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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

CAMPUS BAIXADA SANTISTA

GABRIEL FERREIRA RIBEIRO DE JESUS

ESTRUTURAS MEDITATIVAS E AQUECIMENTO PARA


PERFORMANCE PÚBLICA:
UMA INVESTIGAÇÃO QUALITATIVA A PARTIR DA
EXPERIÊNCIA DE MÚSICOS

SANTOS
2021
GABRIEL FERREIRA RIBEIRO DE JESUS

ESTRUTURAS MEDITATIVAS E AQUECIMENTO PARA


PERFORMANCE PÚBLICA:
UMA INVESTIGAÇÃO QUALITATIVA A PARTIR DA
EXPERIÊNCIA DE MÚSICOS

Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado como


exigência parcial para a obtenção do grau de Bacharel
no curso de Psicologia, ao Instituto de Saúde e
Sociedade da Universidade Federal de São Paulo -
Campus Baixada Santista.
Orientador​: Prof. Dr. Vinícius Demarchi Silva Terra.

SANTOS
2021
Primeiramente, dedico este trabalho a meu avô, que acompanhou meu processo de iniciar uma
graduação, tinha grandes perspectivas de me ver finalizar esse processo, mas não está aqui
para presenciar esse momento. Dedico este trabalho a todos que de alguma forma
participaram dele, sendo através de inspirações para o tema, contribuições bibliográficas,
conversas esclarecedoras ou colaborando com sua própria construção. Dedico aos meus pais e
amigos, meu orientador e todos que de alguma forma se beneficiem do conteúdo deste
trabalho.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente quero agradecer aos meus pais, Reinaldo e Ligia, sem os quais eu não
estaria finalizando essa etapa tão simbólica na minha graduação, mas mais ainda, por terem
sempre me apoiado e se dedicado incansavelmente para que eu conseguisse chegar até esse
momento na minha formação acadêmica, como pessoa e como futuro profissional da
Psicologia.
Gostaria de agradecer ao meu orientador, Prof. Dr. Vinícius Demarchi Silva Terra, por
ter me guiado com tanto afeto na escrita e construção desse projeto com tanto, por seu
empenho em cada uma de nossas reuniões sempre a fim de garantir que eu estaria no melhor
caminho possível. Mas principalmente, por ter levado em conta minhas individualidades,
gostos e preferências ao compor a temática deste trabalho.
E por último, mas com certeza não menos importantes, gostaria de agradecer aos meus
amigos que me apoiaram durante cada etapa e progresso deste trabalho. Ao meu amigo Ciro,
por ter dado o pontapé inicial na construção das entrevistas. À minha amiga Luana, com sua
inesgotável praticidade para as minhas dificuldades de organização. E à minha segunda
família (Liam, Davi, Rômulo, Juan, Henrique e João), por terem comemorado em cada
pequena conquista minha e me dado o privilégio das suas companhias até esse ponto da
minha vida.
EPÍGRAFE

“A ciência atua na fronteira entre o conhecimento e a ignorância sem medo de admitir que
não sabemos. Não há nenhuma vergonha nisso. A única vergonha é fingir que temos todas as
respostas.”
Neil deGrasse Tyson
RESUMO

Este estudo analisou os diferentes métodos e técnicas de preparação para apresentações


públicas utilizados por músicos experientes, partindo da hipótese de que possuíam elementos
constitutivos de uma prática meditativa. Foram utilizados um questionário fechado e uma
entrevista semi-estruturada, e os dados coletados foram analisados segundo a Análise de
Conteúdo. Após cuidadosa categorização de falas dos entrevistados, pôde-se obter que o
processo de preparação para performance pública é organizado de forma ampliada ao longo
do tempo; os objetivos do aquecimento visam principalmente diminuição da ansiedade e
prevenção de lesões; e a concepção leiga dos entrevistados à respeito da meditação engloba
manejo da saúde mental e percepções espirituais. Concluiu-se que apesar dos objetivos do
trabalho terem sido plenamente alcançados, não foram encontradas informações suficientes
que caracterizassem as técnicas de aquecimento inteiramente como métodos meditativos.

Palavras-chave: ​Música. Meditação. Mindfulness. Aquecimento. Ansiedade de Performance


Musical.
ABSTRACT
This study analyzed, from the experiences of musicians, the different methods and techniques
employed for warm-up before presentations and if there were essential elements in common
with meditation practices. It was utilized one closed interview and one semi-structured
interview, and the data obtained was examined via a Content Analysis. After careful
categorization of the interviewed information, it became possible to assess that the procedures
for public performances were arranged widely through periods of time; the warm-up goals
were mainly aimed at decreasing anxiety and injury prevention; also, the interviewed lay
conceptions about meditation included, anxiety mental health management and spiritual
perceptions. In conclusion, although the main objectives of this research were fully reached,
there was not sufficient evidence to fully characterize warm-up techniques as meditation
methods.

Keywords: ​Music. Meditation. Mindfulness. Warm-up. Music Performance Anxiety.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Representação do processo meditativo 13


LISTA DE TABELAS

TABELA 1 Perfis dos entrevistados 19

TABELA 2.1 Percepções da preparação, segundo relatos 21


dos entrevistados

TABELA 2.2 Objetivos e técnicas de aquecimento, 22


segundo relatos dos entrevistados

TABELA 2.3 Objetivos e técnicas de meditação, com 23


respectivos relatos dos entrevistados

TABELA 3 Diferentes fases de preparação anterior à 26


performance pública
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 10

2. DESENVOLVIMENTO 11
2.1 Revisão de literatura 11

3. METODOLOGIA 15
3.1 Pesquisa qualitativa 15
3.2 Instrumentos 15
3.3 Coleta de Dados 16
3.4 Análise dos Resultados 17
3.5 Riscos do projeto 17

4. RESULTADOS 19

5. DISCUSSÃO 24
5.1 A percepção ampliada do processo de preparação para show 24
5.2 Análise dos objetivos do aquecimento 28
5.3 Concepções dos entrevistados sobre as práticas meditativas 32

6. CONCLUSÃO 34

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 36

APÊNDICES 38

ANEXOS 42
10

1. INTRODUÇÃO

Para o autor deste Trabalho de Conclusão de Curso, o tema da música sempre foi algo
de grande interesse durante todo o período de graduação. Por ter sempre tido enorme
proximidade, devido à prática instrumental de bateria, fez com que desde o início do projeto
houvesse a intenção de pesquisar algo relacionado à música. Para o autor, tocar um
instrumento musical tem grande significado subjetivo, por conta de possibilitar uma expressão
da individualidade particular do sujeito, revelando emoções, pontos de vista, experiências
vividas, crenças, entre outras temáticas relativas ao ambiente no qual o indivíduo está
inserido. Ainda, por conta do orientador deste trabalho ter conhecimento sobre área de
práticas meditativas, foi decidido fazer a investigação aprofundada a respeito da possível
relação entre as duas temáticas, pensando a preparação anterior à performance pública como
um momento no qual haveria qualidades meditativas envolvidas.
Ademais, apurar como se dá o funcionamento e o efeito das práticas de aquecimento
para músicos, por meio da base teórica das práticas meditativas, pode ser bastante proveitoso
para o ramo da Psicologia como um todo. Tendo em mente que tais práticas agem sobre
processos cognitivos ​(EYSENCK; KEANE, 2017)​, uma correlação entre ambos os conteúdos
possibilita maior entendimento sobre os efeitos que o aquecimento possui sobre a cognição de
músicos.
Além disso, mais especificamente com relação à área de pesquisa em música, e muito
possivelmente o ramo da “Psicologia da Música” (Music Psychology), as contribuições deste
trabalho visam a investigação minuciosa e qualitativa das estratégias de aquecimento
utilizadas por músicos, incluindo também suas estratégias para manejo de ansiedade ligada à
performance. Nesse sentido, explicitar quais são algumas dessas estratégias, como funcionam
e qual sua relação com a organização do preparo para show proporcionaria grandes avanços
para as competências técnicas e saúde mental da classe musicista.
Por fim, há a contribuição conceitual sobre a “ansiedade de performance musical” (ou
MPA), temática que será detalhadamente abordada no decorrer deste trabalho, haja vista que
se tornou um conceito crucial para desenvolvimento deste estudo. A MPA é qualificada como
um fenômeno multidimensional, variando seu grau de influência de acordo com a
11

