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ISBN 978-85-8482-204-1
CDD 304.2
2015
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Sumário
CONCEITO E HISTÓRIA DA
GEOGRAFIA CULTURAL
Objetivos de aprendizagem:
Introdução à unidade
Deste modo, temos como objetivo nesta unidade apresentar a Geografia Cultural
a você. Este campo rico da Geografia, que embora no Brasil tenha começado a
ser discutido com maior profundidade a pouco tempo, é uma abordagem que
acompanha a Geografia desde os tempos de Ratzel e La Blache.
Mas você deve estar se perguntando por que esta afirmativa trata-se de um campo
rico para a ciência geográfica. É rico porque busca estudar o homem e seus grupos,
e como eles expressam sua cultura, seja ela material ou imaterial. Isto é, palpável
ou presente nas relações, como, a fé, a religiosidade, a relação que estabelecem
com o que é a natural e tantas outras formas de manifestarmos a cultura em nosso
cotidiano.
• Qual a relação da Geografia Cultural com os autores que atuam nos primórdios
da Geografia, como Ratzel e La Blache?
• E, por fim, como a Geografia Cultural pode auxiliar nas práticas do professor de
Geografia?
Vale destacar que tal unidade será construída a partir de alguns interlocutores,
isto é, autores nacionais e internacionais que nos ajudaram a pensar a cultura e
sua evolução, como Eagleton, (2005), Lévi-Strauss (2003), Diegues (2004), Geertz
(2008), Barth (1998), Claval (1999), Claval (2001), Corrêa (1999, 2007); a definição
e a evolução da Geografia Cultural, com Claval (2001), Corrêa e Rosendahl (2008;
2011), Corrêa (2007), Almeida (2009); a Geografia Cultural brasileira via Almeida
(2009), Corrêa e Rosendahl (2008 e 2011), Claval (2001), e, por fim, a abordagem
cultural no ensino de Geografia com Castro (2008).
Seção 1
Você sabe qual é a origem da palavra cultura? A origem latina de cultura é colere,
essa palavra possui uma variedade de significados, dentre eles: cultivar, habitar,
adorar e proteger. Isto é, a palavra cultura reúne diferentes universos, o natural, o
material, espiritual ou imaterial (EAGLETON, 2005).
• A concepção de cultura como cultura material: isto é, trata da cultura que diz
respeito ou se manifesta via utensílios e instrumentos que têm origem nas vivências
dos grupos. É a cultura que podemos tocar, visualizar com maior clareza. Assim,
podemos definir a cultura de um grupo pelas danças, costumes, utensílios, músicas,
hábitos próprios do seu viver cotidiano. Contudo, apenas os hábitos materiais, pois
neste caso as vivências, as experiências e seus significados não são considerados.
Figura 1.1 | Estrutura que abriga um monjolo utilizado pela Comunidade Quilombola de
São João – Adrianópolis – Paraná
Assim como base em todos estes elementos, podemos nos perguntar: qual destas
definições seria a utilizada pela Geografia Cultural na atualidade? É o conjunto de todas
elas, pois, para Claval (2001), a cultura que orienta a Geografia Cultural na atualidade
reúne aspectos materiais e imateriais dos grupos, isto é, reúne os objetos, as técnicas
que eles possuem em seu cotidiano, mas também os significados presentes em seus
discursos ou ainda na realização destas atividades. Este todo é a cultura, que em função
destes grupos estarem em contato com o outro, é mutável. Assim, é este conjunto
de fatores que vai se encontrando e fazendo das culturas diferentes umas das outras.
Neste sentido, para Claval (2001, p. 53), “[...] compreender os sentidos dos lugares,
o espaço vivido, o peso das representações religiosas se torna imprescindível para o
estudo das culturas”, isto é, fundamental na compreensão das culturas entender sua
relação com o espaço, com os lugares (CLAVAL, 1999; 2001; CORRÊA, 1999; 2007).
Isto é Geografia Cultural!
Ainda nesta linha de raciocínio, Claval (2001) destaca que na Geografia Cultural este
processo de compreender as manifestações da cultura no espaço passou por dois
momentos que viam a cultura de modos diferentes. Um deles pertinente à primeira
metade do século XX, na qual os fatos da cultural eram tratados em sua expressão
material, que para o autor é “apaixonante”, mas limitado (CLAVAL, 2001, p. 36). Tal
análise não permitia “[...] esclarecer a dinâmica dos comportamentos humanos”
(CLAVAL, 2001, p. 36). E o outro, após 1970, que buscava compreender a cultura
como um todo, material e imaterial.
Seção 2
Deste modo, neste momento, vamos buscar compreender parte deste processo
evolutivo da Geografia Cultural, desde suas origens no século XIX até sua consolidação
com Sauer (1925) e a Escola de Berkeley (apud CLAVAL, 2001).
Para tanto, faço a você algumas perguntas: onde e com quem a Geografia Cultural
tem sua origem? Será que também é na Europa, assim como a ciência geográfica
de modo geral? Quem criou este termo? Quais são os primeiros estudiosos da
Geografia Cultural? O que procuram estudar neste início?
Assim, a concepção de cultura utilizada por Ratzel (1914 apud CLAVAL, 2001) era
a cultura material, a cultura que era possível ser visualizada na relação do homem
com o meio e, na sua apropriação, tratava-se de uma dimensão mais política que
cultural propriamente dita.
Neste momento, não havia menção à cultura expressa de outro modo que se
não o material, pois era esta cultura que permitia a compreensão das diferenças
entre os espaços, das relações entre o homem e meio.
Outros geógrafos alemães, como Otto Schluter, August Meitzen e Eduard Hahn,
também discutiram a cultura material no contexto da paisagem (CLAVAL, 2001).
Todavia, também tratavam de uma cultura material baseada em utensílios e técnicas
e seus usos na ocupação e/ou dominação do meio (CLAVAL, 2001).
Para Claval (2001), este olhar que valorizava apenas a materialidade da cultura não
abarcava os valores e as crenças embutidos nesta materialidade, o que torna a análise
incompleta. Contudo, vale ressaltar que, neste período, século XIX, a visão que se
tinha da cultura era esta, material, até mesmo natural, palpável. Deste modo, é neste
contexto que os primeiros estudos acerca da Geografia Cultural se apresentam.
