é
compatível com o argumento de que a arte contemporânea ajuda a promover
internacionalmente Portugal, como um país moderno; e desenvolver o turismo de
qualidade no norte do país. No entanto, é uma função muito estreita e instrumental, para
um centro de arte contemporânea, mesmo porque é uma solução já testada, com sucesso
questionável.

2.4. L E GA D OS E E ST R AT É GI A S F U T U R A S

“There was a large consensus among the participants that over 25 years the ECoC have become one of
the most sustained ambitious cultural initiatives in Europe, both in scope and scale. They have also
become one of the most visible and prestigious initiatives of the European Union and probably one
of the most appreciated by European citizens. It undoubtedly has a unique brand value for the
European Union and remains a much sought after designation by European cities” (Education and
Culture DG, 2010, p. 4).

Liverpool, Vilnius e Porto têm em comum múltiplas questões. São cidades portuárias,
de fronteira, abertas a todo um conjunto de encontro e trocas que as tornam nós culturais
e criativos. Afetadas pelas transforações económicas, sociais e culturais do final do
século XX, acolheram a CEC como um instrumento de revitalização urbana,
procurando, tal como a Direção Geral de Educação e Cultura afirma o valor de marca
único que advém dos 25 anos de implementação deste instrumento de política cultural.
Contudo, vivenciaram problemas de governabilidade, durante os anos de celebração,
seja por parte das agências nomeadas para gerir e programar os eventos, seja pela
alteração de governos nacionais e locais durante o processo de preparação e
implementação da CEC.

A “Liverpool Culture Company” foi a agência responsável pela gestão da Liverpool


2008 (Garcia, Cox, & Melville, 2010). Esta agência experimentou um número de
dificuldades com relação à sua estrutura e governabilidade. O relatório da ECOTEC
Research and Consulting Ltd (2009) aponta como causas destas dificuldades: o
concelho de adimistração demasiado numeroso, na fase do desenvolvimento; a
240

nomeação de um diretor artístico de fora da cidade e subsequente dificuldade em


encaixar este papel nas estruturas locais já instaladas.

Em Vilnius, não foi concedida a independência operacional e artística à agência, na


verdade, grande parte do financiamento da CEC não foi sequer administrado pela
"Vilnius – Europos Kultūros Sostinės 2009”. A programação manteve-se ligada ao
Ministério da Cultura. Como consequência, a liderança instável, tal como no Porto,
associada ao financiamento incerto levou a que grande parte do que havia sido projetado
para Vilnius 2009 não tivesse lugar, tal como é referido no relatório

"Governance and management were significantly problematic features of the Vilnius ECoC. Indeed,
the governance and management were so problematic that they had major negative effects on the
programme of events and ultimately on the overall impacts of the year" (McCoshan, Rampton,
Mozuraityte, & McAteer, 2010, p. 55)

No caso do Porto, a estrutura “Porto 2001 SA” sofreu alterações na sua direção e equipa
operacional, na sequência de disputas com o ministro da Cultura. No final de 2001,
houve uma mudança política dentro do município do Porto que levou a cortes
orçamentais nos programas cultural e de renovação urbana, fazendo com que as
iniciativas desenvolvidas em 2001 tivessem pouca possibilidade de continuidade.

No período de tempo relativamente longo entre as nominações e os eventos em si,


ocorreram mudanças políticas, que minaram compromissos anteriores e
comprometeram a execução e o legado do evento, tal como a Education and Culture DG
(2010) afirma em relação aos casos de Vilnius e Porto. De igual modo, a crise financeira
foi apontada como uma ameaça ao desenvolvimento das CEC, ao mesmo tempo que fez
sobressair a retórica da criação de emprego, através das indústrias criativas – um setor
visto com forte potencial de crescimento numa economia baseada no conhecimento –,
essencialmente em Liverpool.

Neste sentido, a questão do legado e do impacto aparece com significativa importância e


tem vindo a ser considerada com cuidado.

A primeira contribuição da Comissão Europeia foi o estudo Palmer / Era (Palmer/Rae


Associates, 2004), que analisou as capitais de 1995 a 2004. O estudo forneceu dados
muito úteis e recomendações sobre como melhorar a conceção e organização do evento
e foi uma das fontes que, em última análise, influenciaram as revisões para a base legal
e o sistema atual da CEC. A ATLAS – Associação de Turismo e Lazer Educação –
241

avaliou a CEC em Roterdão, Porto e Salamanca (Richards, Hitters, & Fernandes, 2002).
O Observatório das Atividades Culturais também realizou um estudo sobre os públicos
que visitaram eventos da Porto 2001. Consideraram-se dimensões como: a composição
social dos públicos; motivações e modos de frequência de espetáculos e exposições;
práticas culturais, preferências e avaliações dos frequentadores do evento (Santos, et al.,
2002). Em essência, estas duas avaliações às CEC 2001 concluíram que, tanto o Porto
como Roterdão, tiveram como objetivo aumentar a participação na cultura e usar o seu
potencial na regeneração urbana, contudo, não conseguiram expandir o perfil do público
tradicional da arte e da cultura.

Outro estudo, "Cidades e Capitais Europeias da Cultura - City Reports", de 2004, revela
que o título "Capital Europeia da Cultura" provoca um impacto muito positivo em
termos de repercussões nos meios de comunicação social, de desenvolvimento cultural e
turístico e de tomada de consciência pelos habitantes da importância da sua cidade.

De igual modo, a partir da decisão n° 1622/2006/EC 1 a Comissão Europeia estabeleceu


a necessidade de avaliar os resultados de cada ano, considerando a relevância,
eficiência, eficácia e sustentabilidade. Tal tem sido cumprido pela ECOTEC Research
and Consulting Ltd para as capitais CEC 2007 a 2010. Tal não invalida que cada cidade
desenvolva o seu próprio processo de avaliação.

Nesse sentido, o modelo de avaliação mais abrangente até agora, totalmente


desenvolvido por uma cidade é, provavelmente, a avaliação de Liverpool 2008,
intitulada "Impact 08" (Garcia, Cox, & Melville, 2010). Este estudo longitudinal,
efetuado pelas duas universidades de Liverpool, avaliou a mudança da cidade, durante
um período de cerca de 10 anos. Foram consideradas as dimensões económicas e
turísticas, mas também os efeitos mais intangíveis, como aumento da participação dos
cidadãos, a imagem da cidade e a vitalidade cultural. No entanto, a dimensão europeia
não foi incluída.

Novos ou renovados espaços culturais, como são os três casos em análise nesta
pesquisa, vivem após o evento, incorporando o legado mais ou menos duradouro, como
se pode observar pelo caso do MACS. De igual modo, este legado também pode
consistir outros tipos de infraestruturas físicas, tais como projetos de construção de
estradas ou meios de transporte, que não são diretamente impostas pelo evento, mas que
muitas vezes são implementadas por causa do evento, e que podem alterar as
242

oportunidades geográficas e económica para a cidade, pela melhoria da sua


acessibilidade.

Tal demostra uma clara relação com a estratégia da UE-2020, para promover o
crescimento inteligente, sustentável e inclusivo. Por 25 anos, a CEC tem sido um
laboratório para as cidades criativas, sociedades inclusivas e economias inteligentes.
Existem, ainda assim, poucas referências, nos diferentes estudos, ao facto de este ser um
evento cultural. Os relatórios tendem a focar a dimensão económica do evento cultural,
relevando que este é um evento que nasce e preconiza a perceção que Jameson ([1991]
2000) traz sobre a relação entre a economia e a cultura no capitalismo tardio.

NOTAS FINAIS DE UMA CONTEXTUALIZAÇÃO

Os processos de urbanização são a espacialização das transformações dos regimes de


produção capitalista e socialista, sendo disso exemplo a construção, declínio e
revitalização das cidades de Liverpool, Vilnius e Porto apoiadas pelas instituições
culturais aqui em questão.

Deste lado da cortina de ferro, cidades como Liverpool e Porto, a partir dos anos 1970,
sofreram o colapso do fordismo, enfrentando desafios. A desindustrialização acarretou o
desemprego em massa e a necessidade de encontrar novas estratégias, para a
sustentabilidade das cidades. Nesta busca, tende a aparecer de forma persistente como
uma "ferramenta", que se tornou muito popular em muitas sociedades ocidentais, o
conceito das indústrias baseadas no conhecimento e criatividade. Observada como uma
retórica, para a revitalização das economias urbanas, localizando e integrando as
indústrias culturais na infraestrutura das cidades, onde as artes e a cultura desempenham
um papel importante no crescimento urbano e transformação. Políticas de ajuste e
financiamento foram direcionados para regeneração, liderada pelas artes e pela cultura,
procurando estratégias de enraizamento de singularidades com o objetivo de "vencer" a
competição urbana e atrair investimentos. Esses ajustes são baseados na crença de que é
possível converter capital simbólico, em capital económico. Essa crença apoia as
políticas urbanas que usam a cultura para reforçar a atração da circulação de pessoas,
bens e capital financeiro.
243

A Tate no Norte, como a Tate Liverpool ficou conhecida, abriu as suas portas em 1988,
em Albert Dock. O edifício que foi concebido em 1848 para ser um armazém nas docas
de Liverpool, devido às crises do capitalismo avançado, tornou-se a casa, no norte, da
Coleção Nacional de Arte Moderna e Contemporânea inglesa. Este lugar
desindustrializado que se fez cultural espacializa todo um processo de transição
paradigmática entre regimes de acumulação: deslocalização da produção industrial para
os países em desenvolvimento; desindustrialização dos países centrais; taxas massivas
de desemprego; criminalidade; políticas de ajuste e financiamento de modelos de
regeneração urbana e económica propulsionados pela cultura; investimento em
património, imagem e cultura, bem como na formação de uma massa crítica e criativa;
acolhimento de megaeventos e finalmente a instalação de uma galeria de arte de renome
mundial. Esta fórmula, de metamorfose da cidade industrial na cidade criativa não teria
lugar em Liverpool se a cidade não tivesse acolhido uma Tate. A TL apoiou Liverpool a
construir-se cidade “criativa”.

O MACS, inaugurado dois anos antes da CEC, é o primeiro museu de arte


contemporânea em Portugal. O Museu da Pá, enquanto um dos oásis culturais da cidade
estabelece uma continuidade com a memória contextual do local que “privado-familiar-
burguês” se fez “coletivo-público-cultural”. Este museu, que nasce da
des/reprivatização de uma casa Arte Deco dos anos 1930, responde à reclamação da
cidade por cultura, ou melhor, pela criação de espaços culturais qualificados, passíveis
de inclusão nos circuitos de circulação artística contemporânea. Assim parece lançar os
alicerces para a candidatura do Porto a CEC. A nomeação e o investimento financeiro
de 2001 foram percebidos como oportunidade para implementar uma série de projetos
estruturantes na área da regeneração urbana e da requalificação cultural, a fim de
reanimar uma cidade inanimada, que nas, últimas décadas do séc. XX, perdeu uma parte
significativa da sua população. Esta “obra-legado” da Porto 2001 exerce um efeito de
extensão social e espacial da cidade, ao mesmo tempo, que de uma forma diferente da
TL integra os “projetos de propaganda urbanística” e de impulso das indústrias criativas
através da criação de projetos como o INSERRALVES e Serralves 21.

O CAC parece ser a antítese da estratégia de revitalização urbana neoliberal. Construído


a partir do Dailės Sovietų Parodų Rūmai (Palácio de Exposições de Arte), o seu projeto
arquitetónico, concebido para combinar com o contexto do bairro antigo parcialmente
destruído durante a II Guerra Mundial, surge como uma expressão de resistência à
244

ocupação soviética. O edifício modernista localizado no coração do centro da cidade de


Vilnius, que no século XX foi uma cidade Polaca, Russa e Alemã, parece incorporar
uma outra estratégia de posicionamento. Em 2009, a CEC, 20 anos após da queda do
muro de Berlin, marca o encerrar de um capítulo na história do país e consolida a
adesão da Lituânia à EU. Aqui reside uma diferença fundamental em relação a
Liverpool e ao Porto. Vilnius é uma cidade capital, o que confere ao evento uma
importância simbólica entre a projecção europeia de uma imagem positiva, a retórica
nacional e o reposicionamento urbano. Contudo, paralelamente ao Porto, Vilnius viveu
uma herança da CEC mitigada pela mudança nacional de objetivos políticos do evento,
o que fez com que este se suportasse na programação das instituições culturais da cidade
como foi o caso do CAC, apesar de ter sofrido cortes orçamentais muito significativos.
Vilnius demonstra que a CEC não é necessariamente um catalisador automático para a
regeneração urbana e não gera, por si só, retornos financeiros e económicos.

Sem dúvida, a CEC é um evento que confere prestígio à cidade que o acolhe. Logo, a
retórica que sustenta a CEC assume que esse prestígio, emprestado, atrai investimentos
e turismo, que se traduzem em novas oportunidades económicas. Tal significa que o
evento mais visível e duradouro da política cultural europeia é, tendencialmente, visto
como, se argumentou, instrumento de reconversão económica. Numa relação, quase
causal, que quando ocorre, tende a ser de curta duração e centrada no ano do evento.
Potenciando, enquanto reverso, uma fragmentação espacial e social desarticulando a
cidade real da cidade encenada para a CEC, o que coloca problemas de segmentação e
exclusão social e gentrificação.
245

Capítulo IV. O Museu Enquanto Instituição Educativa:


Estruturas, Conceitos e Estratégias da Educação Cultural
Contemporânea

INTRODUÇÃO

The growth of capitalism has been a powerful influence in the development of the museum as the
proper home for works of art, and in the promotion of the idea that they are apart from the common
life. The nouveaux riches, who are an important byproduct of the capitalist system, have felt especially
bound to surround themselves with works of fine art which, being rare, are also costly. Generally
speaking, the typical collector is the typical capitalist. For evidence of good standing in the realm of
higher culture, he amasses paintings, statuary, and artistic bijoux, as his stocks and bonds certify to his
standing in the economic world. (Dewey, [1934] 2005, p. 9)

Este capítulo, dando cumprimento ao propósito da etnografia global, através da


elaboração de um trabalho analítico e interpretativo dos casos, concentra-se na
compreensão da fundamentação da estratégia educativa de cada uma das Galerias de
Arte Contemporânea, situadas em contextos e realidades tão diversas, como as deste
estudo.

Na verdade, um debate que tem perdurado dentro a Museologia Crítica, passa pela
discussão se o museu é uma instituição estética ou educativa, questão já expressa no
Capítulo II. A discussão releva em primeiro lugar que a razão de ser do museu é a
educação, num sentido lato. Quando um museu, enquanto guardião de uma coleção, é
aberto ao público, ele está desde logo a assumir uma função educativa (Leong, 2003). O
que não significa que se aproxime do modelo da educação escolar e formal. Como
George Hein (2005, p. 357) afirma:
246

“Museums are primarily educational institutions; what makes them public institutions for the
preservation of culture is their educational work” .

Este autor argumenta que existem consequências (morais, sociais e políticas) ao aceitar
que o museu é uma instituiçao educativa, por natureza. Isto no sentido em que é a sua
função educativa, do museu que faz dele uma insituiçao pública responsável pela
preservação do patrimonio cultural. Esta é uma ideia presente no museu imaginário do
Malraux (2000) e na necesssidade de preservar os bens culturais da humanidade,
tornando-os acessíveis ao maior número de pessoas e legando-os às gerações vindouras.
Se se aceita que esta é a principal função do museu, crê-se, por conseguinte, que os bens
aí preservados têm um qualquer potencial de desenvolvimento individual e social.

Com efeito, os museus representam um importante investimento social público na


maioria das sociedades modernas. As suas origens evidenciam as condições que deram
origem aos Estados nacionais. A influência destes, nas sociedades informacionais, é
crescente e insere-se numa retórica da construção de uma economia criativa. Isto ao
mesmo tempo que se assume que a cultura é um elemento de cidadania contemporânea
e que constitui importante instrumento de reforço e integração social, estando, nesse
sentido, o museu ao serviço da sociedade.

Assim, a definição dos museus como mais ou menos educativos é simplista, pelo que a
organização da exposiçao de uma obra de arte e sua abertura pública é por si só
definidora do carater educativo de um espaço. Contudo, aquilo que os distingue prende-
se com os públicos dessa educação, com as suas lógicas organizativas e com os
objetivos e pressupostos dessa aprendizagem.

Por outras palavras, quando Bourdieu & Darbel, em L'Amour de l'Art ([1969] 2007),
descrevem o museu moderno como instituição que, ao ser relutante à apresentação de
textos de parede, privilegia a educação da classe dominante, incluindo o tipo de
informação geralmente proposta por educadores/as, frequentemente rejeitadas pelos/as
curadores/as; considera a publicação do catálogo da exposição como um dos principais
instrumentos instrutivos; tem como público a própria classe dominante. Neste sentido, a
ausência de “subsídios pedagógicos” (ibidem) não significa que o museu seja menos
educativo. Significa, antes, que os/as “educandos/as” deste museu são um grupo
privilegiado, dotado de elevado capital cultural e educacional que, por isso, privilegia
determinadas estratégias pedagógicas (conversas com especialistas, leitura dos
catálogos...), em detrimento de outras (como oficinas ou textos de parede).
247

Por conseguinte, neste capítulo pretende-se analisar e concentrar no tipo de instituições


educativas que são a Tate Liverpool, o Šiuolaikinio Meno Centras e o Museu de Arte
Contemporânea, procurando perceber as conceções de educação que presidem a cada
um e no seu conjunto; como é que a função educativa se integra na estrutura
organizacional e na missão de cada instituição; por fim, quais os propósitos, conceções
de educação, objetivos, quadro ideológico e o lugar da educação nas três galerias de arte
contemporânea, de três países distintos e de cidades tão variadas, como os/as que estão
em causa neste estudo.

1. T ATE L IVERPOOL : L ABORATÓRIO DE P RÁTICAS E DUCATIVAS

Tate Liverpool is renowned for its innovative Interpretation & Education Programme and will
continue to work in partnership with cultural, educational and community organisations. We will
continue to programme educational activities for existing audiences and to develop new and
accessible programmes for a greater diversity of new audiences, particularly those who are
traditionally hard to reach. The development of online resources, web casting of events and state
of the art multi-media tours of International Modern Art will be a key feature of our future
interpretation strategy keeping Tate Liverpool at the cutting-edge of gallery practice and
reaching new audiences regionally, nationally and internationally. (Tate Liverpool, Programme
Policy, 2006, p. 1)

A Tate Liverpool distingue-se como um laboratório de práticas educativas, uma galeria


na vanguarda das práticas, que procura novos públicos a nível regional, nacional e
internacional, tal como se afirma no documento em que está registada a política
programática da galeria para 2008. A TL assume a vanguarda naquilo que mostra, não
tanto como o CAC, mas no modo como mostra e como procura mediar o que mostra aos
seus públicos (e não-públicos). Por conseguinte, como se lê no documento citado, a
galeria assume um autoproclamado reconhecimento pela sua proposta educativa.

Afinal, o que leva a TL a autoproclamar-se de laboratório de práticas educativas? Que


contornos particulares (educativos ou outros) assume esta instituição?

Neste primeiro ponto argumenta-se que o departamento educativo da TL ao assumir


particularidades – o lugar organizacional do/a Information Assistant, aproximação e
248

mobilização da comunidade como estratégia, dinâmica curatorial e a hermenêutica,


enquanto “instrumento” pedagógico – são elas próprias que lhe conferem o estatuto de
“laboratório de práticas”. Neste sentido, observam-se e parecem assumir-se
consfigurações particulares da função interpretativa integral da TL, quetsão que se
desenvolve no último ponto deste capítulo. Para tal, considera-se a estrutura, também
original do Learning Department, essencialmente por procurar nivelar a função
educativa com a função expositiva, na relação entre curadorias (expositiva e de
aprendizagem) e artistas (artistas e artistas educadores/as).

Como já se teve oportunidade de afirmar, as particularidades sociais, políticas e


económicas de Liverpool (en)formam a construção desta galeria de arte, desde a opção
pela localização – inscrevendo-a num dos primeiros experimentos de regeneração
urbana através da cultura – à relação com a cidade, que se adivinhava difícil.

Procurar-se-á, de seguida, responder às questões levantadas focando na compreensão de


sentido acerca do que é consensualmente reconhecido como sendo uma galeria
“laboratório de práticas educativas”, como revela este excerto da entrevista com a Head
of Learning:

I think that are different answers to that question (risos)... When Tate in London first wanted to put
another gallery in somewhere else in the country, the reasons for that were polítical, the reason
were also economic, in terms of the gallery helping... culture helping kick off the regeneration
twenty years ago. So... it's been quite a journey! But also the fact that we have this collection and
in the past if you to see any of the collection you could only go to Tate Britain, which was just the
Tate Gallery then. The collection, we couldn't show everything that we held. The idea was to
push it out into to the rest of the country by having another galley but also, by setting
partnerships with other galleries both, nationally and internationally. So, the work was shown all
over the place and we have reciprocal agreements with partners galleries to show our work, so
that were polítical, economic... the fact that... we needed to share more of the collection in more
places basically. Liverpool was looked was part of... a kind of research to see which kind of cities
might e viable for another Tate Gallery. But is quite good that is in Liverpool, because Henry Tate
came from Liverpool, made his fortune or started to made his fortune here... So, for all sort of
reason is good that is in Liverpool, but on a very pragmatic basis was a polítical move. But if you
can imagine 1988 the dock is deselected. There was a “no go area” and quite a dangerous place.
The city was in an economic meltdown, decline... no jobs, you know... no money. When I came
here in 1999 there were no traffic jams!!! (risos) So... If you could imagine what people must
have thought! The Govern spending money putting a National Art Gallery... when we have no
home, have no jobs, in deep poverty, you know?! Was other brave or very very stupid... (risos)
decision. But, actually, 20 years on it was a good thing to do, because with other cultural
249

organizations kick started... the kind of regeneration, or was part of it. I wouldn't say kick started
but was part of the city trying to... welcome European money in other to start to build a stronger
infrastructure in the city. (TL Head of Learning L. F., 2008)

Este excerto da entrevista da diretora do departamento de aprendizagem da Tate


Liverpool é extenso, mas é na verdade elucidativo de múltiplas questões que trespassam
a análise deste caso. Ao procurar-se as motivações, para a implantação da segunda Tate
em Liverpool, a diretora do departamento de aprendizagem desta galeria, diz que estas
são, desde a origem, preocupações de natureza económica e política. Económica,
porque a galeria integrou um processo de regeneração económica e urbanística da
cidade, através da cultura. Políticas, porque ao mesmo tempo que se dá a expansão da
galeria para fora de Londres dá-se um processo de descentralização da coleção,
tornando-a acessível a mais pessoas no país, como também fora deste, através de
empréstimos. Contudo, retoma o argumento recorrente no discurso de outros
informantes, de que a opção por Liverpool se sustenta no facto de Henry Tate, fundador
da galeria, ser de Liverpool e ter começado a construir a sua fortuna no comércio de
açúcar nesta cidade.

Contudo, a diretora do departamento de aprendizagem da Tate Liverpool, na


estruturação da sua oferta educativa, não deixa de considerar a importância do conflito
(entre uma galeria de arte contemporânea e uma cidade com altos níveis de desemprego,
criminalidade e instabilidade social). Além disso, a mesma entrevistada conclui
positivamente a favor do modelo de regeneração urbana adotado e apoiado pela galeria,
que culminou com a nomeação da cidade como Capital Europeia da Cultura em 2008 e
com investimento europeu na recuperação económica e urbanística da cidade.

Um conjunto intrincado de problemáticas é levantado pela diretora do departamento de


aprendizagem da Tate Liverpool. Salienta a já esperada difícil receção da galeria e, por
conseguinte, sublinha a necessidade de conquistar o reconhecimento dos habitantes da
cidade. Desta forma, o departamento educativo nasce no contexto de transição de uma
lógica articulada como o trabalho para uma lógica articulada com cultura e educação, o
que gerou uma certa conflitualidade. É a esta luz que as dinâmicas educativas da galeria
têm que ser analisadas.

Assim, as estratégias educativas da Tate Liverpool nascem com vista a minimizar esta
conflitualidade, equacionando os desafios contemporâneos a nível local e global.
250

Face a este particularismo, a TL foi-se distinguindo por um forte investimento em


educação, consolidando-se como um “laboratório” de práticas e metodologias
educativas (Spalding, 1998). Nos anos 90, a TL elaborou o seu projeto educativo, tendo
por base o modelo da Tate Britain53, acrescentando-lhe duas dimensões: a abertura ao
exterior, através do programa de Education and Outreach (Educação e Extensão) e a
criação da figura do/a Information Assistant (Assistente de Informação). Estas duas
propostas foram percebidas como iniciativas inovadoras, mas também como uma
concretização da missão "civilizacional" da Tate no Norte, uma continuidade da
imposição centro-periferia que esteve na raiz na localização da galeria em Liverpool.
Transcrevem-se em seguida duas posições que ilustram esta contradição:

“Tate Gallery Liverpool was perhaps the first major museum in the UK to adopt this practice. The
Information assistants included young and olds, male and female, ex-dock workers and recent
graduates, all of whom were full-time members of staff” (Jackson, 2000, p. 24),

"…not only in the presence of the gallery in Liverpool, but in two unique strategies under the guise of
‘education’: gallery attendants, for example, were not only expected to maintain security, but to
interpret artworks for visitors when requested, an unprecedented policy. And a Volkswagen ‘art van’
decorated by David Hockney, was acquired for Outreach work in the ‘community’, through which the
Tate product would be explained to the natives" (Williams, 2004, p.127).

O mesmo tipo de preocupações é observável nos discursos de alguns informantes


privilegiados, como é o caso de um dos professores do curso de História da Arte:

Yeah, like in the Victorian times, I think it is a bit because then it was, they opened up the art
galleries to the general public, the riff raff once a week so they can come and see, and hopefully
it’ll help them improve and be better people. And that was the Victorian point of view, that
through like, through enlightened reason and through kind of art culture and these great big
neoclassical buildings, I think somehow improve society and make people see like a better way
of living and, you know. And it’s kind of a bit like that, I don’t know, the idea that through art
you can improve society. I mean, I don’t know if it should have to have that sort of
responsibility, but again that’s it. (TL Art History Professor M. T., 2008)

53
Desde os anos 70, que a Tate Britain implementa uma política baseada
na ideia de expandir e diversificar as atividades educativas, recorrendo a
exposições dedicadas a crianças, aulas no espaço da galeria e parcerias
com Universidades.
251

A TL foi inaugurada com o objetivo de mostrar a coleção de arte Moderna 54, fora de
Londres, e aproximar os públicos mais desafetos da coleção nacional. Ou seja, como é
referido no website da galeria, a TL tem como objetivo principal: “to promote public
understanding and enjoyment of British, modern and contemporary art” (Tate, 2012, p.
s/p) No mesmo sentido, a Head of Learning é afirma:

“Underneath the mission is the vision (…) we are fulfilling the mission of the vision, we are
contributing to it” (TL Head of Learning L. F., 2008)

O conflito com a cidade in(en)formou a elaboração do programa educativo da Tate


Liverpool. Na medida em que a organização estava ciente da necessidade de formar
públicos para a arte moderna e contemporânea, porque, sem estes, a galeria Tate fora de
Londres não seria viável, como assegura o diretor da mesma: "If the Tate comes to
Liverpool we know that we have to find a new audience" (Bowness de 1981, em
McKaine, 2008, p. 8). Preocupação estratégica que, de igual modo, é evidenciada pelo
Diretor do Museu de Arte Contemporânea de Serralves:

Por um lado, estamos e só estaremos a trabalhar por Serralves ser o primeiro museu dedicado à
Arte Contemporânea em Portugal. Estamos a trabalhar num país e num contexto onde não
havia públicos formados ou conhecedores da arte do século XX. Portanto, nessa medida estava
tudo por fazer. O grau zero é sempre uma grande liberdade. Nós procuramos e tivemos algumas
estratégias e algumas oportunidades ao longo dos anos. (MACS Diretor do Museu J. F., 2010)

Este grau zero de que fala o Director do MACS, na TL implicou uma estratégia de
comunicação em que se pretendia passar a mensagem que associava a galeria a algo
novo e moderno, mas igualmente convidativo e convivial:

“The launch campaign in the spring of 1988 employed commercial marketing techniques to promote
the Gallery as a place to visit. The optimism of the power of modern art to intrigue and engage is
evident in the promotional television and poster campaigns. ‘Be There or Be Square!’ they
proclaimed. Here, modern art speaks directly to you in a language that is ostensibly modern, yet wittily
engaging” (Jackson, 2000, p. 24).

Em entrevista, a Information Assistant Supervisor apresenta a mesma linha de discurso


que a afirmação anterior de Toby Jackson, primeiro Head of Education da TL, aqui
considerado enquanto autor da obra Testing the Water: Young People and Galleries.

54
A Tate tem duas coleções nacionais, uma de arte moderna e outra de
arte britânica desde o século XVI até aos nossos dias
252

So, it was designed to be a slightly different, more contemporary feeling of gallery and that the
roles would be slightly different. It wouldn’t be so traditional and departmentalised, you know? It
would be very much about people coming in and being able to engage very immediately with the
collection. (TL Information Assistant Supervisor D. B., 2008)

Contudo, se pensarmos no que afirmam autores como Bourdieu & Darbel ([1969] 2007)
as ações publicitárias, seja através dos média regulares como a imprensa, rádio ou
televisão ou através de cartazes ou roteiros turísticos nada mais fazem do que
acrescentar ruído. Como afirmam, "assemelha-se às pessoas que imaginam que, para
serem melhor compreendidas por um estrangeiro, basta falar mais alto" (Bourdieu &
Darbel, 1969, p. 149). Desta feita, este tipo de ação direta só pode ser eficaz se incidir
sobre sujeitos já sensibilizados para acolher essa informação. Como os mesmos autores
reiteram, a pregação cultural, à semelhança da religiosa, "só consegue reunir as
condições de êxito, quando se dirige a convertidos" (Bourdieu & Darbel, 1969, p. 136).
Por conseguinte, a TL tinha a difícil tarefa de pregar a não convertidos e a opção pelo
marketing, desde cedo, se revelou claramente insuficente, sobretudo numa cidade como
Liverpool em que a proposta da galeria colidia com os valores culturais da cidade,
considerada como desfasada da cultura dominante.

Todavia, das 700.000 pessoas que visitaram a galeria no seu ano de abertura, apenas
200.000 eram esperadas, perfazendo um sucesso de bilheteira. Contudo, Toby Jackson
afirma, que os primeiros anos da galeria vieram contrariar as críticas de que ela teria
“saneado a história, face ao propósito do lazer e do entretenimento” (Jackson, 2000, p.
28), sustentando que o museu consegue acomodar as diferenças e programar para
públicos distintos. Afirma a TL como um museu com paredes para pendurar arte, mas
paredes permeáveis aos públicos mais desafetos da arte contemporânea. Lógica que,
mais uma vez, está presente nos discursos de alguns e algumas informantes:

I mean, thing on the wall helps – I’ve got Picasso over there and it really helps, but the gallery is
all about and any institution is all about people, you know?! (TL Artist Educator/ Information
Assistant J. O., 2009)

Parece ser evidente na literatura, tal como nos discursos dos sujeitos entrevistados, que
a localização da galeria em Liverpool moldou a construção de um departamento
educativo muito particular, sendo estas particularidades alvo de análise no ponto
seguinte.
253

1.1. C ONF I GUR A Ç ÕE S P A R T IC U LA R E S DA F U N Ç Ã O I N T ER PR E TA TI V A


I N T E GR A L

A sombra que a Tate Modern cria sobre as restantes galerias da organização permite que
Liverpool prossiga as suas experiementações, de uma forma segura por não estar sob
constante atenção, tal como a congénere de South Bank. Produtora de práticas que se
generalizam – localismo globalizado – para outras periferias (como o MACS no Porto),
mas também para outros centros, como a Tate Modern em Londres. Com efeito, a TL é
também periferia de centros como o MoMA (Museum of Modern Art), posicionando-se
pela educação, no circuito internacional de arte contemporânea, como se argumenta.

Na verdade, o Learning Department é um departamento educativo muito particular,


porque parece ter inaugurado algumas práticas que, em seguida, se analisam como: o
papel de Information Assistant, a aproximação à comunidade como estratégia, a
dinâmica curatorial entre educação e exposição, a hermenêutica, enquanto
“instrumento” pedagógico, tal como relata a Young Tate Curator:

I see it as a kind of experimental side of Tate, has a strong traditional of being the first to do
certain things. The first to bring information assistants who act as interpreters as well as a kind
of security in a way, the first to let young people to curate an exhibition on Testing the Waters
and we are going to do it again, hopefully, next year. Was the first to establish Young Tate and...
L. is really supporting us to take experimental and being innovative in our work… so that's how
I picture it. (TL Learning Curator - Young Tate M. F., 2008)

A estrutura organizacional da TL e o lugar do/a education curator são aspetos


organizacionais que serão analisados num ponto autónomo, mas contribuem para a TL
se auto-proclamar como um “laboratório de práticas educativas.”

// Information Assistant

Os Information Assistant estão presentes nas galerias com a função de zelar pela
segurança das obras e necesssidades dos visitantes, mas também facilitar relações entre
obras e públicos. Este cargo tornou-se uma das marcas distintivas da Tate Liverpool,
sendo o primeiro grande museu Britânico a adotar essa prática, como Toby Jackon
(2000) explica. Os IA foram selecionados entre ex-trabalhadores das docas e recém-
254

licenciados, jovens e velhos, homens e mulheres, para serem mais do que vigilantes das
obras da galeria. Foram também pensados/as e seleccionados/as para falarem com o
público sobre as exposições.

Com efeito, a diversidade de pessoas que integram esta equipa aparece como inovadora.
Atualmente, tal como aquando da inauguração da galeria, os IAs apresentam um leque
muito vasto de formações. Isto pode ser visto como resposta à crítica de que a galeria
integrou um processo de gentrificação (Arantes, 2000), quando, na verdade, houve a
preocupação estratégica de integração da população local, não só como público, mas
também como mediadores/as.

I’m not particularly qualified person, my education… I’m almost self-educated, I think at school I
was just a normal Liverpool kind of working class boy who didn’t want to know about the
education at all, and that’s only later that I kind of realized the value of education – I went to
library a lot. (TL Artist Educator/ Information Assistant J. O., 2009)

It was strange in that initially people came because they liked the information side or they liked
the security side, although there were a few members of staff like Naomi Horlock, for example was
one of those members of staff, who was interested in both sides of that. (TL Information Assistant
Supervisor D. B., 2008)

// Aproximação e mobilização da comunidade como estratégia da galeria

A TL aparece nos discursos dos/as seus/uas colaboradores como tradicionalmente


inovadora. Inovadora por assumir, desde logo, uma posição proativa no que diz respeito
à formação de públicos. Posição, que parecia estruturar, ainda em 2008, a estratégia de
relação entre diferentes departamentos, tal como é evidenciado no seguinte fragmento
de entrevista:

I mean for example at the moment this architecture training that we’re doing today, that’s come
out of my involvement with the leisure groups and there’s a team including A. and R., J. from
communications and J., actually sitting down and thinking about how were going to develop this
market, and then coming up with ideas about what we think the gaps in the market are, how we
can service them, then going back and the training today has come out of that because we felt we
could see a gap. (TL Information Assistant Supervisor D. B., 2008)

A estratégia desenhada partia da consciência de que não haveria procura pelos


habitantes locais. Céticos em relação à agenda política de tal projeto cultural, encetaram
um projeto que visava construir relações com as comunidades locais. Neste projeto, a
255

galeria, representada por artistas e cópias de obras, deslocava-se aos centros


comunitários e escolares com o objetivo ultimo de serem as comunidades locais a visitar
a galeria. Deste projeto nasceu um outro, também inovador, o Young Tate, um projeto
orientado para jovens. Este projeto parece ter sido criado, partindo da crença de que os
mais jovens, pela educação escolar, seriam mais próximos da cultura institucionalizada
de uma galeria de arte. Este projeto, que ainda continua a existir e que se expandiu e
alastrou, não só às quatro Tate, como também se multiplicou por galerias europeias e
internacionais. Ambicionava-se construir um grupo de aconselhamento, em que jovens
programariam atividades e exposições para outros/as jovens, numa lógica de que a idade
cria disposições culturais comuns. Se assim é, em parte, é contudo também verdade o
que lembra Madureira Pinto (2010), quando afirma que não é tanto a idade, mas a
conjugação da origem de classe com o tipo de percursos escolares dos frequentadores de
um museu, que se tornam factores de influência dos julgamentos e gostos jovens.

A TL estabeleceu como objetivo inicial claro criar e manter relações com as


comunidades locais que, de outra forma, não viriam a constituir-se público para o
museu. Nessa perspetiva, foram desenvolvidas redes, com potenciais parceiros,
nomeadamente com aqueles que já desenvolviam atividades artísticas, a fim de, acertar
e ajustar a coleção com as agendas das organizações comunitárias. Neste sentido,
defendendo a noção de que a arte não é vista como um fim em si mesma, antes como
instrumento ao serviço do trabalho educativo com as comunidades e com a formação de
públicos, tal como a Community Curator refere no seguinte excerto de entrevista:

I mean sustainability and legacy of community and education work is very much Tate’s policy and
that’s why professional development is so important to the education team here because it has a
lasting impact. And it’s the same with, we’re very careful about maintaining relationships and
about the long term kind of outcomes of what we’re doing and that does come directly from Tate
but I think also, it’s just good practice, it’s best practice and a lot of arts organizations will work
responsibly in that way. I think the days of short term projects are gone, thanks god!
R.: So it’s pretty much about social inclusion, using the art as an instrument in their work?
V.: Exactly. (TL Learning Curator - Community V. H., 2008)

No discurso desta curadora transparece a ideia de que existe uma relação quase direta
entre agenda educativa da instituição e as práticas de suas profissionais. Neste sentido,
compreender o trabalho educativo em Liverpool apresenta fortes elementos de
256

aproximação à intervenção comunitária de promoção de inclusão social, através de


projetos sócio-educativos de longo alcance.

Neste sentido, compreende-se que, na origem do departamento educativo da TL,


nascessem seis projetos de longo prazo, que tiveram lugar dentro e fora do museu. O
investimento em projetos de longo prazo é uma característica que a Tate Liverpool não
abandonou, com a saída de Toby Jackson.

"We establish the principle of working quietly over several years, ending a programme only when a
legacy of self-support had been established (by that I mean confident use of the Gallery programmes
and resources). After tem years the Gallery retains a presence, usually in form of membership of
steering groups" (Jackson, 2000, p. 25)

Por exemplo, após a má receção da obra Bed de Antony Gormley, um dos projetos de
longo alcance deu origem a uma nova obra do mesmo autor – Fields for the British Isles
(1993). Uma escultura com mais de 40.000 figuras feitas à mão pelos participantes no
projeto – habitantes de St. Helens e da comunidade educativa da Sutton Community
High School. Também como resultado deste pressuposto, em 1989, um ano após a
abertura, a Tate Liverpool deu início ao Mobile Art Programme (Programa de Arte
Móvel), cujo enfoque era trabalhar com jovens, entre os 14 e os 25 anos, que estivessem
fora do sistema educativo formal. Este projeto tinha como objetivo principal facilitar a
aprendizagem, sobre e através da arte contemporânea. A coleção foi usada, para abrir o
debate sobre questões que preocupavam a juventude. Contudo, este tipo de trabalho não
estava isento de críticas, surgindo perguntas como estas: Será este o papel de uma
galeria de arte? Em que é que este se distingue de outras organizações comunitárias?

Contudo, estas dúvidas não demoveram esta organização de continuar com esta
estratégia e o LARC (Liverpool Arts Regeneration Consortium) é disso exemplo, como
explica Head of Learning:

.And also knitting the experience of other arts organizations and partnering up with other arts
organizations, small organizations as well as LARC and that is looking really quite good. (…) And
the whole idea is to really work together to build the infrastructure, so that young people, children
and young people, wherever they are in those three boroughs over the next three years are able to
have a cultural experience, a really positive cultural experience. (…) And where other LARC or
other art organizations are leading on different strands, we may be partnering up with them, so
we’re really knitting together and working very very well, it has helped us enormously. (…) And
LARC and Capital of Culture helped us to be able to get there in a sense, to be able to get where
we are. So, it has been unlocking lots of resources to develop our work, but also to make a
257

difference to peoples’ lives really which is really what we’re about, and encouraging people not
just to come here but also to work out in communities, to skill people up, so that they can make
independent visits, they can contribute culturally and artistically to their own environment even if
it’s nowhere near to Tate or the city center, so that’s a long term. (TL Head of Learning L. F.,
2008)

// Dinâmica curatorial

Nicholas Serota (1997) afirma que os museus e galerias devem ser uma "casa", para o
trabalho de artistas contemporâneos, promovendo um diálogo ativo entre o presente e o
passado, através dos objetos artísticos, sendo neste sentido que a Tate Liverpool foi
pioneira também no conceito de alterar a exibição da coleção através de ciclos de
mudança (Jackson, 2000). Quando a galeria abriu ao público, em 1988, o ex-armazém
das docas com três andares, foi organizado como uma galeria com três camadas – à
coleção de arte moderna foi reservado o rés-do-chão e o segundo andar, enquanto no
primeiro aconteciam as exposições temporárias. A exposição de abertura incluía nove
quadros de Mark Rothko no rés-do-chão e no segundo andar uma exposição de
escultura moderna britânica, disposta por ordem cronológica, a fim de servir propósitos
educativos. Toby Jackson (2000) diz-nos, ainda, que esta prática foi mantida numa série
de ciclos trienais de exposição da coleção, prática mantida até 2008, o que permitiu à
galeria expor obras representativas de todo o século XX. Como exposição temporária de
abertura, no primeiro andar, a opção recaiu sobre arte contemporânea, intitulada Starlit
Waters: British Sculpture and International Art 1968-1988. Também o MACS abriu as
suas portas com uma exposição intitulada Circa 68. Ambas as galerias parecem balizar
a sua programação de arte contemporânea entre o presente e 1968.

Neste sentido, denota-se que as funções museológicas tradicionais de aquisição,


conservação e catalogação são feitas pela Tate Britain, libertando a Tate Liverpool para
o investimento na interpretação da coleção, tendendo, deste modo, a diferenciar a
recém-criada galeria, quase que numa perspetiva de que esta seria uma instituição que
funcionaria, quase como um centro cultural, próximo do CAC – sem coleção – com a
vantagem de ter uma coleção da qual não é responsável.

// A hermenêutica enquanto “instrumento” pedagógico

O Learning Department da Tate Liverpool desenvolve programas educativos, eventos,


formação e desenvolvimento profissional, recursos de aprendizagem e de interpretação
que visam ampliar a participação nas artes, ampliando o papel social, interpretativo e
258

educativo da galeria. Tal como a Head of Learning afirma, o departamento pretende


tornar as paredes mais permeáveis:

And what we’re trying to do is make the walls more permeable, metaphorically (…) So, it allows
us to have multiple entry points for people to be able to come in and engage on the level that they
feel comfortable with, for instance. And where people don’t need any support or any interpretation
– that’s absolutely fine, they don’t have to read it. But from our research we know that
professionals or students who know about art, if you like, are only 10 per cent of the audience. The
rest, they know little, they’re quite generalists or they know nothing. So, we can’t just operate for
those 10 per cent – we have to operate for the rest of those people. And if we want to get a broader
wide audience participating in what we do, then we really need to invest in that. I’m still
recognizing that we’re in a profession and that we have public programs, academic level and the
research level… (TL Head of Learning L. F., 2008)

Hooper-Greenhill (2000) evidencia que a hermenêutica tem sido um “instrumento”


pedagógico no trabalho educativo da Tate. A autora afirma que o modelo de mediação
da Tate incentiva quem visita a galeria a estabelecer um diálogo entre o todo e o
individual de uma obra, entre passado e presente. Isto permite rever e reposicionar
ideias, tentar novas abordagens e rejeitar as que não funcionam. Tal como Hooper-
Greenhill (2000) afirma, o processo de compreensão fomentado pela galeria, é circular e
dialógico, uma vez que o recetor entra num modo de pergunta-resposta, num processo
contínuo de questionar aquilo para o qual já obteve resposta.

Esta perceção de conhecimento é próxima das teorias construtivistas de educação, que


afirmam que o conhecimento emerge da interpretação da experiência (Hein, [1998]
2000). Reconhece-se que o conhecimento é uma construção sociocultural. Não é um
corpo estruturado a priori e que é transmitido, enquanto tal. Neste sentido, é cada vez
mais esperado que o museu responda às necessidades dos visitantes, e não se limite a
dizer ao público a interpretação feita pelos curadores. Desta forma, pretende-se uma
mudança de uma perspetiva modernista de conhecimento e de uma forma didática,
baseada na transmissão de conhecimento e de meta-narrativas monolíticas, para uma
posição mais comprometida com o público, baseada no construtivismo.

Ao abrigo deste “guarda-chuva teórico” construtivista (Fróis, 2008) na TL desenvolve-


se uma proposta de aproximação à obra de arte, intitulada de “Ways In”. Nesta,
consideram-se quatro universos interpretativos (pessoal, objeto, tema e contexto), que
259

procuram sintetizar as orientações da interpretação hermenêutica. “Ways In” será alvo


de atenção particular no Cap. V.