predisposição do sujeito à ansiedade, a dificuldade da tarefa e o ambiente onde será realizada


a apresentação (PAPAGEORGI; HALLAM e WELCH; 2007).
12

2. DESENVOLVIMENTO

2.1 Revisão de literatura

A performance pública costuma despertar diferentes níveis de desconforto dentre os


musicistas, pois tendem a exigir um grau máximo de esforço e desempenho nas suas
exibições. Mais especificamente, a ansiedade é um fator presente nessas situações, tendo
efeitos variados dependendo do indivíduo.
O estudo de Papageorgi; Hallam e Welch (2007) aponta que, a partir do momento que
o músico se compromete em se apresentar publicamente, pode haver o desenvolvimento de
uma “ansiedade de performance musical” (ou MPA - Music Performance Anxiety), um
processo o qual tem repercussões no antes, no durante e depois do show. Além disso, os
autores apontam que esses níveis variam devido a alguns fatores como: predisposição do
indivíduo, sua eficácia com relação à tarefa e o ambiente no qual a apresentação será
realizada.
Grings e Hentschke (2013) retratam que a performance musical é uma mostra do
desempenho do musicista, sua maneira de interpretar a música tocada, criando uma forma
mais pessoal de executá-la e comunicá-la ao público. As autoras discutem também, em
concordância com o estudo de Papageorgi; Hallam e Welch (2007), que a ansiedade em níveis
elevados está dentre os elementos que prejudicam o espetáculo por fazer alterações à
motivação, pensamentos e avaliações do músico.
Uma ampla revisão1 foi realizada por Rodriguez-Carvajal e Cruz (2014), a respeito de
Mindfulness aplicado ao campo da Música. A revisão aponta que a MPA tem sido
considerada como um subtipo de fobia social, mais relacionado à apresentações em palcos
(“stage-fright”). Estes autores levam em conta a alta demanda da profissão musical, com alta
competição entre os artistas e também tarefas exigentes e complexas. Como proposta de
intervenção, os pesquisadores presumem algumas associações entre MPA e práticas de
Mindfulness,​ pois têm se mostrado eficazes em tratar distúrbios de ansiedade dada sua
capacidade de redução de sofrimento por estresse e melhora de bem-estar. Demais estudos

1
No trabalho citado, primariamente selecionou-se artigos empíricos e teóricos, teses, dissertações e livros, ao
longo de 10 anos; e numa seleção secundária, publicações mais antigas, com maior número de citações e
referências de revistas de alto impacto foram escolhidas. Com esse método, foram apreciados inicialmente 1730
trabalhos, porém 27 satisfizeram os critérios levantados.
13

avaliados por este grupo de pesquisadores concluem que técnicas de meditação ​Mindfulness e
Zen foram benéficas para os musicistas, pois, além de auxiliarem nos pontos já citados, as
habilidades meditativas adquiridas permitiriam a transformação da MPA em propulsor
qualitativo da execução artística, ao interpretar a situação ansiogênica como um desafio e com
isso nutrindo a interpretação da obra tocada.
Em afinco com os trabalhos supracitados, revisões de periódicos realizadas por Diaz
(2018) atestam práticas meditativas, do tipo ​Mindfulness​, transcendental, yoga, tai chi, entre
outras, tiveram maior chance de redução de estresse psicológico em músicos,
consequentemente, melhorando a qualidade da performance. Particularmente, Diaz (2018)
também analisou a relação entre traços de perfeccionismo, traços de ​Mindfulness​, meditação e
a redução de MPA em musicistas, concluindo que uma parte considerável dos participantes
praticava meditação (48%), obtendo então redução de MPA apesar de manterem níveis
constantes de perfeccionismo e traços de ​Mindfulness​.
Para além da performance, a meditação tem se mostrado benéfica no dia-a-dia ao ser
mantida como uma prática regular. Seus benefícios abrangem: diminuição da frequência
cardíaca, pressão arterial, colesterol, sintomas de ansiedade e depressão; aumento de
bem-estar, nível de percepção e atenção, memória e concentração; melhora da coordenação
motora e tempo de resposta, dentre outros benefícios (GOMES, 2016).
O termo meditação pode ser entendido tanto como um estado de consciência quanto
como uma técnica, e como uma técnica é possível de ser descrito, refinado e passível de ser
usado em protocolos de pesquisa.
Seguindo a definição de Cardoso et al. (2016), o processo meditativo ocorre a partir de
um foco em si mesmo, o qual é usado pelo indivíduo como ponto de retorno quando ele
percebe que está se deixando levar pelo fluxo de pensamentos, continuando até atingir o
“relaxamento lógico”; desta forma, o estado meditativo pode proporcionar uma melhora
significativa na atenção e no estado de humor do indivíduo, os quais são fatores
importantíssimos para que o instrumentista consiga ter uma boa performance pública.
Com relação à situação anterior à performance, Paull e Harrison (1998) propõem que
o artista faça alguma forma de aquecimento. Alguns exemplos seriam uma caminhada ou trote
rápido, e subir e descer escadas repetidamente, de modo que se sinta mais quente e
fortalecido. Também é possível aquecer com o instrumento, sendo uma ilustração clara o
preparo que pianistas efetuam ao praticarem escalas e arpejos em sequência, alternando a
14

velocidade a medida que vão se sentindo confortáveis para isso e dependendo da demanda do
concerto em questão (PAULL e HARRISON, 1998).
O estudo de Zaza e Farewell (1997) explicita que o aquecimento musical, assim como
intervalos entre momentos de prática, devem ser incorporados à rotina do musicista, pois tem
potencial preventivo de lesões musculoesqueléticas, além de poderem contribuir no processo
de aprendizado e treino do instrumento. Em conformidade, Gonçalves (2014) argumenta que
o aquecimento musical tem como propósito não apenas uma preparação física, mas também
auxilia na concentração e foco das características sonoras, proporcionando melhora dos
momentos de estudo e de apresentação. Ademais, a autora indica que o aquecimento pode
englobar outros propósitos como: antecipação de problemas; introdução de novos conteúdos
de forma simples e lógica; e ainda, representar uma forma de preparação física e psicológica.
Por fim, considerando então essa forma de preparo como sendo o “aquecimento”
como descrito por Gonçalves (2014), pode-se afirmar que ele possui elementos de preparo
não só físico – preparação de forma relaxada, sem tensão dos músculos e gradual – como
também de preparo psicológico – tomada de consciência de fatores relevantes para aspectos
musicais mais detalhados.