La Blache, porém, não foi único francês que deu contribuições para a Geografia
Cultual, Jean Brunhes, seguidor de La Blache, também contribuiu (CLAVAL, 2001).
Tais autores valorizam as realidades étnicas, isto é, a realidade vivenciada pelos
grupos que se unem em função dos traços culturais e sociais comuns (CLAVAL,
2001). Pierre Deffontaines é outro francês que contribui diretamente com este olhar
para a cultura que a Geografia apresenta (CLAVAL, 2001). Ele se aproxima ainda mais
da etnografia, dos estudos dos grupos e das relações que se estabelecem entre eles
e o meio em que vivem.
As teorias de Sauer (1925) são influenciadas diretamente por suas vivências, seja do
tempo que passou na Alemanha ou da sua vivência nos EUA (CLAVAL, 2001). A obra
deste geógrafo é construída, especialmente, no início do século XX e se aproxima
muito da ecologia, tendo fortes influências em suas produções. Além destes fatores de
influência, Sauer (1925) também tem um amigo antropólogo, relação que o aproxima
dos estudos de comunidades específicas que viviam à margem do progresso (CLAVAL,
2001), sendo que sob estas dedica boa parte dos seus estudos.
Segundo Claval (2001), no que diz respeito à forma que Sauer (1925) entendia a
cultura, ele a destacava em suas obras sob os aspectos materiais e também sob o
olhar da relação do homem com a natureza e a influência desta na conformação
dos grupos sob os espaços. Logo, tanto a ligação com a ecologia como com a
antropologia ficam muito nítidas.
Contudo, não apena de glórias vive a obra de Sauer (1925), pois algumas são
as críticas que recebe, tanto de geógrafos ligados à Geografia quantitativa quanto
referente ao materialismo histórico (CORRÊA; ROSENDAHL, 2011). Tais críticas
diziam respeito à ausência de características na Geografia Cultural de Sauer (1925),
próprias destas correntes do pensamento geográfico, como pragmatismo e a crítica
social (CORRÊA; ROSENDAHL, 2011).
Mas estas não são as únicas críticas, também existiram as internas, que falavam da
problemática da concepção de cultura supraorgânica trabalhada na escola americana,
pois esta concepção via a cultura como uma entidade maior que os sujeitos dos
grupos. Logo, é como se os sujeitos fossem condicionados a viverem neste regime
de modo harmonioso e os conflitos não ocorressem por movimentações internas,
mas externas. Trata-se da cultura como um elemento maior, além dos indivíduos,
como algo que rege a vida das pessoas, e estas não possuem poder de ação sobre
a cultura, mas ao contrário.
é que a Geografia Cultural proposta pela escola de Berkeley (CLAVAL, 2001) deu
contribuições para este campo de estudos na Geografia, que são visualizadas na
atualidade, nos estudos desenvolvidos pela Geografia Cultural renovada.
Deste modo, para muitos, a Escola de Berkeley, junto à de Sauer, são tidos como
uma primeira versão da Geografia Cultural, sob um olhar tradicional, em função da
perspectiva de cultura utilizada (CORRÊA; ROSENDAHL, 2011).
Seção 3
Autores como Claval (2001), Corrêa e Rosendahl (2011) destacam que, após o
auge da Geografia Cultural, no início do século XX, que pode ser considerada como
tradicional, este campo da Geografia passou por uma fase de declínio ou ainda de
estagnação.
Esta fase é iniciada a partir do momento que pequena parte de geógrafos dedicava
seus estudos à Geografia Cultural, principalmente em comunidades tradicionais,
isoladas, como em comunidades africanas. Eles buscavam discutir esta cultura
materializada que se apresentava, de certo modo, intocada nestas comunidades.
Todavia, neste período, ainda havia teóricos que se dedicavam e buscam estudar
este processo de encerramento das práticas dos grupos devido à padronização ou
ainda à globalização, como Jean Brunhes (CLAVAL, 2001).
Nesse sentido, o conceito de gênero de vida, por exemplo, passa a não ser mais
suficiente para análise da realidade em questão. Assim, com a padronização dos
utensílios, dos costumes, enfim, dos objetos de estudos desses geógrafos, o mesmo
perde-se no contexto, pois não há mais diferenças para se estudar.
Contudo, você já ouviu falar que crise costuma funcionar como uma mola
propulsora? Pois é exatamente isto o que ocorre. É esta crise que serve de impulso
Vale lembrar que esta mudança busca se apoiar em outras áreas do conhecimento,
como a antropologia e nas alterações na concepção de cultura. Esta, por sua vez, passa
a ser discutida também a partir do contexto que a cerca, dos significados latentes nas
relações entre os indivíduos. Trata-se da perspectiva vista como todo e explorada na
primeira seção desta unidade.
Todavia, estas duas escolas, por assim dizer, e autores apresentam influências de
La Blache e Sauer, especialmente no caso francês, pois eles se dedicam a estudos
de grupos mais específicos, como os contextos culturais não ocidentais. Desta
forma, somam-se a estas influências passadas influências diretas das teorias das
representações, da fenomenologia – filosofia dos significados – e também de um
materialismo cultural (CORRÊA; ROSENDAHL, 2011; CORRÊA; ROSENDAHL, 2008).
• Topofilia: lugares de atração em função das relações com o lugar (CLAVAL, 2001).
Por exemplo, um trecho de BR que direciona para a praia, para alguns pode ser um
lugar de atração, pois pode representar a chegada ao lazer, logo a um lugar topofílico,
no entanto, para outros que possam ter passado por maus momentos em função de
acidentes neste local, poderá ser um lugar topofóbico, lugar que gera medo, repulsa.
A partir de Tuan surgem alguns seguidores como Edward Helph ou Leonard Guelke,
e, também, outros autores que se apoiam em Heidgger e traduzem o mundo a partir
da experiência direta dos indivíduos (CLAVAL, 2001). Impõe-se, nesse momento, sob
os estudos da Geografia Cultural, a abordagem fenomenológica. Nessa abordagem
destacam-se Anne Buttimer e Marwym Samuels (CLAVAL, 2001).