Ao abrigo de tal “guarda-chuva teórico”, em 2008, o departamento educativo vê a sua


designação ser alterada para departamento de aprendizagem. Curiosamente, apenas em
2010 Ana Cutler, numa publicação da Tate, afirma que a discussão em relação ao papel
educativo dos museus, se prende mais com as aprendizagens e não tanto com a
educação, o que parece ter motivado a alteração da designação do departamento e dos
respetivos/as curadores/as para Learning Department e Learning Curators,
respetivamente.

Anna Cutler foi a primeira Director of Learning da Tate. Este novo cargo é responsável
por estabelecer e liderar a estratégia de aprendizagem e desenvolver a visão e a nova
estrutura para a aprendizagem na Tate Modern e Tate Britain, a fim de garantir que a
Tate cumpra o seu potencial, face aos desafios do século XXI. Nesta perspetiva, na
publicação já referida, Cutler (2010) faz uma reflexão sobre o que deve ser o trabalho
educativo da Tate, mobilizando argumentos teóricos da Museologia Crítica, na mesma
linha do que foi exposto, no ponto 4, do Capítulo II desta dissertação.

Também, enquanto desenvolvimento futuro, a “Vision to 2015” é de uma agenda para a


Tate, em que se ambiciona que estas galerias sejam: mais Abertas para receber novas
ideias, incorporando debates e trocas dentro e fora das galerias; Diversas no sentido em
que se apresentam uma gama de pontos de diferentes vista, vozes e perspetivas, na sua
programação; Internacionais, ligando o Reino Unido ao mundo e o mundo ao Reino
Unido; Empresariais, buscando novas parcerias, analisando novas tendências e
liderando e estimulando o debate; e, por fim, Sustentáveis financeiramente, garantindo
que a pesquisa é parte do tecido das galerias e demonstrando liderança na resposta às
mudanças climáticas (Tate, 2012).

No que diz respeito a esta visão de futuro, é possível perceber que, ao se definir tais
ambições, afirma que estas ainda não foram alcançadas. A mesma posição é observada
na entrevista da Community Curator:

Tate’s got its ambitions for 2015 and they’re very much around moving from one voice to many
voices, moving more and more towards an inclusive organization that’s open for all, that’s owned
by all, that’s for all. What are the other things, less about lecture, more about debate, less about
displaying art, more about inspiring or stimulating people’s visual thinking, so the whole shift if
260

you like, about where Tate’s going is about that interaction and that dialogue, and a two-way
thing, and an openness and innovating, and finding new ways of working, and that’s across the
board (TL Learning Curator - Community V. H., 2008)

1.2. E ST R U T U RA DO L E A RN I N G D EP AR TME N T

A Tate Liverpool integra uma organização mais lata que inclui quatro galerias de arte
(Tate Britain, Tate Modern, Tate Liverpool e Tate St. Ives) e duas coleções (uma de arte
moderna e contemporânea internacional e outro de arte britânica, de 1500 aos nossos
dias). Inclui, também, uma presença cibernética, a Tate Online. Apresenta uma estrutura
organizacional hierarquizada, em que se subdivide em cada uma das quatro Tates, de
acordo com o organograma (Ilustração 16).

A estrutura interna da Tate Liverpool subdivide-se, por sua vez, em cinco


departamentos: Curatorial, Learning, Visitor Experience and Operations,
Comunication e Development. O Curatorial Departement é responsável pelo programa
de exposições das coleções e projetos temporários; o Learning Departement desenvolve
programas de educação, formação profissional, desenvolvimento de recursos de
aprendizagem e interpretação ligados às exposições que visam alargar a participação nas
artes; o Departement of Visitor Experience and Operations trabalha para otimizar a
experiência do visitante e para garantir um ambiente seguro em todo o edifício; o
Departement of Comunication produz informação para todas as exposições, sendo
responsável pela publicação e divulgação da programação e dos catálogos; por fim, o
Departement of Development trabalha no sentido de dilatar o orçamento disponível.

Ilustração 15 - Organogram a da Tate


261

O Learning Departement e o Curatorial Departement formam o Programme Planning


Group (Grupo de Planeamento da Programação), um grupo que tem por missão a
conceção das exposições, desde o desenvolvimento do conceito, à investigação e
interpretação. Este modelo deriva do par curatorial. Neste modelo de conceção de
exposições, um/a curador/a das exposições e um/a curador/a educativo/a formam uma
equipa, que se responsabiliza pela conceção e interpretação da exposição. Tal permite
que a programação educativa não seja em reação às exposições e que a função educativa
da galeria seja tão importante, quanto a função expositiva. A Head of Learning da Tate
Liverpool, em entrevista, afirma que o sistema de par curatorial foi uma das razões,
pelas quais optou por trabalhar na Tate do Norte.

The two teams are the program group and that is something that has been unique for Tate
Liverpool. When Luis Big was here, he put that system in place, where education team and the
exhibition team would work together. And he set up a system called curatorial paring. Yes, we
shared ideas on collection and how to interpret and mediated and work with the collection...
Support the developed of the educational department in all of his strengths. But, also, what we
used to do... when an exhibition was on display, when we decided yes we will do that. Then an
education person and an exhibition person used to par up, as a curatorial par. So they par up,
plan the deliver that show together. They did take their own specialist areas, but they would go see
the artist together, if he was a living artist. They were... Then we didn't have an interpretation
curator has in the way that we do now. They would work together to decide: - Are we going to
have a leaflet? What sort of interpretation? What the content are going to be? Should I write it?
Should you write it? Well, I write it and you edited. Ok, next time you write it and I edited... they
really shared this kind of things. And then, they also though about: -Well, if we have an artist talk
or a seminar, or a conference. What would we do? And they talk about it and decided together and
go off and research different**. And then they get a team from, as we do still, from every other
department around them. But they would drive that plan together. Because I think that integrated
planning system, between the two teams it's really important... But, a few years ago there was a
change in staffing in the exhibition team and the person who was running didn't particularly agree
with curatorial paring. So, we stopped to do the curatorial paring... But we still got together this
program team. (TL Head of Learning L. F., 2008)

Em 2008, o par curatorial já havia sido extinto, dando lugar a uma estrutura curatorial,
que subdivide curadoria e educação. Apesar da equipa educativa preservar a designação
profissional de curadores e incorporar ainda o Grupo de Planeamento da Programação,
perdeu o papel que tinham na definição e conceção das exposições, sendo-lhes
reservada a dimensão interpretativa, numa perspetiva mais reativa, face ao sistema de
262

par curatorial. Por outro lado, esta opção parece ter libertado a função educativa da TL
da mera interpretação de exposição, possibilitando a sua expansão.

Neste sentido, parece neste ponto importante analisar o que nesta galeria se entende por
curadoria educativa.

Assim, o papel da Head of Learning,, tal como nos explicam em entrevista, é de gestão
da equipa educativa, construção de relações e parcerias estratégicas, e apoio na captação
de recursos financeiros. Curiosamente o que não aparece no seu discurso é o papel que
tem na articulação com o Curatorial Department, após a extinção do par curatorial.

I manage a team of education curators or learning curators, as now we are calling them…but
essentially, people who work with people and engagement in artwork and the life of the gallery. So
I have been here since 1999, so it's nearly 10 years. Actually is driving that kind of thinking and
supporting my team in developing their thinking and supporting them on the challenges that
they face. Supporting then saying: - ‘Yeah, you can do that. I trust you to do that’. It is, put the
computer on and actually start doing ... but is building the blocks, building the relationships, the
strategic partnerships, supporting the fund raising, make sure that we are doing what we say that
we are doing and also be surprised and challenged, you know... and also create a climate where
people can have ideas, share it, learn new things and therefore test new things out. (TL Head of
Learning L. F., 2008)

Por outro lado, como se transparece no excerto de entrevista transcrito, a extinção do


par curatorial parece ter libertado a função educativa da TL da mera interpretação de
exposição, possibilitando a sua expansão. Neste sentido, parece aqui importante analisar
o que nesta galeria se entende por curadoria educativa.

1.2.1. Curadoras Educativas ou de Aprendizagem

That exhibition Curator tend to be higher regarded, the education as always been the poor cousin,
hasn’t the same status in the museum, often don't have the same salary, and often it's not taken in
the same weight as exhibition curator. That’s why when they create the educational department
Toby Jackson, was the head of the department and said: I want them to be called Curators, the
same. The Education is as important as the exhibition, so... actually the word is used in a slyly
unusual sense, it has been twisted but for polítical purposes and I think is very important the
reasons as well. In common word, you coordinate one line of the educational department… (TL
Learning Curator - Young Tate M. F., 2008)
263

Tal como a Learning Curator responsavel pelo Young Tate explica no fragmento de
entrevista transcrito, o termo “education curator” foi criado por Toby Jackson com o
propósito de equilibrar a relação de poder, entre as funções curatoriais e de
interpretação. A componente educativa de uma instituição cultural aparece, de forma
mais ou menos comum, como secundária, sobretudo num museu de arte. Apesar da
literatura ocidental destacar a mudança paradigmática crescente de uma política
museológica centrada no objeto – aquisição e conservação – para uma política focada
no público e na possibilidade de fruição (Hooper-Greenhill, 1999), ainda aparece como
comum, como se verá mais a frente no caso do Museu de Arte Contemporânea de
Serralves, em que a exposição de obras de arte parece ser a função principal. Nesse
contexto, a educação aparece como função secundária do museu. A tentativa da Tate
Liverpool em contrariar esta tendência é observável nesta designação dos/as
colaboradores/as do departamento educativo como curadores. Assim, que a atribuição
da nomenclatura profissional de curador eleva simbolicamente o trabalho educativo
destes/as profissionais, que coordenam uma linha de intervenção educativa.

Porquê a nomeação como curadores/as? Uma das Learning Curators entrevistadas


afirma que a função de curador está associada a uma formação académica específica e
reconhecida, enquanto a formação para coordenação educativa é mais dispersa e aberta,
o que na sua opinião torna esta mais interessante.

There’s a very clear pathway to becoming an exhibitions curator, and if you go the Courtauld
Institute55, all the better, and it’s quite hierarchical, traditionally anyway and things are
changing. [...] traditionally, education’s always been much more open, there isn’t a formal
qualification that you can do to become an Education Curator, so people come from all kinds of
backgrounds and from all kinds of roots and that’s what makes I think, education teams so
interesting. (TL Learning Curator - Schools Professional Development D. R., 2008)

Também afirma Huyssen (1995, p. 166) que as funções de curadoria não se resumem
naquilo que o verbo curatoriar significa – guardião de coleções – mas antes implica
“mobilização dessas coleções” pela crítica, interpretação, mediação, ou, como afirma,
pela circulação “pelo globo e pelas cabeças dos observadores". Neste sentido, parece

55
O Courtauld Institute of Art é departamento autónomo da Universidade
de Londres, especializado em história de arte. O Courtauld é um dos
principais centros para o ensino da história da arte no mundo. Sir
Nicholas Serota, diretor da Tate, desde 1988, estudou no Courtauld
Institute of Art.
264

que a nomenclatura de curador/a educativo/a, mais do que uma “distorção para fins
políticos” é uma redundância. Curador implica, na definição de Huyssen (1995), o
cuidado com as obras e com a receção destas. A afirmação é de que a curadoria cuida
dos públicos, no papel organizacional de curador/a educativo/a. Apesar de redundante
esta designação parece no sentido de visibilizar o trabalho educativo da TL. A Head of
Learning salienta esta mesma condição invisível do trabalho educativo:

So, I think, in terms of learning departments within galleries and museums, you know, a lot of our
work is invisible. It’s with audience development outside of the gallery with often quite sensitive
groups and then there’s the stuff going on in the gallery. (TL Head of Learning L. F., 2008)

Se a curadoria educativa emerge como intenção de visibilizar a função educativa e


reconhecer os coordenadores de projetos educativos como pares, tal criou uma cisão no
campo, entre curadores “fazedores de exposições” e curadores “intermediários”, ou os
middleman, como apelidam Andreasen & Larsen (2007). Esta questão já se observa, não
só na divisão organizacional da galeria – Curatorial e Learning Departments – como no
discurso da Head of Learning, quando afirma que a o papel dos/as curadores/as
educativos/as é o de mediar, interpretar e facilitar a relação com as obras de arte, através
da programação de múltiplas possibilidades.

our job is about supporting people in their encounter with art – whether they are two years old,
twenty-two or ninety-two. And everybody comes to art differently and everybody learns differently.
So, it's part mediation, part interpretation, part facilitation. (TL Head of Learning L. F., 2008)

Apesar das suas formações de base e pós-graduações serem similares – história de arte
(formação de base) e práticas artísticas contemporâneas (pós-graduação), as funções
assumidas continuam a ser distintas – tal como se pode observar na Tabela 4:
265

Tabela 4 - Form ação Académ ica dos/as Colaboradores/as Permanentes da Tate Liverpool

Colaboradores/as Permanentes

Head of Learning Licenciatura em História da Arte

Education Assistant não especificou

Schools Outreach M.Phil. em História da Arte – Arte Moderna

Schools Professional Development Mestrado em História da Arte e Design

Family Licenciatura em Belas Artes

Community Mestrado em Museologia

Young Tate Mestrado em Arte, Música e Educação em galerias

Licenciatura em História da Arte e Francês; Mestrado em


Public Programmers
Política Cultural e Gestão Artística

Young Tate M.Phil. em Teatro; Mestrado em Educação

Public Programmers Mestrado em Filosofia e Crítica de Arte Contemporânea

Colaboradores/as Externos/as

Art Pad coordinator (Young Tate) Licenciatura em Design

Artist Educator Licenciatura em Belas Artes

Artist Educator; Information Assistant Licenciatura em Belas Artes

Artist Educator; Information Assistant Licenciatura em Belas Artes

Artist Educator Licenciatura em Belas Artes

Information Assistant Sem formação superior (não especificado)

Artist Doutoramento em Belas Artes

Information Assistant Supervisor Licenciatura em Gestão e Marketing

Prof. do re-view Doutoramento em Belas Artes

Prof. do re-view Mestrado em Belas Artes

Um/a curador/a educativo ou de aprendizagem programa e executa as atividades que


facilitam a relação entre as obras de arte e os públicos específicos (adultos, académicos,
famílias, estudantes, jovens, professores/as), com duração e formato muito variáveis.
266

What I see that role as a learning curator is the learning, the learning component of the gallery is
part also of the exhibitions in a sense that we work very closely with the exhibitions and displays
that are being shown but also underplayed at the present moment. So, we are involved in the
program of planning exhibitions and displays, but also we are involved in bringing exhibitions
and displays closer to the public,…helping the public to learn, helping the public to understand,
we look to exhibitions on display in a way it’s not just about the education but also about
enriching and so on… We try to help the public in taking the role, viewing and experiencing the
exhibition in the display. So, I see the learning fragment as kind of halfway between the public of
the viewers and the exhibitions, from my point of view. (TL Learning Curator - Schools Outreach
A. C., 2009)

A curadora educativa responsável pelo público escolar define o seu papel como de
mediação, entre este e as exposições temporárias e coleções da TL. Mais
específicamente, considera que é sua função ajudar o público a aprender e a
compreender, ir mais longe a enriquecer. Atente-se que a Learning Curator - Schools
Outreach recorre ao conceito de aprendizagem (e não de educação) considerando,
contudo, que o sujeito desta aprendizagem tem um papel passivo, afirmando mesmo que
o papel de um curador de aprendizagem é o de facilitar o caminho entre públicos e
obras, embora pretenda que “o público assuma um papel, que veja e experiencie a
exposição.”

Esta posição, responde, de alguma forma, à consciência crescente, por parte dos
profissionais dos museus, das suas responsabilidades, perante os contribuintes. De igual
modo, não deixa de se reconhecer que as alterações nos modelos de gestão dos museus
– caminham para uma crescente autonomia financeira – tem conduzido a uma crescente
consciência e necessidade de captar públicos mais diversificados, do que a frequente
minoria intelectualizada.

Yeah, this is a public institution, it’s publicly funded, our mission is public, our mission is
educational – that’s why we’re here for. And we help the national collection in perpetuity for the
nation. People pay through their taxes, therefore they have the right to have access. And when
you exclude people for whatever reason or if they feel excluded, you’re not doing your job
properly on the very basic level.
And where people don’t need any support or any interpretation – that’s absolutely fine, they don’t
have to read it. But from our research we know that professionals or students who know about art,
if you like, are only 10 per cent of the audience. The rest, they know little, they’re quite generalists
or they know nothing. So, we can’t just operate for those 10 per cent – we have to operate for the
267

rest of those people. And if we want to get a broader wide audience participating in what we do,
then we really need to invest in that. (TL Head of Learning L. F., 2008)

O departamento educativo, tal como se observa na Ilustração 17 subdivide os curadores


educativos por públicos-alvo preferenciais, como por exemplo, Outreach Curator;
Communities Curator ou Interpretation Curator. Na verdade, ao longo da investigação
o departamento de aprendizagem sofreu alterações no seu organograma. Se,
inicialmente, era constituído por onze elementos permanentes e um número
indeterminando de colaboradores externos, no final da investigação o número de
curadoras havia sido reduzido. A estrutura inicial era composta pela direção de
aprendizagem, sete curadorias, dirigidas por duas pessoas de gestão de programas e um
assessor, organizados da seguinte forma:

Public Programmes
Public Program Manager

Young Tate
Head of Learning

Education Assistant
Community

Interpretation Schools Outreach

Schools Professional Development

Program Manager for


Schools and Teachers Family

Ilustração 16 - Organogram a do Learning Department

No final da investigação, as curadorias educativas responsáveis pelos públicos Jovens e


Comunidades haviam sido fundidas, assim como a gestora do programa de Escolas e
Professores passaria a acumular a curadoria de desenvolvimento Profissional das
Escolas (Ilustração 18). Após a saída de duas curadoras o departamento foi
reorganizado, reduzindo-se o número de colaboradores permanentes, para nove.

Um/a curador/a educativo ou de aprendizagem programa coordena e gere projetos,


sustenta parcerias e redes de contactos, lidera oficinas e seminários, interpreta estudos
268

de públicos e apoia a conceção de exposições. Executa, como se disse, atividades de


duração e formato variáveis, que aumentam o contacto entre obras de arte e públicos
específicos – adultos, académicos/as, estudantes, jovens, famílias e professores/as.

Ilustração 17 - Organogram a do Learning Department após Reconfiguração

// Para terminar

A TL, apesar das inflexões que tem feito, é um museu de arte moderna, no sentido, em
que parece estruturar a sua missão educativa, entre ideologia da falta e a lógica do
suplemento (Fróis, 2008). Ou seja, face à tensão com a cidade em que foi implantada, a
galeria criou um departamento educativo que hoje se reconhece como um laboratório de
práticas face ao seu caráter inovador e experimental, “exportando” mesmo propostas
pedagógicas para outros museus, o que significa que procurou criar uma ponte entre os
públicos locais e a cultura contemporânea legitimada, que se reconhece nos objetos que
expõe. Tal significa que não incorporou ou reconheceu a cultural comum, a estética
localizada e a criatividade simbólica de Liverpool para usar conceitos de Willis (1990).
Como este autor afirma, as práticas institucionais e os géneros e termos artísticos são
frequentemente categorias de exclusão, diferenciadoras pela negativa – quem as
compreende e mobiliza e quem as ignora – desencorajam uma criação simbólica mais
larga e generalizada. Neste sentido, a "alta cultura" e a arte são frequentemente
categorias de exclusão, que pouco apelam a muitos, especial, exibida em galerias,
afastada do quotidiano comum:
269

“The official existence of the 'arts' in institutions seems to exhaust everything else of its artistic
contents. If something count as 'art’, the, rest must be 'non-art’. Because ‘art’ is in the ‘art gallery’ it
can't therefore be anywhere else. It is that which is special and heightened, not ordinary and everyday”
(Willis, 1990, p. 1)

Na perspetiva do autor, as instituições culturais, mantêm esta assunção e alimentam


“temores de declínio cultural”, tendo em vista o reforço do seu privilégio institucional.
Afirma ainda que são coniventes com o mito do génio artista criador, que se alimenta do
consumo cultural passivo, das grandes massas. Para o autor, esta é uma visão egoísta e
elitista de criatividade. Willis (ibidem) insiste que a cultura é a dimensão extraordinária
do ordinário, a criatividade simbólica investida no quotidiano, que na atual condição de
contemporânea e de crise generalizada de valores culturais é crucial valorizar para a
criação e sustentação de identidades individuais e de grupo.

A vida simbólica e criativa do quotidiano, principalmente em cidade trabalhadoras,


como Liverpool, como se argumentou no Cap. III, parece ter sido ignorada. Por
conseguinte, a TL ao ignorar esta questão ignora a cultura comum do lugar e dos
sujeitos que o habitam.

Apesar do cenário de otimismo pós-CEC 2008 de “fim de festa cultural” (Grande, 2009)
a estratégia criativa de cidade inscreve um discurso de otimismo fundado entre o pós-
modernismo, o (neo)liberalismo e o Estado Providência e bem-estar (Giroux, 2000).
Será que a cultura finalmente adquiriu seu espaço de direito? Reclamam, efetivamente,
os grupos sociais reconhecimento pelas instituições de legitimação, com implicações na
forma como se pensam e se estruturam as relações entre arte, cultura e educação?

2. Š IUOLAIKINIO M ENO C ENTRAS : D EMOCRATIZA ÇÃO


C ULTURAL OU F ECHAMENTO E LITISTA ?

“Se é inequívoco que a criação cultural e artística acrescenta valor simbólico ao mundo e, produzindo
novos sentidos, produz também, de facto, sempre, novas realidades, a verdade é que não deixa de
pertencer à esfera da circulação programada de sentido, através dos espaços físico-institucionais que
privilegiam, da relação de afinidade e conivência entre as obras culturais e os públicos potenciais que
promove, da pedagogia do olhar que prática, um papel ativo na produção social de valor imputável às
obras culturais. Faz, então, sentido que a elejamos como alvo específico da indagação sociológica – o
270

que não implica, bem pelo contrário, que a devamos isolar em termos analíticos dos processos sociais
a montante (criação cultural) e a jusante (receção cultural)” (Pinto J. M., 2010, p. 21)

As mudanças sociais do último meio século colocaram a questão do acesso à arte, na


agenda de pesquisa e fizeram da educação nos museus, um objeto de reflexão e estudo.
Do mesmo modo, os museus ocidentais observaram uma transição paradigmática da
ênfase no objeto – aquisição e conservação – para a ênfase nos públicos, apreciação e
aprendizagem. Neste caso, é pertinente questionar a extensão espacial de tal afirmação.
O que acontece, quando um novo projeto cultural – uma galeria de arte contemporânea
– emerge e se desenvolve num país pós-soviético? Qual é o papel desta nova instituição,
dedicada à arte contemporânea? Como é que esta instituição organiza o seu papel
educacional? Qual é a estrutura organizacional? Quais os objetivos estratégicos? Como
é fundamentada a função educativa? Será que o CAC desafia medos de globalização e
de europeização da sociedade Lituana (Samalavicius, 2005)?

Efetivamente, este ponto reflete sobre a agenda, para a educação cultural, no


Šiuolaikinio Meno Centras (CAC). Para tal, analisa-se o processo de transição entre o
Palácio de Exposições Soviético e o CAC enquanto black box. Tal transição origina
resistências e descontos, como sugere Madureira Pinto (2010, p. 21), a montante
(criação cultural) e a jusante (receção cultural). Por fim, dedica-se um subponto à
discussão da estratégia educativa, enquadrada pela estrutura organizacional da galeria,
enquanto ação educativa pontual e proposta de educação informal.

2.1. D O P A L Á C I O DE E XP OSI Ç ÕE S S OV IÉ T IC O ... À C A I XA N E GR A :


R E SI ST Ê NC I A S E D E SEN C ONT R OS

O CAC ocupa um edifício – imponente e fechado – traçado para representar o status


quo do regime socialista totalitário. Contudo, o seu programa transitou para um white
cube e, finalmente, para uma black box – por alusão às salas escuras criadas nas galerias
que expõem vídeo, assim como outras instalações que não se coadunam com o cubo
branco.

A V. disse-me que a função do CAC é mostrar e apoiar arte a contemporânea nacional. (CAC -
Diário de Terreno – 9 de março de 2009)
271

O fim dos dois blocos ideológicos e a independência das ex-repúblicas soviéticas abriu
caminho para a globalização do sistema capitalista e propagação das suas formas de
produção e características socioculturais. A mobilidade de pessoas e a troca de ideias e
de capitais resulta em grandes transformações em todas as áreas, incluindo mudanças
radicais no paradigma artístico, o que origina ainda novas instituições artísticas, tal
como Kuizinas (2001, p. 354) argumenta:

“The sweeping changes that occurred during the relatively short period affected not only the dominant
art trends, artistic idioms, and generations of artists, but also art institutions, art criticism, the art
market, and, finally, the audience of contemporary art”

A Glasnost “abriu” a possibilidade de uma série de revoluções, quase num efeito de


dominó, a partir de 1989, criando as condições para a independência das repúblicas ex-
soviéticas. A queda do muro de Berlim ditou em grande medida a globalização do
sistema capitalista e subsequente expansão das suas características socioculturais,
linguagens estéticas, formas de produção e “circulação programada de sentido” (Pinto,
2010). Isto veio a influenciar a evolução das instituições culturais Lituanas no período
de transição democrático.

Em 1991 a Lituânia proclama a sua independência e com ela inicia-se a reforma do


aparelho do Estado, incluindo das instituições culturais, sobretudo as agregadas ao
Ministério da Cultura, como é o caso do CAC.

Esta galeria nasce no meio duma experiência caótica de lutas ideológicas, desafios
políticos, dificuldades económicas, assim como de experimentações artísticas. O antigo
Dailės Sovietų Parodų Rūmai (Palácio de Exposição Soviética), dedicado ao realismo
socialista e à propaganda, foi transformado no Šiuolaikinio Meno Centras (CAC), um
museu sem coleção, um “cubo branco” (Trilupaitytė & Jablonskienė, 2007) ou mesmo
uma "caixa preta" – face ao forte investimento em vídeo. O CAC nasce a partir do
Palácio de Exposições Soviético, outrora dedicado à produção e exposição do realismo
socialista, acolhendo, ao mesmo tempo, o Sindicato dos Artistas Lituanos.

Esta organização sindical regulamentava a prática artística e geria todos os espaços


expositivos sendo o Palácio de Exposições Soviético um deles. Contudo, não é possível
afirmar que se verificasse uma gestão oficial, por parte do Sindicato dos Artistas
Lituanos, tal como a galeria faz questão de reforçar na sua apresentação oficial online:

The building was inaugurated in 1968 as the Art Exhibition Palace and was run as a branch of the
Lithuanian Museum of Art until 1988. Since 1992, the CAC has been an independent institution
272

principally funded by the Lithuanian Ministry of Culture. In the 1990s the CAC was gifted a Fluxus
Archive by the Silverman Collection (Detroit) in commemoration of Lithuanian Fluxus cofounder
George Maciunas, that it keeps on permanent display. (Contemporary Art Centre, 2009-2012, p. s/p)

Kęstutis Kuizinas (2001), diretor de CAC, na obra Arts of the Baltic estabelece três
subperíodos para analisar o período de transição para independência da Lituânia.
Discute que CAC nasceu com independência, durante o período “Revival’” (1988-91),
no meio de caóticas lutas ideológicas, desafios políticos e dificuldades económicas, mas
também de experimentação artística que deu forma à identidade da galeria.

A constituição de uma nova equipa, composta por jovens curadores/as e críticos/as de


arte Lituanos, alguns deles ainda estudantes, como é o caso do seu diretor, vem impor
uma cisão radical com o passado. Estes ambicionam criar um lugar para mostrar a arte
do seu tempo e, mesmo que esta seja escassa, pretendem incentivar a sua produção. O
diretor do CAC, no relato de uma história que partilhou em entrevista, ilustra bem esta
mesma ambição inicial:

at that time I remember the visitors, we had a group during first day of my carrier which was the
group of America curators who were traveling from Moscow through Baltic Countries and we
showed the all these big** and told them we’re changing the name of the institution to the
contemporary art center, I said: “I’m not sure if we have it – the contemporary art in our
country, but we gonna make it, we gonna make contemporary art here”. We saw that it’s not
only about changing the language but also the institutional standards – the way you work or
you organize your program, things like that, that what was important. (CAC Diretor K. K., 2009)

Neste sentido, o Šiuolaikinio Meno Centras (Centro de Arte Contemporânea) nasce de


uma revolução não só do campo da política, mas também do campo da arte. Veio
provocar um confronto de ideologias e práticas, fazendo emergir uma nova geração de
líderes culturais e chamando, ao centro, artistas e críticos/as que, até então, gravitavam
nas margens e fora do regime soviético.

Na ausência de um museu e uma coleção nacional de arte contemporânea, o CAC


assumiu a missão de promover na cidade a arte contemporânea e introduzir artistas
internacionais, bem como criar condições para que os/as artistas locais mostrem o seu
trabalho ao exterior. Apesar do CAC desempenhar o papel de um museu imaginário
com uma coleção simbólica (Trilupaitytė, 2005) sempre esteve presente uma identidade
de galeria em permanente alinhamento com o contemporâneo, mostrando obras de arte
que testam a sua contemporaneidade.
273

De seguida, organiza-se uma análise e argumentação em torno de dois eixos e das


tensões de que se revestiu: a montante, na relação com as gerações mais velhas de
artistas, representadas já não pelo Lithuanian Artist Union (Sindicato dos Artistas
Lituanos), mas pela Lithuanian Artist Association (LAA), sua sucedânea em tempos de
democracia; e a jusante com os públicos do até então Palácio de Exposições Soviético,
na medida em que uma abrupta introdução das linguagens estéticas contemporâneas
forçou mudanças, também estas abruptas, nas práticas de interpretação, do assíduo
público local.

2.1.1. A Montante com os Artistas

// A Organização da galeria

Romper com o passado, para Kęstutis Kuizinas (2001), não só era uma premissa
inegociável, como significava demarcar-se, radicalmente das formas de organização
usadas até então. O Palácio de Exposições Soviético não detinha nem equipa de
exposições, nem diretor e muito menos equipa educativa. O Sindicato dos Artistas e os
Artistas-peritos, decidiam o que era e como era exposto, tal como Lolita Jablonskienė
refere. Contudo, o espaço e a oportunidade eram reservados aos/às artistas
sindicalizados, não se fazendo juízos estéticos do seu trabalho, sendo comuns as
exposições de grupo anuais, nas quais todos os/as artistas expunham. O diretor do CAC
descreve as práticas de organização de exposições, salientando a ausência de critérios de
seleção. Sublinha a ideia de que todos/as os/as artistas tinham oportunidade de expor o
seu trabalho no Palácio de Exposições Soviético:

quantity was very important at that time – when I took it over form the last director, it was 72
exhibitions a year, 72 exhibitions, so nobody believed me when I said that […]before that it was
like a line, a queue – people were submitting their proposals, actually it was even not proposal, it
was like you ask for something: “I ask you to give me the opportunity to exhibit my works in this
hall from this date to that date, I’ll show 27 paintings of that type which have an anniversary – a
good reason to show them, 50 years old my mum is…”, so that was the way they programmed
things there (CAC Diretor K. K., 2009)

Neste sentido, a transformação do Palácio de Exposições Soviético no CAC originou


uma mudança na forma de expor arte e na organização da galeria, criando um conflito
274

que ainda hoje é visível, questão que será retomada mais adiante. A citação seguinte
traduz, com acuidade, esta “revolução cultural”:

“For several years now, the Lithuania artists have been missing large survey exhibitions that would
reflect all of the art in Lithuania. Their advocates get the blame for nostalgia and rudiments of
collective thinking, but in their turn, the artist can blame Kęstutis Kuizinas, the head of the CAC,
for usurpation of art affairs. He has hunted away the classics from his domain, and given the green
light to any screams in the Western fashion. In response to the reproach, or with the intention to
clarify the situation, in the catalogue for the latest exhibition Kęstutis Kuizinas has published his
autoironic Fairytale about the Art of the Whole Country, the Beautiful Palace and the Arrogant
King. Amongst other things, its a tale of how the old king once invited the ruler of his palace, a
free-thinker, and ordered him to make a good piece of work – not just something, but the work that
could rejoice all the people of the country and the guest from overseas. The old and the young, and
especially the head of all the artist and his assistants” (Jablonskienė, Respublika, in Kuizinas &
Formina, 2007, p. 155)56.

Tal como Klaus Müller (2005) afirma, referindo-se a outras instituições culturais do ex-
bloco socialista, após a independência dos respetivos países, também o CAC se voltou
para o ocidente à procura de aprovação da sua política cultural. As razões eram
variadas: por um lado, o financiamento vinha de fontes ocidentais, frequentemente
(Concelho da Europa, British Council e outros institutos e de múltiplas embaixadas,
particularmente, da Soros Foundation); por outro lado, os modelos organizacionais dos
museus e galerias de arte começaram a aproximar-se dos conceitos ocidentais the White
Cube (O'Doherty ([1976] 1999); por outro ainda, forte interesse em aceder a múltiplas
linguagens artísticas mostrando o que estava a ser feito no campo da arte, dimensão a
que não haviam tido acesso. Ou, mesmo, aprender: "the English language of art”
(Müller, 2005, p. 67). Esta expressão traduz a transição, entre um modelo de
organização social e cultural, em que o Russo era a língua dominante imposta, usado
como língua franca, para um novo modelo social e cultural aberto à globalização, em
que a lingua inglesa assume o lugar de principal língua de comunicação, em particular

56
No catálogo de comemoração dos 15 anos do CAC, são publicados
alguns textos analíticos, fotografias de cada exposição, mas também uma
seleção de comentários da imprensa escrita. São publicados comentário
críticos ao trabalho do CAC, assim como aqueles em defesa do seu
projeto, o que em termos analíticos possibilita perceber os argumentos
mobilizados, conscientes de que a seleção é feita pelo próprio CAC. Mas
ilustra sobretudo o fato deste tipo de debate ter ocorrido na imprensa,
demonstrando a quão significativa é a “revolução cultural” operada pelo
CAC.
275

no campo artístico. Não é, pois, por acaso, que o CAC adotou o inglês como segunda
língua e se afirma como uma instituição bilingue.

Em entrevista, o diretor do CAC descreve com pormenor como teve o apoio imediato
das embaixadas sediadas em Vilnius, assim como “jogou a carta” de ser uma instituição
nova, num país emergente, que a comunidade internacional parecia ter interesse em
apoiar:

I was immediately supported by almost all embassies here, because they saw sort of new spirit,
new energy […] And I remember our first outgoing, doing something international and it started
from the Scandinavian channel, Nordic money. It was great thing that you could realize at that
moment, I’d say for example, if Swedish artist has got invitation from France, not necessarily
from main national institution, but say from Lyon, Nantes and from Vilnius, for sure he’ll get
the support for Vilnius, 100%. That would be polítical decision and we were playing that card.
We were, I remember we had this Norwegian thing which was visiting like 98 Vilnius and I was
invited: “Would you like to do something like Norwegian art?”, I said: “Yeah, why not, if I’m
invited and you let me choose what to do, we’ll do it”.
We have very good international relations and support and it’s not just like Ministry of Culture.
But we have always been good game in terms of diplomacy. (CAC Diretor K. K., 2009)

A internacionalização57 foi conseguida através de redes construídas de modo informal e


através da estreita colaboração entre a galeria e a jovem geração de artistas58, o que veio
a ser fundamental para a sua (inter)nacionalização.

CAC always get the least and they did manage to create a network for international cooperation,
international projects... (Nacionalinės Dailės Galerijos Director L. J., 2009)

57
Na Frieze Art Fair 2009 CAC foi convidado a ser uma das instituições
parceiras. Os curadores Kęstutis Kuizinas e Simon Rees comissariaram a
exposição de Navakas Mindaugas - Smash the Windows, Snatch the
Crystals – obra feita a partir de janelas e painéis retirados do CAC.
Na 54 ª Bienal de Veneza (2011) a CAC foi premiado com Menção
Especial pelo trabalho de curadoria do Diretor do CAC Kęstutis Kuizinas,
e os artistas Mikšys Dario pelo Pavilhão Nacional da Lituânia, intitulado
Behind the White Curtain.
58
Esta estratégia não é exclusiva do CAC. Na verdade, pode ser
considerada comum nos centros periféricos do mundo da arte.
Considerando os nossos outros dois estudos de caso, esta estratégia é
semelhante à utilizada na construção da coleção do MACS - "apanhá-los
no último momento, quando ainda podem pagar". Com baixos
orçamentos estas galerias visam fazer parte dos circuitos internacionais de
arte, apoiando os jovens artistas emergentes, antes de serem capturados
pelos “gate keepers", como a Tate Gallery, ou outro mercado.
276

Neste processo de reorganização de instituições culturais nos países pós-soviéticos,


nenhuma outra organização teve o impacto tão grande como a Fundação Soros. Esta
fundação serviu uma variedade de necessidades, tais como, a promoção da arte
contemporânea; a construção de rede regional de relações artísticas transfronteiriças,
desenvolvimento de políticas de culturais, através do programa destinados a centros de
arte contemporânea, muitas vezes apoiando os primeiros espaços culturais
independentes nestes países. Por exemplo, Lolita Jablonskienė, diretora da Nacionalinės
Dailės Galerijos, colaborou com regularidade com o CAC, no início dos anos 1990,
enquanto profissional da Soros Foundation – sendo foi esta razão que diretora da
Nacionalinės Dailės Galerijos foi entrevistada. Ela relata a cooperação entre a Soros
Foundation e o CAC, que curou a sua primeira exposição.

I was working at the private foundation here in Vilnius – Soros Foundation. It was then a small
foundation which was giving grants to the contemporary artists, the contemporary art institutions
to support the image of contemporary art which was practically non-existent at the time. So at that
time we were the only two institutions in Lithuania working in this sphere. We also organized
exhibitions. Some of the big exhibitions that we had, for instance “Between Culture and Object”,
the “Twilight”, other contemporary art exhibitions. These were exhibitions that were funded by
the foundation and curated by our director and others. I also made my first exhibition at the CAC,
there was a little funding from the Soros as well – one of the Baltic Triennial, the exhibition called
‘Mystics’ in the 1996 or something. (Nacionalinės Dailės Galerijos Diretor L. J., 2009)

A principal tarefa desta nova instituição seria a de trabalhar o conceito de museu de arte
contemporânea, incentivando e ampliando a promoção da arte contemporânea, enquanto
linguagem do seu tempo, refletindo por isso contradições e problemas da sociedade.

// O CAC e a emergência e produção de arte contemporânea

O CAC queria mostrar o novo, a arte do seu tempo, produzida sem os condicionalismos
políticos e ideológicos do período URSS. Assim, romper com o passado significava,
também, demarcar-se do realismo soviético – estilo oficial do regime soviético
(Chilvers & Glaves-Smith, 2009). O irrealismo retratado pelo realismo soviético
pretendia propagandear o regime, como referem Chilvers & Glaves-Smith (2009, p. s/p)
tendo ficado mais associado às imagens estereotipadas do bloco soviético, do que
propriamente a um estilo. Estas imagens se definiam como orientadas para o povo, com
uma orientação ideológica e de classe, tendo, como fim último, “educar o povo para o
espirito socialista”:
277

“Socialist Realism was never defined specifically in terms of style, but increasingly it became
associated with stereotyped images painted in a conventional academic manner. The practice was
validated by a theory, constructed during the 1930s, based on the precepts of Lenin. Socialist Realism
was defined according to four tenets. These were narodnosi (orientation towards the people), ideonost
(ideological content), kiassnosi (class content), and, overriding all the others, paratiinost (the ‘task of
educating workers in the spirit of communism’). As Matthew Cullerne Bown has pointed out, because
the party was ‘the representative of the people’s interests, the purveyor of ideology, the leader of the
class struggle’, these other concepts meant ‘only what the party wanted them to mean’”

As formas artísticas não-figurativas eram consideradas, pelo realismo soviético, como


decadentes, incompreensíveis para o proletário e acima de tudo contrarrevolucionárias,
acusadas de proclamar princípios anticomunistas. Para enfrentar estas “ameaças à
revolução” (Zen, 2005), o realismo socialista foi instituído como estilo oficial e único
permitido, de 1934 à Glasnost. Este estilo deveria representar a vida do trabalhador
comum como admirável, retratando trabalhadores das fábricas e kolkhozes (quintas
coletivas) como felizes e musculados, tal como Alfred Erich Senn (1995, p. 34)
reafirma:

"Both Moscow and Vilnius employed the Soviet “artistic method” called “Socialist Realism,”
whereby writers had to “light the road ahead,” to show the way to a “brilliant future.” Artists had to
give an optimistic spirit to the drudgery of daily life; will and words had to mold grim reality into
inspiring ideals".

Paisagens industriais e agrícolas também eram temas populares, desde que


glorificassem as realizações da economia soviética. Contudo, um outro requisito era
considerado, a arte deveria contribuir ativamente para o projeto soviético de criar um
novo tipo de pessoa – o Novo Homem Soviético59, tal como é descrito pelos estatutos do
Sindicato dos Escritores Soviéticos:

“É exigido ao artista a representação verdadeira, historicamente concreta da realidade no seu


desenvolvimento revolucionário. Além disso, a veracidade e objetividade histórica da representação
artística da realidade devem estar relacionadas com a tarefa de transformação ideológica e de educação
dos trabalhadores no espírito do socialismo” (Struve, 1951, p. 245).

59
O Novo Homem Soviético, como postulado pelos ideários do Partido
Comunista da União Soviética, era um arquétipo de uma pessoa com
certas qualidades, que se dizia estar a emergir como dominante, entre
todos os cidadãos da União Soviética. O Novo Homem Soviético deveria
ter capacidade de aprendizagem, ser altruísta, saudável e entusiasta na
divulgação da revolução socialista, a adesão ao marxismo-leninismo, e do
comportamento individual de acordo com as prescrições da filosofia do
partido.
278

Como afirma Irina Gutkin (1999), o realismo socialista foi instrumentalizado como um
veículo de engenharia psicológica, para promover, em particular, um Novo Homem
Soviético e, em geral, a prossecução da revolução. Muitas críticas foram levantadas, mas
o realismo socialista sempre foi apontado, fundamentalmente, como uma distorção da
história da arte e da história em si mesma, na medida em que era utilizado como mera
propaganda política e ideológica.

Neste sentido, não parece ser surpreendente que a direcção do CAC concentre a sua
atenção na nova geração de artistas, que produz o seu trabalho, livre das restrições
soviéticas. Enquanto isso, os/as artistas, membros LAA, parecem persistir em estar mais
ligados a uma ética que os mantém fora do mercado, ética, em que a arte continua a
focar, o que refere Trilupaitytė (2005), como a estética lituana do período entre guerras,
que busca uma identidade Lituana fundadora, próxima das tradições locais60. Aliás, a
produção artística é perspetivada como uma forma de reconstruir a identidade nacional,
após décadas de múltiplas ocupações, tal como já foi referenciado no capítulo anterior.
Portanto, a globalização do mundo da arte Lituano, liderada pelo CAC e pela jovem
geração de artistas, foi percebida sob essa ideologia nacionalista, da qual a LAA é
protagonista, como traição e não como um processo inevitável de abertura da Lituânia
ao resto do mundo.

So at the very beginning of the 90’s you have to have in mind that the contemporary art and the
contemporary artists counted on two hands, really on the one hand… prevailed the traditions of
the 80’s and the soviet times.
[CAC] It rather more influential as a site for production of contemporary art, you know? For very
young artists. Most of them from the 90’s like Narkevicius, Urbonas, Rakauskaite – those are
important international. They all were still students in the 99, but nobody talks about it.
(Nacionalinės Dailės Galerijos Diretor L. J., 2009)

Neste sentido, o CAC para além de incentivar a produção de arte contemporânea,


apoiando os/as jovens artistas, nos anos 1990, parece investir numa abordagem que
privilegia um público específico – jovem, urbano e próximo do “mundo da arte”. Esse

60
Klaus Müller (2005) afirma que, nos países comunistas sob ocupação
russa, incluído os Estados Bálticos, até o que é considerado como folclore
é artificialmente inventado, na medida em que o isolamento imposto pelo
socialismo de estado teve duas dimensões: primeiro o isolamento do
mundo ocidental e dos seus valores; e segundo, dos valores internos
genuínos e tradições.
279

público foi, inicialmente, seduzido pela atmosfera do CAC, que Kuizinas & Fomina
(2007, p.5) definem como:

“An international drop-in zone for artists, critics, curators, musicians, and writers many of whom have
became ‘friends of the CAC”

O CAC parece cultivar a imagem da galeria, como janela para o Ocidente, e uma fonte
de legitimação cultural, fundamental para reconhecimento local da galeria. A Press and
Public Relations Curator do CAC afirma que esse reconhecido se reflete numa imagem
local do CAC, como um espaço moderno, ao qual algumas empresas procuram associar-
se através do arrendamento das galerias do CAC, para a realização de eventos, lógica
empresarial próxima dos outros dois casos em estudo:

Sometimes we even get calls from ‘commercial’ people who don’t even know very well what we do,
they still have that understanding that CAC is nice, good place which has cool image. And for
example, they wanted to rent our spaces for something – It’ some kind of prestige.’ (CAC Press
and Public Relations Curator R.D., 2009)

// O espaço

Obviamente, que podemos argumentar que a política expositiva não aparece desligada
das transformações operadas no espaço. A transformação do edifício do arquiteto
lituano Vytautas Čekanauskas, numa galeria de arte contemporânea, de acordo com os
padrões ocidentais de um cubo branco, como descreve O'Doherty (1999), desencadeou
intensos debates sobre a definição de arte, sobre as reformas das políticas culturais, e
principalmente sobre o papel do Estado no financiamento destas instituições. Skaidra
Trilupaitytė e Lolita Jablonskienė (2007), na obra publicada em comemoração dos 15
anos do CAC expõem isso mesmo:

“Those walls there made ‘white cube’, white suddenly when the exposition space were repainted at the
very beginning, the name of the institution was changed, a new logo was created, minimal equipment
was sorted out, different traditions of exhibition openings were initiated - which was perceived as
something very unexpected [...] because all this contrasted precisely with what is ‘was before’’
(Trilupaitytė & Jablosskiene, 2007, pp. 13-15).