Figura 1: Representação do processo meditativo

A Figura 1 ilustra o processo descrito acima, indo do “foco na Âncora” para o “efeito de
exercitar o foco na Âncora”, então o “Relaxamento Lógico” e em seguida deixando-se envolver no
“fluxo de pensamentos” para enfim retornar ao “foco na Âncora”. ​Fonte: Autoria própria.
15

Assim sendo, levando em conta as consequências psicológicas, as práticas meditativas


poderiam ser uma alternativa para aprofundar o conhecimento sobre o impacto do preparo
musical na apresentação, devido aos benefícios que tais práticas acarretam em estados de
humor e atenção. Diante dessa possibilidade, questiona-se: de que modo os músicos elaboram
a sua preparação para a performance pública? Ao manter sua atenção direcionada
continuamente num único foco por conta do aquecimento, o artista estaria efetuando o
movimento mental de “vai-e-vem” (loop operacional) presente na meditação? Conforme o seu
conceito operacional, no exercício meditativo o indivíduo vai gradualmente focando sua
atenção na “âncora”, sendo que no momento em que se percebe divagando em seus próprios
pensamentos, deve imediatamente retornar o foco atencional à “âncora” (CARDOSO et al.,
2016).
Para tanto, o objetivo deste trabalho é analisar qualitativamente os diferentes métodos
e técnicas de preparação para apresentações públicas utilizados por músicos experientes que
atuam ou fazem aulas numa escola de música da cidade de Santos/SP. Adotou-se como
hipótese, portanto, que as técnicas de preparo utilizadas por músicos, especificamente na
situação de performance pública, contém elementos estruturais de uma prática meditativa.
16

3. METODOLOGIA

3.1 Pesquisa qualitativa

A partir de Gomes (2002), a pesquisa qualitativa é aquela que tenta investigar o


universo de crenças, percepções ou motivações dos indivíduos, fazendo a ressalva de que o
conjunto de dados qualitativos e quantitativos são complementares, pois a realidade abrangida
por eles interage dinamicamente excluindo qualquer dicotomia.
Apesar de haver um momento separado para uma análise explícita dos dados, durante
o momento da coleta a análise já poderá estar ocorrendo, sendo necessário ter cautela com três
obstáculos principais para uma análise eficiente: a ilusão do pesquisador em achar que a
realidade dos dados logo à primeira vista se apresenta de forma óbvia (isso pode variar
mediante a familiaridade que o pesquisador possui com o tema); a devida consideração dos
dados coletados, por conta de a pesquisa manter seu foco em questionamentos dos
procedimentos metodológicos; e por último, a dificuldade em articular as conclusões a partir
dos dados concretos com conceitos mais abstratos (GOMES, 2002).

3.2 Instrumentos

A aquisição de dados foi realizada através de questionários fechados e roteiros de


perguntas semiestruturadas com os sujeitos participantes do estudo. A entrevista não significa
uma conversa despretensiosa e neutra, tendo em vista que o pesquisador se insere como meio
de coleta dos fatos relatados pelos sujeitos, portanto, sendo entendida como uma conversa a
dois com propósitos bem definidos (GOMES, 2002).
A entrevista semiestruturada é uma articulação entre duas outras formas de entrevista,
a não-estruturada e a estruturada:
Em geral, as entrevistas podem ser ​estruturadas ​e ​não-estruturadas​, correspondendo
ao fato de serem mais ou menos dirigidas. Assim, torna-se possível trabalhar com a
entrevista ​aberta o​ u ​não-estruturada​, onde o informante aborda livremente o tema
proposto; bem como com as ​estruturadas ​que pressupõem ​perguntas previamente
formuladas. Há formas, no entanto, que articulam essas duas modalidades,
caracterizando-se como ​entrevistas semi-estruturadas​ (GOMES, 2002, P.58).
17

3.3 Coleta de Dados

O processo da coleta de dados teve início após estabelecer-se comunicação com a


instituição de ensino, a qual autorizou a realização do estudo (carta de anuência anexa) e
indicou pessoas para serem contatadas e convidadas a participar do processo de pesquisa. As
entrevistas em si foram realizadas na instituição educativa, em horário agendado em comum
acordo com os participantes da pesquisa e com os responsáveis pela instituição. Os sujeitos
entrevistados foram músicos/musicistas experientes que possuem vínculo de estudo na
instituição de ensino musical. Adotou-se as definições de Zhang et al. (2018), que entendem
que o músico (ou musicista) é o indivíduo que possui um mínimo de 6 anos de expertise
musical, prática minimamente com seus instrumentos durante 1 hora por semana, além de
estar estudando ou ter estudado em instituições de ensino formal (universidades) ou
instituições de ensino não-formal (cursos técnicos ou instituições independentes de ensino)
relacionadas à música.
Portanto, o artigo utilizado como base para os critérios de exclusão-inclusão utiliza o
componente da habilidade musical, ou seja, o indivíduo que possui expertise musical em um
determinado instrumento. A definição em questão terá efeito sobre os critérios de
exclusão-inclusão dos sujeitos entrevistados, para que possa haver um maior rigor sobre qual
o nível de expertise dos músicos participantes deste estudo.
Além disso, foram adotados como critérios de inclusão a faixa etária maior ou igual a
18 anos de idade, o vínculo com a instituição (ser aluno ou professor) na qual a coleta de
dados será realizada e a realização de mínimo 2 (duas) ou mais apresentações públicas no mês
anterior ao início da coleta de dados. Tais critérios foram adotados, pois há a intenção de que
participem do estudo apenas sujeitos adultos, que estejam estudando frequentemente e
apresentando-se publicamente em períodos recentes em relação à produção da pesquisa.
Como critérios de não inclusão serão considerados: ser menor de 18 anos, não se
encaixar nos critérios previamente citados, não aceitar participar do estudo e desistir do
estudo no decorrer do processo.
Por fim, como critério para tamanho de amostragem foi utilizado o Critério de
Saturação, o qual denota a suspensão da coleta de dados quando estes passam a apresentar
certa redundância ou repetição; nesse sentido, as informações fornecidas por potenciais novos
18

entrevistados contribuíram pouco ao restante da pesquisa e teriam pouco impacto na reflexão


teórica construída (FONTANELLA; RICAS e TURATO, 2008).

