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Mosaicos de cidade

limites e fronteiras no rio de janeiro

Carlos Eduardo Spencer de Vasconcellos

rio de janeiro
2011
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
PROURB Programa de Pós-graduação em Urbanismo

Mosaicos de cidade : limites e fronteiras no Rio de Janeiro.

Dissertação de apresentação ao Programa de Pós-graduação


em Urbanismo, FAUUFRJ, como parte dos requisitos necessários
à obtenção do título de Mestre em Urbanismo, área
de concentração em Morfologia Urbana.

Orientador
Prof. Dr. José Barki

Dissertação defendida e aprovada em 2011


pela banca examinadora:

____________________________________________________
Prof. Dr. José Barki
(PROURB FAU - UFRJ), orientador

____________________________________________________
Prof. Dr. Flavio Oliveira Ferreira
(PROURB FAU - UFRJ)

____________________________________________________
Prof. Dr. Roberto Segre
(PROURB FAU - UFRJ)

____________________________________________________
Prof. Dr. James Shoiti Miyamoto
(PROURB FAU - UFRJ)

I
II
P364

VASCONCELLOS, Carlos Eduardo Spencer


Mosaicos de cidade : limites e fronteiras no Rio de Janeiro / Carlos
Eduardo Spencer de VASCONCELLOS. Rio de Janeiro: UFRJ / PROURB,
2011.
xviii, 280p. 29,7 cm.
Orientador: Dr. José Barki
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, FAU.
1. Limite. 2.Fronteira. 3. Controle. 4.Forma Urbana. 5. Cidade do Rio de
Janeiro. I. Barki, José, orient. II. Título

CDU 712.3(043)

III
IV
Agradecimentos

Ao meu orientador, professor José Barki, pela sua dedica-


ção, competência e generosidade. Sempre atencioso, ele foi
o grande incentivador e guia deste trabalho.

À minha companheira Carolina Lobo, pelo carinho, paciência


e compreensão em todos os momentos.

Ao meu sócio e amigo Duarte Vaz, pelo apoio durante os


longos momentos em que estive ausente do escritório.

Aos professores Flavio Ferreira e Roberto Segre, pelos con-


selhos dados durante o exame de qualificação.

Ao amigo Alexandre Evsukoff, pelas longas discussões so-


bre conjuntos fuzzy, que, mesmo não entrando no trabalho,
foram essenciais para importantes reflexões.

A Andrea Borde, Carlos Feferman, Flavia de Faria e Maria


Lucia Pecly, pelo carinho, incentivo e apoio.

Aos professores Carlos Murad, Sérgio Magalhães, Cristovão


Duarte, Luciana Andrade, Lilian Vaz, Eliane Bessa e Ana Lu-
cia Britto, pelas aulas e discussões, fundamentais para este
trabalho.

Aos meus pais e avós que sempre me apoiaram e me incen-


tivaram em tudo que faço.

V
VI
Resumo

Mosaicos de cidade: limites e fronteiras no Rio de Janeiro.

Este trabalho nasce de situações observadas de dentro da


cidade e procura explorar a estreita e incessante relação en-
tre as pessoas e a forma que elas habitam. Ao encarar a ci-
dade como um todo complexo, o estudo procura reconhecer
padrões de organização que constituam limites e fronteiras
entre suas partes, revelados na forma construída.

A constituição de limites físicos e fronteiras territoriais é


tratada a partir de uma abordagem interessada nas relações
de controle ocorridas no espaço da cidade, desempenhadas
por seus habitantes. O controle, seja de acesso, de visão ou
de uso, demarca espaços, os quais são definidos - e per-
cebidos - por meio de limites e fronteiras. A chave para o
estudo destes elementos foi fornecida por N. J. Habraken,
ao compreender a cidade como uma organização estruturada
por um complexo padrão de hierarquia de controle, o qual
define o centro operacional da relação entre humanos e toda
a matéria construída.

Nesta perspectiva, as investigações realizadas ao longo des-


te trabalho visam reconhecer - e também delinear - configu-
rações que representem o “jogo” de controle existente em
um dado local. Com isso, pressupõe-se uma melhor com-
preenção de como os limites e fronteiras são constituídos e
se mantêm neste imenso mosaico que é a cidade.

Palavras-chave: limite, fronteira, controle, forma, território,


sistema, cidade.
VII
VIII
Abstract

City mosaics: edges and boundaries in Rio de Janeiro.

This work results from situations observed in the city and se-
eks to exploit the close and continuous relationship between
people and the spaces they inhabit. Assuming the city as a
complex whole, the study seeks to recognize patterns of or-
ganization defining limits and boundaries between its parts,
revealed in the built form.

The establishment of physical boundaries and territorial


borders is treated from an approach concerned with control
relations occurring within the city and implemented by its
inhabitants. Means of control: access, view or use; demar-
cates spaces, which are defined - and perceived - by edges
and boundaries. N. J. Habraken provided the key to the study
of these elements: to understand the city as an organization
structured by a complex pattern of control hierarchy, which
defines the relationship between people and the built envi-
ronment.

In this regard, investigations conducted in this work aim to


recognize - and outline - settings that represent the “game”
of control in a given location. Thus we seek a better com-
prehension of the limits and boundaries that are established
and remain in this vast mosaic that is the city.

Keywords: boundary, edge, control, shape, territory, system,


city.
IX
Sumário

Introdução
a cidade como um imenso mosaico

1I A forma como ponto de partida pg.22


2I Uma visão de cidade pg.23
3I Mosaico de territórios pg.24
4I Breve resumo dos capítulos pg.28

Capítulo 1
a discussão teórica
limites físicos e fronteiras territoriais

Apresentação pg.32
1I Território pg.33
2I Limites e Fronteiras pg.42
3I Limites físicos pg.52
4I Limites físicos: outros autores pg.54
5I Fronteiras territoriais: outros autores pg.64

Capítulo 2
o método
a análise e a representação dos
limites físicos e fronteiras territoriais

Apresentação pg.70
1I É difícil se afastar pg.71
2I Da coleção de objetos para pg.73
uma rede de relações
3I De McHarg a Habraken pg.78
4I De um lugar para um tema pg.88
5I Reconhecendo a estrutura pg.90
6I Escalas de observação pg.101
7I Entre o mapa e o rés-do-chão pg.105
8I Procedimentos metodológicos pg.112

X
Capítulo 3
a análise estrutural
alguns casos no Rio de Janeiro

Apresentação pg.146
1I Alguns abairramentos cariocas pg.147
2I Sob níveis mais profundos: pg.175
Barra da Tijuca
3IDe um continuum natural para pg.185
um continuum recortado
4I Das palafitas ao Voisin pg.192
5I Terra de Ninguém pg.206
6I Selva de Pedra pg.213
7I Limites e acessos da cruzada pg.218
8I Espaços de transição pg.221
9I Barão da Torre pg.239
10I A escadaria do Municipal pg.242
11I Até onde se varre pg.243

Conclusão

1I O controle demarca espaços pg.246


2I Compreender as relações pg.249
para entender o objeto
3I A cidade como um mosaico pg.250

Anexo

1I O muro pg.255
2I Aberturas pg.257

3I Porosidade e Permeabilidade pg.259

Bibliografia pg.271

Fonte das figuras pg.276

XI
XII
“”… como propôs o filósofo, “do lado de dentro”
desta experiência para dizer do mundo – digo aqui,
da cidade -, trazendo essa compreensão para o lu-
gar do ordinário, do comum, do contingente, do que
passa pelas relações do cotidiano, do dia-a-dia, do
uso, que é característico da cidade e, ainda assim,
revelar o maravilhoso que esta por trás disso, dessa
grande trama orgânica. E, a saber, percorrer também
os incidentes, as tensões que se desenham, todas
as linhas de sinuosidades, os desvios que as formas
de vida revelam dentro do espaço citadino, no den-
tro ainda das relações mais habituais. “”

Júlia Studart
Wittgenstein e Will Eisner: se numa
cidade suas formas de vida.

XIII
apresentação
O bruxo do Cosme Velho
e a forma da cidade

“Vós que tendes a cargo o aformoseamento da cidade,


alargai outras ruas, todas as ruas, mais deixai a do Ouvi-
dor assim mesma – uma viela, como lhe chama o Diário -,
um canudo, como lhe chamava Pedro Luís. Há nela, assim
estreitinha, um aspecto e uma sensação de intimidade. É
a rua própria do boato. Vá lá correr um boato por avenidas
amplas e lavadas de ar. O boato precisa de aconchego, da
contigüidade, do ouvido à boca para murmurar depressa e
baixinho, e saltar de um lado para o outro. Na rua do Ouvidor
um homem, que está à porta do Lammert, aperta a mão do
outro que fica à porta do Crashley, sem perder o equilíbrio.
(...) O característico desta rua é ser uma espécie de loja,
única, variada, estreita e comprida.”

Machado de Assis
A Semana, 1893.

A rua do Ouvidor no Centro do Rio de Janeiro, em meados


do século XIX, era um dos principais pontos de encontro
da sociedade carioca, local das livrarias, dos cafés e das
butiques. Como bem observado por Machado de Assis, toda
a efervescência e intensidade das relações sociais ocorridas
ali dependiam do lugar para poder acontecer.

Em defesa do não alargamento desta via, frente às reformas


urbanas pretendidas pelo então prefeito Pereira Passos para

XVI
a área central da cidade, Machado descreve de forma ma-
gistral a estreita correspondência entre seus aspectos espa-
ciais, seu uso e sua imagem. Nas palavras do autor, a rua era
o rosto da cidade fluminense, “rosto eloqüente que exprime
todos os sentimentos e todas as idéias.”1

Ambiência, estreiteza e tamanho entrelaçam-se com palavras


como intimidade, murmúrio e aconchego. A rua é percebi-
da não apenas como um via de circulação, mas, sobretudo,
como um importante espaço público ladeado pelas fachadas
justapostas do casario, “burburinho” do convívio social que
transborda para dentro dos salões ao seu longo.

A figura não é a rua, tão pouco a arquitetura ao seu redor,


mas sim, a relação viva entre ambas. Os salões, a calçada e
a via, juntos, dão forma a este espaço, completo de movi-
mento e rico em urbanidade.

O incansável andarilho usava a cidade como um imenso la-


boratório, não apenas para o cenário de suas obras, mas,
também, como o contexto das relações entre seus habitantes
e o lugar. Muitos de seus textos contêm passagens e des-
crições detalhadas da cidade: os pregões ouvidos de dentro
de casa, as conversas no peitoril ao entardecer, as fofocas
e os escândalos que se espalhavam pelas ruas da cidade,
os caminhos, e seus tempos de percurso, as vestimentas, o
mar e o bonde.

1
Trecho retirado do conto “Tempo de crise”,
publicado no Jornal das Famílias em abril de 1873.
XVII
Com este olhar atento à vida urbana, Machado percebe que
existe uma estreita relação de dependência entre o espaço
construído e as ações humanas que nele acontecem e podem
ser geradas. A proximidade entre as fachadas contínuas do
casario, defendida pelo escritor, dá forma ao interstício que
condiciona e mantêm as relações cotidianas da rua. Como
notado, talvez, se este estreito espaço fosse esvaecido em
ruas largas e amplas, essas relações deixariam de ocorrer.

A “defesa da Ouvidor” foi o primeiro impulso deste trabalho.


A partir desta pequena crônica nasceram minhas primeiras
reflexões e questionamentos a respeito da forma da cidade.
A íntima e incessante relação entre as pessoas e a forma
que elas habitam, tão bem representada nesta crônica, é um
fascinante aspecto do meio urbano.

Mais tarde, no decorrer das leituras, ao passo que este es-


tudo foi sendo desenvolvido, pude notar uma forte ligação
entre as observações de Machado e o pensamento urbano
contemporâneo. A “forma urbana” de Lynch, os “patterns”
de Alexander, o “balé da boa calçada” de Jacobs a “urban
room” de Rowe são alguns exemplos de termos e conceitos
que podem ser reconhecidos nas entrelinhas machadianas.

XVIII
INTRODUÇÃO

introdução
a cidade como um imenso mosaico

21
INTRODUÇÃO

1I A forma como ponto de partida

Este trabalho trata do estudo da forma da cidade. As ques-


“… olhar a cidade de uma nova
tões discutidas e investigadas ao longo deste trabalho se
maneira, observar o que sempre
originam de observações de dentro da cidade, do imediata-
esteve conosco, não para desco-
mente visível ao nosso redor.
brir, tão pouco para inventar, mas
sim para reconhecer.”
Pressupõe-se que a forma seja o ponto de partida para qual-
quer tentativa de análise e discussão que procure melhor HABRAKEN, N.J.. Structure of
compreender a complexa realidade urbana. Segundo Aldo Ordinary. Massachusetts:
The MIT Press. 1998.
Rossi, a forma da cidade, como construção, como arquitetu-
ra, é o dado último e verificável desta complexa realidade, e,
portanto, o ponto de vista mais concreto com o qual se pode
encarar o problema.1

O modo deste olhar, seja sobre a textura de um bairro ou


sobre o simples arranjo de objetos dentro um pequeno re-
cinto, procura, em um primeiro momento, apenas observar:
perceber a cidade como ela é e não como ela deveria ser.

Cabe aqui seguir uma importante recomendação de N.J. Ha-


braken: buscar reconhecer “o que sempre esteve conosco“2,
a partir de uma visão desprovida de juízo de valor. Este pare-
ce ser o primeiro passo na tentativa de melhor compreender
a ordem inata e funcional implícita na forma da cidade.

1
ROSSI, Aldo. A arquitetura da Cidade.
São Paulo: Martins Fontes. 1998.p.13.
2
HABRAKEN, N.J.. Structure of Ordinary.
Massachusetts: The MIT Press. 1998.p.7.

22
INTRODUÇÃO

2I Uma visão de cidade

A cidade, este imenso artefato, é encarada neste estudo


como um grande organismo vivo. Em seu livro “The Struc-
ture of Ordinary”, N. J. Habraken aponta a importância de
observá-la como uma grande e complexa organização criada
e mantida pelos seus habitantes.1

Segundo Habraken, essa organização, como um organismo


que renova suas células, perdura e se mantém por meio de
complexos padrões de transformação, os quais ordenam sua
forma no espaço. Estes padrões definem o centro operacio-
nal da relação entre humanos e toda a matéria construída.

Construir uma casa, cuidar de um jardim, demolir uma pare-


de, arrumar mercadorias em uma vitrine, são alguns exem-
plos desta estreita e incessante relação entre pessoas e a
forma que elas habitam. São justamente essas interações
que imbuem de vida essa complexa e fascinante organiza-
ção.

Através de suas ações sobre a matéria, as pessoas estabe-


lecem diversas configurações no espaço - uma casa, um
0.01
jardim, uma parede, uma vitrine – que se organizam e se
A estreita e incessante relação entre
pessoas e a forma que elas habitam ordenam sobre o território de diversas maneiras, assumindo
imbuem de vida essa complexa e
fascinante organização que é a cidade.
as mais variadas formas físicas.

Acima: edifícios na Barra da Tijuca,


sala de aula na FAU/UFRJ, casa de su-
búrbio no Canadá e loja em Tiradentes.

1
Essa visão é discutida com maior profundidade
no segundo capitulo deste trabalho.

23
INTRODUÇÃO

Cabe, neste trabalho, justamente, observar a forma e procu- ”O mundo não se descortina
rar reconhecer essas configurações, para como isso, buscar mais, como nas perspectivas
identificar os padrões que as estruturam e as mantém. tradicionais, num horizonte
sem fim (...) No horizonte,
Portanto, a percepção da cidade como um organismo vivo e um mundo cada vez mais
integrado, sustentado pela sua intrínseca capacidade de se opaco. A paisagem é um
transformar e se adaptar, parece ser a visão mais apropria- muro. (...) Através dessas
da para qualquer tentativa de compreensão desta imensa e paisagens, redescobrir a
complexa organização. cidade”.

PEIXOTO, Nelson B.. Paisagens


3I Mosaico de territórios Urbanas. São Paulo: Ed. Senac
São Paulo. 2003.

0.02
Reconstrução do Templo de
Jerusalém, século XIII
Guillaume de Tyr

Em uma região afastada da cidade, pouco ocupada, não é di-


fícil imaginarmos uma situação na qual é possível caminhar
em muitas direções e ir de um ponto ao outro sem muitos
desvios. Mesmo havendo barreiras naturais, ou mesmo, al-
guns cercamentos pelo caminho, de modo geral, um campo
aberto e extenso nos permite pensar nesta situação.

24
INTRODUÇÃO

Ao tentarmos imaginar a mesma distância sendo percorrida


dentro da cidade, veremos que o trajeto dificilmente será
feito em qualquer direção e provavelmente desenhará um
caminho sinuoso e irregular. Serão necessários desvios e
transposições para que se consiga cumprir o percurso.

0.03
Mosaico de territórios.
Loteamento na cidade de São
Pedro da Aldeia.

Pedir permissão de entrada, desviar de um muro cego, con-


tornar uma área proibida, atravessar um espaço, ou até mes-
mo abrir uma porta, serão algumas ações necessárias para
se chegar ao destino desejado.

A ocupação da cidade na paisagem, feita pelos seus habi-


tantes e sua arquitetura, gera uma inúmera quantidade de
territórios, demarcados e organizados das mais diversas ma-
neiras no espaço.

Algumas demarcações são facilmente percebidas no am-


biente e são capazes de constituir limites, tanto como bar-

25
INTRODUÇÃO

reiras físicas quanto como componentes visuais. Outras são


menos visíveis e mais sutis, embora não constituam barrei-
ras, são reconhecidas e percebidas como fronteiras.

Limites e fronteiras fazem da cidade um imenso mosaico


de territórios. Cada “peça” deste mosaico é “organizada” e
“controlada” por uma ou mais pessoas que permitem ou não
a passagem, a visão e o uso de um determinado espaço.

Assim como os mosaicos, as cidades são organizadas de


diversas maneiras. A arrumação de suas “peças” tanto pode
seguir uma ordem previamente planejada, projetada antes de
sua materialização, como também, pode seguir uma ordem
menos rigorosa e mais maleável, construída “peça-a-peça” 0.04
Mosaicos
ao longo do tempo, sem consciência prévia da forma que vai
Expansão da Favela da Providên-
assumindo1. cia sobre o morro homônimo e
loteamento do condomínio Santa
Mônica, na Barra da Tijuca.
Em ambos os casos, essas operações possuem padrões
No primeiro “mosaico” as pe-
próprios de construção, não no sentido tectônico da palavra, ças vão sendo adicionadas sem
mas sim, no sentido de transformação e de permanência no consciência prévia da forma que
vai assumindo. Já no segundo, as
espaço e no tempo. lacunas vão sendo preenchidas em
uma malha previamente planejada.

Nas grandes cidades, como é o caso do Rio de Janeiro, es-


sas operações ocorrem de modo simultâneo e o resultado
deste processo pode ser facilmente reconhecido na forma
construída.

1
Ao discorrer sobre os arranjos espaciais das cidades regulares e irre-
gulares, Cristovão Duarte em seu livro “Forma e Movimento” (2002)
trata deste assunto. p.48.

26
INTRODUÇÃO

A arrumação “das peças” de uma cidade, seja previamente


planejada ou feita pouco a pouco, gera uma infinidade de
tipos de “encaixe”, nos quais os limites e fronteiras desem-
penham um papel decisivo.

A presente pesquisa tem como objetivo estudar como se


constituem os limites e fronteiras dentro da cidade. Para
isso, serão investigadas algumas situações observadas na
cidade do Rio de Janeiro.

Autores como Fritjof Capra, N.J. Habraken, Kevin Lynch,


Jane Jacobs, Bill Hillier, Christopher Alexander, Colin Rowe
e Robert Venturi foram imprescindíveis para essa pesquisa.
Alguns de seus trabalhos constituíram um rico e indispen-
sável material de estudo para uma melhor compreensão dos
limites e fronteiras na forma urbana.

Adiante, no próximo capítulo, serão tratadas algumas ques-


tões pertinentes à conceituação e ao entendimento destes
elementos.

27
INTRODUÇÃO

4I Breve resumo dos capítulos

A dissertação é dividida em três capítulos.

1
O primeiro capítulo trata de alguns conceitos fundamentais
para o embasamento teórico da pesquisa. Estes conceitos
são discutidos a partir dos estudos de alguns autores que
abordam o tema, formando assim o seu referencial teórico.

Este capítulo tem como objetivo principal procurar definir o


objeto de estudo para que, deste modo, seja possível traçar
uma abordagem metodológica mais apropriada à sua inves-
tigação.

2
O segundo capítulo trata da análise e da representação dos
limites e das fronteiras. Neste capítulo são discutidas ques-
tões pertinentes à busca de uma abordagem metodológica
que melhor colabore para o entendimento de como os limi-
tes e as fronteiras se estruturam no ambiente urbano.

Em seguida, são apresentados os procedimentos de análise


e de representação e, por último, detalhados os modelos de
representação – mapeamentos e diagramas - utilizados no
método.

28
INTRODUÇÃO

3
No último capítulo são realizadas investigações na cidade
do Rio de Janeiro. Procurou-se perceber como as ações hu-
manas estruturam a forma onde vivem, pressupondo assim,
uma melhor compreensão das relações estabelecidas entre
eles.

Deste modo, buscou-se observar como se constituem os li-


mites físicos e as fronteiras territoriais a partir de um olhar
atento ao modo como o controle é exercido em um dado
local.

29
Capítulo 1

discussão teórica
limites físicos e fronteiras territoriais
DISCUSSÃO TEóRICA

Apresentação

Neste capítulo serão discutidos alguns conceitos fundamen-


tais para o embasamento teórico deste trabalho. Cabe aqui,
procurar definir o objeto de estudo para que, deste modo,
seja possível traçar uma abordagem metodológia mais apro-
priada à sua investigação.

Neste sentido, os trabalhos de alguns autores, como Lynch,


Habraken, Alexander, Rowe e Hillier tornam-se indispensá-
veis. Estes autores, ao observarem o modo como as pes-
soas organizam seus espaços no território, percebem que
os limites e fronteiras desempenham um importante papel
na constituição da forma da cidade e por isso devem ser
investigados a fundo.

“Um edifício é
um porto de abrigo.”

KAHN apud Venturi,


2004.p.91.

32
DISCUSSÃO TEóRICA

1I Território

“Arquitetura é o conjunto de modificações e alterações in-


troduzidas na superfície terrestre tendo em vista as necessi-
dades humanas, excetuando-se apenas o deserto puro. (…)
diz respeito a nós mesmos, a cada um de nós, que deve
vigiar e cuidar do justo ordenamento da paisagem terrestre,
cada um com seu espírito e com suas mãos, na proporção
que lhe cabe.”
Willian Morris1

Partindo da idéia de que a arquitetura se origina como in-


terferência na paisagem natural, pode-se dizer que o ato de
intervir, por si só, já representa um modo de ocupação. Sem
arquitetura - no “deserto puro” de Willian Morris - não há
abrigo e tampouco vestígios humanos na paisagem.

Essa idéia parece trazer subjacente a noção de correspon-


dência entre a construção de arquitetura e a produção de
limites no espaço. O ato de construir - um dos ofícios mais

1.01 primitivos -, ao garantir abrigo para o homem, demarca um


Ao lado: Dólmen de Matança, cerca de
2900-2640 a.C. Portugal.
1
MORRIS apud BENEVOLO, Leonardo. História da Arquitetura
Moderna; São Paulo: Editora Perspectiva, 2001.p.25.

33
DISCUSSÃO TEóRICA

espaço físico.

A “noção de território” é bastante ampla e abarca inúmeras


disciplinas do conhecimento. Cabe aqui, procurar construir
um conceito conciso que possa ser utilizado durante toda a
pesquisa sem desvios de interpretação.

A construção deste conceito se firma fundamentalmente nos


trabalhos Kevin Lynch e de N.J.Habraken. Ambos, baseados
nos estudos de autores como Edward Hall e Robert Sommer, 1.02
Charge
observam que a noção de território está diretamente ligada
ao controle e a ocupação do espaço.

Território e controle do espaço

No livro “Managing the Sense of a Region”, Lynch observa


que as cidades são sistemas de acesso que passam por mo-
saicos de território. Segundo o autor, o “acesso aos locais
permite que as pessoas façam o que se propuseram a fazer.
Território envolve o controle espacial de acesso e de ação,
e o homem é um animal territorial.”2 Lynch argumenta ain-
da que os territórios vão desde a bolha imediata do espaço
pessoal, passando pelo lar, pela casa e pelos domínios de
1.03
grupos sociais maiores. Charge

Por sua vez, seguindo a mesma idéia, no livro “The Structure


of the Ordinary”, Habraken, ao estudar a estrutura territorial
do ambiente urbano, argumenta que um território é reco-

2
LYNCH, Kevin. Managing the Sense of a Region.
Massachusetts: The MIT Press. 1976.p.21

34
DISCUSSÃO TEóRICA

nhecido como um espaço dentro do qual somente certos


itens - pessoas e objetos - podem entrar. Segundo o autor, o
controle territorial é a “habilidade de excluir, fechar a porta,
admitindo seletivamente quem ou o que nós desejamos”3.

Sendo assim, segundo os conceitos destes dois autores, a


idéia de território pode ser entendida como um ato de ocu-
pação, mantido pela capacidade de fechar um determinado
espaço através da restrição de acesso. O ato de ocupação
denota o controle do espaço. Este controle é exercido por
alguém, seja uma pessoa, um grupo de pessoas, uma orga-

1.04
nização ou uma instituição.
O posicionamento de objetos no espaço
pode adquirir um significado territorial.
Tal definição foi fundamental para o presente estudo, pois, a
Abaixo: Praia de Ipanema. partir dela, pôde-se fazer uma abordagem mais direcionada
As bandeiras e as barracas de cores dife-
rentes demarcam territórios distintos às questões que envolvem a constituição de limites e de
na faixa contínua de areia.
fronteiras dentro da cidade.

Como observado por Habraken, um território não pode ser


mantido meramente por gestos e linguagem do corpo. Se-
gundo o autor, “nós tendemos a marcar nosso território
com indicações que usualmente são facilmente lidas pelos
outros.”4

Assim, o posicionamento de objetos no espaço pode adqui-


rir um significado territorial e passar a representar o controle
exercido por alguém em um determinado local. Como será

3
HABRAKEN, N.J.. Structure of Ordinary.
Massachusetts: The MIT Press. 1998.p.136.
4
Idem. p.127.

35
DISCUSSÃO TEóRICA

visto mais adiante, as fronteiras territoriais são estabeleci- “Territorios dependem de um


das muito mais pelo ‘ato de ocupar’ do que pelo fechamento reconhecimento mútuo de suas
por meio de barreiras físicas. fronteiras e das ações que são
propostas no lugar”
Como observado por Lynch, para que possam perdurar - e o
LYNCH, Kevin. Managing the
próprio território continuar existindo -, as fronteiras devem
Sense of a Region. Massachusetts: The
ser reconhecidas e consentidas pelos habitantes do lugar, MIT Press.1976.p.25.

caso contrário, tendem a desaparecer ou assumir uma or-


dem física, demarcada com paredes, muros e cercas.

Território e espaço

A idéia de território como um ato de ocupação permite que


se façam algumas reflexões a respeito de questões ligadas à
posse, à percepção e ao uso de um espaço. Tanto Habraken
1.05
quanto Lynch ressaltam que o controle de um território não
Espaço público ou espaço privado?
é uma questão necessariamente associada à propriedade de
Abaixo: restaurante em Santa Teresa
um espaço. e calçada em Copacabana.

Uma calçada, embora seja um espaço de propriedade públi-


ca, pode ser percebida como um espaço privado, ocupado,
por exemplo, pelas mesas de um restaurante. Um aparta-
mento alugado, embora pertença à terceiros é um território
“dominado” por quem o ocupa. Em situações normais, tanto
a disposição de objetos em seu interior - como o mobiliário
- quanto à entrada de pessoas são controlados pelo inquilino
e não pelo proprietário do imóvel. O próprio proprietário, ao
querer visitar o apartamento, terá que pedir permissão ao
seu inquilino.

36
DISCUSSÃO TEóRICA

Do mesmo modo, a sala de estar de uma residência é per-


cebida como um espaço público pelos seus moradores e
como um espaço privado pelos seus vizinhos. Neste senti-
do, pode-se dizer que a dicotomia público/privado refere-se
muito mais ao espaço – seu uso e percepção - do que à
idéia de território.

Um mesmo território, segundo Habraken, pode ser ao mes-


mo tempo um espaço ‘público’ e ‘privado’, dependendo de
como ele é percebido, de quem o controla e de como está
disposto em um sistema maior de espaços. Essas questões
serão vistas com maior profundidade no próximo capítulo
deste trabalho.

1.06
Superstudio:
paisagem com ilustração, 1970

Em resumo, um território pode ser considerado uma base


topológica5 sobre a qual os habitantes da cidade, ao cons-

5
A definição de território utilizada neste trabalho pode ser associada
ao conceito de espaço topológico. Segundo Fritjof Capra, Topologia
é uma matemática de padrões e de relações, onde todos os aspectos
dimensionais de uma forma podem ser distorcidos sem que se per-
cam suas propriedades essenciais (2006:109). O que interessa nesta
geometria são as relações e os padrões internos que permanecem
inalterados. Assim como em topologia, um território não depende
de aspectos dimensionais, pois sua essência está nos padrões de
ocupação do espaço.

37
DISCUSSÃO TEóRICA

truírem seus espaços, o ocupam e o controlam. Desta for-


ma, pode-se dizer que o território possui uma ordem natural
que envolve a ocupação da superfície terrestre, em vista das
necessidades humanas. O espaço, por sua vez, possui uma
ordem cultural, ligada aos padrões sociais de uma determi-
nada cultura.6

Território e percepção

Em seus estudos, enquanto Habraken tende para uma aborda-


gem “mais física” do território, baseada na idéia de controle
revelada por demarcações físicas e territoriais, Kevin Lynch
emprega uma abordagem de conotação “mais perceptiva”,
relacionada aos aspectos da imagem mental do espaço.

Uma pessoa pode perceber um determinado local como


sendo seu próprio território, independente de questões nor-
mativas e puramente físicas. Imagem, significado e legibi-
lidade de um lugar, assim como, acessibilidade, controle
e conotações sociais são alguns dos muitos aspectos que,
1.07
segundo Lynch, podem reforçar a imagem de uma região e O som pode ter um significado territorial.

imbuí-la de um “sentido de local”7. Acima: croqui de Flavio Ferreira


representando o raio de ação do
som dos sinos de uma igreja.
A imagem de um lugar e, por conseguinte, a noção de terri-
O som dos sinos faz com que os
habitantes que moram dentro de sua
6 abrangêcia sintam-se ligados à Igreja.
Em seus estudos, tanto Habraken quanto Hillier&Hanson identificam
aspectos de ordem social – a ‘ordem cultural’ e o ‘Space Syntax’,
respectivamente - na produção de espaços. Seus trabalhos serão
discutidos mais adiante no próximo capitulo.
7
LYNCH, Kevin. A Boa Forma da Cidade.
Lisboa: Edições 70. 2007. p.127.

38
DISCUSSÃO TEóRICA

1.08
Mapas de Kevin Lynch mencionados
no texto.

39
DISCUSSÃO TEóRICA

tório, também pode estar associada á aspectos mais ligados


às características ambientais de uma região, como o som, a
luz e a qualidade do ar. O impacto da poluição, a degradação
física, a intensidade de usos, fluxos e de movimento são
aspectos que podem influenciar diretamente na percepção
de um território.

No livro “Managing the Sense of a Region”, Lynch apresenta


um mapa bastante interessante onde são representados os
territórios percebidos por residentes de três áreas distintas
que possuem diferentes graus de intensidade no tráfego de
veículos. Na área de tráfego mais intenso, os territórios per-
cebidos pelos moradores são “menores”, ao ponto de se
retrairem até os limites físicos de suas habitações.

As pessoas, ao se sentirem “donas” de um local, tendem


a cuidar melhor do espaço, expandindo a imagem de suas
fronteiras para além dos limites físicos e normativos de suas
casas. Regar uma planta à frente de casa, varrer a calçada e
manter o ambiente limpo são algumas ações que represen-
tam este tipo de percepção.

Por outro lado, quando as pessoas não se sentem “proprietá-


rios naturais das ruas”8, como observado por Jane Jacobs, a

8
JACOBS, Jane. Morte e vida nas grandes cidades.
São Paulo: Martins Fontes. 2007.p.35.

40
DISCUSSÃO TEóRICA

1.09 percepção do território se restringe aos limites das moradias


De quem é este jardim?
e o espaço da rua deixa de ser cuidado, podendo, inclusive,
Abaixo: Portaria de edifício na Lagoa. tender à degradação física e visual. Neste caso, a sensação
Os jardins da calçada “entram” para debaixo
do edifício ou os jardins do edifício “saem” “de pertencimento” que antes avançava sobre a rua deixa de
em direção à calçada? existir. Como será observado mais adiante, a sensação de
insegurança em uma região é outro fator que contribui para
maiores retrações de fronteiras territoriais e fechamentos fí-
sicos de espaços.

A partir destes entendimentos, pode-se dizer que a per-


cepção de um território, seja por uma pessoa ou por uma
comunidade, pode gerar fronteiras não necessariamente re-
produzidas na forma construída. No entanto, mesmo não se
materializando no espaço, estes “tipos” de fronteira também
fazem parte da forma da cidade.

Sendo assim, para efeito de análise, a idéia de território pode


ser decomposta em duas noções fundamentais. A primeira é
compreendida como um ato de ocupação, ligada à aspectos
de natureza física, relacionados ao controle territorial, per-
cebidos por meio de indicações e demarcações no espaço.
A segunda trata de aspectos de natureza mais perceptiva,
presentes na imagem mental dos habitantes da cidade, sem
propriamente serem reproduzidos fisicamente no espaço.

A idéia de território é fundamental para o embasamento des-


ta pesquisa, pois permite que se façam indagações mais
consistentes a respeito de limites e fronteiras, sem desvios
puramente morfológicos.

41
DISCUSSÃO TEóRICA

2I Limites e Fronteiras

Até o momento buscou-se discutir algumas questões rela-


cionadas à idéia de território, baseadas sobretudo nos con-
ceitos de Kevin Lynch e de N. J. Habraken. Nesta discussão
já se pôde verificar que tanto os limites quanto as fronteiras
possuem um significado territorial, pois representam o con-
trole de um determinado espaço.

Como observado, o território - ao ser compreendido como


um ato de ocupação - exige algum tipo de demarcação no
ambiente para que possa existir e ser percebido.

Habraken observa que elementos como paredes, portões e


muros, embora dividam fisicamente dois espaços, podem
não demarcar territórios. Um território é um espaço contro-
lado por um único agente, que pode ser uma pessoa, um
grupo de pessoas, uma organização ou uma instituição.
Caso paredes, portões e muros venham a dividir espaços
controlados por um mesmo agente, passam a não possuir
qualquer sentido territorial pois pertencerem à um mesmo
território.1

“Vamos nos concentrar em como a organização das par-


tes no ambiente é governada pelas regras do território.
Procuraremos determinar como, baseado no movimento
das partes, fronteiras territoriais podem ser deduzidas.’’2

1
HABRAKEN, N.J.. The Structure of Ordinary.
Massachusetts: The MIT Press. 1998.p.126.
2
Idem.p.127.

42
DISCUSSÃO TEóRICA

“As cidades são sistemas de Neste sentido, o presente estudo se concentra em demar-

acesso que passam por mosaicos cações que possuam algum tipo de significado territorial e,

de território. Acesso aos locais por isso, procura observar situações onde existam mais de

permite que as pessoas façam um agente atuando.

o que se propuseram a fazer.


Território, por outro lado, envolve
o controle espacial de acesso e
de ação, e o homem é um animal
A chave para o presente estudo foi fornecida por Habraken,
territorial.”
ao perceber o ambiente urbano como uma imensa organiza-

LYNCH, Kevin. Managing the Sense ção estruturada por um complexo sistema de espaços, onde
of a Region. Massachusetts: The MIT
cada um deles está sob o controle de um agente.
Press.1976.p.21.

O controle, como observado pelo autor, denota a capacidade


de assegurar um determinado espaço e pode se torna visível
no ambiente por meio três mecanismos3:

1 pela ordem física, quando o controle é exercido através


da forma;

2 pela ordem territorial, quando o controle é exercido por


meio do ato de ocupação do espaço;

3 pela ordem cultural, quando o controle - seja exercido


através da ordem física ou da ordem territorial - é de comum
entendimento entre os outros agentes de um determinado
sistema.

3
As ordens, assim como outros conceitos postulados
por Habraken, serão discutidos com maior
profundidade no segundo capítulo desta pesquisa.