Do mesmo modo, a imprensa também reagiu, argumentando que, no momento atual,


cerca de 1600 artistas produzem obra e que, por conseguinte, têm o direito de a expor.
Contudo, o CAC apenas havia exposto 30, o que era percebido como uma política
expositiva, que protegia, apenas, 2% dos/as artistas em exercício.
280

“Contemporary art is art by talented professional artists of various styles and generations who
currently work. Nearly 1300 artists, 270 photography artists and 30 members of the interdisciplinary
arts association make up 1600 creative artists who have a right to display their work. The analysis of
CAC exhibitions reveal that they consider about 30 artists as members of the club. As we saw from the
Emission cycle presented last year, only half of them created valuable art. The protectionism of just
2% of artists is obvious. The absolute monopolist sounds rather cynical when stating a lack of
competition, smaller galleries and alternative art stages” (Ramuné Véliuviene, cit. in Kuizinas &
Formina, 2007, p. 367)61.

Neste sentido, apesar da transformação radical do edifício e da logística (disposição dos


espaços, equipamentos de montagem e segurança, etc.), para Trilupaitytė e Jablonskienė
(2007), a construção deste cubo branco, à imagem das galerias de arte ocidentais, não
foi o cerne da questão, antes a radical abertura do CAC para o mundo da arte
internacional ocidental e a incorporação das suas linguagens estéticas e práticas
expositivas, tornando-se a primeira instituição cultural, ex-soviética, a organizar uma
exposição, de acordo com orientações curatoriais, tal como se observa na posição da
imprensa escrita transcrita em epigrafe.

Trilupaitytė e Jablonskienė (2007) justificam esta afirmação, na medida em que as


mudanças organizacionais ditaram a perda de influência do Sindicato dos Artistas que,
até então, tinha exclusivo acesso aos espaços expositivos, às comissões do Estado e,
mesmo, às matérias-primas.

O conflito que se instalou entre Sindicato dos Artistas e a recém-criada equipa


expositiva e diretor do CAC é ainda observável. No decorrer de tal tensão, o edifício foi
dividido em duas partes: uma parte foi transformada em galeria de arte contemporânea,
perfazendo o espaço do CAC; a outra parte acolhe a atual Lithuanian Artist Association
(LAA), antigo Sindicato dos Artistas.

Apesar da disputa entre ambas as instituições se revestir de múltiplas camadas e ter tido,
como palco, várias instâncias, referidas na entrevista com Lolita Jablonskienė. Com
efeito, desde o Ministério da Cultura aos meios de comunicação social da especialidade,
ao longo do tempo, este conflito foi perdendo a dimensão de disputa pelo espaço, assim

61
No catálogo de comemoração dos 15 anos do CAC, são publicados
alguns textos analíticos, fotografias de cada uma das exposições, mas
também uma seleção de comentários da imprensa escrita. São publicados
comentário críticos do trabalho do CAC, assim como aqueles em defesa
do protejo, o que, em termos analíticos, possibilita perceber os argumento
mobilizados e, principalmente, que este tipo de debate se fez na imprensa
generalista.
281

como à medida que o reconhecimento internacional do CAC aumentava se ia dissipando


a resistência à arte contemporânea. Todavia, tem sido constante a problemática relação
de poder, entre a tradicional autoridade dos/as artistas e a autoridade crescente de uma
instituição de arte, impulsionada por um programa artístico e guiada por opções
curatoriais.

Artistas ou curadores/as do CAC, como os decisores sobre o que deve ser mostrado
como arte, mobilizam em sua defesa o seu sucesso internacional como argumento face
ao conflito nacional que enfrentam, tal como argumenta em entrevista a diretora da
Nacionalinės Dailės Galerijos:

Looks from the outside that is an institutional part between the Artists’ Union and the
Contemporary Art Centre, which I explain in the interview with… I think this is a bigger problem;
it’s not the institutional conflict […] The problem definitely was the attitude towards making
exhibitions has changed radically. From the artists who were the highest authorities, because all
the boards were consisted by only artists and they knew who’s good, who’s bad you know, ‘they
have the eye’, and here comes our curator. So the conflict was between artists as an ultimate
authority and the curator as an ultimate authority, this conflict meet at the CAC. The situation
was really often dramatic, you know? You mind that we were two (there were more, but I
participated in two) very complicated discussions at the Ministry of Culture, where the CAC was
very angry attack by the artists, especially the older generations artists, not so much the middle
generation artists and CAC has to defend its goals. Usually the defense of the goals was based
on international arguments. You know like ‘the country became open’, ‘we have to know what’s
happening internationally’, ‘this is what kind of art is now developing, ‘we’re showing the best,
not only the best, but also some kind of money are brought as well. So this is how some of
arguments had been built. Those who hated, hates us still in nowadays, nothing changed.
(Nacionalinės Dailės Galerijos Diretor L. J., 2009)

Os museus da Europa de Leste incorporam conceitos ocidentais, reviram as suas


organizações e políticas culturais, ao mesmo tempo que continuaram a funcionar no seu
enquadramento histórico, com práticas culturais definidas e públicos específicos. Esta
experiência de mudança, e os efeitos de um longo passado totalitário constituem
contextos sociológicos muito próprios. As instituições cultuais parecem ter que lidar,
por um lado com a herança de uma história cultural rica e por outro procuram
desembaraçar do legado das políticas culturais comunistas.
282

2.2. A Jusante com o Público

Se, como Madureira Pinto (2010, p. 21) afirma, “a apropriação [de uma obra de arte] é
um processo social com autonomia relativa, ela incide sempre sobre uma obra concreta,
com materialidade própria, que também conta no processo de receção de sentido”.
Logo, a introdução da arte contemporânea na programação do CAC conduz,
indubitavelmente, a uma mudança nos processos de apropriação/receção, no sentido em
que, neste período de rutura, se dá uma transformação dos instrumentos de produção
artística, engendrando-se uma nova gramática geradora de novas formas, ilegíveis à luz
dos antigos códigos que enformavam o realismo soviético. Apesar dos esforços do CAC
em matizar esta introdução com exposições de fotografia, que segundo a diretora da
Nacionalinės Dailės Galerijos eram mais facilmente recebidas pelos públicos, afirma
que o CAC, tantas vezes ocupado com as disputas com a LAA, relegou para segundo
plano as suas preocupações com os públicos:

I think that there was that awareness, the centre [CAC] tried to balance some kind of variety of its
programme. Including, say photography exhibitions which are always easier for the audience to
understand. So that the program becomes a little bit more diagrammed in a sense. It was this sort
of battle with the AU, the Ministry of Culture… in the course of that battle, but that’s again my
opinion, I think CAC has lost a little bit the tracks with the audience. (Nacionalinės Dailės
Galerijos Diretor L. J., 2009)

Na verdade, a pura exposição de uma obra de arte não é garantia da formação de gosto,
em particular no que diz respeito à arte contemporânea, como refere entre nós, Idalina
Conde (1987, p. 50):

“Demitida de orientar o seu entendimento, a Arte Moderna, paradoxalmente, quer comunicar tudo não
dizendo nada [...] Entre o “Eu” dos artistas e o “Tu” do público, existe, nas palavras de Arnold
Hausser, um permanente equívoco, já que a receção é sempre uma transformação e falsificação da
visão original”.

Para além da distância estética e social entre artistas e públicos, o desentendimento entre
artistas e públicos resulta, antes de mais de um princípio estruturante do modo de
produção artística. Neste sentido, nas palavras de Jauss (1978), o realismo socialista não
ambiciona desafiar o horizonte de expectativa do seu público. O objetivo parecia ser
exatamente o oposto (Dovydaitytė, 2008)
283

Por isso, a introdução abrupta e desapoiada da linguagem estética contemporânea (em


debates, oficinas, visitas orientadas, simpósios, programas educativos, em geral) entre
outras práticas discursivas (ausência do lugar da mediação), parece ter conduzido a uma
receção difícil e produtora de experiências negativas. Trilupaitytė (2007) apelida-a de
revolução cultural e mesmo de tsunami:

“I will not try to prove the possibility of a historical or cultural revolution that the audience will
probably fell in the CAC exhibition halls, just like the disgust they often feels when talking about the
lovely post-modern scrapheap’s. But this presentation of Fluxus was nearly perfect, even though it
looked like a tsunami” (Trilupaitytė S., in Kuizinas & Formina, 2007, p. 125)

Do mesmo modo, a outra instância que até então construía e disseminava os códigos de
interpretação – a escola – parece não ter acompanhado esta mudança, como salienta em
entrevista a responsável pelas relações públicas de CAC:

you have art from the very beginning till the end. And there you have art that ends somewhere in
the middle of the 20th century, like contemporary art is not developing. So, that means, you don’t
learn any grammar how to approach, how to understand, what tools should be used to discovery.
(CAC Press and Public Relations Curator R.D., 2009)

Neste sentido, tal como Bourdieu & Darbel ([1969] 2007) afirmam, a transformação dos
instrumentos de perceção artística é necessariamente mais lenta, por relação aos
instrumentos de produção, na medida em que se trata de desenraizar um tipo de
competência e substituí-la por outra. Logo, estes momentos de rutura tendem a conduzir
a uma descoincidência de códigos entre instâncias de produção, circulação e receção das
obras de arte. No caso do CAC, esta descoincidência de códigos tem tendido a ser
acentuada por fortes desafios ideológicos, grandes transformações nos contextos
socioculturais que criaram o ambiente para o surgimento de práticas de arte
contemporânea.

Apesar da arte contemporânea ter emergido “Circa 68“62 na Europa, na Lituânia só a


partir dos anos 1990 teve lugar. Isto com a introdução dos happenings, performances,
instalações ou do vídeo, impulsionados por instituições culturais, como o CAC.
Consequentemente, a segunda tensão que a criação do CAC originou foi a jusante, com
os públicos do Palácio de Exposição Soviético, que desprovidos de suportes discursivos
que os apoiassem nesta transição, “liam” estas novas obras com os antigos códigos –

62
Título da primeira exposição do MACS.
284

contra os quais estas haviam sido produzidas, gerando desencontros como refere em
entrevista a Press and Public Relations Curator do CAC:

And in the soviet times it was kind of traditional art – on Sundays, on Saturdays with children the
whole family they go to the exhibition centres, they go to the museums and they find, and they
find beautiful pictures there. And all of the sudden the form changes, also ugly things, you don’t
find sometimes any kind of craft in there, and you don’t understand where is the art, the common
question is: “Sorry, but where is the art?”. It’s the question of attitude (CAC Press and Public
Relations Curator R.D., 2009)

Com efeito, como afirma Idalina Conde (1987, p. 61), “paradoxalmente, a arte
contemporânea no processo de estetização do quotidiano é a que mais agride as fações
populares do público, confrontando o “estatuto aurático aos objetos familiares”.
Questões como “Desculpe, mas onde é que está a arte?” emergem de um sentimento de
indignação, pela apresentação de objetos artísticos que consideram indignos de
apreciações estéticas. Como sugere, em particular Kuizinas (2001, p. 357) o público
local acostumado a ver "coisas bonitas" tende a compartilhar os critérios de julgamento
artístico da antiga geração de artistas. Por conseguinte, não só a descontextualização de
objetos comuns, mas também, algumas das características das linguagens estéticas
contemporâneas, o ready-made, parecem implicar uma desvalorização social das
competências artísticas, mais evidentes e reconhecidas nas técnicas da representação.
Por outras palavras, a qualidade de uma obra de arte era julgada pela intensidade do seu
conteúdo e habilidade do artista em representar os “valores espirituais fundamentais na
arte". Neste sentido, ao contrário de outras instituições de arte contemporânea
europeias, que se deparam com a necessidade de construir um público, o CAC enfrenta
um processo ainda mais complexo – a reconstrução de um público que já frequentava
assiduamente os museus, para o qual as expectativas (a)pareciam goradas. A diretora da
Nacionalinės Dailės Galerijos afirma, em entrevista, que o CAC tinha um público
curioso, face ao que de novo estava a ser mostrado, mas a falta de “educação”, ou seja, a
ausência de apoios à nova interpretação, fez com que se afastasse, ficando os/as jovens
estudantes e professores de Belas Artes como público, cativados não só pela arte
contemporânea, mas também seduzidos/as pela estratégia de comunicação e ambiente
do CAC:

In the beginning of the 90’s, I think the contemporary art exhibitions had mixed audiences, very
curious about what that all was. Then, I think, some part of the audience stood back because of
285

their lack of education. Imagine people felt a little bit left out in Mars. Its audience there has
always been a young audience and it was always the priority of the CAC. When I’m speaking of
the young audience, I mean students, you know? And young professionals […] So it’s also the
way of communication there, integrating modern and contemporary music in there and other
modern stuff in it. So all of this helped to get the young audience which (in my opinion, you
know, somebody could argue that) was there not because they understood what the contemporary
art is or what is it about but because of the atmosphere. (Nacionalinės Dailės Galerijos Diretor
L. J., 2009)

Como o sociólogo português Alexandre Melo (2002) argumenta, um centro de arte


contemporânea é uma representação do circuito social específico e restrito do mundo da
arte. Normalmente, um centro de arte é uma entidade cosmopolita, formado por
intermediários culturais que habitam o local, mas que têm uma presença em espaços
transnacionais, que tendem a reconstruir e criar uma atmosfera sedutora, embora
sociologicamente homogénea.

Do mesmo modo, o diretor do CAC, indo de encontro à perceção de arte de Sontag


(1966), em particular a arte contemporânea, afirma que ela deve ser sentida, em vez de
percebida. Afirma, ainda, que a imagem local do CAC se aproxima da ideia de
experimentação sensorial:

We have always been associated with something which has been, I don’t know, trendy or new.
There’s some kind of attraction that: ‘If you go there, you will find something strange, maybe you
won’t understand, but you’ll feel a bit of it […]’ (CAC Diretor K. K., 2009)

2.2. AÇÃO E D U CA T IV A P ON T UA L E I N F OR MA L : E ST RU T UR A
OR GA N IZ A CI ON AL E E ST R AT É GI A S

Para a instituição cultural CAC, não se trata tanto de ensinar ao recetor o código da
escrita, mas formar esteticamente o observador, próxima do que Leontiev (2000)
advoga sobre a competência estética do sujeito.

Não consegui que me falasse da relação com o público e o que é que fazem para formar público
– o centro daquilo que me interessa saber, as estratégias interpretativas – K. simplesmente
lateraliza, mesmo eu dizendo no início da entrevista que era o foco da minha investigação.
Tentei focar também o facto de no CAC existirem 2 circuitos paralelos - internacional e o local.
286

Sobre o internacional fala com entusiasmo e com vaidade, enquanto sobre ao local até parece ter
ficado ofendido com a pergunta. Tal como em toda a investigação, com algumas exceções como
com o projeto Vilnius COOP, a educação é um assunto sensível e de difícil abordagem, no
sentido em que parece ser de facto a face mais frágil da galeria. (CAC - Diário de Terreno – 20
de novembro de 2009)

Yes, not only about education, but also approach to some kind of projects we are dealing, because
sometimes I feel that there is a really good opportunity to present something, and you don’t have
to pay for that, for example. You can get it for free, like Fluxus exhibition, or Giorgio Bois, or
Andy Warhol exhibitions, and you feel that’s not exactly what Contemporary Art Center should be
about. It’s more what museum should be about. But again, on one side, you are greedy, on other
side, you responsible culturally, that was very crazy in local cultural exposition, layer institutions.
Like you have Andy Warhol exhibition or Fluxus which is should be in museum, in one level – in
main hall, and the project of Martin Kriegel,, something like playing a guitar and doing the
performance, in the basement we have like very young students from previous exhibitions, so these
are almost like three institutions. On one side, we have very strong museum type exhibition with
catalogs and everything; on other side we have Martin Kriegel, doing what Contemporary Art
Center should be more like doing. You are dealing, now he’s more established, but I’m talking
about that time he was young… (CAC Diretor K. K., 2009)

Como foi referenciado já anteriormente (Cap. I), o objeto de investigação revelou-se ele
próprio um obstáculo no estudo de caso do CAC. A nota de terreno sobre a entrevista ao
diretor do CAC, assinala que a questão educativa parece ser assunto proibido e, como
tal, de acesso difícil. Contudo, foi possível apreender, no discurso deste diretor, que a
proposta educativa da galeria é fazer o papel de um museu, mostrando aquilo a que os
públicos locais já deveriam ter acesso, há muito tempo. Nesta perspetiva, sobressai a
perceção de que, apesar de importante, só pelo facto das exposições serem gratuitas os
públicos têm o acesso facultado. Contudo, como se tem vindo a perceber, a questão é
outra. Contudo, parece assumir-se uma certa responsabilidade pela educação cultural
da cidade e um uso do espaço expositivo com esse propósito.

Apesar de tal responsabilidade cultural é importante perceber o porquê da “ausência


de educação” cultural. Por isso se vai analisar de seguida tanto a estrutura
organizacional do CAC, como a sua estratégia educativa, com especial saliência, para os
projetos da CAC Reading Room e do CAC Café Talks.

Assim, a estrutura organizacional CAC é composta pelo diretor da instituição e dois


assistentes de direção, uma equipa de seis curadores, um designer e uma curadora que
ocupa também funções de comunicação e de contacto com os públicos (Tabela 5). Os
287

departamentos financeiro e técnico assumem funções de apoio e gestão financeira. Não


existem mediadores/as em permanência, apenas nas Urban Stories foi contratada uma
designer gráfica para liderar as visitas guiadas à exposição:

As I’ve said before, I think it would be very good if we had an exhibition guide all the time. So
I’m very happy that we’re having it at least for the Urban Stories. Of course we would like to have
more people coming to the guided tours, but still… (CAC Press and Public Relations Curator
R.D., 2009)

Well, I would describe it as informative for locals and foreigners, maybe communicative function
as well, was very important, to guide people trough the gallery, to help them understand better, or
introduce foreigners to our perspectives. (CAC Exhibition Guide L.M., 2009)

Tabela 5 - Form ação Académ ica dos/as Colaboradores/as do Šiuolaikinio Meno Centras

Colaboradores/as

Director Licenciatura em História da Arte

Press and Public Relations Curator M.Phil. em História da Arte – arte vídeo

Senior Curator Não especificado

Licenciatura em História e Crítica da Arte; Mestrado em


Curator V. J.
Estudos Curatoriais

Curator V. K. Licenciatura em História e Crítica da Arte

Licenciatura em Teoria da Arte; Mestrado em História


Curator U. T
Oriental Europeia; Mestrado em História Urbana

O CAC não tem um departamento educativo ou um programa de educação, com


exceção do CAC Café Talks, que é a única programação educativa em contínuo:

So, one thing that I can do as a curator is to identify what’s missing in the program of the place
you’re running; and one thing that was missing here was definitive public speaking programs. So
the first thing that I proposed to K. was immediately to CAC to boost talks. (CAC Senior Curator
S. R., 2009)

Os curadores são responsáveis pela conceção da exposição, desde pesquisar artistas, a


escrever o comunicado de imprensa, sendo, neste sentido, parte integrante do trabalho
do curador criar a interface ou lugar de encontro entre público e exposição, se
288

considerar que isso é importante. Se, por um lado, é possível para uma exposição, não
serem programadas atividades discursivas e os textos de parede serem espartanos ou
mesmo inexistentes; por outro, é possível que a série de conferências faça tão parte da
exposição como as obras de arte penduradas nas paredes. Tudo se resume aos critérios
curatoriais de cada uma exposição, ou melhor, as políticas de mediação do CAC
assentam nas perceções que os seus curadores têm do seu papel, da missão da
instituição e da própria definição de mediação.

There’s no policy here in sense of that… The policy is no policy and the policy is that each curator
treats his or her show as they can do it, so each curator does their show in the way they want to do
it. (CAC Senior Curator S. R., 2009)

As práticas educativas do CAC observadas podem ser resumidas como sendo de um


programa orientado para adultos, consistindo em visitas-guiadas, conversas com
artísticas e curadores – CAC Café Talks –, inaugurações, publicação catálogos e de uma
revista de arte trimestral bilíngue chamada CAC Interviu.

Em 2009, uma das salas de exposição foi transformada numa biblioteca especializada e
arquivo – CAC Reading Room. Os 200m2 do rés-do-chão passaram a materializar
espacialmente a pedagogia museológica (Hooper-Greenhill E. , 2007) do CAC. Como
um das curadoras afirma, procurava-se criar um espaço público para além do espaço
expositivo, em que se pudesse contextualizar os projetos curatoriais, ao mesmo tempo
que possibilitasse outros usos, além da relação de apoio à interpretação das exposições:

We thought that strategically the ground floor hall which is about 200 square metres. I think it
could be on the one hand given to this kind more social public space then only exhibition. We also
wanted to dynamism a bit the Contemporary Art Centre: no only in terms of visitors attract to
exhibition. Also on one hand to contextualize what we are doing, to educate maybe in a way, but
also to have people who don't necessarily want go to exhibition, but also they are interested in
contemporary art. So then the Contemporary Art Centre gets responsibility to educate the public.
(CAC Curator U. T., 2009)

Contudo, estes tipos de atividades parecem concentrar-se nas necessidades dos


profissionais e estudantes do “mundo da arte”, em vez de num público de não iniciados.
O programa público do CAC pode ser percebido como uma estratégia horizontal, em
que profissionais da galeria partilham o seu processo de aprendizagem e interesses com
289

o público especialista. Tomando como um exemplo o projeto da CAC Reading Room,


atente-se nos fragmentos de entrevistas seguintes:

For all of us the Reading Room it is a project that is very interesting, because you can self-
educate. So we order a lot of books and magazines that we wanted to order. I would order myself
some of them... (CAC Curator V. K., 2009)

I'm waiting for the moment when I will be sited here as a researcher and not as a CAC curator,
reading those books, getting to know what we should have been knowing long ago but we didn't
have that possibility. I think that is very very important. (CAC Press and Public Relations Curator
R.D., 2009)

So, I’d say we always were with things at the starting point, because we never did too much in
terms of education projects or programs, but at least there has always been the possibility for self-
education, because we always had a lot in that Info lab… we had new magazines, new catalogs,
that’s self education . (CAC Diretor K. K., 2009)

Noutras palavras, a equipa curatorial do CAC organiza um conjunto de atividades para


as quais eles/as próprios/as estariam interessados em assistir, enquanto público.
Todavia, como Featherstone (1991) lembra, os intermediários culturais evocando
conceito de Pierre Bourdieu, são um tipo particular de nova pequena burguesia,
profissionais ligados ao setor cultural com gostos e práticas distintas. Portanto, apesar
de existir um Programa Público, este tem, como público-alvo, um intervalo muito
estreito do público local, que são os especialistas do campo da arte, no qual se incluem
os/as próprios/as colaboradores/as do CAC.

Neste sentido, pode ser reconhecido que o CAC se assumiu como lugar de educação
informal. Apesar de não se poder dizer que é totalmente ignorada a questão educativa,
pode ser afirmado que se assume este lugar no que diz respeito a públicos especialistas
destinatários. Ou seja, trata-se de conceber o CAC como uma espécie de prolongamento
educativo informal da Academia de Belas Artes, recusando-se na grande maioria das
suas exposições, quaisquer apoios discursivos, para os públicos não-especialistas.

So filling in the gaps of communication between the audience and some of the contemporary art,
bridging the contemporary art with the modern art which is easier for people e to follow and
generally raising the awareness of what the contemporary art museum does. The CAC is not only
about exhibitions, it’s also about various kinds of events, you know? – education, informational
events. (Nacionalinės Dailės Galerijos Director L. J., 2009)
290

Tal rejeição, ao contrário do que autores, como Bourdieu & Darbel ([1969] 2007)
avançam, não parece advir da crença na ideologia do dom natural, antes da
compreensão da necessidade de uma total desvinculação do passado soviético.

Se, no Ocidente, a educação em museus está associada a ideias “positivas” de


aperfeiçoar a literacia visual ou mesmo promoção da criatividade (pesa embora a ideia
de handicap sobre “os não educados” em arte e para os quais é preciso fazer educação e
libertar da ignorância), a educação cultural soviética foi associada ao controlo do
Estado, face a um “ocidente de liberdade” capitalista. Por outras palavras, durante a
ocupação soviética da Lituânia, foi implementado pelo Estado um programa para tornar
a arte mais próxima dos públicos não-especialistas. Parte deste programa consistiu em
enviar artistas para as fábricas e kolkhozes (quintas coletivas) para estes conhecerem as
pessoas comuns e trabalharem com elas. Uma outra ação consistiu na criação de uma
rede de Casas Soviéticas de Cultura. O objetivo destas não era reforçar a comunidade
local, ou aumentar a consciência ou educar, mas controlar o lazer e a vida privada pela
concentração nestas casas de toda a prática social e cultural (Dovydaitytė, 2008).

Deste modo, a mediação da prática cultural é vista de forma suspeita, observando-se


mesmo uma resistência aos “subsídios pedagógicos”. Como Linara Dovydaitytė (2008)
afirma, em Cultural Animation in Post-Soviet Lithuania, a incapacidade de ultrapassar
este trauma soviético tem privado os públicos e as instituições de formas mais
interventivas de ação e relação. Por conseguinte, afirma esta autora que seria necessário
repensar numa conceção própria de animação sociocultural que servisse os contextos
pós-soviéticos e que, tal como no ocidente, preservasse uma dimensão emancipadora:

Was doing, also trying to change some perspectives and mix some differences. So, the idea is that
people should have this imagination or the image of the CAC that it’s very open institution which
is not just focus on very narrow yard, you know, people generally talking about the
contemporary art and culture around… of course culture around which is closed to the
contemporary art, because otherwise it could become like Culture House; which is everything
that they hate… which are making at the same time very different activities. Our main aim is of
course talking about the contemporary art, working on contemporary art. The biggest novelty in
terms of managing the art world or being in the art world, it was not only presenting but also
producing. I was talking only about exhibition programs but of course besides that you always
have simultaneous parallel events if you check our web-site – series of talks, discussions
especially and also events which we co-organize or just present at the CAC – music festivals, or
fashion events which happen every year. (CAC Diretor K. K., 2009)
291

O diretor da galeria salienta este mesmo receio, que a mediação se possa aproximar do
que seriam as Casas Soviéticas de Cultura e, por conseguinte, salienta o facto do
trabalho de interpretação ser quase inexistente e, quando existe, há a necessidade de
salientar que se trata de “eventos”, que não tem uma relação direta ou óbvia com as
exposições. Existe quase como uma necessidade de negar a dimensão educativa destes,
tanto é a perspetiva de educação como controle estatal. Exemplo deste prolongamento
da transição democrática e do afastamento, face ao período soviético, são as obras
expostas na trienal do Báltico, de 2009, cujo tema se desenvolve em torno de um
passado soviético repleto de fantasmas que assombram, aqui e ali, o presente da cidade.

Fotos de quadros do realismo soviético, que antes foram uma tentativa de sobrevivência e agora
são mais um objeto de decoração, despojado de qualquer valor artístico, na opinião de A.; um
soldado em tamanho real dourado, pendurado na diagonal rodeado de filmes e projeções de
motins entre identidades nacionalistas na Estónia; um comboio em chamas numa última república
soviética (Bielorrússia) (CAC - Diário de Terreno - 21 de novembro de 2009)

Retomando a questão educativa, no CAC parece prevalecer a ideia que a arte figurativa
é fácil e é para o grande público e, que por isso, tem menos valor artístico. Esta ideia
parece ser paradigmática da posição interpretativa da galeria, orientada para o que é
considerado mais afastado do grande público e próximo do que é considerado valor,
pelo campo. O apetite pelo concetual e por novos suportes, como o vídeo, instalações e
performances, são elucidativas desta ideia. Do mesmo modo, como Montrimaitė (cit. in
Kuizinas & Formina, 2007) mostra, os teatros e salas de concertos de Vilnius parecem
estar repletos de apreciadores. Possivelmente, apreciadores de uma arte mais
"convencional", chegando mesmo a afirmar que o CAC mostra o que ninguém sente
falta e que todos odeiam:

“People in Vilnius were not very happy. They would rather take a closer look at the Alpine landscape,
rural wine-bars, the Baroque and Secession architecture of Vienna, visit a party at the Opera or U4
nightclub, or finally, admire Romi Schneider acting the legendary empress Sisi, or the Hollywood
version of Johann Strauss (...) They pretend to miss the point in the very conceptual goals of the head
of CAC, which is showing something that nobody misses and hates do see. In his worlds, at any
moment we could come back to being a closed society, as the threat of a new invasion still exists”
(Montrimaitė, cit. in Kuizinas & Formina, 2007, p. 155).

Esta contração do público local impõe um questionamento acerca do papel efetivo de


formação de públicos do CAC. São uma galeria não comercial, financiada parcialmente
pelo estado, sem coleção e numa cidade em que parece existir um consumo assíduo de
292

cultura erudita. O facilitar do uso dos espaços do CAC, em especial da Reading Room e
do CAC Café, parece ser uma estratégia indireta não de formação de públicos, mas antes
convidar a usar a galeria, enquanto espaço cultural público.

De facto, o CAC Café é o exemplo último desta estratégia. Desde a abertura que tem
sido palco de fervilhante atividade cultural, inclusive através do programa de
"conversas" com artistas, curadores, etc. – Café Talks – é o cerne do trabalho educativo
da galeria, como se afirma na entrevista abaixo. O que pode indicar que o projeto
cultural do CAC é mais lato, do que cingir-se unicamente ao incentivo de fruição das
obras.

Here, found the contact with academic and cultural people’s life. We have couple of
architectural talks, because there is no so much exposure in terms of regular visitation of high
profile international architects. Of course you’re trying whenever possible bring people from far
away – so people from Australia, so people from New Zealand, so people from Asia, which simply
means a bit someone from America talking and giving the local audience the access to culture.
The Japanese lecture was actually about Japanese night club culture and phenomenon of cult of
different dressing of young women in Tokyo, it’s a social phenomenon.
You know this is actually about giving people access to different things in the world which are
not available here, nor so regularly accessible even in our own programs - even we are an
international house. So, all of this is built in the Cafe Talks programme.
My own engagement comes as personal commitment – I’m trying to make art available to as
many people as possible. (CAC Senior Curator S. R., 2009)

O projeto da Reading Room parece vir reforçar o papel do CAC, como centro cultural
aberto ao mundo, como representando uma certa evolução do posicionamento local
desta Galeria.

Por um lado, como argumenta o diretor da instituição, a abertura da Nacionalinės Dailės


Galerijos e do novo espaço da Academia de Belas Artes representam um aumento do
espaço expositivo de arte contemporânea na cidade. Como tal, deixou de ser uma
prioridade, para o CAC, ter um grande espaço de exposição, na medida em que essa já
não é uma necessidade da cidade. Desta forma, a existências destes novos parceiros na
área da arte contemporânea, liberta-o para outras e novas opções, nomeadamente
aprofundar o Info Lab, transformando-o, na Reading Room. Esta, como argumenta o
diretor da instituição, responde à falta de acesso a literatura especializada internacional
e tem, como vantagem, organizar um conjunto de obras criteriosamente seleccionadas
pelos curadores do CAC. Além do mais, o projeto da Reading Room não fica pela
293

escrita. Tem objetivo estender-se para o vídeo transformar o coleção de arte vídeo num
projeto curatorial, orientado por um conceito consonante, com o trabalho desenvolvido
pelo CAC.

Por outro lado, as aberturas da Nacionalinės Dailės Galerijos e do novo espaço da


Academia de Belas Artes representam um desafio para o projeto do CAC. Por outras
palavras: desde a abertura, que este centro se assume como um promotor da arte
contemporânea Lituana, abrindo-se às influências culturais internacionais, partilhando e
apoiando os/as artistas locais emergentes, o processo de posicionamento internacional.
Contudo, tem assumindo também, o papel de um museu imaginário com uma coleção
simbólica (Trilupaitytė, 2005) – dar a conhecer o que existe, fazer retrospetivas e
prospetivas, ou seja, educar os públicos, para o que é e como tem sido feita a arte
contemporânea local e internacional. A abertura da National Gallery, associada ao
centro de informação da Soro Foundation, liberta o CAC desta responsabilidade. A
Nacionalinės Dailės Galerijos assumirá a exposição da coleção nacional de arte
contemporânea lituana, assim como exposições temporárias e um programa de
interpretação, apoiado no trabalho da Soro Foundation. Desta forma, o CAC, tal como
alguns curadores argumentam, terá liberdade para se dedicar ao incentivo e apoio de
vanguardas, testando limites e confrontando o instituído, àquilo que é referido, como o
que sempre deveria ter sido feito,

Not represent the challenge, but other institution which is dedicated to the education and the
explanation of art and the collections – that’s what national museums have to do, we’re not
responsible for that. So, I just think some of that responsibility will naturally shift to them, which
for me…We with the rest of CAC are not putting any labels, like it wouldn’t be very much of the
problem, you know… (CAC Senior Curator S. R., 2009)

// Para terminar

A transformação do CAC de espaço expositivo do Sindicato dos Artistas, numa galeria


de estilo ocidental, criou resistências, seja por parte de artistas “consagrados”, seja por
parte dos públicos. Essa resistência, ainda que seja comum em momentos de rutura,
contudo, ao contrário do caso da Tate Liverpool, não parece ainda ter sido ultrapassada,
mesmo após a CEC, o que pode ser compreendido à luz dos diferentes modos que estas
galerias adotaram para se (re)conciliarem com os públicos locais. Isto é, o CAC parece
ter assumido uma responsabilidade cultural de abrir a cidade ao circuito internacional de
294

arte contemporânea, decorando, a facilitação de apoios interpretativos aos públicos


locais.

Questões como o que é democrático, igualdade de oportunidades, mérito, excelência,


papel das políticas culturais, papel do mercado da arte foram, não só pensadas, como
vivenciadas pelo palco do CAC. Nas lutas com o LAA discutia-se se seria democrático
selecionar artistas, se se deveria importar formas organizacionais ocidentais, se se
deveria expor aquilo, para o qual a generalidade do público não detinha instrumentos
para perceber. À primeira vista, questões legítimas sobre que cultura e para que público
se estaria a formar uma nova organização cultural. O CAC contrapunha a estas questões
o sucesso internacional que crescentemente protagoniza. Ou seja, assume-se como
prioridade a organização de uma instituição que pudesse entrar nos circuitos de arte
contemporânea, rivalizando por lugares e artistas de destaque, em bienais e outros
eventos. Para tal, investe na produção e exposição da vanguarda experimentalista
contemporânea. Nesta configuração de política cultural o CAC é assumido, na prática,
como instituição educativa de uma elite artística local e internacional. Educação, que se
perspetiva através de conferências de peritos, conversas intelectuais com artistas,
construção de biblioteca especializa em arte, performances artísticas, experimentações
múltiplas, que vão desde as próprias obras que comissaria ao design de exposições e à
ocupação de edifícios pela cidade. Estas questões serão alvo de atenção no próximo
capítulo.

O "culto da juventude", promovida pelo CAC, é um aspeto central da sua identidade,


não apenas porque tende a atrair um público jovem, mas também porque promove e
expõe o trabalho de jovens artistas, preferencialmente. A Trienal Báltico é o único
evento Soviético reciclado, criando-se a tradição do CAC mostrar a arte emergente e,
até 2009, ser o único local de intercâmbio internacional e de exibição de arte
contemporânea.

Com a finalidade de modernização tem centrado a sua atenção num círculo


relativamente fechado do mundo da arte internacional, esforçando-se para estar e manter
sintonia com a arte contemporânea e a sociedade, quer cortejando jovens artistas, quer
provocando mudanças no currículo da Academia e na crítica artística.

Neste caminho, parece que tem sido descurada a formação cultural do público local e,
por isso, talvez esta esteja a ser transferida para outras instituições. Pergunta-se por isso:
295

Será possível ao CAC, a longo prazo, manter um equilíbrio entre eventos mundiais e
interpretações locais? Será de aventar a questão se a criação desta instituição cultural
constituiu um processo de democratização ou de fechamento elitista?

3. M USEU DE A RTE C ONTEMPORÂNEA DE S ERRALVES :


Q UESTIONANDO O S IGNIFI CADO DE U M E SPAÇO C OLETIVO -
C ULTURAL -P RIV ADO

“Contrariamente a outros domínios disciplinares em Portugal, a arte contemporânea só encontrou uma


realidade museográfica minimamente diversificada e ainda assim problemática, no último decénio do
século XX. Herdou os problemas causados por décadas de repressão e de ignorância relativamente ao
mundo moderno e um adiamento contínuo do seu enquadramento” (Lapa, 2008, p. 191)

Com efeito, como se vê neste excerto, a Sociologia da Cultura portuguesa tem vindo a
reconhecer que o trabalho das instituições culturais é importante para estimular a
construção de uma cidadania ativa e crítica sobre espaço público (Lopes, 2007, 2010;
Silva e Santos, 1995; Pinto, 1994; Conde, 1996). Múltiplas têm sido as contribuições
para definição da estrutura social dos públicos, as diferentes relações com a cultura e as
distintas esferas para sua fruição. No entanto, apoiada nas conclusões de L’Amour de
L’Art de Pierre Bourdieu e Alan Darbel ([1969] 2007), segundo o qual o contacto
continuado com obras de arte, através, se não na família, da escola, seria mobilizador de
disposições cultivadas. Assim, seria esperado que aumentasse os níveis de escolaridade
da população Portuguesa, nos últimos anos, dilatasse as práticas culturais dos(as)
portugueses/as. No entanto, tal não se tem verificado, o que exacerba mais o crescente e
novo papel social das instituições culturais. Incorporando orientações não apenas
nacionais, mas também das demandas de políticas globais e europeias, o Museu de Arte
Contemporânea de Serralves tem vindo a assumir uma posição proeminente e ativa,
traduzida em múltiplos fatores, como a atratividade da sua arquitetura e seus serviços
(restaurantes, livrarias, bibliotecas); a provocação da sua programação; os processos de
facilitação de práticas culturais múltiplas (Barranha, 2006).
296

Pela organização e características dos seus espaços, o MACS parece incorporar o que
Hooper-Greenhill (2000) tipificou como um pós-museu. Este nasce de outros pós: pós
queda do muro de Berlim, pós-moderno, pós maio 1968, pós 25 de abril de 1974,
incorporando, inclusive através da política de construção da coleção, da posição e
identidade atradicional e atípica de museu. Neste sentido, questiona-se se o serviço
educativo do MACS incorpora, também, atipificação. Por outras palavras, questiona-se
se nesta (a)tipologia estarão as dimensões de interpretação, facilitação e animação
incorporadas na dimensão expositiva.

Segundo Nuno Grande o não (ao) museu inscreve-se na democratização e


informalização do espaço institucional, o que advém das cisões paradigmáticas dos
finais do anos 1960, que Serralves tenta problematizar na sua exposição de abertura –
Circa 1968. Contudo, o edifício do MACS é um museu que adotou a ideologia de white
cube, vivendo, por conseguinte, em tensão entre a coleção da fundação, orientada para
as ruturas originadas nos finais dos anos 1960, e a arquitetura do museu. Ou seja, uma
coleção reflete as manifestações culturais, advindas das ruturas com o formalismo desse
mesmo white cube:

“Este confronto dar-se-á também ao nível do espaço interno, uma vez que o Museu de Siza enfrenta,
hoje, o desafio de uma coleção e de uma programação em “rutura” com a formalidade de algumas
convenções museológicas – fruto do legado curatorial de Vicente Todolí, o seu primeiro diretor”
(Grande, 2006, p. 177).

M: Serralves pode mesmo até ser considerado o 1º museu de arte contemporânea da Europa.
Existia o MoMA e mais nada. Porque o que eles fizeram aqui era muito ambicioso. Pelas
características da casa, quase todas as exposições eram site-specific.
R: mas o museu em si retomou à ideia de White Cube…
M: pois isso é uma verdade, parece um retrocesso, é por isso que este museu é complexo e existe
ainda imensa investigação por fazer. (MACS - Diário de Terreno - 28 de janeiro 2010)

Assim, no terceiro ponto deste capítulo, analisam-se os contornos e linhas


estruturadores do MACS e do seu Serviço Educativo (SE), explicitando, o lugar da
educação também entre o espaço e a estrutura organizacional.
297

3.1. C ON T OR N OS E L I N HA S DE UM M U SE U

// Contornos socio-históricos

A sede da Fundação de Serralves foi criada em 1989, sendo contemporânea com o


tempo da inauguração da Tate de Liverpool, prevendo-se a construção de um museu de
arte contemporânea.

Não se discorda que o projeto de Serralves deva parte do seu sucesso aos seus contornos
organizacionais. A criação da Fundação Serralves (SF), em 1989, através do Decreto-
Lei n ° 240-A/89, de 27 de julho, assinalou o início de uma parceria inovadora, pelo
menos em Portugal, entre o Estado e o setor privado. Apesar do apoio, significativo, do
Estado (50% do orçamento), incluindo o seu peso institucional no Conselho de
Administração, a participação de fundadores privados, empresas e indivíduos, assumiu
uma relevância crescente na diversificação das fontes de rendimento. Este modelo de
gestão, tornou possível que Serralves seja considerado e focado como modelo de
organização cultural – o "efeito de Serralves".

Esta crescente empresarialização da gestão cultural, nos finais dos anos 1980, é
explicável pelo contexto político que Portugal vivia. Neste sentido, esta década foi
marcada pelo enfraquecimento do controlo do Estado sobre muitos setores da economia
e pelo princípio do “encolhimento” do Estado-Providência, ainda infante. A segunda
metade dos anos 1980 corresponde a um período de alguma estabilidade governamental,
em grande parte legitimada pela entrada na Comunidade Europeia (1986) e pela
chegada de uma maioria parlamentar de direita. Este tempo permitiu a criação de uma
política cultural próxima dos governos conservadores Europeus. Nomeadamente, desde
o final dos anos 1970 que, no contexto europeu, se pode testemunhar um processo de
convergência, entre setor cultural e empresarial. Esta orientação empurrou as
instituições sociais e culturais para viverem em delicado equilíbrio de concretização de
um serviço público, sob administração, mais ou menos privada.

Em Portugal, a Lei do Mecenato, criada nos anos 1980, veio permitir às empresas
deduzir nos seus impostos, os investimentos na cultura, o que contribuiu certamente
para o afluxo de recursos e sucesso de modelo de gestão público-privado de Serralves.

Contudo, a dimensão simbólica é fator determinante, a não esquecer, nesta aproximação


do mercado à cultura. Fazer parte do conselho de fundadores de Serralves tornou-se
fator de prestígio e distinção, a associação à marca Serralves deixa transparecer uma
298

imagem positiva e, como tal, apetecível ao setor privado. À primeira vista, este tipo de
política cultural parece permitir uma vivência mais saudável às instituições culturais,
sem pressionar o orçamento de Estado. Porém, isto parece não ser mais do que uma
estratégia de cosmética, pois nada mais se fez, do que permitir às empresas escolher em
que instituições cultuais podem investir os impostos dos/as contribuintes. Ou seja, em
último caso, esta foi em parte uma medida de demissão da função do Estado – educação
cultural dos/as cidadãos/ãs – pelos interesses do mercado.

Serralves, sendo a primeira Fundação, veio a beneficiar da ausência de concorrência a


fundadores, o que se traduziu numa estratégia de financiamento que, acima de tudo,
possibilitou uma situação financeira estável e independente, que habilitou o Museu para
o compromisso financeiro necessário à construção de uma coleção de arte
contemporânea e de uma programação, reconhecida pelos pares. Contudo, só veio a ser
exposta em 2009.

// Linhas de ação

A construção de uma coleção de arte contemporânea internacional é assumida desde o


início como linha de atuação principal para um Museu de Arte Contemporânea como o
de Serralves. Edificada a partir da exposição inicial “Circa 68” – o manifesto para esta
nova coleção – parte de um olhar nacional sobre o internacional e do internacional sobre
o nacional. Tal como o conceito de Scarto, de Carlo Ginzburg e Enrico Castelnuovo
(1979), trazido por Alexandre Melo (2002, p. 118), ilustra a condição periférica e lateral
do MACS, mas também a partir da qual procura tirar proveito:

“Para esta discussão, os autores introduzem a noção de scarto. “Utilizamos este termo da aceção
particular de deslocação lateral repentina, relativamente à de uma trajetória dada”, que se usa, falando
de certos movimentos dos cavalos”.

Considerando o scarto um movimento lateral dentro do campo da arte, atém-se que os


três casos que aqui se analisam incorporam este movimento, de formas distintas.
Galerias periféricas, nas fronteiras europeias, incorporam, no seu projeto, a liberdade
que esta marginalidade lhes confere. Como Melo (2002) coloca, são zonas de “dupla
periferia”, lugares de encontro e produção de experiências criativas.