3.4 Análise dos Resultados

Para esta etapa do projeto foi utilizada a metodologia da Análise de Conteúdo de


Laurence Bardin, a qual consiste em um conjunto de técnicas para analisar as comunicações,
podendo ser análise dos significados (análise temática) ou dos significantes (análise léxica,
análise dos procedimentos), utilizando também procedimentos sistemáticos e objetivos de
descrição do conteúdo das passagens (BARDIN, 2006).
A partir de Bardin (2006), segundo a metodologia da Análise de Conteúdo, é
necessário a divisão de três fases: ​pré-análise, exploração do material e tratamento dos
resultados.​
A primeira fase, ​pré-análise​, caracteriza-se como uma fase de organização, na qual
estabelece-se um esquema de trabalho que deve ser preciso, embora flexível. É necessário ser
feita uma “leitura flutuante”, ou seja, um primeiro contato com os documentos que serão
submetidos à análise com formulação de hipóteses, elaboração de indicadores que orientarão a
interpretação e a preparação formal do material coletado (BARDIN, 2006).
A segunda fase, ​exploração do material,​ caracteriza-se como uma fase na qual as
unidades de codificação são escolhidas, utilizando os procedimentos de classificação,
codificação e categorização propostos por Bardin (2006). Com as unidades de codificação
escolhidas, o próximo passo é a classificação em blocos que expressam determinadas
categorias que confirmam ou modificam aquelas presentes nas hipóteses e referenciais
teóricos inicialmente propostos; assim, em um movimento que transita entre esses dois
tópicos iniciais e os dados coletados, as categorias vão se tornando cada vez mais claras e
apropriadas aos propósitos do estudo.
Na terceira fase, ​tratamento dos resultados, o​ pesquisador busca a partir dos dados
brutos, torná-los significativos e válidos. A interpretação dos dados busca ir além do conteúdo
explícito dos documentos, pois interessa ao pesquisador o conteúdo implícito, o sentido que
se encontra por trás do que foi imediatamente apreendido a partir da coleta (BARDIN, 2006).
19

3.5 Riscos do projeto

Os riscos são mínimos e relacionados aos procedimentos de entrevista, que podem


causar algum desconforto ou constrangimento ao participante.

3.6 Questões Éticas


O projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), CEP/UNIFESP n:1342/2019, e número do
parecer 2.776.346, conforme documento ANEXO B.
20

4. RESULTADOS

TABELA 1: Perfis dos entrevistados

Fonte: Autoria própria.

A Tabela 1 exibe dados dos perfis dos entrevistados, a fim de constatar possíveis
informações em comum entre os participantes. As informações presentes são idade,
instrumento(s) tocado(s), nível de escolaridade, profissão, tipo de vínculo com a instituição da
qual os participantes foram indicados, cidade e bairro onde residem, frequência de prática
com o(s) instrumento(s), duração média diária do treino com o(s) instrumento(s), a quanto
21

tempo toca o(s) instrumento(s), se costuma fazer apresentações individuais ou coletivas e em


quais locais costuma se apresentar.
Os indivíduos em sua totalidade são homens, apresentando idade média de 29 anos
(abrangendo de 23 à 35 anos), sendo que a maioria teve contato ou já cursou o Ensino
Superior (2 possuem Ensino Superior Completo, 1 possui Ensino Superior Incompleto e 1 está
cursando).
Em sua maior parte, os músicos entrevistados tocam bateria, contando apenas com 1
entrevistado que toca teclado e piano e 1 que toca violão, guitarra, baixo e canta. Nos
primeiros anos após ser fundada, a escola disponibilizava apenas aulas de bateria e só
posteriormente ofereceria o ensino de outros instrumentos, caracterizando, portanto, um foco
maior no aprendizado de bateria ainda hoje.
A maior parte dos indivíduos se definiu como Músico quando perguntados sobre sua
principal ocupação profissional, e uma parcela secundária atua como Professor de Música. No
entanto, quando questionados sobre seu tipo de vínculo com a instituição na qual as
entrevistas foram realizadas, a maioria referiu-se como Professor da mesma (sendo um deles o
proprietário). Os indivíduos, predominantemente, são residentes da Baixada Santista, sendo 3
do município de Santos, 2 do município de São Vicente e 1 do município de Peruíbe, sendo
apenas 1 residente de São Paulo.
Quanto à prática com o instrumento, a maior parte dos participantes relatou praticar 7
vezes na semana (ou seja, 1 vez por dia). Porém o tempo de prática variou consideravelmente,
tendo em média 3 horas por dia; ainda, vale fazer a ressalva de que um dos participantes
relatou um período de 10 horas a 12 horas de prática diária, portanto pode ter enviesado a
média de horas de prática dos participantes. Já com relação à quantidade de anos envolvido na
prática com música, a média dos participantes foi aproximadamente de 18 anos.
Por fim, os entrevistados, em geral, relataram apresentar-se coletivamente, sendo que
apenas 2 relataram apresentar-se tanto individualmente quanto coletivamente. Os locais ou
eventos nos quais se apresentam foram bem diversificados, abrangendo principalmente casas
noturnas (ou casas de show), bares e eventos corporativos, mas podendo haver apresentações
também em formaturas, casamentos, restaurantes, igrejas ou eventos públicos.
22

A apresentação dos resultados será realizada a partir das organização de códigos e


categorias, construídas a partir da Análise de Conteúdo de Bardin. A explicação do
desenvolvimento e integração de códigos, bem como categorias, está desenvolvida no
APÊNDICE A. Os códigos definidos a priori foram:
1) Percepções da preparação
2) Objetivos e técnicas de aquecimento
3) Objetivos e técnicas de meditação

A seguir constam as tabelas respectivas à cada categoria juntamente com falas dos
sujeitos.

TABELA 2.1: Percepções da preparação, segundo relatos dos entrevistados

SUBCATEGORIAS RELATOS DOS ENTREVISTADOS

Percepção ampliada do processo de E1: Normalmente coletivo. Porque normalmente a gente está em
preparação da performance pública camarim, né, então antes da apresentação a gente fica junto no
camarim. Então tem muita brincadeira né, a gente... a banda é
muito sarrista assim, então tira bastante sarro, brinca, a gente está
comendo junto, tomando bebida junto, então tem essa coisa de
deixar o clima bom, né. [...] Não, a gente não tem esse costume de
fazer prática com instrumento antes do show. A prática acontece
na passagem de som, a gente vai montar lá né, fazer o
soundcheck. Os cantores que fazem aquecimento sim, os cantores
têm lá as técnicas para aquecer e tal, entendeu.

E5: Então, a gente chegou umas 11h - 12h lá no Memorial, então


até a hora de tocar, que era por volta de 16h - 17h, a gente ficou lá
e tinha um camarim para a gente, então querendo ou não, dando
uma relaxada quando tem esse… espaço. Então a gente acaba
ficando mais confortável, senta no sofá, respira, às vezes dá uma
alongada, dá uma volta, para dar uma tranquilizada. Mas
geralmente, pelo menos antes de tocar, seja num lugar pequeno ou
grande eu sempre tiro, antes de ir para o palco, tiro uns 10 - 15
minutos, perto da hora de começar… [...]
Fonte: Autoria própria.

Num geral, como exposto na Tabela 2.1, os sujeitos demonstraram uma percepção
ampliada do processo de preparação da performance pública, pois não era caracterizado
apenas como um período específico com ações pontuais a serem realizadas. Dependendo da
demanda do show e das particularidades de cada entrevistado, a organização para a
apresentação poderia iniciar meses, semanas ou até momentos antes e cada entrevistado
possui técnicas individuais a serem realizadas no pré e pós show.
23

TABELA 2.2: ​Objetivos​ e ​técnicas de aquecimento​, segundo relatos dos entrevistados

SUBCATEGORIAS RELATOS DOS ENTREVISTADOS

Manejo de ansiedade E5: Mas geralmente, pelo menos antes de tocar, seja num lugar
pequeno ou grande eu sempre tiro, antes de ir para o palco, ​tiro
uns 10 - 15 minutos, perto da hora de começar...eu dou uma
respirada, acalmo, eu ponho a música no fone de ouvido só para
dar uma dispersada no ambiente​ [...].