43
DISCUSSÃO TEóRICA

Segundo o autor, estes mecanismos estruturaram a grande


variedade de formas observadas no ambiente construído,
dentre elas, os limites físicos e as fronteiras territoriais.

Em suma, pode-se dizer que os limites e fronteiras são de-


marcações que representam o controle de um espaço. Estes
elementos, ao demarcarem um espaço, seja através da forma
física ou por meio de pequenas indicações, são imbuídos de
algum significado territorial.

Qual é a diferença entre


fronteiras e limites?

“Espaços lidos dentro de forma são bastante diferentes do


controle territorial do espaço.”4

Este estudo considera que os limites são elementos de or-


dem física e podem constituir barreiras ao acesso interno
dos espaços por eles demarcados. Muros, paredes, facha-
das e cercamentos são alguns exemplos destes elementos.
Neste trabalho, estes elementos são denominados limites
físicos.

As fronteiras, por sua vez, são demarcações de ordem territo-


rial. Embora também representem o controle de um espaço,

4
HABRAKEN, N.J.. The Structure of Ordinary.
Massachusetts: The MIT Press. 1998.p.129.

44
DISCUSSÃO TEóRICA

não necessariamente constituem forma física. Essas demar-


cações são estabelecidas muito mais pelo “ato de ocupar”
do que através de fechamentos. Aqui, essas demarcações
são denominadas fronteiras territoriais.

Como notado por Habraken, as mais básicas demarcações


territoriais não são paredes, tampouco cercas, ou qualquer
Acima: outra forma de enclausuramento, mas sim, uma simples
Circulação comum entre apartamentos de um
edíficio de habitação multifamiliar.
pedra, ou estaca, que marca a passagem de uma linha de
fronteira.
Na imagem é possivel observar que o controle
é revelado – visível- por meio de uma ordem
territorial. A forma física e o controle territorial - ambos desempenha-
O controle territorial - exercido pelo morador dos pelas ações humanas através de demarcações no espa-
do apartamento - não coincide com os limites
ço - são responsáveis por estruturar o imenso mosaico de
físicos do imóvel - controle exercido pela for-
ma. O espaço ocupado pelo tapete, pelos vasos territórios que forma a cidade.
de planta e pelos objetos fixados nas paredes
demarcam um território. Embora ele esteja si-
tuado na circulação comum do edíficio, é per- Ao representarem o controle espacial exercido pelos habi-
cebido como um espaço privado.
tantes da cidade, os limites e fronteiras adquirem as mais
É interessante observar que essa situação só variadas formas em diversos níveis de organização: da sala
ocorre porque há um consentimento mútuo –
ordem cultural – entre o restante dos morado- para casa, da casa para a rua, da rua para o bairro, dentre
res do edíficio.
muitos outros.

Em seus estudos, Habraken percebe que a organização da


forma e do espaço é estruturada por um complexo padrão de
hierarquia de controle que pode ser reconhecido na forma
da cidade.5

5
Ver segundo capitulo da pesquisa.

45
DISCUSSÃO TEóRICA

organização estruturada
por um complexo padrão
de hierarquia de controle

46
DISCUSSÃO TEóRICA

Limites e Fronteiras em ação

As partes juntas de uma cidade constituem uma organização


definida pelo exercício do controle, o qual é desempenhado
sob diversos níveis.

Segundo Habraken, as propriedades físicas de uma forma


em particular revelam como os agentes distribuem o con-
trole.6 Este é o ponto chave: observar a forma para procurar
reconhecer de que modo o controle é distribuído em um
dado lugar. Pressupõe-se que a partir deste reconhecimento
seja possível compreender de maneira mais clara como se
estruturam os limites e fronteiras na cidade.

Fronteiras e limites podem coincidir sua forma no território.


Este isoformismo, como notado por Habraken, limita a flui-
dez do território.7 Por outro lado, em situações conflitantes,
permite que o controle de dois agentes seja exercído lado a
lado sem maiores problemas. Um parque ao lado de uma ro-
dovia barulhenta, uma calçada insegura e degradada à frente
de uma casa, são exemplos de situações onde o isoformis-
mo entre a ordem física e territorial pode ser importante e
até decisivo.

6
HABRAKEN, N.J.. The Structure of Ordinary.
Massachusetts: The MIT Press. 1998.p.29.
7
Idem.p.148.

47
DISCUSSÃO TEóRICA

As fronteiras territoriais podem ir além dos limites físicos


de um espaço. Isso é facilmente percebido em algumas cal-
çadas onde restaurantes e lojas “transbordam” seu controle
para além de seus limites físicos, seguindo uma ordem ter-
ritorial. Mesmo sendo um espaço de propriedade pública, a
calçada passa a ser percebida e utilizada como um espaço
privado.
1.10
Restaurante em Aix en Provence
Conforme notado por Habraken, situações como essa de- Fronteira>Limite
Mesas e cadeiras vão para além dos limites
pendem, além do consenso entre agentes, da qualidade do
físicos do restaurante e ocupam a calçada.
ambiente.8 Aspectos ambientais e sociais influenciam dire-
tamente na qualidade e na estrutura do espaço. Em lugares
degradados e inseguros dificilmente o avanço de fronteiras
territoriais iria ocorrer.

Existem muitos casos onde as fronteiras territoriais são “me-


nores” que os limites físicos. Uma mesa ocupada por um
1.11
grupo de pessoas dentro de um restaurante configura um
Vendedor de coco na Lagoa
território, o qual, mesmo estando dentro dos limites físicos Limite= 0
A distribuição - ocupação - das cadeiras,
do restaurante, é controlado pelos clientes à mesa. Existem
objetos e pessoas demarcam um território.
muitos outros casos assim.

Habraken observa que em situações de conflito entre agen- “O jogo ambiental começa com
tes, onde o consenso não é alcançado ou onde os usos tor- uma simples e desequilibrada situ-
nam-se incompatíveis, ocorre uma reestruturação que busca ação e procura, por meio de trans-
a estabilidade. formações graduais, chegarem a
um crescente e complexo equilí-
Nestes casos, fronteiras territoriais “ganham” forma física, brio entre muitos jogadores.”
surgem novos limites, ou ainda, uma “força” territorial supe-
N.J. Habraken
8
Ibidem.p.29.

48
DISCUSSÃO TEóRICA

rior toma voz, como por exemplo, uma associação, uma ins-
tituição, ou a direção de um estabelecimento. Estes agentes
mantêm a ordem - territorial e física - em um local onde
existam conflitos entre agentes em um nível inferior.

1.12
É interessante observar como as ações humanas estruturam
MUBE, São Paulo
Fronteira=Limite o espaço através do controle, e como os limites e fronteiras
Toda a “fluidez do espaço” é barrada pelo
se articulam entre si.
gradeamento no encontro com a calçada.

Os conceitos construídos por Habraken, fundados no con-


trole da forma e do espaço, permitiram definir com clareza o
objeto de estudo do presente trabalho.

Tanto os limites quanto as fronteiras são investigados por


outros autores que os definem de modo semelhante ao uti-
lizado por Habraken. Adiante serão discutidos alguns as-
pectos pertinentes aos estudos de alguns destes autores, os
1.13
quais também são empregados nesta pesquisa, constituindo
Loja de departamentos
Fronteira<Limite assim, o seu arcabouço teórico.
Um grupo de pessoas pode por si só
exercer o controle territorial dentro de
um espaço físico maior.

1.14
Loja em Ipanema
Fronteira>Limite
O tapete sobre a calçada demarca um
território.

49
DISCUSSÃO TEóRICA

50
DISCUSSÃO TEóRICA

“Amarrou-o em cima de um cavalo veloz e o levou para o deserto. Ca-


valgaram três dias, e disse-lhe: “Ó rei do tempo e substância e cifra do
século!, na Babilônia desejaste que eu me perdesse num labirinto de
bronze com muitas escadas, portas e muros; o Poderoso teve por bem
que eu agora te mostre o meu, onde não há escadas a subir, nem portas
a forçar, nem cansativas galerias a percorrer, nem muros para impedir a
passagem”. (...) Logo depois desamarrou-o e o abandonou no meio do
deserto” .

José Luis Borges


Os dois reis e os dois labirintos

1.15
Ao lado: Memorial da Améria Latina em São Paulo e
Complexo de Favelas do Morro do Alemão no Rio de
Janeiro. Ambos na mesma escala.

51
DISCUSSÃO TEóRICA

1.16
Croqui de Le Corbusier.

3I Limites físicos

Como já definidos neste estudo, os limites físicos são ele-


mentos de ordem física que demarcam - e representam - o
controle através da forma. Essa definição foi construída a
partir dos conceitos postulados por N.J. Habarken e será
amplamente utilizada nas investigações realizadas da pre-
sente pesquisa.

Os limites físicos também são estudados por diversos outros


autores, em especial, aqueles que, além de Habraken, reco-
nhecem a sua importância como elementos organizadores e
estruturadores do espaço.

Ao contrário da Lógica Moderna, baseada na supressão


de barreiras físicas em prol de um continuum baseado na
“fluência do espaço vazio”1, autores como Rowe, Venturi,
Alexander, Jacobs e Lynch percebem que os limites físicos

1
VENTURI, Robert. Complexidade e contradições
em arquitetura. São Paulo: Martins Fontes. 2004.p.78.

52
DISCUSSÃO TEóRICA

desempenham um importante papel dentro da cidade.

Como observado por Colin Rowe, as premissas do Pensa-


mento Moderno indicavam que o espaço deveria ser fluido
com construções espaçadas por áreas livres e poucas bar-
reiras físicas ao movimento. Vale notar que tais premissas
tratavam de atender aos desígnos de uma classe social ho-
mogênia.

Rowe ressalta a preocupação dos edifícios Modernos em


“não existir”, como “intrusões delicadas e tímidas no conti-
nuum natural, construções levantadas acima do solo, exer-
cendo o menor contato possível com a terra”.2

Distante da “invisibilidade” da Arquitetura Moderna, como


observado pelos autores acima citados, a forma da cidade
tradicional “se utiliza” amplamente dos limites físicos, mui-
tas vezes, como importantes e indispensáveis instrumentos
de demarcação de espaços e de usos, tornando possível
certas convivências.

Um dos objetivos desta pesquisa é - através do estudo dos


trabalhos destes autores - demonstrar o importante papel
que estes elementos desempenham na forma da cidade.

2
ROWE, Colin e KOETTER, Fred. Ciudad Collage.
Barcelona: Gustavo Gilli. 1998.p.50.

53
DISCUSSÃO TEóRICA

4I Limites físicos: outros autores “Muitos limites são uma costura,


muito mais que barreiras que iso-
Lynch
lam, e é interessante perceber
as diferenças de efeito.”
No livro “A Imagem da Cidade”, Kevin Lynch, para efeito de
análise, isola cinco elementos da imagem urbana – vias, LYNCH, Kevin. A imagem da cidade.
São Paulo: Martins Fontes. 2006.p.69
limites, bairros, pontos nodais e marcos1 – e discute em
profundidade suas qualidades e inter-relações. Dentre eles,
os limites e os bairros são dois elementos fundamentais para
essa pesquisa.2

Os limites são definidos por Lynch como elementos linea-


res com predominância visual e contínua. Diferente de Ha-
braken, o autor faz uma abordagem “mais perceptiva” destes
elementos, através da qual, procura observar seus efeitos na 1.17
Orla de Copacabana.
imagem da cidade.
O limite contínuo formado pelas construções
justapostas ao longo da orla de Copacabana
Lynch entende que continuidade e visibilidade são proprie- confere uma forte imagem ao bairro.

dades intrínsecas aos limites. Limites com grande impres-


são visual e continuidade formal podem adquirir qualidades
direcionais dentro da cidade, funcionando como referências
laterais. Margens de rios, bordas de morros, frentes maríti-
mas, grandes estruturas lineares, como ferrovias, viadutos e
muros extensos são alguns exemplos de limites que podem
reforçar a legibilidade de um lugar.

1.18
Frente de hipermercado na
Barra da Tijuca.
1
LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. A marcação de limites pode ser utilizada
São Paulo: Martins Fontes. 2006.p.51. para reforça a identidade de um local.
2
Os bairros serão discutidos mais adiante, quando forem
tratados alguns aspectos pertinentes às fronteiras territoriais.

54
DISCUSSÃO TEóRICA

A identidade de muitos bairros cariocas - como será visto no


terceiro capítulo da pesquisa - é reforçada por alguns destes
elementos. A definição de limites claros e consensuais pode
se tornar um importante instrumento agregador dentro da ci-
dade. Estes elementos são capazes de reforçar a identidade
de um local em relação aos seus vizinhos, tornando mais
nítida e clara essa percepção.

1.19 Lynch observa que os limites são capazes de desempenhar o


O muro do Jóquei Clube e o gradil do Jardim
Botânico no Rio de Janeiro constituem um papel de “costura” ao longo da qual duas áreas se unem de
importante espaço de fronteira que garante
modo claro e inequívoco. Uma rua de comércio, por exem-
maior identidade para os bairros da Gávea e
do Jardim Botânico. A imagem deste espaço plo, ao mesmo tempo que divide duas áreas pode manter
marca de forma clara o “fim” e o “início” de
cada bairro.
certa relação visual entre ambas. Fachadas contínuas e jus-
tapostas podem reforçar este efeito.

Por outro lado, o autor nota que em alguns casos, os limites


“Uma região boa não tem grandes
podem promover o isolamento físico e social de algumas
áreas contínuas de exclusão, e há
áreas, contribuindo para a fragmentação da cidade de modo
apenas pequenas desigualdades de
desorganizado. Grandes condomínios fechados, extensos
acesso entre os diferentes grupos.”
vazios urbanos e até bairros isolados são algumas situações
LYNCH, Kevin. Managing the Sense of a que podem se tornar áreas contínuas de exclusão no interior
Region. Massachusetts:
The MIT Press. 1976. p.23.
da cidade.

55
DISCUSSÃO TEóRICA

Jacobs

Jane Jacobs atenta para casos onde os limites têm influên-


cia ativa na vivacidade de um lugar. Em “Morte e Vida de
Grandes Cidades”, a autora trata da “maldição das zonas de
fronteira desertas”3, onde observa que as vizinhanças ime-
diatas à extensos limites físicos, como bordas de parque e
de grandes equipamentos urbanos, tendem a se tornar locais
desertos e pouco freqüentados.

Estes limites, como observado por Jacobs, são capazes de


formar hiatos de uso em suas redondezas, podendo se tornar
“áreas estéreis”. Este efeito pode ser bastante nocivo à ci-
dade, pois, em alguns casos, pode acarretar um processo de
desconstrução ou deterioração que se inicia na vizinhança
imediata e se alastrar bairro à dentro.

É interessante observar a relação existente entre as visões de


Jacobs e de Habraken no que se refere à influência destes
“tipos” de limite no ambiente urbano.

Os limites muitos extensos, sobretudo aqueles que cons-


tituem barreiras físicas e visuais, fazem com que o “lado
de fora” seja percebido como um território “sem dono” e,

3
JACOBS, Jane. Morte e vida nas grandes cidades.
São Paulo: Martins Fontes. 2007. p.285.

56
DISCUSSÃO TEóRICA

portanto, sem controle, ou pouquíssimo controle. Sem uso


e sem controle, essas áreas tendem ao abandono e muitas
vezes a se tornarem locais perigosos.

Alexander

Christopher Alexander é outro autor que dá especial impor-


tância aos limites e às fronteiras na forma da cidade. No
livro “A Pattern Language”, o autor discorrer sobre alguns
padrões que abordam estes elementos.

No padrão número 124, intitulado “Activity Pockets”, Alexan-


der nota que geralmente a “vida” de uma praça acontece nas
suas bordas. O autor observa que “as pessoas naturalmen-
te gravitam em direção às bordas de espaços públicos”4. A
partir dessa observação, Alexander propõe que as atividades
propostas para uma praça devem se situar junto à suas bor-
das e acessos.

Ao contrário da continuidade espacial proposta pelo Pen-


samento Moderno, reproduzida em praças amplas, lavadas
de luz e “sem cantos”, Alexander demonstra a importância
dos limites físicos na configuração destes espaços. Como
observado, os limites, mesmo não constituindo uma forma

4
ALEXANDER, Christopher. A Pattern Language.
New York: Oxford University Press. 1977. p.599.

57
DISCUSSÃO TEóRICA

forte e contínua, funcionam como elementos agregadores de


usos e geradores de vivacidade.

Outro padrão pertinente ao objeto do presente estudo é o de


número 53, intitulado “Main Gateways”. Neste padrão, Ale-
xander propõe que se marquem fisicamente todas as frontei-
ras que possuam um importante significado para os habitan-
tes de uma cidade.5 Deste modo, segundo o autor, os locais
de uma cidade que já apresentam algum tipo de distinção
ficam reforçados, tornam-se mais intensos e identificáveis.

O autor observa que as “fronteiras, usualmente, estão na


mente dos habitantes de um lugar”. Elas marcam a transição
1.20
entre duas atividades ou entre dois lugares: o ponto onde se Paróquia São Judas Tadeu
no Cosme Velho.
inicia e onde se termina. Portões, pontes e passagens entre
construções são alguns exemplos de elementos que podem Mesmo com sua fachada imponente, a
marcação de sua entrada foi fortemente
servir para marcar fisicamente essas fronteiras. marcada com um pórtico.

Como notado por Alexander, além de marcarem o ponto de


atravessamento de uma fronteira, estes elementos ajudam a
mantê-la, pois transmitem com mais clareza o sentimento
de transição de um lugar para outro.

Nota-se que Alexander, diferente de Habraken, não emprega


um significado territorial - no sentido de controle espacial
– aos elementos propostos. Assim como Lynch, o autor se
concentra em aspectos mais perceptivos e funcionais.

5
Idem.p.276.

58
DISCUSSÃO TEóRICA

Rowe & Venturi

Além de muros, cercas e portões, os limites físicos podem


constituir construções inteiras. Um edifício, por exemplo,
pode servir como um limite entre dois espaços dentro da
cidade.

Em seu livro “Collage City”, Colin Rowe, emprega o termo


Poché - trazido das discussões de Robert Venturi6 ao tratar
do interior e do exterior na arquitetura - para indicar que
o objeto arquitetônico tanto pode se isolar na “fluência do
espaço vazio” ao seu redor, seguindo as premissas do Pen-
samento Moderno, quanto pode servir como uma construção
1.21
Exemplos de Poché. “de preenchimento”, dando formato ao espaço vazio.7
De cima para baixo:

Palácio de Quirinal em Roma. Como apontado por Venturi, o Poché é um espaço residual,
Hobin Hood Garden de Alison and Peter
Smithson em Londres.
de entremeio, resultado da “acomodação de um interior di-
ferente do exterior” de uma construção. Pode-se dizer que
ele surge da tensão entre a forma arquitetônica exterior e o
formato do espaço interno. O Poché é um espaço vazio.

Rowe traz o Poché para uma escala urbana e o inverte. As-


sim, o Poché se torna uma forma sólida e “preenchida” de
arquitetura.

Ao contrário dos edifícios Modernos que “procuram” exercer

6
VENTURI, Robert. Complexidade e contradições
em arquitetura. São Paulo: Martins Fontes. 2004.p.111.
7
ROWE, Colin e KOETTER, Fred. Ciudad Collage.
Barcelona: Gustavo Gilli. 1998.p.78.

59
DISCUSSÃO TEóRICA

o menor contato possível com a terra, o edifício Poché está


enraizado no solo, recortando o rés-do-chão da cidade.

Ao funcionar como um limite físico contínuo, o Poché tem a


habilidade de dar formato ao vazio e definir de modo claro e
inequívoco os espaços por ele separados. 1.22
Casa “N” de Sou Fujimoto.
O formato do espaço interior “se
acomoda” à forma rígida exterior.

1.23
Ao lado: VitraHaus, de Herzog & De Meuron.

Em “Complexidade e Contradição na Arquitetura”, Robert


Venturi faz uma abordagem relacional entre a forma arqui-
tetônica exterior e o espaço interno. Venturi demonstra que
essa relação é bastante complexa e muitas vezes contradi-
tória.

3.07
Biblioteca de Seattle de Rem Koolhaas.
A forma exterior “revela” as
configurações complexas
do espaço interior.

Os limites externos de uma construção - os quais consti-


tuem a forma externa do objeto arquitetônico - podem ou
não externar fisicamente a configuração física de seu inte-
rior. Da mesma maneira, o formato do espaço interior pode
ou não corresponder à forma exterior. Venturi nota que existe 1.24
Maison Carré de Alvar Aalto.
uma tensão entre o interior e o exterior arquitetônico, onde a
O espaço interior e a forma exterior
arquitetura “como parede” converte-se no registro espacial funcionam isoladamente e estão
desvinculados.

60
DISCUSSÃO TEóRICA

desta tensão.8

Ao perceber a ordem física como a “revelação” do controle


exercido pela forma, Habraken nota que existe uma relação
de diferentes níveis de domínio de controle de uma configu-
ração física sobre a outra. Segundo o autor, se uma deter-
minada configuração tem a capacidade de transformar outra,
ela exerce controle sobre ela, e, portanto, é dominante.9

1.25
Bonecas russas Matrioshka

O domínio de controle entre configurações físicas postu-


lado por Habraken pode ser facilmente entendido a partir
da imagem de uma boneca Matrioshka. Quando as bonecas
estão uma dentro da outra, a boneca “mais externa” domi-
na a seguinte, e assim sucessivamente. Qualquer alteração
na forma da boneca “mais externa” influencia na forma da
seguinte, e assim sucessivamente. Com isso, os espaços
internos são alterados.

Embora aborde outros aspectos, pode-se dizer que Venturi


demonstra que a relação hierárquica percebida por Habraken
não é tão linear assim. A forma e o espaço interior podem
acontecer de modo distinto e independente dentro de um

8
VENTURI, Robert. Complexidade e contradições
em arquitetura. São Paulo: Martins Fontes. 2004.p.119.
9
Ver segundo capitulo da pesquisa.

61
DISCUSSÃO TEóRICA

mesmo sistema, muitas vezes, não se ajustando segundo


uma ordem hierárquica.

Hillier & Hanson

A metodologia criada por Hillier e Hanson, denominada


Space Syntax, propõe um conjunto de técnicas que anali-
sam e representam aspectos espaciais, na busca de identi-
ficar padrões sociais presentes no ambiente construído. Os
autores se fundamentam na perspectiva de que significados
sociais são encontrados nos padrões espaciais construídos
pela própria arquitetura.10

Segundo a Space Syntax, as condições de movimento e uso


devem, sobretudo, à elevação de fronteiras11 que delimitam
e distinguem espaços diferentes e pela possibilidade de
acesso e visibilidade que estes organizam.

Dentre as propriedades descritas na metodologia desenvol-


vida pela Space Syntax, o estudo da permeabilidade trata de
identificar conexões que um espaço estabelece com outros
em um sistema, através do atravessamento de fronteiras.
Essa possibilidade do espaço é investigada fundamental- 1.26
mente em sistemas de espaços arquitetônicos. Grafo de acesso construído a
partir de planta baixa de um
moradia (desenho a cima).
O alpendre (nivel 1) controla o
A Space Syntax considera que uma construção, ao esta-
acesso ao restante dos espaços
belecer fronteiras entre seus ambientes internos, organiza da moradia.

10
Os estudos destes autores serão discutidos com maior profundidade
no próximo capítulo da pesquisa.

11
No caso, o termo fronteira está sendo empregado pelos
autores como um limite fisico.

62
DISCUSSÃO TEóRICA

“a fronteira ao mesmo tempo cria gradações de controle nas relações entre as pessoas. Vê-se
uma categoria de espaço – o inte- ai uma forte semelhança com os estudos de Habraken a res-
rior – e uma forma de controle – a peito do controle territorial, a qual será discutida no próximo
fronteira mesma.” capítulo.

HILLIER, B. ,HANSON, J..The Social


Desta maneira, pode-se dizer que padrões de permeabilida-
Logic of Space. Cambridge: Cambridge
University Press. 1984. p.146. de denotam essencialmente relações de controle, estabele-
cidos segundo uma ordem hierárquica entre os espaços de
um sistema.

Assim como no Space Syntax, Habraken busca reconhecer


na forma construída aspectos espaciais pertinentes ao de-
sempenho do controle e também os descreve por meio de
diagramas como forma de representar a maneira como os
espaços estão organizados e relacionados.

63
DISCUSSÃO TEóRICA

1.27
Fronteiras incertas.

Soleil Levant, 1872


Claude Monet

5I Fronteiras territoriais:
outros autores

Como já discutido neste trabalho, as fronteiras são conside-


radas demarcações territoriais que, embora representem o
controle de um determinado espaço, não necessariamente
constituem forma física. Essas demarcações são estabele-
cidas muito mais pelo ato de ocupar12 do que através de
fechamentos.

Além de Habraken, outros autores tratam de estudar as fron-


teiras na forma da cidade. Assim como ele, entendem que
as fronteiras possuem significado territorial e constituem
demarcações imprecisas e de propriedades mais flexíveis.

12
Este termo é ligado à definição de território,
discutido no início deste capítulo.

64
DISCUSSÃO TEóRICA

Lynch

Mapa de Kevin Lynch feito a


partir da percepção de moradores
de suas próprias vizinhanças.
Segundo Lynch, o desenho destas
fronteiras revelam algo sobre a
estrutura social da cidade e sua
forma visual.

No livro “Managing the Sense of a Region”, Kevin Lynch


aborda as fronteiras de modo relacionado aos aspectos da
imagem mental de um local. Uma pessoa pode perceber
um determinado local como sendo seu próprio território de
acordo com aspectos não necessariamente físicos, como a
estrutura social de uma região, a memória ou outro signifi-
cado que a faça reconhecê-lo como o “seu lugar”.

1.28
Fronteiras variáveis.
Mapa de Kevin Lynch.

Ao tratar da imagem e da forma dos bairros13, Lynch observa


que muitas fronteiras são atribuídas à opinião consensual
dos habitantes e possuem certa variação.

Lynch também observa que certos bairros, em especial os

13
LYNCH, Kevin. A imagem da cidade.
São Paulo: Martins Fontes. 2006.p.51.

65
DISCUSSÃO TEóRICA

de núcleo forte e sem limites definidos, possuem faixas de


fronteira que aos poucos vão se diluindo à medida que se
distanciam do núcleo. Essas faixas são constituídas de um
gradiente temático, o qual é mais intenso junto ao centro do
bairro.

Gradiente temático de um bairro.


Croqui de Kevin Lynch.

As características físicas que determinam um bairro, se-


gundo Lynch, podem consistir em inúmeros componentes
- textura, espaço, forma, detalhe, tipo de construção, usos,
dentre outros – que constituem uma continuidade temática
e conferem ao bairro certa homogeneidade interna. Na faixa
de fronteira gradual a continuidade temática vai perdendo ou
ganhando teor.

Alexander

1.29
Pattern 8
Croqui de Christopher Alexander

No padrão numero 8, intitulado “Mosaic of Subcultures”, ao


perceber a cidade como um grande mosaico de subculturas,
Alexander propõe o uso de faixas de fronteiras não residen-
ciais entre elas. O autor defende que as subculturas de uma
cidade, sempre que possível, devem ser enfatizadas. Cada

66
DISCUSSÃO TEóRICA

uma delas deve perceber o território como um espaço pró-


prio.

No entanto, ao contrário de um processo de guetificação


onde, muitas vezes, áreas são isoladas e demarcadas por
limites físicos, as fronteiras entre as subculturas devem ser
permeáveis, nítidas e reconhecidas pelas comunidades de
ambos os lados.

Como também notado por Kevin Lynch, a definição de fron-


teiras claras e consensuais pode se tornar um importante
instrumento agregador em uma região.

“A força de uma fronteira é essencial para um bairro. Se a


fronteira é demasiadamente fraca, o bairro não será capaz de
manter sua própria identidade”14

No padrão numero 14, Alexander trata especificamente das


fronteiras de vizinhança – “Neighborhood Boundary” - como
elementos de reforço de identidade de um local. Neste in-
tuito, o autor propõe que as fronteiras devam ser enfatizadas
por meio de algumas medidas como demarcações físicas,
como portões, algumas restrições de acesso e criação de
locais de uso comum entre as vizinhanças limítrofes.

A seguir, no próximo capítulo serão apresentados os percur-


sos metodológica da presente pesquisa.

14
ALEXANDER, Christopher. A Pattern Language.
New York: Oxford University Press. 1977. p.87.

67
Capítulo 2

O método:
a análise e a representação
dos limites e fronteiras
O MÉTODO

Apresentação

Conforme descrito anteriormente, este trabalho tem como


tema o estudo dos limites e fronteiras presentes na realida-
de física da cidade. Neste sentido, faz-se necessário adotar
uma estratégia metodológica que melhor colabore para o
entendimento de como estes elementos se estruturam no
ambiente urbano.

Neste capítulo serão discutidas questões pertinentes à bus-


ca de uma abordagem metodológica fiel aos objetivos desta
pesquisa, assim como seus procedimentos de análise e de
representação. Por último, serão detalhados os modelos de
representação – mapeamentos e diagramas - utilizados no
método e a relação destes com a estrutura e o comporta-
mento da forma urbana.

Página anterior:
Mapas de nolli com e sem cercamento do mesmo trecho
da rua Barão da Torre, Ipanema, Rio de Janeiro.

70
O MÉTODO

1I É difícil se afastar

Como notado por Habraken1, não estamos acostumados a


simplesmente observar a cidade e aprender como ela se
comporta, pois fazemos parte integral deste organismo. Ao
contrário de um cientista que analisa um fenômeno ou um
objeto dentro de um laboratório, nós fazemos parte deste
fenômeno e atuamos sobre ele.

Embora estejamos totalmente imersos dentro do nosso ob-


jeto de investigação, é preciso estarmos dispostos a nos
afastar. Reconhecer o ambiente urbano por meio de um olhar
desprovido da evidência das formas e do juízo de valor, só
assim, dessa maneira, é possível entender as estruturas
deste organismo e suas qualidades. Este modo de perceber
a cidade, segundo Habraken, é muito mais uma forma de re-
conhecimento do meio – “que sempre esteve conosco” - do
que uma forma de descoberta.

1
HABRAKEN, N.J.. The Structure of Ordinary.
Massachusetts: The MITPress. 1998.p.7

71
O MÉTODO

Este olhar interessado não nas aparências mas sim no tipo


de ordem inata e funcional presente no meio urbano, é com-
partilhada por Alexander e Jacobs. A partir de uma visão so-
bre a realidade urbana - baseada “não em como ela deveria
ser, mas sim, em como ela é” - Jacobs2 entende a cidade
como um imenso laboratório de tentativa e erro, fracasso
e sucesso, onde o planejamento urbano deveria aprender,
elaborar e testar suas teorias.

Na busca de entender a constituição da forma urbana, Ale-


xander3 identifica e formula padrões – patterns – estabele-
cidos entre forma e usuário, a grande maioria dos quais, são
elaborados a partir do resultado da avaliação empírica de
situações observadas nas cidades.

Deste modo, como o presente estudo busca entender de que


maneira se estruturam os limites e fronteiras presentes no
meio urbano, o método de análise a ser empregado nesta
pesquisa segue na tentativa de reconhecer essas estruturas
e suas configurações na própria forma da cidade, por meio
de um olhar mais próximo à realidade existente.

2
JACOBS, Jane. Morte e vida nas grandes cidades.
São Paulo: Martins Fontes. 2007.p.5.
3
ALEXANDER, Christopher. A Pattern Language.
New York: Oxford University Press. 1977.

72
O MÉTODO

2I Da coleção de objetos para


uma rede de relações

Ao considerar a cidade como um organismo vivo, e não so-


mente como um artefato, Habraken aponta a importância de
observa-la como uma organização complexa, criada pelas
pessoas. O autor argumenta que o ambiente construído é
demasiadamente tão complexo, tão grande e tão evidente
para ser percebido como uma entidade única. Este organis-
mo “persiste por milênios, ele cresce e se renova através de
mudanças e adaptações.” 4

A compreensão do meio urbano como uma organização

2.01 complexa e contínua nos leva a entender a cidade como um


Da árvore para a retícula.
todo integrado e não somente como uma coleção de partes
Diagramas de C. Alexander
dissociadas. Essa mudança de percepção faz com que o re-
conhecimento de estruturas e configurações existentes na
cidade seja entendidos não mais de forma isolada, mas sim
de forma interligada e interdependente.

A analogia entre ambiente construído


e organismo feita por Habraken não “O bairro da cidade como um todo é o local onde as pessoas
está relacionada com os preceitos de
que têm interesse específico em teatro ou em música ou em
Lynch abordados em “Boa Forma da
Cidade“(2007). Lynch, ao descrever outras formas de arte se encontram e se reúnem, onde quer
o modelo normativo de cidade como
um organismo, se refere à um modelo que morem.” 5
de cidade autônoma, fragmentada
em células, sob funções específicas.
Autores como Jacobs e Lynch criticam a divisão da cida-
Ao passo que Habraken ao fazer essa
analogia, se refere à durabilidade e de em células e bairros autônomos como unidades auto-
transcendência do ambiente construído
por meio de uma contínua transforma- 4
ção, dando a cidade a capacidade de HABRAKEN, N.J.. Structure of Ordinary.
“persistir“ como um organismo que Massachusetts: The MIT Press. 1998.p.6.
renova suas células. Caso essa reno- 5
vação –transformação - não ocorra, o JACOBS, Jane. Morte e vida nas grandes cidades.
organismo morre. “A cidade vira ruína.” São Paulo: Martins Fontes. 2007.

73
O MÉTODO

suficientes e introvertidas. Ao invés disso, ambos os autores


valorizam a heterogeneidade de usos e espaços, demons-
trando mais uma vez a importância das relações em rede que
extrapolam os limites do objeto.

A visão da cidade como um sistema complexo e integrado A


está de acordo com os entendimentos da teoria sistêmi-
ca sobre a percepção da realidade. A teoria sistêmica, ou
“teoria da complexidade” concentra-se não em blocos de
construções básicos, mas sim, em princípios de organiza-
ção básicos que surgem das interações e das relações entre
os blocos. A visão sistêmica é contextual, pois ao invés de
isolar uma coisa para entendê-la, colocá-a no contexto de B
um todo mais amplo. Assim, os problemas - e soluções –
deixam de ser vistos em hierarquia e passam a ser vistos em 2.02

rede. A B
coleção de objetos rede de relações
visão mecanicista visão sistêmica

Nesta perspectiva, Capra6 demonstra que, de acordo com ênfase nos objetos ênfase nas relações
o objeto como figura as relações como figura
o pensamento sistêmico, para se entender um determinado não contextual contextual

organismo, ele não pode ser dissecado em elementos iso-


lados, pois assim, suas propriedades sistêmicas7 são des-
truídas. Em outras palavras, as propriedades de uma parte
não são propriedades intrínsecas, mas somente poderão ser
entendidas dentro do contexto de um todo mais amplo. “É impossível avaliar conjuntos
grandes e complexos sem

Deste modo, na visão sistêmica, os próprios objetos são re- classes e padrões.”

des de relações, embutidas em redes maiores. Assim, os LYNCH, Kevin. A Boa Forma da Cidade.
Lisboa: Edições 70. 2007. p.152.
6
CAPRA, Fritjof. A teia da vida. São Paulo: Cultrix. 2006.
7
Segundo Capra (2006:46), as propriedades essenciais, ou ‘sistêmi-
cas’ são propriedades do todo, que nenhuma das partes possui.

74
O MÉTODO

objetos passam a ser secundários e as relações tomam o


lugar principal. A configuração dessas relações é entendida
como um padrão. O que é destruído quando um organismo
é dissecado é o seu padrão. Os componentes ainda estão lá,
mas a configuração de relações entre eles – o padrão – é
destruída, e deste modo o organismo morre8.
A

Do objeto para o padrão

O padrão é algo não-material. Em “Pattern Language”, quan-


do Alexander busca entender a constituição da forma urbana
por meio da identificação e formulação de padrões, não está
B
preocupado com a materialidade per se, mas sim com as re-

2.03
lações estabelecidas entre forma construída e seus usuários.
A B Como o próprio autor cita: “os padrões têm o poder de gerar
conjunto de objetos Pattern 8
Ville Contemporaine Mosaic of subcultures milhões de formas e uma infinita variedade de detalhes.” 9
Le Corbusier Christopher Alexander

Já Habraken em “Palladio’s Children”, recomenda:


“Estude o field como um organismo vivo. Ele não tem forma,
mas tem estrutura. Achando sua estrutura a forma virá.”10

Na teoria sistêmica, o termo estrutura é definido como a


incorporação física do padrão de organização de um sis-
field
tema particular. Igualmente, no livro “The Structure of the
“I use the term field to denote the
context as well as purpose of the archi- 8
tectural enterprise: the urban, suburban CAPRA, Fritjof. A teia da vida.
and rural environments in which and São Paulo: Cultrix. 2006.p.77.
for which we act when we design and 9
build. Fields are autonomous entities. ALEXANDER, Christopher. A Pattern Language.
Their complex dynamics extend beyond New York: Oxford University Press. 1977.p.35.
any single discipline or area of study.” 10
HABRAKEN, N.J.. Palladio’s Children.
N. J. Habraken New York: Taylor&Francis. 2005.p.181.