Neste sentido, não deixando de fora os principais artistas da contemporaneidade, a


coleção do MACS procura, enquanto definição identitária da instituição, reunir obras
laterais ou iniciais dos principais artistas da contemporaneidade, que não sejam
299

apetecíveis nem aos museus centrais, nem ao mercado. Por conseguinte, esta parece ser
uma coleção que joga não só com o baixo orçamento, mas também com a situação
periférica da cidade e do país nos circuitos internacionais de arte contemporânea (Todolí
& Fernandes, 1999), tal como explica em entrevista o Diretor do MACS:

Achamos que a identidade do Museu é a sua coleção, nestes primeiros dez anos estivemos a
construí-la, estivemos a construir digamos um patamar da coleção ou melhor um estado da
coleção que permite precisamente a sua presença regular ou permanente nos espaços do Museu.
Ora tratando-se de um Museu de Arte Contemporânea, portanto uma das primeiras preocupações
foi criar uma cronologia, quando é que começamos com esse conceito a que chamamos
contemporaneidade. Decidimos começar na década de 60, portanto o Museu tem uma coleção
que começa na década de 60, o que não quer dizer que na sua programação não possa por vezes
recuar no tempo. A maior parte dos artistas e das exposições que organizamos relacionam com
obras de arte feitas da década de 60 até aos nossos dias, por vezes vamos no tempo buscar
experiências históricas que de algum modo antecipam aquilo que encontramos nesta nossa época.
De maneira que uma das especificidades é o facto de sermos um Museu de Arte
Contemporânea, outra das especificidades será o de sermos um Museu de Arte Contemporânea
e estarmos em Portugal. Estando em Portugal, obviamente procuramos cruzar aquilo que
aconteceu em Portugal no domínio da criação artística com aquilo que aconteceu fora de
Portugal. Tendo em conta que Portugal é um contexto que foi isolado por motivos históricos,
políticos e económicos durante muito tempo, sabíamos também que a nossa coleção e a nossa
programação são praticamente um primeiro momento da cultura portuguesa onde os artistas
portugueses fazem parte de uma programação e de uma coleção internacionais. Nessa medida,
nós também procuramos de algum modo cruzar um olhar português sobre aquilo que aconteceu
fora de Portugal com o olhar internacional sobre aquilo que aconteceu em Portugal. É um pouco
da interseção das linguagens nestes diferenciados contextos que a nossa programação se
desenvolve e a nossa coleção se desenvolve. Estando também num país que tem uma condição
periférica ou semiperiférica em relação aos tempos artísticos ao longo do século XX (MACS
Diretor do Museu J. F., 2010)

Consequentemente, o MACS nasce numa condição paradoxal. Como Grande (2005)


afirma, tal acontece na medida em que é uma obra pública (adjacente do modelo francês
dos Grands Travaux e, neste sentido próximo do CAC) embora tenha uma gestão
privada, muito associada ao modelo prático-instrumental anglo-saxónico de gestão
cultural, próximo da TL.
300

3.2. C ON T OR N OS E L I N HA S DE UM S E R V IÇO E D U C A T IV O

3.2.1. Contornos do Serviço Educativo

O Serviço Educativo do MACS parece organizar-se entre, por um lado, a formação de


públicos para a arte contemporânea e, por outro, a não-explicação da obra de arte, de
cujos contornos se trata neste subponto.

Por conseguinte, se o principal objetivo do programa museológico do MACS é a criação


de uma coleção de arte contemporânea, existe a consciência da necessidade de formar
um público para essa coleção:

A não ser na questão que para mim foi sempre um dado claro que se Serralves não tivesse
públicos, Serralves não sobreviria enquanto projeto museológico. Seria impossível encontrar na
sociedade portuguesa as fontes de financiamento necessárias para continuar a gerir este projeto.
Portanto em função, digamos, também da importância social de Serralves na sociedade
portuguesa, na comunidade em geral e do reconhecimento da importância dinamizadora de novos
públicos que Serralves tem, que se consegue manter o investimento do Estado Português e dos
privados que constituem, que se juntam dentro do projeto da Fundação de Serralves. (MACS
Director do Museu J. F., 2010)

Esta preocupação é expressa pelo Diretor do Museu. Incorpora a duplicidade da


formação de públicos para o museu do séc. XXI, isto é, assenta no interesse de
incorporar no projeto a comunidade e a participação da mesma, ao mesmo tempo que vê
essa mesma comunidade com preocupações de rentabilidade económica, política e
cultural. Nuno Grande (2005) argumenta, que esta abordagem prático-instrumental dos
museus parece ignorar as posições de rutura da década de 1960, e parece assumir uma
nova rutura (neoliberal) através de um mediatismo sem precedentes (os chamados
blockbusters ou chocolate no caso do MACS), por causa das exposições temporárias,
provavelmente, porque museus e outras instituições culturais competem, agora, no
mercado das indústrias de lazer, a que não se deixa de notar as bebidas gratuitas nas
inaugurações do MACS. A sedução de públicos, ou melhor, a formação dos públicos
para a arte contemporânea, é uma necessidade vital para o museu. Esta é cumprida pelo
Serviço Educativo.

uma coisa é fazeres uma programação para um museu cujo horizonte de expectativa em termos de
quantidade de públicos é muito restrito, outra coisa é tentares pensar numa programação que seja
de elevada qualidade conforme referi que procure oferecer coisas diferentes e especificas aos
301

vários grupos mas que sabe que tem no seu horizonte expectativa um número muito significativo
de públicos que no nosso caso tem sido ao longo dos últimos anos cerca de cento e cinco mil
participantes por ano nas nossas atividades
Neste número nós sabemos que realmente ter programas muito diferentes, programas se calhar
muito mais aprofundados, programas que possibilitam uma maior continuidade, sejam oficinas
escolares, sejam por exemplo programas para famílias que acontecem nas férias, mas também
outro tipo de que são se calhar mais fáceis de fazer chegar a todos de forma mais intensa e
concentrada, como e continuarão a ser as visitas, as oficinas com uma hora mais limitada de
duração, seja de duas horas, seja de três horas, portanto implica que realmente que o programa
seja concebido sem comprometer a qualidade que nós queremos mas conscientes que vamos ter
que chegar de alguma maneira a um grupo que é alargado, e claro que isto é muito diferente
quando trabalhas depois, quando trabalhas em universos muito mais pequenos. Ou seja uma coisa
é aquilo que se oferece de forma mais global a muita gente outra coisa depois e se calhar esses
projetos têm menos visibilidade e não precisam de a ter, porque não se prende com esse tipo de…
dimensões mas se calhar conseguimos experimentar coisas conseguimos esticar um bocadinho
mais os limites daquilo que achamos que é nossa convicção e objetivo fazer e propor aos vários
grupos e se calhar aí situam-se muitos dos projetos que temos feito com os tais grupos mais
carenciados. (MACS Coordenadora do Serviço Educativo S V., 2010)

A organização da programação educativa incorpora esta missão da formação alargada


de públicos. Como se percebe pela preocupação expressa em entrevista pela
Coordenadora do Serviço Educativo, esta programação é estruturada, considerando
múltiplas possibilidades de relação com a comunidade. Nesta perspetiva, o museu tem o
papel de abrir trilhos que permitam a cada pessoa fazer as suas próprias opções.

A conceção por trás deste quadro é baseada no pressuposto de que um museu é uma
instituição educativa. Não se trata de uma instituição de ensino próximo de um modelo
de educação formal, mas do compromisso de promover as condições, para uma
aprendizagem crítica, comprometida com princípios de uma cidadania cultural (Miller,
2007), um novo fórum, lugar de discussão e debate.

Isso nunca nos levou a uma situação similar à questão dos públicos noutras áreas culturais ou em
áreas digamos da sociedade espetacular do nosso tempo. A questão dos públicos não é para nós
como a questão das audiências na televisão por exemplo! Eh! Porque nós não procuramos
apesar de tudo adequar a nossa programação àquilo que os públicos já conhecem. O Museu de
Arte Contemporânea apresenta aquilo que eles não conhecem, não propriamente aquilo que eles
já conhecem ou aquilo que já ouviram falar. Mas há determinadas estratégias de programação,
claro que nós sabemos por exemplo que se propagarmos certos nomes, esses nomes são
possivelmente objeto de muito maior curiosidade que outros nomes. E procuramos que numa
302

programação haja certos nomes que podem ser propulsores de um efeito comunidade em torno
de uma exposição que será uma exposição de grandes públicos todos os anos. Isso tem
acontecido regularmente me Serralves. Nós internamente costumamos até chamar a essas
exposições, exposições chocolate. Mas o chocolate tem de ser um chocolate mesmo de qualidade,
tem que ser um bom chocolate, não pode ser um sucedâneo! Eh! Ou seja… portanto nós
começamos a fazer por exemplo, seis meses depois de abrirmos este Museu, fizemos uma
exposição dedicada a Warhol. Esse foi um primeiro exemplo sabíamos que o nome de Warhol era
um nome muito conhecido por pessoas, muitas delas que inclusivamente nunca teriam visto um
Warhol mas já tinham visto uma imagem, já tinham ouvido falar do nome, etc. Vamos imaginar,
por exemplo, neste momento eu estou a preparar uma exposição que se irá realizar com a
produção da Reina Sofia em Madrid onde o trabalho reúne uma série de obras de arte e de
artistas que trabalharam muito influenciados pela obra de um escritor francês Raymond Roussel.
Russell inspirou nomeadamente Marcel Duchamp a fazer o Grand Verre, ora a obra seminal de
toda a arte do século XX! Ora acontece que se eu anunciar hoje só sobre Raymond Roussel,
ninguém pensará que isto é uma exposição de grandes públicos mas se eu numa exposição
reunir, e nesta exposição reunirei, obras de Duchamp, Salvador Dali, Max Ernst, Picabia, e
tantos outros até chegar a artistas do nosso tempo como Jean Tinguely e Rodney Graham, aí
tenho já condições para essa exposição ser reconhecível como uma exposição de grandes
públicos. Ou seja, há várias formas de nós lidarmos com essa questão que é construir um
público. Achamos também que é muito importante tratar essa questão com uma grande
inteligência e não com admissão da responsabilidade de uma programação e esperar que possa
surpreender os seus próprios públicos. E achamos que uma programação deve surpreender o
público mais sofisticado e mais conhecedor ao mesmo tempo do público que nada conhece
daquilo que vamos lá estar a apresentar. Nessa medida, essa é uma das grandes ambições de uma
programação. (MACS Director do Museu J. F., 2010)

Como se lê no excerto da entrevista do Director do Museu, a exposição de artistas


consagrados/as é usada como mote para a apresentação de artistas menos conhecidos/as,
(lembrando a proposta do CAC) de instituição com múltiplas camadas expositivas,
assim como remete para a política de coleção enunciada. Ainda similar ao CAC é o
recurso, enquanto estratégia de programação, a referenciais mais próximos ao grande
público, mas afirmando, ainda assim, que o museu tem por finalidade dar a conhecer o
desconhecido.

Essa é uma situação que nós privilegiamos aqui e achamos que deve ficar depois para o formato
da visita guiada, do atelier, do workshop, da sessão de trabalho, digamos um trabalho mais
sofisticado com os públicos no sentido da construção de um conhecimento.
Interessa-me, quer dizer o discurso está lá apesar de tudo, a partir do momento em que eu
apresento uma exposição ou uma obra ao lado de outra já há um discurso, há uma perspetiva, etc.
303

Eu sei que o público ou a maior parte do público não está consciente dessa perspetiva mas… eu
prefiro que o público possa construir digamos um conhecimento a partir da sua própria
observação e da sua própria experiência do que ser condicionado logo à partida por um discurso
predeterminado sobre essa situação de apresentação. Obviamente há sempre uma informação
mínima que deve ser dada mas sinceramente eu acho que um museu devendo criar situações
escolares ou situações reflexivas não deve ser ao mesmo tempo na sua atividade expositiva, um
reflexo de tal. (MACS Director do Museu J. F., 2010)

Num primeiro momento, os espaços da galeria convocam a uma receção de primeiro


nível, o que num segundo momento, nos espaços não-expositivos, a uma receção de
segundo nível. De igual modo, no discurso do seu diretor, o museu reconhece que o
discurso expositivo é já um ponto de vista interpretativo. Contudo, este reconhecimento
não implica que se pretenda que esse discurso seja explícito para os públicos do museu.
Sabe-se, desde O'Doherty ([1976] 1999, p. 147), que “colocar é meditar sobre questões
de interpretação”, como também se sabe que o conhecimento sobre o que se vê torna a
experiência no museu (Falk & Dierking, 1992) mais significativa. Não é possível
esquecer, que as obras de arte são produtos culturais e, enquanto tal, são representações
sociais e, por isso, compõem as visões do mundo de determinados grupos sociais.
Compreender a arte como movimento social é considerar como necessários os
exercícios de desconstrução do conhecimento. Neste sentido, parece ser objetivo do
Museu executar uma acção educativa que estimule o confronto direto com as práticas
arísticas contemporâneas, numa relação não mediada, mas diversa de programas que
sejam convites à reflexão. Ao SE é reservado o papel de descodificar as mensagens
contidas nos discursos expositivos e promover acções de animação que permitam aos
públicos atingir facilmente os objetivos "educacionais" da exposição. Estes programas,
como se lê no discurso do Diretor do Museu são, muitas vezes, estruturados como
processos de auto-educação:

sobre aquilo que nós apresentamos numa exposição, isso portanto passa desde o roteiro de uma
exposição, passa pela informação que se possa encontrar num wall text, num texto de parede…
Mas pretendemos oferecer mais as obras de arte, o espaço da exposição é um espaço mais para
ser ocupado com as obras de arte e não com textos sobre as obras de arte. Pelo menos
tencionamos manter sempre uma exposição como algo passível de ser conhecido e depois cada
um pode definir quais são os graus que conheceu, pode ir comprar um catálogo ou não, pode ir à
internet saber mais da Dara Birnbaum ou não, pode ir a livros de arte de referência, etc., ou
não. Portanto depois depende de cada um, não é? Porque um Museu não pode ter a tentação de,
304

nem ninguém pode pensar que só por ir ver uma exposição a um museu vai sair desse museu
com conhecimentos sobre o trabalho de um artista. (MACS Director do Museu J. F., 2010)

3.2.2. Linhas

“Em linhas gerais, o projeto educativo da Fundação de Serralves tem por objetivos: sensibilizar e
motivar os diferentes públicos para as temáticas da arte, da arquitetura, do ambiente e da cidadania;
reforçar a articulação museu/escola, através de um trabalho continuado e em parceria; integrar
momentos de formação, de partilha de conhecimentos e experiências que estimulem uma aproximação
criativa e dinâmica à cultura contemporânea” (Leite & Victorino, 2008, p. 11)

Linhas que traçam o percurso do SE da Casa ao Museu, passando pelo Parque; ou entre
o movimento da educação pela arte e as influências da gallery education; indicam o que
se entende por importante e como se organiza a fruição, a interpretação, a
experimentação e o lazer.

Ainda na Casa de Serralves, existia um coordenador das visitas guiadas, que se responsabilizava
pela orientação de uma equipa de monitores. (MACS Director do Museu J. F., 2010)

Na verdade parte integrante do imaginário da minha infância são os espantalhos de


Serralves. Ou melhor, a “Arte Efémera na Paisagem” (1987), que foi um dos primeiros
projetos educativos dinamizados por Serralves. Ainda sem Museu, constituíram-se,
também, as “Aulas no Museu” (1992) e as visitas guiadas (Faria, 2004). Este grau zero
do SE do MACS constituiu-se, ele próprio, um locus de experimentação e ensaio que
Miguel Peréz (Faria, 2004) afirma ter tido base na história da arte e no suporte
interpretativo das exposições. Em 1996, após a tomada de posse da direção do museu, a
Consultora integrou o SE, a convite, do então Subdiretor, como descreve.

convidaram-me para um seminário para falar sobre… era na altura que se fazia os espantalhos e
eu apresentei os espantalhos na arte e depois cheguei à arte contemporânea, não de artistas que
fizeram espantalhos, mas aquilo que eu considerava que poderiam ser equivalentes a
espantalhos na arte contemporânea e que portanto tinha interesse artístico e cultural (…) na
plateia estava o João Fernandes, que agora é diretor, no final chamou-me e disse-me: “Olhe eu
gostava imenso que viesse trabalhar connosco, gostei da sua intervenção”. (MACS Consultora do
Serviço Educativo E. L., 2010)

Segundo Faria (2004), foi com a entrada da Consultora que se consolidaram as relações
entre o parque e a arte contemporânea. Samuel Guimarães junta-se à equipa, na figura
de Coordenador, em 1998 com o propósito de estruturar o SE do museu a inaugurar, em
305

1999. Neste momento do SE, parece ser importante diversificar a oferta, partindo do
trabalho já desenvolvido. O “Espaço de Prática Criativa”, que perdurou até aos anos
2000, emerge como uma proposta da Consultora, para crianças entre os 6 e os 12 anos:

era um trabalho que eu ia fazendo com os miúdos, os meus sobredotadíssimos do espaço de


prática criativa e nós íamos falando sobre as coisas, não é? Sobre a relação das dimensões,
sobre as escalas. Por exemplo, uma vez para eles perceberem as escalas comprei um carrinho,
daqueles dentro da caixinha nem o tirei, que traz por baixo a escala porque eu pedi para eles
fazerem… eles tinham-me que fazer um trabalho de design tridimensional à escala 1:1(…)Se a
gente aumentar fica o carro real, não é? Para eles perceberem a relação com a escala, tínhamos
coisas deste género à escala com a escala lá escrita, escala tal. E eu disse este carrinho tem
faróis, rodas, tudo, está tudo nesta escala, não é? No espaço de prática criativa eles podiam
realmente criar mas tinha sempre condicionantes, essas condicionantes é que iam leva-los a
puxar pela cabeça e a fazer e andar (MACS Monitora do Serviço Educativo C. C., 2010)

O “Projeto com Escolas”: Meu Lugar, Minha Cidade – Habitares Serralves, no ano da
Capital Europeia da Cultura inaugura a relação que ainda se pretende estreita, entre a
escola e o museu. Em 2002, para fazer face ao aumento dos públicos do SE, foram
contratadas duas coordenadoras, ainda em funções durante a investigação.

Segundo Faria (2004), apesar da alteração na coordenação do SE, a programação deste


continua numa lógica de diversificação das propostas, mantendo a mesma tipologia de
práticas, a fim de responder aos públicos crescentes e diversificados. Em 2010, ano do
estudo deste caso, o SE apresenta a mesma estrutura organizacional, mas uma
programação educativa pautada pela estruturação de atividades que intensificam a
relação com múltiplos públicos.

O Serviço Educativo de Serralves procura consolidar estratégias através das quais cria condições
para uma aproximação do público às temáticas referidas, estimulando o prazer de ver, de refletir,
de interrogar, de fruir, na perspetiva de que cada pessoa constrói significados à medida que
aprende. Tal implica a vivência de novas experiências e um envolvimento pessoal, numa
perspetiva de aprendizagem ao longo da vida. Neste sentido, os processos de trabalho propostos
são abertos e flexíveis valorizam o conhecimento, a sensibilidade, a criatividade, desenvolvem a
perceção estética e o pensamento crítico bem como reafirmam a relevância da dimensão cultural
na formação integral do ser humano. Em traços muitos gerais, a missão, sempre neste sentido, de
sensibilizar, aproximar, motivar diferentes públicos para estes três grandes campos temáticos que
com os nossos que é a arte, arquitetura e o ambiente claro que não de uma forma isolada,
procuramos que estas três temáticas sejam abordadas também de uma forma mais transversal sem
querer com isto dizer que não haja programas como sabes específicos em cada um dos sectores.
306

Uma programação pretende ser heterogénea precisamente porque se dirige a públicos com um
grau se calhar de motivação diferente na sua aproximação ao museu e que é obviamente pautada
por uma enorme exigência seja ao nível do seu conteúdos da articulação das temáticas da
estratégia da abordagem e como coisa que me parece importante que é não só com vista à criação
de novos públicos mas também à sensibilização daqueles que já visitam daqueles que já estão
motivados para visita a um espaço cultural e sempre claro numa perspetiva seja de grande
dinamismo e de… de sentido critico também mas de dinâmica que a abordagem à cultura
contemporânea mas já num campo mais geral já sem falar especificamente de arte acho que no
fundo o que se passa aqui está nesta esfera muito mais alargada no campo cultural que temos
estas referências todas arquitetura, ambiente, sustentabilidade, cidadania, portanto acho que é
relevante dizer isso. Por isso há uma tentativa da nossa parte e ir tentando responder também ao
que são as solicitações e as dinâmicas de evolução da relação dos públicos connosco (…) e é
importante refletirmos sobre a especificidade daquilo que nós fazemos e eu acho que é óbvio que
essa especificidade esta intimamente ligada ao lugar e à identidade da programação e acho
importante termos isso em consideração. O nosso objetivo não é escolarizar o que se faz no
Museu, mas que o Museu seja um complemento e seja… que proporcione outro tipo de
experiências, que pelo facto de estar num Museu, que está livre de premissas mais rígidas que a
escola, nomeadamente a avaliação que se processo com os grupo. (MACS Coordenadora do
Serviço Educativo S V., 2010)

Esta longa referência à entrevista da Coordenadora do SE esclarece alguns pontos


distintivos do MACS, nomeadamente a articulação necessária do SE ao lugar. Serralves
é um espaço particular que motiva a articulação entre arte, arquitetura e paisagem,
colocando desafios estéticos e educativos tanto à programação das exposições como à
programação do SE. São, ainda levantadas questões estruturadoras da missão do SE
como a aproximação do público às temáticas da arte, arquitetura e paisagem, a
aprendizagem ao longo da vida, a valorizam o conhecimento, a sensibilidade, a
criatividade e a formação integral do ser humano. Questões que aproximam o SE de
preocupações de sociais de cidadania cultural; de experiências estéticas autónomas e
significativas, mas também de preocupações de articulação institucional com a escola,
sem perder de vista a necessidade de formar e manter públicos. Perspetiva-se, assim que
a cultura não seja uma outra forma de lazer alienado e alienante, mas “propicie também
uma superação dos limites de cada um na descoberta do que não se imagina possível na
ampliação da experiência da condição humana” (Fernandes, 2008, p. 9)

A única diretriz que a direção do museu passou para o SE foi o facto de não queremos que se caia
na tentação de explicar a obra de arte. Isto porque, não queremos que se feche as possibilidades
de interpretação individuais. Igualmente, que é essencial com os mais pequenos, o que se sintam
307

confortáveis no museu, que se familiarizem com o espaço e não estamos tão preocupados em
passar informação. Por outro lado, de facto o museu não faz nada em função do SE, a não ser as
atividades específicas do SE. Assim as grandes linhas orientadoras partem das coordenadoras do
SE e da Consultora – Elvira Leite. (MACS Director do Museu J. F., 2010)

Não parece pretender-se a réplica de soluções herdadas da história da arte, mas sim
encontrar novas questões e pontos de entrada para as mesmas obras, estimular uma
constante curiosidade pelo desconhecido, trazido pela arte contemporânea.

// Entre movimento da educação pela arte e influências gallery education

Observa-se, quase como uma espécie de culto à figura da Consultora, que dita, através
da formação dos/as Monitores/as, da programação do SE e mesmo da recomendação de
leituras, a perceção do que é e do que deve ser a oferta educativa do MACS.

A figura da Elvira Leite é qualquer coisa que me tem acompanhado. Não sei realmente ainda, não
sei realmente o que há aqui do objetivo da parte da coordenação nestas ações de formação. Não
sei se há aqui qualquer coisa que é um interesse profissional do Serviço Educativo. De
profissionalização, que agora também é imposto às empresas, também é imposto às coordenações
e portanto há aqui qualquer coisa que parece artificial. Mas acho que é sem dúvida
importantíssimo o que tem vindo a ser feito e acho que a Elvira é um figura, é aproveitá-la, estar
com ela o mais possível, só isso, só de pensar “vou estar três horas com a Elvira”, já é ótimo!
(MACS Monitora do Serviço Educativo M. S., 2010)

Entretanto tive os primeiros contactos com a Elvira Leite. Talvez esteja a ser a pessoa com quem
mais tenho aprendido nesta área. Porque eu sou relativamente novo nesta área, fiquei fascinado
com a Elvira, com a pessoa e o trabalho. Tenho sido um curioso compulsivo e sempre que posso
peço-lhe para ela me mostrar coisas e muitas das coisas que eu faço hoje, tem a chancela, ou
tem a influência da Elvira Leite. Elvira Leite... eu posso dizer que são um privilegiado em ser
uma pessoa que... trabalha próximo da Elvira Leite. Alertou para uma série de autores, para o
trabalho ainda mais aprofundado do Monari, do Lowenfeld... e comecei a estudar de certa
forma. A minha aprendizagem aqui tem sido no dia-a-dia, com a experiência da prática e é isso
que me da mais prazer. É o terreno e é uma experiência empírica, um conhecimento mais
empírico. (MACS Monitor do Serviço Educativo S. S., 2010)

as leituras são fundamentais. Claro que eu tenho tendência a indicar os meus queridos, como
eu lhes chamo. Os meus mestres, que são vários. Por exemplo, o Herbet Read indicado por toda
a gente, que é fundamental para a chamada Educação pela Arte. As palavras e os conceitos vão-
se alterando e é muito importante estarmos atentos e as parcerias é que fazem com que se alteram
os conceitos. E por falta de práticas acho que o conceito de Educação pela Arte quase que já não
308

existe. Parece que não faz sentido, já Platão falava nisso. Era um movimento da educação pela
arte com algumas experiência (…) Na altura era muito jovem, a sair de Belas Artes e estava a
par de tudo isso e com o decorrer do tempo fui vendo… Levou-me a essas leituras de educação
pela arte e eu conhecia Arno Stern, que em Paris tinha um atelier de educação pela arte, do
campo da psicologia e levava muito a sério aquelas oficinas… era muito introspetivo, para que a
pessoa se sentisse ela própria e podia exprimir-se com toda a liberdade. (…) Modelar o barro
para o equilíbrio psico-motor e ao mesmo tempo apara a libertação da expressão. Eu por conta
própria… Depois o Vitor Lowenfeld que na minha perspetiva é uma cartilha, principalmente
para investigadores, para iniciados. Ali sim ele trabalhava em laboratório para ele aprender e ele
observa a as reações e os trabalhos. Ele realmente praticava e refletia as práticas. (MACS
Consultora do Serviço Educativo E. L., 2010)

Como se percebe pelos excertos de três entrevistas ( Monitores/as e a Consultora do SE)


as influências do “movimento da educação pela arte”, trazidas pela Consultora, são uma
marca do SE do MACS.

Sobre este movimento pode-se afirmar, sinteticamente, que as suas bases filosóficas e
metodológicas estão em Herbert Read ([1943] 2010), John Dewey ([1934] 2005),
Lowenfeld (Sousa A. B., 2003). Por sua vez, Read ([1943] 2010) refere que o objetivo
geral da educação se relaciona com o potenciar do crescimento individual, ao mesmo
tempo que deve harmonizar esta individualidade com a orgânica dos grupos sociais aos
quais cada um está envolvido. Neste sentido, a arte surge como elemento de extrema
importância, pelo estímulo que esta proporciona, imprimindo um carácter mais criativo
e lúcido à educação.

Através do exercício criativo, com base no aprender fazendo, Dewey ([1934] 2005 )
formula o método da livre expressão. Cre-se, neste movimento, que todos os sujeitos
são portadores de um manancial artístico que deve ser liberado através do processo
criador, de modo a que se dê um desbloqueio emotivo e criativo. Neste sentido,
percetivel no discurso da Consultora, está a enfatize na expressão e experiência, como
valores mais importante no fazer artístico:

Pegar no borrão, no traço interrompido, isso em termos mais técnicos e mais conceptuais é pegar
em conceitos e desenvolver esses conceitos através da atividade plástica. É colocá-los perante
situações pouco habituais para despertar neles, que está quase tudo por descobrir. Há uma parte
que está experimentada e resolvida e depois há todo um mundo a descobrir. Portanto, através
das oficinas tenta-se abrir caminhos, mas é abrir caminhos porque, repare, um grupo de crianças
pode vir uma vez e não voltar cá e nós… o que é tiveram essa experiência. Eu costumo dizer:
309

“Quem me dera que uma experiência no museu fosse inesquecível para toda a vida”. Portanto
têm que ser muito boas. (MACS Consultora do Serviço Educativo E. L., 2010)

Na perspetiva de Read ([1943] 2010), um professor deve abster-se de fazer julgamentos


ou comentários críticos ou avaliativos dos trabalhos expressivos das crianças, a fim de
evitar desmotivar ou desmoralizar a criança. Tal pressuposto atravessa tanto as
orientações pedagógicas do MACS, como da TL:

C: pois, mas eu fui o único que desenhei mesmo o som. Os outros não fizeram o som, fizeram as
coisas.
S. ripostou dizendo que o desenho das outras crianças é tão válido como o dele. (MACS - Diário
de Terreno - 17 de fevereiro de 10)

A: ela parece aqueles jogadores de futebol a chutar a bola com o ombro (faz o gesto). Tu não lhe
desenhaste o pescoço!; então ela está a olhar para um lado e tu desenhas o nariz do outro, não
estás atenta. Não estás a desenhar o que vês;
Depois colocou os desenhos na parede e começou a fazer comentários relativamente às
proporções dos desenhos, como alguns não ocuparam a folha toda, ou as desproporcionalidades
das formas e dos membros; elogiou alguns apontamentos.
Pareceu-me que foi um exercício de reflexão muito interessante. Porque as crianças acederam a
expor os seus desenhos e conseguiu a sua atenção e participação na análise dos desenhos. (30 de
março de 2010)

Segundo Read (ibidem), o desenho é quase uma forma de catarse de tensões interiores e,
como tal, os trabalhos das crianças não devem ser analisados como formas artísticas,
tratando-se apenas de exteriorização de sentimentos. Nesse sentido, o papel do/a
educador/a é de estimular a expressão, enquanto a crítica pode ser inibidora. O discurso
de um Monitor do MACS, em entrevista, aponta neste sentido. A impossibilidade da
expressão plástica das crianças ser percebida/recebida dentro do mesmo sistema de
códigos que uma obra de arte, inscreve-se numa outra ordem de sentido, a produção de
experiências positivas, significativas e estruturadoras de uma educação estética, na
perspetiva de Read:

Eu não faço arte com putos, com as crianças. Aquilo que hoje de manha estive a fazer com as
crianças não foram obras de arte, ou pelo menos não as vejo enquanto tal. Aquilo que eu vejo é o
resultado de um processo criativo. São experiências no âmbito das artes plásticas. Mas essas
experiências não se inscrevem dentro de um sistema, do sistema da arte. Seria algo mais
complexo. Não acredito. Não acho que as crianças façam obras de arte. Aliás, as crianças depois
310

de fazer algo, não tem a coisa do adulto de contemplar. Se tu reparasses hoje de manha, quando
nós criamos a exposição, as crianças não andavam ali a contemplar as obras. A experiência que
a criança teve foi no fazer e aí é onde a criança retira todo o prazer e é ai que está a
aprendizagem, percebes? É aí que está a experiência. (MACS Monitor do Serviço Educativo S.
S., 2010)

Neste movimento, a educação deve ser lúdica-expressiva-criativa, num ambiente que


potencie e motive a expressão de sentimentos e estimule a criatividade. A perspetiva é
ser, para além da arte, a base da educação. Esta deveria estar preocupada com a
formação integral do indivíduo, integrando o brincar, enquanto expressão espontânea.

O movimento de “Movimento da Educação através da Arte”, que aparece de forma


recorrente nos discursos dos sujeitos, tem por âmbito o procedimento metodológico,
com o objetivo de formar a pessoa no seu todo. Neste, a arte é um meio da educação
para a formação total da personalidade. Esse movimento teve como manifestação mais
conhecida a tendência da livre expressão que, ao mesmo tempo, foi largamente
influenciada pelo trabalho de Lowenfeld, o qual acreditava que a potencialidade
criadora se desenvolveria naturalmente em estágios sucessivos desde que se
oferecessem condições adequadas para que a criança se pudesse expressar livremente
(Sousa A. B., 2003).

Esta conceção do trabalho educativo de uma instuição cultural funda-se numa filosofia
idealista, de que a arte pode libertar e de que a educação é um bem acessível a todos.
Contudo, como se sublinhou no Cap. II, a educação cultural, no contexto da pós-
modernidade, adquire uma nova complexidade. Daí que se busque sair do âmbito da
mera catarse emocional e da livre expressividade para tratar a produção artística como
algo que se constrói na complexa dialética entre sentir, pensar e fazer, a partir de um
contexto histórico-social, que na lituratura anglossaxónica se vulgarizou nas expressões
hands-on / brains-on. Esta dicotomia encontra-se no SE do MACS. Como se
argumenta, as práticas educativas, muito por influência da Consultora, tendem a apoiar-
se nas propostas do “movimento de educação pela arte”; enquanto que a Coordenadora
do SE, pela sua formação anglossaxónica, tende a evidenciar estratégias extensivas da
gallery education63, de formação de públicos, inserindo-se num paradigma mais prático-

63
“Gallery education is a new and changing body of practice that exists to
broaden understanding and enjoyment of the visual arts - through projects
and programmes that help schoolchildren and the wider community
become confident in their understanding and enjoyment of the visual arts
311

instrumental da educação e da cultura, como transparece na percepção dos/as


Monitores/as:

Sa: quando a E. (Consultora) começa a falar nós vamos descolando a terra, depois entra a S.
(Coordenadora) e parece que damos uma queda e partimos as costelas. Sei que é o trabalho dela,
que ela tem que ser prática e profissional e é boa no que faz, mas acho que ela é um bocado
violenta. (MACS - Diário de Terreno - 19 de fevereiro de 2010)

Tal não se traduz em processos educativos contraditórios, muito pelo contrário. O SE do


MACS assume e potencia três formas de conhecimento da arte enunciadas por Elisa
Marques (2011, p. 74): ”a fruição – contemplação; a interpretação – reflexão e a
experimentação – criação”, assim como o lazer – ócio.

A fruição pela observação regista as impressões sensíveis e clarifica conhecimentos


conceptuais. Esta forma de construção de conhecimento subjaz à política curatorial:

É uma obra iminentemente crítica do espaço média. A crítica é algo que se verbaliza portanto e
que se discute, por isso mesmo a produção de textos é também muito maior numa exposição como
a da Dara para que o confronto com os públicos seja também mais... Sobretudo para que o
público não se sinta hostilizado. (MACS Director do Museu J. F., 2010)

A interpretação emoldura o processo de recção dos sujeitos aos modos de expressão,


aos valores e realidades exterior, edificada na memória. A interpretação é um processo
de construção de significados, que se apoia nas visitas guiadas:

J. F. focou alguns problemas de conservação de algumas obras que eram feitas de material
orgânico, como pão, chocolate e queijo, mas também, na dimensão da instalação. Algumas obras,
por requisito do artista, implicam determinados procedimentos de instalação, ou seja, a cada
exibição a obra assume novas formas, o que por si só é um desafio ao estatuto aurático do artista,
requerido por ele mesmo. (MACS - Diário de Terreno – 30 de junho 2010)

A experimentação dá lugar à criação, enquanto necessidade de expressão e de


comunicar é incentivada, particularmente, nas oficinas:

and galleries. Gallery education continues to develop in response to


changes in art practice, changes in audience needs, and changes in formal
and informal education. Many galleries and art museums around the
world now have gallery education departments, and gallery education
programmes organised and delivered by gallery education staff, working
with artist-educators, artists, teachers, professional partners and
community leaders” (engage, 2008, p. s/p).
312

Aproximar um bocadinho as pessoas de uma experiência mais… de uma experiência mais prática
e que leve a perceber de uma forma bastante intuitiva qual era o processo de trabalho do artista.
Como é que o artista trabalhava para chegar às obras que nós estamos a ver. Então vamos fazer
um pequeno exercício que trabalhe isso mas sempre de uma forma bastante lúdica, bastante…
Acho que é sempre interessante porque a maior parte das reações são sempre, ou um bocadinho
antes da atividade, aquela expetativa de “mas eu não sou capaz de fazer isso”, “calma, vamos
fazer o que o artista…”. Não é bem fazer o que o artista fez para chegar às obras mas é
experimentar o processo de uma forma mais leve mas que permite essa aproximação e permite
experimentar as próprias obras que se estão a ver de uma outra forma. Eu acho que é isso mais
interessante! (MACS Monitora do Serviço Educativo S.S., 2010)

O lazer é o espaço e o tempo do ócio da brincadeira, no qual as ambições didáticas são


refreadas e apenas se almeja a diversão, tal como nas propostas do Serralves em Festa
ou das Oficinas para Famílias, ao domingo:

Fui-me apercebendo que os adultos que acompanhavam as crianças assumiam a execução dos
projetos, pedindo unicamente às crianças que fizessem tarefas menores, como ir buscar os
materiais. Chegando mesmo a assumir o projeto por inteiro, tal como uma das monitoras me
confidenciou: “Tivemos aqui um pai, devia ser arquiteto ou engenheiro, que estava tão entretido
com a construção, que mandou a mulher e a filha embora. Disse: - eu quando acabar isto ligo-
vos, vão lá, vão lá”. (MACS - Diário de Terreno - 6 de junho)

Em síntese, estas quatro formas de conhecimento da arte constituem questões distintas,


que o MACS mobiliza na construção de uma programação educativa ampla.

3.3. O L U GA R DA E D U C AÇ Ã O

A especificidade da política educativa de Serralves prende-se com as características do lugar –


um Parque de 18 hectares, uma Casa de inspiração Deco, um Museu com projeto arquitetónico
assinado por Álvaro Siza –, da programação e da coleção – apresenta arte produzida desde os
anos 1960 até a atualidade, não dispondo de um núcleo exposto em permanência –, e a
consequente transversalidade na abordagem às temáticas da arte, da arquitetura e do ambiente.
(MACS Coordenadora do Serviço Educativo S V., 2010)

O Serviço Educativo do MACS tem, nesse sentido, por objetivo principal: “sensibilizar
e motivar os diferentes públicos para as temáticas da arte, da arquitetura, do ambiente e
da cidadania” (Serralves, 2012, p. s/p). Ou seja, pelas condições naturais do espaço de
313

Serralves, procura-se aprofundar a relação entre arte e natureza, contudo, observou-se


que esta relação é frágil – questão que mais à frente é alvo de atenção.

O lugar da educação trata do lugar dos serviços educativos, enquanto "instrumentos de


criação de espaços democráticos" (Barriga & Silva, 2007) e enquanto é “estrutura
organizacional”, provida de recursos humanos e materiais, que servem as exigências
pedagógicas do projeto museológico do MACS.

3.3.1. Espaços Democráticos

Entre outras categorias, o MACS é incluído, por Grande (2009), na designação de


Museu Paisagem, a mesma linha do Louisiana Museum of Modern Art (1958)64.
Tomando como ponto de partida a casa da propriedade, a construção de um museu
integrado, na paisagem, convida a uma viagem entre arte e natureza, ou melhor, entre o
programa museológico e a paisagem. Muito particularmente em Serralves, não se trata
de apagar uma identidade privada prévia, mas antes expandi-la, através do processo de
reabitar os seus espaços idílicos, agora por um público que o museu ambiciona cada vez
mais lato. Neste sentido, Serralves, antes espaço “privado-familiar-burguês”, faz-se
“coletivo-público-cultural”, ou melhor "instrumento de criação de espaços
democráticos".

O Parque de Serralves, além reforçar a relação entre arte e natureza, é particularmente


importante na atração de públicos, o que tem vindo a afirmar a complexidade de
Serralves, conferida pela historicidade dos seus espaços, profícua no desenvolvimento
de múltiplas práticas culturais, tal como pude observar num Domingo de manhã:

Fui andando de volta para o museu, sem deixar de reparar na quantidade de pessoas e de
crianças, algumas ainda bebés que se passeavam pela quinta e pelos jardins. Sentei-me na escada
da Casa que dá para o jardim central. Aí tinha uma posição que me permitia ver a alameda dos
liquidâmbares, a Casa e uma parte do jardim. O Mundo Científico estava com algumas crianças
nas escadas a desenhar o príncipe imaginário que viverá na Casa. Várias famílias passeavam-se
percorrendo desde a alameda até ao lago, outras deixavam as crianças ficar a brincar e
sentavam-se nos muros e escadas. Uma família espanhola entrou na Casa e mais tarde integrou
a visita guiada ao museu. (MACS - Diário de Terreno - 15 março de 2010)

64
Louisiana por alusão às esposas do proprietário, todas denominadas de
Louise, inaugura designação de Museu Paisagem.
314

Associado a inúmeras atividades de interpretação, que têm lugar nos espaços da


fundação, o Serralves em Festa65 tornou-se um dos principais eventos culturais da
cidade, assim como um importante “fazedor de números”, pela capacidade de atração de
milhares de pessoas.

Há as festas… para dar largar à imaginação e para criar alguma ligação ao parque (…) O
espaço já é tão bonito e isso também é trabalhar para públicos e muitas vezes criticam: “O que
querem é números! Os museus o que querem é gente, porque só assim justificam a sua
existência!” E trabalhasse para isso, o que não se pode é dar rebuçados! Tem que ser através de
trabalho e de propostas culturais e portanto isso já é educar públicos. Vir aqui já é educar
públicos. Agora é educar culturalmente públicos. (MACS Consultora do Serviço Educativo E. L.,
2010)

Neste sentido, a experiência estética que possibilita é potenciada, também, pela


convivialidade e passeio, a que o Parque convida. Tal representa uma extensão das
práticas culturais – estar com amigos, desfrutar da paisagem, estudar no café, namorar
nos jardins – como lembra Grande (2009, p. 58):

“Isto não impede que as exposições temporárias interajam com o espaço motivando experiências
programáticas que se estendem ainda ao auditório, à biblioteca e ao parque, estímulo, não só à
interdisciplinaridade, mas também à interatividade com os públicos “passeantes”.

Como argumentam Todolí & Fernandes (1999), a relação entre arte e natureza não é
conseguida, pelo simples fato de as obras de arte serem apresentadas no Parque. Estes
autores afirmam que o MACS procura que a experiência do parque enriqueça a
experimentação e a receção artística. Ou seja, reiteram a relação não-linerar entre arte e
natureza, que também se observa na organica do SE.

3.3.2. Estrutura Organizacional

Um outro lugar da educação é também o lugar organizacional do Serviço Educativo.


Como se pode observar na Ilustração 4, a coordenação do Serviço Educativo para as
Artes está na dependência da direção do Museu, enquanto a coordenação do Serviço
Educativo para o Ambiente se encontra na dependência da direção do Parque.

65
Este é um evento anual de 40 horas de duração, com um sem número de
propostas. Neste, o SE programa um conjunto de oficinas vocacionadas
para responder à grande afluência de público.
315

A equipa do SE é constituída por cerca 44 pessoas, 6 pessoas em permanência, 1


Consultora e 37 freelancers (este número é variável). Atente-se nos discursos do Diretor
do Museu e de uma das coordenadoras:

(…) na abertura do museu, mesmo na abertura achamos que seria insuficiente e abriram um
concurso para 2 coordenadores – as atuais – sendo unicamente auxiliadas por uma secretária.
Começaram com uma equipa pequena e ainda é uma equipa pequena. Somos um museu jovem.
(MACS Director do Museu J. F., 2010)

Somos só nós as duas. Face a nossa formação, eu fiquei responsável pelas artes e a E. ficou
responsável pelo ambiente. Temos mais 2 pessoas, mas unicamente são responsáveis pela
produção, logística, comunicação com as escolas, marcação de visitas, etc. (MACS Coordenadora
do Serviço Educativo S V., 2010)

Concelho de Administração

Direção Geral

Direção de Recursos e Direção de Marketing e Direção Administrativa


Direção do Museu Direção do Parque
Projetos Especiais Desenvolvimento Financeira e de Operações

Coordenação dos Serviços


Coordenação do Serviço Coordenação do Serviço Coordenação do Serviço
Fiscais, de Contabilidade e
Educativo Educativo Comercial
Administrativos

Coordenação do Serviço de
Coordenação do Serviço de
Manutenção, Segurança,
Artes Plásticas
Logítica e Obras

Coordenação do Serviço de
Artes Performativas

Coordenação do Serviço de
Edições

Ilustração 18 - Organogram a da Fundação de Serralves

Como Martinho (2011) salienta, o traço que se acentua é a “flexibilização gestionária” e


o recurso à externalização de serviços, neste caso de caráter educativo. Uma parte
significativa do trabalho educativo ligado ao ambiente foi externalizado, para uma
empresa:
316

No Intervalo fui falar com o Monitor que me disse que era o dono da empresa Mundo Cientifico,
empresa contratada por Serralves para as oficinas das ciências, parque, etc. Essencialmente
sublinhou que as oficinas eram baseadas nos curricula escolares. Atividades que tinham como
objetivo aprendizagem de conteúdos, em substituição da escola. Não receberam qualquer
orientação e que não têm qualquer ligação ao museu, com exceção do Projeto com Escolas –
como é o caso desta oficina. (MACS - Diário de Terreno - 2 de março de 2010)

Assim, a organização do trabalho educativo é caraterizada pela constituição de uma


equipa interna de pequena dimensão, com a prevalência de trabalho em regime de
prestação de serviços e de não-exclusividade. Contudo, tornou-se evidente a
necessidade de nela integrar profissionais com saberes especializados, contratando
jovens artistas e arquitetos/as, de modo a assegurar o seu funcionamento e garantir uma
atividade regular (Tabela 6).