E2: Eu acho que o aquecimento, ao meu ver, para mim, para a


minha pessoa que sou retraído, então eu acho que é um jeito
talvez de eu…tipo assim, ​de me dar uma segurança​. Então talvez
seja mais mental, seja mais na cabeça, tipo de isso me dar uma
segurança que eu vou conseguir executar de boa [...].

Prevenção de lesões E7: Essa questão do preparo físico e tal, porque...como a gente é
batera, meu, a gente faz muito movimento repetitivo, né. E...puts,
conheço tanto cara que tem tendinite por causa disso. E quando
você aquece, você alonga, você ​está evitando né, dar uma
tendinite ou alguma coisa do tipo…

E4: Começo a alongar, então fico em pé, faço...​alongo muito as


pernas​, no caso desses shows que eu uso pedal duplo, então eu
preciso de muita resistência nas pernas então eu alongo bem as
pernas, ​alongo bem os braços​, ​eu tenho tendinite no punho direito,
tenho epicondilite no cotovelo esquerdo, meu ombro direito é
zuado​, agora eu estou com problema no joelho esquerdo…​ [...]
Fonte: Autoria própria.

Como apontado na Tabela 2.2​, devido às diferentes características, cada participante


acabou relatando objetivos diferentes para o aquecimento pré-show. Para alguns o propósito é
majoritariamente psicológico, pois contam que os ensaios e práticas com as músicas foram
bem satisfatórios sendo que para aquele instante o necessário é acalmar a mente e lidar com a
ansiedade. O processo também pode servir como um ponto de segurança, tendo em vista que
gera tranquilidade para executar partes mais complexas por conta de o corpo estar
devidamente aquecido ou haver uma avaliação do instrumento e assim saber o que é possível
de ser realizado durante o show. Assim, como objetivo quase secundário, surgiu a
preocupação física com prevenção de lesões e cuidado de preservação dos músculos, tendões,
articulações, etc. para eventos futuros.
24

TABELA 2.3: ​Objetivos e ​técnicas de meditação, com respectivos relatos dos


entrevistados

SUBCATEGORIAS RELATOS DOS ENTREVISTADOS

Manejo de ansiedade (abordagem E4: Como sempre...parece que o meu cérebro parece que não quer
psicológica) parar de funcionar, então eu tinha muita dificuldade para dormir.
E, naquela técnica de meditação simples que ele ​ensina é a
concentração no respirar. Incrível como começou a funcionar, eu
comecei a conseguir dormir.

Espiritualidade e contemplação E1: Então eu gosto de ​[ir à] praia, cachoeira, eu gosto de pescar e
(abordagem espiritual) essas coisas eu gosto assim, na maioria das vezes ​de fazer sozinho
sabe, que é a hora que eu consigo ​poder colocar a cabeça no lugar,
tomar algumas decisões, traçar alguns rumos​.
Fonte: Autoria própria.

Em contraste à temática principal deste trabalho, os entrevistados expressaram


entendimentos predominantemente superficiais com relação à meditação, provavelmente por
conta da grande maioria ter pouca ou nenhuma proximidade com esta prática. A partir das
respostas dos entrevistados obteve-se que: 3 entrevistados nunca realizaram qualquer prática
meditativa, 3 relataram alguma experiência com práticas meditativas, e 1 teve contato apenas
com relatos sobre práticas contemplativas. Portanto, a Tabela 2.3 demonstra as duas
categorias de entendimento a respeito do propósito de práticas meditativas na perspectiva dos
entrevistados, sendo divididas em: “Manejo de ansiedade”, e “Espiritualidade e
contemplação”.
25

5. DISCUSSÃO

5.1 A percepção ampliada do processo de preparação para show (Tabela 2.1)


relacionada à conceituação de coping

A partir da Tabela 2.1 tornou-se possível salientar que os sujeitos atribuem diferentes
perspectivas de planejamento das tarefas, etapas e tempo gasto no preparo pré-apresentação.
Dependendo da demanda do show e das particularidades de cada entrevistado, a organização
para a apresentação poderia iniciar meses, semanas ou até momentos antes, envolvendo
métodos e interações grupais distintas, e cada entrevistado possui estratégias individuais a
serem realizadas no pré, e ocasionalmente, no pós show.
Os dados coletados evidenciaram um interessante contraponto, levando-se em conta os
pressupostos iniciais, os quais foram adotados inclusive durante as entrevistas
semi-estruturadas. A princípio, assumiu-se que previamente à apresentação havia apenas o
aquecimento, portanto, esta seria a noção de preparo. Sendo assim, para este estudo o
aquecimento foi considerado como uma técnica cujo objetivo é a preparação de forma
relaxada e sem tensão dos músculos, de forma que os exercícios praticados sejam
moderadamente variados e desafiadores e, por fim, proporcionem o aumento gradual da
circulação sanguínea sem causar estresse à musculatura (PAULL e HARRISON, 1998).
No entanto, como exposto na Tabela 2.1, os sujeitos demonstraram perceber de forma
estendida o processo de preparação da performance pública, não o caracterizando apenas
como um período específico com ações pontuais a serem realizadas. O seguinte trecho ilustra
o contraponto entre a conceituação teórica encontrada inicialmente e as informações
adquiridas através das entrevistas:
Então, isso varia muito, né. Como eu te falei, na parte de instrumento não é uma
coisa que a gente leva o instrumento para o camarim e fica praticando, assim essa
prática é feita através de ensaio, né. Nos ensaios sim, nos ensaios a gente pega a
música e volta do início milhões de vezes até montar o arranjo que a gente quer. Na
hora do show mesmo o contato com o instrumento que a gente tem é durante o
soundcheck né. Então por exemplo assim, às vezes a gente passa o som quatro da
tarde o show vai ser só meia noite, então nesse meio tempo é onde a gente faz a
parte de confraternização assim...Pra te ser bem sincero, não existe uma coisa assim
“Agora vamos nos concentrar para o show”, isso não ocorre assim, acaba ocorrendo
de maneira é...sem querer, de maneira não “imposicional”. A gente tenta quebrar
o… Todo show existe um receio né, uma ansiedade, a gente quebra isso através de
amizade, de papo, de sarro [...] (ENTREVISTADO 1).
26

Assim, ao analisar que os entrevistados ordenam suas preparações em diferentes


etapas, foi possível sistematizá-las na Tabela 3. Nesta tabela, foi feita a ordenação dos
diferentes períodos e o que pode ocorrer em cada um deles, de acordo com falas dos
participantes. Porém, é importante salientar que este sequenciamento de atividades até o
momento da performance não é uma estratégia rígida, uma vez que, cada artista (ou grupo de
artistas) escolhe qual planejamento funciona melhor para si.
O sequenciamento em diferentes fases de preparo para a performance pública,
apresentou certa proximidade com a conceituação de Periodização de Treinamento, a qual é
utilizada com mais frequência em teorias de planejamentos esportivos. A Periodização de
Treinamento é descrita como um método no qual o processo de treino é dividido em etapas
mais curtas e mais fáceis de serem apreendidas, utilizando estratégias como treinamento de
habilidades biomotoras e um planejamento anual (BOMPA e BUZZICHELLI, 2018). Ainda,
Bompa e Buzzichelli (2018) estabelecem que tais ferramentas auxiliam enormemente na
delimitação de objetivos específicos para cada porção do treinamento, geralmente subdividido
em anos, tornando possível maximizar adaptações fisiológicas, treinos táticos, habilidades
psicológicas e planejamento nutricional. Apesar da evidente proximidade entre esta
conceituação e a sistematização da Tabela 3, não foi possível encontrar uma bibliografia
adequada que relacionasse com rigor a Periodização de Treinamento com a área da música.
27

TABELA 3: Diferentes fases de preparação anterior à performance pública

FASE DE PREPARAÇÃO TEMPO ATÉ A EFETUAÇÃO RELATOS DOS


DO SHOW ENTREVISTADOS

E3: Então o tempo de preparação


para um show, que para você é
LONGO PRAZO (EXTREMO) meio desconhecido, digamos
MESES assim, se é uma experiência nova
que você vai fazer e muito
importante, eu acho que essa
preparação aí varia desde treino e
tudo mais, de ​2 meses, 1 mês
antes​.