75
O MÉTODO

Ordinary“, Habraken baseia seu método no reconhecimento


de estruturas dentro do ambiente urbano, considerando-as
como sendo a revelação na forma construída de padrões de
transformação.11

A criação de métodos para abordar qualidades na constru-


ção do ambiente urbano, abordando sua materialidade em
relação à experiência do espaço por seus usuários, é com-
partilhada por Lynch. O autor estuda a questão da forma da 2.04
Casa na Cidade do
cidade em sua relação com seus habitantes, criando catego- México e o seu diagra-
ma esquemático dos
rias de análise que possibilitam aferir a qualidade da forma
níveis de pronfundidade
urbana. territorial feito por
N.J. Habraken

O padrão é algo irredutível. Em “Pattern Language”, Alexan-


der enumera os padrões em ordem de escala - de regiões
até detalhes construtivos – e os ordena em seqüência, da
maior escala para a menor escala. Este método demonstra
que todo o padrão tem um fim determinado, ou seja, é irre-
dutível. Quando o padrão deixa de ter pertinência, ele acaba
e a seqüência se (re)inicia com outro padrão.

sequência linear
partes isoladas
limites definidos
x
simultaneidade
padrões interligados
fronteiras vagas

É interessante notar como Alexander se alinha com o pen-

11
HABRAKEN, N.J.. Structure of Ordinary.
Massachusetts: The MIT Press. 1998.p.7.

76
O MÉTODO

samento sistêmico, ao entender a soma dos 253 padrões


como uma “linguagem”, ou seja, como um todo de partes
interligadas e interdependentes. Alexander lembra ainda que
um padrão não é uma entidade isolada. Cada padrão pode
existir no mundo, apenas na medida em que é apoiado por
outros padrões12. De acordo com a visão sistêmica, esse
“todo” nada mais é do que uma configuração de redes de
relações.

Os conceitos e abordagens discutidos até o momento ser-


vem de fundamentação para o caminho metodológico do
presente estudo, pois trazem duas premissas básicas:

1
Demonstra que qualquer abordagem metodológica que pro-
cure entender a realidade urbana não deve considerar seus
problemas de forma isolada, mas sim de forma contextual.

2
Demonstrar que o método deve ser qualitativo, ao invés de
quantitativo, e portanto, deve abordar qualidades na cons-
trução do espaço urbano.

12
ALEXANDER, Christopher. A Pattern Language.
New York: Oxford University Press. 1977.

77
O MÉTODO

2.05
Arpoador: encontro dos
bairros de Copacabana e
Ipanema, Rio de Janeiro.

3I De McHarg a Habraken

Durante o desenvolvimento dessa pesquisa houve uma mu-


dança em sua estrutura metodológica. Em um primeiro mo-
mento, encontrou-se nas teorias de Ian McHarg e Aldo Rossi
a metodologia mais adequada para os estudos dos limites e
fronteiras presentes na forma da cidade. Contudo, durante
o aprofundamento teórico deste trabalho, os estudos iden-
tificaram na teoria de N. J. Habraken a metodologia mais
adequada para essa pesquisa. A seguir, serão apresentados
os caminhos metodológicos percorridos pela pesquisa e os
motivos que levaram à mudança do método de análise.

Em um primeiro momento, buscou-se estudar a área do Ar-


poador, situada no encontro entre os bairros de Copacabana
e Ipanema, na zona sul do Rio de Janeiro.

É possível afirmar onde se inicia um bairro e termina o ou-


tro? O Arpoador possui características próprias ou é uma
mistura desses dois bairros? Ele pode ser considerado um
bairro?

78
O MÉTODO

Essas questões foram fundamentais para a escolha preli-


minar deste local como objeto empírico da pesquisa, pois
sendo uma área de transição entre os bairros de Copacabana
e Ipanema, suscitam interessantes reflexões que envolvem
termos como fronteira, lugar, percepção, clareza, unidade e
pertinência.

A estratégia adotada foi, através do levantamento das ca-


racterísticas físicas do local, “mapear” o encontro entre os
bairros, buscando assim, entender como acontecem as gra-
dações temáticas que levam à caracterizar a área como uma
faixa de fronteira.

Neste primeiro momento, o estudo encontrou na teoria de


análise urbana de McHarg uma metodologia adequada para a
compreensão da área do Arpoador. Seus estudos têm o inte-
resse na ecologia das cidades, onde sua prática profissional
o levou a levantar questões como ecologia e planejamento
urbano. Para o autor, o crescimento das cidades deveria ser
planejado de maneira a considerar as características natu-
rais de cada lugar, ou seja, o sistema natural deveria ser
considerado no processo do planejamento urbano.

79
O MÉTODO

Em seu livro seminal “Design with Nature”1, através de estu-


dos de caso em comunidades nos subúrbios de Washington
e Filadélfia, o autor fornece “um manual ecológico para o
bom gestor que aspira à arte”. Para McHarg essa “arte” en-
volve trazer para o equilíbrio as necessidades humanas junto
ao ambiente natural.

A partir deste enfoque ecológico, o método adotado pelo


autor se baseia em descrever os processos naturais e suas
interações de modo a poder classificar o que seria permitido
ou proibido em relação ao uso da terra em uma determinada
região. Baseado nesta classificação, ele propõe a criação de
um padrão de desenvolvimento que leva em consideração
os processos naturais. Este padrão é alcançado a partir da
seleção de alguns aspectos dominantes do processo natural
que são classificados em ordem de valor e tolerância ao uso
humano.

2.06
Mapeamento de McHarg
retirados do livro
Design with Nature.

Dessa forma, McHarg cria um método baseado em levanta-


mentos, onde ele mapeia isoladamente características físi-
cas da área de estudo, chamadas por ele de “características

1
McHARG, Ian. Design with Nature. New York: Natural History Press.
1992.

80
O MÉTODO

fisiográficas”2. A partir deste mapeamento, superpõe as in-


formações obtidas de maneira a criar diretrizes de ocupação,
“desvendando” as vocações do lugar.

Em resumo, o método de McHarg identifica os processos


naturais - mapas isolados - e através da interação destes
processos - sobreposição de mapas - determina o melhor
modelo de desenvolvimento para a área de estudo. Segundo
o autor, estes procedimentos metodológicos revelam o pa-
drão de desenvolvimento de uma determinada região. Este
padrão é a base para qualquer ação.

2.07
Mapeamento de Rem Koolhaas
para o concurso Ville Nouvelle
Melun-Sénart, 1987.

Mapeamantos similares ao método de McHarg foram reali-


zados por autores como Paul Lukez e Rem Koolhaas. Ambos
sobrepõe informações através do achatamento das diversas
camadas de dados levantados, fazendo com que a articu-
lação desses dados gere uma gama de fatos urbanos que
terminam por direcionar a proposta de intervenção que será

2
idem.p114.

81
O MÉTODO

adotada. Koolhaas se utiliza deste método para o concurso


de Ville Nouvelle Melun-Sénart3.

Atualmente, com o avanço tecnológico nas áreas da geo-


grafia e de geoprocessamento, estes mapeamentos podem
ser feitos com a ajuda de poderosas ferramentas como o
Geographical Information Systems (GIS) e suas derivações.
O método de Lukez, desenvolvido com o auxílio do GIS e
outras ferramentas de medição, amplia o método de McHarg 2.08
Mapeamento de Paul Lukez:
ao incorporar outros dados além das “características fisio-
“Adaptative Design Process”.
gráficas” do lugar. Sistemas de infra-estrutura, insolação, Da esquerda para direita:
Linhas de propriedade privada,
uso do solo, atividades diurnas e noturnas, valor da terra,
zoneamento e a
sombras, som e odor são alguns dos dados levantados e sobreposição de ambos.

incorporados ao processo de análise, chamado pelo autor


de “Adaptative Design Process”4.

O método adotado no primeiro momento da presente pes-

3
KOOLHAAS, R. e MAU,B.. SMLXL. New York. Monacelli Press.1995.
4
LUKEZ, Paul. Suburban Transformation. New York: Princeton Architec-
tural Press. 2007.p.17.

82
O MÉTODO

quisa buscava levantar os dados físicos da área do Arpo-


ador segundo o método de McHarg, porém, assim como
Lukez, incorporando outros temas além das “características
fisiográficas” do local. Como o objetivo deste processo era
mapear a transição gradual entre os bairros de Copacabana
e Ipanema, foram selecionados temas pertinentes às carac-
terísticas físicas que pudessem revelar - e mapear - a faixa
de fronteira existente entre na área do Arpoador. Os estudos
de Lynch foram fundamentais para a seleção destes novos
temas.

Em “A Imagem da cidade”, Lynch, para efeito de análise,


isola cinco elementos constitutivos da imagem urbana – as
vias, os limites, os bairros, os pontos nodais e os marcos
– e discute em profundidade suas qualidades e inter-rela-
ções. Em especial, os estudos sobre os bairros indicaram
que suas características físicas são determinadas por uma
continuidade temática.
2.09
Croqui de Kevin Lynch: bairro com um
núcleo forte e cercado por um gradiente
temático que vai desaparecendo.

Segundo Lynch5, a continuidade temática pode consistir em


uma infinita variedade de componentes - textura, espaço,
forma, detalhe, tipo de construção, usos, estado de conser-
vação dentre outros – dando ao bairro certa homogeneidade
interna em sua forma. Alguns destes componentes foram

5
LYNCH, Kevin. A imagem da cidade.
São Paulo: Martins Fontes. 2006.p.75.

83
O MÉTODO

escolhidos como tema para o levantamento na área do Ar-


poador. Cada tema sendo feito em um mapa de análise es-
pecífico.

Lynch observa que as fronteiras entre bairros que possuem


certa homogeneidade temática, quando incertas, possuem
um gradiente temático6 que vai desaparecendo aos poucos,
logo, essas fronteiras possuem simultaneamente caracterís-
ticas temáticas de ambos os bairros. O cruzamento dos ma-
pas de análise teria como objetivo auxiliar na compreensão
dessa faixa de fronteira gradual entre os bairros de Copaca-
bana e Ipanema, visto que ambos os bairros possuem certa
homogeneidade interna.

Até o momento, o método apresentado buscou analisar a


morfologia urbana presente na área do Arpoador. Contudo,
a fim de identificar a complexidade dos processos de trans-
formação que levaram a sua constituição atual, é necessá-
rio compreender como sua forma se construiu ao longo do
tempo.

Em seus estudos apresentados no livro “A Arquitetura da


Cidade”7, Rossi, trata de um método específico para enfren-
tar a compreensão da estrutura urbana das cidades: o estudo
das permanências. O autor procura identificar a complexida-
de dos processos de transformação através da persistências
dos traçados, dos planos e dos monumentos como sinais

6
idem.p.78. 2.10
Mapas isolados de características
7
físicas do Arpoador: construções,
ROSSI, Aldo. A arquitetura da Cidade. São Paulo: Martins Fontes.
topografia, nolli, uso do solo e vias.
1998.

84
O MÉTODO

físicos do passado, e ainda procura classificar as forças que


agem de maneira permanente e universal em todos os fa-
tos urbanos. Segundo Rossi, estes são elementos que de
alguma maneira se destacam dentro da estrutura da forma
física da cidade, seja por a sua individualidade ou pelo va-
lor atribuído àquele sítio. A aplicação da metodologia de
Rossi sobre a área do Arpoador foi realizada por Maria Lucia
Pecly em 20048. Em sua dissertação de mestrado, a autora
busca compreender as transformações sofridas na paisagem
da área ao longo do tempo e sua relação com a cidade. A
metodologia adotada em sua pesquisa foi traçar uma linha
do tempo da evolução urbana de área de estudo baseada na
ánalise dos dados obtidos da sobreposição de mapas histó-
ricos e plantas cadastrais.

Finalmente, em resumo, o método até então escolhido para


a presente pesquisa buscou compreender a forma urbana
a partir da metodologia de McHarg com a incorporação de
outros atributos temáticos extraídos dos estudos de Lynch.
Além disso, se buscou, através dos estudos da permanên-
cias de Rossi, identificar a complexidade dos processos de
transformação que levaram à formação do espaço urbano do
Arpoador. Contudo, como já mencionado, durante o desen-
volvimento desta pesquisa, este método não foi desenvolvi-
do, por razões que serão apresentadas mais adiante.

2.11
Mapas e plantas cadastrais levantados
8
por Pecly: estudo das permanências na
PECLY, Maria Lúcia. Arpoador: uma paisagem oculta. Dissertação de
área do Arpoador.
Mestrado. Rio de Janeiro: UFRJ/PROURB. 2004.

85
O MÉTODO

Presente
mapeamento

características fícicas do
local em mapas isolados

McHarg

86
O MÉTODO

Passado
estudo das permanências

mapas históricos e
plantas cadastrais

Rossi

87
O MÉTODO

4I De um lugar para um tema

Embora o encontro entre os bairros de Copacabana e Ipane-


ma seja capaz de produzir interessantes reflexões a respeito
do comportamento da forma urbana local - que por si só já
representariam um estudo bastante consistente – percebeu-
se que a escolha de um recorte de um local específico para
essa pesquisa não seria capaz de abarcar algumas questões
pertinentes à discussão teórica exigida pelo tema.

À medida que este estudo foi sendo desenvolvido, enten-


deu-se que seria mais proveitoso para uma discussão mais
abrangente, buscar situações notáveis que pudessem ser
estudadas não só na área do Arpoador, mas também em ou-
tras áreas da cidade. Dessa maneira, a pesquisa foi se trans-
formando, deixando de ser o estudo sobre um único local e
se tornando, aos poucos, o estudo sobre um tema.

Essa transformação ganhou impulso após a leitura do livro


“The Structure of the Ordinary” de N.J. Habraken. Por meio
de um olhar atento à forma da cidade, suspenso de julga-
2.12
mentos, o autor procura reconhecer padrões de transfor- Algumas situações pertinentes ao
mação que permitem revelar as forças estruturantes de um tema e encontradas fora
da a área do Arpoador.
lugar, proporcionando assim, outra maneira de compreender

88
O MÉTODO

a forma da cidade.

O método utilizado por Habraken para o estudo da forma


urbana possibilita uma melhor compreensão dos limites e
fronteiras na cidade. A partir da observação da forma cons-
truída existente em um local, ele busca compreender sua
estrutura por meio de escalas de controle e de decisão entre
diversas configurações: da sala para a casa, da casa para a
quadra, da quadra para a rua dentre outros. As escalas de
controle exercem, tanto na forma quanto no território, limites
e fronteiras entre essas configurações, possibilitando dessa
maneira, o estudo destes elementos.

É interessante observar que ao contrário de Ian McHarg e


Aldo Rossi, Habraken não percebe a cidade como um objeto,
mas sim como um grande organismo vivo. Este modo de
percepção faz com que o autor busque reconhecer relações
e padrões de transformação. Estes entendimentos estão de
acordo com o pensamento sistêmico1, pois fazem com que
o reconhecimento de estruturas e configurações existentes
na cidade seja entendido não de forma isolada, mas sim de
forma interligada e interdependente.

Sendo assim, a mudança ocorrida na metodologia desta pes-


quisa ao longo do seu desenvolvimento é acompanhada de
uma mudança no modo de perceber a cidade. Agora, a partir
da observação da forma construída, busca-se reconhecer as
relações que as estruturam.

1
Ver sub-título: Da coleção de objetos para uma rede de relações.

89
O MÉTODO

5I Reconhecendo a estrutura

A percepção da cidade como um organismo vivo, sustentado


pela sua intrínseca capacidade de se transformar e se adap-
tar, parece ser a visão mais apropriada para qualquer tentati-
va de compreensão das diversas estruturas que à mantém.

A chave para esta maneira de perceber a cidade, segundo


Habraken1, é o controle. Nos seus estudos, este conceito
pode ser entendido como a “habilidade de transformar al-
guma parte do ambiente”2. Neste sentido, transformar não
se limita exclusivamente a construir ou demolir. Organizar o
mobiliário em uma sala, dispor mercadorias em uma vitrine,
cuidar do jardim a frente de casa, varrer a calçada, ou mes-
mo arrumar a mesa de trabalho, são ações de transformação

1
Os conceitos construídos por N. J. Habraken já foram abordados du-
rante a discussão teórica realizada no capítulo anterior desta pesquisa.
No entanto, será necessário retornar à alguns destes conceitos, por
serem intrínsecos ao seu embasamento metodológico.
2
HABRAKEN, N.J.. Structure of Ordinary.
Massachusetts: The MITPress. 1998.p.8.

90
O MÉTODO

que estão sendo exercidas segundo algum controle.

Sendo assim, “usar” a forma construída é exercer algum


controle, e exercer algum controle é poder transformá-la.
Segundo Habraken, são justamente essas transformações
- resultantes das ações humanas - que imbuem de vida o
ambiente construído.

Habraken descreve o ambiente físico construído como uma


grande organização constituída de conjuntos de elementos
e de grupo de elementos distribuídos de diversas maneiras.
Estes elementos e grupos de elementos são chamados por
ele de configurações. Uma rede de ruas, uma quadra, um
edifício ou mesmo o mobiliário dentro de um cômodo são
alguns exemplos de configurações encontradas no espaço
urbano. As configurações representam agentes. Cada uma
delas está sob o controle de um único agente - pessoa, gru-
2.13 po de pessoas, organizações ou instituições - e dessa forma,
Exemplos de transformação e controle do
espaço: moradia no morro da Providência
comportam-se como entidades auto-organizadas, cada uma
e espaço público em Amsterdan. permitindo controle e mudança no seu respectivo nível.

Portanto, a partir destes entendimentos, Habraken estabele-


ce uma metodologia de estudo baseada no reconhecimento
de diferentes níveis de controle entre configurações. Estes
níveis, segundo o seu método, são revelados por meio de
três mecanismos visíveis na forma urbana que, segundo o
autor, estruturaram a grande variedade de formas observa-
das no ambiente construído. Estes mecanismos serão vistos
mais adiante.

91
O MÉTODO

configuração 1
distribuição de apartamentos
dentro do perímetro
de um edifício

configuração 2
distribuição dos cômodos
dentro do perímetro do
apartamento

configuração 3
distribuição do mobiliário
dentro do perímetro
dos cômodos

nível hierárquico de domínio


configuração 1 domina a 2
configuração 2 domina a 3

92
O MÉTODO

O conceito de níveis é de fundamental importância para o


método, pois permite discutir de maneira concreta a orga-
nização complexa da forma da cidade. Os níveis podem ser
compreendidos como “domínios de controle”3 de uma con-
figuração sobre a outra. Se uma determinada configuração
tem a capacidade de transformar outra, ela exerce controle
sobre ela, e, portanto, é dominante.

O perímetro de um edifício domina a disposição dos aparta-


mentos em seus respectivos pavimentos. Por sua vez, o for-
mato dos apartamentos domina a organização dos cômodos
internos, e estes dominam a distribuição do mobiliário. Caso
o perímetro de um apartamento seja modificado, provavel-
mente, exigirá alterações na organização de seus cômodos.
Da mesma forma, um rearranjo dos cômodos internos do
apartamento implicará em mudanças na distribuição do mo-
biliário.

Deste modo, conclui-se que os níveis de controle constituem


um padrão hierárquico que pode ser mais complexo ou me-
nos complexo, dependendo da escala de observação utiliza-
da para a análise. O exemplo citado acima apontou diversas
configurações presentes em um edifício de apartamentos.
Observado de uma escala “mais distanciada”, este exemplo
passa a possuir um maior número de configurações, pois o
edifício passa a ser dominado pelo formato de seu lote, que
por sua vez é dominado pelo perímetro da quadra, tornando

3
HABRAKEN, N.J.. Structure of Ordinary. Massachusetts: The MIT-
Press. 1998.p.23

93
O MÉTODO

a organização cada vez mais complexa.

A partir da compreenção dos níveis de controle existentes


em um determinado local, Habraken procura perceber de
que maneira eles se estruturam e tornam-se visíveis na for-
ma construída. Deste modo, para efeito de análise, o autor
distingue três mecanismos estruturantes, responsáveis pela
grande variedade de formas observadas no meio urbano
construído, denominados por ele como ordens.

A primeira é a ordem física, ligada ao controle através da


forma; a segunda é a ordem territorial, ligada ao controle do
espaço e a terceira é a ordem cultural, ligada ao comum en-
tendimento, em outras palavras, ao consenso entre os agen-
tes de diferentes níveis de controle. Embora sejam analisa-
das distintamente, as ordens são inter-relacionadas dentro
do ambiente urbano.

No exemplo acima, tanto a disposição dos apartamentos


internos ao perímetro da construção, quanto a organização
dos cômodos internos dos apartamentos são hierarquizados
segundo a ordem física, pois as paredes, como limites, se-
param fisicamente uma configuração da outra.

94
O MÉTODO

Já a distribuição do mobiliário dentro de um cômodo pode


configurar duas áreas diferentes. Mesmo possuindo o mes-
mo nível de contrôle - e portanto não havendo hierarquia
- ambas se relacionam conforme uma ordem territorial, pois
não existe uma barreira física, embora haja separação. Neste
caso, a própria disposição do mobiliário demarca dois es-
paços. A ordem cultural complementa o caso acima, pois
somente através do consenso entre os agentes, as configu-
rações podem perdurar.
2.14
A simples disposição de objetos e
usos em um local podem criar limi-
Os níveis de controle exercidos pela ordem territorial podem
tes, revelados pela ordem territorial.
ocorrer sob diversas maneiras no espaço. Seus limites, em-
bora não constituam barreiras físicas, podem ser mais claros
ou mais sutis. Fatores como o tipo de controle ou o tipo de
agente que os governam são decisivos neste sentido. Dentro
de uma residência, assim como dentro da cidade, podem
2.15 ocorrer inúmeras formas de controle territorial.
A ordem física e a ordem territorial
podem ou não coincidir seus limites
de atuação. Na casa de subúrbio em
Markhan, Canadá, os limites exerci-
dos pela ordem territorial vão além
dos limites exercidos pela ordem físi-
ca. Já no Bairro Gótico em Barcelona,
há uma coincidência (isoformismo)
de ambos os limites.

95
O MÉTODO

2.16
Praça dos Três Poderes, Brasília.

Os vendedores ambulantes e seus objetos estabelecem


um configuração revelada pela ordem territorial.

96
O MÉTODO

É interessante notar que a forma e o espaço - estru-


turados pela ordem física e territorial, respectivamen-
te - podem ou não coincidir seus limites de atua-
ção. Quando ocorre essa coincidência, acontece um
isoformismo entre o limite e a fronteira no território.

com isoformismo sem isoformismo

Por exemplo, o limite do controle exercido pela ordem fí-


sica entre uma construção e o seu logradouro pode ou não
alinhar-se com o limite exercido pelo controle territorial. Da
mesma maneira, o interior de uma construção pode possuir
inúmeros territórios de controle que muitas vezes não coin-
cidem com os limites físicos que dividem os seus ambien-
tes internos.

A partir destes entendimentos, pode-se constatar que as três


ordens, ao estruturarem a forma construída, constituem fron-
teiras e limites no ambiente urbano. Estes elementos podem
assumir inúmeras formas e possuir diversas escalas, desde
extensos muros até tênues demarcações. Eles são capazes
de constituir barreiras, tanto físicas quanto visuais, como
também podem funcionar de maneira efêmera ou duradoura.
Além disso, ao demarcar territórios, estes elementos podem
ser facilmente percebidos por todos ou, por outro lado, po-
dem ser convencionados e entendidos apenas por um grupo
específico, cultura ou comunidade.

97
O MÉTODO

2.17
De cima para baixo:
um pequeno apartamento, uma tenda
mongol e uma tenda beduína.

A disposição dos espaços internos


do apartamento tem o predomínio da
ordem física, enqunto que na tenda
mongol e na tenda beduína a ordem
territorial predomina. Porém, igualmen-
te em todos os casos, a ordem cultural
é fundamental para o comum entendi-
mento no consenso dos limites, no uso
e no acesso destes espaços.

98
O MÉTODO

Portanto, as fronteiras e os limites ao demarcarem o espa-


ço, podem assumir inúmeras propriedades, tanto físicas
quanto territoriais. Basicamente, essas propriedades estão
intrinsecamente relacionadas ao tipo de controle exercido
no ambiente urbano, governado por um agente, seja ele uma
pessoa, um grupo, uma organização ou uma instituição.
Algumas destas propriedades serão discutidas com mais
profundidades no capítulo seguinte desta pesquisa, quando
serão investigados alguns casos dentro da cidade.

Pode-se inferir que o método de Habraken fornece podero-


sas ferramentas para a compreensão dos limites e fronteiras
encontrados na forma da cidade, visto que os seus procedi-
mentos metodológicos permitem sistematizar com mais cla-
reza o delineamento destes elementos, sem perder de vista
as relações entre as partes que os constituem.

Grosso modo, pode-se dizer que o método possui uma vi-


são relativa e não uma visão absoluta das coisas, pois não
se fixa exclusivamente na observação de uma parte isolada,
mas sim, busca compreender as relações entre as partes. É
justamente nos mecanismos destas relações que ocorrem
os contatos e as interações, resultando nas mais diversas
situações de encontro.

99
O MÉTODO

3.00
Diagrama resumo
da teoria de N. J. Habraken

100
O MÉTODO

6I Escalas de observação

Tanto os Estudos das Permanências de Rossi quanto os ma-


peamentos de McHarg foram fundamentais para essa pes-
quisa, pois contribuíram para uma melhor compreensão da
complexidade dos sistemas urbanos, revelada nas caracte-
rísticas físicas e na permanência dos fatos urbanos. Estes
dois métodos de análise têm em comum um posicionamen-
to mais afastado da superfície da cidade, baseado - como
já verificado - na análise cartografia e na sobreposição de
mapas.

Por sua vez, os estudos de Habraken, assim como os estudos


de Lynch e de Alexander, sugerem uma maior proximidade à
cidade. Muitas vezes, observam a cidade ao rés-do-chão, se
2.18 posicionando dentro do tecido urbano. Este modo de obser-
Registros “ao rés-do-chão” retirados
vação pode ser facilmente percebido nos registros contidos
dos trabalhos de Lynch e Alexander.
em seus trabalhos.

Em ambos os casos descritos acima - observação pelo mapa


e observação no local - os autores buscam compreender a

“A realidade aparece dife- realidade urbana através da forma da cidade, porém se utili-

rente segundo a escala das zam de escalas de observação distintas para descrevê-la.

cartas, segundo os níveis


de análise”. Sob o ponto de vista matemático, escala é a proporção entre
a representação gráfica de um objeto e a medida correspon-
LACOSTE, Y. A geografia: isso dente de sua dimensão real. No entanto, como salienta a
serve, em primeiro lugar, para
fazer a guerra. Campinas:
Papirus, 1989. p. 77.

101
O MÉTODO

geógrafa Iná de Castro2, a escala não deve ser vista apenas


sob esta perspectiva. A conceituação de escala, segundo a
autora, vinculada apenas à ótica geométrica é cada vez mais
insatisfatória. A noção de complexidade vem exigindo e am-
pliando as possibilidades de reflexão sobre este termo, in-
corporando à acepção tradicional o sentido de representação
de diferentes modos de percepção e concepção da realidade
urbana. Deste modo, a escala pode ser considerada uma
prática de observação e de representação das várias faces e
dimensões do real.

Nesta perspectiva, entende-se que a organização física do


ambiente urbano pode ser descrita, ou melhor, representa-
da de inúmeras maneiras, dependendo basicamente de três
condições. “O mundo é minha represen-
tação. Esta é uma verdade em
A primeira condição se refere à compreensão da cidade a relação a cada ser que vive e
partir de sua representação. Cabem aqui as reflexões de conhece, embora apenas o ho-
Schopennhauer a respeito da compreensão da realidade mem possa trazê-la à consci-
como forma de representação e vontade humana. De acordo ência refletida e abstrata. E de
com o autor, cabe dizer que o homem, acorrentado na ca- fato o faz. Então nele aparece a
verna de Platão, não vê o real mas sim, o representa. Deste clarividência filosófica. Torna-
modo, cada palavra ou conceito, por mais nítidos que pare- se-lhe claro e certo que não
çam ser, nunca serão a realidade última. conhece sol algum e terra al-
guma, mas sempre apenas um
Um engenheiro de tráfego provavelmente descreverá a cida- olho que vê o sol, uma mão
de através de suas ruas e avenidas, um estatístico por meio que toca a terra.”
dos números, ao passo que um historiador encontrará nos
SCHOPENHAUER, A. O mundo
2
como vontade e como represen-
CASTRO, I. E. de. O problema da escala. In: CASTRO, I. E. de; GO-
tação. Primeiro Tomo. São Paulo:
MES, P. C. da C.;CORRÊA, R. L. (Org.). Geografia: conceitos e temas.
UNESP. 2005.p.43.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,1995.p.117.

102
O MÉTODO

aspectos históricos a fonte para as suas descrições. Essas e


outras descrições, por mais detalhadas e precisas que pare-
çam ser, sempre serão uma representação.

A segunda condição diz respeito à qualidade da percepção


sobre a cidade, ou qualquer outro objeto. A percepção, se-
gundo Lynch, é um ato criativo e não uma mera recepção
passiva. Segundo o autor, ela depende não só da forma e das
qualidades espaciais da cidade, mas também, da cultura, do
temperamento, do estatuto e da experiência de quem a ob-
serva3. Portanto, pode-se dizer que o “espaço” entre “quem
percebe” e “aquilo que é percebido” é atravessado em dois
sentidos simultaneamente - “da pessoa para a coisa” e “da
coisa para a pessoa” – e por isso, a descrição depende da
qualidade deste espaço de duplo atravessamento.
2.19
Pintura de Erhard Jacoby

A terceira e última condição se atribui à escala de obser-


Nas palavras de Carl G. Jung: vação. Grosso modo, a “distância” entre o observador e o
“Este quadro ilustra o fato de que cada
um de nós, conhecendo o mundo através objeto. Por exemplo, uma carta cadastral pode descrever
de sua psique individual, conhce-o de – graficamente - os limites precisos de um abairramento.
maneira um pouco diferente das outras
pessoas. O homem, a mulher e a criança Estes dados talvez sejam satisfatórios para uma pessoa que
estão olhando a mesma cena, mas para
deseje entender o arranjo dos bairros em uma cidade. Po-
cada um deles os diferentes detalhes
aparecem mais ou menos claros e mais rém, tornam-se inúteis quando essa pessoa caminha pela
ou menos escuros. Só através da nossa
cidade, pois ela perceberá que os limites, na maioria das ve-
percepção consciente é que o mundo ‘lá
de fora’ existe: estamos cercados por algo zes, são bem mais complexos do que demarcações gráficas
completamente desconhecido e impene-
trável (representado pelo segundo plano arbitrárias. Portanto, para efeito de descrição, a escala de
acizentado do quadro).” observação possui qualidades na informação que satisfazem

JUNG, Carl G. e FRANZ, M-L [et al.]. O ou não um determinado objetivo.


Homem e seus Símbolos. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira. 2002.p. 229.
3
LYNCH, Kevin. A Boa Forma da Cidade.
Lisboa: Edições 70. 2007.p.127.

103
O MÉTODO

104
O MÉTODO

“Um mapa não é o território que Cabe dizer que a escala, como prática de observação, nun-

representa, mas, para ser correto, ca alcança a concretude do real, ela apenas satisfaz certo

tem uma estrutura similar ao ter- grau de pertinência para uma determinada compreensão da

ritório, razão pela qual se resulta realidade. Sendo assim, qualquer descrição da cidade, ou

útil. Se o mapa pudesse ser ideal- de qualquer outro objeto, será sempre uma representação,

mente correto, incluiria (em escala segundo uma determinada percepção e segundo uma deter-

reduzida) o mapa do mapa.’’ minada escala de observação.

KORZYBSKI, A. Science

and Sanity. 1933.p. 58. 7I Entre o mapa e o rés-do-chão

“Naquele instante gigantesco, vi milhões de atos


deleitáveis ou atrozes; nenhum me assombrou tanto
como o fato de todos ocuparem o mesmo ponto, sem
superposição e sem transparência. O que meus olhos
viram foi simultâneo: o que transcreverei, sucessivo,
porque a linguagem o é. Algo contudo, recuperarei.”

O Aleph4

Este trabalho trata do estudo da forma da cidade. Suas des-


crições se originam da observação das configurações que
ligam pessoas à forma construída. Acredita-se que somente
assim é possível perceber como as ações humanas estrutu-
ram a forma urbana.
2.20
Na página anterior:
Mapas na mesma escala,
Neste sentido, é preciso que essa observação esteja atenta
feitos por Bill Rankin
não somente às formas físicas – construções, ruas, e infra-
“Uma série de mapas de cidades onde
eu vivi ou conheço bem, mostrando
4
apenas as rotas e os detinos que eu
BORGES, Jorge Luis. O Aleph. São Paulo:
realmente uso.”
Companhia Das Letras. 2008.

105
O MÉTODO

estrutura - mas também às pessoas que atuam nestas formas, “A interação íntima e incessante entre
imbuindo-as de vida e de “espírito de lugar”5. Este modo de pessoas e as formas que elas habitam
olhar a cidade, já discutido no início deste capítulo, faz com é um fundamental e fascinante aspec-
que ela seja percebida não mais como um conjunto de par- to do ambiente construído’’.
tes isoladas, mas sim, como uma rede de partes interligadas
HABRAKEN
e interdependentes que formam um todo.

Sendo assim, a partir destes entendimentos, acredita-se que


qualquer abordagem metodológica deva adotar uma escala
de observação que torne possível o reconhecimento das re-
lações estabelecidas entre as partes que compõe o todo.

3.17
Loja próxima à esquina da
rua Visconde de Pirajá com a
rua Vinícius de Morais,
em Ipanema.

A frente de uma loja aberta para a calçada no bairro de Ipa-


nema pode ser descrita de inúmeras maneiras e percebida
sob diversas escalas de observação. Se formos analisá-la
através de um plano, podemos, por exemplo, compreender
seu formato, suas dimensões geométricas e suas relações

5
HABRAKEN, N.J.. Structure of Ordinary. Massachusetts: The MIT
Press. 1998.

106
O MÉTODO

2.21 físicas com seus vizinhos e a rua. No entanto, segundo Fer-


A direita e abaixo:
Frente de loja em Ipanema. reira, “somente por meio da experiência no local é possí-
vel percebemos o Todo e a verdadeira relação entre as suas
partes”6, ou seja, um padrão de organização.

No exemplo desta página é interessante per-


ceber a interligação e a interdependência
Na situação registrada na foto acima, a ambiência trazida
entre as partes que juntas compõe o todo do
lugar. pela iluminação, o arranjo do mobiliário à frente da loja, as
texturas, as transparências, os sons, o movimento das pes-
Mais importante do que as partes em si, são
as relações entre elas. Em outras palavras, soas caminhando na calçada, a “sensação de sala de estar”,
o todo depende não somente das partes proporcionada pelo espaço coberto e encerrado pela facha-
mas, sobretudo, da relação estabelecida
da da loja e pela empena da construção vizinha, enfim, o
entre elas, por meio de suas propriedades.
Segundo Capra, as propriedades das partes espírito do lugar só pode ser percebido integralmente pela
não são propriedades intrínsecas, elas só experiência no local.
podem ser entendidas - percebidas - dentro
do contexto maior do todo.
Embora a descrição acima tenha sido decomposta em par-
tes, a cidade é percebida em sua totalidade, sem sobrepo-
sições nem transparências. O ato de perceber - sobretudo a

6
FERREIRA, Flavio. Sobre a forma das Cidades Mineiras Antigas. Tese
de Doutorado. Rio de janeiro: UFRJ/POURB. 2006.p.19.

107
O MÉTODO

partir da visão - é único, compacto e simultâneo, no entanto, “Minha predileção consiste em


a descrição deste ato, por mais completa e minuciosa que ver (…), porque somente vendo
possa ser, é limitada pela linguagem, seja ela escrita, falada pode um homem obter o conhe-
ou desenhada. cimento.”
Dom Juan

“Como transmitir aos outros o infinito de Aleph?”7 CASTAÑEDA, Carlos. Uma estra-
nha Realidade. São Paulo: Círculo.
1985.p.20.
Ao encontrar Aleph – “um ponto do espaço que contém to-
dos os outros pontos” – e tentar descrevê-lo, p personagem
de Borges se vê em desespero, pois ao fazer isso, estaria
contaminando “o informe de literatura”. Ele considera a li-
mitação da linguagem um problema insolúvel. Essa cons-
tatação abrange a descrição de todas as coisas, inclusive a
descrição da cidade.