Gosto muito de criar oficinas. Comecei em Serralves assim. Porque ali nas oficinas pões também
a criatividade como artista também pões no trabalho que fazes. Não quer dizer que seja o meu
trabalho artístico, transparece os meus interesses. Os meus interesses são partilhados na criação
da oficina. (MACS Monitora do Serviço Educativo C.M., 2010)

Tabela 6 - Form ação Académ ica dos/as Colaboradores/as do Museu de Arte Co ntemporânea de Serralves

Colaboradores/as Permanentes

Diretor do Museu Licenciatura em Literatura

Licenciatura em Comunicação Cultural; Mestrado em Processos Culturais


Coordenadora do SE
Contemporâneos

Colaboradores/as Externos

Consultora do SE Licenciatura em Belas Artes

Monitor S. M. Licenciatura em Escultura

Monitor C. C. Licenciatura em Belas Artes

Monitor S. S. Licenciatura em Escultura; Mestrado em Práticas Artísticas Contemporâneas

Monitor M. S. Licenciatura em Arquitetura

Monitora S. S. Licenciatura em Arquitetura

Monitor Z. M. Licenciatura em Belas Artes

Monitor C. M. Licenciatura em Belas Artes


317

Monitor J. M. Licenciatura em Belas Artes

Monitor R. S. Licenciatura em Arqueologia

Como se percebe, uma parte muito significativa da equipa do SE são colaboradores/as


externos/as, que desempenham funções de Monitores/as, ou seja, de educadores/as de
museus. Estes/as colaboradores/as são figuras fundamentais, na exposição pública do
museu, mas cujo reconhecimento, apesar de crescendo, ainda é parco:

Acho que por vezes somos marginalizados, quando, no fundo, somos muito frente de casa, não é?
Quando somos muito fachada e os números que tanto interessam, são muitas vezes fornecidos por
nós, não é? E dinamizados por nós. Isso perturba-me um bocado mas acho que não é uma luta
que leve muito… (MACS Monitora do Serviço Educativo M. S., 2010)

// Relação entre arte e educação

“Já vi que não vai dar irmos ali. O J.F. está muito stressado ainda e disse que ainda tinham
muitas decisões importantes para tomar e que a L. não poderia vir falar connosco. Eu sei que
quando eles estão a montar não gostam nada que andemos lá pelo meio, com as coisas no chão. É
melhor não irmos chatear”, dizia a Coordenadora do SE. Senti que pareceria que o SE, que são
as pessoas encarregues de mediar a relação entre a exposição e o público, estavam a incomodar
os “artistas“. (MACS - Diário de Terreno - 3 de março de 2010 )

Observa-se uma distância significativa, entre a colaboração estreita entre educação e


curadoria, no par curatorial da TL, e este modelo no MACS, no qual nem sequer é
facilitado o acesso do SE à exposição antes do público. A própria preparação dos
profissionais de educação – essencial ao sucesso do trabalho do MACS – é remetida
para dentro do próprio departamento. Este passa por uma preparação teórica, para a qual
o texto do comissário da exposição contribui, a Coordenadora do Serviço de Artes
Plásticas partilha o design da exposição e indica as obras que possivelmente estarão
expostas. Contudo, o SE só tem acesso à exposição, na conferência de imprensa. Existe
uma exterioridade absoluta, que coloca estes profissionais numa posição muito mais
frágil.

A título de exemplo, a conferência de Imprensa da exposição “Lourdes Castro e Manuel


Zimbro: À Luz da Sombra”, face à afluência que teve de Monitores/as do SE parece
318

Ilustração 19 – Co nferênc ia de Im prensa da Exposição Lourdes


Castro e Manuel Zim bro: À Luz da Som bra, 2010

assumir o caráter de preparação, para o trabalho de mediação, tal como se observa na


Ilustração 20.

Contudo, esta era uma visita para a imprensa e não uma atividade interna de formação.
Esta visita, face à afluência que teve de Monitores/as do SE parece uma preparação
destes para o seu trabalho. Contudo, esta era uma visita para o público em geral (e não
uma atividade interna de formação). As evidências da não-colaboração entre as
exposições e a educação são observáveis, acentuando-se o caráter secundário da
educação. Atente-se nos seguintes fragmentos de entrevistas:

Eu não tenho relação com o Serviço de Exposições. Gostava de ter mais. Saber, por exemplo,
porque é que a exposição foi montada de tal forma porque a montagem, a disposição, a forma de
apresentação é muito importante. Nós muitas vezes não conhecemos os critérios. Isso facilita-me
a escolha de um percurso. Por exemplo, na Dara Birbaum não há sítios para falar (…) Porque
não pensam nos grupos, na exposição da coleção os grupos não conseguiam passar no meio e os
vigilantes finalmente acabaram por deixar os grupos afastados e as pessoas tinham que ver a
obra a 6m de distância. Mas também não se pode pensar uma exposição em função dos grupos.
(MACS Monitora do Serviço Educativo C.M., 2010)
319

Quer dizer, uma exposição não é pensada com intuitos pedagógicos ou educativos, sinceramente
não é. Nós procurámos, partimos sempre dessa situação de trabalho com o artista em que
procuramos que o artista trabalhe como deseja. E dar ao artista uma grande liberdade de
trabalho dentro de um museu é bastante importante para que o artista possa encontrar um
momento único de trabalho para a apresentação da sua obra. Portanto depois virão, virá o
contacto com o Serviço Educativo, seus Monitores, seus orientadores, com a exposição. Mas à
partida portanto não há… (MACS Director do Museu J. F., 2010)

Como uma das monitoras do SE refere, ocultar o discurso curatorial parece não se
aplicar apenas aos públicos, como também aos próprios colaboradores do SE. Este
desconhecimento não parece enriquecer o trabalho educativo e de mediação. O Diretor
do Museu, por sua vez, reafirma que a prioridade é o trabalho original do artista e
facilitar a comunicação desse trabalho é pensado a posteriori. A exposição prevalece e
antecede todo o trabalho, que o Serviço Educativo venha a fazer sobre ela.

// Para terminar

Não é possível ignorar as características arquitetónicas únicas de Serralves como


convidativas a usos múltiplos – conviviais, experimentação ou fruição estética.
Serralves pode assim cumprir múltiplas funções, como um centro de arte, um lugar de
encontro aprazível, diferenciando-se da ideologia modernista do cubo branco.

Este projeto cultural tem levantado várias tensões e equilíbrios delicados. Se,
originalmente, emerge de uma casa burguesa privada, o seu valor de património
motivou a sua aquisição pelo Estado Português – incentivado pela sociedade local e pela
cidade. O contexto político e económico dos anos 1980 tornou possível e apetecível a
partilha da gestão cultural a privados, tais como empresas. Neste sentido, o "privado"
assume o cuidado do que é "público". Provavelmente, uma das contribuições mais
importantes do MACS tem sido a possibilidade de reflexão, sobre o "público" através
do "privado".

O SE no cumprimento da sua função de formação de públicos para a arte


contemporânea, sem cair na tentação de explicar a obra de arte, trabalha para
descodificar as mensagens contidas nos discursos expositivos e promover acções de
animação que permitam aos públicos atingir facilmente os objetivos "educacionais" da
exposição. Por sua vez, a programação educativa debate-se entre o cumprimento destes
pressupostos e a construção de uma programação educativa ampla fomentadora de
320

diferentes formas de conhecimento da arte. Neste sentido, face a esta secundarização, o


SE autonomizou a sua própria programação:

nem sempre os programas são direcionados só para as exposições. Para as exposições temos as
visitas guiadas com ou sem oficina, começa logo por aí (…) E depois elas são conforme as idades
e assim se estudam diferentes maneiras de fazer a visita, depois temos os programas de férias,
podem não ter nada a ver com as exposições. São oficinas que se pretendem que sejam
estimulantes para desenvolver a criatividade. São estímulos à criatividade… é muito difícil
pensar uma oficina. É muito na compreensão da expressão contemporânea, da expressão… ou
seja, é muito a valorização do diferente. Aproveitar até certo ponto aquilo que pela escola é
considerado negativo e aqui pegar nisso noutra visão, mostrando o positivo. (MACS Consultora
do Serviço Educativo E. L., 2010)

FUNÇÃO INTERPRETATIVA INTEGRAL / AÇÃO EDUCATIVA PONTUAL/


SERVIÇO EDUCATIVO

Apesar de se afirmar que o “boom” educativo acompanha a emergência dos museus de


arte contemporânea, nos anos 1980, a dimensão educativa do museu nasce com o
próprio museu. Tal não significa que os seus contornos não sejam mutáveis. Estes
parecem ter acompanhado as transformações socias, particularmente a viragem cultural.
Neste sentido e nesta pesquisa, constata-se que a educação em museus não é um
discurso monolítico e pode ser organizada no que se denominou de teorias sobre a
educação nos museus de arte contemporânea. Nestas visibiliza-se os diferentes
discursos que lhe apontam múltiplos “efeitos secundários”, desde a experiência estética
e incentivo à cidadania, passando pela formação para o mercado de trabalhadores
criativos, pelo apoio à educação escolar, a mediação cultural até formação de públicos.
Nestes discursos percebe-se, que, apesar das suas particularidades, existe um tom
comum. Estas anunciam a educação na/pela/com a arte como um bem que deve ser
comum. Tornar a arte mais pública, através de um aparato educativo que a faz circular
da esfera privada do atelier do artista para o domínio público – no museu ou na rua –, é
um objetivo comum. Daí que, as galerias de arte contemporânea possam ser ponto de
encontro de vários sujeitos – públicos, curadores/as, educadores/as – e, como tal,
lugares privilegiados de diálogos implícitos ou explícitos.
321

A compreensão dos três departamentos educativos não dispensou a análise das


instituições que os integram. Isto porque a dimensão educativa de uma instituição
cultural não se fecha num só departamento, quando existe. Exemplo disso, é o uso da
exposição de artistas consagrados como mote para a apresentação de artistas menos
conhecidos. Tal como se argumentou, este estudo revela que o trabalho educativo dos
museus na contemporaneidade está presente em toda a organização, revelando que esse
trabalho vai além da mediação entre obras e públicos. Contudo, os três casos em análise
reconhecem que a formação de públicos é ainda a sua principal preocupação educativa:

"If the Tate comes to Liverpool we know that we have to find a new audience" (Bowness, 1981,
em McKaine, 2008, p. 8)

I mean contemporary art institution have to explain any like pedagogical, educational activities.
There’s also different opinions – sometimes some institutions they do what they don’t suppose to
do, we do what we have to do, because otherwise we’ll diminish. (…) (CAC Director K. K., 2009)

Mas nós sabíamos que não sobreviveríamos se não tivéssemos um público para a arte
contemporânea. (MACS Director do Museu J. F., 2010)

Assim, afirmar-se o trabalho do SE do MACS como “semiestruturado”, à semelhança


da semiperiferia do país e da cidade, visibiliza o espartilho teórico imposto aos critérios
de selecção dos casos. A opção inicial de usar a matriz teórica de sistema mundo de
Wallerstein (1974) como orientadora da investigação, veio a ser desafiante nos modos
compreensivos, revelando como o MACS “não é tão estruturado como a Tate e nem tão
desestruturado como o CAC”. Apesar desta conclusão antecipada aparecer como um
potencial obstáculo à heuristicidade interpretativa da etnografia, esta pode ser lida como
iluminadora de novas leituras.

A educação em museus existe numa tensão entre o binómio artístico/escolar. Isto é, a


educação durante séculos foi sinónimo de escola, assim como o museu foi sinónimo de
arte, logo a educação em museus existem entre a educação escolar e a arte. Um
departamento educativo que se aproxima das lógicas escolares, afasta-se das lógicas
artísticas e expositivas; um departamento mais próximo das lógicas artísticas, afasta-se
das lógicas escolares. Se os 3 “museus” apelam à necessidade de construir um público
para a contemporaneidade, como condição de sobrevivência institucional, perspetiva-se
uma possibilidade de interpretação da Tate Liverpool como assumindo uma função
322

interpretativa integral; por sua vez, o Šiuolaikinio Meno Centras como oferecendo uma
ação educativa pontual; por fim, o Museu de Arte Contemporânea de Serralves como
um serviço educativo que implica a conjugação particular (entre “educação pela arte” e
a gallery education) dos objetivos educativos enunciados.

Neste sentido, o Learning Department da Tate Liverpool parece distanciar-se de ambas


as lógicas de forma equitativa, afirmando-se como o ideal-tipo de departamento
educativo estruturado por lógicas não-escolares e não-artísticas. A TL ao assumir uma
função interpretativa integral procura estruturar respostas educativas para todos os tipos
de públicos; privilegia o trabalho tanto com as comunidades envolventes como com as
universidades; desenvolve uma metodologia de facilitação da relação com a obra de
arte; tem uma equipa de curadoras educativas que coordena programas particularmente
pensados para segmentos de públicos, levados à prática por artistas-educadores; e, por
fim, integra a equipa que programa exposições, mas abandonou a estratégia do par
curatorial. Como tal, afirma-se como “laboratório de prática pedagógica” que procura
uma metodologia interativa e focada na discussão de atividades. Este departamento
educativo, não ignora a escola, colabora com esta, mas não se deixa colonizar, tal como
se aproxima das lógicas artísticas sem as integrar efetivamente. Este departamento pode
ser definido como de desenvolvimento educativo não-escolar. Apesar da abordagem
predominantemente heurística da aprendizagem, a TL continua, contudo, a enfrentar o
desafio de se fazer uma galeria local para Liverpool.

No caso do CAC, o Palácio de Exposições tinha um público assíduo, com práticas


culturais rotineiras, cujas expectativas foram goradas no processo de transição para
Galeria de Arte Contemporânea. Neste sentido, esta instituição pós-soviética, no
processo de formação de públicos, enfrenta a complexa tarefa de seduzir um público
assíduo. Contraditoriamente, a ação educativa pontual do CAC, legitimada na aceitação
internacional, como apoio para um distanciamento do modelo anterior, parece ter-se
constituído de um modo fechado, um novo público jovem intelectualizado, não
facilitando a interpretação de público não-regular e não-especialista, enfrentando o
desafio da educação das gerações mais jovens que habitam o campo artístico local.

O CAC é percebido como desestruturado, sem departamento educativo autónomo. Esta


galeria entrega a organização do seu discurso pedagógico ao capricho das obras que
expõe ou das propostas dos/as suas/seus curadores, o que o aproxima das próprias
práticas artísticas e o distancia totalmente, da lógica de educação formal. Como em
323

qualquer ensaio de tipologia as exceções são obrigatórias. Verificou-se que o CAC, em


alguns momentos como nas CAC Café Talks (seminários), se aproxima de um modelo
escolar expositivo. De fato, contrariamente ao que seria de esperar, as três galerias
tendem a oferecer propostas educativas para públicos adultos que replicam o modelo da
educação formal, com exceção da avaliação. À parte do público, catalogado como
académico (professores, investigadores, estudantes universitários), os públicos adultos
são tendencialmente mais desfasados das lógicas escolares. Contudo, as propostas
educativas que lhes são feitas, no museu, são pobres em diversidade metodológica.
Estruturam-se em torno de cursos, seminários e visitas guiadas, salvo algumas exceções,
onde é esperado que os públicos ouçam e incorporem conhecimentos que especialistas
transmitem.

O MACS enfrenta as débeis práticas culturais públicas dos/as portugueses/as (Lopes J.


T., 2001), a acrescentar ao fato do museu conter tensões físicas e programáticas. Melhor
dizendo, o MACS assume-se como lugar privilegiado para a leitura e aprendizagens
cruzadas entre Arquitetura, Paisagem e Arte, assim como, cruza diferentes práticas
culturais, muitas vezes, incorporando as suas características, numa dimensão lúdica.
Contudo, parece teimosamente permanecer moderno, enquanto produtor de um discurso
cultural legitimado, que balanceia esta posição, acantonando a prestação de um serviço
educativo num lugar organizacional e programático subalterno. Estas tensões estendem-
se, de igual modo, ao interior do próprio SE, atravessado por influências duais, vive a
tensão entre fazer do museu uma academia, enquanto este parece querer deter-se como
repositório. Já o Serviço Educativo do MACS afirma-se na sua semiestruturação,
próximo das lógicas escolares activas. Seja na sua fundamentação seja na sua
operacionalização, este departamento educativo aparece, por momentos, como
subsidiário das aprendizagens escolares, veículo para pedagogias interdisciplinares e
sucesso académico, assim como muita da sua programação se dirige aos públicos
escolares, na cadência do ano letivo. Ao mesmo tempo este departamento educativo
articula-se com a missão política de extensão geográfica, social e cultural de Serralves,
observando-se na sua programação uma preocupação central com a experiência no
museu. Tal preocupação sobressai na organização de propostas que potenciam uma
experiência estética positiva e criativa que potencie o desenvolvimento individual e a
formação integral do/a indivíduo. Esta é, também, estendida à programação do museu
que, por sua vez, argumenta a importância do questionamento, da reflexão, da fruição
324

individual, negando a explicação da obra de arte e negando a normatividade académica,


seja, no sentido escolar, seja no sentido, das leituras propostas pela História da Arte.
Assim, a educação cultural proposta pelo MACS afirma-se entre a experiência estética e
o incentivo à cidadania, na qual a arte tem uma função recreativa, de desenvolvimento
pessoal e socializante, privilegiando a expressão, a espontaneidade, a criação, formar a
sensibilidade estética, o gosto numa cumulatividade e ecletismo culturais que se observa
nos múltiplos usos que Serralves potencia e possibilita. Quando a programação
educativa se dirige a públicos adultos, tende a assumir métodos pro-escolares, de tipo
expositivos, cursos, seminários e ciclos de conferências. Seguramente afastado da
decisão curatorial, o SE organiza a sua programação educativa, quando relacionada com
as exposições, em reação às mesmas e não com estas. A pequena equipa educativa, com
apenas uma coordenadora responsável pelas artes, contribuiu para esta classificação.
Este caso é um serviço educativo, no sentido literal, prestado pelo museu.
325

Capítulo V. Pedagogias Museológicas: Partilhadas e


Específicas

INTRODUÇÃO

“E se as desigualdades diante do museu são ainda mais brutais do que as desigualdades diante da
Escola é porque a influência do privilégio cultural nunca é tão grande a não ser no domínio da cultura
"livre", ou seja, a menos escolar" (Bourdieu & Bardel, [1969] 2007, p. 109)

Considerando esta ideia de Bourdieu & Bardel (ibidem) de que é nos espaços “livres”
que as desigualdades são mais latentes, parece importante questionar se a educação nos
museus de arte contemporânea é uma alternativa educativa, particularmente na
amplificação e construção de aprendizagens. Em que modalidades pedagógicas a
educativas nos museus de arte contemporânea estruturam as suas práticas?

Em particular, no contexto contemporâneo, as obras de arte existem para serem


interpretadas como objetos inteligíveis e sensíveis. Mas como é que se criam espaços
interpretativos?

Na verdade, desde que a educação museal é uma profissão, com seus próprios
programas de formação, organizações profissionais e definição de funções do museu, o
trabalho educativo deste expandiu-se exponencialmente. Diversifcaram-se os tipo de
atividades e especificaram-se públicos-alvo, como se de nichos de mercado se
tratassem. Multiplicidade e flexibilidade são princípios fundamentais da programação
educativa e parecem integrar uma estratégia de adaptação ao contexto contemporâneo
em mudança permanente.

O alargamento da estratégia, missão e objetivos das instituições culturais motiva a


exigência de novas competências ao museu e, principalmente, os espaços de arte
contemporânea que ambicionam ser mais do que espaços expositivos. Apoiados em
326

pressupostos de interpretação, são um meio de autoconstrução de significados e de


descoberta de novas formas de compreensão da realidade. Estes espaços aparecem, hoje,
como lugares privilegiados para formação cultural do/a cidadão/ã.

Contudo, o museu de arte contemporânea que se afirma interessado em alargar os seus


públicos, aberto e democrático, continua a acantonar o cuidado com os públicos num
único departamento. Esse cuidado com os públicos tem significado a educação destes,
ou melhor a mediação entre estes e as obras de arte. Nesta perspetiva, o museu continua
como agente legitimador da cultura cultivada, moderno e fechado ao reconhecimento de
outras formas culturais como válidas. A arte contemporânea, cumprindo a sua função de
desafio institucional tem-se aproximado da produção de produtos culturais não
museoficados como são disso exemplo os projetos artísticos, junto de múltiplas
comunidades. Estéticos, artísticos ou educativos estes produtos da cultura
contemporânea, para serem parte integrante do museu, este terá que, mais uma vez, se
transformar internamente. Como Santos (2008, p. 80) refere:

Os museus conhecem mudanças de apresentação e programação, traduzidas na centralidade das


exposições – em número e rotatividade, em diversidade de conteúdos (inovação), em objetivos de
espetacularidade e capital de atracão. Por outro lado, as estratégias expositivas contemporâneas
procuram crescentemente a integração, não apenas em circuitos de itinerância reticular de âmbito
nacional e internacional, como também a associação a critérios de programação cultural mais ampla,
em seu redor e a seu propósito (conferências e colóquios; artes performativas e cinemáticas; ciência,
tecnologia e investigação; animação cultural; intervenção social e comunitária...).

Neste sentido, este capítulo concentra-se na análise das práticas educativas culturais
específicas e partilhadas nas três galerias de arte contemporânea em estudo nesta
dissertação: Tate Liverpool, Šiuolaikinio Meno Centras e Museu de Arte
Contemporânea de Serralves.

Assim, num primeiro ponto, caracterizam-se tipos de atividades mobilizadas nas três
galerias, considerando a natureza das suas próprias atividades, a segmentação dos
públicos e as metodologias mobilizadas. Num segundo ponto, discute-se um projeto
educativo particular de cada uma das galerias de arte. Foram seleccionados de modo a
analisar com detalhe dimensões e modos educativos que de alguma forma singularizam
cada museu e permitem genericamente pensar a atividade destes: O Young Tate da Tate
Liverpool; o COOP do CAC de Vilnius; e o Projeto com Escolas do MACS do Porto.
327

1. P RÁTICAS M USEOLÓGICAS P ARTILHADAS

// Tipos de públicos e de atividades educativas em museus de arte contemporânea

Agora há muito isso… é tudo públicos, é os deficientes, é a 3ª idade… cegos, surdos, mudos,
quer dizer… emigrantes, é com todos, eu acho bem, mas… ou melhor eu nem acho bem, nem
acho mal, nós trabalhos para públicos… (MACS Consultora do Serviço Educativo E. L., 2010)

Os públicos têm vindo a assumir, nos últimos anos, um lugar inegável nos museus. Com
efeito, na modernidade iluminista as pessoas passaram a ser vistas e alojadas em
categorias, deixando a massa uniforme ou a simples possibilidade de dispor de livre
escolha. Na verdade, já Claus Offe (1989), na obra capitalismo desorganizado, falava
deste trabalho da modernidade, especificamente do lugar do aparelho de Estado, na
função legitimadora capitalista (além da de acumulação). Argumenta que, no
cumprimento dessa função, compete ao Estado “encaixar” e acantonar a “reserva da
força de trabalho” em categorias e colocá-las sob controlo em instituições, quando se
encontram fora da força ativa de trabalho. Estas instituições externas, como as prisões
para delinquentes; a casa para crianças e mulheres; a escola para os/as jovens; o hospital
para os/as doentes; as instituições de formação para desempregados/as; os lares para
idosos/as, etc. Por sua vez, as pessoas são força de trabalho ativa, inseridas no mercado
de trabalho, são colocadas na categoria de trabalhadoras, em instituições internas
próprias do sistema produtivo capitalista (trabalho, fábrica, etc.). As instituições
externas cumpririam a função de controlo e de preparação da passagem a atividade, ou a
de receção da inatividade ficando à espera de atividade ou regresso, se for necessário ao
sistema

Na verdade, também no campo cultural, hoje tornado indústria e mercado, as categorias


sociais da modernidade parecem ter alguma utilidade para perspetivar a arrumação e a
necessidade de constituir e alargar os públicos, de um modo aparentemente
democrático, mas sem deixar muita margem de liberdade dos/as cidadãos/ãs.

Ora, a construção do conceito de públicos parece conter muitas das categorias da


modernidade e obedecer a lógicas relacionadas com as estruturas de diferença – etárias,
classe social, género, etnia, religião, handicap, etc. – público doentes de hospitais,
328

público escolar, público de pessoas reclusas, público de 3ª idade e público do 3º sector,


etc.

Com efeito, esta distinção categorial é afirmada pela Consultora do SE do MACS, com
o objetivo aparente de escapar à visão simplista da massa homogénea, sendo nesta
constituídas as comunidades educativas. Nesta lógica de divisão dos públicos surgem
programas específicos para atrair potenciais públicos, mas também para animar os já
conquistados. As distinções mais comuns são entre faixas etárias:

- Crianças, para as quais se organizam atividades, quando vão ao museu, enquanto


grupo escolar e acompanhados por professores; quando são público e vão ao museu,
enquanto público filhos/as, acompanhadas dos pais. Neste museu tende a oferecer-se
atividades mais lúdicas. As crianças ou são percebidas como alunos/as, ou como
filhos/as – parte integrante de instituições e não por si enquanto pessoas.

- Jovens e adultos continuam a ser, possivelmente, público escolar, dependendo do


enquadramento da visita ao museu. A formação destes grupos é percebida mais numa
perspetiva não-escolar, mas menos formal.

Contudo, a divisão dos públicos por faixas etárias pode ser uma visão redutora e
apoiada no “guarda-chuva” teórico do paradigma iluminista e construtivista. As
intuições culturais fragmentam ainda mais os seus públicos, a partir das capacidades e
interesses. Não se verifica uma frequente análise das práticas culturais e das motivações
e culturas dos/as visitantes. Neste sentido, incorpora-se um público cada vez mais
heterogéneo, fruto da crescente multiculturalização da sociedade contemporânea.
Emergem “nichos” como:

- Comunidades, para as quais são estruturados projetos que tendem a estender-se


no tempo e para fora dos muros institucionais culturais; Comunidades que, num cenário
menos neo-marxista do que o de Off, assumem um sentido mais emancipatório, ao
serem focados grupos ou espaços com alguma “possibilidade de acrescentar mundos aos
mundos da vida” (Lopes, 2007).

- Grupos com Necessidades Educativas Especiais, para quem o museu tende a


compor uma oferta específica e adaptada às suas supostas especificidades. Estas podem
ser projetos de longo curso, visitas orientadas ou oficinas;
329

- Público Académico; como se trata de um público muito escolarizado, replicam-


se as estratégias da academia - seminários, debates, conferências com peritos e, mesmo
projetos de investigação, em parceria com as universidades.

Neste sentido, as possíveis vivências do museu são múltiplas, aproximando-se de uma


lógica de centro cultural e de pós-museu.

Em Portugal, Gomes & Lourenço (2009), considerando os resultados de um inquérito


realizado pelo Observatório das Atividades Culturais, junto de 600 equipamentos
culturais, em 2006-2007, destacam que as suas atividades pedagógicas, entre outros
aspetos, são predominantemente dirigidas a escolas. Mas, ainda assim, afirmam a
tendência para a diversificação, quer do tipo de atividades promovidas, quer dos tipos
de públicos-alvo. Estes autores notam que a eleição da escola, como fonte principal de
públicos do museu, se deve a dois fatores: visibilidade dos departamentos educativos,
introdução de novos curricula nas escolas, e alargamento da escolaridade.

O lugar educativo assume cada vez mais uma interface de comunicação com públicos,
enquanto terreno para a mediação, diálogo e encontro, o que faz dos espaços culturais
cenários de aprendizagem não-escolar.

Nesse sentido, a programação educativa dos museus parece considerar esta tendência
para se adaptar a uma sociedade em mudança e responder às supostas necessidades
educativas da população, que utiliza os serviços de museu.

"Públicos são comunidades de estranhos, efémeras e contingentes, que se formam pela convocatória
de um discurso e pela apropriação reflexiva de sentido. Comunidades que, no entanto, apesar de
pouco cristalizadas, assentam na possibilidade de acrescentar mundos aos mundos da vida. Públicos
são os espaços de livre acesso, nós de articulação das cidades fragmentadas, onde não existe, de
antemão, um percurso predefinido, uma realidade preexistente ou um sentido único. Lugares onde
vemos e somos vistos, estranhos que somos, nos no lugar do Outro, o estranho do estranho" (Lopes.,
2007, p. 5)

Caracterização dos tipos de atividades das três galerias, em estudo, pode levantar um
conjunto de questões, quanto à natureza das próprias atividades, ao envolvimento do
público, à evolução temporal, aos públicos visados e às metodologias mobilizadas.

No que diz respeito à relação entre os públicos e os tipos de atividades, distinguem-se


dois grupos principais: o primeiro abrangendo atividades dirigidas a crianças, jovens e a
grupos escolares – Programas para os públicos educativos; e o segundo incidindo sobre
as atividades dirigidas a adultos – “Programas para os públicos das exposições.
330

Neste sentido, neste primeiro ponto, consideram-se estes dois grupos principais e vão
ser analisadas as atividades tendo em conta as categorias de trabalho educativo
adaptadas de Wetterlund & Sayre (2003) e os diferentes tipos de públicos. Assim, para
focalizar as atividades educativas do museu, a pesquisa desenvolvida por estes autores
mostrou que os museus organizam mais de 45 tipos de atividades educativas diferentes -
desde aulas, visitas guiadas a grupos escolares, festivais… até projetos online. Estas
múltiplas responsabilidades foram reunidas por Wetterlund & Sayre (2003) em
categorias de trabalho educativo do museu. Ora, a presente pesquisa monstra-se
relevante para replicar nesta análise, particularmente aproveitando essa categorização,
pelo que se procura aplicar e desafiar esse modelo, de modo a pensar a oferta educativa
nos três estudos de caso. Assim, são referidas as seguintes categorias de acções:

 Programas para públicos educativos;

 Programas para públicos das exposições;

 Várias modalidades de atividades: visitas, propostas interpretativas e artísticas;

 Desenvolvimento educativo: edição de materiais pedagógicos;

 Atividades de extensão: comunidades.

1.1. P R OGR A M A S P A R A OS P Ú B LI C OS E D UC A T IV OS

// Escolas e professores

Os programas para os públicos educativos promovidos pelos museus visam públicos


com várias faixas etárias, mas tendem a privilegiar públicos escolares. Oferecem
propostas educativas, de acordo com os níveis de desenvolvimento, em consonância
com os ciclos escolares – adota-se a lógica escolar.

Com os mais novos obviamente, quando falamos de uma visita comum, grupo com crianças entre
os três e os cinco anos, é a parte que privilegia essa dimensão mais sensorial se calhar estivemos
a falar de um grupo de secundário ou se estivermos a falar de um grupo de belas artes as
expectativa relativamente à visita experiência no museu já é outra, mas eu diria que se tem que ter
sempre estes dois aspetos (MACS Coordenadora do Serviço Educativo S V., 2010)
331

De igual modo, parecem incorporar modalidades educativas escolares, mesmo com


estudantes do ensino superior, como no seguinte excerto da única oficina que foi
observada no CAC:

O workshop teve lugar no espaço da galeria, ao pé das obras dos artistas filipinos. Estavam
dispostas cadeiras em círculo e um quadro que usualmente suporta papel, mas que não tinha
papel. O casal falou do seu trabalho anterior e do facto das suas obras integrarem sempre, de
alguma forma, o contributo das pessoas que residem nos locais onde as obras são expostas. Por
isso, é que convidavam os alunos a contribuir para dar uma dimensão local as obras.
Simon foi intervindo, contextualizando geopolíticamente a produção das obras citadas. Imprimiu
um artigo que na sua opinião seria interessante para interpretação da dimensão pós-colonial que
quis dar ao Code Share. Durante bastante tempo falaram sobre o colonialismo espanhol e do
americano (…) mas nada foi feito além da conversa com os artistas. (CAC - Diário de Terreno -
05 de Marco de 2009)

Os grupos escolares têm forte presença nos museus, sendo uma prioridade dos serviços
educativos (Barriga & Silva, 2007). Esta articulação entre museu-escola parece
favorecer a perceção das visitas, enquanto recurso para a aprendizagem escolar.
Contudo, nem sempre esta é percebida como parte integrante do currículo, perdendo-se,
nesse sentido, o encadeamento entre a aprendizagem no museu com a aprendizagem na
sala de aula.

Na TL, o programa de atividades para escolas é elaborado em conjunto com o programa


para os professores. Neste sentido, os professores são percebidos como um público
adulto, enquanto categoria profissional. Esta galeria parece privilegiar o trabalho
educativo nos espaços expositivos, em contato direto com as obras de arte e, quando
possível, com os/as artistas:

They can either come with their teachers, just on a self-led visit, so teachers can book them in,
bring them in, and do what they like with them in the gallery. And we try and provide resources
online, like those educators packs that you’ve probably seen, so that teachers can do a little bit of
research into what they’re bringing them to. They’ve got some ideas for activities they can do in
the gallery and also some ideas for activities they can do in the classroom because what we want
is for school children to have kind of a whole experience. So we don’t want them just coming to the
gallery, having a look round and then never thinking about it again, what we want is for them to
then go back to school and be talking about it, making things in response to it, if possible relating
it to other things that they’re doing. (TL Information Assistant Supersior D. B., 2008)
332

Ao buscar no museu as mesmas experiências que a escola já oferece, perde-se a


oportunidade de aproveitar o momento da visita e o contacto com a obra de arte. Assim,
as situações de visita, que ultrapassam as fronteiras do trabalho na escola, dão lugar a
colaboração entre as escolas e os museus num sentido mais cooperativo. O esperado das
visitas orientadas, pelos serviços educativos dos museus, parece ser o contributo para a
formação de públicos adultos autónomos.

A oferta de oficinas (MACS) ou workshops (TL) é muito extensa, sendo uma das
atividades que envolve diretamente os/as participantes. É a que mais procura tem, por
parte de grupos escolares organizados. Analisam-se de seguida alguns aspetos presentes
nas oficinas destas duas instituições.

S: reparaste como eles ficavam à toa, não sabiam o que fazer. Porque as educadoras dizem está
mal e depois dizem o que é preciso para ficar bem e assim eles não precisam de pensar. Fazem o
que a educadora lhes diz. Aqui eles tinham que pensar por eles e ser criativos. Reparaste, nem
sabia bem o que fazer, porque não tinham aquelas categorias da educadora a dizer está bem, está
mal. (MACS - Diário de Terreno-17 de fevereiro de 2010)

De fato, foi notório o esforço feito pelo Monitor para desconstruir ideias pré-feitas sobre
o que é bonito, ou o que é bem feito. Logo pelo “quebra-gelo”, quando iniciou a oficina,
no qual se deita no chão descalço e rodopia com as crianças, aí há o desconstruir dos
limites, das barreiras moldadas pela escola. Por conseguinte, seja pela forma (método),
seja pelo conteúdo (atividades em si), esteve muito presente e observável a
intencionalidade em definir os limites do museu, como diferentes dos da escola. No
museu, é possível dançar no chão, desenhar na parede ao som de música e ir para fora
da sala escolher sons.

Esta proposta contraria, de igual modo, o imperialismo cultural da visão, em relação


com as artes plásticas, assim como os processos de constrangimento e controlo do
corpo, dentro dos parâmetros considerados “espaço de contemplação” (conduta de
civilidade num espaço cultural).
333

Ilustração 20 - Uso do espaço do m useu num a visita -oficina, 2 d e fevereiro de 2010

As visitas-oficinas são, também, profícuas nestas propostas. Na Ilustração 21, é possível


observar uma atividade educativa que, partindo do conceito de enquadramento na
fotografia, propunha às crianças desenhar o que estaria em sua volta, o que foi
enquadrado numa determinada fotografia. Este convite ao desenho conduziu ao uso do
espaço de forma incomum, num espaço museológico. Observam-se folhas e lápis de cor
pelo chão, assim como se percebe que as crianças adotam posturas que consideram mais
confortáveis para desenhar, desprendendo-se do imperativo do olhar e da posição
vertical do corpo no espaço semipúblico. Questões que não deixam de despertar algum
desconforto no museu, como se descreve na seguinte nota:

A C. deu-lhes uma folha A3 com uma cópia de uma fotografia do Augusto Alves da Silva e tinham
que desenhar o contexto daquela imagem, o que estaria à volta. Entretanto alguns rebolavam pela
sala, ou simulavam que estavam a nadar. Os professores sereníssimos com aquela confusão. Os
seguranças com os olhos colados naquele canto. A C. lá ia pedindo que estivessem quietos, mas
com muita dificuldade em se fazer ouvir. (MACS - Diário de Terreno- 2 de fevereiro de 2010)

A fim de analisar as novas práticas educativas que fomentam uma relação ativa com a
obra de arte, emergem através de múltiplas propostas, os conceitos de aprender-fazendo
(hands-on); fazer-pensando (minds-on); pensar-envolvendo-se (hearts-on) (Hein, [1998]
2000). Estes dão ênfase à experimentação, à interação com os objetos artísticos, assim
334

como os desafios cognitivos e emocionais. É o que refere a Consultora educativa do


MACS:

desta ideia de fazer como que eles pensem e façam. Desta ideia de fazer com que eles sintam que
tem muita coisa dentro daquelas cabecinhas, todas as suas experiências. (MACS Consultora do
Serviço Educativo E. L., 2010)

Neste sentido, o desenho das oficinas tende a incorporar atividades e projetos que se
constituam desafios e que implicam uma participação direta dos sujeitos na sua
resolução.

Relativamente à capa, Dan sugeriu que se colasse a lista com os nomes por ordem alfabética ou o
menu do almoço. A. tinha feito uma espécie de lista do que cada um queria comer e encomendou
essa comida. Alguns jovens sugeriram que se escrevesse a data como título e que Dan fizesse um
desenho na capa.
Dan – “Why?”
Jovens – “Because we want.”
Dan desenhou num canto e passou a capa a quem estava ao lado dele e pediu que também fizesse
um desenho e assim sucessivamente. Todos desenharam qualquer coisa na capa e uma das jovens
escreveu a data como título. Comentou: “This is a collaborative work. If we sell this for Tate who
gets the money?”
Os assuntos foram fluindo e surgindo de uma forma desintegrada mas muito variados, para os
quais Dan trazia as suas experiências não só artísticas, mas também de vida. Para mim, foi claro
que ambas não se dissociavam, nomeadamente o facto de ter crescido num pais do ex bloco
soviético. (TL - Diário de Terreno - 02 de dezembro de 200)

Questiona-se, contudo, se o trabalho educativo do museu, por ser não-escolar é não


formal. Por um lado, o carácter obrigatório das sessões, que alguns vêem como aulas, o
ambiente que tem que ser disciplinado, para que se consigam resultados, resultados
estes que têm que ser expostos, principalmente, para os pais. Ou seja, a avaliação apesar
de implícita, está presente. Este é um tempo de aprendizagem e diversão. Contudo, por
vezes, alguma menor flexibilidade parece deitar por terra a ideia do museu, enquanto
espaço não-formal. Por outro lado, as dimensões da criatividade, autonomia, autoria e
motivação são sublinhados, sendo dito o que vão fazer, mas não como fazer, nem como
tem que ser o resultado final. Inclusive desenvolvem-se momentos de solidariedade nos
quais algumas crianças vão ajudar outras a terminar os trabalhos, ou mesmo são
incentivadas a fazer propostas em coautoria:
335

S: porque é que tu estás a fazer o trabalho da tua colega?


C: mas é o meu também.
S: Ahh… mas é em coautoria? Oh F. aceitaste fazer o trabalho com o J. M.? Ok, pronto, parece-
me bem. (MACS - Diário de Terreno - 08 de abril de 2010)

// Crianças e famílias

Mais recentemente, começaram a surgir propostas dirigidas especificamente a grupos


familiares e a destinatários de diferentes gerações, num sentido amplo de família,
tentando, neste sentido, chegar à população sénior, incentivando-as a fazer de avós, ou
ao público adulto, enquanto pais.

Deveríamos ter oficinas para adultos. (MACS Consultora do Serviço Educativo E. L., 2010)

Os programas dirigidos às famílias, têm sido alvo de uma crescente atenção, porque se
acredita que da familiarização precoce das crianças advém a promoção e uma assídua
visita às obras de arte, pelo que se procura inserir projetos nos ritmos familiares. Como
refere o diretor do MACS as primeiras visitas têm uma dimensão mais lúdica:

Nós sabemos que isso está de algum modo estudado internacionalmente, sabemos que as crianças
até aos doze, catorze anos não têm um grande interesse e uma grande capacidade em construir
um conhecimento sobre as obras de arte, os artistas, etc. É mais a situação da visita ao Museu
que propriamente o conhecimento especializado da obra de arte e de toda a linguagem do artista
que contam. Portanto interessa-nos sobretudo no pré-escolar ou nos primeiros anos de
escolaridade, fazê-los sentirem-se bem no Museu quer dizer e depois insistir sobre materiais,
técnicas, situações mas de uma forma digamos muito descomprometida com a transmissão de
conhecimento. (MACS Director do Museu J. F., 2010)

Tanto o MACS, como a TL, afirmam a necessidade de reforçar a oferta de atividades


para este segmento de público, aos fins-de-semana e feriados ou em festas temáticas.

Ao domingo agora há atividades para as famílias. Este domingo o museu foi gratuito o dia todo,
em vez de só de manhã como é habitual. Imagino eu que se justifica pelo facto de ser dia da
árvore e da primavera. Durante o período que observei, a maioria dos pais limitava-se a tirar
fotografias aos filhos e pouco foram os que realmente fizeram alguma com eles. Perguntei como
foi o dia, respondeu-me que atarefado e que tinham vindo muitas crianças, principalmente
bastante pequeninas. (MACS - Diário de Terreno - 21 de março de 2010)

O Tate Explorers é uma proposta de atividades lúdicas para crianças, acompanhadas


pela família, que tem lugar todos os domingos à tarde nos espaços da TL. Esta é uma
336

atividade gratuita animada por duas monitoras, que convidam as crianças a se


relacionarem com as obras expostas, através dos vários sentidos – desenho, escultura
com cordas, associação de cheiros e palavras, etc. Para além desta atividade, a TL
trabalha com artistas para criar atividades, oficinas, recursos e eventos para crianças e
famílias enriquecendo o seu envolvimento com a arte. Os programas introduzem
propostas a partir de práticas artísticas interdisciplinares, como é exemplo o Big Draw,
que visa proporcionar experiências positivas e lúdicas. A Head of Learnig da TL
explica, em entrevista, a agenda da galeria para esta comunidade educativa:

I prefer families to stand in front of real arts work, engaged, chat, talk and doing activities (...)
For developing confidence about going to a gallery space, rather then, essentially is a playing...
(TL Head of Learning L. F., 2008)

As propostas sazonais de atividades acompanham os ritmos escolares. Ou seja, têm


lugar nos tempos de férias escolares – Natal, Páscoa e Verão. Estas aparecem como
forma de suprimir a função de cuidar de crianças e jovens quando a família está a
trabalhar.

Aqui verifica-se uma grande diferente entre o MACS e a TL. Se o MACS tende a
preparar uma oferta estrutura em oficinas para crianças, a TL, tende a reforçar a
frequência dos seus projetos já existentes, com mais e novas atividades, como é o
exemplo do Art Pad, durante o verão. O que não significa que a TL descure o público
familiar e as crianças com menos idade. Como já foi dito, este é um segmento de
público, para o qual se ambiciona criar mais propostas. Atente-se nas seguintes
descrições de uma sessão do Story Telling (Ilustração 22):

Quando voltei ao 1º andar, J. estava num canto ao pé de uma janela a contar uma história para
uma criança, a mãe dela e duas Sras. (…) Sentei-me um pouco mais atrás no banco de madeira da
galeria. Senti que se me sentasse com eles que iria interromper de alguma forma a história. J.
estava a contar a mesma história que contou no Big Draw, mas agora substitui o gigante por um
homem. A meio da história fui-me apercebendo que as pessoas presentes na sala se detinham um
pouco a ouvir a história e a olhar para o J. ao contar a história pede à plateia que intervenha
fazendo sons e repetindo com ele algumas palavras. Não se limita a narrar, corporiza – simula o
andar, o bater à porta, o dormir, altera a voz consoante as personagens. Eu própria me diverti ao
ouvir contar a história. (TL - Diário de Terreno - 06 de dezembro de 2008)
337

Ilustração 21 - Story Telling, Artist Ed ucator/ Information Assistant J . O., 2008

1.2. P R OGR A M A S P A R A OS P Ú BL I C OS DA S E X P OSI Ç ÕE S

Cada vez mais os museus promovem atividades dirigidas aos públicos não-escolares,
em que os destinatários são sujeitos adultos, integrados ou não em grupos organizados.
Incorporando uma lógica de aprendizagem ao longo e ao largo da vida, mas também
fazendo jus ao museu, enquanto centro de conferência e debate, observa-se um
expressivo leque de atividades, cujos recetores podem ser sistematizados, em seis
grupos, na linha de Clara Camacho (2007), de acordo com as atividades propostas:
público adulto generalista, público interessado, grupos etários, grupos profissionais,
públicos potenciais e púbicos virtuais. Estes dois últimos grupos serão analisados nos
subpontos atividades de extensão e preseça online, respetivamente.

As atividades dirigidas globalmente ao público adulto generalista, um público não


especializado e atraído pelas vertentes cultural e de lazer, partem da exploração de bens
culturais ou de temas adjacentes à coleção e às exposições, incluindo uma vertente
lúdica na programação. Podem apontar-se, como exemplo desta vertente lúdica, o Late
at Tate e as inaugurações no MACS e no CAC.