Neste sentido, Corrêa (2007) destaca que na Geografia Cultural renovada são
produzidos trabalhos sob três influências básicas, sendo elas: a humanista, a marxista
e a pós-estruturalista.
Mas, antes de partimos para a próxima sessão, é preciso ficar claro que a Geografia
Cultural renovada é construída a partir das contribuições da Geografia Cultural
tradicional, da crise vivenciada no globo, pois é a partir das reflexões e das críticas
que avançam. Assim, esta fase da Geografia cultural vai buscar compreender as
manifestações culturais presentes no espaço, sejam elas permeadas pela materialidade
ou imaterialidade da cultura, pela economia ou política, pela existência ou idealismo
do homem. Por fim, trata-se do contexto direto e indireto que envolve as relações
humanas, logo, as manifestações culturais.
Seção 4
Assim, sabemos que a Geografia Cultural no Brasil chega de fato após 1980 e vem
influenciada por um contexto incialmente externo. Segundo Corrêa e Rosendahl
(2008), trata-se de um contexto marcado por:
• A renovação da Geografia Cultural que ocorre nos EUA a partir de 1970, com
geógrafos como Cosgrove, Jackson e Duncan: este último faz criticas à obra de
Sauer e os debates estabelecidos por este teórico, entre outros, permite que haja
É sob este contexto, bebendo de todas estas fontes e debates, que a Geografia
Cultural renovada, ou nova Geografia Cultural, chega ao Brasil a partir dos anos de
1980, 1990.
Ela vai sendo introduzida via artigos e defesa de teses, como o artigo de Corrêa,
em 1989, acerca de Sauer e a Geografia Cultural. Na sequência, tem-se a tese de
Rosendahl, em 1994, acerca da Geografia da Religião. Tais fatos combinam-se e
estes geógrafos, juntos, fundam o NEPEC – Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre
Espaço e Cultura (CORRÊA; ROSENDAHL, 2008). Este fica situado no Rio de Janeiro
e tem como objetivo discutir e produzir acerca das relações entre espaço e cultura.
Em seguida, como fruto do núcleo e da parceria, é criado, em 1995, o periódico
Espaço e Cultura, que se destina a publicações relativas a estas relações entre
espaço e cultura (CORRÊA; ROSENDAHL, 2008). Tal periódico é fundamental para
a sistematização e publicação da Geografia Cultural entre os geógrafos brasileiros,
uma vez que o periódico gera, além das inúmeras publicações relevantes à pesquisa,
Com relação à temática da religião, são realizadas pesquisas com temas como:
territorialidade e difusão espacial das igrejas ou religiões, centros de peregrinação,
como o Santuário de Aparecida, em Aparecida do Norte – SP, por exemplo (CORRÊA;
ROSENDAHL, 2008).
Com relação à temática das festas, percebemos que se trata do estudo de festas
religiosas, mas também não religiosas, além de manifestações de grupos específicos.
Neste caso, alguns trabalhos buscam compreender os impactos das manifestações
culturais populares na dimensão espacial. Para tanto, também é possível utilizar
diferentes embasamentos metodológicos para orientar a pesquisa.
LITERATURA E
CIDADE: UMA LEITURA
Janaina de Alencar Universidade Estadual Monografia - Trabalho
GEOGRÁFICA DA
Mota e Silva de Londrina / 2004 de Conclusão de Curso
OBRA DE ITÁLO
CALVINO.
PROSTITUIÇÃO E
ESTRUTURAÇÃO
Ana Cláudia Soistak;
DE UMA ESPAÇO
Luciane do Rocio Universidade Estadual Monografia - Trabalho
DE RESISTÊNCIA
Moura Martins; Thiago de Ponta Grossa / 2009 de Conclusão de Curso
FEMININA NO JARDIM
Barbosa Taques.
BOM RETIRO EM
PONTA GROSSA-PR
O ENCONTRO DE
TERRITORIALIDADES
NA DIÁSPORA: Universidade Federal Dissertação de
Carla Holanda da Silva
JAPONESES E do Paraná / 2008. Mestrado
NORDESTINOS EM
ASSAÍ-PR.
QUILOMBOLAS
PARANAENSES
CONTEMPORÂNEOS:
UMA IDENTIDADE
TERRITORIAL
AGENCIADA? Universidade Federal
Carla Holanda da Silva Tese de doutorado
UMA ANÁLISE A do Paraná / 2013
PARTIR DO EXEMPLO
DE ADRIANÓPOLIS
NO VALE DO RIBEIRA
PARANAENSE
Continua
OS “MUNDOS” RURAL E
URBANO: RELAÇÕES E
INTERAÇÕES A PARTIR
Ana Paula Aparecida Universidade Estadual Dissertação de
DO COTIDIANO DA
Ferreira Alves. de Ponta Grossa / 2011 Mestrado
COMUNIDADE DE SÃO
JOÃO NO VALE DO
RIBEIRA-PR.
Para tanto, Castro (2008) destaca que é fundamental romper com visões
eurocêntricas, com ações de dominação que se colocam sob as práticas culturais,
locais e regionais, práticas que acabam por minar a vivência cultural local.
Um exemplo muito comum e citado por Castro (2008) é que nas escolas é
prática cotidiana comemorar ou realizar atividades na data de Halloween, todavia,
poucas ou quase inexistentes são as atividades que fazem menção a festividades ou
mitos, mitos relativos à cultura africana ou indígena, posto que, muitas vezes, estas
manifestações são vistas com pré-conceitos, sob visões pejorativas.
Assim, Castro enfatiza que é preciso romper com a visão de safari, muitas vezes
predominante nas aulas de Geografia. Visão na qual buscamos compreender a
cultura de um grupo a partir das descrições, especialmente do que é material, do
visível, de modo que apelamos para uma visão restrita de cultura.
Para tanto, Castro (2008) sugere algumas obras que podem auxiliar nesta
abordagem cultural. Estas obras e as possiblidades de exploração seguem no quadro
1.2.