“A notícia foi referida por ele


A dificuldade de registro da forma da cidade é tratada por
na rua do Ouvidor, esquina da
Lynch em ‘A Boa Forma da Cidade’, onde ele discute ques-
rua Direita. Daí a dez minutos
tões ligadas aos meios tradicionais de representação da
chegara à rua da Quitanda.
forma. O autor aponta que a qualidade plana dos mapas é
Tão depressa correu que um
muito diferente da experiência do local propriamente dito,
quarto de hora depois era as-
sendo estes, pouco apropriados quando se abordam áreas
sunto de conversa na esquina
intensivas ou a percepção da cidade. O autor ainda denun-
dos Ourives. Uma hora bas-
cia a negligência da dimensão do tempo para se obter um
tou para percorrer toda a ex-
sentido do desenvolvimento progressivo da forma espacial.
tensão da nossa principal via
Dimensão essa, tratada com freqüência na obra de Machado
pública. Dali espalhou-se em
de Assis.
toda a cidade.”

Machado foi um dos poucos escritores brasileiros que, atra-


‘Mapa’ de Machado de Assis

Ressurreição.
7
Rio de Janeiro: Martin
BORGES, Jorge Luis. O Aleph. São Paulo:
Claret. 1995.p.17.
Companhia Das Letras. 2008.p.148.

108
O MÉTODO

vés da literatura, conseguiu de maneira magistral fazer um


‘mapa’ preciso da forma urbana de sua época. O incansável
andarilho usava a cidade como um imenso laboratório, não
só para o cenário de suas obras literárias mas, sobretudo,
como o contexto das relações entre seus habitantes e o lu-
gar.

A obra machadiana contêm passagens e descrições deta-


lhadas da cidade: os pregões ouvidos de dentro de casa,
as conversas no peitoril ao entardecer, as fofocas e os es-
cândalos que se espalhavam pelas ruas da cidade, os cami-
nhos, e seus tempos de percurso, as vestimentas, o mar, o
bonde. Pode-se dizer que inúmeras passagens machadianas
são mais valiosas para o entendimento da forma da cidade
carioca do século XIX do que muitos mapas e fotografias.

A análise da forma urbana baseada em registros como ma-


pas, iconografias e textos, será amplamente realizada como
subsídio nesta pesquisa. O “entrelaçamento” das informa-
ções decorrentes tanto da percepção no local quanto da do-
cumentação sobre o local é de grande importância para o
entendimento de algumas situações presentes na forma da
cidade.
2.22
PAA da área.
As linhas tracejadas em
No exemplo anterior da loja de Ipanema, somente a partir
vermelho representam
o limite do afastamento do exame do Projeto de Alinhamentos Aprovados (PAA) foi
frontal exigido. possível entender porque existem empenas cegas ‘avançan-
do’ em muitas esquinas do bairro. Talvez este avanço tenha
sido um dos principais motivos que permitiram a ocorrência
da “sala de estar” sobra a calçada, como registrado no foto
apresentada aqui.

109
O MÉTODO

Em Ipanema, a partir de meados do século passado, os pa-


râmetros urbanístico estabelecidos pelo PAA passaram a
exigir duplo afastamento frontal para os lotes de esquina.
Logo, qualquer nova construção proposta para estes locais
é obrigada a ter dois recuos em relação à calçada e, conse-
quentemente, uma baixa taxa de ocupação, insuficiente para
novos empreendimentos. É por isso que até hoje, mesmo
após o intenso adensamento de Ipanema, as construções
anteriores ao PAA permanecem nestes lotes, gerando assim,
as empenas cegas próximas às esquinas do bairro.

do mapa para o local, do local para o mapa

2.23
Outros exemplos da mesma
situação do exemplo anterior

Um olhar mais próximo à cidade, a partir da experiência no


local, parece ser a escala de observação mais apropriada
para a percepção da cidade como um todo, e por isso será
utilizada nesta pesquisa. Por sua vez, os mapas e planos,
embora “mais afastados” da superfície da cidade, fornece-
rão informações suplementares à análise, sobretudo quando
houver a necessidade de contextualizar - tanto no espaço
quanto no tempo - os locais em estudo.

110
O MÉTODO

Foram vistos até agora neste capítulo alguns conceitos


fundamentais para o embasamento metodológico desta
pesquisa, tais como: a necessidade de observar a cidade
sob um olhar suspenso de julgamentos para simplesmente
reconhecê-la e aprender com ela; a compreensão da cidade
como um sistema complexo e integrado; a importância de
uma visão contextual baseada nas redes de relações e não
em objetos isolados e o reconhecimento do padrão como a
chave para um melhor entendimento da forma urbana.

Em seguida, foram apresentados os métodos de Ian McHarg


e Aldo Rossi e posteriormente o método de N. J. Habraken,
adotado efetivamente nesta pesquisa, assim como, os mo-
tivos que tornaram essa pesquisa um estudo sobre um tema
e não mais um estudo sobre um determinado local. Mais
adiante, foram expostas algumas questões pertinentes à
representação e à percepção da realidade urbana, assuntos
fundamentais para uma abordagem metodológica mais con-
sistente para este estudo. A seguir, serão apresentados os
procedimentos metodológicos empregados na pesquisa.

111
O MÉTODO

8I Procedimentos metodológicos

Aqui serão delineados os procedimentos metodológicos,


através dos quais serão feitas as investigações nesta pes-
quisa. Acredita-se que os resultados obtidos por meio da
aplicação destes procedimentos irão contribuir para uma
melhor compreensão de como os limites e fronteira são es-
truturados no ambiente urbano.

Inicialmente, serão apresentadas as ferramentas utilizadas


para a notação da forma urbana em um dado local - basi-
camente, o processo de análise toma início a partir de situ-
ações observadas dentro do ambiente urbano. Em seguida,
será apresentado o sistema de escalas de aproximação, re-
curso que procura determinar metodologicamente a escala
de observação mais adequada para cada tipo de situação em
estudo.

Os procedimentos de análise e de representação podem ser


divididos basicamente em quatro etapas interligadas: a pri-
meira diz respeito à notação no local; a segunda correspon-
de à análise da forma por meio de mapas de figura e fundo;
a terceira etapa trata do mapeamento das configurações cor-
respondentes aos diferentes níveis de controle exercidos no
local; e por último, a quarta etapa consiste na elaboração de
diagramas de níveis de profundidade onde estarão delinea-
dos os limites e fronteiras, estruturados pela ordem física e
territorial presentes no lugar.

112
O MÉTODO

1
Observação do
ambiente urbano

notação da forma urbana de


uma situação local.

2
Figura e fundo

mapeamento de figura e
fundo e mapa de Nolli

3
Delineando
configurações

mapeamento das
configurações existentes

4
Níveis de
profundidade

diagramas da estrutura
física e territorial

113
O MÉTODO

114
O MÉTODO

Instrumentos de investigação

A investigação realizada nesta pesquisa é essencialmente


presencial, pois toma início a partir de situações observadas
de dentro da cidade. Como já discutido anteriormente, este
estudo acredita que uma investigação realizada a partir da
experiência no local seja a maneira mais adequada para se
perceber a cidade como um todo, sem sobreposições, nem
transparências.

2.24
Do Google Earth para o local.
Selva de Pedra no bairro do Leblon.

Portanto, as situações analisadas segundo os procedimen-


tos metodológicos adotados nesta pesquisa foram notadas
basicamente no local, ou por meio da própria observação
presencial ou, preliminarmente, por meio de visualização di-
gital com o uso do programa Google Earth1. Após a notação
por meio deste programa, foram realizadas visitas ao local
visualizado.

Essa pesquisa utiliza a versão standard 5.1 do programa


Google Earth. Este programa faz o mapeamento da superfície
terrestre por meio da agregação e modelagem de imagens
sobre uma esfera 3D. Essas imagens são obtidas a partir de
fotografia aérea, imagens de satélites, e sistema de informa-
ção geográfica (GIS), dentre outros.

1
http://earth.google.com/intl/pt/

115
O MÉTODO

As impressões do local foram registradas por meio de fo-


tografia digital, desenhos a mão-livre e, em alguns casos,
por meio de pequenos filmes digitais. Além disso, foram
feitos apontamentos e considerações textuais pertinentes ao
comportamento e as relações dos usuários com o ambiente
físico.

2.25
Em muitos casos, a leitura de Projetos de Alinhamentos
pequenos filmes realizados com o
Aprovados (PAA) e mapas, assim como a pesquisa carto- auxílio de uma bicicleta ao longo
de trechos de calçada
gráfica e documental, foram importantes recursos para a
compreensão da constituição da forma urbana estabelecida.
O entrelaçamento e a sobreposição das informações decor-
rentes tanto da percepção no local quanto desta documen-
tação foram de grande importância para o entendimento de
algumas situações presentes na forma da cidade.

2.26
Google View from Street

Embora a grande maioria das situações investigadas nes-


ta pesquisa esteja presentes na cidade do Rio de Janeiro,
alguns poucos casos foram investigados à distância com o
auxílio do aplicativo Google Street View2. Essa ferramenta é

2
http://www.google.com/intl/en_us/help/maps/streetview/

116
O MÉTODO

2.27
Google View from Street
veículo adaptado com
um recurso disponível no Google Earth que possibilita vi-
equipamento fotográfico
sadas ao nível da rua a partir de pontos específicos. Este
recurso gera vistas panorâmicas com aberturas de 360° na
horizontal e 290° na vertical. As imagens são obtidas por
meio de fotografia, feitas a partir de um veículo adaptado
que percorre as ruas das cidades. Curiosamente, muitas co-
munidades se negam a receber este veículo por razões de
privacidade.

117
O MÉTODO

Escalas de aproximação

Para efeito de análise, este trabalho busca sistematizar esca-


las de aproximação junto ao objeto. Deste modo, pretende-
se determinar metodologicamente as escalas de observação
mais adequadas para cada tipo de situação em estudo.

A percepção do ambiente urbano descrita como uma grande


e complexa organização constituída de configurações inter-
ligadas umas com as outras torna indispensável o uso deste
recurso metodológico. Acredita-se que somente por meio
do uso do sistema de escalas de aproximação é possível
estudar trechos da cidade sem isolá-los do contexto. Em
outras palavras, acredita-se que o uso deste recurso permite
o estudo das partes sem perder de vista o entendimento do
todo, ou seja, da cidade.

Desta maneira, os resultados obtidos com a aplicação dos


procedimentos metodológicos adotados nesta pesquisa -
assim como os registros do objeto - estarão sempre vincu-
lados a uma ou mais escalas de aproximação.

118
O MÉTODO

As escalas de aproximação variam conforme a distância en-


tre o observador e a cidade. Distâncias menores poderão ser
utilizadas para tratar de questões pertinentes à materialida-
de, caso estejam sendo analisados limites de ordem física,
como por exemplo, fachadas e cercamentos. Já as distâncias
maiores poderão servir para o estudo de fronteiras e de limi-
tes entre bairros, sejam estes, elementos físicos ou apenas
territoriais.

O sistema de escalas de aproximação pode ser entendido


por meio da imagem de duas parábolas de eixo vertical. A
primeira parábola representa a escala de análise do objeto
e a segunda, a escala de representação do objeto. Ambas
possuem seus vértices tangentes ao rés-do-chão da cidade,
considerado aqui o ponto de partida para qualquer tipo de
análise ou de representação.

Na parábola de análise do objeto a posição do observador


pode ser entendida como um ponto que desliza sobre a curva

2.28
da parábola. Quando este ponto estiver coincidente com o
Alguns exemplos de diferentes escalas de apro- vértice da parábola, o observador se encontra ao rés-do-
ximação. A parábola azul corresponde à análise e
a parábola vermelha corresponde à representação chão. Ao passo que o ponto se afasta do vértice, o observa-
do objeto.

119
O MÉTODO

dor “ganha altura”, e conseqüentemente, se distancia, aos


poucos, da superfície da cidade.

De forma semelhante, as escalas dos desenhos de registro


do objeto variam de acordo com a posição do ponto per-
tencente à curva da parábola de representação do objeto.
Quanto mais este ponto se afasta do vértice da parábola,
maior será a escala do desenho.

Assim como em uma equação descrita por uma parabólica,


o sistema de escalas de aproximação não é linear. Em outras
palavras, para uma única investigação, os pontos – tanto de
observação, quanto de representação - poderão oscilar nas
curvas das parábolas conforme as necessidades da pesqui-
sa.

120
O MÉTODO

Desta maneira, uma investigação pode surgir da observação


de um local ao nível da rua, em seguida ser observada com
o auxílio do Google Earth e posteriormente voltar a ser ana-
lisada ao nível da rua. A mesma oscilação pode ocorre com
as escalas dos desenhos de registros da forma urbana.
Ao se sobreporem, as duas parábolas tornam-se um eficien-
te sistema que fornece para pesquisa a possibilidade de uma
aproximação consciente, pois busca essencialmente delimi-
tar a análise sem isolar o objeto de seu contexto.

121
O MÉTODO

122
O MÉTODO

2.29
Mapas de figura e fundo da praça
de São Marcos feitos por Lamas.

Figura e fundo

Os desenhos de figura e fundo, embora sejam descrições


bidimensionais, funcionam como poderosas ferramentas de
analise urbana, pois representam de forma clara a relação
morfológica entre as estruturas dos sólidos e dos vazios
distribuídas no território urbano. Em termos gráficos, a se-
gregação figura-fundo em dois campos de cores distintas e
homogêneas permite perceber mais facilmente o formato e a
composição destes elementos.

No urbanismo, inúmeros autores exploram este potente re-


curso, dentre eles, Colin Rowe e Fred Koetter. Em Collage
City1, Rowe e Koetter propõe uma metodologia de avaliação
da qualidade da textura urbana através da utilização destes
desenhos. Os autores examinam a estrutura típica das ci-
dades tradicionais e da estrutura proposta pela Arquitetura
Moderna por meio de planos de figura e fundo e observam
que existe certa dicotomia envolvendo estes dois modelos,
pois ao passo que na cidade moderna os vazios prevalecem,
na cidade tradicional são os sólidos que prevalecem. A partir
2.30 desta observação, abre-se um interessante debate sobre es-
Na pagina ao lado:
Texturas urbanas de cidades 1
islâmicas. ROWE, Colin e KOETTER, Fred. Ciudad Collage.
Barcelona: Gustavo Gilli. 1998.

123
O MÉTODO

sas duas texturas: a da cidade tradicional e a da cidade mo-


derna, entre o solido e o vazio, entre o objeto e o espaço.

“Elas se apresentam como leituras reversíveis de um dia-


grama ilustrativo da Gestalt demonstrando as flutuações do
efeito figura e fundo. Uma é quase branca, a outra quase toda
preta: Na primeira o arranjo de sólidos num imenso vazio, na
segunda um arranjo de vazios escavados num sólido. Nos
dois casos o fundo promove diferentes categorias de figura,
na primeira o objeto, na segunda o espaço.”2

Segundo os estudos da Gestalt3, conforme os aspectos es-


truturais e funcionais do campo perceptivo visual, as pro-
priedades dos elementos figurais não são permanentes ou
imutáveis e por isso estes elementos podem flutuar, deixan- 2.31
Onde está a figura?
do de ser figura para se tornarem fundo e vice-versa. Assim
como os desenhos de figura e fundo, as estruturas de sóli- Comparação entre o projeto de
Saint-Dié (Le Corbusier) e a
dos e de espaços urbanos podem apresentar essa mesma cidade de Parma.
reversibilidade: ora o objeto é a figura, ora o espaço é a
figura.

figura = o tema da imagem = forma pregnante

A analogia entre a metodologia de Rowe e Koetter e a teoria


da Gestalt ainda pode ser empregada no que se refere ao
componente figural. Na cidade moderna, que opera segun-

2
idem.p. 62.
3 2.32
Gestalt (Apud BARKI, J.; MIYAMOTO, J.; AZEVEDO, G.N.; CONDE, M.. Reversivilidade
Caderno Didático da disciplina de Analise e representação grafica.
Departamento de Análise e Representação da Forma – FAU / UFRJ. Comparação entre Uffizi (Vasari) e
2008.) Unité d’ Habitation (Le corbusier)

124
O MÉTODO

do a estrutura de sólidos, o objeto é exaltado como forma


pregnante e o espaço torna-se o fundo, chamado de área
livre pelos modernos. Por sua vez, na cidade tradicional, que
opera segundo a estrutura de espaços, o espaço é a forma
pregnante, enquanto o objeto, recortado pelo espaço, torne-
se o fundo. Em termos gerais, os autores argumentam que
este tipo de dialética - figura-objeto e figura-espaço - pode
permitir a existência conjunta destes dois modelos, como
uma espécie de bricolagem urbana.

Outro importante aspecto estruturante e organizador do


campo perceptivo visual se refere aos contornos da forma.
Segundo a teoria da Gestalt, as linhas de contorno que deli-
mitam o componente figural do resto do campo pertencem
à figura4. Em paralelo, pode-se afirmar que tanto os limi-
tes dos sólidos (figura-objeto) quanto os limites dos vazios
(figura-espaço) são pertencentes à própria forma.

4
idem.

125
O MÉTODO

2.33
Mapa de Nolli

Sendo assim, a partir destes entendimentos, os desenhos


de figura e fundo quando aplicados nos planos da cidade,
possibilitam uma clara visualização das texturas do tecido
urbano, através da leitura do formato de seus sólidos e de
seus espaços, estabelecido pelos seus contornos.

Deste modo, no presente trabalho será realizada uma pri-


meira aproximação ao objeto de análise por meio do uso
destes desenhos, em busca de compreender os aspectos
morfológicos da cidade. Pressupõe-se que a descrição grá-
fica fornecida por este procedimento auxiliará na visualiza-
ção dos limites físicos encontrados no espaço urbano. Em
situaçãoes observadas sob uma escala mais aproximada ao
objeto, as descrições por meio destes desenhos serão feitas
ao nível do rés-do-chão da cidade, semelhantes ao Mapa
de Nolli.

126
O MÉTODO

Delineando configurações

O próximo passo do método de análise consiste em reco-


nhecer configurações, entendidas aqui como conjuntos de
elementos e de grupo de elementos distribuídos no ambien-
te e controlados por um único agente. As configurações se-
rão representadas graficamente em escalas de tons de cinza
sobre os planos de figura e fundo. Desta forma, cada uma
delas será preenchida com um determinado tom de cinza,
determinando assim uma área especifica no plano.

A delimitação destas áreas somente é possível a partir do re-


conhecimento dos níveis de controle exercidos no ambiente,
que se tornam visíveis através da ordem física e da ordem
territorial. Geralmente, as delimitações geradas pela ordem
física são visualizadas mais facilmente no local, devido ao
seu próprio estado físico. Por sua vez, a ordem territorial, por
ser usualmente mais sutil e podendo algumas vezes até ser
efêmera, necessita de um olhar mais apurado para o reco-

127
O MÉTODO

nhecimento de suas delimitações no ambiente urbano.

“No jogo ambiental nós devemos assistir ao jogo sendo jo-


gado, observar as configurações vivas e deduzir as regras.”1

Neste contexto, torna-se importante a experiência no local.


A possibillidade de um olhar mais próximo ao ambiente ur-
bano permite reconhecer mais facilmente como as ações
humanas estruturam o espaço, preesupondo assim, uma
melhor compreensão das relações estabelecidas entre eles.

De acordo com Habraken, as propriedades físicas das formas


observadas no lugar revelam como os agentes distribuem o
controle no território.2 Portanto, neste momento do método,
a determinação das áreas no plano, será realizada a partir
das investigações feitas no lugar.

2.34
Delineando configurações
a partir de observação no local

esquina da rua Julio de Castilho


com av. Nossa Senhora de
Copacabana, Rio de Janeiro

1
HABRAKEN, N.J.. Structure of Ordinary. Massachusetts: The MITPress.
1998. p.20.
2
idem. p.28.

128
O MÉTODO

Diagramas de profundidade territorial

O último procedimento a ser apresentado neste capítulo


consiste na elaboração de diagramas. Estes desenhos têm
a finalidade de representar como se estruturam as configu-
rações no território. Os procedimentos metodológicos apre-
sentados até aqui se concentraram na tarefa de identificar di-
ferentes tipos de configurações, neste momento, pretende-se
compreender como essas configurações se relacionam entre
si. Deste modo, a partir da aplicação deste procedimento,
acredita-se que seja possível analisar o comportamento das
fronteiras e limites presentes no território, assim como seus
aspectos físicos e espaciais.

Este procedimento de análise se baseia, sobretudo, em algu-


mas conceituações presentes nas teorias de N. J. Habraken,
B. Hillier e J. Hanson. Por isso, antes de descrevê-lo, é
necessário fazer uma breve abordagem de alguns aspectos
metodológicos contidos nestas teorias.

129
O MÉTODO

A metodologia criada por Hillier e Hanson, denominada


Space Syntax, propõe um conjunto de técnicas que anali-
sam e representam aspectos espaciais, na busca de identi-
ficar padrões sociais presentes no ambiente construído. Os
autores se fundamentam na perspectiva de que significados
sociais são encontrados nos padrões espaciais construídos
pela própria arquitetura.

“...enquanto dá formato e forma ao nosso mundo mate-


rial, a arquitetura estrutura o sistema do espaço em que
nos vivemos e nos movimentamos. Fazendo isso, tem
uma relação direta – em vez de meramente simbólica –
com a vida social, uma vez que provisiona as precondi-
ções materiais para os padrões de movimento, encontro
e afastamento que são as realizações imateriais, assim
como algumas vezes é o gerador de relações sociais.”1

Neste sentido, ao definir espaços, a arquitetura define tam-


bém as relações acontecidas neste espaço - as relações que
as pessoas podem ter com as outras, com o ambiente local
e com o sistema como um todo. Essas relações são defini-
das pela arquitetura através da maneira como as pessoas se
movimentam de um espaço para o outro no sistema, do que 2.35
Aspectos espaciais presentes na
pode ser visto de um espaço para os outros, e também, de forma construída podem revelar padrões
como as pessoas podem participar do sistema a partir de sociais de uma determinada sociedade.

um espaço especifico. As diferentes possibilidades destas Nesta página:


Interior de tenda beduína e
relações acontecerem, relevam as intenções que estão em-
desenhos do interior de
butidas na forma de um espaço e no seu posicionamento no uma moradia Nandi.

Página oposta:
1 Apartamento quarto e sala e
HILLIER, Bill. Space is the machine. Cambridge: desenho do interior de um iglú.
Cambridge University Press. 1996. p. xi.

130
O MÉTODO

sistema2.

Essas intenções, como argumenta Hillier, são intrínsecas à


cultura de uma sociedade e pertencem ao seu inconsciente
coletivo, denominado por ele como conhecimento social3. As
idéias que engendram as inúmeras possibilidades de projeto
são construídas a partir deste conhecimento, da mesma ma-
neira, os aspectos espaciais encontrados no ambiente foram
constituídos a partir dele.

Portanto, de acordo com estes entendimentos, os aspec-


tos espaciais presentes na forma construída podem revelar
padrões sociais de uma determinada sociedade. A Space
Syntax busca delinear estes aspectos a partir da investiga-
ção de algumas propriedades dos espaços, essencialmente
relacionadas à experiência através do movimento e do uso
que pode acontecer neles. Segundo a Space Syntax, as con-
dições de movimento e uso devem, sobretudo, à elevação
de fronteiras que delimitam e distinguem espaços diferentes
e pela possibilidade de acesso e visibilidade que estes or-
ganizam.

Dentre as propriedades descritas na metodologia desenvol-


vida pela Space Syntax, a propriedade espacial denominada
permeabilidade foi fundamental para este trabalho. Embora a
análise desta propriedade não tenha sido realizada segundo

2
PAULA, Viviane. Espaço e sociedade: apartamentos
no Rio de Janeiro no século XX. Tese de doutorado.
Rio de Janeiro: UFRJ/PROARQ. 2002.p.99.
3
HILLIER, Bill. Space is the machine. Cambridge:
Cambridge University Press. 1996. p.40.

131
O MÉTODO

o método da Space Syntax, as questões levantadas por ela


contribuíram fortemente para o embasamento teórico desta
pesquisa.

“a fronteira ao mesmo tempo cria uma categoria de espaço –


o interior – e uma forma de controle – a fronteira mesma.” 4

O estudo da permeabilidade trata de identificar conexões que


um espaço estabelece com outros em um sistema, através
do atravessamento de fronteiras. Essa possibilidade do es-
paço é investigada fundamentalmente em sistemas arquite-
tônicos. A Space Syntax considera que uma construção, ao
estabelecer fronteiras entre seus ambientes internos, organi-
za gradações de controle nas relações entre as pessoas.

Desta maneira, pode-se dizer que padrões de permeabilida-


de denotam essencialmente relações de controle, estabele-
2.36
cidos segundo uma ordem hierárquica entre os espaços de Grafo de acesso construído a
partir de planta baixa de um
um sistema. A permeabilidade dos espaços é representada moradia (desenho a cima).
por meio de diagramas, construídos a partir de plantas bai- O alpendre (nivel 1) controla o
acesso ao restante dos espaços
xas. Nestes diagramas, denominados grafos de acesso, os da moradia.

espaços são organizados em circuitos de conectividade, ini-


ciados a partir de um espaço de entrada, denominado raiz,
que geralmente é a rua ou um espaço exterior de acesso ao
sistema.

A disposição dos espaços nos grafos de acesso é descrita


por meio de níveis de profundidade. Estes níveis constituem

4
HILLIER, B. ,HANSON, J..The Social Logic of Space.
Cambridge: Cambridge University Press. 1984. p.146.

132
O MÉTODO

o somatório das distâncias, em conectividade, entre um de-


terminado espaço e a raiz do sistema. Assim, um espaço é
mais profundo em relação a outro, quando este necessita de
um maior número de conexões – níveis - para ser alcançado.
Segundo a Space Syntax, um espaço só pode ser profundo
em relação aos outros se for necessário passar por espaços
intermediários para se chegar a ele.5

É interessante observar como os padrões de permeabilidade


denotam situações sociais. Geralmente, segundo Hanson,
situações descritas por muitos níveis de profundidade apon-
tam para sistemas menos integrados nas suas relações com
o todo. Como exemplos desta situação, podem ser citados
um condomínio fechado - aonde para se chegar a um aparta-
mento é necessário atravessar quatro níveis de profundidade
- e um presídio, composto por uma série de compartimentos
fechados.
2.37
Configurações descritas por
muitos níveis de profundidade
apontam para sistemas menos
Como já dito anteriormente, a metodologia da Space Syn-
integrados nas suas relações com tax, embora não empregada neste trabalho, foi fundamental
o todo.
no auxílio de uma maior compreensão de alguns aspectos
Desenho esquemático represen-
pertinentes à organização dos espaços e à maneira como
tando as fronteiras atravessadas
para se chegar a um apartamento estes se relacionam. A relação entre os padrões de permea-
no condomínio Península na Barra
bilidade e o grau de controle do espaço, notados por Hillier
da Tijuca.
e Hanson, assim como a representação por meio de grafos,
Desenhos da antiga penitenciária
de Newgate em Londres.
vão de encontro aos objetivos desta pesquisa. A seguir serão
discutidos alguns conceitos presentes nos estudos de N. J.
Habraken que assim como os conceitos de Hillier e Hanson
contribuem para a construção teórica dos procedimentos

5
idem.p.108.

133
O MÉTODO

metodológicos desta pesquisa.

Assim como no Space Syntax, Habraken busca reconhecer


na forma construída aspectos espaciais pertinentes ao de-
sempenho do controle e também os descreve por meio de
diagramas como forma de representar a maneira como os
espaços estão organizados e relacionados. É importante ob-
servar que embora ambos os métodos tomem início no reco-
nhecimento da forma, suas descrições – grafos e diagramas
- não empregam aspectos morfológicos, pois visam funda-
mentalmente descrever a estrutura, geradora da forma.

‘’Nós vamos nos concentrar em como a organização das


partes no ambiente é governada pelas regras do território.
Procuraremos determinar como, baseado no movimento
das partes, fronteiras territoriais podem ser deduzidas.’’6

Em Structure of the Ordinary, Habraken trata o controle do


espaço como uma questão fundamentalmente territorial. Di-
ferente do controle da forma, exercido pela ordem física, o
controle do espaço denota a habilidade de excluir, “fechar a
porta”, admitindo seletivamente quem ou o que nos dese-
jamos.7

Geralmente, este tipo de controle é entendido por meio de


indicações e artefatos que, dispostos no ambiente, servem
para representar limites do exercício de controle em um de-

6
HABRAKEN, N.J.. Structure of Ordinary.
Massachusetts: The MIT Press. 1998.p.127.
7
idem. p.136.

134
O MÉTODO

2.38
Diagramas de plantas imaginárias de contru-
ções com pátio e seus respectivos grafos de
acessos feitos por Bill Hillier

135
O MÉTODO

terminado território.

Habraken argumenta que a organização territorial é exerci-


da pelo controle de espaços. Conforme notado pelo autor,
quando um território esta incluso em outro, este é contro-
lado por ele, em termos de acesso. Deste modo, o territó-
rio “mais externo” controla o acesso para o território “mais
interno”, permitindo ou não a entrada de pessoas e objetos
neste espaço. Entretanto, no sentido inverso – do mais inter-
no para o mais externo – o mesmo não ocorre, pois, embora
o “poder territorial” possa legitimamente impedir a entrada
em um espaço, ele não pode confinar, ficando a saída deste
espaço sempre livre.8

O trajeto de um quarto para a sala de uma casa, ou de um


apartamento para a portaria de um edifício são exemplos de
livre acesso. Já, no sentido oposto, o percurso exige algum
tipo de permissão. Esta condição, segundo o autor, estabe-
lece uma relação assimétrica entre dois espaços opostos,
inerente a toda a organização espacial do ambiente urbano.

8
ibidem.

136
O MÉTODO

2.39 A existência de uma relação assimétrica entre espaços dentro


Desenho explicativo de um diagrama
de profundidade territorial de um sistema acaba por configurar uma ordem hierárquica,
construído por N. J. Habraken.
baseada no princípio da inclusão. Assim, um espaço que
inclui os demais espaços em um sistema, controla o aces-
so a eles. Habraken representa essa relação - assimétrica e
hierárquica - por meio de diagramas de profundidade territo-
rial, semelhantes aos grafos de acesso de Hillier e Hanson.
Nestes diagramas, a profundidade territorial é quantificada
por números de fronteiras atravessadas para se mover do
espaço externo para o espaço mais interno dentro de um
determinado sistema.

Deste modo, a partir de uma observação atenta à organiza-


ção das configurações no território, em termos de controle
de movimento entre os seus respectivos espaços, é possível
deduzir as fronteiras existentes no local.

137
O MÉTODO

2.40
Desenho de diagrama de
profundidade territorial a ser
empregado nesta pesquisa.

Os diagramas a serem empregados nesta pesquisa se ba-


seiam fundamentalmente nos diagramas de profundidade
territorial de Habraken, por estes representarem um podero-
so instrumento de investigação das relações entre diferentes
configurações. Desste modo, serão empregados os mesmos
componentes gráficos de seus digramas, porém as setas -
que indicam o sentido de movimento - passam a cruzar as
linhas limite. Essa pequena alteração tem o próposito de
trasmitir a idéia de atravessamento das fronteiras.

Pressupõe-se que a confecção destes desenhos irá permitir


uma melhor compreensão de como as fronteiras e os limi-
tes são estruturados no ambiente urbano. Este procedimento
metodológico ao ser aplicado nos locais de estudo conso-
lidará o percurso investigativo desta pesquisa. A seguir, no
próximo capítulo, serão aplicados os procedimentos de aná-
lise e de representação descritos aqui.

138
O MÉTODO

2.41
Dois diagramas territoriais (a) e (e)
construídos por N. J. Habraken representando
variações territoriais de uma quadra.

139
O MÉTODO

140
O MÉTODO

141
O MÉTODO

As visões aqui estudadas buscam obter algum co-


nhecimento a respeito deste imenso e complexo or-
ganismo criado pelo homem. Estas, ou qualquer ou-
tra visão, constroem seus entendimentos revestidos
de certa percepção do real. Nossas impressões do
mundo visível são moldadas a partir de nossa repre-
sentação e sendo assim, projetamos na fina superfí-
cie da consciência as linhas de contorno do objeto
que paira na luz.

142
O MÉTODO

A linha de contorno que dá forma ao corpo desta investi-


gação pode ser visualizada como um polígono formado por
cinco segmentos de reta. Cada um destes segmentos repre-
senta uma fronteira possível de entrada para a investigação
do objeto:
problematização e discussão teórica,
compreensão das relações,
reconhecimento da estrutura,
observação da forma construída,
representação da estrutura.

Por definição, o polígono é uma figura plana formada por


uma linha poligonal fechada. Caso um de seus segmentos se
quebre, a figura instantaneamente desaparece. Assim como
o polígono, a forma do corpo investigativo depende dessa
condição para existir, pois caso uma de suas fronteiras se
desprenda a figura de dissolve.

Ao longo das investigações, o objeto foi sendo delineado


de acordo com os limites desta figura, que mesmo variando
seu formato - segundo a realidade projetada de cada lugar -
procurou nunca perder sua essência.

143
Capítulo 3

a análise estrutural
alguns casos no Rio de Janeiro
A ANÁLISE ESTRUTURAL

Apresentação

Neste capítulo serão investigadas algumas situações perti-


nentes ao comportamento e à constituição dos limites e das
fronteiras dentro do ambiente urbano da cidade do Rio de
Janeiro.

A constituição destes elementos é tratada a partir de uma


abordagem interessada nas relações de controle ocorridas
no espaço da cidade, desempenhadas por seus habitantes.
Procurou-se perceber como as ações humanas estruturam a
forma onde vivem, pressupõe-se uma melhor compreenção
de como os limites e fronteiras são constituídos e se man-
têm neste imenso mosaico que é a cidade.

Página anterior:
Diagramas de profundidade territorial
de frente de lojas em Ipanema.

146
A ANÁLISE ESTRUTURAL

1I Alguns abairramentos cariocas

Limites podem reforçar a identidade de um bairro?


Será que somente limites bem definidos são o bastante para
garantir a identidade de um bairro?
Um bairro pode ser identificável sem a existência de limites
precisos?
Fronteiras graduais podem influenciar na identidade de um
bairro?

Limites e fronteiras podem desempenhar um papel impor-


tante no abairramento de uma cidade, pois tanto podem re-
forçar a identidade de um bairro, como podem contribuir
para a sua segregação e o seu isolamento. De modo geral,
as fronteiras de um bairro podem ser precisas e definidas, ou
podem se apresentar mais brandas com propriedades mais
flexíveis e suaves.
“O prazer de viver numa zona
identificável com ruas calmas Segundo Kevin Lynch, a “noção de bairro” é construída na
e seguras, com serviços di- mente dos habitantes de uma cidade a partir de certo con-
ários facilmente acessíveis e senso a cerca dos limites e das características de um espa-
próximos, e na qual as pessoas ço1. Essas características tanto podem ser físicas - assegu-
podem se organizar politicamen- rando alguma continuidade temática - como também podem
te quando surge a necessidade pertencer a um grupo de pessoas que se sentem ligadas
de controle, é seguramente uma a uma comunidade identificável e entendem que exercem
característica legítima de um algum controle sobre este espaço, seja ele exercido pelo
bom aglomerado populacional.” uso, pelas restrições de acesso ou pela tomada de decisões
importantes para o próprio bairro.
LYNCH, Kevin. A Boa Forma da Cidade.
Lisboa: Edições 70. 2007. p.236.
1
LYNCH, Kevin. A Boa Forma da Cidade.
Lisboa: Edições 70. 2007. p.235.

147
A ANÁLISE ESTRUTURAL

Nesta perspectiva, a noção de bairro, segundo Lynch, pode


ser entendida como uma prática inerente ao conceito de
controle, exercido ao nível local em um território. Estes en-
tendimentos se alinham ao pensamento de N. J. Habraken
no que dizem respeito ao controle territorial e físico do am-
biente urbano, como também correspondem aos estudos de
Jane Jacobs ao tratar das redes de relações de confiança e
3.01
de controle social estabelecidas em um local2 e aos padrões Placa na entrada do
Itanhangá, Barra da Tijuca
de Christopher Alexander que abordam questões ligadas à
identidade de um local. A noção de bairro, segundo Lynch, pode
ser entendida como uma prática inerente ao
conceito de controle, exercido ao nível local
em um território.
Dentre os inúmeros meios físicos através dos quais o con-
trole pode ser distribuído e assegurado em um abairramen-
to, três merecem destaque nesta pesquisa: a demarcação
de limites, a continuidade de textura – densidade, malha e
sistema de acessos3 - e o reforço da centralidade local. A
seguir, estes três meios serão observados em quatro bairros
cariocas - Urca, São Conrado, Méier e Rio Comprido - com
o propósito de investigar suas relações com a identidade e
com a constituição dos bairros.