E6: Eu sempre fico sabendo da


apresentação uma semana antes,
então eu passo pelo menos 30
minutos por dia ouvindo essa
LONGO PRAZO SEMANAS música e quando eu chego em casa
eu não posso treinar mais do que
10 minutos por causa do vizinho
que se incomoda com o barulho.
Então em 10 minutos eu tenho que
passar aquelas 5 músicas que eu
vou tocar e ouvi durante o
decorrer do dia, em ​uma semana
mais ou menos​.

E4: ​Uma hora antes​ como eu falei


CURTO PRAZO HORAS né, eu vou começar a aquecer e
alongar, primeiro eu começo com
os alongamentos, como se eu fosse
fazer academia né.

E2: É… Como eu falei antes né,


de um modo geral assim, eu
CURTO PRAZO (EXTREMO) MINUTOS sinceramente, se eu pudesse eu
gostaria de sempre aquecer pelo
menos um pouquinho, ​uns 15, 20
minutos antes de qualquer show.
Porque você, realmente né,
quando você começa a tocar você
já entra quente né, você já entra
para tocar mais confortável [...].
Fonte: Autoria própria.

É preciso, ainda, fazer uma consideração quanto ao uso de uma periodização mais
ampla do preparo, pois esta conformação torna mais propícia a aplicação de variadas
estratégias de ​coping,​ consequentemente, favorecendo a redução de estresse e melhores
condições para a execução do show. Esta vantagem organizacional não pareceu ser
28

premeditada, de qualquer modo, é bastante plausível que seus benefícios incentivem a


continuidade desse modo de preparação para shows.
A literatura levantada define ​Coping como uma reação à estressores, composta por
esforços cognitivos e comportamentais cujo intuito é manejar demandas específicas, sendo
que estas são percebidas como além do repertório das habilidades do indivíduo (ALDWIN e
REVENSON, 1987). Ademais, ​Carver e Scheier (1989) nomeiam as categorias originárias de
estratégias, “​coping f​ ocado em problemas” e “​coping focado em emoções”; a primeira diz
respeito à resolução de problemas para alterar a fonte de estresse, e a segunda a reduzir ou
manejar desconfortos emocionais associados à situação estressora.
No entanto, Carver e Scheier (1989) em seu estudo avaliaram que a distinção entre
ambas as estratégias, apesar de significativa, era pouco robusta, portanto, trabalharam para
expandir a conceituação prévia e desenvolver uma nova variedade de categorias. Tendo em
mente a organização ampliada de preparação para apresentação musical, e também levando
em conta as variadas estratégias de ​coping ​elaboradas pelos autores supracitados, é possível
presumir que algumas dessas estratégias são pertinentes ao âmbito musical, logo, serão
apontadas a seguir.
​ tivo” diz respeito a ações realizadas a fim de remover ou contornar o
“​Coping A
estressor, englobando outras estratégias como “Planejamento”, “Supressão de atividades em
competição” e “​Coping d​ e restringimento”. “Buscar apoio social por motivos instrumentais
ou emocionais” pode relacionar-se à busca de conselhos ou informações técnicas (​coping
focado em problemas), ou à busca de apoio moral, acolhimento e compreensão (​coping
focado em emoções). “Reinterpretação positiva” seria uma estratégia de “​coping ​focada em
emoções”, na qual o cerne é o manejo de emoções estressoras em vez de lidar com o estressor
em si, ocasionando na elaboração do estresse em termos mais positivos e então, permitir que o
sujeito continue a agir ativamente e empregue ações para resolução de problemas (​ CARVER
e SCHEIER, 1989).
As táticas anteriormente citadas são capazes de auxiliar ao longo de todo processo de
preparação e posteriormente ao show, em situações como: ao se deparar com uma música
nova e com técnicas mais complexas, ao ter que realizar uma apresentação importante para
uma platéia numerosa, ao tocar com uma banda cujos membros são desconhecidos para o
músico, ao se reunir com a banda após o show e pesar prós e contras da apresentação, dentre
29

outros exemplos similares aos que já foram apresentados nos diversos trechos de
entrevistados ao longo deste trabalho.
Em suma, a análise das informações das tabelas 2.1 e 3 explicitam que o uso de
estratégias semelhantes à Periodização de Treinamento tornam a organização e preparo para
apresentação muito mais eficazes, além de viabilizar considerável redução de ansiedade e
estresse ao prover tempo suficiente para que os músicos apliquem diversas estratégias de
coping.​

5.2 Análise dos objetivos do aquecimento (Tabela 2.2) relacionados ao manejo da


MPA e algumas Tipologias Meditativas

Como apresentado na Tabela 2.2​, para os participantes o propósito principal dos


aquecimentos tende a ser muito relacionado a um manejo de ansiedade generalizado, seja
através da dispersão da atenção, do aquecimento pré-show ou com exercícios de alongamento.
Uma divisão explicativa será realizada mais a frente, porém já é importante frisar que todos os
entrevistados apresentaram técnicas para reduzir seus sintomas de ansiedade, dado que estas
se aproximam mais de estratégias de ​coping ​do que de classificações meditativas particulares.
Primeiramente, vale trazer novamente o conceito de MPA, pois os dados das
entrevistas indicam que esses musicistas buscam diminuir tal fenômeno por meio de seus
treinos individuais de aquecimento. Então, a MPA caracteriza-se como um evento
multidimensional, tendo seu nível de influência variando de acordo com a predisposição do
sujeito à ansiedade, a dificuldade da tarefa e o ambiente onde será realizada a apresentação.
No entanto, a MPA pode intervir tanto de forma mal-adaptativa ou adaptativa, no sentido em
que, ao ser percebida como algo fora do controle do indivíduo, ela se torna debilitante, porém,
sendo manejada com sucesso ela capacita para ação, aumenta concentração e foco na
atividade presente (PAPAGEORGI; HALLAM e WELCH; 2007).
A tese de doutorado de Farnsworth-Grodd (2012) investigou o papel da técnica de
Mindfulness como guia para estratégias de ​coping ​a fim de regular a MPA, tendo como
sujeitos 159 músicos estudantes da universidade. Além de sua investigação singular, o
trabalho apresentou revisão extensa de diversos autores sobre a MPA, Mindfulness​, “Teoria
de Auto-regulação”, ​Coping e relações entre esses temas. A partir da revisão, ficou
evidenciado que a “preparação e prática minuciosas” estão dentre as estratégias de ​coping
mais comumente utilizadas por musicistas para manejo da MPA, tendo como alvo a resolução
30