Quadro 1.2 | A abordagem cultural nas aulas de Geografia: algumas possibilidades a partir
das ideais de Castro (2008)
Continua
Neste sentido, fica claro que, para propor uma abordagem cultural nas temáticas
e práticas do ensino de Geografia, é preciso disposição e compreensão por parte
do professor, a fim de desejar propor também para o aluno uma ampliação da sua
visão de mundo, a partir do olhar do mundo do outro, com o olhar também do
outro. Logo, é possível uma humanização maior deste aluno, também a partir das
discussões geográficas.
Neste para saber mais, propomos, além da leitura de uma das obras
utilizadas para esta reflexão, a leitura de materiais que te levem a
conhecer um pouco mais sobre as comunidades quilombolas no Brasil
e Paraná, uma vez que este é um tema muito rico para ser explorado
pela Geografia cultural, seja na pesquisa ou no ensino.
Boa Leitura!
Referências
EAGLETON, Terry. A ideia de cultura. Tradução: Sandra Castello Branco. São Paulo:
Editora UNESP, 2005.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008.
LARAlA, R. B. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1986.
LÈVI-STRAUSS. Natureza e Cultura. In: Estruturas elementares do parentesco. 3. ed.
Petrópolis: Vozes, 2003, p. 41-50.
RATZEL, Friedrich. Geografia dell’uomo (Antropogeografia): principî d’applicazione
della scienza geográfica alla storia. Primo volume. (Tradotta da Ugo Cavallero) Torino:
Fratelli Boca Editore, 1914. 596p.
ROSENDAHL, Zeny; CORRÊA, Roberto Lobato (Org.) Manifestações da cultura no
espaço. Rio de Janeiro: EDUERJ, 1999.
ROSENDAHL, Zeny; CORRÊA, Roberto Lobato (Org.). Geografia cultural: um século
(2). Rio de Janeiro: EDUERJ, 2000.
SILVA, Carla Holanda da. Quilombolas paranaenses contemporâneos: uma identidade
territorial agenciada? Análise a partir do exemplo de Adrianópolis no Vale do Ribeira
paranaense. 2013. Tese (Doutorado em Geografia). Programa de Pós-Graduação em
Geografia, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2013.
SAUER, Carl O. The morphology of landscape. University of California Publications. In:
Geography 2: 19-54, 1925.
PAISAGEM, CULTURA E
SIMBOLISMO
Clevisson J. Pereira
Objetivos de aprendizagem:
Introdução à unidade
Para isso, vamos abordar neste capítulo basicamente duas grandes seções
temáticas: uma sobre “a trajetória conceitual do termo paisagem na Geografia”,
que irá explorar como a ideia de paisagem foi pensada, construída e reconstruída
em diferentes momentos na ciência geográfica, e outra sobre “a paisagem cultural
e a interiorização/internalização da paisagem”, tencionando a questão de como
a Geografia Cultural se valeu da terminologia paisagem cultural em diferentes
contextos. Como você perceberá, a paisagem é um termo caro para a ciência
geográfica e isso não somente pela sua capacidade de sintetizar a dimensão
física com a dimensão humana, mas, sobretudo, por sua fertilidade conceitual e
operacionalidade. Assim, com estes dois grandes temas, certamente teremos um
panorama geral das muitas possibilidades de interação entre paisagem, cultura e
simbolismo.
Seção 1
1
No presente trabalho utilizamos frequentemente os termos conceito e categoria como sinônimos, embora
saibamos que, dentro da discussão filosófica, ambos em muito se distinguem, porém não é intenção discutir as
diferenças entre os termos, mas sim evidenciá-los apenas como construções cognitivas.
Ao longo da trajetória percorrida pela Ciência Geográfica, ora sendo uma ciência
da natureza (física), ora sendo uma ciência humana (antrópica), os estudos sobre
paisagem sempre se evidenciaram no seu arcabouço teórico. Várias foram as
correntes filosóficas, dentro da Geografia, que se apropriaram de tais estudos a fim
de melhor compreender a realidade à sua volta.
Surgiram várias correntes teóricas no decorrer do século XX, algumas com novas
abordagens tentavam romper com os vieses tradicionais, enquanto outras buscavam
completar antigos métodos e conceitos.
Com o passar do tempo, uma diferença começa a ser notada com relação
às primeiras abordagens: a paisagem passa a ser entendida como resultante da
integração entre os aspectos físicos de certo espaço geográfico e o uso que o
Carl Troll lança, em 1939, na Alemanha, uma nova noção de paisagem que
reagrupa os elementos da paisagem de um ponto de vista ecológico. Com este modo
de pensar, introduzia-se um entendimento sistêmico das unidades geográficas.
Nessa perspectiva, onde a paisagem começa a ser vista como um sistema, vemos
mais alguns teóricos enfatizarem tal relação.
O conceito de paisagem mostra uma evolução própria do meio físico, com uma
dinâmica constante. Em termos práticos, Georges Bertrand (2004, p. 141), geógrafo
francês, explica que:
Sob os pilares das duas definições anteriores, e já caminhando pela via cultural,
iniciada principalmente por Carl O. Sauer, em Berkeley, na década de 1920, mas
aprofundada por Pierre Deffontaines e David E. Sopher nas décadas de 1950-60,
e mais contemporaneamente por Yi-Fu Tuan, Denis Cosgrove e Paul Claval nas
décadas de 1970-80, não apenas os objetos e as suas ligações são importantes, mas
também as suas significações simbólicas. Partindo destes teóricos da Geografia, é
construída uma visão mais “humanista” nos estudos da paisagem e, principalmente,
na percepção da paisagem, em que o conhecimento não depende somente da
cientificidade, mas das experiências de vida, dos sentimentos e do simbolismo – que
integram parte da paisagem cultural.
ii. Com a dissociação entre natureza e divino, passa a ser vista como objeto
passível de conhecimento científico.
Por fim, a paisagem pode incluir elementos ambientais de caráter objetivo (físico-
naturais) e subjetivo (sociorrelacionais), a escolha de um viés específico dependerá
do foco da análise e do embasamento teórico norteador.