De modo geral, como apontado por Flavio Ferreira, no que se


refere ao seu centro e aos seus limites, os bairros cariocas
podem ser divididos basicamente em dois tipos. O primeiro,
encontrado em espacial na zona sul, tem suas bordas como
principal característica do abairramento, devido principal-

2
JACOBS, Jane. Morte e vida nas grandes cidades.
São Paulo: Martins Fontes. 2007. p.131.
3
LYNCH, Kevin. A Boa Forma da Cidade. Lisboa:
Edições 70. 2007. p.249.

148
A ANÁLISE ESTRUTURAL

mente à topografia acidentada da cidade, já o segundo tipo


possui seu centro como principal característica, como é o
caso de muitos bairros que cresceram a partir de um ponto
central4. Ferreira utiliza como exemplo os bairros da Urca
e do Méier para indagar suas considerações a respeito do
abairramento carioca no que diz respeito aos seus limites e
aos centros locais.
3.02
Edificíos no bairro da Lagoa com o Morro do
Cantagalo ao fundo.

Urca
Os bairros da zona sul carioca têm suas bordas
como principal característica do abairramento,
devido principalmente à topografia acidentada.
Limites podem reforçar a identidade de um bairro?

Pertencente ao primeiro tipo, o bairro da Urca surgiu de um


loteamento sobre sucessivos aterros de uma área conforma-
da pelas montanhas e pelo mar. Estes aspectos físicos - de
formação do bairro - acabaram por contribuir para o fortale-
cimento do seu “sentido de lugar”5, pois além de constituir
limites claros, definidos pelas características naturais do
local, a textura interna do bairro - composta por uma malha
nítida, por certa densidade e por acessos livres e bem defi-
nidos – acaba também por reforçar sua identidade.
3.03
Vista do Pão de Açucar com o loteamento do
bairro da Urca. Por isso, mesmo não possuindo um centro forte e bem defi-
nido, a Urca possui um caráter bastante próprio e particular,
A Urca surgiu de um loteamento sobre suces-
sivos aterros de uma área conformada pelas reconhecido não só pelos seus moradores, mas por todos os
montanhas e pelo mar.

4
FERREIRA, Flavio. Notas de aula.
PROURB/UFRJ, 2008.
5
LYNCH, Kevin. A Boa Forma da Cidade.
Lisboa: Edições 70. 2007. p.127.

149
A ANÁLISE ESTRUTURAL

3.04
Urca
Bairro com limites bem
definidos e centro fraco.

150
A ANÁLISE ESTRUTURAL

habitantes da cidade. Essa forte noção de lugar talvez seja


um dos principais fatores que tornam a Urca um território
bem protegido e controlado por sua comunidade local.

3.05
Manifestaçãoes de moradores da Urca
contra a implantação do IED (Instituto
do Design Europeu) no antigo cassino
da Urca.

São Conrado

Será que somente limites bem definidos são o bastante para


garantir a identidade de um bairro?

Assim como a Urca, o bairro de São Conrado, também si-


tuado na zona sul carioca, possui seus limites bem defini-
“Uma região boa não tem grandes dos pela sua condição geográfica, mas nem por isso o local
áreas contínuas de exclusão, e há apresenta o mesmo vigor como um bairro de caráter único e
apenas pequenas desigualdades identificável. Talvez o motivo principal desta situação seja o
de acesso entre os diferentes notório contraste social presente no bairro, nitidamente visí-
grupos.” vel em sua forma física e em sua organização fragmentada.

LYNCH, Kevin. Managing the Sense of a


Region. Massachusetts:
The MIT Press. 1976. p.23.

3.06
Bairro de São Conrado
na década de 1970.

151
A ANÁLISE ESTRUTURAL

A partir da década de 1970, com a abertura da autopista


Lagoa-Barra - principal ligação do bairro com o restante da
cidade - São Conrado sofreu um grande crescimento, im-
pulsionado basicamente por dois importantes vetores. O
primeiro foi conduzido pela especulação imobiliária que en-
controu condições ideais – solo livre e desocupado – para
construção de habitações para classe média alta, sobretudo,
em condomínios fechados.

Já o segundo vetor, conduzido pelas classes mais baixas da


população, viu no morro da Rocinha a possibilidade de mo-
radia junto ao centro da cidade. O morro que começou a ser
ocupado na década de 1920 veio ganhando rapidamente um
imenso volume populacional, sobretudo a partir da década
de 1960, seguindo uma ocupação informal e irregular. Hoje
este morro possui uma das maiores favelas brasileiras em
dimensões territoriais e em número de habitantes.

Estes dois vetores acabaram por dispor uma organização


fragmentada basicamente em duas texturas distintas dentro
do bairro: de um dos lados, a textura da favela, composta
pelo típico tecido irregular com alta densidade construída,
do outro, as lâminas de edifícios espaçados por “áreas li-
vres”, caracterizadas por uma textura pouco densa e rare-
feita. Ambas possuem uma forte e evidente homogeneidade
social, representada por duas comunidades distintas não
só no que se refere à conotação social, mas, sobretudo ao
controle territorial desempenhado em cada textura. Esta si-
tuação, segundo Lynch e Alexander, acaba por potencializar
a segregação física do espaço, neste caso, dilacerando as
relações de vizinhança e de coesão social.

152
A ANÁLISE ESTRUTURAL

3.07
textura Plano Vosion X textura favela
na mesma escala.

153
A ANÁLISE ESTRUTURAL

Deste modo, os limites do bairro de São Conrado, que antes


poderiam contribuir efetivamente para o reforço de sua iden-
tidade, acabam por perder sua força em detrimento da forte
zona de fronteira que segrega e distancia as duas texturas
descritas acima. O cercamento dos condomínios, as gran-
des extensões das quadras mono funcionais e, sobretudo, a
autopista Lagoa-Barra que propicia uma faixa desértica em
suas margens6 impossibilitando qualquer tipo de costura,
são algumas características físicas que corroboram para a
extensa zona de fronteira, determinante para o fracasso do
bairro como um lugar comum.

6
Em “Morte e Vida de Grandes Cidades”, Jacobs descreve os ma- 3.08
Autopista Lagoa-Barra,
lefícios causados pelas zonas de fronteira desérticas e as grandes
São Conrado
quadras nas relações de vizinhança dentro da cidade. p.284.

154
A ANÁLISE ESTRUTURAL

3.09
São Conrado
Bairro com limites definidos
e duas texturas distintas

155
A ANÁLISE ESTRUTURAL

Méier

Um bairro pode ser identificável sem a existência de limites


precisos?

O bairro do Méier, situado na zona norte do Rio de Janeiro,


cresceu a partir de um ponto central. A inauguração de sua
estação de trens no final do século XIX valorizou suas ime-
diações, em um curto espaço de tempo as grandes proprie-
dades, típicas da freguesia rural, foram sendo divididas em
pequenos lotes e sítios de tamanho médio, formando assim
o bairro do Méier. Mais tarde, a partir da década de 1950,
o bairro veio se tornando um importante centro comercial e
de serviços.7

Ao contrário da maioria dos bairros da zona sul da cidade,


o Méier não apresenta limites físicos definidos, no entanto
possui um caráter bastante próprio e particular, garantido
pela força e influência de seu centro: a estação de trens que
leva o nome do bairro.

Ao tratar dos elementos físicos perceptivos na cidade, Lynch


nota que não é incomum o tipo de bairro com um núcleo
forte e cercado por um gradiente temático que vai desapa-
recendo aos poucos8. Este tipo de núcleo funciona como a
síntese de um bairro - um ponto nodal - sobre o qual sua
influência se irradia e do qual é um símbolo.

7 3.10
CARDEMAN, David e CARDEMAN, Rogério G. O Rio de Gradiente temático
Janeiro nas Alturas. Rio de Janeiro: Mauad, 2004. p.102. croqui de Kevin Lynch
8
LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. São Paulo:
Martins Fontes. 2006. p.51.

156
A ANÁLISE ESTRUTURAL

3.11
Méier
Bairro com liimites
indefinidos e centro forte.

157
A ANÁLISE ESTRUTURAL

No Méier, a noção de bairro ainda é enfatizada por sua uni-


dade temática, atribuída á dois fatores determinantes. O
primeiro diz respeito à certa homogeneidade de sua textura
interna, que embora possua uma transição gradual ao ir se
afastando da estação de trens em direção aos bairros vizi-
nhos é constituída de modo requintado, sem segregação de
espaços, nem fragmentações. O segundo fator é atribuído à
força das atividades de comércio e de serviço e também à
razoável homogeneidade social.

É interessante observar que mesmo com a presença da linha


férrea, que representa um forte limite físico e visual, o bairro
não perde o seu caráter. Ao contrário de São Conrado, onde
a autopista é um dos meios físicos responsáveis por inibir
a “noção de bairro”, os extensos e altos muros da linha fér-
rea intensificam a imagem do Méier como um lugar único e
identificável.

3.12
O gradiente temático faz com que os limites físicos deixem Linha férrea no Méier,
forte limite visual.
de ser claros ou simplesmente desapareçam. Deste modo,
as características físicas de um local vão perdendo sua força,
se misturando às características de locais vizinhos, surgindo
assim uma zona de transição gradual, que pode ser caracte-
rizada como uma zona de fronteira. No bairro do Méier, como
seu núcleo é forte, as fronteiras perdem a importância como
elementos de reforço do sentido de lugar.

3.13
Pagina ao lado:
Plano de retificação do curso do
rio Comprido, inicio do século XX.

158
A ANÁLISE ESTRUTURAL

Rio Comprido

Fronteiras graduais podem influenciar na identidade de um


bairro?

O bairro do Rio Comprido não possui um núcleo forte e


tão pouco seus limites físicos existentes – delineados pelo
maciço da Tijuca - atuam como elementos de reforço de
sua identidade, como acontece na Urca. O bairro cresceu
às margens do rio Comprido que descia a vertente do ma-
3.14
Canal do Rio Comprido, início ciço até sua foz no antigo mangal de São Diego. No inicio
do século XX.
do século XX, na gestão do prefeito Paulo de Frontin, seu
curso foi retificado e a Avenida Rio Comprido foi aberta às
suas margens. A avenida, hoje chamada Paulo de Frontin, se
tornou uma das mais elegantes e sofisticadas vias da zona

159
A ANÁLISE ESTRUTURAL

norte da cidade, ladeada de belas chácaras.9

Com a abertura do túnel Rebouças em 1967 e a construção


do Elevado Paulo de Frontin, o bairro perdeu sua vitalidade,
sofrendo uma intensa desvalorização imobiliária e se tor-
nando um local de passagem entre a zona sul e a zona norte
da cidade. As áreas mais próximas ao Elevado aos poucos
foram deixando de ter um caráter residencial e hoje, em sua
grande maioria, são ocupadas por galpões e empresas de
serviço. A presença do Elevado acabou por desqualificar não
só a área abaixo do viaduto, por “irradiação”, as áreas peri-
féricas também perderam qualidade espacial.

A desqualificação da região causada, sobretudo, pelo alto


tráfego, e pela poluição visual e sonora trazida pelo viadu-
to, acaba por dilacerar a tênue estrutura territorial manuse-
ada pela comunidade local. O controle territorial, que antes
transbordava os limites físicos das construções em direção
à rua, se retraiu e diminuiu o seu alcance de atuação. Deste
modo, as ruas perderam o olhar atento e vigilante da comu-
nidade, tão defendido por Jacobs como forma de manuten-
ção e de autogestão do espaço da cidade. A rua ficou cega,
livre de controle, insegura, aberta à degradação, por sua vez,
as construções se fecharam por detrás de muros, vigilância
intensiva e cercamentos.

O bairro do Rio Comprido sofre este efeito duplamente, pois


3.15
além da influência do Elevado, o surgimento e o crescimento Elevado Paulo de Frontin,
Rio Comprido.

9
GERSON, Brasil. Histórias das ruas do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro: Editora Souza. 1954.

160
A ANÁLISE ESTRUTURAL

161
A ANÁLISE ESTRUTURAL

desordenado das favelas ao seu redor – favela do Turano e


os Complexos de Paula Ramos, do Rio Comprido e de São
Carlos - expande seus limites e colabora para a degradação
do bairro. Diferente de São Conrado, onde a Rocinha é limi-
tada pela autopista Lagoa-Barra, as favelas no Rio Comprido
possuem poucos limites físicos.

Como percebido por Sérgio Magalhães, o espraiamento das


favelas sobre a mancha urbana formal de uma região vem 3.16
Favela do Turano 1
rompendo as redes de relações sociais, políticas e econômi-
Complexos de Paula Ramos 2
cas pré-existentes em detrimento de novas redes baseadas Complexos do Rio Comprido 3
Favela Unidos de Santa Teresa 4
na informalidade e na clandestinidade, na maioria das vezes,
Complexos de São Carlos 5
não mais controladas por poderes legítimos.10

Essa inversão de controle, sobretudo do território, contribui


efetivamente para a degradação do espaço físico e social ao
seu redor. No Rio Comprido, assim como em alguns outros
bairros da zona norte, o controle territorial desempenhado
pela “rede informal” expande suas fronteiras e acaba por
alcançar redes similares formando assim uma espécie de
arquipélago que se alastra aos poucos sobre o bairro. Deste
modo, as áreas dentre as ilhas deste arquipélago tornam-se
espaços cada vez mais degradados, podendo inclusive as-
sumir a textura da favela.

Neste contexto, a noção de bairro vem se esvaziando a tal


ponto que o Rio Comprido parece se contrair, apagar aos
poucos na mente dos habitantes da cidade. Seus limites

10
MAGALHÃES, Sérgio. Notas de aula.
PROURB/UFRJ, 2008.

162
A ANÁLISE ESTRUTURAL

3.17
Rio Comprido
Bairro com limites definidos e centro fraco. Manchas de inflência do conjunto de
favelas e do Elevado Paulo de Frontain sobre a textura do bairro. A linha vermelha
representa os limites do bairro indicados pela Prefeitura da Cidade.

163
A ANÁLISE ESTRUTURAL

físicos e sua textura interna perdem sua importância, pois


diante das fortes questões sociais e políticas que envolvem
as forças de controle do território não são capazes de ga-
rantir um sentido de lugar ao bairro, tão pouco conseguem
reforçar sua identidade.

Outro reflexo do enfraquecimento da imagem do bairro pode


ser observado na fronteira com a Tijuca. A indefinição de
limites claros entre os dois bairros e a falta de vitalidade
do Rio Comprido fazem com que sua região mais próxima
à fronteira tenda a ser enunciada como parte constituinte da
Tijuca.

Segundo Flavio Ferreira, em uma área de dúvida, as pessoas


tendem a dizer que moram no bairro de maior prestígio.11 3.18
Lançamento de empreendimento situ-
Como o Rio Comprido sofre certa falta de identidade e a ado no bairro do Rio Comprido (barra
preta no mapa), porém anunciado
Tijuca é percebida como um lugar “mais nobre”, a fronteira
da seguinte forma:
entre ambos acaba por ser reconhecida - e defendida - como
fazendo parte da Tijuca. É interessante observar que alguns
“Morar no seu apartamento na Tijuca é
imóveis em oferta, situados no Rio Comprido, são anuncia- estar bem localizado! Sua privilegiada
localização na região da Tijuca vai
dos como sendo pertencentes ao bairro da Tijuca. lhe proporcionar a melhor infraestru-
tura comercial, acessibilidade e total
segurança”.

11
FERREIRA, Flavio. Notas de aula.
PROURB/UFRJ, 2008.

164
A ANÁLISE ESTRUTURAL

Arpoador

A transição entre os bairros de Ipanema e Copacabana, na


3.19
Vista aérea do Arpoador. zona sul da cidade do Rio de Janeiro, é um interessante
exemplo de fronteira. Embora os dois bairros possuam li-
mites delineados pelo relevo acidentado e pelo recorte lito-
râneo, o encontro entre eles ocorre de maneira suave, sem
limites definidos e tão pouco precisos.

Nesta zona de fronteira indefinida são percebidas caracte-


rísticas físicas de ambos os bairros. Diferente do bairro do
Méier, onde existe um núcleo forte cercado por um gradiente
temático que vai desaparecendo aos poucos, a área recebe

165
A ANÁLISE ESTRUTURAL

a influência simultânea de dois gradientes temáticos que se Aqui é Ipanema ou Copacabana?


misturam e acabam por distinguir uma região, chamada Ar-
A pergunta acima foi feita a um grupo
poador. A própria denominação do local já é um reflexo da diversificado de pessoas, dentre elas,
passantes, residentes e trabalhadores do
percepção de alguma diferenciação em relação a sua vizi- local, todos usuários da área do Arpoa-
nhança. dor. Essa simples pergunta resultou em
algumas respostas interessantes:

“Aqui não é nem lugar nem outro.”


Ao se caminhar na região não é difícil perceber uma certa
porteiro na rua Júlio de Castilhos
falta de clareza em sua forma, fato que contribui para uma
“Estamos bem no meio.”
imagem confusa da área. Acredita-se que os motivos res-
morador da rua Bulhões de Carvalho
ponsáveis por essa condição abrangem questões relacio-
“Essa é uma boa pergunta.
nadas à formação dos bairros e à textura interna da área, Nós estamos na divisa.”
sobretudo no que se refere ao sistema de acessos, como morador da rua Conselheiro Lafaiete

também envolve aspectos ligados à definição de limites e à De modo geral, a grande maioria dos
entrevistados teve dificuldade em definir
nitidez do local.
que bairro estavam. Alguns, inclusive,
demoravam em dar sua resposta. De
vinte entrevistados, somente um morador
A ocupação do bairro de Copacabana teve início no final do
respondeu que estava no Arpoador, o que
século XIX e foi intensificada com a expansão das linhas pode facilmente constatar uma certa falta
de identidade e clareza no local.
de bonde1, sobretudo após a abertura do túnel Velho. Sua
ocupação se deu de forma gradual, estabelecida a partir do
primeiro eixo de circulação do bairro, a atual Avenida Nossa
Senhora de Copacabana, por onde a iniciativa privada - for-
mada pelos grandes proprietários de terra – conduzia o sen-
tido da expansão na região.

Pouco a pouco, os grandes terrenos iam sendo loteados, de


acordo com a demanda pela região. Ainda no final do século
XIX, as quadras do Posto 6, vizinho ao Arpoador, já se en-
contravam demarcadas. Neste momento, a rua Bulhões de

1
GERSON, Brasil. Historias das ruas do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro: Editora Souza. 1954.

166
A ANÁLISE ESTRUTURAL

Carvalho e a rua dos Telégrafos, atual rua Francisco Otavia-


no, eram os limites do bairro. Essa última constituía a prin-
cipal via de ligação entre Copacabana e a vila de Ipanema,
basicamente através dela deu-se iniciou ao seu processo de
ocupação.

3.20
Vila de Ipanema no inicio do século XX.
O bairro de Ipanema começou a tomar forma no início do
É possivel ver a rua dos Telégrafos, atual século XX. Assim como aconteceu em Copacabana, a atua-
rua Francisco Otaviano.
ção conjunta da iniciativa privada e das linhas de bonde foi
fundamental para a sua ocupação. No entanto, diferente de
Copacabana, a maioria de suas terras pertenciam a um único
dono.2

Essa breve abordagem histórica do período inicial de con-


formação dos bairros de Copacabana e de Ipanema é fun-
damental para que se entenda a formação de suas texturas
internas, sobretudo no que se refere ao formato, à dimensão
de suas quadras e ao sistema de acessos.

Ao observar os mapas e plantas cadastrais deste período3,


pode-se notar que o formato das quadras de Copacabana
não é uniforme e sua malha de ruas não é regular, resultado
do loteamento em etapas. Aos poucos, o traçado das qua-
dras do bairro foi sendo desenhado até constituir um todo,
limitado pelos morros e pelo mar. Este traçado persiste até
hoje com poucas alterações.

3.21 2
Pagina ao lado: idem.
Posto 6, Copacabana. 3
Os mapas e plantas cadastrais utilizados neste trabalho foram
Aos poucos os grandes terrenos iam sendo levantados por Maria Lucia Pecly. Em sua dissertação de mestrado,
loteados, de acordo com a demanda imobi- a autora emprega o método investigativo de Aldo Rossi à procura de
liaria na região. compreender a constituição da forma urbana da área do Arpoador.

167
A ANÁLISE ESTRUTURAL

Já em Ipanema, pode-se observar um padrão mais rígido e


uniforme, onde as dimensões das quadras e o traçado de
suas ruas seguem um desenho ortogonal. Diferente de Co-
pacabana, a demarcação das quadras na vila de Ipanema foi
realizada de uma só vez, visando a comercialização dos lotes
que iam sendo ocupados aos poucos. Como quase toda a
região pertencia a um único proprietário, esta operação pôde
ser realizada plenamente, sem comprometer a uniformidade
do traçado que se estendeu por todo o bairro.

Em resumo, pode-se concluir que enquanto o desenho do


traçado de Copacabana possui um padrão menos uniforme,
o traçado de Ipanema segue um padrão mais rígido e regu-
lar. A área do Arpoador, exprimida entre o morro do Canta-
galo e a pedra do Arpoador, tornou-se uma lacuna difícil de
ser preenchida.

A crescente ocupação de Ipanema, ainda no inicio do século


XX, tornou necessário aumentar a conexão de acessos entre
os dois bairros. Deste modo, os dois tipos de traçado foram
costurados, através do prolongamento de parte do traçado
de Copacabana por meio da extensão das ruas Joaquim Na-
buco e Rainha Elizabeth.

O traçado de ligação resultante deste procedimento consti-


tui um dos principais fatores que enfraquece a vitalidade do
local. O Arpoador - sobretudo após a densificação e a verti-
calização dos bairros - transformou-se em um local de pas-
sagem estratégico para o sistema de circulação da cidade.
Suas ruas estreitas passaram a receber o tráfego viário de
importantes eixos de circulação dos bairros de Copacaba-

168
A ANÁLISE ESTRUTURAL

3.22
Mapa de intensidade do fluxo viario na região. na e Ipanema. Naturalmente, a difícil geometria do traçado,
As ruas estreitas passaram a receber o trafego
viário de importantes eixos de circulação
assim como as dimensões se suas caixas de rua, não con-
dos bairros de Copacabana e Ipanema. Nos seguiu comportar o alto tráfego, afunilando o fluxo e ocasio-
horarios de pico algumas vias trocam de mão
no sentido do centro da cidade. nando o congestionamento das vias de acesso à região.

Além de degradar o espaço causando grande poluição visual


Efeito túnel
Ascher emprega este termo para apontar e sonora, o alto fluxo viário que atravessa a área causa uma
os efeitos causados por longos trajetos
espécie de “efeito túnel”4 na região, enfraquecendo o seu
que atravessam territórios para os quais
não possuem qualquer acesso. O autor sentido de lugar e fazendo com que o Arpoador seja perce-
nota que o ‘efeito túnel’ é responsável
bido apenas como um intervalo, uma rápida passagem entre
pelo enfraquecimento - e até pelo desa-
parecimento - de regiões localizadas ao Copacabana e Ipanema.
longo destes trajetos.

4
ASCHER, François. Metápolis: Acerca do futuro da
cidade. Oeiras: Celta Editora. 1998.p.17.

169
A ANÁLISE ESTRUTURAL

1
quadra no Posto 6
comprimento de 90 metros

2
quadra em Ipanema
comprimento de 200 metros

3
quadra no Arpoador
comprimento de 440 metros

4
quadra em Manhattan, NY
comprimento de 270 metros

O traçado de ligação dos bairros também acabou por con-


figurar quadras excessivamente extensas. Em “Morte e Vida
“é a fluência de usos e a con-
de Grandes Cidades”, Jane Jacobs aponta a importância
fluência de trajetos, não a ho-
de quadras curtas como um forte dispositivo para melhoria
mogeneidade arquitetônica, que
da integração e da fluência de usos em uma vizinhança. Ao
fazem as vizinhanças constituírem
avaliar as quadras de Manhattan, a autora faz duras críticas
combinações de usos urbanos,
às suas dimensões, ao afirmar que grandes extensões de
mesmo que essas áreas sejam
quadras intensificam o isolamento da vizinhança de uma re-
predominantemente de trabalho
gião e segregam fisicamente os usuários habituais de uma
ou de moradias.”
determinada rua dos usuários habituais da rua seguinte.5 O
mesmo efeito pode ser verificado nas quadras entre as ruas JACOBS, Jane. Morte e vida nas
Rainha Elizabeth e Francisco Otaviano, corroborado pelo flu- grandes cidades. São Paulo:
Martins Fontes. 2007. p.201.
xo intenso de passagem.

5
JACOBS, Jane. Morte e vida nas grandes cidades.
São Paulo: Martins Fontes. 2007. p.197.

170
A ANÁLISE ESTRUTURAL

Além dos aspectos relacionados ao desenho de ligação dos


traçados de Copacabana e Ipanema, a transição entre suas
texturas internas acaba por dificultar a percepção da área
do Arpoador como um local de caráter próprio e particular,
inibindo assim um sentido de lugar.

Embora o desenho dos traçados de ambos os bairros tenha


algumas distinções, suas texturas são bastante semelhantes.
Essa similaridade faz com que não haja nitidez - e tão pouco
contraste – no “encontro” de suas texturas, fazendo com que
a zona de fronteira seja percebida como um local “embaça-
do”, confuso e carente de identidade. Apesar de Copacabana
e Ipanema não possuírem um núcleo forte e definido, ambos
os bairros apresentam certa homogeneidade temática, po-
rém, ao se misturarem acabam por perder sua força.

3.23 Deste modo, por não apresentar clareza na definição de sua


Texturas internas dos bairros de Copacabana
e de Ipanema. forma e de seus limites, o Arpoador acaba por ser percebido
como uma área muitas vezes confusa, onde seus usuários
têm dificuldade de visualizar um território definido, dimi-
nuindo assim a possibilidade de um maior controle desem-
penhado pela comunidade local. Como já mencionado, a
noção de bairro, segundo Kevin Lynch, pode ser entendida
como uma prática inerente ao conceito de controle, exercido
ao nível local em um território.

É interessante ainda observar que, diferente do que ocorre na


transição entre Copacabana e Ipanema, o encontro da favela
3.24
Limites bem definidos entre a favela do do Pavão-pavãozinho com a área do Arpoador possui limites
Pavão-pavãozinho e os bairros vizinhos.
bem definidos, delineados pela topografia acidentada e pela
nítida diferença de textura. A clareza destes limites define o

171
A ANÁLISE ESTRUTURAL

172
A ANÁLISE ESTRUTURAL

alcance do controle sobre o território, desempenhado tanto


por parte da comunidade da favela quanto por parte das co-
munidades vizinhas.

Embora a favela não possa se expandir fisicamente em dire-


ção ao Arpoador, sua influência pode ser percebida no menor
valor imobiliário das áreas mais próximas a ela e, em alguns
casos, na maior quantidade de cercamento destas áreas. Do
lado oposto, dentro da favela, os imóveis mais valorizados
são justamente os mais próximos aos limites com restante
da cidade, devido principalmente à facilidade de acesso.

Talvez uma das formas de aumentar a vitalidade da área do


Arpoador seja a aplicação de medidas que reforcem sua
identidade. A criação de objetos que representem ‘portões
3.25
Em uma curta faixa de terra existe um forte de entrada’, o uso de elementos visuais e de mobiliário ur-
gradiente no valor imobiliário da região.
bano específico, pequenas demarcações e detalhes, a va-
lorização e interligação dos espaços públicos existentes e
o incentivo de novos usos de pequena escala são alguns
exemplos de dispositivos que podem tornar mais nítida a
noção de um lugar reconhecível e singular.

3.26
Portal do bairro chinês em São Francisco, Esta-
dos Unidos. Autores como Alexander, Jacobs e Lynch propõe a utilização
de preciosos recursos de valorização e de reestruturação in-
3.27 terna de regiões que necessitam de alguma identidade, pois
Pagina ao lado:
A fronteira indefinida e incerta entre os bair-
entendem que um local reconhecível é mais propenso ao
ros de Copacabana e Ipanema. Este trecho é controle interno de sua comunidade.
percebido como um local “embaçado” e carente
de identidade.

173
A ANÁLISE ESTRUTURAL

Aliado a essas medidas, é fundamental rever o sistema de


acessos na região para que ela deixe de funcionar como um
corredor de passagem na cidade, minimizando assim a de-
gradação do espaço e os efeitos nocivos do fluxo intenso de
veículos.

Em síntese do que foi abordado até o momento, acredita-se 3.28


que os estudos feitos acima demonstraram que os limites, Talvez uma das formas de aumentar a vita-
lidade da área do Arpoador seja a aplicação
as texturas e a centralidade desempenham um importante de medidas que reforcem sua identidade.

papel no abairramento da cidade do Rio de Janeiro, no que


se refere, sobretudo, à noção de bairro e ao sentido de lu-
gar.

174
A ANÁLISE ESTRUTURAL

O bairro que você sonhou para o Rio e para sua família já existe: Cidade
Jardim.
3.29
Trecho de texto retirado de propa- Uma grande área de 512.000 m² junto a tudo que a Barra tem de melhor. Um
lugar com muita área verde, segurança, ruas largas e soluções infra-estruturais
ganda feita pelo incorporador do
modernas. O novo bairro do Rio de Janeiro já nasce atento à preservação dos
empreendimento. recursos naturais e focado no bem-estar das pessoas.

No intramuros tenta-se resgatar “o Mais do que um modelo de evolução, Cidade Jardim busca resgatar as boas
viver bem de antigamente” perdido coisas da vida, o viver bem como antigamente, mas com o olhar voltado para
na memória e nos antigos cartões o futuro. O Rio de Janeiro ganha um bairro-jardim.
Você ganha um lugar melhor para viver.
postais da cidade.

2I Sob níveis mais profundos:


Barra da Tijuca

A conformação de Copacabana, assim como de muitos ou-


tros bairros cariocas, aconteceu a partir do loteamento de
grandes terrenos. Na maioria das vezes, estes terrenos per-
tenciam a um único dono que, de acordo com a demanda
imobiliária, demarcava lotes e quadras para sua comercia-
lização.

Assim, à medida que os terrenos iam sendo loteados, o


controle, que antes da ocupação dos bairros era fundamen-
talmente territorial - sem muitos limites físicos definidos -
passava a ser exercido por uma ordem física, determinada
pela configuração do traçado das ruas e pelo formato das

3.30
quadras. Deste modo, a ordem territorial que anteriormente
Página ao lado: possuía o maior nível hierárquico, em termos de controle,
Pórtico de entrada do Cidade Jardim.
passou a ser exercida dentro dos limites físicos de cada qua-
Imagem de maior destaque exibida em um dra e posteriormente, dentro dos limites de cada lote que
panfleto publicitário do empreendimento
Cidade Jardim na Barra da Tijuca. vinha a ser ocupado.

175
A ANÁLISE ESTRUTURAL

Ocupação gleba Copacabana

3.31
Diagrama esquemático de ocupação
de uma gleba em Copacabana.

Com a consolidação do bairro, o controle do território, antes


exercido pelo dono da terra, passa a ser exercido pela comunidade
local, sem a necessidade de cercamento fisico do território.

176
A ANÁLISE ESTRUTURAL

Ocupação condomínio fechado típico na Barra da Tijuca

3.32
Diagrama esquemático de ocupação
de um terreno para condomínio fechado.

Após a finalização do empreendimento, o controle do território,


antes exercido pelo incorporador, passa a ser exercido pela admi-
nistração do condomínio com o cercamento físico do território .

177
A ANÁLISE ESTRUTURAL

Mais tarde, após a consolidação dos bairros – não somente


sob os aspectos físicos, mas, sobretudo, sob os aspectos
perceptivos - o controle territorial expandiu suas fronteiras
e voltou a ser desempenhado em um nível maior, só que
agora sendo exercido não mais pelos grandes proprietários
e sim pela comunidade local. Segundo Lynch e Alexander,
o controle territorial sob um “nível comunitário” representa
um importante componente de reforço da noção de bairro e
de sentido de um local.

Sistemas isolados

No caso de sistemas isolados, nos quais terrenos tornam-se


loteamentos “fechados”, o controle, antes territorial, exer-
cido por um único proprietário, geralmente uma incorpo-
radora, passa a ser exercido sob a ordem física, por meio
de muros e cercamentos. Deste modo, diferente de muitos
bairros onde o controle do território não está condicionado
a aspectos propriamente físicos, o controle territorial destes
loteamentos é mantido por limites físicos bem definidos.

Essa condição pode ser encontrada tanto em condomínios


fechados quanto em outros empreendimentos imobiliários,
como centros comerciais e de serviços. O bairro da Barra da
Tijuca, onde a exploração imobiliária iniciou-se na década de
1970, concentra a maioria destas estruturas. Curiosamente,
dentro destes limites se procura reproduzir a urbanidade tra-
dicional encontrada nos bairros da cidade, num ambiente de
controle e de segurança.

178
A ANÁLISE ESTRUTURAL

No intramuros tenta-se resgatar “o viver bem de antigamente”1


perdido na memória e nos antigos cartões postais da cidade,
mas ainda “encontrado” em algumas cidades européias e
americanas. A arquitetura, assim como o próprio nome des-
tes empreendimentos, são alguns recursos utilizados para
a construção desta nova urbanidade, na tentativa de buscar

3.33 algum sentido de lugar. Nova Ipanema, Novo Leblon, New


Imagem acima:
York City Center, Downtown, Rio 2, Malibu e Cittá América
Esculturas dispostas no interior do condo- são alguns exemplos de nomes dados a condomínios e cen-
minio Peninsula.
tros comerciais situados na Barra de Tijuca.

Em “Variations on a Theme Park”, ao criticar estes tipos de


estruturas presentes nas cidades norte-americanos, simila-
“A Península é o primeiro empreendimento
imobiliário do Rio de Janeiro com identida- res às encontradas na Barra da Tijuca, Michael Sorkin ressal-
de cultural própria. Nenhuma outra iniciativa ta que essa “nova cidade” é o reino da simulação, a cidade
imobiliária residencial possui um acervo
como parque temático, onde a arquitetura ocupa um lugar
cultural tão extenso onde réplicas da arte
clássica convivem em harmonia com obras fundamental como materialização de simulacros2.
modernas.”
Publicidade
Carvalho Hosklen
Para Sorkin, a falta de laços destas estruturas com o ambien-
te natural e cultural da localidade no qual estão inseridos
e a obsessão por segurança, através de meios físicos e de
tecnologias de monitoramento e vigilância, são algumas das
“A Barra da Tijuca hoje é um dos bairros principais características destas novas estruturas.
mais valorizados do Rio de Janeiro. É consi-
derado um bairro moderno, pois possui uma
estética contemporânea, diferentemente da Neste sentido, pode-se dizer que em termos de controle de
mistura arquitetônica do resto da cidade
acessos, de vigilância e de monitoramento ostensivo, a or-
e do pouco que ainda existe da tradição
urbanística européia.”
Publicidade 1

Carvalho Hosklen Trecho do conteúdo de publicidade do


empreendimento Cidade Jarim, Cirella.
2
SORKIN, Michael. Introduction: Variations on the
Theme Park. New York: Hill and Wang. 2000. p. xv.

179
A ANÁLISE ESTRUTURAL

180
A ANÁLISE ESTRUTURAL

3.34
Logomarca da Cidade Jardim e planta
baixa de uma presídio panótico, mode-
lo em Cuba.

ganização dos espaços em muitos condomínios residenciais


se assemelha à estruturas prisionais, aonde para se chegar
“Cidade como parque temático, onde
a uma cela é preciso atravessar inúmeras barreiras físicas,
a arquitetura ocupa um lugar funda-
controladas e monitoradas permanentemente. Outras seme-
mental como materialização de simu-
lhanças podem ser atribuídas à homogeneidade social, ao
lacros.”
enclausuramento espacial e à autonomia da organização ad-
Michael Sorkin ministrativa interna do sistema.

Para além dos circuitos fechados deste modelo, a cidade


torna-se uma espécie de papel de parede sem profundida-
de, um deserto “habitado” pela insegurança. O extramuros
é hostil, sem os “olhos atentos à rua”, defendidos por Jane
Jacobs como um precioso recurso de manutenção da segu-
rança. Como apontado por Clarisse Moreira, este estado de
3.35
Fotomontagem da entrada do antigo presídio da abandono funciona como uma retroalimentação do modelo,
Frei Caneca e da placa de boas vindas no inicio
implicando maiores níveis de fechamento e de exclusão a
da Barra, já retirada. Exposição Penso Cidade,
MoVLe. cada dia.3

3.36
Página ao lado:
3
Vista aérea das áreas de uso comum de con-
MOREIRA, Clarissa. A cidade Contemporânea entre a Tabula Rasa e a
dominios na Barra da Tijuca e no Recreio dos
Preservação: Cenários para o porto do Rio. Dissertação de Mestrado.
Bandeirantes.
Rio de Janeiro: UFRJ/PROURB. 2002. p.50.