de problemas interferindo no desenvolvimento técnico. Essas táticas viabilizam e


potencializam os conjuntos de habilidades necessárias para performar corretamente e
estimulam a autoconfiança. Em conformidade com a revisão de ​Farnsworth-Grodd (2012)​, no
presente estudo esse dado foi expressivo. Uma parcela majoritária ​(4 dos 7 entrevistados)
manifestou falas no sentido da utilização deste tipo de recurso de ​coping (​ preparação
minuciosa) em trechos como os seguintes:
Eu acho que a preparação em si não envolve só um tempinho antes do show, né?
Isso já é…eu considero até que esse tempinho antes do show já faz parte do show, é
imprescindível. Agora, a preparação como um todo, para mim envolve desde você
ter certeza do que você vai fazer, como se os momentos de… Para você quebrar as
regras, você tem que saber as regras, saca?​ (ENTREVISTADO 3).

[...] e aí, no caso, pego as baquetas e um PAD, e sem pedal mesmo, sento no sofá do
camarim, coloco o PAD em qualquer superfície plana, par de baquetas e começo a
tocar e fico aí uns 40 minutos pelo menos, fazendo os exercícios comuns do
dia-a-dia, aquecimento em rudimentos2 e tal. Mas nada muito pensado, só para
principalmente esquentar os tendões né… (ENTREVISTADO 4).

No entanto, o uso de tal recurso tem seus limites. Segundo Farnsworth-Grodd (2012),
a repetição incessante com intenção de tornar o movimento o mais automático possível acaba
sendo um método menos efetivo. Diante disso, a autora defende a técnica de ​Mindfulness
como um modo de dispor um “engajamento cognitivo” na aprendizagem. A técnica citada
permite sentir, explorar e refinar características da tarefa, portanto, desencadeando evoluções
mais consistentes do que aquelas através de repetição constante. A autora demonstra que por
meio da meditação ​Mindfulness é possível aprimorar a atenção e concentração de modo a
sustentá-los em uma prática focada e exploratória. Esta percepção dos comportamentos
condicionados - o chamado “piloto automático” -, com o refinamento das tomadas de
consciência (meta-awareness) é uma dos desfechos esperados da prática de Mindfulness que,
segundo (Kabat-Zinn, 1994), é o estado de consciência que emerge pelo prestar atenção, de
forma aberta e sem julgamento, no momento presente.
Esta proposta de uma preparação mais engajada mentalmente foi pouco encontrada
nos métodos e técnicas utilizados pelos entrevistados do presente estudo, pois eles parecem
tender à repetição de padrões, aos treinos sucessivos, em busca da performance esperada. No
entanto, pudemos identificar que alguns entrevistados procuram manter um “engajamento

2
​Rudimentos de percussão são pequenas combinações padronizadas de ​baqueteamento​, que formam padrões
rítmicos e ​cadências mais complexos da ​bateria​, com o objetivo de fazer os percussionistas tocarem em
uníssono, e desenvolverem a coordenação, sensibilidade e, destreza entre as mãos durante a execução no
instrumento.
31

cognitivo” na aprendizagem, mostrando empenho atencional maior durante a preparação a


partir de estratégias de visualização, mentalização e projeção da ação de tocar, refinando o
foco na performance enquanto escutam música, fazem alongamento ou aquecimento:
Procuro manter o foco na música, assim, não totalmente só em escutar, o foco que
eu mantenho é escutar e ir pensando as coisas que eu faço na música. Que é por isso
exatamente que eu coloco as músicas que eu vou tocar na hora, que aí eu sempre vou
pensando em alguma coisa que eu possa ter deixado de fazer ou que eu possa ter
esquecido, para exatamente não ter dor de cabeça na hora. [...] Não, aí eu foco nos
exercícios. É legal manter o foco no exercício… Dá para a gente fazer o exercício e
prestar atenção em volta, mas aí você acaba não prestando atenção nas técnicas que
você está usando, você não presta atenção no seu corpo, na posição que você precisa
estar e tudo, vai ser como se você estivesse fazendo qualquer coisa, de qualquer
jeito, porque você não está vendo. (ENTREVISTADO 5).

Não, eu mentalizo bastante aquilo que eu vou fazer. Eu estou me alongando, por
exemplo, antes de sentar, já estou me alongando olhando meio que para os tambores
dizendo “Ah, tal frase eu posso começar nesse tambor.”. Porque sempre muda a
quantidade de tambores que você vai tocar, de um canto para o outro. Então eu
começo me alongando, para depois eu ir para a bateria me aquecer e a mentalidade é
sempre aquela: “Ah, tal música vai ficar legal isso”, “Tal música vai ter um
improviso que eu posso fazer isso”. (ENTREVISTADO 6).

Ademais, as respostas dos entrevistados muitas vezes não foram tão descritivas para
identificar características constitutivas de processos meditativos, como no trecho a seguir:
Depende do dia… Que nem, se é um show que eu já faço aqui, que eu estou me
aquecendo e tal, estou focado aqui. [...] Beleza...pego o repertório e tal, só que tem
essa questão, né. Você nunca ensaiou, nunca tocou, não sabe como que o pessoal
toca, então eu fico meio apreensivo no início, tal e...faço alongamento, aquecimento
pensando nas músicas que vai rolar no show, como que vai ser, né?
(ENTREVISTADO 7).

Não podemos enquadrar tais depoimentos como práticas de Mindfulness, pois as


mentalizações tem a clara intenção de projetar um futuro esperado, ou seja, não estão abertas
ao momento presente. No entanto, todos os entrevistados acima citados usam estratégias de
visualização em que se afastam dos instrumentos por certo tempo e abrem outras conexões
entre as músicas e o corpo, seja pela apreciação atenta do repertório músical, pelo foco num
exercício de aquecimento, pelo alongamento num lugar ou posição específica, ou pelo
pensamento nas músicas que vão tocar. Este distanciamento do instrumento poderia ser
compreendido como uma forma de evitar a repetição incessante que causa mal adaptação,
conforme Farnsworth-Grodd (2012)? Não temos elementos suficientes para garantir tal
afirmação. Mas podemos aproximar tal procedimento ao conceito operacional de Cardoso et
al. (2016), pois entendemos que os métodos empregados pelos participantes citados,
32

demonstram possuir algumas características constitutivas de meditação como: usar uma