Seção 2
Outra forma de visualizar parte dos processos que a noção de paisagem sofreu nos
meandros geográficos se dá através da metáfora da “interiorização/internalização da
paisagem”. Nesse sentido, vamos refletir sobre este movimento e como a partir dele o
conceito de paisagem cultural alcança outros patamares, deixando de ser algo relativo
à exterioridade material e passando a ser concebido como algo interno aos sujeitos e,
ao mesmo tempo, tendo em seu interior o homem como agente principal.
No seu contexto, grande parte dos geógrafos, por quererem se manter dentro
de um escopo de ciência positiva e naturalista, não se aprofundaram nas dimensões
culturais da vida social e suas expressões geográficas, por isso, suas análises culturais
focavam aspectos materiais da vida, e, apenas tangencialmente, abordavam algumas
expressões da vida mental e social dos grupos analisados (CLAVAL; ENTRIKIN, 2004).
E nesse mesmo “espírito” é que as contribuições de Sauer se erigiram.
Com o seu texto “The morphology of landscape”, de 1925, Sauer (2008) lança
uma das suas mais importantes considerações: a ideia de que a paisagem é um
conceito unificador da Geografia e que ela é uma peculiar associação de fatos
geográficos (SAUER, 2008). Através desta perspectiva, demonstra que a maneira
geográfica de analisar a cultura deve estar relacionada com o estudo dos trabalhos
humanos impressos em uma determinada área (SAUER, 2008), unificando, assim,
numa mesma abordagem, a dimensão física à dimensão humana.
Desta maneira, a paisagem cultural seria nada mais do que tais processos culturais
empregados em uma determinada área, ou melhor, empregados em uma determinada
paisagem física. Isto é, uma paisagem natural sendo modificada, remodelada,
conformada, por um grupo cultural (JACKSON, 2003.) Nesta perspectiva, segundo as
próprias considerações de Sauer (2008), a cultura é o agente, a área natural é meio e a
paisagem cultural é o resultado da interação de ambas.
Figura 2.1 | Transformação da paisagem natural em paisagem cultural
Nesse sentido, quando Sauer aponta para certa agência humana na modificação
do meio e construção das paisagens, ele pondera não um viés moderno e progressista
do agente humano agindo sobre a Terra, mas vê tal atividade antrópica como
potencialmente destrutiva e até regressiva (JACKSON, 2003 ).
Para Sauer, paisagem não era uma bela vista a ser apreciada; não era
uma imagem, uma pintura ou uma visão. Antes, paisagem significava
uma “área” que era o produto de atributos naturais do clima, solo,
plantas e vida animal e de atributos culturais da população, habitação,
economia e comunicação. Ela deveria ser estudada historicamente
através do exame de como a paisagem natural se desenvolveu em
uma paisagem cultural.
Para John B. Jackson (2006), o sentido verdadeiro e durável do termo paisagem não
diz respeito a algo para se olhar, mas sim algo para se viver – com outras pessoas e não
sozinho. Dessa forma, a paisagem é ancorada na dimensão social da humanidade, em
sua estranha e grandiosa variedade (HOELSHER, 2006).
A ideia central esposada por John B. Jackson evidencia que “todas as paisagens são
expressões de valores culturais e que o estudo da paisagem cultural é um compêndio
voltado para a história social que procura entender as vidas de pessoas comuns”
(HOELSHER, 2006, p. 77). O tema latente, na perspectiva de John B. Jackson, se expressa
na ideia de que “a interpretação das paisagens está longe de ser uma ciência exata e que
nossas subjetividades inevitavelmente conformam estas interpretações” (HOELSHER,
2006, p. 77).
Neste contexto, uma importante figura foi o geógrafo americano David Lowenthal
(1961), que, com um projeto epistemológico renovador, afirmava que a Geografia era “a
ciência que mais se aproximava da incorporação sem mediações dos elementos da vida
cotidiana, que deveriam ser considerados em suas particularidades a partir da inclusão
dos mundos vividos pessoais como dado concreto da disciplina” (HOLZER, 1999, p. 155).
Esta perspectiva, também comungada pelo viés de John B. Jackson, trouxe novas
compreensões para a noção de paisagem. Segundo Lowenthal (apud HOLZER, 1999,
p. 155-156), “As paisagens são formadas pelas preferências paisagísticas. As pessoas
veem seu entorno através das lentes da preferência e do costume, e tendem a moldar
o mundo a partir do que veem”.
Por esta visão geográfica humanista, o que se está em jogo é uma fenomenologia da
paisagem, ou seja, é a paisagem evidente através dos próprios sujeitos que a experienciam
– isto é, o fenômeno da paisagem. Nesse sentido, os mecanismos perceptivos (visão,
audição, tato, olfato e paladar) e cognitivos (inteligência, motivações, humores,
conhecimentos, valores, expectativas) desempenham uma função importante, pois é
por meio deles que ocorre a interação dos sujeitos com o meio ambiente (ROCHA,
2007), ou seja, é através destes mecanismos mentais que se concretiza a experiência
da paisagem.
Hermenêutica da paisagem
Outro viés tão importante quanto fora (e ainda é) o da percepção da paisagem é o que
emerge com a New Cultural Geography. Importante personagem deste momento é o
geógrafo britânico Denis Cosgrove (1948-2008), que com trabalhos como “A geografia
está em toda parte: cultura e simbolismo nas paisagens humanas” (2008[1988]) suscita
questões a respeito das muitas possibilidades de configuração e interpretação das
paisagens (culturais).
Para Cosgrove (2008, p. 179), a paisagem não é um objeto ou uma área geográfica,
mas sim um “modo de ver”.
Segundo Cosgrove (2008), a paisagem deve ser lida como um texto cultural, mas
sem deixar de reconhecê-lo como multifacetado. Significando que, de forma geral, as
paisagens possibilitam diferentes leituras, simultâneas e igualmente válidas.
Para Cosgrove (2008, p. 178), algumas paisagens são “lugares altamente textuais” e
possuem várias camadas de sentido. São instâncias simbólicas onde inúmeras culturas
se encontram e, em alguns momentos, colidem.
As múltiplas camadas de sentido que uma paisagem pode ter devem ser
geograficamente decodificadas. As formas de decodificá-las podem ser alcançadas
através de investigações de campo, mapas mentais e interpretações – metodologias
presentes nas humanidades.
subjetivas, a paisagem se consolida como algo exterior ao ser humano e destituído dele
enquanto indivíduo. Assim, tanto a paisagem está fora dos sujeitos como o próprio ser
humano (sujeito singular) está fora da paisagem.