A after-party estava intimamente ligada com o Vilnius COOP. Teve lugar numa cantina, o menu
era comida de cantina, mas festiva e as bebidas resumiam-se a uma espécie de sumo com uvas
passas e canela e novamente e tal bebida a shots. Um ambiente bem descontraído onde as pessoas
338

iam circulando e conversando em pequenos grupos. O rapaz que consegui a ser o meu tradutor
ia-me dizendo que a maioria das pessoas jovens na sala eram estudantes de artes, que o CAC os
usava como mão-de-obra gratuita e que são presença assídua dos eventos do CAC e mesmo
público habitual das exposições. A maioria incorporava um estilo que o meu informante definiu
como “boémio artístico”. Várias camadas de roupas, de cores múltiplas, muitas das peças
pareciam ter sido personalizadas.
Por entre este ambiente, para mim muito exótico, de comida e bebidas completamente novas e
arriscadas, um Dj instalasse um fundo da sala e do seu Apple lança uma música house que se
espalha por toda a sala. As pessoas foram-se chegando e algumas começaram a dançar, enquanto
a maioria ficava pelo bater o pé. (CAC - Diário de Terreno - 25 de novembro de 2009

Nas atividades dirigidas ao público interessado, englobam-se as preparadas para


públicos previamente sensibilizados e conhecedores. São manifestações culturais
dirigidas para o público tradicional do museu, nas quais se incluem as atividades
exclusivas para "amigos".

No MACS os programas específicos para público conhecedor e interessado, para usar a


terminologia do museu, incluem visitas orientadas pelo curador da exposição, ou pelo
Diretor do Museu; cursos de formação cujas temáticas tanto se distanciam, como se
aproximam das exposições temporárias; conversas com artistas, etc. Atente-se na
seguinte nota, sobre o curso Cinema e Psicanálise no MACS:

Contudo, intriga-me o que procuro nesta observação. Em que é que esta contribuiu para a
compreensão do objeto? Numa análise linear, esta é uma aula, direta e formal, sobre a relação
entre a psicanálise e o cinema, sendo a 1ª convocada para a interpretação do 2º. Deste modo, é
uma possível transmissão de conteúdos e de uma gramática particular de interpretação, de forma
quase acrítica e escolástica. Contudo, é a necessidade de mediação convocada, seja para a
psicanálise, seja para o cinema, e daí a opção por especialistas das duas áreas, que amadores da
área oposta? (MACS - Diário de Terreno - 9 de março de 2010)

No MACS, a programação de atividade, para público interessado, não cabia ao SE,


configurando aqui o pressuposto de que se deve orientar a sua ação para o não-público,
sublinhando desta forma, a sua função de formação de públicos e não tanto de animação
do atual público do museu – considerado que este, por si só, sem qualquer incentivo de
índole lúdica ou didática, visita o museu autonomamente. Logo o SE, que assume a
função de formação de públicos, tende a orientar a sua programação educativa para
aqueles cujas práticas culturais não incluem a frequência de instituições culturais.
339

Para a TL os eventos para adultos prendem-se com a investigação da prática de artistas,


uma abordagem crítica através da criação de plataformas de diálogo e troca que se
organiza em seminários, como o Critical Forum, conferência como a Magical and
Mysterious.

It was the Later Tate around Fifth floor and the Critical Forum. So two really big collective events
with lots and lots of artist involvement, lots of different things going on these days, so it was totally
out of my remit. Later Tate is kind of the regular program Critical Forum is a regular
programming thing for a public programs (TL Learning Curator - Public Programmes C. P.,
2009)

A diversidade da categoria adultos ocasiona atividades dirigidas a segmentos etários


específicos, predeterminados pelo museu, sobretudo idosos/as e jovens, dando-se
atenção a esta segmentação, no projeto Young Tate, analisado mais à frente.

Algumas atividades são dirigidas e envolvem diretamente certos grupos profissionais,


regra geral professores. A TL teve um projeto, que decorreu no período anterior à
investigação, destinado ao grupo profissional dos taxistas, reconhecendo-se que este é
um grupo profissional prioritário, na relação com os turistas da cidade.

Em síntese, os programas para os públicos adultos das exposições organizam uma


pluralidade de atividades, que correspondem a uma fragmentação da categoria adultos.
Por sua vez, esta fragmentação procura que estejam disponíveis diversos instrumentos
de aproximação, em consonância com o que os públicos pretendem.

1.3. VÁRIAS M ODA LI D A DE S : V I SIT A S E P R OP OST A S


I N T E R PR ET A TI V A S E A RT Í STI C A S

// As visitas ao museu

I do it in my own style, and we all do, all the staff do it in their own style. The 12:30 talk is a drop-
into talk, and you can talk about anything you want to, so if go in there and say: “What’s the talk
today?”, “it’s Ray today – he’s gonna talk about such and such subject”, so that is all the sudden
talk, if you want to come to 12:30 talk every single day before getting any different talk by any
340

different person every day. So, all of us has a different style… (TL Information Assistant S. N.,
2009)

S: “Sabes, nós temos todos formações diferentes e isso influência na forma como nós fazemos a
visita. Foi engraçado, há uns tempos atrás nós estivemos a assistir às visitas uns dos outros e
reparamos como somos diferentes e como as nossas formações faz com que, como… se puxasse-
mos a brasa para a nossa sardinha. Por exemplo, eu sou pintura, (não sei o nome das pessoas que
referiu) w é escultura, y é arquitetura, z é história de arte. Por exemplo, acho que foi com o Júlio
Pomar, assisti à visita da z e foi mesmo engraçado, porque ela pegou num quadro e começou a
falar do contexto sócio- histórico, da vida dos artistas, etc.… eu fiquei ah!!! (abre a boca) de
queixo caído, não fazia ideia de que era possível também fazer assim, eu faria de maneira bem
diferente” (MACS - Diário de Terreno - 27 de janeiro de 2010)

Como estes dois mediadores/as afirmam, aquilo que é dito e referenciado numa visita
orientada não é igual a todas as galerias, nem na mesma galeria.

Sublinhando e procurando uma tipologia, refere-se a proposta de Fróis (2008), que


define quatro racionalidades de relação com a obra de arte, que iremos mobilizar para
analisar as visitas orientadas nas três galerias.

Estas racionalidades definem-se, através dos métodos e teorias, assim como dos
conteúdos das coleções e exposições temporárias. A primeira racionalidade enfatiza a
apreciação estética. A segunda evidencia a narrativa da história da arte. A terceira
assenta sobretudo na interdisciplinaridade. E, finalmente, a quarta é centrada na
educação social dos públicos.

Procura-se, pois, perceber como é que estas quatro racionalidades enunciadas por Fróis
(2008) são iluminadoras das estratégias, em que cada uma das galerias recorre na
atividade de “animação de visitas orientadas”.

A primeira racionalidade, a apreciação estética, privilegia as qualidades dos objetos e


os momentos “que têm o poder de nos mover esteticamente” (Fróis, 2008, p. 72),
individualmente ou numa situação social, como é retratada por um dos Information
Assistant da TL. Este tipo de racionalidade pressupõe que os/as visitantes tenham o
capital educacional e cultural necessário, fazendo-se, assim, uma distinção entre os
públicos especialista e não-especialista.

But sometimes some people wanna chat about what they know already. This happened to me on
the other week. A man who came really liked Francis Bacon, for example, and he came, just came
341

looked at the painting, turned around and said to me: “Aha, Francis Bacon…”, he didn’t want me
to give him information, he only wanted to share his enjoyment about work and talk about it. It’s
more like social exchange rather than the information kind of. (TL Information Assistant S. N.,
2009)

A segunda racionalidade da narrativa da história da arte enfatiza os estilos artísticos, a


análise iconográfica, a informação biográfica de artistas e as narrativas sobre a história
da arte. Esta parece ser uma abordagem transversal às três galerias.

Pediu para que olhassem para um Degas presente na sala, no qual uma mulher a tomar banho é
retratada. Sublinha que este tipo de retracto representa Degas a questionar as regras da pintura.
Questiona porque retrata uma mulher nua, numa cena doméstica e quotidiana. Ao mesmo tempo
que usa novos materiais como o pastel e não o habitual óleo e a forma como a mulher é retratada
é de certa forma voyeurista, dando a impressão que Degas a está a espreitar pelo buraco da
fechadura.
Refere que muitos dos visitantes das Tate pensam que aquela é uma sala dedicada aos franceses,
porque tem imensas obras de artistas franceses, mas que não, que também tem artistas britânicos,
como Vanessa Bell e Gwen John. Diz que tem imensa pena de Gwen John, porque, usualmente a
artista é conhecida por ser obcecada por Rodin: “You know? The artist that done that big
sculpture on the ground-floor, The Kiss…” e é desvalorizada como artista: “If you think about
Rodin as a rock-star, Gwen John is like one of that fans that follow him all over.” Aponta para o
retrato de Picasso de uma mulher que parece ter barba, e diz: “That painting reminds me a matt
of mine, but with dress, which is quite odd…” (TL - Diário de Terreno - 03 de dezembro de 2008)

I took some extra work at home, following artists, their backgrounds, works, and exhibitions. Then
talked to some people in CAC who were close to the artists, as well as director Kuizinas, who took
me for a guide before the opening. Then took some notes, learning by heart some facts and
historical issues… (CAC Exhibition Guide L.M., 2009)
Se calhar, depois já com um público mais juvenil e adulto, a questão do conhecimento se coloca
mas em relação a este conhecimento, há sem dúvida um conhecimento mínimo sobre os artistas,
sobre os seus contextos, as suas obras, técnicas e materiais que achamos que deve ser dado. Mas
sempre com essa grande cautela de que esse conhecimento não imponha uma leitura limitativa do
que possa ser a obra de arte. Nem sempre isso acontece porque às vezes vou visitar, vou
acompanhar algumas visitas guiadas e sinto que ainda há muito por fazer também num trabalho
de construção de texto verbal sobre… Depende às vezes dos monitores, das situações, dos
momentos, depende das turmas também ou dos grupos que se encontram aí presentes, não é?
Muitas vezes eu vejo… às vezes, uma situação que resvala mais para a explicação mas procura
apesar de tudo ter essa intenção viva, essa intenção de não impor um discurso sobre a obra de
arte. (MACS Director do Museu J. F., 2010)
342

A terceira racionalidade, a interdisciplinaridade, funde-se com frequência com a


segunda, promove relações entre as várias modalidades artísticas, enquanto única
possibilidade de apreensão de uma obra de arte. O CAC parece privilegiar esta
modalidade, como refere a Press and Public Relations Curator, assim como a
interdisciplinaridade, na perspetiva de um dos/as IA, é uma estratégia privilegiada para
chegar ao público jovem:

Talking about the educational things, like you know, that CAC not always holds the exhibitions but
also other types of events – like fashion festivals, contemporary music festivals, two of them every
year: one is contemporary electronic music, the other is contemporary music in general but played
with classical instruments. The fashion festival which is called “Fashion Infection”, we hold the
tradition that sometimes we do films screenings here, and the animation festivals, and sometimes
**theatre. (CAC Press and Public Relations Curator R.D., 2009)

In a way… Because what I do and what I’ve always did, all my work, saying things to people that I
wish would be talked to me, so I didn’t like the modern art when I was in mid-16, but now if I’m
talking to 16 year-old in the gallery, I say them things that I wish was said to me when I was 16,
because I know if when I was 16 someone would have said that to me in a certain manner, I’d be
quite up to it. And it’s the same with writings and literature I’m interested in, so I’d never made
the connection between POP music and poetry that I wasn’t interested in, and eventually I got
some connection, well in the lyrics, rhythms, so I ended up I the poetry as well as arts. So, that’s
why I contempt to do, so if I was talking to young people today, sometimes you have to do many
entertaining tricks, but sometimes they, you know, sort of more difficult background, so if they
have that more difficult background and they don’t like art, there are certain things that I’ve
learnt to say what’s based on what I’d like to heard when I was young. (TL Artist Educator/
Information Assistant J. O., 2009)

A quarta racionalidade, educação social dos públicos, é baseada na crença sobre os


efeitos da arte sobre os sujeitos. Prioriza a compreensão dos indivíduos das
problemáticas sociais, a fim de que estas contribuam para o desenvolvimento da própria
identidade. Neste sentido, as artes e a apreciação artística são veículos para a inclusão
social.

a lot of them come to the social aspects of things, so I think, they want someone to teach them that
was gonna make it enjoyable, if you know what that mean, it’s kind of social space of being
academic. And a lot people who’d come had such mixtures of background – some people knew
nothing about art and then another people knew quite a bit and just wanted to meet similar-
minded people. (TL Art History Professor M. T., 2008)
343

De forma transversal, as racionalidades baseiam-se nas narrativas propostas pelos


próprios museus e alicerçam-se nos discursos do/a curador/a ou dos/as próprios/as
artistas. Contudo, parece residir uma margem de independência pedagógica no trabalho
dos/as mediadores/as, que tendem a introduzir clivagens nessas narrativas, de acordo,
com os seus próprios interesses.

Contrariamente ao que Fróis (2008) afirma, não é esperado que o visitante assuma um
papel passivo. Espera-se, sim, que seja aberto à narrativa proposta, mas, como o diretor
do MACS afirma, espera-se, também, que seja reclamada a possibilidade de discussão e
de debate:

Por exemplo, eu procuro fazer sempre uma visita guiada a todas as exposições, assim como todos
os curadores das exposições fazem uma visita guiada às exposições. Que é uma ocasião que não é
aproveitada aliás pelo público, para o público poder pôr inclusivamente em questão e dialogar
sobre a natureza da programação do Museu com o curador ou com o diretor do Museu. Mas
normalmente as pessoas ficam à espera precisamente de um discurso sobre a exposição e não vêm
para essa visita a aproveitar a relação biunívoca, ou seja, a aproveitar a possibilidade de pôr em
questão o Museu, ou sobre a programação, ou discuti-la pelo menos ou qualquer coisa assim.
Mas acho que é importante também sentir, acho que é muito importante para quem dirige um
Museu manter uma relação com o seu público. (MACS Director do Museu J. F., 2010)

Contudo, é inegável que a visita orientada é o momento, em que o discurso do museu se


torna público, enquanto declaração de uma autoridade discursiva, que confere
reconhecimento e prestígio ao museu. Qual o limite à mediação? Em que moldes é que
esta se estrutura?

Os públicos têm diferentes interesses, como se tem vindo a sublinhar. E aprende de


maneiras diferentes. Transcreve-se o excerto de uma conversa com um dos/as
Monitores/as do MACS, em que se debate a interpretação da arte contemporânea:

S: “Sabes, isso é uma coisa que temos que ter muito cuidado, porque acho fantástico, parece que
a educação está no centro do projeto museológico. Mas, conheces o artigo da Susan Sontag –
Against Interpretation? O que ela diz é que a arte, principalmente a contemporânea tem que ter
qualquer coisa de incomunicável e que nós com as nossas teorias todos estragamos
completamente a obra. Ela diz que é preciso mais erotismo, no sentido sensorial. E que é vital que
a arte contemporânea tenha esse espaço de incomunicação. Nem tudo tem que ser comunicado. A
arte contemporânea é isso mesmo, É muitas vezes não-familiar, inócua, ascética.”
344

R: “mas também é familiar e é muitas vezes isso que dificulta a interpretação. Este ainda não é
um debate não resolvido e de facto interessa-me bastante problematizar essa questão. Qual é o
lugar da educação no campo artístico”.
Com isto eu queria dizer que me interessa analisar de a educação tem sido ou não um canal entre
o campo artístico e a sociedade que está fora deste. O que não quer dizer que este canal, forçado
e artificial seja a solução, mas é o que tem fomentado o que o S. dizia, estão mais abertos, não
ficam ahhh quando entram num museu. (MACS - Diário de Terreno - 17 de fevereiro 2010

A interpretação pode ser entendida como um processo de construção de significados,


implicando, nesse sentido, competências de análise, crítica e síntese capazes de
enquadrar o contínuo de mudança, adaptação e extensão da aprendizagem ao longo da
vida. Propostas com o Ways In partilham estas premissas, estruturando-se como
métodos, que moldam a relação do público com as obras em várias tarefas menores e,
como tal, seriam facilitadoras desse processo de relação.

Na TL assiste-se a um recurso discursivo e prático a uma obra considerada como “o


manual”: The Art Gallery Handbook: A resource for teachers, de Helen Charman,
Katherine Rose e Gillian Wilson. Esta é uma obra publicada pela Tate Modern, em 2006
mas que procura sintetizar toda a construção metodologia levada a cabo em Liverpool,
durante os quase vinte anos precedentes à sua publicação. Ao contrário do que alguns
informates privilegiados referem, este legado é reconhecido neste livro. Atente-se nas
seguintes citações:

Richard Frances is the original head curator for Liverpool. It was his kind of vision to have people
in the gallery to talk to. That was a new thing, it’s not... by look, the bank size has been such a
success, because a lot of that has been based on what we have developed here over the 10 or 15
years.
R: Because a lot of people moved to Tate Modern…
S: Yeah, yeah… head of education moved… yeah… and you, he had been the curator of…so, a lot
of those things we have developed here really, I don’t ever get credit for that. (TL Information
Assistant S. N., 2009)

“Thus the Ways In approach originally conceived as a Ways of Looking at Tate Liverpool in the
1990s, and subsequently developed across Tate’s Schools Programmes, provides a basis for creating
interpretations of artworks through four distinct frameworks: a personal approach, ways in to the
object, ways in to the subject and ways in to the context” (Charman, Rose, & Wilson, 2006, p. 57)
345

Ways in é uma proposta que procura estruturar a possibilidade de acesso à obra de arte.
Através deste método, o/a animador/a pode apoiar e ampliar a discussão, equipando o
grupo com as ferramentas e o vocabulário necessários, a fim de se conseguir
interpretações futuras mais autónomas. Esta abordagem convida a olhar uma obra sobre
quatro pontos de vista – pessoal, conteúdo, objeto e o contexto. Convidando a começar
a olhar a obra do ponto de vista pessoal, esta proposta da TL convida a uma
interpretação de primeira linha, puramente sensorial e emotiva; num segundo momento,
procura remeter o olhar para o conteúdo, o tema, o título, a mensagem; enquanto num
terceiro momento convida a observar o objeto na sua forma, textura, cor, escala; por
fim, através do contexto, procura-se equacionar aquilo que é exterior ao objeto, questões
como quem é o artista, quando e onde foi produzida e exposta, que histórias se contam à
sua volta.

Este método desenvolvido pela TL convoca todo um património racional, afetivo e


emocional, social e cultural (motivações, interesses, memórias) do sujeito,
salvaguardando que o objetivo último seja o alargamento desse conjunto de
significados, ou melhor, o alargamento do horizonte de expectativa. Trata-se de uma
proposta que não só tem em consideração os conhecimentos prévios, assim como
considera e potencia uma diversidade de versões interpretativas. O desenvolvimento de
estratégias de análise crítica, através do confronto com diferentes versões leva a um
questionamento e à defesa de posições. Atente-se da descrição de uma visita-oficina,
onde é usado este método, feita pela Schools Professional Development em entrevista:

So basically, all the artists use the same sort of framework, they’ll have different styles and
different activities, but the idea is that they spend two hours in the gallery and you’re gradually
building up the confidence of the pupils that you’re working with. So, you would first of all do an
orientation exercise so that they get to see all of the exhibition, they start to put it in a context, so
you would explain to them, for example, whether it’s from the collection or whether it’s borrowed
works, and what sort of time span it covers, what themes there are, so that, and also so that they
feel comfortable in the gallery because quite often it’s the first time those children have come to
somewhere like this, exactly. And then, we would do a work in focus, which I’m sure you’ve seen
and read about, and again that’s building up their confidence and giving them almost like a toolkit
that they can take to any work, not just in this gallery, but anywhere and feel that they’ve got some
starting points to start thinking and talking about it. And then we just give them opportunities in
smaller groups to start making their own connections to things, and build up their confidence in
developing their ideas and sharing their ideas with their peer group. So, that’s the idea of the
gallery-based workshop. (TL Learning Curator - Schools Professional Development D. R., 2008)
346

Em jeito de síntese, a relação comunicacional nas três galerias, seja ela em que
modalidade for, parece pretender transmitir esquemas de perceção que estimulem a
apreciação artística e auxiliem e autonomizem os sujeitos nas experiências estéticas
seguintes. Por outras palavras, que contribuam para o alargamento do horizonte de
expectativa dos públicos (Jauss, 1978).

// Entre propostas interpretativas e artísticas

Em lógicas muitos diferentes, os museus tendem a acolher múltiplas atividades que se


afiguram, elas mesmas, enquanto objetos ou propostas artísticas. A fronteira entre o que
é a proposta interpretativa e o que é a proposta artística é muito ténue. Na
impossibilidade de analisar todas as atividades que se inseririam nesta categoria,
selecionou-se a Performance Wild Life Take Away Station do CAC.

A performance dirigida por Ibrahim Quraishi não é em si uma estratégia de mediação, é


a produção de uma obra. Aberta à participação do público, numa casa particular, sobre o
quotidiano, mas simbolicamente vedada a este mesmo público. Parece existir uma
necessidade visceral do conceptual, uma espécie de intelectualização e de rejeição dos
mecanismos mais próximos da animação sociocultural. Será esta também uma forma de
distanciamento do legado soviético? Todavia, ao mesmo tempo, parece afastar o público
exterior ao campo artístico:

Seria cerca de 19h, quando cheguei à tal casa de madeira tipicamente lituana. Praticamente não
havia luz e tive sérias dúvidas se seria ali e em que casa seria, isto porque no número que me foi
dado existiam pelo menos 3 casas. Resolvi entrar no jardim. Quando vi uns projetores apontados
para umas janelas percebi que seria ali, mas um sinal da porta dizia para não entrar e tinha uma
seta apontar para a esquerda. Andei mais um pouco para a esquerda e estava no meio de uma
espécie de quintal com uns carros e não conseguia ver mais do que 3m à minha frente. Sorte a
minha encontrei o V. que estava a chegar de carro que me indicou a entrada e me disse para ir
entrando, que já lá ia ter.
Entrei na casa, num hall muito pequenino que dava acesso à cozinha, casa de banho e a uma sala
onde a performance estava a acontecer. Percebi isto porque entretanto um rapaz saiu e espreitei
para dentro. Estava um calor impossível e uma luz muito clara, quase como se estivesse sol lá
dentro (os projetores apontados para as janelas). Recuei e pensei: “será que está alguém a
assistir ou serei só eu?”. O que me deixou um pouco desconfortável. Lá entrei e quando abri a
porta, os dois atores da performance estava em estátua, nus, em frente um a outro. Do outro lado
da sala estavam, afinal, algumas pessoas sentadas nos sofás. O público estava em silêncio e
observava atentamente a cena, interrompido apenas pela música de fundo.
347

Lá foram chegando uma e outra pessoa, que se deixavam ficar perto da porta. Ibraham, o diretor
da performance estava de pé encostado a uma parede. Ao final de uns 30 min começou a andar
em volta dos atores e encaminhou-se para o corredor. Algumas pessoas levantaram-se e
seguiram-no.

Isto foi surreal e pareceu-me muito longe de um público menos cultivado. Mesmo o próprio
esforço físico (privado e sufocante) e a resistência para assistir a uma performance de 24h é
muito significativo. O ambiente gradualmente ia-se informalizando e ficando muito próximo de
um espaço convivial, com bebidas e cigarros. A aparição do vizinho que estava
entusiasmadíssimo e que inclusive ofereceu ao Ibraim algumas fotografias suas enquanto
figurante num filme deita por terra a ideia de que esta seria uma forma de expressão elitista.
Talvez não faça sentido discutir a expressão artística em si, mas antes os mecanismos de
mediação que foram mobilizados. Muito poucos. A performance estava presente no guide-book,
assim como todas as atividades do public programme.
A rapariga com quem meti conversa disse-me que era pintora e que não poderia ter perdido o
evento, uma vez que live performances são tão raras em Vilnius. Disse-me que se tal evento tivesse
sido mais divulgado, para além do mundo das artes plásticas, que de certeza que as pessoas das
artes performativas teriam aparecido. Se até mesmo dentro do campo da arte só uma pequena
fatia estaria informada, quanto mais o grande público. Não sei até que ponto tal não seria algo
até cultivado pelo CAC, na medida em que a performance teve lugar numa casa particular. Da
instalação faziam parte facas, havia cabos elétricos por toda a casa, botijas de gás... e um sem
números que questões que me levaram a perguntar se se teriam que submeter a alguns padrões de
segurança ou se o facto de ter lugar numa casa particular e com muito pouca audiência os
subtraia dessas preocupações. (CAC - Diário de Terreno - 3 e 4 de outubro de 2009)

Em síntese, estas modalidades são obras em si mesmas e não são veículos de


interpretação. Porque, tendencialmente, são ainda mais desafiantes, seja pelo conteúdo,
seja pelas linguagens, ou mesmo espaços onde têm lugar, que, talvez sejam ainda mais
herméticos que o próprio museu.

1.4. D E SE NV OL VI ME N T O E D U C AT I V O : EDIÇÃO DE M AT E RI A I S

P E DA GÓGI C OS

A abundância de materiais educativos tem vindo a evoluir no sentido de uma


diversificação e de uma melhoria gráfica, que favoreça a sua divulgação. Salienta-se na
TL e no MACS a construção de packs educativos que acompanham as exposições.
Todavia, os packs disponíveis para download do website de Serralves, são referentes ao
348

parque, às esculturas do parque e ao edifício do museu. A efemeridade das exposições


leva a que o seu conteúdo não seja alvo deste tipo de trabalho educativo.

Em paralelo, têm aumentado as edições que demonstram um alargamento da função


educativa do museu. Estes materiais são, muitas vezes, para apoio às visitas escolares,
orientados para professores, tais como: Arte e Paisagem do SE do MACS, ou Teaching
Through Contemporary Art: A repost on innovative practices in the classroom da TL.

Numa lógica mais académica, o CAC publica uma revista CAC Interviú: Conversation
about art. Esta é uma publicação bilingue (lituano e Inglês) que tem por base a
entrevista, revisão de livros e de projetos artísticos. Ela é focada na região do Báltico,
mas dá atenção aos eventos contemporâneos, com impacto internacionalmente.

Disponível para download, no sítio do CAC, é também distribuída gratuitamente em


instituições culturais nas principais cidades, em todo o mundo. CAC Interviú afirma-se
como a principal fonte de informações sobre arte, eventos culturais e debate cultural da
Europa pós-soviética, tendo como objetivo manter o CAC, também, na vanguarda do
debate e crítica escrita.

Como um dos curadores refere, em entrevista, a CAC Interviú existe na tentativa de


suprimir a necessidade de crítica no campo, embora reconheça que o CAC cria um
círculo fechado. Organiza as exposições, o discurso interpretativo, faz a crítica através
da CAC Interviú e publica a própria história da arte contemporânea.

There are several issues. One of them is that we don’t have this real discourse of art criticism –
everyone writes as they want. I mean the general tendencies are quite bad, general tendencies of
how people criticize the art are bad, I’d say. Now we have few galleries who’re active, we have
this center and museum, but lack of criticism is very obvious. (…) It’s a sensitive things and
audience feel they’re being cheated all the time. I mean it’s the main idea of contemporary art –
people think someone cheats on them. Like coming to the exhibition to see the white wall, you
know they feel: “Where’s the art?”. I mean everywhere, in all the countries, you have to maintain
this contact with audience and usually critics can organize it. They can analyze or try to explain
the piece by criticizing, you know. There you can find the facts, the explanation and find yourself
opinion. So usually you need someone to help people to form their own opinion – you need
experts, you need to read his opinion, you need to know facts and then build up your opinion about
everything. So if you don’t have experts, you may feel that there’s nothing interesting in there. Of
course we’re trying but CAC is also criticized about it: we organize those exhibitions, then we
have this magazine, also the reading room and from time to time we publish these catalogs or
books. So we kind of create the history itself, I mean we do everything – we organize the exhibition
349

and then organize the criticisms of it. (…) closed circle. Other institutions and other critics feel a
bit strange because you know we act as the curators, organizers and also historians and critics.
(CAC Curator V. K., 2009)

Contudo, outras publicações da TL e do MACS, como o Projeto com Escolas, ou


mesmas as publicações sobre as suas próprias histórias e origens (não esquecendo que o
catálogo de comemoração dos 15 anos do CAC inclui uma seleção das críticas à
instituição, publicadas pela imprensa escrita) não estarão, também, elas a fechar o
círculo, dominando a construção da própria história.

1.5. A T I V ID A DE S D E EX T EN SÃ O : C OM U NI D A DE S E P ÚB LI C OS C OM

N E C E SSID A DE S E D UC A TI V A S E SP EC I AI S

Os museus promovem, igualmente, atividades dirigidas a "púbicos especiais", que, por


motivos vários, têm dificuldade em aceder ao museu. Barreiras de várias ordens podem
ser apontadas, desde físicas, económicas, até às derivadas de diferentes códigos de
comunicação em presença.

Nos programas educativos das galerias, em análise, encontram-se dois tipos "púbicos
especiais", de acordo com as presumíveis dificuldades de acesso ao museu, que se
denominam como: comunidades e públicos c/ necessidades educativas especiais.

A TL, como já se disse, desde a sua inauguração que privilegia o trabalho de extensão
comunitário, como forma de captação de públicos, para a galeria. Contudo, como a
Youth & Communities Curator afirma, em entrevista, observa-se uma sobreposição na
fragmentação de públicos, que estruturam a programação educativa da TL:

I think there’s a big move across learning to cook up where there’s an overlap, natural overlap in
the offer. I mean not only between young people and the community, but in answering your
question, yes, I think there’s an obvious overlap from young people to parents who are the
communities. And quite often there’s an overlap within the family to overdo what related to the
young people, to overlap with the public programs, so like the short answer to your question is –
yes, it was part of thinking reminder, while quite often the people who got time may be developing
their mental need to engage in arts activities ... So, I think that makes sense those two roles to be
fused into a certain extent. But at the same time to be aware of the changes running in the schools
and families, because there’s really big overlap, the young people, the large majority of them are
in school, so there’s a big overlap – there the young people, the large majority of them are also in
families, the community groups that we’re working with…quite often you’re talking of family as
350

well. So, if you are talking to young people, particularly younger, you, in kind, need to be reaching
his parents as well (TL Learning Curator - Youth & Communities C. B., 2008)

A divisão fraturante em categorias de diferença de públicos parece aumentar a


estigmatização dos mais desfasados, na medida em que também estes/as são jovens,
crianças ou famílias, mas são etiquetados e sinalizados, como comunidades.

No caso, dos/as jovens que integram Young Tate, estes são aqueles que voluntariamente
procuram o projeto, de alguma forma, conscientes das suas mais-valias. Enquanto
aqueles/as que são outsiders (Becker, 1997) como comunidades e jovens que não
procuram a galeria voluntariamente, como por exemplo, os/as jovens que integraram o
projeto destinado a refugiados/as políticos/as. Da mesma forma, algumas escolas,
quando são convidadas a integrar algum projeto, por vezes também são pelo lado da
estigmatização social de certos locais publicamente reconhecidos como tal, como é o
caso das escolas da zona norte de Liverpool (comunidade). Na verdade, as escolas que
não são enquadradas como comunidade, são aquelas que procuram e frequentam as
ofertas regulares do programa educativo, como visitas e oficinas.

O mesmo parece acontecer no MACS. O SE tende a criar projetos específicos para


determinadas escolas e públicos:

Quanto ao Project com Escolas disseram que já o integravam desde o ano passado, na vertente
Bairros Carenciados – Amoreira, Cova da Moura e Lagarteiro. Falavam constantemente no facto
de Serralves ter ido ao bairro e como tinham sido intensos os dias, cheios de oficinas e que tinha
sido muito bom, essencialmente, porque, como uma das professoras referiu: “Obrigou-os a serem
criativos” (MACS - Diário de Terreno – 04 de março de 2010)

O meu desejo é que fossemos solicitados de fora, como muitas vezes somos. Por exemplo, jovens
com deficiência, é de fora que nos solicitam. Portanto nós fazemos um programa especifico, está
bem aberto… isso é formar públicos? Sozinhos eles vêem? Se calhar não, vêem sim com as
escolas e com os centros onde eles estão. (MACS Consultora do Serviço Educativo E. L., 2010)

// In the Frame

Focaremos agora num projeto da TL que combina de forma específica estas duas
“arrumações” de sujeitos – In the Frame.

In the Frame é um projeto que, em 2008, ia no seu 3º ano. Começou com o intuito de
construir um evento para artistas na TL no 1º ano, tendo evoluído, depois no 2º ano,
351

para a realização de um guia; e, no momento da investigação, estava a ser preparada


uma exposição na TL para artistas portadores de deficiência. O grupo era constituído
por 10 pessoas portadores de deficiência, de diferentes instituições, que tinham em
comum o interesse das artes visuais.

Na seguinte nota de terreno, descrevem-se alguns aspetos de uma das reuniões de


preparação, para a exposição In my Liverpool Home:

A reunião de hoje tinha como objetivos a aprovação do draft da carta de convite aos artistas e da
ficha de candidatura. A aprovação do design do guia e a distribuição de tarefas para a realização
da exposição. Uma das atividades de divulgação que vai ser feita são workshops facilitadores de
atividades artísticas, em vários centros de dia, a fim de motivar as pessoas a participar na
exposição. De igual forma, foi constituído o júri para a exposição, assim como a equipa que vai
ajudar a montar a exposição.
Os materiais da reunião, seja a “acta” da reunião anterior, seja a agenda desta reunião, traduz
algumas preocupações. Cada ponto é ilustrado com desenhos de forma a facilitar a compreensão
do que está escrito. Por exemplo, brainstorming, tem um desenho de duas pessoas com balões a
sair da cabeça com a palavra “ideias”. O tamanho da letra, também, é bastante aceitável para
permitir a leitura. De igual forma, as animadoras da reunião usavam uma linguagem bastante
acessível e pela circularidade da comunicação parecia que se estavam a fazer entender, recebiam
respostas orais ou acenos de cabeça Por exemplo, V. disse que era necessário definir critérios de
seleção para o júri da exposição. Dizendo que tinham que saber como é que iam escolher as
obras, que regras é que iam usar. Como o tema é In my Liverpool Home, iam selecionar obras
que tivessem um significado muito pessoal para o autor, ou seja mais intimistas, ou deveriam
existir outros critérios? À partida só podiam escolher obras que pudessem entrar no elevador, se
não, não seria possível transportá-las até ao estúdio.
Uma das preocupações demonstradas por um dos participantes prendia-se com a necessidade de
ter café, chá e afins disponíveis para os visitantes, na medida em que isso ia atrair pessoas à
exposição. V. respondeu que isso não seria possível sempre, só na festa de abertura, porque iam
estar expostas obras de arte e seria perigoso ter café e chá a circular porque alguém podia
estragar alguma coisa. O mesmo participante, segundo pude perceber é um fotógrafo premiado,
durante a reunião foi tirando fotografias para documentar o momento e tomou parte muito ativa
na discussão do design e das fotografias escolhidas pela designer para o guia. (TL - Diário de
Terreno – 01 de julho de 2008)

A exposição esteve patente, durante uma semana, no Education Studio. Nenhum critério
de seleção foi aplicado, porque os/as artistas consideraram que, numa exposição como a
In my Liverpool Home, ninguém poderia ser excluído. Ficaram explícitas algumas das
preocupações que movem estes artistas, muito particularmente o facto de produzirem
352

em Liverpool e serem portadores de deficiências. Um dos/as artistas, no texto de parede


que acompanhava a sua obra, deixa um comentário muito interessante, que mostra as
potencialidades deste tipo de trabalho:

He is inspired by both Liverpool and inclusion movement, and fells that the work of artists should
not be divided into disable and non-disable artists – it’s the work that counts (Liver Building –
Teay Kelly). (TL - Diário de Terreno – 19 de novembro de 2008)

Este comentário indica que estes/as artistas são diferenciados, pela sua condição e não
pelo seu trabalho. Esta exposição teve lugar no estúdio, ou seja, um espaço paralelo ao
espaço da galeria principal. De facto, estes/as artistas passaram os portões da galeria
(gate keepers). Contudo, ocuparam um espaço periférico e a exposição foi perene
(durou uma semana). Mais uma vez, os princípios de liderança de pares, em projetos
como o Young Tate, estão também presentes. Toda a exposição foi curada por pessoas
portadoras de deficiência: selecionaram as obras; escreveram e aprovaram os
formulários de candidatura; e, inclusive embora por momentos curtos, assumiram o
papel de Information Assistant da exposição.

Aqui observa-se um possível paralelo, no que toca ao estatuto, dentro do museu, das
exposições do Projeto com Escolas do MACS, que estará em análise no ponto 2.

2. P RÁTICAS M USEOLÓGICAS E SPECÍFIC AS

Neste segundo ponto, estamos concentradas em torno da análise de um projeto mais


singular, em cada uma das galerias. São contextos especialmente desafiantes, para a
análise dos modos de organização da educação cultural contemporânea, que vem sendo
reivindicada, sob a pressão de um conjunto de dinâmicas culturais, sociais e económicas
que se pautam pela redefinição da cultura e do seu papel nas sociedades
contemporâneas. Assim, os que singulariza os três casos em estudo, ocupam posições
heterógenas, são as respostas que estruturam para responder à reivindicação atual, por
mais cultura e por uma cultura mais democrática.

Verificam-se tentativas, cada vez mais frequentes, da educação cultural se afastar das
linguagens, modelos e propostas escolares e se aproximar das linguagens, modelos e
propostas artísticas. Tal leva a uma estetização do trabalho educativo, sem nunca
353

esquecer a sua articulação com a escola, como principal fórum educativo, não só nas
propostas que se aproximam de uma curadoria educativa, como também na proliferação
das exposições dos projetos educativos, aqui presentes na exposição do Projeto com
Escolas no MACS, no Young Tate da TL e na Vilnius COOP do CAC.

Em primeiro lugar, opta-se por analisar o Young Tate da Tate Liverpool, porque este é
um projeto de educação não-formal, de continuidade na galeria, no qual a equipa
educativa procura melhorar o conhecimento, a compreensão e a apreciação das artes
visuais para um público jovem, cada vez mais amplo. Existe praticamente desde a sua
inauguração e tem sido moldado por um processo de aproximação da galeria à cidade.
Ao mesmo tempo, permite aos/às jovens desta cidade global ter, à porta, uma proposta
educativa, que os convida a ampliar as suas perspetivas, para além do ensino formal.
Enquanto singular e particular, permite compreender mais uma das propostas que fazem
de TL um “laboratório de práticas”.

Por sua vez, em segundo lugar, focaremos no projeto Vilnius COOP, que integra a X
Baltic Triennial of International Art 2009, enquanto ensaio de uma possível curadoria
educativa, na medida em que as estratégias discursas de apoio à interpretação – Framing
Events Series e Info Corner – são parte integrante da exposição, assim como os objetos
artísticos apresentados. Projeto que sublinha a vanguarda programática do CAC, neste
caso abrindo uma nova frente de experimentação e de aproximação à cidade.

Por fim, o terceiro projeto decorre na cidade do Porto, no MACS e intitula-se Projeto
com Escolas, em que se relembra a “afinidade eletiva”, entre escola e museu. Este é um
projeto que expõe, no museu, os trabalhos desenvolvidos por grupos escolares nas suas
próprias escolas, partindo de um tema mote e aglutinador. Este projeto representa, de
alguma forma, um exercício de aproximação e afastamento (e/ou combinação) da lógica
de educação escolar / formal, que se observou como característica da proposta educativa
do MACS.

2.1. O N Ã O - F ORM AL NO Y OU N G T A TE (T A T E L I V ER P OOL )

“Young Tate, our programme for young people, encourages people aged 15–25 to use
Tate exhibitions and collection displays as a site for social, cultural and creative enquiry. The
programme delivers a broad range of cultural experiences and informal learning opportunities for
young people and encourages them to take part. Working collaboratively with artists or independently,
354

young people also develop projects, events and programmes for other young people across Tate’s
galleries and online” (Tate Liverpool, 2007, s/p).

Analisam-se, neste subponto, as configurações que o Young Tate foi assumindo ao


longo do tempo, com particular incidência sobre os projetos desenvolvidos, durante a
investigação, assim como, os “efeitos secundários” esperados deste projeto.

Assim, O Education and Outreach Programme permitiu criar uma rede de atuação na
cidade, através de visitas a festivais, pontos turísticos, assim como escolas e centros de
jovens. Na perspetiva de Naomi Horlock (2000), Education Curator à época, a Art Van
revelou-se insuficiente, pelo que não tinha conseguido que os/as jovens estabelecessem
relações significativas, com a galeria ou com as obras. Daí nasceu a necessidade de
procurar alternativas, sendo criado um programa que tinha como público-alvo os/as
jovens – o Young Tate. Foi criado por Toby Jackson e Naomi Horlock, em 1994, e
tornou-se agora o nome guarda-chuva para um programa que visa o público jovem, em
todas as galerias Tate, bem como o seu espaço online.

Considerando o esforço da galeria, em se entranhar nas dinâmicas da cidade, as


recomendações do relatório Moving Culture (1990)66 e o financiamento disponibilizado
pela Fundação Calouste Gulbenkian, foi criado o projeto Young Tate, tendo como
público-alvo, jovens entre os 14 e os 25 anos. Desde então, a ideia chave, presente nesta
proposta, mantém-se. Nele são os/as jovens que concebem os mecanismos de
interpretação da coleção e das exposições temporárias, para os seus pares.

Pear-led, It’s all about young people leading workshops and doing things from themselves and if
you look around now everyone is doing it. Now there is Young Tate on the other three Tates
besides, it´s very very common, so... I think also internationally as well, as inspired a lot of people
(TL Learning Curator - Young Tate M. F., 2008)

Young Tate foi desenvolvido como uma abordagem orientada pela liderança de pares,
procurando promover uma real apropriação da galeria por jovens com idades
compreendidas entre os 16 e 25 anos, que tivessem abandonado a escola ou em risco de
abandono escolar67. Como refere Fonseca (2001, p. 196):

66
Conduzido por Paul Willis este relatório concluíu que, “Many young
people continue to leave school with neither the confidence nor the
enthusiasm to visit galleries” (Richey, 2000, p. 11)
67
Como o desemprego, a taxa de abandono escolar também eram uma
grande preocupação em Liverpool (Cressey & Jones, 1995).
355

“O falhanço da escola para os/as jovens dos bairros degradados da cidade tem sido
conceptualizado como tendo origem mais nos factores estruturais (…) o abandono e a exclusão
estão condicionados, como refere Stoer, por um lado, pela ausência daquele "mínimo que é
necessário para se poder estar na escola" (Stoer,1994) e, por outro lado, por aquilo que é inerente à
própria escola, isto é, ao papel da escola na produção e reprodução das diferenças e das
identidades culturais, que se constituem para estes jovens em factores de "dupla vitimização", em
relação às condições de origem e pelas formas e processos como são excluídas da escola”.

Testing the Water: Young people and galleries, uma coleção de ensaios, testemunhos e
reflexões, organizada por Naomi Horlock, David Anderson e Toby Jackson (2000), dá
conta dos primeiros anos deste programa e das relações entre a galeria e seu público
jovem que vivencia questões próximas das descritas por Fonseca (2001). Testing the
Water descreveu o processo que a Head of Learning afirma, em entrevista, pretender
conquistar “corações e mentes”:

The gallery had to recognize its locality, recognize how people may feel about such a gallery in
such a place and we needed to win hearts and minds by getting out there in the community. So the
first education offices were schools... someone going out in a van, taking artists out, doing
workshops in the community. (TL Head of Learning L. F., 2008)

Foi uma estratégia educativa, através de um programa orientado para jovens, a fim de
quebrar a resistência inicial da cidade para com a galeria. Como Head of Learning da
frisa, direcionar a abordagem inicial da programação educativa para um público jovem
foi uma estratégia viável, na medida em que os/as jovens são considerados/as como
mais abertos a aceitar novas ideias e, provavelmente, menos resistentes à implantação
de uma galeria de arte contemporânea em Liverpool.

Se o programa Young Tate (YT) nasceu como uma estratégia para estabelecer uma
relação (re)mobilizadora, educativamente falando, com a cidade, como um Advisory
Group, durante a investigação, foi possível observar que já havia assumindo novos
contornos e que possuía uma forte e consciente configuração vocacional, tal como um/a
dos/as jovens explica:

The Young Tate model was developed in Tate Liverpool in 1994 and has since been rolled out
across all four Tate sites, as well as forming a model for the sector. Young People manage
everything from project design and rationale, interviewing artists to work with, budget allocation
and spend, print and publicity, project management and evaluation They also play a key role in
the life of the gallery working with Visitor Services, Communication, Learning and Exhibition
teams to make real contributions to organization development and output. Young Tate meets
356

regularly at the gallery and these meetings are used to come up with new ideas, develop existing
ones, evaluate projects and learn news kills. (Jovem Young Tate J.F., 2008)

Apostado em facilitar aos/às jovens um lugar para experiências profissionais, no terreno


cultural, facilmente estas traduziam-se em competências altamente valorizadas pelo
mercado de trabalho. O programa tem sido adaptado aos padrões emergentes de
aprendizagem e parece incorporar os novos desafios que a cidade enfrenta,
principalmente na transição, para uma “economia informacional”.