181
A ANÁLISE ESTRUTURAL

Alguns novos condomínios na Barra da Tijuca são verdadei-


ros aprimoramentos deste modelo, no que se refere prin-
cipalmente ao controle territorial de acessos. Dentro desta
nova geração de “bairros condomínios”4, o Península é um
bom exemplo. Em seu interior, este condomínio inclui um A
portaria do condomnío
conjunto de outros condomínios, tornando seus espaços in- B
portaria do edifício
ternos mais profundos e controlados, através do acréscimo
C
de mais uma fronteira a ser atravessada em direção ao seu porta do apartamento

interior.

A nova fronteira fornece certa unidade ao imenso território


ocupado pelo empreendimento, ao contrário dos condomí-
nios tradicionais, “soltos” no meio da cidade, os condo-
mínios internos do Península ficam abrigados em mais um
cordão de isolamento.

Ao se empregar o diagrama de profundidade territorial no


sistema de espaços do Península, observa-se que para se A
portaria do “bairro”
chegar ao espaço mais profundo - um apartamento - é pre- B
portaria do condomnío
ciso atravessar quatro níveis de profundidade territorial: por- C
portaria do edifício
taria do Península, portaria do condomínio interno, portaria D
porta do apartamento
do edifício e a porta do apartamento. Por sua vez, em um
“condomínio tradicional” são necessários três níveis de pro-
fundidade.

De acordo com o método do Space Syntax, quanto mais pro-


3.37
fundo é um espaço, menor é o seu grau de integração com 1. Diagrama de profundidade territorial de
condomnío tradicional.
os outros espaços e com a raiz de um sistema. Segundo Bill
[3 níveis de profundidade]

2. Diagrama de profundidade territorial dos


4
novos modelos de condomnío na Barra.
Denominação dada pela empresa Carvalho Hosklen,
[4 níveis de profundidade]
grande incorporadora da região.

182
A ANÁLISE ESTRUTURAL

Hillier, a profundidade espacial - estabelecida pela varie-


dade de distâncias de conectividade - tanto pode denotar
situações sociais, quanto pode ser, muitas vezes, a geradora
destas situações.

No caso em estudo, nota-se um baixíssimo grau de integra-


ção dos apartamentos com a rua/cidade. Conforme já ob-
servado, para se chegar a uma unidade, uma pessoa precisa
atravessar quatro fronteiras físicas, vigiadas por um intenso
sistema de monitoramento. Essa condição espacial não só
distancia fisicamente as pessoas da cidade - esvaziando-a
3.38
Cercamento de um condomínio interno e de urbanidade - como acaba por intensificar a segregação e
“trilha ecológica” em torno do Peninsula.
a exclusão social já tão latente em nossa cidade.

A borda da península
“O Península é um dos lugares mais bem
guardados e seguros do Rio e do Brasil. Sua
área perimetral é protegida por sistema de Outro diferencial do Península em relação aos condomínios
infravermelho, que impede o acesso não mais antigos pode ser observado em sua borda com a cida-
identificado pela lagoa. É guarnecida por
de. Embora sua área seja maior do que a maioria dos con-
duas entradas e saídas dotadas de guari-
tas com agentes, catracas para pedestres, domínios existentes na Barra, a extensão de muros e cercas
cancelas para controle de acesso veículos e em seu limite externo é muitas vezes inferior. Ao se dividir o
cadastro de visitantes e prestadores de ser-
valor da metragem linear de cercamento externo pelo valor
viços. Possui também seguranças motoriza-
dos e câmeras em constante monitoramento da área ocupada pelo condomínio, é possível perceber que
das vias, áreas de parques, jardins e trilha.
ele possui 100 vezes menos muros e cercas do que con-
Além disso, cada condomínio da Península
possui seu sistema de monitoramento de domínios como Nova Ipanema, Golden Green e Riviera Del
CFTV, controle de acesso de veículos, de Fiori, também situados no mesmo bairro.
visitantes e prestadores de serviços, sendo
o acesso permitido apenas com autorização
expressa do morador”. Esta característica se deve basicamente à sua localização.
Situado em uma península na Lagoa da Tijuca, o condomínio
Publicidade
faz uso da faixa costeira como fronteira perimetral do empre-
Imóvel SA

183
A ANÁLISE ESTRUTURAL

184
A ANÁLISE ESTRUTURAL

Barreira de infravermelho ativo: endimento, sem o emprego usual de barreiras físicas. Com
Assim como as cercas elétricas con-
isso, ao invés de muros altos, a vegetação nativa - recom-
vencionais, são utilizadas como prote-
ção perimetral em muros e divisas. O posta pelo paisagismo - funciona como limite perimetral do
alarme é gerado quando os feixes infra- empreendimento. No entanto, essa faixa é protegida por um
vermelhos entre os elementos recepto-
sistema de infravermelho, que controla o acesso pela lagoa.
res e emissores são interrompidos pelo
calor ou massa corporal de alguém que Os muros e cercas são utilizados no contato por terra com
tente invadir a área protegida. o resto da cidade e em volta de todos os condomínios in-

Telemaxtecnologia ternos.
de segurança

Assim, toda a borda costeira do condomínio é utilizada como


uma extensa área verde destinada ao lazer e à contemplação
da natureza, constituindo um forte atrativo para o local. Este
atrativo é anunciado pelos incorporadores como um impor-
tante diferencial em relação aos condomínios vizinhos ao
Península.

3I De um continuum natural para


um continuum recortado

Em a “Imagem da cidade”, Kevin Lynch fala da importân-


cia das fronteiras como elementos de costura urbana5. As
fronteiras contínuas e visíveis como limites fortes podem
3.39 funcionar como uma costura ao longo da qual duas áreas se
Página ao lado:
unem de modo claro e inequívoco. Como já discutido, estes
A = área de ocupação total do condomínio
P = perímetro do condomínio elementos são capazes de reforçar a identidade de um local
C = relação entre a metragem de muros
e área total ocupada em relação aos seus vizinhos, tornando mais nítida e clara
essa percepção.
valores aproximados.
imagnes na mesma escala.
5
LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. São Paulo:
Martins Fontes. 2006. p.71.

185
A ANÁLISE ESTRUTURAL

1.

2.

3.

4.

186
A ANÁLISE ESTRUTURAL

Segundo Lynch, a textura interna de uma região é composta


por três características fundamentais: a densidade, a malha
e o sistema de acessos6. Se tratando da textura da Barra
da Tijuca, pode-se dizer que ela é pouco densa, resultante
do Pensamento Moderno difundido e aplicado até os dias
de hoje em seu território. Sua malha é “grosseira e nítida”,
marcada por uma mistura homogênia de elementos e grupos
de elementos com transições abruptas entre eles. Já seu
sistema de acessos é fragmentado em sistemas isolados,
formados por estruturas fechadas e controladas.

Essas características são reforçadas principalmente pe-


los limites e fronteiras encontrados no bairro. Diferente da
maioria dos bairros da zona sul, os quais apresentam uma
textura mais tradicional, a Barra da Tijuca foi ocupada se-
gundo o Pensamento Moderno. Segundo Lúcio Costa, autor
do plano-piloto para o bairro, o modelo urbano escolhido
para a Barra contrapõe-se a dois anti-modelos: Copacabana,
caracterizada pela densidade excessiva, e os bairros da zona
norte, espraiados e difusos no tecido urbano7.

O modelo urbano planejado para o bairro é baseado na sepa-


ração de funções, dispondo-se basicamente em duas faixas,
Pagina ao lado:
a primeira residencial distribuída em núcleos isolados, e a
1
textura típica de muitos bairros da cidade. segunda é constituída por um segmento contínuo de comér-

2 cio e de serviços. As construções são espaçadas por áreas


textura proposta pelo plano piloto para a
Barra da Tijuca. 6
LYNCH, Kevin. A Boa Forma da Cidade.
3
textura concomínio fechado tradicional. Lisboa: Edições 70. 2007.p.249.
7
4 COSTA, Lúcio. Plano-Piloto para urbanização da baixada compreendi-
textura nova geração de condomínios
“dentro” de condomínios. da entre a Barra da Tijuca, o Pontal de Sernambetiba e Jacarepagua.
Rio de Janeiro: Estado da Guanabara. 1969. p.5.

187
A ANÁLISE ESTRUTURAL

livres com poucas barreiras físicas ao movimento. Nota-se


que, geralmente, a falta de muros e cercas é uma caracte-
rística própria de áreas planejadas para classes sociais mais
homogênias.

No que se refere aos limites gerados pelas construções no


encontro com o solo, pode-se dizer que o plano seguia a
Lógica Moderna, similar aos planos de Ville Radieuse ou de
Zeilenbau City. Ao tratar deste assunto, Colin Rowe ressal-
ta a preocupação dos edifícios Modernos em “não existir”,
como “intrusões delicadas e tímidas no continuum natural,
construções levantadas acima do solo, exercendo o menor
contato possível com a terra”8.

Distante da invisibilidade do edifício moderno, ressaltada


por Rowe, a necessidade de demarcação e controle do espa-
ço fez com que muitos edifícios residenciais utilizassem os
pavimentos inferiores como áreas de uso coletivo, acima do
nível do solo e delimitados por parapeitos.

De certa forma, a ocupação da Barra da Tijuca impulsionada


pela expansão sistemática da cidade para o sul, seguiu as
diretrizes do plano-piloto. No entanto, o território do bairro
3.40
pensado como um continuum natural - formado pelo sis-
Página ao lado:
tema de áreas livres - foi retalhado em inúmeros pedaços Diagramas de trechos do tecido
da Barra da Tijuca.
distribuídos em sistemas isolados, dando forma à textura
contemporânea. Descontinuidade e duplicidade de
ruas internas ao bairro.

imagens na mesma escala.

8
ROWE, Colin e KOETTER, Fred. Ciudad Collage.
Barcelona: Gustavo Gilli. 1998.p.50.

188
A ANÁLISE ESTRUTURAL

189
A ANÁLISE ESTRUTURAL

O espaço contínuo - antes planejado - , agora é intercalado 3.41


Página ao lado:
por muros e cercamentos ao redor de estruturas autônomas
Trajeto contínuo - e controlado - de quase
e homogêneas. Logo, o controle do território que antes se 1 km de extensão de ligação de três siste-
mas fechados - Centro Empresarial Barra
propunha a ser essencialmente territorial, sem muitas de- Shopping, Barra Shopping e New York City
marcações físicas, é basicamente exercido por meio da or- Center - e a mesma extensão do trajeto
na mesma escala sobreposta a avenida
dem física. Muros, cercas e grades acrescidos de todo tipo Champs-Élysées em Paris e a 5th avenida
em Nova Yorque.
de dispositivos de segurança são utilizados para a restrição
de acessos ao interior de condomínios residenciais, shop- Sistemas fechados e controlados, dis-
tantes do “perigo da rua”, podem tomar
pings e hipermercados.
forma por meio de ligação contínua.

Ao analisar o traçado viário dos condomínios fechados em


relação à cidade envolvente, Cristovão Duarte ressalta que
estes empreendimentos se apresentam como ruas-sem-
saída. Segundo o autor, os muros, ao definirem apenas uma
entrada e uma saída principal, impedem qualquer possibili-
dade de que as ruas internas - não obstante o fato de serem
na realidade logradouros públicos - sejam utilizadas como
ruas de passagem pelos demais usuários da cidade. Confor-
me notado por Duarte, o “bairro isolado e amuralhado” está
sempre no fim da linha de um percurso realizado, não per-
mitindo atravessá-lo com o objetivo de chegar a uma outra
parte qualquer9.

Um continuum Intramuros

Grosso modo, o bairro da Barra da Tijuca pode ser repre-


sentado como um conjunto de sistemas fechados, ligados
aos eixos de circulação rodoviária. Esses sistemas possuem

9
DUARTE, Cristóvão Fernandes. Circulação e cidade: do movimento
da forma a forma do movimento. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro:
IPPUR/UFRJ. 2002.p.113.

190
A ANÁLISE ESTRUTURAL

pouquíssimas interligações. Por exemplo, para visitar um


amigo ou fazer compras, um morador necessita sair do seu
condomínio e entrar em um shopping ou em outro condomí-
nio. Em outras palavras, ele sai de um sistema controlado,
passa por um intervalo e entra em outro sistema controla-
do.

O filme Mad Max, de George Miller, se passa em uma re-


gião totalmente desértica, onde o percurso de uma colônia
à outra é feito em veículos transformados, preparados para
se proteger dos perigos do deserto hostil, dominado por
gangues violentas. As colônias são fortificadas com muros
altos e quase impenetráveis, seus portões só se abrem para
a saída ou para a entrada rápida destes veículos.

Como no deserto de Mad Max, alguns percursos na cidade,


feitos entre sistemas fechados são cada vez mais protegidos
por dispositivos de segurança contra os “perigos da rua”. A
carroceria dos veículos que antes serviam apenas para abri-
gar o condutor e seus passageiros, passa a exercer mais
uma função, tornando-se um importante recurso de controle
de acesso e de visão. O veículo passa a ser uma espécie de
território fechado. Desta forma, todo o território ao longo
do trajeto de um sistema ao outro acaba por se transformar
em um continuum intramuros, controlado por limites físicos
durante todo o percurso.

191
A ANÁLISE ESTRUTURAL

3.42
Favela da Catacumba, 1928
Augusto Malta

4I Das palafitas ao Voisin

Desde as primeiras décadas do século XX era crescente o


processo de ocupação dos bairros da costa oceânica ca-
rioca, impulsionado pela expansão imobiliária para o sul da
cidade. No entanto, as áreas ao redor da Lagoa só vieram a
ser ocupadas de modo mais intenso e permanente a partir da
década 60, até então, alguns trechos destas áreas - sobras
de terrenos nas margens e nas encostas próximas à Lagoa -
eram ocupados por favelas. Dentre as maiores, destacavam-
se a favela do Capinzal, do Jockey Club, da Catacumba e o
complexo da Cidade Maravilhosa1.

Ainda na década de 60, todas essas favelas foram sistema-


ticamente erradicadas e seus moradores removidos para
parques proletários e conjuntos habitacionais em outros
locais da cidade. Porém, curiosamente, o número atual de
moradores na região é quase o mesmo da época anterior

1
PINHEIRO, Eliane Canedo de Freitas, PINHEIRO, Augusto Ivan de
Freitas (org.) et al.. Lagoa. Rio de Janeiro: Andrea Jakobsson Estudio.
2009. p.174.

192
A ANÁLISE ESTRUTURAL

às remoções. O censo de 1950 mostrava que nas favelas


do entorno da Lagoa habitavam 21.817 pessoas, enquanto
que cinqüenta anos mais tarde, após a urbanização completa
do bairro, o número de moradores passou a ser de 18.221,
segundo o censo de 20002.

Portanto, a partir destas informações, pode-se chegar a uma


interessante conclusão: diferente da grande maioria dos
bairros cariocas, o processo de urbanização da Lagoa não
foi acompanhado de um crescimento demográfico, mas sim
de uma troca de classes sociais.

O trecho da Lagoa nas imediações da antiga Favela da Ca-

3.43 tacumba deu lugar a parques, autopistas e habitações para


Os últimos aterramentos realizados no
classe média alta que veio ocupar o bairro. O modelo urba-
trecho em estudo. Mais acima, o trecho na
década de 60 ainda com Favela da Cata- nístico adotado para a nova ocupação dessa área seguiu os
cumba e maias abaixo, sua textura atual.
preceitos do Pensamento Moderno e se alinhou com o in-
tenso processo de “rodoviarização” na cidade. Logo, pode-
se dizer que, além de uma troca de classes sociais, houve
também uma troca de textura interna.

O “cheio”, característico da densa textura da favela com seu


traçado irregular, deu lugar ao “vazio” da textura moderna,
marcado pela baixa densidade e pela separação de usos,
conferindo à área sua imagem atual: um autênticos “pedaço”
de Cidade Moderna “colado” no interior da zona sul cario-
ca.

2
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IBGE - Censo Demográfico de 1950 e de 2000.

193
A ANÁLISE ESTRUTURAL

Ao se caminhar na região, vindo do interior das quadras de


3.44
Ipanema ou de Copacabana em direção ao Parque da Ca- Abaixo:
Calçada tipica na borda da quadras
tacumba é possível perceber interessantes mudanças no
de Ipanema para a Lagoa.
ambiente urbano ao longo deste percurso, decorrentes da
Os extensos jardins à frente dos edifícios “es-
transição entre texturas.
premem” os pedestres em estreitas passagens.

O “espaço da rua” antes acolhido no interstício das quadras


se “esvaece” até as margens da Lagoa. A rua tradicional se
desintegra e dá lugar às avenidas sem calçadas, desabriga-
das da sombra das construções. Mesmo quando as calçadas
ainda existem, os extensos jardins à frente dos edifícios “es-
premem” os pedestres em estreitas passagens.

Ao tratar da dialética entre a matéria e o espaço nas texturas


da cidade, Colin Rowe aponta que “a nova e racional forma
da moradia moderna” e os novos ditames da atividade vei-
jardim
cular são as principais razões para o desaparecimento da
rua3.

As atividades de comércio e de serviços entrelaçadas à ha-


bitação desaparecem ao se chegar à Lagoa. O uso definido
para o bairro é estritamente residencial. Ao se chegar mais
próximo ao Parque da Catacumba, vê-se que as janelas e
portas das moradias se distanciam do rés-do-chão e sobem
para cima dos pavimentos de garagem, diminuindo o conta-
to dos moradores com a cidade.

O uso único em grandes extensões e a inexistência de “olhos

3
ROWE, Colin e KOETTER, Fred. Ciudad Collage.
Barcelona: Gustavo Gilli. 1998.p.56.

194
A ANÁLISE ESTRUTURAL

3.45
A Lagoa e a textura do Plano Vosion
na mesma escala.

195
A ANÁLISE ESTRUTURAL

atentos à rua” são duas condições bastante criticadas por


Jane Jacobs. Segundo a autora, essas condições, encontra-
das no modelo o qual ela chama de “Cidade-Beautiful-Ra-
dieuse” acabam por tornar as ruas pouco utilizadas e inse-
guras. Em alguns casos, como ela aponta, estas condições
podem gerar faixas de fronteira desérticas4.

Por fim, durante esta curta caminhada para a Lagoa pode-se


notar que o “sólido” presente na textura de muitos bairros da
zona sul carioca dá lugar ao contínuo “vazio” dos gramados
e das áreas livres, característico da textura moderna.

3.46
Mapa das distâncias entre uma moradia
nas proximidades do Corte do Cantagalo
e as padarias mais próximas à ela.

Morar na Lagoa é saudável!

4 Se uma pessoa, moradora em um edifício próxi-


JACOBS, Jane. Morte e vida nas grandes cidades. mo ao Corte do Cantagalo, decidir comprar dois
São Paulo: Martins Fontes. 2007.p. 285. pães franceses caminhando até a padaria mais
próxima de seu bairro irá percorrer 4,4 Km para
ir e voltar.

Visto que um homem adulto consome em média


350 calorias por hora de caminhada, ao percor-
rer 4,4 Km, essa pessoa terá consumido 303
kcal em todo o percurso. Como um pão francês
têm em média 135Kcal, ela poderá comer 2
pães franceses e ainda terá perdido 96 Kcal.

Fonte dados calóricos: http://pt.wikipedia.org

196
A ANÁLISE ESTRUTURAL

3.47
Edifícios na Avenida Epitácio
Pessoa na Lagoa e ilustração de uma
cidade contemporânea feita por Le Grades na Lagoa
Corbusier.

É curioso notar que o cercamento das construções situadas


nas bordas das quadras de Ipanema voltadas para a Lagoa é
bem mais freqüente do que os cercamentos ocorridos nas
bordas voltadas para o interior do bairro. Algumas bordas
estão totalmente gradeadas e formam um limite físico contí-
nuo de esquina a esquina. Acredita-se que os motivos desta
situação estejam mais relacionados à forma urbana do que a
questões de conotação social.

Ao tratar do controle do espaço, N. J. Habraken argumenta


que as fronteiras territoriais podem se expandir para além
dos limites físicos de uma construção. Essas fronteiras não
são propriamente barreiras físicas, usualmente são consti-
tuídas pela simples disposição de objetos, ou demarcações
3.48
mais sutis. Porém, ao sinal de perigo, as fronteiras se retra-
Cercamentos contínuos na Lagoa.
em até coincidirem com os limites físicos da construção,
que por sua vez fecha seus acessos ao espaço interno1.

1
HABRAKEN, N.J.. Structure of Ordinary.
Massachusetts: The MIT Press. 1998.p.129.

197
A ANÁLISE ESTRUTURAL

Nesta mesma perspectiva, Kevin Lynch associa a noção de


território como uma prática inerente ao conceito de controle.
Neste sentido, um espaço controlado é percebido como um
território privado. Mesmo o espaço de propriedade pública
pode ser percebidos pelas pessoas como um espaço priva-
do2.

Uma das formas de garantia da vitalidade de um espaço,


seja ele um trecho de calçada ou um bairro inteiro, é a noção
pela qual uma pessoa - ou uma comunidade - entende que
exerce algum controle sobre ele. Jane Jacobs usa o termo
“proprietários naturais das ruas” para justamente apontar
essa importante condição3.

De modo geral, o ambiente da rua conformado nos inters-


tícios das quadras internas de Ipanema ainda é percebido
como um espaço controlado e relativamente seguro. Muitas
vezes, essa percepção é revelada na maneira como os li-
mites entre as construções e a calçada estão configurados.
Ao invés de constituírem barreiras físicas de acesso restrito

2
LYNCH, Kevin. A Boa Forma da Cidade. Lisboa:
Edições 70. 2007.p.235.
3
JACOBS, Jane. Morte e vida nas grandes cidades.
São Paulo: Martins Fontes. 2007.p.35.

198
A ANÁLISE ESTRUTURAL

ao espaço interno de cada edificação, os limites funcionam


como fronteiras territoriais que, dependendo do uso, podem
avançar sobre a calçada ou invadir o interior dos espaços
internos das construções.

Nas bordas das quadras voltadas para a Lagoa, o espaço


da rua deixa de ser conformado pelas quadras e se estende
até as margens da Lagoa. Deste modo, o ambiente da rua,
antes estreito e limitado fisicamente pelas fachadas “frente
3.49 a frente” das construções, se esvaece em um extenso vazio
De cima para baixo:
atravessado por avenidas.
1
O ambiente da rua, estreito e limitado
fisicamente pelas fachadas das cons-
Talvez a perda do formato do ambiente da rua associada à
truções, facilitando e fortalecendo a inexistência de outras atividades, além da moradia, sejam as
noção de controle territorial.
2 principais causas do maior cercamento destas quadras. Se-
O espaço da rua deixa de ser confor-
gundo Lynch, limites físicos podem tornar um espaço mais
mado pelas quadras e se estende até
as margens da Lagoa, enfraquecendo protegido e controlado pelas pessoas que o habitam. O autor
a noção de controle territorial exercido
não se refere apenas às restrições de acesso, mas, sobretudo
pela comunidade local.
à definição precisa de um território, percebida por todos.

No caso, como o espaço da rua não é mais “comprimido”


por limites físicos, o território a frente das moradias ganha
grandes extensões, tornando as calçadas pouco controladas
pelos moradores locais. As calçadas, muitas vezes, passam
a ser percebidas como um território “sem dono”. Junto a
isso, como notado por Jane Jacobs, o uso único em grandes
extensões acaba por tornar as calçadas pouco freqüentadas
e inseguras.

Sendo assim, ao perceberem esta situação, os moradores


dos edifícios limítrofes a estas calçadas, “retraem” o con-

199
A ANÁLISE ESTRUTURAL

3.50
Edifício na Avenida Epitácio
Pessoa na Lagoa e o Castelo
de Sant’ Angelo, Roma.

trole até o limite de suas propriedades, por meio de bar-


reiras físicas de restrição de acesso. É interessante notar
que embora o controle fique restrito aos limites físicos das
propriedades, a calçada passa a ser monitorada por sistemas
de vigilância e monitoramento. À noite, ao se caminhar ao
longo dos gradis, pequenos holofotes com sensores vão se
acendendo à medida que se anda nas calçadas.

O emprego de barreiras físicas e de vigilância se amplifica a


se chegar à calçada dos edifícios próximos ao Parque da Ca-
tacumba. Como já mencionado, essas construções elevam
as unidades de habitação para cima dos pavimentos “cegos”
de garagem, deixando a calçada ainda menos controlada pe-
los moradores.

As bordas da Lagoa

É interessante observar ainda como a textura moderna “co-


lada” na Lagoa se relaciona com os limites topográficos da
região. Quase todo o território ocupado pelo bairro surgiu
de sucessivos aterros, compreendidos entre os morros e o
espelho d’agua. A estratégia moderna de implantação dos
edifícios sobre este território buscou situar as construções

200
A ANÁLISE ESTRUTURAL

rente aos morros, liberando o restante como áreas livres.

É difícil pensar na zona sul do Rio de Janeiro sem imaginar a


Lagoa Rodrigo de Freitas. O espelho d’agua e o vazio ao seu
redor expõem a cidade e constitui um forte limite visual na
paisagem urbana, presente na imagem da zona sul carioca.
Talvez, se as construções fossem mais baixas, irregulares
ou mais próximas à margem da Lagoa, este efeito visual não
acontecesse.

No trecho das imediações do Parque da Catacumba, a faixa


marginal ao espelho d’agua é ocupada por áreas destinadas
ao lazer e ao esporte ao ar livre, fundamentais para a vida da
3.51
Textura Moderna na Lagoa com edifi- cidade. O espaço entre essa faixa e os edifícios - cortado por
cios espaçados e rentes aos morros
autopistas e extensos gramados - acaba por separar fisica-
A borda da Lagoa constitui um forte mente o uso de moradia das atividades de lazer.
limite visual na paisagem urbana, pre-
sente na imagem da zona sul carioca.

A separação de usos em duas áreas isoladas por este lar-


go interstício faz com que suas bordas tornem-se zonas de
fronteira desérticas. Do lado das moradias, como já discu-
tido acima, as calçadas possuem um raro fluxo de pessoas,
tornando-se espaços vazios e sistematicamente vigiados.
Por sua vez, nas áreas destinadas ao lazer, o fluxo ocorre
basicamente junto ao limite com a Lagoa, deixando vazio o
espaço restante mais próximo à avenida.

Portanto, embora a textura moderna possua um importante


papel na imagem do bairro da Lagoa, a separação típica de
funções acaba por não contribuir para a vitalidade do bairro,
no que se refere aos limites, à distribuição de usos e ao
controle do território.

201
A ANÁLISE ESTRUTURAL

202
A ANÁLISE ESTRUTURAL

Um caminho interessante para o fortalecimento da vitalidade


do bairro talvez seja “fundir” alguns elementos caracterís-
ticos da textura tradicional com a matriz moderna, criando
novas relações de uso e de controle do espaço que se sus-
tentem mutuamente. Este caminho, indicado por Colin Rowe
em “Collage City”, propõe a coexistência da ordem dos sóli-
dos e dos vazios, sem prevalescências e emparelhamentos.

3.52
Alguns exemplos de borda “terra-mar” dife-
rentes das encontradas na textura da Lagoa.
O limite fisico das construções com a borda
d’agua delimitam um territorio mais contro-
lado e sucetível à multiplos usos.

Em sentido horário:
Favela da Portuguesa na Ilha do Governador,
Rua Francisco Behring no Arpoador, Rua
João Luiz Alves na Urca e Red Light District
em Amsterdan, Holanda.

203
A ANÁLISE ESTRUTURAL

3.53
Trilha aberta no gramado nas
proximidades do Corte do
Cantagalo, Lagoa.

Lagoa e Urca: futuros diferentes

Existe certa similaridade entre o trecho em estudo do bairro


da Lagoa e o bairro da Urca, no que diz respeito ao surgi-
mento de seus territórios, aos seus limites com a topografia
acidentada e à homogeneidade interna, tanto social quanto
morfológica.

No entanto, os dois bairros surgiram em épocas distintas.


Cada época tinha o “seu futuro”. Na Urca o futuro era a con-
tinuação do presente, ordenado em um traçado regular pre-
enchido por pequenas construções, já o “futuro” da Lagoa
até hoje não foi alcançado. As trilhas abertas nos gramados
e os cercamentos contínuos são provas concretas de que,
mesmo tendo se passado mais de cinqüenta anos, este futu-
ro ainda não chegou.

Flavio Ferreira nos mostra que para o Movimento Moderno o


futuro é um ponto fixo na linha do tempo, perfeitamente de-
finido e controlado do presente. “Um ponto a esperar que lá
cheguemos”. Porém, segundo o autor, para as teorias atuais

204
A ANÁLISE ESTRUTURAL

o futuro é móvel e muda com o presente4. O plano para a


Lagoa, pensado para um futuro “fixo” distante e perfeito, se
rompeu em fragmentos isolados de difícil solução.

Como seria a Urca, caso fosse erguida nos anos 60?


E a Lagoa? Como seria se fosse ocupada no início do século
passado?

4
FERREIRA, Flavio. In MACHADO, Denise Barcellos Pinheiro (org.) et
al. Sobre Urbanismo. Rio de Janeiro: Viana & Mosley:
Ed. PROURB. 2006.

205
A ANÁLISE ESTRUTURAL

3.54
Imagem de Nossa Senhora Auxiliadora,
praça homônima, Leblon.

É interessante observar que em um espaço


pouco controlado, percebido muitas vezes
como “terra de ninguém”, os limites
físicos aparecem com maior constância.

5I Terra de Ninguém

Como já discutido, os limites físicos, sejam muros, pare-


des ou gradis, podem desempenhar um importante papel
no controle de um espaço. Em certos casos, seu empre-
go torna-se um recurso fundamental para a manutenção e o
uso de um território, seja através da restrição de acesso, ou
como um meio físico de proteção contra agentes externos,
como o barulho e a poluição.

Por outro lado, para além destes limites, o ambiente pode se


tornar um local vazio e pouco controlado, percebido muitas
vezes como um território “sem dono”, suscetível à degrada-
ção material e à insegurança. De modo geral, segundo Jane
Jacobs, a vizinhança imediata de grandes equipamentos ur-
banos - como campi de universidades, estádios, shopping
centers e até grandes parques - tende a se comportar como
uma zona de fronteira deserta dentro da cidade1.

1
JACOBS, Jane. Morte e vida nas grandes cidades.
São Paulo: Martins Fontes. 2007.p.286.

206
A ANÁLISE ESTRUTURAL

Essa situação pode ser observada nas imediações do con-


junto de quadras situadas na região interiorana do bairro do
Leblon, próximo à Lagoa. Este trecho do bairro é ocupado por
grandes equipamentos urbanos. Em conjunto, estes equipa-
mentos formam um contínuo de muros e cercamentos que
se estendem pela região.

3.55
Ao lado:
A planta do loteamento do bairro do Leblon,
aprovada pela Prefeitura do Distrito Federal em
1919 mostra o traçado original das ruas ainda
sem os aterros.

A partir do inicio do século XX, as áreas aterradas à margem


da Lagoa e junto à sua ligação com o oceano foram sendo
ocupadas por associações e clubes esportivos, dentre eles,
o Jóquei Clube do Rio de Janeiro e o Clube de Regatas do
Flamengo. Mais tarde, já em meados do século, foram ergui-
dos grandes conjuntos de edifícios de uso exclusivamente
residencial que vieram a ocupar os terrenos remanescentes
destes aterros, como o conjunto da Cruzada de São Sebas-
tião, dos Jornalistas e da Selva de Pedra. Este último tomou
o lugar da favela da Praia do Pinto, incendiada em 19692.

3.56
Abaixo: 2
Foto aérea do Leblon, 1938. PINHEIRO, Eliane Canedo de Freitas, PINHEIRO,
Foto do Conjunto dos Jornalistas em cons- Augusto Ivan de Freitas (org.) et al.. Lagoa. Rio de
trução, 1952. Janeiro: Andrea Jakobsson Estudio. 2009. p.166.

207
A ANÁLISE ESTRUTURAL

O processo de constituição física desta região não se deu a


partir da continuidade ao traçado existente, nem tão pouco
seguiu a tipologia das quadras do bairro. O modelo urbanís-
tico escolhido para o local se caracteriza por conter grandes
quadras de uso exclusivo com edifícios isolados e soltos
das divisas. Nos dias de hoje, a grande maioria destas qua-
dras possuem restrição de acesso e muitas são cercadas
por toda a volta, como as associações e clubes esportivos
rodeados por muros altos.

1
Jóquei Clube do Rio de Janeiro
Os interstícios entre os grandes territórios fechados tornam-
2
se ambientes pouco controlados. Muitas vezes, do lado de 23° Batalhão da Policia Militar
3
fora dos muros cegos e dos cercamentos contínuos, o am-
Clube de Regatas do Flamengo
biente da rua torna-se um local árido e pouco freqüentado, 4
Selva de Pedra
utilizado apenas como um local de passagem, abandonado 5
de identidade e esvaziado do sentido de lugar. Clube Monte Líbano + Paissandu Atlético Clube
+ Associação Atlética Banco do Brasil
6
Cruzada de São Sebastião + Shopping Leblon
Nas áreas de maior fluxo viário, o emparelhamento de muros
lado a lado ao longo das vias forma um corredor, percorrido
pelo fluxo “impessoal” dos automóveis. Nota-se que este
trecho do bairro é cortado por um importante eixo de cir-
culação para a cidade, no qual é feita a ligação viária entre
a Barra da Tijuca e a Lagoa, em direção ao Centro e à zona
norte.

Em algumas áreas, o intenso tráfego viário conciliado ao


estado de abandono das calçadas acaba por exigir maior
proteção contra a poluição e a degradação física e visual,
implicando em maiores níveis de fechamento e de exclusão.
Este processo, como já discutido, funciona como um siste-
ma retroalimentado: quanto maior é o estado de abandono

208
A ANÁLISE ESTRUTURAL

do lado “de fora”, maior é o fechamento do lado “de dentro”,


quanto maior é o fechamento do lado “de dentro”, maior é o
estado de abandono do lado “de fora”.

1.

A seguir serão analisados alguns territórios na região em


destaque, a partir de um olhar mais atento às relações entre
eles e sua vizinhança. Desta maneira, procura-se reconhe-
cer na forma urbana as relações de controle do território na
tentativa de entender como se formam os limites e fronteiras
2.
dentro da cidade.

3.
1
Foto aérea da região, 2010.
2
Cheios.
3
Limites físicos extensos de territórios
com alto controle.
4
Espaço extramuros: territórios com
4. pouco controle.

209
A ANÁLISE ESTRUTURAL

Praça de um lado, escola do outro

Do lado “de fora” existe uma praça. Para além dos limites
dos territórios fechados ao seu redor, a Praça Nossa Se-
nhora Auxiliadora parece ser um resto de terra esquecido
no bairro. No final dos anos 80, a praça foi retalhada para a
implantação do CIEP Nação Rubro-Negra, o qual não possui
qualquer tipo de relação com a mesma. O CIEP está voltado
para o lado oposto à praça, de frente para os fundos da Esco-
3.57
la Municipal Sérgio Vieira de Mello, implantada em meados Foto aérea, 1969

dos anos 90. Entre ambos também não existe qualquer tipo
de contato3.

A implantação destes equipamentos, além de demonstrar


uma imensa falta de cuidado nas relações entre edificações
e espaços de uso público, representa a perda de uma opor-
tunidade de costura entre estes elementos, da qual poderia
surgir intensa vitalidade. Ao invés disso, os territorios frag-
mentados, ocupados por essas estruturas, voltam-se para
dentro de seus limites fisicos bem marcados, deixando o
espaço ao seu redor alheio a qualquer tipo de transborda-
mento, tanto de uso quanto de controle. A praça, atualmente
isolada e percebida como uma “terra de ninguém”, poderia
se transfromar em uma interessante zona de fronteira contro-
lada pelas escolas. Em um espaço mais controlado e pro-
tegido, o isoformismo entre os limites físicos e territoriais
destes equipamentos poderia se acabar com o avanço das
fronteiras territoriais em direção ao interior da praça.


3
Ver página ao lado.

210
A ANÁLISE ESTRUTURAL

Situação atual:

Cheios
Em cinza: Praça Nossa Senhora Auxiliadora.