Além de ser algo gerado a partir das significações subjetivas e individuais, a paisagem
passa, através de um viés mais crítico, com a New Cultural Geography, a exibir
dimensões interpretativas. Não está mais vinculada a apenas uma possível significação
de sentido, mas sim a uma grande diversidade de concepções geográficas passíveis
de decodificação. Neste sentido, a paisagem, além de ser uma realidade propriamente
interna dos sujeitos, também revela em seu interior o próprio sujeito/indivíduo capaz de
edificar sentidos simbólicos (até mesmo nas materialidades).
A primeira diz respeito à ideia de paisagem como “processo social”. Fundada nas
teorizações do geógrafo Don Mitchell (2005), o termo paisagem aparece como
uma totalidade social. A partir de influências da “teoria social crítica”, bem como de
outras correntes da Geografia Cultural, Don Mitchell (2005) identifica as paisagens
(humanas/culturais) como instâncias tributárias dos processos políticos e sociais e
que representam relações sociais. Nesta perspectiva, a paisagem se distancia da
noção de ser apenas um pano de fundo para os processos sociais, e passa a ser um
agente atuante nas configurações sociais – efetuando a manutenção dos poderes e
constituindo identidades culturais.
A noção de que as paisagens podem ser lidas como textos metaforizados viabiliza
uma pluralidade de interpretações, significados e conexões textuais, expondo as mais
diversas realidades culturais, isto proporciona uma infinidade de sentidos possíveis para
as experiências paisagísticas dos seres humanos.
Outro recurso utilizado para a interpretação das paisagens (textos culturais) é a crítica
textual. Por esta perspectiva, tanto a paisagem como texto como a construção discursiva
das paisagens são temas debatidos num viés pós-estruturalista; nestes, a crítica se levanta
procurando a desconstrução dos sentidos prontos. Estudos iniciais deram uma grande
atenção para as lógicas semióticas de interpretação textual das paisagens. Atualmente,
uma ênfase maior é dada a interpretações baseadas numa hermenêutica das paisagens,
ou numa leitura alegórica delas (HUGGETT; PERKINS, 2004).
Com isso, temos que a lógica simbólica evidencia outra realidade, uma que é tão
ou mais significativa que a própria materialidade. Ainda que se possa falar de uma
“materialidade simbólica” (GIL FILHO; GIL, 2009, p. 3), o que se destaca nesta perspectiva
é a capacidade de tais “materialidades” carregarem sentidos e significados simbólicos,
em outras palavras, tais expressões físicas carregam as intencionalidades humanas.
Nesta perspectiva, a qualidade que vai além das expressões físicas é o conteúdo que
importa. Assim, quando se diz que a paisagem cultural é uma “construção simbólica”, ela
pode sim, em algumas instâncias, refletir uma modificação na materialidade (como nos
parques e casas), mas não necessariamente – como nos ambientes in natura, ou seja, a
construção simbólica se trata de uma conformação de sentido da realidade. Com isso,
a paisagem cultural é simbólica, porque articula e é articulada por sentidos e significados
culturais, prescindindo, em alguns momentos, inclusive, uma modificação direta na
materialidade física.
abordagens.
V A definição, ou conceituação, da paisagem na Geografia está
estreitamente ligada às influências culturais e discursivas sofridas
pelos geógrafos.
Estão corretos os itens:
a) I, II, III e V.
b) I, III, IV e V.
c) I, II, IV e V.
d) I, II, III e IV.
e) Todos estão corretos.
b) I, III, IV e V.
c) I, II, IV e V.
d) I, III, V e VI.
e) Todos estão corretos.
Referências
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GLOBALIZAÇÃO E
IDENTIDADE CULTURAL
Objetivos de aprendizagem
Afetar a forma como pensamos a globalização e a concepção de identidade,
numa imaginação alternativa que correlacionará o movimento global às
mudanças identitárias.
Introdução à unidade
Pense você, aluno, em um migrante haitiano de trinta e oito anos que chega
ao Brasil, desembarcando em São Paulo, em 10 de agosto de 2013, trazendo na
“bagagem” um período anterior de migração que se estendeu por dez anos no
país vizinho da República Dominicana. Isso reflete a nossa sociedade cada vez
mais móvel, com um número crescente de indivíduos que muda de localização
geográfica, às vezes de maneira recorrente ao longo do ciclo de vida.
Quando ocorre essa mudança, ainda mais quando se trata de uma migração
que transcende os limites culturais, podemos pensar no fenômeno da globalização,
conectando permanentemente o migrante (que deixa de ser temporário) a outros
lugares, povos e culturas, mas ao mesmo tempo construindo um espaço social de
múltiplas relações entre as sociedades de origem e de destino. Situação que não
lhe deixa desprovido de sua própria história/trajetória que reflete na construção de
sua identidade.
A terceira e última seção foi proposta com o objetivo de lhes mostrar que,
atualmente, o estabelecimento de correntes migratórias permanentes, vindas das
ditas periferias mundiais, proliferam-se em torno da luta pela resistência e autonomia
de seus espaços de vida, entre o país de origem e destino, independentemente das
restrições e oportunidades. Isso revela que o fenômeno da globalização se alimenta
da diferenciação espacial ou destes movimentos transnacionais de seus atores
protagonistas, sejam eles centrais ou periféricos, e não pela homogeneização
promovida pela mercantilização econômica e cultural mundial. Muitos migrantes
internacionais migram exatamente por terem sido excluídos desse circuito mundial
da economia, utilizam-se de fluxos diversificados e constroem comunidades
migrantes transnacionais que se estabelecem na sociedade de destino, sem
desprender-se da sociedade de origem. Esse espaço de vivência que transcende
os limites das fronteiras nacionais reflete no processo de estabelecimento das
identidades destes indivíduos.
Bom aprendizado!