Ao longo da observação, pode-se perceber que o Advisory Group inicial se tornou


socialmente mais homogéneo, desvinculando-se do seu propósito inicial – aproximação
a jovens em abandono ou em risco de abandono escolar. Percebeu-se que o Young Tater
é, na sua maioria, frequentado por “White British"68, cujos pais têm formação superior e
executam profissões intelectuais ou socialmente reconhecidas. Isso faz do YT um grupo
socialmente muito homogéneo, comprometido com a cultura visual (visto que a
frequência do projeto é voluntária 69 e é completamente desligada da escola) e como tal o
projeto aproximou-se mais de propósitos de ajudar uma média branca a melhor preparar
os/as seus/suas filhos/as, para a sociedade/economia de informação.

Neste sentido, todos/as os/as jovens pretendem manter os seus percursos académicos e
estão plenamente conscientes das vantagens que podem obter da sua ligação com a TL,
nomeadamente aumentar as suas possibilidades de acesso ao ensino superior ou a
profissões no terreno das indústrias criativas, como um/a jovem que integra o projeto
menciona em entrevista:

I met L. E. who is one of the older members of Young Tate, she’s actually working now. We were
talking about it – ‘oh what can I do – because it was my second year in Liverpool and I was trying
to get involved as most as I can everywhere and I couldn’t find something that kind of really fit me
and teach me something. So she told me about Young Tate, and she told me about it because she
was being, like, she basically started to work with the Family Programmes and she said to me,
well she learnt a lot through Young Tate and then got into[…] I think it’s amazing because when
you see people like L.E. or A. Or H., you know?! They just started as a Young Tater and now they

68
“White British" é uma classificação étnica usada nos censos britânicos
de 2001 para designar as pessoas cuja que são cidadãs britânicas e são
caucasianas.
69
Uma vez por ano, usualmente na primavera, o projeto abre-se a novos
recrutamentos – Open Day. Nos últimos anos, o processo de recrutamento
tem vindo a sofrer alterações e tendencialmente mais jovens acedem ao
projeto ao longo de todo o ano, trazidos por amigos/as que já o
frequentam.
357

are really confident and they know what they wanna do and the way they are going, and it’s just
amazing. (Jovem Young Tate J.F., 2008)

// Liderança de pares – Young Tate, como um projeto em contínua transformação

Como parte do projeto de pesquisa, houve um acompanhamento, durante sete meses, de


um grupo de jovens70, que se auto designaram por Young Taters. Apresentam-se na sua
página do My Space como:

“Enthusiastic individuals who want to develop confidence, team working, project management
and/or creative skills. No previous knowledge of art necessary, everyone welcome!“ (Tate, 2008,
p. s/p).

Nenhum processo de seleção específica deste grupo foi seguido. Apenas se optou pela
observação participante das reuniões dos Young Taters. Estes encontros regulares
destinam-se ao desenvolvimento de projetos existentes, construção de ideias novas, ou
servem propósitos de avaliação. Ao longo do período de observação, os Young Taters
planearam uma série de diferentes eventos públicos e privados para o público jovem,
incluindo oficinas de arte, desfiles de moda, intercâmbios entre galerias europeias,
mailing art e ensaiaram a publicação de uma zin 71.

Para o projeto de Verão – Art Pad – a TL propôs aos/às Young Taters, que alargassem a
sua resposta à exposição temporária e que criassem uma “interactive and theatrical
installation in the education studio […] A drop-in space designed and run by young
people for young people and their families” (Tate, 2008, p. s/p) – Ilustração 23. Com o
trabalho em conjunto com um artista durante 9 semanas, criaram uma instalação, assim
como atividades educativas, nas quais incorporaram as suas leituras sobre a vida e obra
de Klimt.

70
Não é possível determinar, com exactidão o número de jovens que
integram os Young Taters. Observamos que alguns jovens se ausentam do
projecto, durante longos períodos, enquanto outros novos acedem de
forma descontínua e, ainda outros se fazem acompanhar de amigos/as.
71
Art Pad, Blake Reinvented, Youth Art Interchange and Dock 8.
358

Ilustração 22 - Educatio n Studio tra nsform ado para o Klimt Art Pad, 2008

Dock 8 é o projeto mais ambicioso dos Young Taters, incorporando a candidatura a um


financiamento da Big Lottery Fund, para o qual trabalharam em conjunto com o
departamento de desenvolvimento da galeria, chegando mesmo a delinear um plano de
negócios. Se o projeto for aprovado, implicará a edição de uma zin, programas anuais de
outreach e de formação.

More than 300 young people will have the opportunity to develop their skills, knowledge and
experience in their chosen field of expertise that will equip them for adulthood and future
employment. The training and development of skills the young people will attain to help qualify them
for their potential career and prospects will be invaluable (Young Tate, 2009, p. s/p)

Por fim, Blake Reinvented é o primeiro evento Young Tate a ser integrado num evento
orientado para um público adulto – Late at Tate. Neste projeto, trabalharam em
conjunto, com jovens à procura de asilo político e estudantes de artes performativas para
criarem: “A special performance which blends fashion and promenade theatre though
contemporary interpretations of William Blake's work” (Tate, 2009, p. s/p).

Além de reuniões de preparação, um curso de formação é fornecido uma vez por ano –
Young Tate Workshop Leaders – no qual os/as jovens têm a oportunidade de aprender
várias técnicas de liderança de oficina, dicas para construir sua própria interpretação da
coleção e facilitar a relação entre a galeria e outros/as jovens. Estas técnicas tornaram-se
359

conhecidas, entre os/as educadores/as de galeria, como o método Tate, porque facilita o
acesso de jovens a um conjunto de ferramentas valiosas, aquando do acesso ao mercado
de trabalho cultural, como salienta o curador do programa:

And now we see a lot of young people being recruited as Information Assistant […]I sort today R.
had a job and H. has, He. as well and J.... yes… S. got a job on the shop as well and so others a
little bit older get jobs at Bluecoat, Art Centre and Fact, so they do a very high successful
certificating people to continuing on the field. I think the vocational element to Young Tate is
really strong about giving, not just art skills but also project management, making them aware of
the world of work and all these soft skills that they need. (TL Learning Curator - Young Tate M.
F., 2008)

Estes/as jovens desempenham um papel ativo no desenvolvimento da programação e


produção em todas as fases de cada projeto, desde a conceção do projeto e logística à
seleção de artistas, alocação de orçamento, à impressão e publicidade e avaliação dos
mesmos. Igualmente, tem como princípio a liderança de pares – jovens concebem
eventos discursivos em torno da programação de exposições para outros jovens –
definindo o ethos da conceção do Young Tate no princípio, de que a forma mais eficaz
de “atingir” um público é usar esse mesmo público, na conceção da programação.

Na lógica de que este programa do Learning Department não se cinge a fazer uso de um
grupo de jovens como Tink Tank, os Young Taters são incentivados a trabalhar com
outros departamentos, tais como os serviços de visitantes, as equipas de comunicação e
exposição, sempre sob a supervisão do Young Tate Curator, que trabalha como um
facilitador/moderador dessas interações. Neste sentido, um programa de mediação é
transformado em micro estágios, onde, em alguns casos, a ideia de autonomia e de
apropriação é levada demasiado longe, tal como o artista coordenador do Art Pad refere
em entrevista:

I think it’s very ambitious, not just in terms of what they produce but also in terms of their
responsibilities and time commitment toward it. Which I don't think is a bad thing. I just think it
does ask a lot from the young people that are involved. I very much like the idea... of being them
taking the ownership of the project. Really... trying to get them to take as much ownership of the
project as possible, trying to make them... take the decisions (TL Artist Educator - Young Tate P.
N., 2008)

YT, de fato, ocupa uma quantidade significativa do tempo livre dos/as jovens, embora
como destaque McWilliam & Haukka (2008), a experiência de trabalho e diversão está
360

sendo alterada e estes/as jovens estão imersos/as num tempo e lugar, que mistura lazer e
aprendizagem, promovendo assim o auto cultivo. Portanto, os/as jovens parecem estar
cientes e em controlo de suas agendas de aprendizagem, que incluem componentes
educacionais, não só formais mas também informais e não-escolares. Embora a ideia de
que projetos de educação não-escolar, como o YT, servem para aumentar a auto estima
e ajudar os/as jovens a alargar o seu potencial, isto levanta problemas.

Com efeito, se por um lado, há o risco de que o programa pode entrar em colapso numa
espécie de “terapia de afirmação” ou um “clube de tarde de domingo”, e seu foco
principal – interpretação da coleção por jovens para jovens – pode ficar para trás. Por
outro, se o programa é exigente, como um dos/as educadores/as artista aponta, os/as
jovens envolvidos/as aparentemente procuram essa exigência e demonstram que estão
motivados/as a desenvolver novas competências e estão recetivos/as a novas
experiências. Como foi mencionado anteriormente, este é um grupo específico que
reconhece o potencial desta oportunidade, como se pode ver no seguinte fragmento do
Diário de Terreno:

Tenho sempre presente que talvez estes primeiros momentos sejam de encantamento com todas as
técnicas novas que tenho visto. A horizontalidade de comunicação que conseguiram seja a M.
como curadora, seja a H. como Coordenadora, mas por outro lado, esse horizontalizar da
comunicação é uma espécie de estratégia laissez-faire, que conduziu a que o projeto por vezes
role e ninguém sabe muito bem para onde. Todos os dias os assistentes de sala no estúdio mudam
e todos os dias o estúdio abre tarde, porque ninguém se mexe para pôr a sala em condições e
abrir. Todos os dias a M. desce e diz aos assistentes de sala em que consistem as atividades. Os
Young Taters no primeiro dia decidiram ir ao cinema, deixando apenas duas Young Taters e uma
assistente de sala, num dia em que tiveram 360 visitantes. Nestas alturas M. mantem o mesmo
registo de laissez faire.
Por outro lado, questiono-me, face ao que realmente os Young Taters estão a aprender. De facto,
falhei o que parece ter sido o fim-de-semana de formação, mas durante as sessões com o artista o
que foi focado foi a criação das atividades. Que atividades iam fazer, como iam decorar a sala.
De vez em quando, iam à galeria ver a exposição, tirar ideias, muito mais em termos de padrões e
cores, do que conceitos ou ideia presentes na obra de Klimt.
M. partilhou comigo que, de facto, seria bom que eles soubessem um pouco mais sobre o autor e a
obra e por isso levou alguns livros para ao estúdio, mas a maioria estava em alemão. De igual
modo, questiono-me o que eles podem ensinar às pessoas que visitam o estúdio. Que tipo
animação está a ser feito? A atenção fica sempre focada no divertimento. A intenção é que quem
visite o estúdio se divirta e sinta a presença do Klimt, nas cores e formas que usaram na
decoração e nas atividades propostas. Contudo existe o Quizz, um para crianças e outro para
361

adultos. As respostas do Quizz estão numa árvore no centro da sala e se por um lado tem questões
pertinentes, como qual a profissão do pai do Klimt, que “encrustava” ouro, o que parece ter tido
muita influência na obra do Klimt, por outro lado perguntam o nome dos irmãos. Qual a
relevância de tal pergunta? Ninguém os questionou sobre o que estaria presente no Quizz, porque
este parece-me ser o único instrumento / atividade através do qual os visitantes obtêm alguma
informação sobre o autor. Fica a questão: O que é que este modelo de laissez-faire tem
conseguido junto dos Young Taters e junto dos visitantes? (TL - Diário de Terreno -14 de agosto
de 2008)

A chegada de uma nova Learning Curator que acumula as curadorias Youth e


Communities reforça a consciência de que o YT era um pequeno grupo e o programa
tinha potencial para abraçar outros projetos que já existem, com os/as jovens locais, que
nas palavras da Youth & Communities Curator:

The emphasis of Young Tate was related to more openness, accessibility and diversity, so that it
wasn’t about one group of young people. That group would also have to open up to other young
people specifically targeting people who have very little access to culture, which ranges from
asylum seekers, to young carriers, young offenders, young people with disabilities. So, moving
forward, the role of Tate Liverpool is to involve young people from those groups in what’s
happening at the gallery, in cultural activity (TL Learning Curator - Youth & Communities C. B.,
2008)

Por conseguinte, o YT sofreu uma nova mudança, com o intuito de chegar a um público
mais diversificado. O habitual pequeno grupo de Young Taters foram divididos em
grupos heterogéneos (Young Taters regulares e novos membros) para assegurar que
novos membros tinham espaço, para se sentirem confortáveis, para apresentarem as suas
próprias ideias. Essa mudança foi resultado da estratégia de liderança de pares que
permitiu, como Young Tate Curator refere: “to keep us on the toes and make sure that
what we deliver is relevant to those people as well”.

Ao mesmo tempo, esta mudança representava um meio através do qual os Young Taters
foram capazes de redirecionar a atenção, sobre o seu próprio desempenho individual
para a possibilidade de aprendizagem, através de ligações com jovens de várias origens
étnicas, nacionais e sociais, como esta Young Taters testemunha:

When I came, I wasn’t in the Young Tate, just in a Refugee Action. After I asked for M., she said
that Young Tate is helping through art – ‘anything you need’. I talked to M. and C. that I wanted
some more refugee people to join. C. was very happy for that [...] I’m very happy, because for the
first time it’s a very different accent in Young Tate than just English. Now I have some people that
362

are like me – they can’t speak English very well and it’s cool for them. (TL Young Tater Y. L.,
2008)

Fornecendo um ambiente informal, ainda que estruturado, a discussão de questões e


temas que dizem respeito à juventude, é incentivada e vivenciada, como: identidade,
sexo, idade, raça, classe ou deficiência, ao mesmo tempo que se facilita o acesso a
experiências noutros contextos. Como Sekules (2011, p. 36) reforça:

“If the programming is about youth itself, then considerations of identity, politics and culture will
inevitably come into play”.

Ao mesmo tempo, como a YT não está confinado a Liverpool, os resultados criativos


produzidos puderam ser replicados e disseminados.

Além disso, a par da Capital Europeia da Cultura, também foi criado um projeto que
abriu a galeria ao espaço europeu. A TL, através do Youth Art Interchange, acolhe um
fim-de-semana de intercâmbio com jovens de nove grupos, de oito principais
instituições de arte europeias: Tate Britain (Visual Dialogs e Tate Fórum), Tate Modern
(Raw Canvas), Tate St Ives (Young Tate), Kiasma (Konstklubben / Art Club), Helsinki
City Art Museum, Le Centre Pompidou (Arte Sessions) e Reina Sofía (Equipo <18)
Assim, esta galeria de Liverpool tem coordenado esse programa de atividade criativas,
destinado a explorar as realidades que envolvem as culturas europeias de juventude.
Mais ainda, este evento criou oportunidades para a juventude partilhar as suas melhores
práticas no domínio da liderança de atividades, em galerias e museus.

Durante quatro meses, os grupos de jovens destas galerias enviaram obras de arte uns
aos outros, para responder ao tema da Liverpool Biennial – Made Up. Tentaram
promover “an active European citizenship [...] and help them to shape the European
Union's (EU) future’ (AA.VV, 2009, s/p). Contudo, este objetivo parece gorado nos
discursos dos/as jovens, que discutem se serão tão europeus/eias quanto os/as colegas
europeus/eias que receberam:

I don’t know, I don’t really think of myself as European, even though I obviously am. But I, I don’t
know, I know that you know all people that we met over the weekend are very similar to me and
there’s not a huge amount of difference but I still don’t feel European! It just feels really weird to
say that I’m European, it just feels very strange. Like something that I wouldn’t…
S.: Most British people feel like that.
T.: I suppose with your friends, or maybe it’s because we’re not connected to the continent, like
physically.
363

C: Do you feel differently S.? You know the way you were saying, most British people feel like
that, do you feel differently to that do you think?
S.: I’m not really sure.
T.: I always count myself as from Liverpool, and then British, and then European. I say Scouser,
and then British, I never say English really, it’s more British than English and then European. (TL
Young Taters, 2008)

Com o auxílio das Learning Curators, os/as jovens foram anfitriões do encontro,
durante o qual, animaram mutuamente oficinas, com o intuito de partilhar práticas e
“explorar os significados por trás das realidades que definem as culturas da juvenis
europeias” (Young Taters). Com efeito, através de medidas, diretivas e projetos
comunitárias como o Young Art Interchange, a União Europeia tem vindo a reconhecer
e a promover a educação não-formal.

Este projeto progrediu, rapidamente e, em abril de 2011, os grupos de jovens


comissariaram uma exposição itinerante – A Sense of Perspective –, assumindo também
a responsabilidade de seleção de artistas, interpretação e edição do catálogo (Tate,
2011). A profissionalização da abordagem da galeria, tornou-se uma questão
significativa na TL, o que não significa que a criatividade e o conhecimento que jovens
desenvolvem sejam reduzidos a competências da economia informacional.

Apesar dos diferentes pontos de vista sobre a colocação de uma galeria Tate numa
cidade pós-industrial, o trabalho do Learning Department, por meio de programas
educativos como Young Tate, foi crucial para o processo da galeria no equilíbrio entre o
enraizamento na cidade e uma forte agenda social, com a ambição de reconhecimento
global, à mesma escala que seus colegas de Londres.

It's hard for Tate Liverpool to balance its local priorities and also make sure it maintains it
international profile [..] and the educational team here really has a strong social agenda, real
social action, wanting to improve ordinary people’s lives here in Liverpool and to break down
exclusion and all these kind of things; and there are so many groups that are not using the gallery
that we don't have the budget or the time to reach. But at the same time we need to make, not
forgetting that we need to show our works of art to people overseas and not became this bottom
gallery in the corner, so this may be a difficulty that I’m trying to balance the time and priorities
(TL Young Tater Y. L., 2008)

Em síntese, enraizada num contexto particular, a TL desenvolve uma tradição de forte


investimento na educação e na experimentação, que trouxe à galeria o reconhecimento
364

de “laboratório de práticas educativas”. Na verdade, como Toby Jackson (2009)


defende, Young Tate e o Learning Department parecem incorporar o ethos da
instituição, isto é, a consciência do potencial educativo da ligação entre obras de arte e a
estrutura social e política, em que estas são produzidas:

“I think I have been more interested in the place of the artist and the experience of the world, the
experience of getting engaged with an artwork. I do as an artist in the studio. You are less interested in
definition; you are more interested in playing with definitions. I'm interested in the process”.

O acesso ao processo, pelo qual ideias artísticas e curatoriais são desenvolvidas, parece
permitir aos/às jovens alcançar uma compreensão mais profunda do funcionamento de
galerias e do mundo da arte, numa escala mais ampla. A liderança de pares como o
núcleo do programa tem-se revelado fundamental, para sua contínua e permanente
atualização e consciência das exigências educacionais contemporâneas.

Young Tate permite apreender o significado do contexto local na definição do programa


de educação cultural da TL; assim como também facilita o acesso a um terreno, no qual
é possível analisar a combinação de agendas de educação global, com o ethos da
instituição, sem ignorar as agendas pessoais, exigências e interesses dos/as próprios/as
educadores/as e jovens, que juntos produzem um composto e complexo contexto de
análise, o que esta investigação tenta apreender.

Os resultados deste programa da YT, iniciado pela TL, adquiriram contornos de


globalização para outras Tates, assim como para outras galerias. Ao longo dos anos, foi
sofrendo mutações, para corresponder à juventude e a necessidades de captação de
públicos. Salienta-se a crescente dimensão vocacional que o projeto assume e questiona-
se, até que ponto os/as Young Taters são uma espécie de mediadores/as entre obras e
públicos.

Como YT funciona numa lógica de liderança de pares, um projeto liderado por jovens
que aprendem a trabalhar com outros/as jovens, crianças e famílias, finalmente
pergunta-se:

Será esta uma estratégia que facilita a aproximação dos públicos da Tate? Em que
medida a relação que se estabelece é horizontal? Parte-se do pressuposto de que os/as
jovens conhecem interesses e necessidades dos/as seus/uas pares. Contudo, a questão
que se tem colocado no YT é exatamente a das diferenças entre os dois grupos de jovens
de culturas e classes diferentes – regulares e novos membros.
365

2.2. C U R AD OR IA E D U C AT IV A : V I LNI U S COOP: G A PS , FI C TI ON S AN D

PR A C TI CE S (Š IU OL AI KIN I O M E N O C EN T RAS )

A outra atividade escolhida, para análise, permite problematizar a Curadoria Educativa,


questão que nos importa apreciar através da focalização na Galeria de Vilnius,
Šiuolaikinio Meno Centras, especificamente na atividade escolhida para observar e
analisar as práticas educativas – Vilnius COOP: Gaps, fictions and practices.

A apreciação desta questão tem subjacente uma problematização em torno das relações
de poder nas instituições museológicas, que perpassa como pano de fundo, sempre que
se debate a temática dos serviços educativos e a sua articulação com outras áreas de
funcionamento do museu. Na verdade, sublinhar a primazia das atividades relacionadas
com a gestão e a conservação da coleção e secundarizar o papel educacional do museu,
tem traduzido uma crescente diferenciação entre o papel do/a educador/a e do curador/a,
trazendo para o debate o que é discutido por Faria (2000, p. 4):

“gozando o segundo [curador] de crescente capital simbólico ligado à sua maior autoridade científica
pelo domínio de disciplinas específicas (...) e afastando-se, cada vez mais, de qualquer relação com o
público; e o primeiro [educador] tendo literalmente de lutar dentro da instituição para ser
reconhecido”.

A questão da formação artística e da profissionalização das artes conduz ao


aparecimento de um conjunto de profissionais que, progressivamente, observam um
alargamento das suas potenciais funções, nomeadamente a função educativa. Novas
nomenclaturas emergem, associadas a estes alargamento, tais como artista educador,
que, se por um lado, permitem a visibilidade do trabalho educativo, por outro cria uma
cisão no terreno entre artistas, cujo trabalho se cinge à produção artística, e
educadores/as com funções relacionadas com mediação.

Com efeito, perante a tendência para a crescente importância dos serviços educativos na
identidade dos museus, outra questão emerge relacionada com a figura do curador. A
relação entre curadores/as e educadores/as tem-se envolvido no seio de alguma tensão,
decorrente de tradicionalmente não haver articulação. Os/as educadores geralmente
surgem, na etapa final da linha de montagem das exposições, concebidas e lançadas
366

pelos primeiros72. Aqui, convém lembrar o fenómeno das últimas décadas de


progressiva constituição de uma posição de ‘autor’, entre curadores de exposições.

Na verdade, estas questões emergem da análise da atividade escolhida, Vilnius COOP:


Gaps, fictions and practices (Šiuolaikinio Meno Centras)

Nicholas Serota (1997) afirma, sem precedentes, que a galeria reflete a perspetiva que o
curador tem da história, que considera enviesada da cultura contemporânea,
contribuindo de forma particular, para se pensar a mesma. Esta leitura ampliada de
curadoria implica resistir à tendência para privilegiar a distinção entre o processo de
produção (protagonizada pelo artista), de distribuição, reprodução e divulgação
(protagonizada pela instituição cultural) e de fruição (protagonizada pelos públicos).
Afirma-se, por conseguinte, o museu contemporâneo, como um lugar de experiência do
olhar e de interpretação.

O'Neill & Wilson (2010) defendem que a arte contemporânea parece encontrar-se num
período de fascinação pela educação, desenvolvendo inúmeros projetos artísticos
educacionais e fascínio por pedagogos, como Rancière e Freire. Para estes autores, a
curadoria educativa permanece ainda, por um lado, entre uma estratégia de leitura, um
modelo interpretativo das práticas culturais e expressões contemporâneas e, por outro,
um novo sistema curatorial, no qual discurso interpretativo é produzido a par com o
discurso expositivo.

// Em que consiste a Vilnius COOP: Gaps, fictions and practices no CAC?

U. demonstrou uma posição completamente diferente, afirmando mesmo que os eventos


educativos são uma parte do projeto tão importante como a exposição, assim como o espaço não
é unicamente um contentor, que em si transporta uma carga de significado e de mensagem que
sem a qual o todo estaria incompleto. (Diário de Terreno – CAC - 20 de novembro de 2009)

Vilnius COOP73 é parte integrante da X Baltic Triennial of International Art74. Prevista


para 2008 a Trienal Urban Stories, foi adiada para 2009, para coincidir com a Capital

72
Mesmo que a separação tenda a atenuar-se, em alguns casos, assiste-se
a uma relação em que educadores, tal como outros profissionais (por
exemplo, designers) participam de modo equilibrado nas fases iniciais da
organização das exposições.
73 Artistas que integram o projeto: AnArchitektur (DE) Dalia Dūdėnaitė
(LT) Sven Johne (DE) Indrė Klimaitė & Isabella Rozendaal (NL) Žilvinas
Landzbergas (LT/NL) Jekaterina Lavrinec & Julius Narkūnas (LT) Dorit
Margreiter (AU/US) Paulina Olowska (PL) Maya Schweizer & Clemens
367

Europeia da Cultura. Comissariada por Ula Tornau e Lauf Vera, Vilnius COOP é
apresentada numa clínica médica abandonada na mais importante avenida de Vilnius.
Como explica em entrevista, a curadora da exposição Vilnius COOP é um projeto
particular, porque as estratégias discursivas de apoio à interpretação – Framing Events
Series e Info Corner – são parte integrante da exposição, assim como os objetos
apresentados:

You know that was also wide answer to question the other aspect of Vilnius COOP, because in the
one hand it was history, on the other hand it was our curatorial strategy that we wanted to invite
people, but not only artists, also sociologists, architects, philosophers who work on the city with
the city. And then of course it's not only visual formats that they are producing. But also in a
format of lecture or screening or something else. It was consciously that for us this project it
consist of the exhibition, but equally important part is public events series. It has to each other we
don't perceive it as for me exhibition is only one part of project. Actually this public series they
were very directly connected. I think it was really interesting how they related to each other,
because there was different aspect there are also analyzing and interested in, but also both of
them, one also you know from the other contribution. Or there was for example the piece from
Maya Schweizer & Clemens von Wedemeyer “Metropolis. Report from China“which connects
directly to this old “Metropolis“ by Fritz Lang from 1928. So we are screening of course the old
film in relation to this and so on. I think that's why for us it was not only public events series
company public series of events. And we call it framing events series, because it's a part of project
(CAC Curator U. T., 2009)

Os Framing Events Series constituíram-se numa série de seminários e filmes, à quarta-


feira do final da tarde, acompanhados por eventos que integram as próprias obras, como
as excursões às ex-cantinas soviéticas. Atente-se no seguinte excerto de notas de terreno
sobre estes eventos:

von Wedemeyer (DE) Joanna Sokolowska & Benjamin Cope (PL) Laura
Stasiulytė (LT) Urbikon (DE) Joanna Warsza (PL) Mirjam Wirz (CH)
Oksana Zaporozhec (RU) (Contemporary Art Centre, 2009).
74
A exposição foi fundada como The Baltic Triennial of Young
Contemporary Art in Lithuania em 1979, quando o país estava sob a
ocupação da União Soviética. A exposição tem uma longa tradição de
mostrar arte emergente. A Trienal investiu no conceito de juventude após
o fim do período estalinista, mas essa geração de jovens artistas também
manifestaram um espírito não-conformista crítico considerado perigoso
no regime totalitário. Durante todo o período soviético e até o final da
década de oitenta a trienal provocou discussões no discurso político, bem
como artístico. Nos tempos da União Soviética era a única possibilidade
de intercâmbio internacional e foi a única vitrine para a arte de vanguarda.
Após a restauração da independência da Lituânia, em 1990, o CAC
tornou-se a instituição de acolhimento da Trienal Báltico.
368

Lunchtime Excursion
Quando cheguei, já estavam à minha espera (entrevista com a U.) e o autocarro estava com bem
mais pessoas, do que era suposto. Quando chegamos à cantina, o fotógrafo da Vilnius Coop
ofereceu-se para me ajudar com a tradução. Quando lá chegamos, perguntei a duas das raparigas
porque tinham vindo hoje. Responderam-me que achavam o projeto muito interessante e que a
artista pertencia à mesma escola que elas – Vilnius Art Academy –. Parecia que me queriam dizer
que o exotismo do momento as atraía, assim como esta prática artística tão incomum.
Na fila, para escolher a comida, fiquei rodeada por 3 lituanos que vivem em Toronto e estavam a
falar em inglês entre eles, ao mesmo tempo que me orientavam na escolha da comida. Optei por
algo não muito comprometedor - sopa, salada russa e um crepe com compota de maçã.
Sentamo-nos os 3 a uma mesa, enquanto o fotógrafo fazia várias fotos de cada momento - escolha,
falar com a Sra. que estava a servir, pagar, escolher uma mesa, comer e pousar o tabuleiro.
A sensação que tive foi a de que a cantina era bem menos ascética do que as da UP, mas que,
mesmo assim, o nível de limpeza era razoável e a comida era boa. Consegui comer praticamente
tudo. A conversa focou-se na comida que era de melhor qualidade do que estavam a espera e o Sr.
que vivia em Toronto disse-me que não estava radicalmente diferente, e que se notava um nível de
higiene bem superior: "It’s my after time after 1975. In that time everything was grassy - the food,
the cutlery, everything!"
O Sr. que estava à minha frente, que teria cerca de 30 a 40 anos, teceu um comentário sobre a
necessidade que o homem soviético tinha de comida calórica, pelo trabalho manual, mas também
pela parca diversidade de alimentos, especialmente carne, peixe e frutas (excluindo as maçãs).
Esta era uma cantina de uma escola de mecânica. Quando entramos, senti alguns olhares a
pousarem em nós, até porque estava pouca gente a almoçar. Mas foi algo ligeiro. Pelo que me fui
apercebendo as pessoas comem e saem, não demoram muito, assim como as Sras. que servem,
mantêm um ritmo acelerado de trabalho. (CAC - Diário de Terreno -19 de novembro de 2009)

// Soviet Canteens

Na análise de Vilnius Coop sublinha-se a obra de Indrė Klimaitė e Isabella Rozendaal


sobre as cantinas soviéticas, como as artistas as apresentam:

“Once a dominant species, the Soviet canteen now seems close to extinction. They were devised to
save energy, free female workers’ hands and unify the diet across the URSS. The few that survived are
now business, struggling to keep their head above water” (Klimaitė & Rozendaal, 2009, p. s/p)

Este é um trabalho que mobiliza diversos meios: instalação, fotografia, publicação e


excursões. Segundo as artistas afirmam no guia, este trabalho é um projeto de
investigação sociológico de contornos etnográficos. Mobiliza a entrevista, a fotografia,
a observação participante e a investigação histórica para produzir um “retrato” da
realidade social, como referem, em extinção (mulheres, que trabalham nas cantinas
foram retratadas, assim como pratos e formas de preparação impostas). Ao mesmo
369

tempo, observa-se uma distância dos formatos pré-estabelecidos de educação em


instituições culturais, na medida em que a obra aproxima-se do projeto, quasi-
educacional, parte integrante da produção artística.

Quase extintas, as cantinas são resquícios soviéticos ainda em funcionamento, visitáveis


na Lunchtime Excursion. Aparentemente, este seria um projeto de interpretação,
categorizado como educativo. Mas de que obra? Considera-se que vai além do que um
mero instrumento de interpretação, para além de convidarem um grupo estranho a
almoçar juntos. O fundamental é levar as pessoas a uma Vilnius de outros tempos,
presumidamente extinta75.

Segundo a curadora do projeto, a proposta artística de ir almoçar a uma cantina


soviética foi bem recebida, muito particularmente, por trabalhadores do centro de
Vilnius (3º sector). Artistas e turistas decidiam almoçar juntos e a um preço muito
acessível. Possivelmente, como o diretor do CAC afirmou na inauguração da trienal
“tempos desesperados exigem medidas desesperadas”, estes trabalhadores em período
de forte recessão económica parecem procurar medidas passadas, ressignificando uma
proposta artística. Questões que de alguma forma já se advinham no guia publicado:

“This Canteen Guide is an invitation to examine those leaking time capsules as important witness to
the Lithuanian cities’ culture. And, well, to have a warm lunch for less than 10 Litas” (Klimaite &
Rozendaal, 2009, p. s/p).

// Framing Events Series e Info Corner

Os seminários, ou melhor as Wednesday Lectures discutiram, com auxílio de projetos


artísticos no espaço público da Europa de Leste, as transformações urbanísticas e sociais
da cidade pós-soviética. Ula Tornau, curadora do projeto que integra a equipa do CAC,
faz parte de um grupo de arquitetos que desenvolve nas margens do rio um projeto de
intervenção urbanística; participaram em protestos, para evitar transformar teatros em
casinos, mas sem grande sucesso.

75
As cantinas representam um modo de vida pré-democrático, sendo os
locais onde, a baixo custo, os trabalhadores, estudantes ou artistas (entre
as cantinas localizadas em fabricas, existem as das universidades e
instituições culturais como a Opera House ou o sindicato de escritores) se
alimentavam. Depois da adesão ao capitalismo, bares, cafés e restaurantes
começaram a proliferar na cidade, convidando as cantinas à extinção.
370

Contudo, o projeto sofreu algumas dificuldades de interpretação, como se percebe na


entrevista com a curadora e pela crítica numa revista da especialidade:

of course we realize while doing also that it's different public. We have in mind you know this
exhibition and public events series for us it's one, but for most of the public it's separated,
because just come to see exhibition or just come to the lecture and maybe it could be some kind
of whole in the book maybe would make some kind whole, but again it would be another kind of
whole. (CAC Curator U. T., 2009)

“(…) ‘Vilnius COOP: Gaps, Fictions and Practices’, which was more like an obituary than a
group of short stories; everything, even the dusty light, seemed touched by death. The star
attraction (if that’s the expression) was the venue itself: a grim, semi-derelict 1930s building. Its
lifeless interior was left largely untouched by the curators, who placed pieces of uneven quality –
with often mystifying connections to one another – in dark corners or stuck on grubby walls;
despite the inclusion of work by good artists – in particular, Dorit Margeiter, Maya Schweizer,
Clemens von Wedemeyer and Indre Klimaite – the mood was one of unremitting gloom. The
exhibition was accompanied by a convoluted curatorial statement that I have no space to quote
here but could, as a friend noted, be summed up thus: ‘This polyglot city is a unique hotchpotch.’
It’s not a bad idea for a novel. Why, then, compose an elegy?” (Higgie, 2010, p. s/p)

Alguns projetos educativos, pela complexidade de competências artísticas, técnico-


científicas e pedagógicas que mobilizam, refletem novas competências análogas às que
são típicas das criações artísticas. De fato, muito do trabalho desenvolvido na Vilnius
COOP situa-se na confluência entre o universo da pura criação artística e os objetivos
mais marcadamente pedagógicos, ligados ao desenvolvimento de conteúdos discursivos,
o que tendencialmente transforma algumas propostas artísticas, em objetos híbridos,
localizados entre a oficina, a performance, a investigação, a exposição e/ou a
publicação.

Igualmente, a prática curatorial parece ter vindo a assumir a centralidade da dimensão


educativa. Se a seleção de uma determinada obra ou artista é baseada numa ideia que o
curador quer compartilhar, através de uma exposição, esta parece ser uma prática
sobretudo educativa. Tal como Daniel Buren & Wouter Davidts (2010) argumentam, se
a construção de uma exposição envolve a motivação ou a ambição de oferecer às
pessoas algo que elas, supostamente, não sabem, o que é isto senão ensinar? Contudo,
isto não é simplesmente uma reintegração do curador, como perito encarregado de
educar o público sobre o conteúdo de determinada coleção, exposição ou ciclo, mas sim
371

uma espécie de “curatorialização” da própria educação, processo pelo qual a esta se


torna objeto e produto da produção curatorial. O que traz a curadoria de arte
contemporânea, que se distingue das precedentes é a ênfase na circulação de ideias em
torno da arte, em vez de focar na sua produção e exibição, como se observou na Vilnius
COOP.

2.3. P R OJET O C OM E SC OLA S (M U SE U DE A R TE C ONT E MP ORÂ N EA


DE S E RR A LV E S )

// Público escolar… público do museu

“A escolar e o museu, tendo embora histórias distintas e objetivos diferenciados, jamais deixarão de
projectar entre si intercepções que estão ainda longe de ser exemplares em todas as suas
potencialidades. Foram, pelo menos, desde os tempos do Iluminismo e da enciclopédia, considerados
instrumentos de uma cidadania democrática e participativa, coincidindo nos objetivos de preservação,
exercício e difusão de formas várias do saber. A sua acessibilidade tem vindo a ampliar-se ao longo
das últimas décadas suscitando novos problemas que levam a uma e o outro a interagirem com uma
sociedade cada vez mais complexa, variada e multiforme, que os transforma para além da
especificidade que as suas próprias histórias lhes atribuíram” (Fernandes , 2008, p. 9)

Uma outra forma de curadoria educativa pode ser percebida no Projeto com Escolas do
Serviço Educativo do MACS. Este é um projeto anual, cujo um tema aglutinador tem
um objetivo final, uma exposição. Concebido à margem das propostas expositivas do
museu, nesta é mostrado o trabalho de cada grupo escolar, como se de uma quase-arte
se tratasse. Este caráter misto da exposição do Projeto com Escolas é o facto de esta ter
lugar na sala do SE, mas ser anunciada, como exposição, a par das exposições nas
galerias do museu.

Como João Fernandes reconhece, na citação em epígrafe, o museu e a escola têm uma
“afinidade eletiva”, uma relação dialética na construção e difusão dos valores e formas
culturais institucionalizados. Contudo, levantam-se algumas dúvidas, quando afirma que
a acessibilidade a ambos tem vindo a ser crescente.

A discussão sobre o acesso à escola e o sucesso escolar, não teve amplificação na


discussão, nem sobre o acesso e sucesso, no que diz respeito ao trabalho das instituições
culturais educativas e seus diversos públicos. Observa-se não só um desfasamento entre
372

o que é homologado pelo museu, enquanto cultura legítima objetivada e as disposições


dos não-públicos, mas também um desfasamento entre aquilo que é o pós-museu. A
questão em torno da representatividade e da diferença – género, etnia, classe, religião –
presentes ou não num espaço institucional legitimador, como o museu, torna pertinente
discutir-se a questão da igualdade neste tipo de instituição educativa e cultural.

O Projeto com Escolas parece ser um veículo que possibilita que público escolar seja
também público do museu. A frequência obrigatória da escola permite que o museu,
através da relação com a escola, chegue aos públicos mais desfasados. Daí que se
afirme, tendo também presente que o ensino tem privilegiado educação integral, que o
público escolar é o público privilegiado do SE. Na obra publicada pelo MACS que
retrata o Projeto com Escolas de 2002 a 2007, afirma-se a relação do museu, como
facilitador das aprendizagens escolares:

“As temáticas escolhidas, em cada ano, permitem a articulação com conteúdos programáticos de
diferentes áreas disciplinares: artes, ciências, matemática, língua portuguesa, literatura, história, etc”
(Leite & Vitorino, 2008, p. 15)

Percebe-se uma certa instrumentalização da instituição cultural em favor de um modelo


educativo que lhe deveria ser estranho, posição de uma das monitoras:

é curioso pensar que a instituição tem animais, tem vacas e que isso poderia ser mobilizado no
sentido de relação com a arte contemporânea, mas não é. É explorado de forma autónoma. As
escolas muitas vezes veem ao Parque… mas é servir a escola e não o museu… (MACS Monitora
do Serviço Educativo C. M., 2010)

Presta-se agora atenção às especificidades que revestem este Projeto com Escolas. Se,
como já se argumentou, ele inscreve, em si, um ensaio de uma possível curadoria
educativa, ao mesmo tempo que se serve os propósitos escolares. Como Leite &
Vitorino (2008, p. 15) argumentam:

“Em cada projeto anual, pretende-se estimular o trabalho em equipa, partindo dos quotidianos,
interesses e desejos dos participantes, bem como das escolhas por eles assumidas”

Existe um tema mote anual, cumprindo um dos requisitos da metodologia de trabalho de


projeto (Leite, Malpique, & Santos, 2001). No ano da presente investigação, o tema era
“Máquinas”. Logo no primeiro dia da investigação, observei uma das oficinas do
projeto, onde se solicitava, às crianças, que construissem máquinas "felizes". Atente-se
no seguinte conjunto de notas sobre as oficinas do Projeto com Escolas:
373

Máquinas Felizes
Quando as crianças chegaram, a Cristina, formadora principal, apresentou-se e disse que iam
fazer máquinas, que havia máquinas com muitas funções e máquinas sem funções. Mostrou dois
vídeos do youtube sobre duas máquinas, uma para jantar e outra para almoçar. Em seguida,
mostrou e deu a experimentar umas pequenas máquinas "felizes" de um artista brasileiro, muito
engraçadas. Propôs que fossemos para o jardim e que, inspirados em alguma forma do jardim,
que desenhassem um insecto.
Disse-me: “Sabes, nós não somos apologistas daquelas coisas horrorosas, com misturadas que se
vê por ai. Reciclar sim, mas retirar todo o significado anterior. Se era uma lata, no produto final
não se pode perceber que era uma lata”. As latas de refrigerantes são um dos materiais que a
Cristina propõe. Um pouco mais à frente vem ter comigo com um catálogo de uma exposição, em
Campanhã, de um artista português que faz máquinas, inclusive uma delas, se não me engano,
está na coleção. O catálogo tinha alguns textos da Elvira Leite. Daí percebi que poderia ser uma
fonte, isto porque não percebi o porquê da temática deste ano. Porquê Máquinas? (MACS -
Diário de Terreno - 25 de janeiro de 2010)

Este projeto é estruturado em vários passos: apresentação e inscrição; Seminário de


Professores; Ações de formação e oficinas (educadores/as e professores/as); Oficinas
com alunos do pré-escolar ao secundário; Visitas; Entrega dos trabalhos; Exposição
final. Existe, desde o início, uma multiplicidade de abordagens ao tema, característica
central da proposta. O texto que estrutura o tema, o seminário, as oficinas, entre as artes
e o ambiente são momentos do trabalho e papel do SE, abrindo propostas de
interpretação, através da discussão concetual, com professores, nos seminários de
abertura e encerramento, trabalho das oficinas, etc.:

Seminário de Encerramento do Projeto com Escolas


Estavam convidados 2 artistas e 2 cientistas como oradores. Um dos artistas esteve à conversa
com o S. (Monitor do SE). As suas obras eram máquinas, ex: Máquina de Bater Palmas (pertence
à coleção). S. tentou conduzir no final a conversa para o projeto, mas a resposta foi no sentido do
dito anteriormente:
S: Já que temos uma plateia de professoras que tem que fazer uma máquina, tem algum conselho?
Já o cientista pretendia sublinhar o facto das máquinas serem nossas amigas e que eram
inevitáveis. Eu e a S. (Monitora do SE), uma ao lado da outra, fomos questionando o propósito de
algumas afirmações… a S. dizia: ”Bem… posso sempre dizer Eu sou artista!”
Julgo que a ideia subjacente, a este seminário, é facilitar alguns in-sites e suscitar questões que
possam vir a introduzir no projeto. (MACS - Diário de Terreno - 04 de março de 2010)

O trabalho com as escolas, apesar de ser o formato mais privilegiado, não se esgota no
Projeto com Escolas. Existem outras modalidades de contacto - as aulas no museu,
374

visitas, oficinas temáticas, o que implica uma relação escola-museu nova, como explica
a Coordenadora do SE:

Tal depende das atividades/projectos, nos quais o professor inscreve o grupo: uma visita ao
museu poderá não implicar qualquer tipo de contacto posterior, a não ser que o professor assim o
deseje. Já a participação, por exemplo, no projeto anual com escolas ou em oficinas de
continuidade (3 sessões por ano) são acções que, por definição, implicam uma articulação
prolongada e uma avaliação conjunta. (MACS Coordenadora do Serviço Educativo S V., 2010)

Transcreve-se fragmento de nota de terreno sobre uma oficina com crianças do pré-
escolar, que não se restringe a fazer umas pinturas e uns desenhos. Tinha um propósito
estruturado, por objetivos de curto e longo alcance:

“Eu sei que eles fazem muitos desenhos, mas reparaste logo no início que alguns nem sabiam
como pegar numa caneta. Fiz aqueles desenhos no início, como uma espécie de diagnóstico, para
perceber até onde poderia ir. Porque se não sabem ainda controlar a caneta, desenhar formas
geométricas, sei que não vou poder passar para a tridimensionalidade ou esse tipo de coisas.
Portanto interessava que eles treinassem esses usos da mão que se habituassem a mexer, a usar os
lápis, a coordenarem-se” Mas também me dizia que lhe interessava trabalhar determinados
conceitos, não me lembro exactamente o quê, mas que se prendiam com uma ideia consistente de
uma possível estrutura de educação artística – 1º isto e depois aquilo. Mas também de “andaime”
- quando já sabem isto é porque posso avançar para aquilo – que me parece advir também da sua
formação de base como artistas plástico e a importância (penso eu) de alguma competência
manual, dizia-me: “Porque hoje, com a história dos computadores, nós sabemos cada vez menos
trabalhar com as mãos. Não me estou só a referir ao trabalho artístico, estou-me a referir de uma
maneira geral…” (MACS - Diário de Terreno - 4 de fevereiro 2010)

Será que esta aproximação a uma lógica de educação escolar / formal existe noutros
domínios do programa do SE, fora do Projeto com Escolas?