Limites
Em vermelho: os limites fisicos existentes.
ciep Isoformismo dos limites fisicos e territoriais no
CIEP e na Escola Municial.

e.m. Em azul: faixa de fronteira entre a praça e as


ruas ao seu redor. Efeitos nocivos do tráfego
viário constante.

Situação proposta:

Cheios
Poché. Conformação do vazio pelas edifica-
ções ao seu redor.

Limites
Em vermelho: limites físicos voltados para
fora.Sem Isoformismo. As fronteiras territoriais
avançam sobre a praça que passa a ser con-
trolada pelas escolas.

Em azul: faixa de fronteira entre a praça e as


escolas.

211
A ANÁLISE ESTRUTURAL

A exemplo do Palácio de Quirinal em Roma ou do Hobin


Hood Garden de Alison and Peter Smithson em Londres, as
construções do CIEP Nação Rubro-Negra e da Escola Muni-
cipal Sérgio Vieira de Mello poderiam funcionar como uma
espécie de muro que protege o interior da praça dos efeitos
nocivos do alto tráfego viário das ruas.

Colin Rowe, emprega o termo Poché - trazido das discus-


sões de Robert Venturi ao tratar do interior e do exterior na
arquitetura - para indicar que o objeto arquitetônico tanto
pode se isolar na fluência do espaço vazio ao seu redor, se-
guindo as premissas do Pensamento Moderno, quanto pode
servir como uma construção “de preenchimento “, dando
formato ao espaço vazio4.

No caso do Leblon, as escolas, além de confromar o espaço


da praça, funcionariam como limites físicos, demarcando no
território o controle exercidos pelas escolas. Assim, a praça
poderia ser percebida por todos como um espaço controlado
pela comunidade das escolas, menos suscetível de degra-
dação e insegurança.

3.58
Exemplos de Poché.
De cima para baixo:

Maison Carré de Alvar Aalto em Helsinki.


Palácio de Quirinal em Roma.
Hobin Hood Garden de Alison and Peter
Smithson em Londres.

4
ROWE, Colin e KOETTER, Fred. Ciudad Collage.
Barcelona: Gustavo Gilli. 1998.p.78.

212
A ANÁLISE ESTRUTURAL

6I Selva de Pedra

Como já mencionado, o local onde hoje se situa o conjunto


de edifícios chamado Selva de Pedra era ocupado por uma
favela. Assim como ocorreu em algumas áreas no bairro da
Lagoa5, a implantação de edifícios representou não só a mu-
dança de classes sociais na região como também uma mu-
dança de sua textura interna. A textura irregular da favela deu
lugar à textura típica Moderna, caracterizada por conjuntos
de edifícios soltos de uso exclusivamente residencial, sepa-
3.59 rados entre si e distantes das divisas.
Planta do Distrito Federal, 1942.

É curioso notar que a planta feita na gestão do


O modelo urbanístico escolhido para a Selva de Pedra, proje-
prefeito Carlos Sampaio considera a continua-
ção do desenho do traçado existente na região tada pelo arquiteto Marcos Konder Neto, não seguiu a textura
onde hoje se encontra a Selva de Pedra.
existente do bairro do Leblon, caracterizada por edificações
justapostas entre si de menor escala. Como sugere Sérgio
Magalhães, este modelo arquitetônico-urbanístico apresen-
ta-se como uma ruptura, sem contigüidade com a cidade
existente, não possibilitando uma articulação plena entre os
dois tecidos, apenas aquela indispensável6.

No que se refere à articulação dos sistemas viários, a Sel-


va de Pedra se fecha em um sistema isolado, aproveitando
apenas os limites externos da estrutura viária do bairro. É
interessante observar que o desenho das ruas internas deste
sistema é alheio ao bairro, não constituindo um único pro-
3.60
Favela da Praia do Pinto, 1960.
5
Ver neste capítulo o item “Das palafitas ao Voisin”
6
MAGALHÃES, Sérgio. A cidade na Incerteza:
Ruptura e contigüidade em urbanismo. Rio de Janeiro:
Vianna & Monsey: Ed. PROURB. 2007. p.156.

213
A ANÁLISE ESTRUTURAL

longamento sequer.

Originalmente, a relação entre os edifícios da Selva de Pedra


e o solo se dava por meio de pilotis abertos. Deste modo,
a transição entre este sistema e a cidade era constituída
apenas por fronteiras meramente territoriais, sem o uso de
1
barreiras físicas. Mais tarde, pouco a pouco, essas fronteiras
foram dando lugar à grades e cercas que passaram a re-
presentar fisicamente o controle do espaço dos pilotis pela
comunidade de cada edificação7.

Os cercamentos em série acabaram por demarcar um limite


contínuo em volta de toda a quadra Moderna. Mais tarde, as
ruas internas à quadra passaram a possuir cancelas próxi- 2
mas à borda com a cidade. Desta maneira, a Selva de Pedra
passou a ser percebida como um território controlado e mais
seguro, passando a possuir um maior grau de isolamento em
relação ao bairro do Leblon.

3
3.61
Ao lado:
Da favela da Praia do Pinto (1), incendiada
em 1969, ao conjunto Selva de Pedra (4) erguido logo
depois com seu traçado autônomo. Na gestão do prefei-
to Carlos Sampaio, ainda durante a existência da favela,
pensou-se em prolongar o traçado existente do bairro (3).

7
No que se refere ao contato das edificações Modernas com o solo, ler 4
neste capitulo o item “De um continuum natural para um continuum
recortado”

214
A ANÁLISE ESTRUTURAL

3.62
Praça Milton Campos utilizada
A praça da Selva de Pedra
pelos moradores e o cercamento
das moradias ao fundo.

Curiosamente, embora a Selva de Pedra tenha poucas rela-


ções urbanísticas com o bairro do Leblon, os cercamentos
contínuos em volta dos grupos de edifícios causaram um
efeito surpreendente na praça interna à quadra, chamada
Praça Milton Campos. O “espaço fluente”, apontado por Ro-
bert Venturi como a mais audaciosa contribuição da Arquite-
tura Moderna, usado para realizar a continuidade de interior
e exterior8, ganhou um formato regular e definido.

O território da praça que antes se prolongava continuamente


por debaixo das edificações passou a ser limitado fisica-
mente pelos gradis. Com isso, a praça passou a ser perce-
bida como um espaço mais controlado e hoje é amplamente
utilizada pelos moradores.

É interessante notar que geralmente o cercamento de uma


praça é realizado com objetivo de facilitar o controle interno
3.63
de seu território em relação ao ambiente externo. Assim, a
A cima:
Cercamentos e cancela na praça é cercada por grades no seu alinhamento com a cal-
Selva de Pedra.

8
VENTURI, Robert. Complexidade e contradições em
arquitetura. São Paulo: Martins Fontes. 2004.p.90.

215
A ANÁLISE ESTRUTURAL

çada. No caso da Praça Milton Campos, o processo ocorreu


de modo inverso. O ambiente externo à praça foi cercado
para um melhor controle interno e o território da praça, antes
contínuo, acabou por ficar limitado fisicamente, transmitin-
do uma sensação de maior controle e segurança.

Diagramas de profundidade
territorial dos acessos aos
edificios da Selva de Pedra.

A=espaço do térreo
B= portaria.

O controle, antes exercido pela


ordem territorial (pilotis e pai-
sagismo), passa a ser exercido
pela ordem fisica, por meio de
cercamento.

216
A ANÁLISE ESTRUTURAL

1.

2.

1 Cheios
Rés-do-chão, ocupação original.

Pilotis abertos.

2 Vazios
3.
Espaço fluente Moderno.

3 Limites
Cercamento dos edificações e

grupo de edificações.

4 Territórios
Territórios controlados e fragmentados
fisicamente. A praça interna à quadra e
externa aos edifícios ganhou um
4. formato físico.

217
A ANÁLISE ESTRUTURAL

7I Limites e acessos da Cruzada

Assim como a Selva de Pedra, a Cruzada de São Sebastião é


constituída por um conjunto de edifícios que configura um
sistema quase isolado de seu bairro receptor. O conjunto
de dez edifícios é distribuído ao longo de um trecho da rua
Humberto de Campos que, mesmo sem cancelas ou grades,
configura fronteiras bastante interessantes com o bairro do
Leblon.

Na ponta da rua Humberto de Campos voltada para o canal


do Jardim de Alah é fácil perceber uma faixa de fronteira que
avança até a margem do canal. Ao se caminhar neste local
pode-se observar diversas apropriações informais dispostas
entre a borda do canal e a entrada da rua Humberto de Cam-
pos. Entulho, refugos, lixo, moradores de rua e depósitos
ilegais são alguns exemplos de elementos que juntos confi-
guram essa faixa de fronteira.
3.64
Vista aérea do conjunto da Cruzada e dos
Já, do outro lado, na extremidade oposta da rua voltada para Jornalistas, 1952.

218
A ANÁLISE ESTRUTURAL

o interior do bairro a situação é diferente: não há quase ves-


tígios de apropriações no espaço para além da entrada da
rua.

A partir destas observações pode-se constatar que existe um


estreito jogo de controle territorial revelado na forma urbana
por dois agentes distintos: a Cruzada e o setor público, re-
presentado pela delegacia situada na ponta interior da rua.
Na ponta oposta voltada para o Jardim de Alah, o controle
do setor público é menor do que o controle exercido pelos
3.65
Apropriações informais dispostas na usuários da Cruzada. Deste modo, a faixa de fronteira é per-
faixa de fronteira entre a Cruzada e o cebida como um território próprio da Cruzada e com poucas
canal do Jardim de Alah.
intervenções do poder público.

Esta zona de fronteira que “tranborda” em direção ao Jar-


dim de Alah é percebida como um local confuso e inseguro.
Seus aspectos físicos, caracterizados pela degradação ma-
terial e visual do ambiente, não condizentes com o restante
do bairro, contribuem fortemente para essa percepção. Por
sua vez, na fronteira entre a Cruzada e o interior do bairro
do Leblon - onde fica a Delegacia - o controle é bem maior.
Neste trecho, chega a ser difícil perceber que existe ali o
acesso para uma comunidade de quase seis mil habitantes.

Ao tratar da estrutura do ambiente urbano e dos agentes que


3.66 o controlam, Habraken ressalta que as propriedades físicas
Delegacia de Policia na esquina da rua
Humberto de Campos com a rua Afrânio de de uma forma “em jogo” revelam como os agentes distri-
Melo Franco, Leblon.
buem o controle no espaço1.
Entrada de acesso à Cruzada voltada para o
interior do bairro, rua Humberto de Campos.
1
HABRAKEN, N.J.. Palladio’s Children.
New York: Taylor&Francis. 2005.p.28.

219
A ANÁLISE ESTRUTURAL

Cheios

cruzada

Limites
Em vermelho: limites fisicos
Em azul: fronteiras territoriais
maior menor
controle controle
externo externo

Territórios
Em cinza: território controlado
pela comunidade da Cruzada.

220
A ANÁLISE ESTRUTURAL

8I Espaços de transição

Como já discutido neste estudo, a fronteira entre dois es-


paços tanto pode ser percebida por meio de demarcações
sutis, sem constituir propriamente barreiras físicas ao trân-
sito de pessoas, como também pode ser marcada por limites
físicos contínuos, através dos quais o acesso é definido em
pontos específicos de passagem de um espaço para outro.

Um pórtico, a porta de um cômodo dentro de uma casa,


um portão de entrada, ou até mesmo uma ponte, são alguns
exemplos das diversas formas físicas que estes pontos de
passagens podem assumir. Geralmente, como notado por
Alexander, além de marcarem o ponto de atravessamento de
uma fronteira, as passagens ajudam a mantê-la, pois trans-
mitem com mais clareza o sentimento de transição de um
lugar para outro1.

Por sua vez, Habraken ressalta que portões e portas somente


têm algum significado territorial quando demarcam a passa-
gem entre espaços sob controles distintos2. A transição de
um espaço de domínio público para outro de domínio priva-
do ou a passagem de um espaço menos controlado para um
espaço mais controlado são exemplos desta condição, da
qual o presente estudo procura tratar.

3.67
1
De cima para baixo:
ALEXANDER, Christopher. A Pattern Language.
Apartamentos para estudantes
New York: Oxford University Press. 1977.p.276.
de graduação em Harvard, Kyu Sung Woo;
2
Desenhos de Gordon Cullen;
HABRAKEN, N.J.. Structure of Ordinary.
Planta do Panteon, Roma;
Massachusetts: The MIT Press. 1998.p.183.
Praça Louis-Le-Grand, 1685, Paris

221
A ANÁLISE ESTRUTURAL

De modo geral, uma abertura em um limite físico contínuo,


como um muro ou uma parede, possui certa estreiteza em
relação à extensão física de sua superfície. Se as dimensões
forem largas demais, o próprio limite físico deixa de ser per-
cebido de forma clara e nítida, podendo até desaparecer.
Uma passagem excessivamente larga acaba por enfraquecer
fisicamente o limite, muitas vezes dificultando o controle do
3.68
espaço envolvido - ou demarcado - por ele.
Entrada de um edifício
residencial em Ipanema.

As aberturas também podem possuir certa espessura na


transição entre dois espaços. Ao invés de configurarem ele-
mentos planares e pouco espessos, como portas e gradis, as
aberturas podem assumir propriedades espaciais e se torna-
rem uma espécie de espaço intermediário, como um túnel,
uma ponte ou um alpendre à frente de uma casa. Geralmen-
te, como apontado por Alexander, eles são percebidos como
um espaço de transição entre duas atividades ou entre dois
lugares.

De acordo com as observações feitas na cidade, estes es-


paços podem ter um uso diferente dos demais, percebidos
como um curto intervalo dentre duas atividades distintas.
No que se refere ao controle, normalmente este espaço é
controlado pelo agente de um dos lados (a ou b). No caso de
um alpendre, por exemplo, o controle é exercido por quem
mora na casa.

Se o espaço de transição for controlado por um terceiro


agente, é possível que ele perca o seu sentido de passagem
e passe a ser percebido como mais um espaço no sistema.
Dependendo do tipo de controle, o espaço de transição pode

222
A ANÁLISE ESTRUTURAL

possuir limites físicos com seus espaços vizinhos. Neste


caso, ele acrescenta mais um nível de profundidade territo-
rial ao sistema, pois passa a constituir mais uma barreira de
acesso ao seu interior.

3.69 Os espaços de passagem podem marcar fisicamente a tran-


O espaço de transição pode possuir
limites físicos com seus espaços vizi-
sição entre dois ambientes bastante distintos, no que se re-
nhos. Neste caso, ele acrescenta mais fere às relações de vizinhança, à forma, ao uso e, sobretudo,
um nível de profundidade territorial ao
sistema, pois passa a constituir mais ao controle. Neste trabalho foram analisados três casos onde
uma barreira de acesso ao seu interior.
isto acontece de forma interessante, são eles: a favela Hu-
maitá, uma vila em Botafogo, e uma escola dentro de uma
quadra no bairro de Copacabana.

3.70
Vista aérea da favela
do Humaità.

Favela Humaitá

O largo trecho da rua Humaitá mais próximo ao bairro da


Lagoa possui grandes blocos de edifícios de até dez pa-
vimentos, quase todos com os seus embasamentos justa-
postos entre si formando um contínuo construído ao longo
da calçada. Espremida em um estreito intervalo entre dois

223
A ANÁLISE ESTRUTURAL

desde blocos está a entrada da favela Humaitá, quase imper-


ceptível para quem passa pela rua.

A favela ocupa o pé de um pequeno morro e faz limite com


as empenas cegas de dois edifícios. As empenas, coladas
nas divisas dos lotes, comportam pavimentos destinados ao
estacionamento e às áreas de uso comum dos edifícios.

É interessante observar que assim como os edifícios vizi-


nhos, a entrada da favela também possui gradis de cerca-
mento no alinhamento da calçada, revelando uma fronteira
de acesso ao seu interior por meio de um portão. Mesmo es-
3.71
tando sempre aberto para o trânsito de moradores - diferente
Entrada da favela.
do cercamento dos edifícios vizinhos - o portão representa
um nível de controle territorial. Quem o atravessa já perce-
be que o espaço de acesso à favela possui certo controle.
Pode-se dizer que o cercamento à frente da entrada da favela
possui um caráter mais territorial do que físico, portanto, ele
pode ser considerado uma fronteira ao invés de uma barreira
física ao trânsito de habitantes.

Atravessando o portão, o espaço interior, ladeado pela em-


penas altas dos edifícios vizinhos, é constituído por poucos
elementos que possam denotar o controle único de um mo-
rador. O caráter mais genérico - e menos específico - de sua

224
A ANÁLISE ESTRUTURAL

3.72
Abaixo: configuração, característico de espaços de transição, indica
Edifício residêncial multifamiliar
que este espaço é controlado pela comunidade da favela.
e favela do Humaità lado a lado.

Além de espaço de passagem, o local é utilizado como de-


pósito temporário de lixo e entulho, os quais são retirados
pela concessionária de limpeza pública. Existe também no
local a demarcação de áreas destinadas ao estacionamento
de motos. Antes de se chegar às ruelas internas da favela,
ainda é preciso passar ao lado de uma pequena guarita que
estreita a passagem e acaba reforçando fisicamente os limi-
tes do espaço de transição entre a cidade e a favela. Quando
se passa ao lado da guarita, não é difícil perceber que mais
uma fronteira foi atravessada.

Dentre os inúmeros aspectos que podem ser comparados


entre a favela e sua vizinhança, a relação de seus moradores
com a rua talvez seja um dos mais interessantes. Enquanto
que na favela as portas e janelas de muitas habitações abrem
diretamente para as ruelas, nos apartamentos dos edifícios
3.73
vizinhos, elas se distanciam de uma relação mais estreita
O espaço de transição entra a favela
e a rua Humaità. com a rua.

Deste modo, as calçadas da rua Humaitá, além de perde-


rem a vigilância natural da própria comunidade local, tão

225
A ANÁLISE ESTRUTURAL

defendida por Jane Jacobs, tornam-se locais mais genéricos


e impessoais, sobretudo, para além dos cercamentos dos
edifícios. Já dentro da favela, como a relação entre rua e
moradia é muito mais próxima, o limite entre ambos torna-
se muito mais tênue, ocorrendo avanços e sobreposições de
fronteiras.

Ao se caminhar pelas ruelas é fácil notar seu uso como um


local privado, aceito pelo restante da comunidade, caracte-
rizando a ordem cultural do lugar, a qual, segundo N. J. Ha-
braken, é um dos elementos estruturadores da forma. Varais
de roupas, a disposição de objetos pessoais e pequenos si-
nais são algumas configurações que caracterizam o avanço
de fronteiras territoriais para além dos limites físicos das
moradias da favela.

226
A ANÁLISE ESTRUTURAL

227
A ANÁLISE ESTRUTURAL

A favela ganha certa ambiência nos estreitos espaços con-


formados pelas construções. As distâncias entre os limites
físicos, tanto dentro, quanto fora das construções, muitas
vezes são as mesmas. Um cômodo pode ter a mesma lar-
gura da ruela à sua frente, assim como uma passagem entre
duas casas pode ser mais estreita do que alguns dos seus
espaços internos.

Os limites que separam o exterior do interior são entrelaça-


dos por configurações vivas que transbordam de um lado
para o outro. A rua é o cômodo de uma casa, a casa é um
3.74
trecho da rua. Para alguém que está fora, a parede interna de
Abrupta diferença entre dois modos
um cômodo voltada para a rua pode ser percebida como uma de moradia e de relação com a rua.

fachada, já para quem está dentro, o muro a frente de uma


janela pode ser percebido como uma parede de sua casa.

Por sua vez, a relação entre os grandes edifícios residenciais


e a rua Humaitá é outra. Os apartamentos abrem-se para
o “caro vazio” da paisagem. Não há proximidade física, o
vínculo entre “casa” e “rua” é quase nulo. De dentro dos
apartamentos, a rua é paisagem, “de dentro” da rua os altos
blocos emparelhados entre si são percebidos como um sóli-
do genérico e impessoal, no qual a arquitetura tenta sempre
sobressair.

Comparando as circulações de uso comum nos pavimentos


de moradia dos edifícios com as ruelas internas da fave- Diagramas de profundidade territorial.

la, pode ser notada uma grande diferença no que se refere


espaço de transição = A
ao controle espacial. Enquanto na favela Humaitá o “desa- espaço estreito pela guarita = B
ruela interna = C
linhamento” entre limites físicos e fronteiras territoriais é interior de uma habitação = D

228
A ANÁLISE ESTRUTURAL

freqüente, no interior dos edifícios ocorre um isoformismo3


eles. Com raras exceções a fronteira territorial de um aparta-
mento vai além de seus limites físicos.

Diagrama de profundidade territorial.

Sem isoformismo entre o limite fisico e a


fronteiras territorial de algumas moradias.
Para o morador da casa (C), a ruela (A) é
percebida como um espaço privado (B).

ruela circulação de uso comum

Portanto, pode-se dizer que, de modo geral, a percepção en-


tre espaço público e espaço privado no interior dos edifícios
é bem clara. Na grande maioria das vezes, as circulações de
uso comum são padronizadas com poucos elementos disso-
nantes. Não há duvidas entre o que é de uso público e o que
é de uso privado.

Por fim, discutidos alguns aspectos relacionados ao controle


e à percepção do espaço dentro da favela e em sua vizi-
nhança, pode-se dizer que o estreito intervalo que os separa,

3.75 além de representar a abrupta transição entre dois modos de


Os limites que separam o exterior do in-
moradia e de relação com a rua, permite a coexistência de
terior são entrelaçados por configurações
vivas que transbordam de um lado para o ambos e também garante a ocorrência das frágeis configura-
outro. A rua é o cômodo de uma casa, a
ções encontradas no ambiente interno da favela Humaitá.
casa é um trecho da rua.

3
Ver página 97.

229
A ANÁLISE ESTRUTURAL

3.76
Vila em Botafogo O térreo do edifício:
lojas comerciais e
entrada para vila.
Assim como a favela Humaitá, as casas de vila situadas no
número 68 da rua São Clemente possuem um importante
espaço de transição. A faixa de fronteira entre a vila e a rua
é ocupada por um edifício residencial multifamiliar, através
do qual é preciso atravessar uma espécie de túnel para se
chegar à vila.

No entanto, diferente da favela, não existe cercamento físico


no limite entre este espaço de transição e a rua. A própria
borda do “túnel” e sua materialidade distinta da calçada de-
notam uma faixa de fronteira entre os dois espaços.

A barreira de acesso ao interior da vila acontece depois do


túnel. Por um lado, a barreira demarca fisicamente o territó-
rio controlado pelos moradores da vila, por outro, delimita o
espaço do túnel, o qual também é utilizado pelos moradores 3.77
dos apartamentos do edifício acima. Portão da vila como limite
físico de acesso ao seu
espaço interior.

O túnel também funciona como um espaço de transição en-


tre a rua e a portaria do edifício que, assim como a vila,

230
A ANÁLISE ESTRUTURAL

possui barreira física de acesso ao seu interior. Deste modo,


o controle do espaço de transição - quase todo conforma-
do por limites físicos, exceto quando voltado para a rua -
é compartilhado entre os moradores da vila e do edifício,
compreendendo um mesmo nível hierárquico de controle
entre estes dois agentes.

Pode-se notar que neste espaço não existe qualquer tipo de


apropriação ou disposição de objetos que possam configu-
rar o domínio de um destes dois grupos. O espaço é vazio
e contém poucos elementos. Um tapete a frente da portaria
demarca um pequeno espaço de entrada do edifício, pro-
vavelmente sua presença foi negociada e consentida pelos

3.78 grupos.
Espaço de transição:
O túnel de acesso à vila e aos
apartamentos do edifício acima. Como notado por Habraken, a relação horizontal de níveis
de controle entre agentes distintos em um mesmo território
deve ser evitada. Segundo o autor, qualquer tipo de mudan-
ça dentro do território pode causar interferências e por isso
exige freqüentes - e muitas vezes desgastantes - negocia-
ções entre as partes1.

No interior da vila, sob um nível de controle mais profundo,


é possível observar pequenos transbordamentos para além
das moradias. Vasos de planta e outros objetos dispostos do
lado de fora das habitações caracterizam configurações de
3.79 controle territorial, através das quais os moradores estendem
Casas no interior da vila.
as fronteiras de seu domínio para além das paredes e muros

1
HABRAKEN, N.J.. Structure of Ordinary.
Massachusetts: The MIT Press. 1998.p.34.

231
A ANÁLISE ESTRUTURAL

cheios
Diagramas de profundidade territorial.

espaço de transição compartilhado = A


rua da vila = B
casa da vila = C
portaria do edificio = B’
apartamento = C’

vazios

Diagramas de profundidade territorial


com duas formas de espaços
de transição menores:

rua da vila = A
Acima: alpendre (limites fisicos) = B
Mapeamento com marcação de territorios. fronteira (objetos dispostos no território) = B’
espaço interior da casa = C

232
A ANÁLISE ESTRUTURAL

de suas casas. Talvez se as casas estivessem em um nível


mais raso de controle, sem barreiras e espaços de transição
entre elas e o ambiente mais externo, essas configurações
não ocorreriam.

3.80
Brook Mews, Paddington, Londres.

Paddington

Um caso muito semelhante ao da vila de Botafogo ocorre no


bairro de Paddington em Londres. Algumas quadras deste
bairro são constituídas por construções de cinco pavimen-
tos justapostas entre si, todas alinhadas com a testada dos
lotes. Porém, diferente do que geralmente ocorre neste tipo
de quadra, seu interior é atravessado por uma pequena rua
que “perfura” as construções da borda e formam estreitos

233
A ANÁLISE ESTRUTURAL

espaços de passagem, através dos quais é feita a transição


entre a cidade e o interior da quadra.

Dentro da quadra existem construções menores de dois a


três pavimentos, todas voltadas para a rua interna2. Como na
vila de Botafogo, essas construções são resguardadas pelos
espaços de transição, sendo que neste caso não há cerca-
mentos que impeçam o acesso ao interior da quadra.

As construções maiores situadas na borda da quadra aca-


bam funcionando como um grande muro, um “limite físi-
co” espesso, a partir do qual as construções menores se 3.81
Túneis de acesso ao interior
organizam. Tanto os aspectos físicos, quanto os aspectos
de algumas quadras em Paddington.
territoriais fazem com que o espaço interno da quadra - mais
controlado - seja percebido como um espaço privado, con-
trolado pelos habitantes do lugar.

Enquanto a borda da quadra possui um maior rigor no padrão


e na forma de suas construções, bem como na coincidência
– isoformismo - entre seus limites físicos e territoriais, o in-
terior da quadra possui certa identidade, revelada no padrão
mais livre das construções e na materialidade das fachadas
e do calçamento. No espaço interior, como na vila de Bota-
fogo, as fronteiras transbordam para além dos limites das
construções.

3.82
Interior de uma quadra e sua borda
com as ruas do bairro.
2
No passado essas construções eram as estrebarias
das residências ao seu redor.

234
A ANÁLISE ESTRUTURAL

3.83
Quadra em Copacabana,
Rio de janeiro.

Quadra em Copacabana

Na quadra em Paddinton não é difícil perceber que seu es-


paço interno é controlado pelos moradores das construções
menores. Como observado a pouco, a profundidade espacial
marcada por espaços de transição e a própria disposição
física das configurações tornam possível o desempenho
deste tipo de controle.

Em Copacabana, no Rio de Janeiro, ocorre uma situação se-


melhante à encontrada na quadra inglesa: um estreito espa-
ço de transição demarca a fronteira entre a rua e o interior
de uma quadra. Porém, diferente de Paddington, o espaço
interior possui um uso diferente da borda da quadra.

Enquanto o interior da quadra inglesa é preenchido em seu


perímetro e vazio no centro, o interior da quadra carioca pos-
sui um edifício solto com vazio ao seu redor. Em Paddington,

235
A ANÁLISE ESTRUTURAL

essa configuração reforça a percepção do vazio como um


espaço privado, controlado unicamente pelos moradores ao
seu redor. Já em Copacabana, o mesmo não acontece inte-
gralmente.

O vazio interior da quadra é basicamente dividido em três


áreas: um pátio cercado, uma pequena mata e uma área que
dá acesso à escola que, assim como o pátio, também é utili- cheios
zada pelos alunos. As duas primeiras áreas têm seus limites
bem definidos e são percebidas como territórios controlados
pela escola e pelos moradores da borda da quadra, respec-
tivamente.

A terceira área faz limite com o colégio e com um dos edi-


fícios da borda da quadra. Em visita a este edifício e a partir
de entrevistas feitas no local, verificou-se que existe ali um
vazios
conflito de ordem territorial.

Tanto os moradores da edificação quanto os usuários do


colégio sentem-se “donos” da área. Enqunto os alunos a
utilizam como acesso à escola e como um espaço de recre-
ação, os moradores do edifício reivindicam um uso restrito,
alegando o “mau uso do espaço do edifício”.

Não havendo consenso entre os dois agentes, o conflito “to-


mou” forma física. Em um primeiro momento, o “túnel” de
acesso ao interior da quadra foi gradeado, inibindo a freqü-
Territórios
ência no interior da quadra. Não resolvido o problema, um
Limites físicos existentes em vermelho.
tapume foi erguido entre o edifício e a escola, dividindo a Gradiamento do “túnel” e tapume em azul.

área em dois espaços.

236
A ANÁLISE ESTRUTURAL

É interessante observar que as duas medidas revelam a


substituição de uma ordem territorial por uma ordem física,
representada pelas grades e pelo tapume.

Como observado por N.J. Habraken, em situações de confli-


to entre agentes, onde o consenso não é alcançado ou onde
os usos tornam-se incompatíveis, ocorre uma reestruturação
que busca a estabilidade do ambiente. No caso investigado,
a estabilidade foi retomada pelo uso de barreiras físicas bem
definidas.

3.84
Interior da quadra onde é
possivel observar o tapume

diagrama de quando diagrama da situação atual


prevalecia a ordem territorial com o tapume e gradeamento

espaço de transição/túnel = A espaço de transição/túnel = A


área de acesso à escola = B área de acesso à escola = B
escola = C escola = C
espaço segregado pelo tapume = D

3.85
Entrada do “túnel”
gradeada

237
A ANÁLISE ESTRUTURAL

Entre a Gávea e o Jardim Botânico

Um espaço de transição pode também assumir uma escala


urbana. Este é o caso do trecho da rua Jardim Botânico que
liga o bairro da Gávea ao bairro homônimo no Rio de Janei-
ro.

Este trecho é demarcado por limites com forte predominân-


cia visual: o muro do Jockey Club e as grades do Jardim
Botânico e o seu renque de palmeiras Imperiais. Frente a
frente e próximos um do outro, estes limites conformam um
importante espaço de fronteira que confere maior identidade
à ambos os bairros.

A imagem deste espaço como um estreito intervalo ladeado


3.86
pelos limites fortes marca de forma clara a transição entre
Imagens do local.
os dois bairros. Como observado por Kevin Lynch, os limites
são capazes de desempenhar o papel de “costura” ao longo
da qual duas áreas se unem de modo claro e inequívoco.

jardim botânico
jardim
botânico

gávea

jockey club

238
A ANÁLISE ESTRUTURAL

9I Barão da Torre

Como discutido no primeiro capítulo desta pesquisa, as fron-


teiras territoriais podem se “expandir” para além dos limites
físicos de uma construção, não constituindo propriamente
barreiras físicas ao movimento. Usualmente estes elementos
são representados pela simples disposição de objetos, ou
por demarcações sutis no território.

No entanto, como observado por N. J. Habraken, ao sinal


de perigo, as fronteiras se retraem até coincidirem com os
limites físicos da construção, que por sua vez, fecha seus
acessos. Assim, o “lado de fora”, antes ocupado, passa a
ser menos controlado.

Como observado em certas situações, a simples retração de


fronteiras e o fechamento de acessos não resolvem o proble-
ma. Nestes casos, a construção de barreiras físicas - como
cercas, grades e muros - produz espaços mais profundos e
conseqüentemente mais sujeitos ao controle. Deste modo,
um espaço que antes se abria diretamente para outro, ganha
um espaço intermediário.

Além da sensação de insegurança, outros fatores podem


motivar a retração de fronteiras e a construção de barreiras
físicas, como a degradação física, o estado de abandono, a
poluição do meio ambiente e, sobretudo a ausência - ou o
pouco controle - de agentes “maiores”, geralmente repre-
sentados por órgãos de segurança e de conservação públi-
ca.

239
A ANÁLISE ESTRUTURAL

240
A ANÁLISE ESTRUTURAL

“Uma boa região não tem O trecho investigado da rua Barão da Torre em Ipanema pos-
grandes e contínuas áreas de sui cercamentos em toda a sua extensão e em ambos os
exclusão, há somente peque- lados. Acredita-se que essa configuração incida diretamente
nas irregularidades de acesso na relação entre a rua e as construções, sobretudo em ter-
entre diferentes grupos.” mos de qualidade do espaço.

LYNCH, Kevin. Managing the Sense


Fisicamente, a contínua faixa de grades de ambos os la-
of a Region. Massachusetts:
The MIT Press. 1976.p.23 dos da rua faz com que ela seja percebido como um grande
corredor retificado. Mesmo sendo esbeltas e permeáveis,
quando vistas em perspectiva, as grades tornam-se opacas,
diminuindo a visibilidade no ambiente.

A sensação “de pertencimento” da vizinhança que antes


avançava sobre as calçadas perde intensidade, muitas ve-
zes se restringindo aos limites delineados pelas grades.
Para além das grades, no extra murus, o território deixa de
ser percebido como um espaço mais controlado, podendo
transmitir a sensação de insegurança, sobretudo, em horá-
rios noturnos.

Assim, o gradeamento sistemático e contínuo faz com que


a rua deixe de ser um local convidativo e passe a ser um
espaço menos freqüentado. A ausência de “olhos atentos à
rua” pode tornar a rua ainda mais desguardada.

3.87
Na página ao lado:
Mapas de nolli com e sem cercamento
do mesmo trecho da rua Barão da Torre,
Ipanema, Rio de Janeiro.

241
A ANÁLISE ESTRUTURAL

10I A escadaria do Municipal

A escadaria à frente do Theatro Municipal, no Centro do Rio


de Janeiro, desempenha um importante papel na vida social
carioca há um século.

Vista isoladamente, ela cumpre a função básica e primordial


de ligar dois níveis de altura. Porém, ao se perceber o Todo,
este objeto ganha outra dimensão.

O vazio aberto da Praça da Cinelândia, a imponência da fa-


chada do Teatro, o burburinho na saída e na entrada de cada
apresentação e a sua própria dimensão física fazem com que
a escadaria seja percebida como uma espécie de palco do
ver-e-ser-visto.

Estes aspectos, juntos e correlacionados, dão “espírito” ao


lugar. Do que seria da escadaria do teatro sem o vazio da
praça e a imponência da fachada?

A escadaria pode ser entendida como um precioso espaço


de fronteira. Ela não só desempenha um importante papel de
conexão, como também promove - e gera - novas estruturas
e interações sociais na cidade há um século.

242
A ANÁLISE ESTRUTURAL

11I Até onde se varre

Mesmo não reproduzindo limites físicos no ambiente, o


controle territorial pode exercer forte influência na forma da
cidade. A organização e a conservação de um espaço é um
bom exemplo desta situação.

Existem agentes que, mesmo controlando territórios meno-


res, desempenham um importante papel na forma urbana. É
interessante observar como eles “demarcam” seu controle.

Em Ipanema, foi observada durante três semanas a limpeza


de um trecho de calçada a frente de uma galeria comercial,
onde, sempre no mesmo horário, o zelador da galeria varria
uma determinada área.

Com o intuito de mapear a fronteira do espaço varrido, foi


sendo colocado um saco de lixo sobre a calçada. À medida
que saco ia sendo recolhido pelo zelador, era colocado um
novo saco em uma posição mais afastada que a vez anterior.

243
A ANÁLISE ESTRUTURAL

Este procedimento foi sendo repetido durante alguns dias,


até o saco não ser mais recolhido pelo zelador.

Assim, a fronteira foi reconhecida. Pressupõe que para o


zelador, o espaço além da fronteira deixa de ser percebido
como sendo o seu território.

A cidade é repleta de fronteiras demarcadas pelas pessoas.


Muitas são invisíveis, mas nem por isso deixam de cumprir
um importante papel nos encaixes e sobreposições das inú-
meras peças deste rico e complexo mosaico.

3.88
Trecho de calçada na avenida
Visconde de Pirajà, Ipanema.

244
conclusão
CONCLUSÃO

1I O controle demarca espaços

Na forma da cidade, os limites e fronteiras definem espaços.