Seção 1
1.1 A globalização
Muito se ouve falar de globalização, na maioria das vezes em seu extremo senso
popular, que evoca uma visão de mobilidade totalmente desimpedida, de espaço
livre, sem limites. Na área acadêmica, ela talvez ganha corpo numa abordagem
econômica. E, em seu pior aspecto, tornou-se um mantra com palavras e frases
como: instantâneo; internet; circuito financeiro 24 horas; as margens invadindo
o centro; o colapso das barreiras espaciais; a eliminação das distâncias; o acesso
à tecnologia e informação. É representada também pelos ícones populares da
economia mundial, como: a CNN, ao McDonald’s, a Sony, a Ford, a Nike etc., tidos
frequentemente como o suficiente para expressá-la.
A globalização não se constrói apenas por uma ação, como muitos destacam
sendo a econômica, ela é, acima de tudo, um processo histórico que, embora
apresente-se nos últimos anos de forma acelerada, está numa transformação
incessante. Sua essência é a expansão e, num planeta que, por sua própria natureza,
é marcado pela diversidade (geográfica, histórica, natural, cultural, política etc.), essa
realidade impõe restrições à unificação de todo o planeta (HOBSBAWM, 2009).
Ao passo que você já desvinculou o global como sendo algum modo sempre
acima, exterior, certamente em algum outro lugar (MASSEY, 2008), e descentrou
a economia, como único fluxo da globalização, torna-se necessário reconhecer a
Europa, apenas uma das histórias que estão sendo feitas, reelaborando a narrativa
da modernidade capitalista de sua centralização europeia para as dispersas periferias
globais.
Para alguns, diante do mundo dos globalmente móveis, o espaço perdeu sua
qualidade restritiva e é facilmente transposto “real” ou “virtual”. Para outros, impedidos
de se mover e assim fadados a suportar passivamente qualquer mudança que afete
a localidade onde estão presos, o espaço real está se fechando rapidamente. É
um tipo de provação que se torna ainda mais penosa pela insistente exibição na
mídia da conquista do espaço e do “acesso virtual”, as distâncias que permanecem
teimosamente inacessíveis na realidade efetiva (BAUMAN, 1999, p. 85).
sonhada redenção ficaram mais profundos, ao passo que todas as pontes, assim que
se tentam atravessá-las, revelam-se pontes levadiças. Os primeiros viajam à vontade,
divertem-se bastante viajando, são moldados a viajar (BAUMAN, 1999).
O mundo não parece mais uma totalidade e, sim, um campo de forças dispersas
e díspares, que se reúnem em pontos difíceis de prever e ganham impulso sem que
ninguém saiba realmente como pará-las.
A globalização, aos olhos de muitos, indicava e ainda indica uma ordem universal,
cuja produção ocorre numa escala universal, verdadeiramente global. A concepção
de universalização foi cunhada com base nos recursos das potências modernas e
das ambições intelectuais modernas. Ambos anunciam a vontade de tornar o mundo
diferente através da expansão, mudança e melhoria em escala global, a dimensão
da espécie. Além disso, declarando a intenção de tornar semelhantes as condições
de vida de todos, em toda parte, e, portanto, as oportunidades de vida para todo
mundo; talvez mesmo torná-las iguais (BAUMAN, 1999).
Alunos, nossas ações podem ter, e muitas vezes têm mesmo, efeitos globais,
mas nós não temos nem sabemos bem como obter os meios de planejar e executar
ações globalmente. A “globalização” não diz respeito ao que todos nós desejamos
ou esperamos fazer. Diz respeito ao que está acontecendo a cada um de nós. A
ideia de “globalização” refere-se aos tipos de “forças anônimas” que se estendem
para além do alcance da capacidade de desígnio e ação de quem quer que seja em
particular (BAUMAN, 2008).
Seção 2
As identidades não são nunca unificadas, visto que na modernidade tardia são
cada vez mais fragmentadas e fraturadas. Nem singulares, mas multiplamente
construídas ao longo de discursos, práticas e posições que podem se cruzar ou
ser antagônicos. As identidades estão sujeitas a uma historicização radical, estando
constantemente em processo de mudança e transformação (HALL, 2001).
Uma abordagem que considere essas identidades já, ou para sempre, constituídas
e defenda os direitos ou reivindique a igualdade para essas identidades já constituídas,
reivindicações baseadas em noções de identidade imutável, se apresenta como
insustentável, uma vez que “as identidades são construídas relacionalmente ao longo
da vida” (MASSEY, 2008, p. 30- 31). Logo, não há identidades sempre já constituídas.
Precisamos nos atentar também para o fato de que a identidade não tem a solidez
de uma rocha, não é garantida para toda a vida, é bastante negociável e revogável,
e de que as decisões que o próprio indivíduo toma, os caminhos que percorre, a
maneira como age - e a determinação de se manter firme a tudo isso - são fatores
cruciais para a identidade (BAUMAN, 2005).
A identidade nos é revelada como algo a ser inventado, e não descoberto; como
alvo de um esforço, um objetivo; como uma coisa que ainda se precisa construir a
partir do zero ou escolher entre alternativas e então lutar por ela e protegê-la lutando
ainda mais, mesmo que, para que essa luta seja vitoriosa, a verdade sobre a condição
precária e eternamente inconclusa da identidade deva ser, e tenda a ser, suprimida e
laboriosamente oculta (BAUMAN, 2005).
Assim, em vez de falar da identidade como uma coisa acabada, deveríamos falar
de identificação, e vê-la como um processo em andamento. A identidade surge não
tanto da plenitude da identidade que já está dentro de nós como indivíduos, mas
de uma falta de inteireza que é preenchida a partir de nosso exterior, pelas formas
através das quais nós imaginamos ser vistos por outros.
O sujeito visto como tendo uma identidade fixa e estável, com ampliação do
pensamento, frente aos processos de globalização, foi descentrado, resultando
nas identidades abertas, contraditórias, inacabadas, fragmentadas, do sujeito pós-
moderno. Tudo se passa como se os imaginários locais fossem “pesados” demais,
colados demais nas realidades dos territórios, sempre tentando alcançar as retóricas
globais mais leves e fluídas, com relação às quais eles estão sempre atrasados
(AGIER, 2001).