A aula no museu, segundo a Monitora me disse é um evento comum orientado para as discussões
sobre arte contemporânea, enquadradas nas aulas de filosofia.
Contudo, esta "aula no museu" é diferente no sentido de ser uma resposta a um pedido de uma
professora de desenho do ensino secundário. O pedido era uma aula no museu que comparasse
arquitetonicamente o Museu Soares dos Reis e o Museu de Serralves.
No que diz respeito à aula em si, a Matilde fez uma apresentação da história da casa e do museu,
fazendo uma única referência ao Museu Soares dos Reis.
M: Bem, não vos vou adiantar quase nada, sobre o Soares dos Reis, porque vocês vão e melhor
que ninguém eles vos podem falar do museu. A única coisa que queria realçar é o facto de o
Soares dos Reis ser o 1 museu nacional reconhecido como tal, assim como Serralves foi o 1 museu
375

de arte contemporânea do país. Ambos no Porto, o que nos pode dizer alguma coisa sobre a
sociedade portuense. Esta é uma cidade de trabalho, da burguesia ao contrário de Lisboa, onde
ficava a corte. Foi uma cidade construída sob a iniciativa da realeza... Por conseguinte, já aqui
percebemos que o apoio de dinheiros privados à cultura da cidade não é novo. De facto este
museu e a casa só existe graças ao dinheiro da indústria portuense. (MACS - Diário de Terreno -
28 de janeiro 10).

Está presente no discurso deste professor, um contínuo entre escola-museu-escola, que


ilustra, primeiro, a contaminação entre contextos, estruturas e objetivos diferentes. Nas
suas especificidades – o museu mostra, aproxima; a escola ensina, contextualiza –
parecem contribuir para o mesmo fim educativo. Contudo, apesar desta ser uma parte do
trabalho educativo do museu, parece que tem que ser cuidadosamente vigiada esta
proximidade e este contágio de métodos e práticas, na medida em que é muito fácil
escolarizar os espaços não-escolares, face à forte ligação simbólica entre educação e
escola.

Segundo: este contínuo ininterrupto escola-museu-escola é utópico. Nem sempre os


currículos são próximos das questões que o museu trata nas suas exposições, ampliando
esta dificuldade pelo facto do museu ser, por excelência, temporário – mudança
constante de exposições temporárias. Tal, pode ser ou não visto, como um obstáculo a
uma ligação mais estável com a escola, no sentido em que, numa exposição
“permanente” os professores sabem que determinadas obras estão disponíveis durante 1
ou 2 anos letivos, podendo programar com antecedência e mesmo “entrar” através de
diferentes ângulos consoante o interesse do currículo. Contudo, as criticas à
permanência são conhecidas – aborrecimento dos públicos – contudo a fórmula de
permanência-temporária usada pela TL, na qual a coleção está exposta de acordo com
uma temática durante um determinado período de tempo parece ser muito profícuo na
preparação de matérias pelos profissionais.

Numa terceira perspetiva, ainda, note-se o seguinte excerto:

Lembro-me que ele apresentou um projeto bastante diferente daquilo que nós (artes) fazemos que
são aulas que eles dão lá em baixo em função do programa do 5º e do 6º ano de Ciências. São
aulas específicas. Dizia que alguns grupos vinham não para uma aula, mas para um passeio e que
quando começava a introduzir conteúdo e a suscitar a participação destes, que tinha tendência a
não reagir muito bem. Para evitar isso, o que faz é contactar a escola para que prepare as
crianças, que vêm para uma aula. Com efeito, tem sido mais frequentes os conteúdos dessa aula a
376

ser alvo de avaliação, tal como outro conteúdo qualquer. (MACS - Diário de Terreno - 20 de abril
de 2010)

Presencia-se uma intrusão escola-museu. Aqui parece revestir-se de uma forma, não ao
serviço da escola, mas em substituição desta. Apesar de se tratar de um ambiente físico
diferente da sala de aula, toda a restante estrutura é igual, incluindo a avaliação. Onde é
que fica aqui a educação não-formal?

A aprendizagem, no museu, é inevitavelmente, diferente da que se realiza na escola:

pela situação em si (que quebra rotinas), pelas características do espaço em que o visitante é
acolhido, pelas temáticas abordadas, pelo tipo de comunicação que se estabelece, pela
possibilidade de subverter regras e de valorizar diferentes interpretações. Contudo, os objetivos
de preservação, exercício e difusão de formas variadas do saber são comuns a ambos, podendo a
experiência no Museu complementar as aprendizagens escolares. (MACS Coordenadora do
Serviço Educativo S V., 2010)

A consolidação da “rede” que Madureira Pinto (2007) defende entre as diversas


instituições “educativas” na cidade parece materializar-se numa estratégia de relação
privilegiada, entre a escola e o museu. Por sua vez, Bourdieu & Darbel ([1969] 2007) já
haviam referenciado que a escola é a única instância capaz de incorporar a
disponibilidade de encontro com a cultura cultivada.

A escola, no seu processo de acolhimento de novos grupos sociais, foi forçada a abrir-se
a articulações com a sociedade onde se insere, incorporando essas diferenças nas suas
múltiplas formas de comunicação e de expressão, assim como na sua diversidade e
multiculturalidade. Este prolongamento do “exterior” para o “interior” da escola é hoje
imperativo, para o sucesso dos novos públicos escolares, que introduzem eles próprios,
na escola, a heterogeneidade do meio social e cultural de que são originários.

Paradoxalmente, parece que o alargamento da escolaridade obrigatória veio aprofundar


o fosse entre o museu – que permaneceu impermeável às mudanças da sociedade
contemporânea - e a escola que, afinal, se democratizou. Por conseguinte, a mobilização
dos instrumentos de análise do sistema de ensino para a análise do museu, enquanto
instituição educativa, pode revelar-se profícuo, na medida em que, ambas as
instituições, em momentos diferentes, parecem estar a atravessar desafios idênticos,
como a questão já discutida da acessibilidade a uma instituição pública – o fazer-se
espaço público.
377

Uma outra questão dentro deste eixo prende-se com as relações causais que são estabelecidas
entre a classe social, ou lugar de origem das crianças e das escolas que visitam Serralves. Dizia-
me a Sofia:
S: Eles portam-se mesmo bem. Mas esta é uma escola com quem temos trabalhado já há alguns
anos e a professora está a fazer um trabalho fantástico, inclusive acabou agora a tese de
mestrado que foi sobre um projeto connosco. Vê-se mesmo que há um trabalho por trás, eles não
andam ai a correr, colaboram, mas já sabes com estas idades eles só fazem mesmo o que querem.
Já a Monitora que fez a visita-oficina com a escola, presumivelmente, do Bairro da Biquinha,
pergunta-me:
M: Sabes de onde é que eles são? Da maneira que eles se portam só podem ser de um bairro bem
problemático.

Parece existir essa colagem entre classe social, espaço social e comportamento e
desempenho das crianças – uma espécie sobreposta de mapeamento territorial e social..
Tal parece advir de uma troca de experiências acumuladas de relação com escolas, que
lhes permite inclui-las hierarquicamente, o que não pode deixar de ser referido, como
pode transparecer das expectativas criadas sobre o desempenho de crianças e jovens.
Contudo, a observação existe em relação ao contexto formal de educação – à escola – e
não nos espaços de educação não-formais – museu. Contudo, aqui percebe-se uma clara
aproximação da educação a uma lógica escolar, reproduzindo as suas dinâmicas e
bloqueios.

Madureira Pinto (2007) afirma, ainda, que o sistema educativo português, em virtude
do que chama de “procedimentos de transmissão e exigências de avaliação codificados
na chamada cultura escolar”, tem-se mostrado relutante em estabelecer pontes com
outros “agentes e instituições do campo cultural”, como os museus. Contudo, reitera a
perspetiva de que esta parceria escola-museu se constitui para muitas crianças e jovens
“oriundos/as de meios familiares com baixo nível de capital cultural” uma oportunidade
de acesso, até então difícil face a barreiras físicas, mas sobretudo institucionais e
disposicionais. Em entrevista, a Consultora do SE afirma o Projeto com Escolas, numa
lógica de formação de públicos distingue-se a educação formal:

Mas bem, formar públicos com certeza, mas não é no sentido escola, porque com isso eu não
concordo nada, mas é que nada! Chega de escola! O que pode é complementar a escola. É por
isso que eu também estou aqui… projetos de museu com as escolas são a minha felicidade porque
primeiro atinge todas as classes sociais, todo o tipo… emigrantes, mais ricos, mais pobres, assim-
assim, mais do interior… há miúdos e graúdos e faculdade, devíamos trabalhar mais com as
Universidades. Isso venham todos, ai não se faz o que a escola faz, não se deve mesmo fazer. Aqui
378

não há competição nenhuma. Há complementaridades! E portanto o enriquecimento de ambas as


partes e isso é formação de públicos? É um contributo, sim com certeza. Mas é neste sentido…
(MACS Consultora do Serviço Educativo E. L., 2010)

Reforçando a ideia de “rede” de cooperação, Madureira Pinto (2007) afirma ainda a


necessidade de mobilização do que chama de equipamentos culturais “dedicados” –
museus – e “de recurso” – escolas.

“Ora, estando ao alcance das escolas participarem no movimento de democratização cultual,


inserindo-se, nos termos enunciados, num intercâmbio de equipamentos e práticas conducentes a uma
expansão da oferta e da procura efetivas de bens culturais, a verdade é que também não lhe está
vedada outra modalidade desse mesmo movimentos – a do estímulo à criação artística propriamente
dita” (Madureira Pinto, 2007, p. 161).

O autor aponta, também, no sentido de uma nova “rota de formação”, que seja não só
formação extensiva de públicos, mas também exercício ativo, de consumo e produção.

Numa das entrevistas a um dos/as Monitores questionava-se se, na sua perspetiva,


haveria uma distinção nos objetivos centrais de uma visita e de uma oficina. Por outras
palavras, se na visita existe em enfoque na mediação entre o públicos e as obras, na
oficina, a prática é assente no exercício da produção – desenho, escultura, produção de
som, pintura – Por conseguinte, numa primeira análise estas parecem duas atividades de
um mesmo projeto educativo, embora com objetivos distintos – mediação e formação.
Contudo, na perspetiva de sociólogo português, estas seriam, preferivelmente, duas
faces da mesma moeda. O exercício da prática cultural ativa aparece como “o salto
qualitativo que consiste em passar do patamar da democratização cultural “extensiva”,
conduzida num lógica homóloga da do “alargamento dos públicos da cultura”, para o de
uma democratização da “expressão e produção culturais tendencialmente autogeridas”
(Madureira Pinto, 2007).
379

NOTAS FINAIS SOBRE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS MUSEOLÓGICAS

Em suma, no ponto 1, salientando-se a multiplicidade de atividades e de programas


nestes três espaços contemporâneos, verifica-se uma tendência no sentido do
alargamento de públicos, diversificando-se, para isso, as atividades dirigidas
genericamente quer a crianças, a adultos, famílias, quer a pessoas alvo de várias
modalidades de exclusão social, educacional etc. Estas tendências vão de encontro às
múltiplas teorias de educação nos museus de arte contemporânea. Observa-se ainda que
as galerias analisadas, apesar das especificidades realçadas, mobilizam várias tendências
comuns, em articulação com as particularidades da coleção, criando espaços únicos de
interpretação. Assim, a multiplicidade de práticas museológicas, que hoje coexistem,
mobiliza um conjunto diferenciado de atividades.

Do mesmo modo, a evolução da teoria educativa tem conduzido algumas instituições,


como a TL, a reformular a denominação desses departamentos. Neste caso, em
particular, a educação foi substituída pela aprendizagem (Learning Department) –
observando-se a transição do locus da responsabilidade para o/a aprendente. Seguindo,
deste modo, as perspetivas de que os sujeitos devem assumir a direção dos seus
processos de aprendizagem. Outros quais, como o MACS, observam que não se trata
unicamente de uma questão de capital cultural e investem a sua programação em
eventos, como o Serralves em Festa, como forma de atraírem grandes números de
pessoas para dentro dos seus muros, numa tentativa de desmitificação do seu papel
como legitimador de reprodução social e cultural. A "abertura de portas" e a atracão
pela componente festa, dos quais estes eventos se revestem, tende a aligeirar a
apropriação destas instituições, retirando-lhes a carga elitista, que muitas vezes lhe é
associada. Contudo, tais eventos são exceções, momentos pontuais na programação,
quase sempre no Verão, como festa de despedida do ano letivo e celebração do início do
Verão. A questão que não pode deixar de emergir é a da descontinuidade desta proposta,
ao longo do ano. Quando o sentimento de festa se desvanece, instalando-se, novamente,
a perceção do espaço institucional como formal, pontuado, ocasionalmente por
propostas, como as inaugurações. Eventos, igualmente, festivos, mas socialmente
restritos.
380

Indubitavelmente, porém, assiste-se a uma oferta, cada vez mais frequente e


consolidada, de debates, oficinas, visitas orientadas, simpósios, programas educativos
em geral, entre outras diversas práticas discursivas. Estas têm vindo a desempenhar um
papel de apoio à interpretação da obra de arte e à extensão da função educacional do
museu de arte contemporânea. Historicamente, essas práticas discursivas têm sido
periféricas à apresentação das obras de arte, tendencialmente representam um papel
secundário. Contudo, as práticas artísticas contemporâneas, apesar de serem aquelas
que, por norma, estabelecem relações mais difíceis com os seus (não)-públicos, têm
vindo a incorporar estas intercessões discursivas. Que, por sua vez, não são
omnipresentes, mas, cada vez mais, são enquadradas em termos de educação, pesquisa,
produção de conhecimento e aprendizagem em propostas de curadoria educativa.
Abordagens, simultaneamente, artísticas e educativas que favorecem novas relações
entre a arte e públicos e entre artistas educadores/as e artistas, no interior do próprio
campo.

A análise dos três casos parte da forma como se encontram estruturados as suas
estratégias de intervenção. Salientando os aspetos que se afiguram como partilhados e
específicos, permite compreender o lugar do experimentalismo e da inovação
pedagógica, mas também o da autonomia programática, os modelos de atuação, quer
nos discurso que organizam, quer nas práticas que legitimam.

O interesse singular em escolher o Young Tate é sobretudo por se tratar de um projeto


contextualizado cultural e socialmente; por apresentar um forte investimento na
educação, sendo reconhecido como “laboratório de práticas educativas”, com um ethos
educativo de ligação entre arte e sociedade; pela sua originalidade e sucesso de
liderança educativa jovem (de pares para pares) foi adotado e disseminado em todas as
galerias Tate. Com este projeto os/as jovens desta cidade global têm oportunidade de
ampliar e alargar as suas perspetivas, para além do ensino formal. Ou seja, pela arte, de
um modo não-formal, os/as jovens podem ser remobilizados para o conhecimento, a
cultura, a escola, o trabalho, a comunidade, remobilizados para uma sociedade de
conhecimento. Com este projeto, apreende-se e pensa-se em torno do significado do
contexto local, na definição do programa de educação cultural, combinando
múltiplas agendas. A experimentação e inovação são, em larga medida, associadas ao
trabalho educativo da TL, e em sentido restrito, ao projeto Young Tate.
381

Vilnius COOP e os seus eventos enquadradores parecem incorporar narrativas visuais,


que dão forma à temática da trienal, como os interesses artísticos e políticos da sua
curadora. Em particular o projeto Soviet Canteen convoca a ativação pelos públicos
através do uso do guia e excursão para almoçar nas próprias cantinas. Tal conduz os
públicos na experiência de rotinas do passado soviético, que se estende no futuro,
porque ainda hoje as cantinas são parte integrante da rotinas quotidianas de muitos/as.
Neste sentido, o argumento, ou melhor, o discurso curatorial parece mais autoral, do que
as próprias obras apresentadas, recolocando a discussão em torno da relação de poder
entre artistas e curadores/as. O desequilíbrio desta relação em favor do curador, neste
caso, faz-se pela visibilizarão do discurso curatorial, por meio da organização de um
dispositivo interpretativo forte. Por outras palavras, curiosamente, o curador conquista
um espaço central, no campo artístico através da educação.

O MACS parece apostar no aprofundamento da relação institucional com a escola,


procurando transformar o público da escola, em público do museu. O que se torna
visível no grande número de atividades orientadas para as escolas e, em particular, no
Projeto com Escolas. Um aspeto importante para este projeto é a sua estrutura que
favorece o movimento recorrente entre a escola e o museu: envolve o trabalho
preparatório, visita ao museu, trabalho de follow-up em sala de aula e a exposição das
obras no museu. O trabalho preliminar destina-se a rentabilizar a própria visita, dela
retirar o máximo proveito; a visita ao museu atua como catalisador da motivação,
estimula e proporciona uma experiência física e consolida-a; trabalho de follow-up
mistura as experiências de aprendizagem no museu na sala de aula, recuperando
memórias; por fim, a exposição no museu pode ser percebida como o reconhecimento e
integração deste trabalho educativo, mais desfasado das lógicas artísticas que outras já
analisados. O aspeto mais importante do trabalho de projeto enfatiza o valor da
produção de sentido, por parte dos/as estudantes (crianças e jovens), do respeito pelas
experiências, interesses, motivações individuais integradas na interação social e
produção de conhecimento e permite explorar o potencial único de objetos e usos do
museu, como recursos de ensino e de aprendizagem, com características específicas.
382
383

Conclusões

O propósito é agora apresentar algumas conclusões da pesquisa etnográfica europeia,


realizada em torno da educação cultural, em instituições de arte contemporânea, na
primeira década do século XXI, à luz de uma perspetiva sociológica, que cruza
contribuições teóricas oriundas da Sociologia da Cultura, Sociologia da Educação Não-
escolar e da Museologia Crítica.

Com efeito, concluir é apresentar o conhecimento produzido no processo de pesquisa,


confrontando por um lado, os objetivos (pesquisar o lugar educativo do museu de arte
contemporânea europeu guiado por um projeto de pesquisa etnográfico multissituado,
identificando quer a política educativa e cultural de cada galeria da CEC e as
orientações europeias e globais que as enformam); por outro lado, a interpretação dos
resultados alcançados no processo de análise dos contextos, estratégias e práticas
educativas de cada galeria e, finalmente os resultados da pesquisa em confronto com as
teorias existentes, em torno da educação (inter/multi) cultural contemporânea europeia,
produzindo assim o conhecimento original que é expresso (pel)nos lugares estudados.

Assim, percorrida capítulo-a-capítulo esta dissertação, informada pelos três estudos de


caso, é o momento de traçar algumas conclusões, que se organizam em quatro pontos:
uma reflexão sobre desafios metodológicos contemporâneos, três museus, três
dinâmicas de capital europeia da cultura, leituras cruzadas da educação em três museus
de arte contemporânea e a afirmação de um conceito de educação cultural mais largo,
para o qual concorrem mediação, reconhecimento, integração e participação da
diferença. Atente-se, então, nos aspetos mais relevantes em cada um destes quatro
pontos, deles evidenciando as necessárias conclusões.

// Uma reflexão sobre desafios metodológicos contemporâneos

i. Revelou-se como a globalização não é um fenómeno, mas uma construção


sociológica, explicitada em processos sociais e lugares múltiplos, que, em parte,
384

é alimentada por processos sociais localizáveis e analisáveis, no tempo e no


espaço. Assim, se os contextos são cada vez mais globais e inscritos em
múltiplas “comunidades de interpretação”, as metodologias devem desafiar
abordagens multissituadas, enquanto modos mais adequadas, para
compreender e captar estas novas realidades sociais, culturais e educativas
e suas interdependências, como foi o caso da etnografia europeia que se
realizou.

Esta investigação revestiu-se de constantes processos de recorrência entre teoria e


empiria que, em conjunto, foram moldando a arquitetura do próprio texto etnográfico.
Apesar de neste estudo se ter começado pelas questões de índole macroestrutural e
teórico, só, mais tarde, com a argumentação potenciada pela etnografia global, se
conseguiu conferir coerência a essa aparente dispersão, entre preocupações iniciais e o
impulso de construir conhecimento situado.

Isto porque, a etnografia global permite a perceção dos micro processos observados em
cada um dos casos, representações, resistências, sínteses e traduções das estruturas mais
macro, sendo tendencialmente estas que são analisadas, quando se trata de globalização.
Nesta narrativa etnográfica, o que se pretendeu foi estudar processos marcados pela
globalização cultural e educativa, a partir de lugares concretos. Logo, o que este estudo
evidencia são orientações, divergências e similitudes em cada um três casos, mas
também as (inter)relações e (inter)dependências entre eles.

O trabalho educativo do Learning Department da Tate Liverpool mostra como, ao longo


da sua existência, tem sido produtor de sentidos e práticas locais globalizáveis,
parecendo exercer forte influência sobre o Serviço Educativo do MACS. Fazendo uso
dos conceitos de globalismo localizado e localismo globalizado, argumenta-se a
possibilidade de que a Tate Liverpool é um localismo globalizado. As suas práticas e
discursos sobre educação em museus, ao serem disseminadas, influenciaram a
construção do atual discurso que se estrutura em torno da gallery education, observável
nas particularidades que conferem a esta galeria o estatuto de “laboratório de práticas”.
Por conseguinte, MACS e CAC podem ser analisadas como globalismos localizados, no
sentido de que são parte integrante, embora scartos (Melo, 2002), de uma plataforma
global de produção, exposição e interpretação de arte contemporânea, incorporando,
sintetizando influências, matizadas pelos condicionalismos e potencialidades reais dos
contextos locais.
385

A localização da globalização permite compreender os processos e detalhes da sua


contextualização em cada lugar e cada caso em estudo, reconhecendo as práticas
educacionais e culturais, ao mesmo tempo que contribui para a compreensão do
processo de negociação, incorporação ou resistência à globalização, das três agências
culturais europeias.

Através da combinação das tendências de desterritorialização da globalização e da


desterritorialização da localização, estas três instituições culturais europeias expressam,
através dos processos e técnicas múltiplos, que esta metodologia permite combinar a
natureza dialética da conexão entre tendências globais e locais na (re)construção dos
contextos contemporâneos, em que se inserem. Estudados os casos de forma
contextualizada, focando a sua fundamentação discursiva e a formação das suas
práticas, à luz das teorias pós-modernas, produziu-se um conhecimento situado. A
localização deste conhecimento tornou-se útil para pensar o lugar da educação nas
instituições culturais europeias contemporâneas, no detalhe e interpenetração das suas
múltiplas dinâmicas de homogeneização e heterogeneização (cultural e educativa).

// Três museus, três dinâmicas de capital europeia da cultura

ii. A política cultural europeia busca, na cultura, âncoras ao nível simbólico e


cultural para a construção de um espaço europeu unificado e de hegemonia
económica e cultural

Tendo em consideração os casos analisados, crê-se que o processo de elaboração de


entendimentos e normas de ação comuns, protagonizado pelos Estados-membros da
União Europeia, ao longo de uma década, contribuem para perspetivar os usos
instrumentais da cultura. Do mesmo modo, este processo de instrumentalização pode ser
interpretado como participando da construção de uma matriz discursiva, ou seja,
ideológica, que procura fundamentar a consolidação do espaço europeu, apoiado na
criação de uma cultura comum, suportada em eventos transnacionais, como a Capital
Europeia da Cultura. Em verdade, observaram-se diferenças na programação educativa
– mais intensa e orientada para a relação com a própria cidade – no ano capital europeia
da cultura, o que sublinha a potencialidade desta estratégia de política cultural
europeia de aproximar instituições culturais, cidades e públicos.

Este evento oferece à cidade visibilidade transnacional, pedindo em troca


homogeneidade na estratégia de cidade, apoiada na retórica da cidade criativa;
386

unicidade nos valores culturais que tendem a valorizar a dimensão lúdica e de


entretenimento da cultura; unicidade nos usos que a cidade faz do próprio evento, que,
como se observou, tende a imperar a dimensão económica, em detrimento da dimensão
cultural. O que conduz a uma segunda asserção:

iii. As cidades europeias periféricas, como Liverpool, Vilnius e Porto procuram


reinventar o espaço urbano, no seu traçado e vivências, através da cultura. Esta
pesquisa evidencia como os museus, integrando esta estratégia em
diferentes graus, tendem a mobilizar, em seu favor, os condicionalismos do
contexto urbano, que os acolhe. Transformam a sua lateralidade em
discurso curatorial; condicionantes físicas em excecionalidade; pequena
dimensão em distinção.

Assim, novos desafios e ajustes rápidos surgem, devido a profundas mudanças


estruturais na economia europeia e na sociedade em transição, para o capitalismo,
ajustes estes que se observaram, também, nas políticas culturais Europeias, que
originaram um evento que, inicialmente, parecia ambicionar sublinhar o que de comum
os/as europeus/ias tinham, mas tem sido usado, com propósitos de regeneração urbana e
económica, formas de autopropaganda e de legitimação, tanto das cidades, como do
espaço europeu.

Desde logo, estas três galerias de arte contemporâneas, inauguradas em 1988 (Tate),
1989 (MACS) e 1992 (CAC), são estruturalmente diferentes. Posicionadas nas
fronteiras noroeste, nordeste e sudoeste da Europa incorporam as diferentes tradições e
transições (“democráticas”/ ditatoriais) dos seus países. Se, Portugal esteve sob o mais
longo regime fascista na Europa, já a Lituânia integrou o primeiro e mais longo projeto
de estado socialista e, finalmente, o Reino Unido afirma-se como um regime
democrático com séculos de existência. Logo, a programação destas instituições, ainda
que não explicitamente, incorpora dinâmicas históricas, sociais, políticas, económicas e
culturais que interagem com estas diversas realidades, o que gera diferentes dinâmicas,
orientações, intensidades e práticas urbanas e processos culturais e educativos.

O caso Lituano, desprendendo-se do regime político totalitário de socialismo de estado,


deixa, nas mãos da comunidade artística, a constituição de uma nova instituição
cultural; enquanto em Liverpool são as zonas industriais decadentes que dão origem a
processos culturais, impulsionadas pelo mercado; no Porto, é o Estado que, movido por
387

preocupações de preservação patrimonial e por políticas culturais focadas no hardware,


vai instituir o primeiro museu da contemporaneidade e a primeira fundação cultural na
última década do séc. XX. Assim, poder-se-ia afirmar que a TL nasce da
desindustrialização liderada pelo mercado; o CAC emerge da descentralização
liderada pela comunidade; e o MACS da des/reprivatização liderado pelo estado.

Se, em ambos os regimes totalitários, existia um controlo apertado das formas de


expressão cultural e artística, orientando-as para a propaganda, após as respetivas
revoluções democráticas, a orientação das políticas culturais pode mesmo ser percebida
como contrária. Se, em Portugal, houve uma consciência da necessidade de construir
uma estratégia de top-down (Pinto, 1994), através da construção de infraestruturas,
educação artística e apoio à internacionalização dos artistas; o oposto parece ter
acontecido na Lituânia. O Estado Lituano parece ter adotado uma posição laissez-faire,
deixando às instituições culturais, como o CAC, e aos artistas o papel de motores da
produção artística e impulsionadores do reconhecimento internacional, portanto, uma
estratégia bottom-up, apoiada pela comunidade internacional, em particular pela UE.

A preservação de um património como Serralves, pela transformação da Casa de


Serralves num Museu de Arte contemporânea, parece materializar esta mesma política.
Uma concentração de esforços públicos na materialização de desejos e vontades, mas,
como se pode argumentar, também numa continuidade do imaginário mecenas de
Serralves, mas agora enquanto instituição coletiva-cultural-privada des/reprivatizada,
estendendo-se socialmente e convocando novas práticas culturais. Serralves tem vindo a
afirmar-se como um espaço aberto a múltiplas interseções sociais, que não são de pura
fruição das obras de artes, exigindo, assim, uma compreensão mais lata, do que são
práticas culturais em espaços museológicos. Neste sentido, a transformação desta vila
privada numa intuição cultural, veio estender a cidade, não só no que diz respeito à sua
geografia física, mas sobretudo social e cultural.

Esta pesquisa mostra que no que diz respeito ao CAC, o caminho de descentralização
deparou-se com múltiplas resistências na incorporação do modelo curatorial ocidental.
Primeiro, a cisão entre a autoridade estabelecida (Sindicato dos Artistas) e o poder
emergente de uma instituição, com modos de gestão, linguagens artísticas
contemporâneas ocidentais, depois a resistência e a desilusão das expetativas culturais e
estéticas dos públicos do Palácio de Exposições Soviético. Concentrando-se no círculo
ainda relativamente restrito do mundo de arte, o CAC tenta estar em sintonia e provocar
388

transformações artísticas (e também sociais e culturais), convocando jovens artistas,


desafiando os curricula da Academia e forçando os horizontes dos seus públicos e
críticos. Procura evitar a traição da tradução, no que diz respeito à interpretação,
promovendo o contacto direto entre artistas e públicos, entre obras e vida quotidiana e,
por último, entre eventos internacionais e perceções locais.

Este estudo mostra também como num país central, como a Reino Unido, com governos
trabalhistas durante os últimos anos, deram ao setor da cultura e das artes uma atenção e
financiamentos sem precedentes. O enfoque adicional sobre educação e criatividade
acarretou múltiplas oportunidades para desenvolver programas e parcerias que
incorporaram planos de desenvolvimento estratégico dos serviços públicos de educação,
colaboração com organizações fora do sector de artes. Isto mostra um impacto positivo
do foco sobre o impacto social do trabalho educativo museológico na vida dos artistas,
públicos e comunidades locais além de nas próprias organizações artísticas. Ou seja, o
instrumentalismo das artes e da cultura, muito particularmente na desindustrialização,
não parece ser uma incoerência, ou pelo menos não é percebido, como tal, pela Tate
Liverpool.

Por conseguinte, o principal objetivo da CEC é a transformação da cidade, que


parece envolver uma mesma receita de regeneração urbana através da cultura. Por aqui
se pode referir e concluir que a CEC é, em primeiro lugar, um investimento particular
nas atividades de produção artística; nas instituições e nas ofertas culturais; no
património edificado; nas qualidades estéticas dos lugares e nas paisagens; nos modos
de vida; e nas culturas locais, potenciando a (auto)imagem da cidade. Infraestruturas
essas que passam muitas vezes pela construção ou revitalização de equipamentos
culturais, como galerias de arte contemporânea que, tal como nos 3, casos analisados,
são percebidas como peças integrantes da formação da identidade urbana e cultural.
Nesse sentido, parece que não é simplesmente uma questão de replicação de soluções
estandardizadas que está em causa nas galerias de arte das CEC, até porque os casos
estudados nascem de processos de desindustrialização, descentralização e
des/reprivatização.

Em segundo lugar, apesar dos grandes eventos terem potencialidades instrumentais


incontestáveis, pelas suas características, têm também limitações e condicionalismos,
observáveis nestes três casos. Mesmo as potencialidades mais instrumentais não
ocorrem de forma automática – Vilnius não conseguiu construir o seu Guggenheim; e
389

julgo poder afirmar-se a incipiência das indústrias culturais no Porto. O seu


aproveitamento depende da adequação dos projetos às características específicas do
evento e às dinâmicas que se geram no contexto do processo de organização. Concorda-
se com Ferreira (2004), quando diz que a adaptação de modelos pré formatados de cariz
internacional é uma das principais razões dos insucessos. Ou seja, nesta metodologia de
formação de políticas, muito pouca atenção é dada ao processo de desenvolvimento
cultural, de baixo para cima – impulsionado pelas dinâmicas locais.

As CEC analisadas são, neste sentido, o resultado de uma negociação entre a política
cultural europeia, nacional e urbana. No fundo, um conjunto de fórmulas miméticas
temperadas pelas especificidades locais, que tem como objetivo a reconversão urbana,
instrumentalizando a cultura. As convenções metafóricas que enformam os slogans das
capitais – “A World in One City”; “Culture Live” e “Pontes para o Futuro” – integram
estratégias de marketing, no qual as cidades afirmam a projeção no futuro, não
esquecendo o passado glorificado e reconhecido como Património Mundial da
Humanidade pela UNESCO. Procuram afirmar-se como animadas e fervilhantes,
arquitetónica e artisticamente arrojadas, construindo imagens identitárias apelativas, tal
como se de um produto “vendem-se”, como lugar para viver, visitar e investir.

Logo, apesar de, em teoria, poderem fornecer uma atração inicial para as empresas ou
profissionais criativos, pergunta-se que processos podem sustentar estas dinâmicas e
nestes megaeventos, à escala regional, que memória coletiva é comemorada? Que
estética realmente conta? Que cultura é celebrada? Tem sido a cidade transformada,
re/construída, para responder aos direitos dos/as seus/uas cidadãos/ãs? Pelo que, como
Harvey (2008) se argumenta que o direito à cidade é um direito humano.

// Leituras cruzadas da educação em três museus de arte contemporânea

i. Tornar a arte mais pública é um dos propósitos consensuais de qualquer museu.


Estes existem para dar a conhecer os objetos por si distinguidos. Contudo,
educação nos museus de arte tem estado intrinsecamente relacionada com a
necessidade de ultrapassar a estratificação social dos públicos do museu e nesse
sentido, o departamento educativo existe como solução paliativa numa
instituição que não se assume enquanto educativa e plural. Ou seja, esta
investigação mostra que os departamentos educativos são “males
necessários” no caminho de uma democracia cultural (Lopes, 2007).
390

Reconhece-se, em primeiro lugar, que, apesar da função educacional estar presente na


génese e “genética” dos museus, muitas instituições, apenas nos finais dos anos 1960,
demonstraram interesse em fazer os públicos entrar na sua programação. Como se
observou anteriormente, o próprio facto de cada vez mais os museus terem que avaliar e
justificar a sua relevância obrigou a uma preocupação maior com os públicos, o seu
conhecimento e as possibilidades de os alargar, constatando-se um maior destaque na
ação dos departamentos educativos, mais ou menos articulados, com as áreas do
marketing e da curadoria.

Realça-se, em segundo lugar, que a educação nos museus de arte tem estado
intrinsecamente relacionada com a necessidade de ultrapassar a estratificação social dos
públicos e prende-se com a ideologia da democratização cultural – acesso à educação e
às artes. Denota-se que as relações que se estabelecem entre alguns públicos e as
instituições culturais parecem configurar-se mais como um consumo cultural das
próprias instituições culturais, enquanto legitimadoras. Por conseguinte, o
reconhecimento da presença reveste-se de uma capitalização social, no sentido, da
apropriação instrumental do museu, como mecanismo de reforço de capital social. Tal
uso (não) inesperado do museu, fá-lo anfitrião de um jogo alheio às suas funções
matriciais, o que parece reforçar o desfasamento desta instituição pública, face aos
restantes grupos sociais. Por conseguinte, o desfasamento dos (não) públicos, face ao
museu, é uma questão social e cultural e não educativa. Neste sentido, a gestão desta
relação cabe às instituições culturais, como um todo, mas, que, por convicção ou pudor
público (político), têm vindo a criar um serviço com o fim de estreitar a relação entre si
e os seus (não) públicos. Por conseguinte, afirma-se que o serviço de educação serve, no
sentido literal, aqueles que têm um défice, que se procura compensar através da
organização de subsídios pedagógicos. Foi transversal a todos os casos que a
estruturação de propostas educativas tem como principal destinatários os (não) públicos
e, como principal objetivo, a formação dos mesmos. Procuram, assim, suprimir a falta
ou a distância cultura e social, face a uma cultura legitimada e a uma prática social
distintiva. Nesta lógica, os departamentos educativos são indispensáveis, porque
permitem apaziguar um necessário questionamento institucional de fundo do museu.

Ao mesmo tempo, este estudo mostra que a educação é hoje uma área estratégica nos
museus, quer porque permite concretizar uma visão programática das artes e da cultura,
enquanto veículos de coesão e integração social, construção identitária, mobilização de
391

uma cidadania cultural e apoio à estruturação de percursos educativos contemporâneos;


quer como auxilio ao reconhecimento político e artístico das instituições. A visibilidade
do trabalho educativo e o sucesso da sua programação nas galerias analisadas tende a
autonomizar organizacionalmente a função educativa do museu. Paradoxalmente, esta
autonomização traduz-se num acantonar dos departamentos educativos, isolando-os da
programação das exposições, o que reforça, ainda mais, a sua condição subserviente da
função principal do museu – criar e mostrar os objetivos artísticos, enquanto
manifestações culturais eruditas.

O que não invalida que se afirme que a principal razão, para a educação em museus, é o
concretizar das metas pedagógicas, culturais, estéticas, sociais e políticas. Daí que a
educação cultural contemporânea seja aqui apreendida, nos três casos em estudo, como
sendo plural na sua estruturação e propósitos. Tornar a arte mais pública, no sentido de
mais acessível, independentemente dos efeitos ou usos “secundários”, é tom dominante
dos discursos escutados. Esta etnografia europeia revelou que os objetivos educativos,
os “efeitos secundários” desejados, de um museu são combinados em intensidades
diferentes:

Pedagógicos, enquanto valorização de um modelo radicado nos princípios de


uma pedagogia construtivista, libertadora, não-diretica, criativa e divergente, exercida
através de métodos ativos, como o Ways In da TL, que privilegia a participação direta e
a relação dialética, entre artista e público;

Culturais, pela possibilidade de acesso às obras de arte e aos espaços de criação,


circulação e fruição, sem constrangimentos ideológicos ou outros, tais como os que
tiveram na génese da fundação de um projeto artístico, como o CAC;

Estéticos, pela relação dinâmica entre o público e a obra motivada pela


descoberta, análise, crítica e tomada de consciência da sua possibilidade de participação
e diálogo, que aparecem argumentados nas experiências motivadas pelo MACS;

Sociais, pela procura e uso de dispositivos discursivos, que diminuam as


diferenças de códigos e lugares de classe e favoreçam condições de igualdade de
reconhecimento das diferentes identidades culturais, marcadamente presentes nas
propostas educativas da TL e do MACS;

Políticos, pela articulação de diferentes propostas que servem distintas agendas e


escalas, presentes nos três estudos. Particularmente, a agenda da cidade criativa,
392

motivando a formação orientada para o capitalismo informacional, presente com


intensidade no projeto Young Tate da TL; a agenda da internacionalização do campo
artístico, que assume maior incidência no programa curatorial do CAC; e a agenda de
articulação institucional entre escola e museu presente no Projeto com Escolas do
MACS.

// Mais do que uma afirmação, várias questões

“Where 'arts’ exclude, 'culture’ includes. ‘Art’ has been cut short of meaning, where ‘culture’ has not”
(Willis, 1990, p. 1)

Em consonância com Paul Willis (1990), propõe-se uma conceção da arte como cultura
visual, que possibilite afirmar a educação cultural contemporânea como não apenas
mediação, ainda que crítica e reflexiva, mas como reconhecimento, integração e
participação.

Na verdade, os museus, enquanto serviços públicos, são atravessados por lógicas


compósitas e enfrentam vários desafios, que ultrapassam a mera formação ou não, de
trabalhadores criativos, para o mercado, públicos, estudantes e amantes da arte. Esta
investigação procurou mostrar como esta dualidade é redutora. O mundo
contemporâneo é cada vez mais visual, em que os processos educativos e de
comunicação exigem múltiplas competências e literacias. A produção da indústria
cultural globalizada e suas formas de divulgação criam interfaces culturais específicas, e
a arte contemporânea, como parte da cultura visual, pode ser vista como um laboratório
de experimentação de linguagens visuais, ou como um sistema visual de significação e
criatividade, auto reflexivo, crítico, participativo, muitas vezes revelando estruturas
ocultas de sistemas de significação. Logo, o uso de abordagens criativas e alternativas,
que fazem uso de linguagens estéticas da arte contemporânea nos programas de
educação em museus, podem aumentar potencialidades ao nível da imaginação,
aprendizagem e conhecimento. A arte é fundamentalmente uma forma complexa de
linguagem visual, que é socialmente construída e historicamente específica e
culturalmente vivida.

Nesse sentido, questiona-se se será na arte contemporânea que reside o encontro entre a
erudição reconhecida e incorporada pelo museu, como obra de arte e a comunalidade da
vivência quotidiana. Será esta a proposta artística que, ao incorporar a cultura comum,
dispensa a mediação e ultrapassa as lógicas da falta e do subsídio, que parecem
393

enraizadas nas lógicas educativas do museu? Contudo, ao aproximar-se da cultura


comum de uns, não se distancia da cultura comum de outros, reconvocando a mediação?

A arte, enquanto cultura contemporânea, incorpora o reconhecimento das realidades


compósitas que estruturam as sociedades atuais, fazendo emergir a questão paradoxal da
aproximação ao quotidiano (tendencialmente, quando a arte se aproxima dos códigos
quotidianos, é menos reconhecida por quem vivencia esses mesmos quotidianos) e
pertinentes questões sobre o que deve ser e como se deve organizar a educação cultural
contemporânea que também reconheça essas mesmas realidades compósitas.

Como se argumentou, à luz do pós-modernismo a cultura e a arte deixam de ser


independentes da organização social, aproximando-se ao quotidiano, assim como se
debateu a pressuposta diluição das fronteias culturais e a miscigenação de códigos não
deixando de reconhecer o risco de substituição da tónica sobre a redistribuição de
recursos pelo reconhecimento cultural.

Afirmou-se a incorporação de linguagens antropológicas na estética contemporânea –


valoriza-se o corpo, o indivíduo, a comunidade, o reconhecimento e a participação dos
públicos. Neste sentido, presencia um número crescente de exemplos de curadores/as e
artistas que adotam estruturas pedagógicas, desafiando dicotomias e fronteiras. O
impacto potencial desses projetos, em relação à função educativa e à aprendizagem,
dentro da instituição museológica, só se começa agora a observar. Estes projetos
aparentemente pedagógicos, nos quais artistas fazem arte que envolve pessoas como
colaboradoras, facilitadoras ou sujeitos ativos, levanta questões complexas e novas para
todos/as os/as agentes do campo. Para instituições de arte, tais formas de trabalhar
muitas vezes exigem uma reformulação do estatuto de obra de arte, pelo que o que é
produzido é frequentemente contingente e, invariavelmente, não se presta facilmente a
tradicionais formatos expositivos. O desenvolvimento de novos modelos para a
produção e a apresentação desse trabalho, no entanto, é uma oportunidade para o museu
abraçar, não só novas linguagens contemporâneas, como também para repensar o seu
papel educativo. Esta evolução no campo da arte e da curadoria, desde 2008, tem sido
apelidada de educational turn (O'Neill & Wilson, 2010) e sugere colaborações em
contradição, com base no reconhecimento mútuo entre arte, educação, cultura e museu.
Propostas que se observou ensaiadas, com mais facilidade no CAC, pelo que, menos
constrangido por dogmas artísticos, respostas educativas políticamente corretas e
estruturação organizacional, não procura resolver a sua função educativa, remetendo-a
394

para a responsabilidade de um só departamento, propondo o cumprimento da sua


responsabilidade cultural, através de propostas artísticas, como o projeto Soviet
Canteen. Nestas propostas observa-se o reconhecimento e incorporação do quotidiano
da cultura comum da cidade. Ou seja, convocando os conceitos de Willis (1990),
almoçar nas cantinas seria o extraordinário do ordinário da cultura comum de muitos
habitantes de Vilnius.

As implicações dos museus serem plataforma para experimentação e laboratório


artístico e educativo estão a ser abraçadas pelos agentes do campo. Contudo, o que o
novo institucionalismo exige, pelo que não parece que se abandone a definição
institucional do que é arte, é uma abordagem integrada da programação – educação,
exposições, marketing, desenvolvimento – que concebam estas propostas como parte de
um programa, ao invés da separação mais tradicional e territorial dessas áreas de
trabalho.

Tal parece caminhar no sentido de um conceito de arte próximo de cultura, ainda que
institucionalizada, que se aproxima quase de uma dimensão antropológica liberta de
cânones estéticos e, por conseguinte, de um conceito de educação cultural mais largo,
para o qual concorrem mediação, reconhecimento, integração e participação da
diferença. Ainda que utópico, o museu, ao institucionalizar esta proposta de cultura
visual contemporânea, reconhece a diversidade social e cultural e reclama para e em si a
discussão, o debate e o exercício de cidadania cultural.

Assim, mais do que certezas e afirmações, num campo em constante mutação e


motivada pelo desejo de pensar o futuro, a partir da materialidade empírica do presente,
considera-se que os contributos mais reais desta dissertação são a investigação das
culturas educativas vivas e vividas pelas galerias europeias e as questões que procurou
levantar. Nomeadamente: Continuará o projeto europeu a investir na sua consolidação,
instrumentalizando a cultura e as suas instituições? Serão as cidades europeias
periféricas capazes de converter as potencialidades de dupla periferia – no espaço
europeu e nos circuitos artísticos – em efetivos ganhos simbólicos, sociais e
económicos, para além da experimentação que o lugar de fronteira lhes proporciona?
Como é que os museus de arte contemporânea, que cultivam a excecionalidade, o
efémero e a figura do/a curador/a como, “autor” de discursos expositivos lidos num
cubro branco ascético, descontextualizador e logocêntrico, incorporará as vanguardas do
educational turn? E o departamento educativo que papel assumirá, quando a arte
395

exposta é criada pelos/com os seus próprios públicos? Assistir-se-á a uma tal


aproximação da arte à prática social, que já não se distingue uma da outra? E a
investigação sociológica? Terá esta, também, crescentes preocupações estéticas e
artísticas?

Terminada a dissertação, considera-se que a perspetiva analítica usada poderá alargar-se


a novos terrenos, a nível global e local, a fim de compreender como é que eventos como
bienais e trienais de arte contemporânea, que proliferam à volta do globo, entendem a
crescente oferta educativa que estruturam, aprofundando novos sentidos de uma
etnografia global.
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