As paredes que dividem os recintos internos de uma casa,
uma antiga muralha fortificada, ou até mesmo uma simples
mudança de piso são alguns exemplos de elementos utili-
zados nesta complexa organização de espaços. Seja qual for
a escala de observação, os espaços são definidos por meio
de algum tipo de demarcação que pode ou não permitir o
acesso e o uso interno.

Algumas demarcações são facilmente percebidas no am-


biente e são capazes de constituir limites, tanto como bar-
reiras físicas quanto como componentes visuais. Outras são
menos visíveis e mais sutis, embora não constituam bar-
reiras, são reconhecidas e percebidas como fronteiras que
demarcam a passagem entre dois territórios.

A chave para o estudo destes elementos foi fornecida


por N. J. Habraken, ao perceber o ambiente urbano como 4.01
Seja qual for a escala de observação, os
uma organização estruturada por um complexo padrão de
espaços são definidos e organizados
hierarquia de controle, o qual define o centro operacio- por meio de algum tipo de demarcação.

nal da relação entre humanos e toda a matéria construída.


De cima para baixo: saguão do
aeroporto Santos Dumont, o interior
de uma moradia na Favela de Rio das
Segundo Habraken, as propriedades físicas de uma forma Pedras e a Talbot Square em Londres.

246
CONCLUSÃO

em particular revelam como os agentes distribuem o con-


trole.1 Este é o ponto chave: observar a forma para procu-
rar reconhecer de que modo o controle é distribuído em
um dado lugar. Pressupõe-se que a partir deste reconhe-
cimento seja possível compreender de maneira mais cla-
ra como se estruturam os limites e fronteiras na cidade.

Assim, no decorrer das investigações realizadas nesta pes-


quisa, a partir de situações observadas em campo, procurou-
se reconhecer de que maneira este complexo padrão de con-
trole e de relações se estrutura e se ordena no espaço físico.

O controle demarca espaços. A ordenação destes espaços,


tanto física quanto territorial, gera as mais variadas formas
de limites e fronteiras dentro do ambiente construído. Como
verificado ao longo desta pesquisa, ao demarcarem espaços,
estes elementos desempenham um importante papel na or-
ganização do ambiente urbano.

Como verificado durante as investigações, os limites e fron-


teiras podem se tornar importantes dispositivos de união. A
demarcação de limites, tanto física quanto territorial, permi-
te que duas atividades distintas possam ocorrer lado a lado.
O mesmo pode ser dito de pessoas ou grupos de pessoas
diferentes co-habitando em uma mesma região. Sem o deli-
neamento de espaços, provavelmente isso não aconteceria.
A definição de limites claros e consensuais pode se tornar
4.02 um importante instrumento agregador.
A segregação espacial de diferentes usos
em um mesmo sistema.
1
HABRAKEN, N.J.. The Structure of Ordinary.
Massachusetts: The MIT Press. 1998.p.29.

247
CONCLUSÃO

4.03
Avenida Portugal, Urca,
Rio de Janeiro.

A identidade e a singularidade de um local podem ser ga-


rantidas e reforçadas por meio da melhor definição de seu
território através de seus limites com os seus vizinhos. Este
é o caso de alguns bairros cariocas estudados neste traba-
lho. O consenso a cerca dos limites de um espaço ou de
uma determinada comunidade, tornam mais fácil o controle
espacial e a idéia de pertencimento.

Por outro lado, os limites podem funcionar como barreiras


que impedem o acesso e o uso do espaço encerrado por
eles. Condomínios fechados, grandes equipamentos, exten-
sos vazios urbanos e bairros isolados são algumas situações
que podem se tornar áreas contínuas de exclusão dentro da
cidade.

Territórios que não possuem o reconhecimento mútuo de


suas fronteiras por parte dos habitantes de uma região, além
de exigirem a manutenção contínua e sistemática de seus li-
mites para continuarem a existir, tornam-se verdadeiras ilhas
muradas.

Durante toda a pesquisa, autores como Kevin Lynch, Jane


4.04
Jacobs e Christopher Alexander foram de suma importância Croquis de Lynch (mais acima)
e de Alexander.
no estudo destes elementos e de seus efeitos na cidade.

248
CONCLUSÃO

Seus trabalhos e observações constituíram um rico e indis-


pensável material de pesquisa.

2I Compreender as relações
para entender o objeto

As investigações realizadas nesta pesquisa permitiram com-


preender com maior clareza como se constituem os limites
e fronteiras dentro do ambiente urbano. Os estudos demons-
traram que estes elementos não devem ser analisados isola-
damente, mas sim, a partir das relações estabelecidas entre
as diversas configurações que as constituem a as mantêm.

Neste sentido, verificou-se que para se estudar um limite ou


uma fronteira é necessário compreender o sistema do qual
eles fazem parte. Qualquer tentativa de análise isolada, que
não considere as relações entre as partes deste sistema ten-
de a se tornar unicamente morfológica e pouco reveladora.

Deste modo, entendeu-se que as propriedades do objeto,


tanto físicas quanto perceptivas, só poderão ser analisadas
e melhor compreendidas dentro de um contexto mais amplo
e relacional.

Estudar um muro que divide uma casa de uma rua consiste


em analisar o ambiente e buscar observar as relações es-
tabelecidas entre as configurações físicas e territoriais. As
características físicas do muro e a maneira como ele é per-
cebido no ambiente são próprias de sua relação com a rua
e com a casa.

249
CONCLUSÃO

0s estudos demostraram que as propriedades de um limi-


te - ou de uma fronteira - tanto físicas quanto perceptivas,
não são intrínsecas à ele e tampouco aos espaços por ele
divididos, mas sim, pertencem ao todo, ou melhor, à relação
entre as partes.

Sendo assim, verificou-se que características físicas, como


dimensões, formatos e aberturas - tanto visuais quanto de
acesso –, bem como a disposição de objetos e sinais que
representem fronteiras no território são aspectos intimamen-
te ligados às relações estabelecidas entre as configurações
físicas e territoriais presentes em um determinado sistema.

Tais configurações, como discutido ao longo deste traba-


lho, se organizam no território de acordo com um comple-
xo padrão de hierarquia de controle, o qual define o centro
operacional da relação entre humanos e toda a matéria cons-
truída.

3I A cidade como um mosaico

A percepção da cidade como um imenso mosaico de territó-


rios pareceu ser a imagem mais apropriada para o estudo de
limites e fronteiras. A partir desta visão procurou-se obser-
var como as pessoas organizam o ambiente onde vivem.

Com um olhar atento a forma da cidade, as investigações


buscaram reconhecer de que modo as demarcações físicas
e territoriais estruturam e mantêm as peças do mosaico.

250
CONCLUSÃO

Pressupõe-se que este estudo possibilitou compreender


com maior clareza como se constituem os limites e frontei-
ras e quais são seus efeitos na organização e na percepção
do ambiente urbano.

Neste sentido, acredita-se que essa pesquisa possa contri-


buir para um maior conhecimento a respeito destes elemen-
tos na forma da cidade.

251
anexo
ANEXO

“A ordem de construir muros revelou uma ordem de cons-


truir muros com aberturas. Assim surgiu a coluna, como
uma ordem maquinal de construir aquilo que se abre e
aquilo que não se abre. Um ritmo de aberturas foi determi-
nado pelo próprio muro, e passou a ser uma sequência de
colunas e vãos. Essas realizações não são encontradas na
natureza. Elas surgem da misteriosa faculdade que o ho-
mem tem de expressar as maravilhas da alma que requerem
ser expressas.”

Louis Kahn. Conversation with


students. Houston: Rice
Publications. 1998. p.16.

254
ANEXO

5.01
Notre Dame Haut de Romchamp, Le Corbu-
sier, França, 1964.

1I O muro

O muro talvez seja uma das maiores e mais primitivas inven-


ções humanas. A idéia de um muro sempre esteve associada
a funções básicas como proteção, contenção e divisão.

Louis Kahn mostra que foi a partir do muro que surgiram


as colunas e os vãos. Assim, a idéia de um muro – na sua
essência – passa a ser compreendida como uma matriz ge-
radora de outros elementos, os quais, mesmo perdendo a
aparência plana e dura, guardam em seu genótipo estreitas
ligações com o seu genitor.

A ordem de construir muros com aberturas permitiu que ele


fosse atravessado. Arcos e vergas produziram as mais varia-

255
ANEXO

5.02
Farnsworth House, Mies Van
Der Rohe, Illinois, 1951

das formas de aberturas, através das quais, pôde-se entrever


o outro lado. A técnica chegou ao ponto de quase “roubar”
toda a materialidade do muro.

O muro também se dobra. As dobras encerram espaços que


fornecem abrigo e privacidade ao homem. Assim, de dobra
em dobra, de espaço em espaço, o muro vai dando forma à
cidade.

5.03
Planta da Medina
de Thebes.

Simultaneamente, o muro, através de suas dobras e abertu-


ras, configura não apenas espaços, mas, sobretudo, estabe-
lece muitos modos de relação entre eles.

256
ANEXO

2I Aberturas

Enquanto as dobras estão mais relacionadas à configura-


ção de um determinado sistema espacial, as aberturas tem
maior ligação com a configuração do próprio objeto que di-
vide espaços.

No mosaico de territórios que constitui a cidade é possível


observar uma infinidade de muros com os mais variados ti-
pos de abertura, que vão desde empenas cegas até as mais
delicadas demarcações.

Porque estudar as aberturas?

A ordem de construir muros com aberturas define as cone-


xões entre os espaços de um sistema, em termos de visibi-
lidade e de movimento.

Como já discutido, os limites e fronteiras são demarcações


imbuídas de significado territorial, pois ambos representam
o controle de um determinado espaço. A qualidade da co-
nexão entre espaços que “passa” através destes elementos
influi de modo significativo em seus modus operandi.

Assim, pressupõe-se que o estudo mais aprofundado destas


conexões pode complementar a busca de um maior enten-
dimento a respeito dos limites e fronteiras na forma da ci-
dade.

257
ANEXO

Como estudar as aberturas?

As investigações realizadas ao longo da pesquisa verifica-


ram que a intrusão de aberturas em uma superfície pode ser
dividida em dois tipos básicos:

1
Aquela que permite que se veja através da superfície, esta-
belecendo certa conectividade visual com o outro lado, seja
por meio de vãos, fenestrações ou através da materialidade
da própria superfície;

2
Aquela que além de conceder um contato visual, permite
atravessar a superfície e assim passar para o outro lado,
como é o caso de vãos e intervalos.

O primeiro tipo está relacionado à capacidade do objeto em


estabelecer alguma conectividade visual. Para essa condição
é empregado o termo porosidade visual, tratada aqui como
uma qualidade do objeto.

Por sua vez, o segundo tipo está relacionado à possibilidade


de movimento através de limites e fronteiras. Para essa con-
dição é empregado o termo permeabilidade de movimento.

Ambos os termos foram trazidos da disciplina de Mecânica


dos Solos. Como será visto a diante, eles serão extrema-
mente úteis para qualificar o objeto em termos de visibilida-
de e de movimento.

258
ANEXO

3I Porosidade e Permeabilidade

Na mecânica dos solos a porosidade é expressa em per-


centagem, e é definida como o volume dos poros sobre o
volume total de uma amostra. Os poros são os volumes de
vazios encontrados dentro da amostra.1

Assim, quanto maior for o volume de vazios (poros), maior


será o percentual de porosidade da amostra. Logo, uma
amostra muito porosa tem muitos vazios.

Já a permeabilidade é a propriedade que representa uma


maior ou menor dificuldade com que o fluxo de um fluído
ocorre através dos poros de uma amostra.

A permeabilidade do solo é representada por um coeficiente


empregado para representar a velocidade com que o fluído
atravessa uma amostra.2

Assim, quanto maior é a velocidade do fluxo de um fluído


dentro de uma amostra, maior será seu coeficiente de per-
meabilidade. Logo, uma amostra muito permeável é atraves-
sada rapidamente por fluídos.

Ao se transferir estes conceitos para o campo da arquitetura,


surgem associações bastante interessantes que podem ser
muito úteis para o estudo de limites e fronteiras.

1
CAPUTO, Homero Pinto. Mecânica dos solos e
suas aplicações. Rio de Janeiro: LTC,1996.
2
Idem.

259
ANEXO

Como as amostra de solo, os limites e fronteiras podem ser


atravessados com maior ou menor facilidade, seja através da
visão ou através do movimento de pessoas e objetos.

Para efeito de análise, a porosidade3 de um limite está di-


retamente ligada à qualidade de sua conectividade visual.
Quanto maior for o grau de aberturas - poros - atravessadas
visualmente, mais poroso será o limite.

Logo, a porosidade de um limite está em função da qualidade


das aberturas atravessadas visualmente. Se o limite é opaco
e não possui qualquer abertura, sua porosidade é nula.

Por sua vez, a permeabilidade de um limite depende dire-


tamente da possibilidade de conectividade por movimento.
Quanto maior a possibilidade de atravessamento, mais per-
meável será o limite.

Portanto, a permeabilidade de um limite está em função das


possibilidades de aberturas atravessadas pelo movimento.
Se o limite não tem qualquer possibilidade de ser atravessa-
do, a porosidade é nula.

Já as fronteiras, conforme tratado neste estudo, têm um alto


grau de porosidade e de permeabilidade. Caso contrário,
elas configurariam limites físicos.

3
Nan Ellin utiliza o termo porosidade com certa similaridade ao empre-
go do termo no presente estudo. ELLIN, Nan. Integral Urbanism. New
York: Routledge. 2006.p.60.

260
ANEXO

porosidade visual
qualidade do objeto

Po=0 0<Po<1 Po=1

Po = f(x)
Po = porosidade/variável dependente
x = aberturas atravessadas visualmente

Po = Cv
Cv = conectividade visual

permeabilidade de movimento
possibilidade do corpo

Pe=0 0<Pe<1 Pe=1

Pe = f(x)
Pe = permeabilidade/variável dependente
x = aberturas atravessadas por movimento

Pe = Cm
Cv = conectividade por movimento

261
ANEXO

Porosidade garante boa permeabilidade?

Na mecânica dos solos, uma amostra pode ser muito porosa


e não ser permeável.

A quantidade de poros dentro de uma amostra não está dire-


tamente relacionada à qualidade do trânsito de fluídos. Caso
os poros não estejam interligados, não haverá passagem de
fluidos através da amostra. No campo da arquitetura, pode-
se dizer que o mesmo acontece.

5.04
O que determina se um limite - ou uma amostra – é per- Imagens de amostras
meável ou não é o grau de conectividade entre seus poros. porosas. A amostra 1 é bas-
tante porosa, porém pouco
Mesmo o objeto tendo muitos poros, caso não exista conec- permeável.

tividade entre eles, a permeabilidade é nula.

porosidade porosidade porosidade porosidade porosidade


nula baixa alta alta altíssima
densidade densidade densidade densidade densidade
altíssima alta moderada moderada baixa

conectividade conectividade conectividade conectividade conectividade


nula nula nula moderada altíssima

permeabilidade permeabilidade permeabilidade permeabilidade permeabilidade


nula nula nula moderada altíssima

Essa condição serve para ressaltar que a porosidade está


associada a aspectos visuais, pois não exige conectividade
entre os poros. Um limite pode ser muito poroso, possuindo
inúmeras fenestrações, ou sendo todo transparente, e mes-
mo assim, não ser permeável.

262
ANEXO

Como medir e representar a porosidade e a


permeabilidade de um limite?

Na mecânica dos solos, tanto a porosidade quanto a perme-


abilidade de uma amostra são calculadas através de ope-
rações matemáticas. A partir destas operações chega-se a
coeficientes e percentagens numéricos bastante úteis para a
solução de problemas de engenharia.

Ao se tratar de limites e fronteiras, acredita-se que qualquer


tentativa de medição deva procurar identificar padrões de
qualidade de abertura e de conectividade. Medir as dimen-
sões físicas dos vãos de uma parede ou contar quantas fe-
nestrações tem um muro parece ser algo pouquíssimo pro-
veitoso e nada revelador.

A metodologia criada por Bill Hillier, denominada Space


Syntax1, talvez seja a melhor referência ao se tratar destas
questões. Hillier desenvolveu um método de análise base-
ado na identificação de padrões de movimento a partir da
observação de configurações espaciais existentes em um
determinado local.2

Grosso modo, o Space Syntax gera modelos de análise a


partir do cálculo matemático de determinadas propriedades
espaciais encontradas na forma física da cidade.

5.05
1
Mapa de acessibilidade espacial de Jeddah
Ver o segundo capitulo desta pesquisa.
na Arábia Saudita, Space Syntax.
2
HILLIER, Bill in New Urbanism and Beyond: Designing
Cities for the Future. New York: Rizzoli. 2OO8.p.30.

263
ANEXO

Estes modelos são representados por gradações de cores.


À medida que os padrões de movimento tornam-se mais
intensos, as cores ficam cada vez mais “quentes”. Ao pas-
so que os padrões vêm perdendo intensidade, as cores se
“esfriam”.

Deste modo, os modelos de representação do Space Syntax


funcionam como ‘padrões visuais’ baseados em gradações
de cores, constituindo um rico material de análise urbana.

Acreditas-se que, a exemplo do Space Syntax, os padrões


de conectividade de limites e fronteiras devam seguir uma
gradação, também representada por meio de cores.

Dentre aquilo que se abre e aquilo que não se fecha existe


um imenso intervalo repleto de possibilidades.

Padrões visuais

Os diagramas de profundidade territorial - baseados na te-


oria de N. J. Habraken e utilizados amplamente nas investi-
gações desta pesquisa - constituem preciosas ferramentas
gráficas que permitem compreender com maior clareza a
estrutura espacial de um determinado local.

Estes desenhos têm como objetivo representar a estrutura


espacial encontrada nas relações entre configurações dentro
de um determinado sistema, no que se refere ao controle
físico e territorial de acessos.

264
ANEXO

Como já observado no segundo capítulo desta pesquisa, os


diagramas são desenhos em preto e branco constituídos por
linhas e setas. As linhas contínuas e tracejadas representam
limites físicos e fronteiras territoriais, respectivamente. Já,
as setas indicam o sentido de acesso.

Acredita-se que estes diagramas também podem representar


a porosidade visual e a permeabilidade de movimento atra-
vés do uso de cores.

Deste modo, os diagramas ganham coloração. As linhas de


contorno passam a também representar a porosidade visu-
al, através do uso de uma gradação de cores. Quanto mais
poroso for um limite, menor será a intensidade da cor que o
representa. Assim, limites com baixíssima conectividade vi-
sual são representados por cores fortes e intensas, passando
a idéia de barreiras sólidas e bem definidas.

As setas também ganham gradação de cor, representando a


permeabilidade por movimento. Setas de cores mais inten-
sas representam alta conectividade de movimento, enquanto
as setas de cores menos intensas representam limites com
pouca possibilidade de atravessamento.

A seguir, serão apresentadas duas tabelas que representam


as gradações de cor a serem utilizadas nos diagramas de
5.06 profundidade territorial. Em ambas as tabelas, cada cor está
Diagramas de profundidade territo-
rial de uma habitação no Morro da associada a um determinado padrão de conectividade, que
Providência.
por sua vez, está relacionado a alguns aspectos físicos do
O diagrama abaixo representa através objeto.
das cores a porosidade visual e a
permeabilidade de movimento.

265
ANEXO

porosidade visual
quase nula exemplos:
empenas e muros cegos,
porosidade nula ou quase paredes sem aberturas.
nula pouca ou nenhuma
fenestração

baixa exemplos:
fachadas e muros com
pouca porosidade poucas aberturas,
poucas fenestrações paredes internas com
vãos de portas e janelas.

branda exemplos:
paredes à meia-altura,
porosidade moderada fachadas vazadas e/ou
alguns vãos e certa translúcidas.
translucidez

moderada exemplos:
muros e cercamentos
porosidade alta vazados, grades e pai-
forma contínua delgada néis translúcidos
em geral.

forte exemplos:
balizadores, pilotis,
porosidade muito alta colunas.
grandes vãos
constitui uma fronteira

muito forte
exemplos:
porosidade altíssima degraus, delimitações
demarcações e disposição de piso, abrangências
de objetos no solo de uso ocasional
constitui uma fronteira

266
ANEXO

permeabilidade de movimento
quase nula exemplos:
um muro, uma parede,
barreira física impermeável uma cerca.
conectividade nula
isolamento espacial

baixa exemplos:
pequenas passagens.
barreira física com
pouca conectividade

branda exemplos:
portões, portas, acessos.
barreira física com
conectividade
moderada

moderada exemplos:
galerias, frentes abertas
de lojas.
barreira física com
conectividade
alta

forte exemplos:
degraus, balizadores,
poucas obstruções pilotis.
conectividade muito alta
constitui uma fronteira

muito forte exemplos:


degraus, delimitações
nenhuma obstrução de piso, abrangências
conectividade plena ou de uso ocasional
quase plena
constitui uma fronteira

267
ANEXO

5.07
Trecho de calçada em Ipanema.

Grades, tapetes, marquise, vasos de


planta, toldos, vitrines, mobiliario e
revestimentos de piso demarcam
limites e fronteiras no ambiente.

É interessante observar como as pesso-


as distribuem o controle no espaço.

Ao se inserir padrões de conectividade nos diagramas de


profundidade territorial, acredita-se que seja possível ana-
lisar visualmente um determinado sistema. O emprego de
escalas de cores faz com que os diagramas tornem-se im-
portantes ferramentas “visuais” de análise.

Assim, o estudo de um trecho de rua ou de um grupamento


de casas pode ser representado através de uma espécie de
mapa visual. Suas cores e profundidades transmitem a idéia
de como a organização espacial de um determinado siste-
ma, ou grupo de sistemas, estrutura seus limites e fronteiras
no ambiente.

Fica a seguinte pergunta: Seria possível identificar padrões


sociais a partir da análise dos registrados obtidos por estes
mapas?

268
ANEXO

1+2 3 4+5

269
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FONTE DAS FIGURAS

Fonte das figuras

Introdução

fig. 0.01 - Barra da Tijuca: fotografia de Domingos Peixo- fig. 1.12 - Fotografias do autor.
to; o restante: fotografias do autor.
fig. 1.13 - Fotografias do autor.
fig. 0.02 - Pintura de William of Tyre, disponível em
http://www.wikipedia.org. fig. 1.14 - Fotografias do autor.

fig. 0.03 - Fotografia do autor. fig. 1.15 - Imagens do Google Earth.

fig. 0.04 - Fotografia do autor e imagem do Google Ear- fig. 1.16 - Croqui de Le Corbusier, disponível em http://www.
th. cleandesign05.co.uk

fig. 1.17 - Fotografia do autor.


Capítulo 1
fig. 1.18 - Fotografia do autor.
fig. 1.01 - Fotografia de João Sousa, disponível em
http://commons.wikimedia.org. fig. 1.19 - Imagem do Google Street View, Google Earth.

fig. 1.02 - Charge de Natalie Dee, disponível em http:// fig. 1.20 - Fotografia do autor.
www.nataliedee.com.
fig. 1.21 - Mapa de Giambattista Nolli, disponível em http://
fig. 1.03 - Charge de S. Hams, disponível em http://www. nolli.uoregon.edu/ e desenho de Alison e Peter Smithson, dis-
blogger.com. ponível em http://www.cleandesign05.co.uk.

fig. 1.04 - Fotografias do autor. fig. 1.22 - Fotografia de Iwan Baan, disponível em http://www.
archdaily.com
fig. 1.05 - Fotografias do autor.
fig. 1.23 - Disponível em http://oma.eu/
fig. 1.06 - Superstudio, disponível em ROWE, Colin e KO-
ETTER, Fred. Ciudad Collage. fig. 1.24 - Maquete em corte, disponível em REED, Peter. Al-
var Aalto 1898-1976.
fig. 1.07 - Croqui de Flavio Ferreira, disponível em FER-
REIRA, Flavio. Sobre a forma das Cidades Mineiras Anti- fig. 1.25 - Disponível na Internet.
gas. Tese de Doutorado.
fig. 1.26 - Ilustração de Chico Veríssimo; Diagrama do autor.
fig. 1.08 - Mapa de Kevin Lynch, disponível em LYNCH,
Kevin. Managing the Sense of a Region. fig. 1.27 - Pintura de Claude Monet, disponível em http://
www.wikipedia.org.
fig. 1.09 - Fotografia do autor.
fig. 1.28 - Mapa de Kevin Lynch, disponível em LYNCH, Kevin.
fig. 1.10 - Fotografias do autor. A imagem da cidade.

fig. 1.11 - Fotografias do autor. fig. 1.29 - Croqui de Chritopher Alexander, disponível em
ALEXANDER, Christopher. A Pattern Language.

276
FONTE DAS FIGURAS

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ALEXANDER, Christopher. A Pattern Language. fig. 2.18 - Croqui de Kevin Lynch, disponível em LYNCH,
Kevin. A imagem da cidade; fotografia de de Chritopher Ale-
fig. 2.02 - Diagramas de Fritjof Capra, disponível em CA- xander, disponível em ALEXANDER, Christopher. A Pattern
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fig. 2.03 - Croqui de Le Corbusier, disponível em LE COR- fig. 2.19 - Pintura de Erhard Jacoby, disponível em JUNG,
BUSIER. Urbanismo; Croqui de Chritopher Alexander, dis- Carl G. e FRANZ, M-L. O Homem e seus Símbolos.
ponível em ALEXANDER, Christopher. A Pattern Language.
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fig. 2.04 - Fotografia e diagrama de N.J. Habraken, dispo- radicalcartography.net.
nível em N.J. HABRAKEN.Structure of Ordinary.
fig. 2.21 -Fotografia do autor.
fig. 2.05 - Fotografia do autor.
fig. 2.22 - Mapa do autor.
fig. 2.06 - Mapas de Mc Harg, disponível em McHARG, Ian.
Design with Nature. fig. 2.23 - Fotografias do autor.

fig. 2.07 - Mapas de rem Koolhaas, disponível em KOO- fig. 2.24 - Imagem do Google Earth e fotografia do autor.
LHAAS, R. e MAU,B.. SMLXL.
fig. 2.25 - Fotografia de Carolina Moraes Lobo.
fig. 2.08 - Mapas de Paul Lukez, disponível em LUKEZ,
Paul. Suburban Transformation. fig. 2.26 - Imagem do Google Street View, Google Earth.

fig. 2.09 - Croqui de Kevin Lynch, disponível em LYNCH, fig. 2.27 - Imagem do Google Street View, Google Earth.
Kevin. A imagem da cidade.
fig. 2.28 - Fotografias e desenhos do autor.
fig. 2.10 - Mapas do autor.
fig. 2.29 - Desenhos disponíveis em LAMAS, J.M.R. Morfo-
fig. 2.11 - Mapas, disponíveis em PECLY, Maria Lúcia. Ar- logia urbana e desenho da cidade.
poador: uma paisagem oculta.
fig. 2.30 - Mapas disponíveis em LAMAS, J.M.R. Morfologia
fig. 2.12 - Fotografias do autor e imagens do Google Ear- urbana e desenho da cidade.
th.
fig. 2.31 - Imagens disponíveis em BARKI, J.; MIYAMOTO,
fig. 2.13 - Fotografias do autor. J.; AZEVEDO, G.N.; CONDE, M.. Caderno Didático da disci-
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disponível em http://www.designboom.com. fig. 2.32 - Imagens disponíveis em ROWE, Colin e KOETTER,
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fig. 2.15 - Imagem do Google Street View, Google Earth.
fig. 2.33 - Mapa de Giambattista Nolli, disponível em http://
fig. 2.16 - Fotografias do autor. nolli.uoregon.edu/ e desenho de Alison e Peter Smithson,
disponível em http://www.cleandesign05.co.uk.
fig. 2.17 - Planta apartamento disponível em http://www.
construart-al.com.br; tenda mongol e beduina disponívis fig. 2.34 - Fotografias e desenhos do autor.

277
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planta apartamento disponível em http://www.construart-al. fig. 3.12 - Fotografia do autor.
com.br; interior iglu: Ilustração de Paulosie Sivuak.
fig. 3.13 - Mapa disponível no Arquivo Nacional, acervo Cor-
fig. 2.36 - Ilustração de Chico Veríssimo; Diagrama do au- reio da Manhã.
tor.
fig. 3.14 - Fotograias de Augusto Malta, disponível no blog
fig. 2.37 - Diagrama do autor e planta de Newgate Prison, “Saudades do Rio” de Luiz Darcy.
1800, disponível em http://commons.wikimedia.org.
fig. 3.15 - Fotografia e desenhos do autor.
fig. 2.38 - Diagramas de Bill Hillier disponível em HILLIER,
Bill. Space is the machine. fig. 3.16 - Desenhos do autor.

fig. 2.39 - diagrama de N.J. Habraken, disponível em N.J. fig. 3.17 - Imagem do Google Earth e mapa do autor.
HABRAKEN.Structure of Ordinary.
fig. 3.18 - Mapa do autor e propaganda Spazio Redentore dis-
fig. 2.40 - Diagrama do autor. ponível em http://imoveis.mrv.com.br.

fig. 2.41 - diagramas de N.J. Habraken, disponível em N.J. fig. 3.19 - Fotografia do autor.
HABRAKEN.Structure of Ordinary.
fig. 3.20 - Fotografia de Marc Ferrez, disponível em PI-
NHEIRO, Eliane Canedo de Freitas, PINHEIRO, Augusto Ivan de
Freitas (org.) et al.. Lagoa.
Capítulo 3
fig. 3.21 - Mapas do autor.
fig. 3.01 - Fotografia do autor.
fig. 3.22 - Mapas do autor.
fig. 3.02 - Fotografia do autor.
fig. 3.23 - Imagens do Google Earth
fig. 3.03 - Fotografia disponível em CARDEMAN, David e
CARDEMAN, Rogério G. O Rio de Janeiro nas Alturas. fig. 3.24 - Fotografia de Marcio Machado.

fig. 3.04 - Imagem do Google Earth e mapa do autor. fig. 3.25 - Mapas do autor.

fig. 3.05 - xx fig. 3.26 - Fotografia de Raystorm.

fig. 3.06 - Fotografia disponível em http://www.rioquepas- fig. 3.27 - Imagem do Google Earth e mapa do autor.
sou.com.br.
fig. 3.28 - Fotografia do autor.
fig. 3.07 - Fotomontagem sobre imagem do Google Earth.
fig. 3.29 - Trecho de propaganda, disponível em http://www.
fig. 3.08 - Fotografias do autor. carvalhohosken.com.br.

fig. 3.09 - Imagem do Google Earth e mapa do autor. fig. 3.30 - Panfleto publicitário de distribuição gratuita.

fig. 3.10 - Croqui de Kevin Lynch, disponível em LYNCH, fig. 3.31 - Diagramas do autor.
Kevin. A imagem da cidade.

278
FONTE DAS FIGURAS

fig. 3.32 - Diagramas do autor. fig. 3.51 - Fotografias do autor.

fig. 3.33 - Fotografia do autor. fig. 3.52 - Fotografias do autor.

fig. 3.34 - Logomarca Cidade Jardim, disponível em fig. 3.53 - Fotografias do autor.
http://www.carvalhohosken.com.br.; planta de presídio
panótico, disponível em http://www.docarzt.com. fig. 3.54 - Fotografias do autor.

fig. 3.35 - Fotomontagem de MoVLe projetos. fig. 3.55 - Planta do Leblon, disponível em PINHEIRO, Eliane
Canedo de Freitas, PINHEIRO, Augusto Ivan de Freitas (org.) et
fig. 3.36 - Imagens do Google Earth. al.. Lagoa.

fig. 3.37 - Diagramas do autor. fig. 3.56 - Fotografias disponíveis em PINHEIRO, Eliane Ca-
nedo de Freitas, PINHEIRO, Augusto Ivan de Freitas (org.) et
fig. 3.38 - Fotografias do autor. al.. Lagoa.

fig. 3.39 - Imagens do Google Earth. fig. 3.57 - Fotografia disponível em PINHEIRO, Eliane Cane-
do de Freitas, PINHEIRO, Augusto Ivan de Freitas (org.) et al..
fig. 3.40 - Imagens do Google Earth e mapas do autor. Lagoa.

fig. 3.41 - Imagens do Google Earth. fig. 3.58 - Maquete em corte, disponível em REED, Peter. Alvar
Aalto 1898-1976; Mapa de Giambattista Nolli, disponível em
fig. 3.42 -Fotografia de Augusto Malta, disponível em http://nolli.uoregon.edu/; desenho de Alison e Peter Smithson,
PINHEIRO, Eliane Canedo de Freitas, PINHEIRO, Augus- disponível em http://www.cleandesign05.co.uk.
to Ivan de Freitas (org.) et al.. Lagoa.
fig. 3.59 - Planta do Leblon, disponível em PINHEIRO, Eliane
fig. 3.43 - Fotografia aérea disponível em PINHEIRO, Canedo de Freitas, PINHEIRO, Augusto Ivan de Freitas (org.) et
Eliane Canedo de Freitas, PINHEIRO, Augusto Ivan de al.. Lagoa.
Freitas (org.) et al.. Lagoa; Imagem do Google Earth.
fig. 3.60 - Fotografia disponível em PINHEIRO, Eliane Cane-
fig. 3.44 - Fotografia e diagrama do autor. do de Freitas, PINHEIRO, Augusto Ivan de Freitas (org.) et al..
Lagoa.
fig. 3.45 - Fotomontagem sobre Imagem do Google Ear-
th. fig. 3.61 - Diagramas do autor.

fig. 3.46 - Diagrama do autor. fig. 3.62 - Fotografia do autor.

fig. 3.47 - Fotografia do autor; Desenho de Le Corbu- fig. 3.63 - Fotografias do autor.
sier, vista de uma cidade contemporânea, disponível em
LE CORBUSIER. Urbanismo. fig. 3.64 - Fotografia disponível em PINHEIRO, Eliane Cane-
do de Freitas, PINHEIRO, Augusto Ivan de Freitas (org.) et al..
fig. 3.48 - Fotografias do autor. Lagoa.

fig. 3.49 - Desenhos do autor. fig. 3.65 - Fotografia de André Teixeira; fotografia do autor.

fig. 3.50 - Fotografia do autor; Ilustração disponível em fig. 3.66 - Fotografias do autor.
http://www.wikipedia.org.
fig. 3.67 - Fotografia de Timothy Hursley, disponível em http://

279
FONTE DAS FIGURAS

www.kswa.com; desenhos de Gordon Cullen, dispo- Conclusão


nível em LAMAS, J.M.R. Morfologia urbana e desenho
da cidade; desenho de Pierre Aveline, disponível em fig. 4.01 - Fotografias do autor.
HABRAKEN, N.J.. Structure of Ordinary.
fig. 4.02 - Ilustração de Chico Veríssimo.
fig. 3.68 - Fotografia do autor.
fig. 4.03 - Fotografia do autor.
fig. 3.69 - Diagrama do autor.
fig. 4.04 - Croqui de Kevin Lynch, disponível em LYNCH, Ke-
fig. 3.70 - Imagem do Google Earth. vin. A imagem da cidade; Croqui de Chritopher Alexander, dis-
ponível em ALEXANDER, Christopher. A Pattern Language.
fig. 3.71 - Fotografia do autor.

fig. 3.72 - Fotografia do autor. Anexo

fig. 3.73 - Fotografia do autor. fig. 5.01 - Fotografia de Roryrory, disponível em http://www.
flickr.com.
fig. 3.74 - Fotografias e diagramas do autor.
fig. 5.02 - Fotografia de Jerry, disponível em http://picasa-
fig. 3.75 - Fotografia do autor. web.google.com.

fig. 3.76 - Fotografia do autor. fig. 5.03 - Desenho disponível em http://nar-mer.tripod.com/


teby.
fig. 3.77 - Fotografia do autor.
fig. 5.04 - Fotografias disponíveis em APARECIDA, Anahi H.;
fig. 3.78 - Fotografia do autor. GUASTALDI, Antonio C. and FOOK, Marcus V. L.. Desenvol-
vimento e caracterização de suportes porosos de polietileno
fig. 3.79 - Fotografia do autor. de ultra alto peso molecular (PEUAPM) para utilização como
biomaterial para reposição e regeneração óssea. Polímeros
fig. 3.80 - Imagem do Google Earth. [online]. 2008, vol.18, n.4, pp. 277-280.

fig. 3.81 - Fotografias do autor. fig. 5.05 - Diagramas de Bill Hilier disponíveis em http://spa-
cesyntax.com.
fig. 3.82 - Fotografia do autor.
fig. 5.06 - Fotografias e diagramas do autor.
fig. 3.83 - Imagem do Google Earth.
fig. 5.07 - Fotografia do autor.
fig. 3.84 - Fotografia do autor.

fig. 3.85 - Fotografia do autor.

fig. 3.86 - Imagens do Google Earth.

fig. 3.87 - Diagramas do autor.

fig. 3.88 - Fotografias do autor.

280

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