Agora, direcione seu pensamento para a sua ou nossa experiência social diante
da era pós-moderna de descentralização, deslocamento e múltiplas redes sociais
(virtuais e espaciais), projete-se de um sujeito de uma identidade unificada e estável
para um fragmentado. Composto não de uma única, mas de várias identidades, por
vezes contraditórias ou não resolvidas. Esse sujeito pós-moderno, com o qual nos
identificamos neste momento é, compreendido, conforme Hall (2011), como não
tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente.
forma, buscando novos recursos materiais e simbólicos que possam sustentar nossa
identidade” (BAUMAN, 2005, p. 57).
excluídas da lista oficial dos que são considerados adequados e admissíveis. Qualquer
outra identidade que você possa ambicionar ou lutar para obter lhe é negada a priori.
Estas identidades representam a ausência de identificação, pois se tem a abolição ou
negação da individualidade, do rosto, pela exclusão do espaço social e tempo em
que as identidades são buscadas, escolhidas, construídas, avaliadas, confirmadas ou
refutadas.
A identidade pode sofrer alusão a um manto leve pronto a ser despido a qualquer
momento. O conjunto de indivíduos que assume uma identidade semelhante forma,
segundo Bauman (2005), comunidades guarda-roupa. Estas são edificadas enquanto
dura o espetáculo e prontamente desfeitas quando os espectadores apanham os seus
casacos nos cabides. Suas vantagens em relação à coisa genuína são precisamente
a curta duração de seu ciclo de vida e a precariedade do compromisso necessário
para ingressar nelas e aproveitá-las.
Diante de tudo que foi exposto, podemos acreditar que a fonte de especificidade
Por exemplo, uma especificidade cultural externa que foi absorvida enquanto
símbolo interno da identidade brasileira é o futebol. Este começou no final do século
XIX pelas mãos dos ingleses, e, atualmente nós, brasileiros, nos identificamos e
reconhecemos por excelência como “país do futebol”.
Essa cultura nacional que nos é imposta ao nascermos constitui uma das
principais fontes de identidade cultural, contudo, elas não são coisas com as quais
nós nascemos, todavia, são formadas e transformadas no interior da representação
(HALL, 1999). Da mesma forma, a identidade irá ser formada e transformada ao
passo que a cultura também se modifica, quando entramos em contato com outros
referenciais, seja da cultura de origem ou externa.
Quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de estilos, lugares
e imagens, viagens internacionais, imagens da mídia e sistema de comunicação
globalmente interligado, mais as identidades se tornam desvinculadas, desalojadas -
de tempos, lugares, histórias e tradições específicos -, e parecem flutuar livremente.
Somos confrontados por uma gama de diferentes identidades (cada qual nos
fazendo apelos, ou melhor, fazendo apelos a diferentes partes de nós), dentre as
quais parece possível fazer uma escolha.
única no decorrer de nossa vida independe das experiências que tivermos, dos
contatos, das interações, da troca de informações etc., é infundada devido às
absorções e identificações com outros atributos culturais que revelam que as
identidades são para usar e exibir, não para armazenar e manter.
Seção 3
3.1 Transnacionalismo
Geralmente, os imigrantes mantêm laços ativos com seu país de origem pelo
envio de remessas do retorno para as celebrações, visitas ou ainda pela ajuda a seus
compatriotas para migrar. De acordo com Glick-Schiller e Fouron (2003, p. 19), “[...]
o transnacionalismo envolve os indivíduos, suas redes sociais, suas comunidades e
estruturas institucionais mais amplas [...]”. Logo, vivencia experiências sociais entre o
país de origem e de destino como exposto acima.
Acima, você pôde constatar como o fenômeno da globalização através dos seus
fluxos possibilita essa conexão intensa e habitual entre ambos os países. O fato de
que os novos migrantes (transmigrantes) utilizem seus escassos recursos para manter
vínculos com familiares e amigos de seu país de origem indica a força do processo de
globalização.
Esses fluxos, por seu alcance e impacto, podem ser considerados globais. Em
contraste, certos movimentos de pessoas, ideias e objetos podem ser melhor
concebidos como transnacionais pelos fluxos globais. Os processos transnacionais
contemporâneos refletem a globalização, no entanto, têm um alcance mais limitado,
apenas entre dois países, ou um número limitado deles.
Diante dessa realidade e da importância que estes indivíduos têm dentro de sua
nação, muitos governos reconhecem sua própria condição de transnacional. Um
exemplo disso é o Haiti, que está se convertendo num país de migrantes que fornece
recursos economicamente e politicamente para grande parte da população nacional.
Dessa forma, tanto a nação como o Estado são percebidos como transnacionais,
como uma extensão mais além das fronteiras territoriais do país.
Por exemplo, a concepção do Haiti como um Estado-nação que existe onde haja
haitianos fundamenta-se na forte crença desta população nos laços sociais que unem
a família e a nação. Mesmo antes dos governantes reconhecerem estes migrantes
haitianos que vivem no estrangeiro como parte integrante do país, a própria população
interna do país, especialmente a com menos recursos que se sustentava com os fluxos
enviados por seus familiares migrantes, passaram a solicitar tal reconhecimento.
Parte dos migrantes que não conseguem efetuar, e parte dos que efetuam sua
inserção total no país de destino, atualmente, demandam uma participação contínua
na nação de origem. O vínculo de sangue (no sentido de pertencimento à mesma
terra) e a descendência possibilitam a interação. O mesmo acontece com os indivíduos
que permanecem no país de origem e necessitam da manutenção do vínculo com
os migrantes, estes constroem uma identidade que se amplia pelos laços de sangue
como indivíduos transnacionais, pela consolidação de uma nação transnacional.
Os laços de sangue lhes proporcionam uma ponte que lhes conecta com um
espaço de maiores oportunidades, assim, inclui-se qualquer pessoa descendente,
independe do local que tenha nascido ou está estabelecida. Uma nação se estende
transnacionalmente pelas experiências pessoais e as estratégias familiares de
sobrevivência de sua população em circunstâncias econômicas, políticas, educacionais
difíceis etc., de modo que floresce uma identidade nacional no estrangeiro.
a) Globalização.
b) Sistema capitalista global.
c) Transnacionalismo.
d) Migração internacional.
Referências