técnica específica e definida; proporcionar um estado auto-induzido; e utilizar um artifício de
auto-focalização. Dado o âmbito musical no qual os entrevistados estão inseridos, é possível
fazer a leitura que suas técnicas aproximam-se das Classes de Meditações Ativas e de
Movimento referenciadas por Cardoso (2011); nestas denominações, o próprio movimento
serve de âncora, mesmo que ele seja programado ou mais espontâneo.
As classificações mais contemporâneas de Dahl et al. (2015) parecem apresentar mais
subsídios para aprofundar a análise das técnicas dos entrevistados. Esses autores apresentam 3
grupos de Famílias de Meditação, sendo elas Atencional, Construtiva e Desconstrutiva. De
início, a Família Atencional é a que possui mais similaridades com as estratégias reportadas
pelos participantes, porém levando-se em conta métodos de mentalização, tema bastante
frisado nas falas dos indivíduos, as Tipologias encontradas oferecem pouco suporte.
Na Família Atencional, ocorre o treino de uma variedade de processos relacionados à
regulação da atenção. Inclui, portanto, capacidades de manipular a orientação e alcance da
atenção; monitorar, detectar e desengajar de distratores; e reorientar a atenção em direção ao
objeto desejado (DAHL et al., 2015). Sendo assim, é possível notar então a semelhança entre
a regulação da atenção em direção a um objeto em específico e o direcionamento da atenção
para uma música e seus detalhes ou também para os exercícios pré-show, como é reportado
pelos músicos.
Colzato e Kibele (2017) trazem outras 2 tipologias importantes para a discussão, a
Meditação de Atenção Focada (FAM) e Meditação de Monitoramento Aberto (OMM). A
FAM, em especial, é definida pela atenção focada dada pelo praticante à um objeto, de modo
que esse foco e concentração sustentados impedem divagação mental. Isto posto, torna-se
evidente que seus pressupostos são consonantes com a Família Atencional de Dahl et al.
(2015). Assim sendo, é possível afirmar que, dentre estes últimos participantes, suas
atividades de preparo possuem afinidade com a Família Atencional descrita por Dahl et al.
(2015) e também a Meditação de Atenção Focada retratada por Colzato e Kibele (2017).
Por fim, com relação aos métodos de mentalização referidos pelos musicistas deste
trabalho, a conceituação mais apropriada dirige-se ao seu uso nos esportes. ​Weinberg e Gould
(2016) trazem uma pertinente definição no livro Fundamentos da Psicologia do Esporte e do
Exercício. Tal conceito é caracterizado pelos autores como a (re)criação de uma experiência
33

na mente, recuperando de memórias, fragmentos de experiências passadas e utilizando-os para


moldar imagens significativas.
Quanto maior a quantidade de sentidos utilizados nesse procedimento, mais nítidas
serão as imagens e assim a experiência torna-se mais real. Além disso, é importante associar
estados emocionais que podem ocorrer na experiência real, tais como raiva, ansiedade, alegria
ou dor, pois assim há mais chances de ser possível controlá-los. Há um exemplo da aplicação
desta prática no seguinte trecho:
Num estudo de caso, um jogador de hóquei tinha dificuldade em lidar com a
arbitragem contra ele. Ficava irritado, perdia a tranquilidade e não se concentrava na
tarefa. O jogador foi instruído a visualizar a si mesmo recebendo o que percebia ser
algo contra ele, para então usar as palavras indicadoras “olho no gelo” a fim de
permanecer concentrado no disco. (WEINBERG e GOULD, 2016, p.275​)

A mentalização, portanto, acaba sendo uma maneira de simulação na qual é possível


recriar uma experiência sensorial real, com aspectos positivos já vividos ou imaginar novos
eventos possíveis a fim de se preparar mentalmente para eles (WEINBERG e GOULD, 2016).
Porém, a bibliografia encontrada aponta que tal tática possui estudos mais robustos e é
empregada com maior delineamento no ramo dos esportes, apesar de sua plausível
proximidade com o ramo musical.
Em conclusão, após as extensivas bibliografias utilizadas para analisar a Tabela 2.2,
ficou evidenciado como a meditação ​Mindfulness p​ ossui grande potencial para aprimorar o
desenvolvimento técnico na prática musical. Contrastando com as expectativas desta
pesquisa, como apresentado na tabela, os relatos dos participantes associam-se muito mais
fortemente a recursos de ​Coping​ ou a métodos mais rudimentares de mentalização.

5.3 Concepções dos entrevistados sobre as práticas meditativas (Tabela 2.3), variando
do manejo de ansiedade à relação com espiritualidade

Considerando os dados da Tabela 2.3, tornou-se bastante evidente que o conhecimento


dos entrevistados a respeito de práticas meditativas é bastante diversificado. Ainda, foi
possível averiguar que apenas 3 dos entrevistados realizaram alguma forma, mesmo que
informal, de meditação ou atividades análogas.
Não saio...não tenho aquele momento… Acho que para mim, minha meditação em si
são práticas fora daquele assunto que me dão prazer de alguma forma e causa
sensação de relaxamento como, ver uma série, parar um pouco, ver de fazer alguma
coisa, não sei o que...mas não necessariamente meditar e olhar para dentro de si e tal,
e aquela coisa. (ENTREVISTADO 3).
34

Se levar em consideração o orar como um jeito de meditar, sim… A oração faz


parte, mas é uma coisa mais religiosa do que, espiritualmente comigo mesmo, seria
mais uma...um pedido ao divino, talvez. [...] Que...eu nunca estudei, nunca prestei
atenção quando uma pessoa está meditando, o foco dele, mas quando a gente está
orando, a gente está sim tentando entrar em contato com um ser soberano, onde eu
peço que tudo aquilo que eu treinei, tudo aquilo que eu estudei, que eu consiga por
em prática, para que ele me dê ajuda, para que ele ilumine a minha mente, me faça
lembrar daquilo que eu já sei. É mais para isso, para que tudo que eu treinei e tudo
que eu estudei dê certo.(ENTREVISTADO 6).

Dentro dos conhecimentos reduzidos dos participantes, houve predominância de duas


concepções, uma mais ligada ao manejo de ansiedade e outra com relação à espiritualidade.
Embora nenhum dos relatos sobre meditação tenha apontado, estritamente, a descrição
proposta por Cardoso et al. (2016), considerou-se bastante expressivo que seu objetivo como
técnica de manejo para ansiedade foi apreendido nas descrições dos participantes. A
competência das práticas meditativas, em especial ​Mindfulness,​ para diminuição de MPA já
foi bastante explorada na análise anterior, demonstrando sua relevância mais focada para as
atividades musicais.
Quanto à concepção de meditação direcionada à espiritualidade, esta esteve presente
no discurso de entrevistados que tiveram alguma experiência com práticas meditativas, assim
como entrevistados que não tiveram experiência com práticas meditativas. Zinnbauer et al.
(1997) apresenta uma excelente definição, após a investigação cuidadosa de declarações
apresentadas por 346 indivíduos sobre o que caracteriza espiritualidade e religiosidade. Ainda,
Zinnbauer et al. (1997) realizou uma meticulosa análise de conteúdo e chegou a duas
principais categorias-chave, portanto, estabelecendo espiritualidade como sensação ou
experiência de conexão/relação/unidade com Deus/Cristo/Poder Maior/realidade
transcendente/Natureza/etc; e também, crenças pessoais tais como crença ou fé em
Deus/Poder Maior/o divino/valores pessoais/etc.
Essa relevante definição nos ajuda a compreender melhor, que aspectos estão sendo
levados em conta quando os entrevistados relatam compreensões de meditação que
conectam-se com espiritualidade. Por fim, aparentemente no imaginário popular consta uma
noção de práticas meditativas, bastante ligada ao cuidado da saúde psicológica, através do
manejo de estresse e ansiedade, porém a relação com o espiritual também se mostra presente,
mesmo que pouco expressiva na amostra deste trabalho.
35

6. CONCLUSÃO

Este trabalho teve como ​objetivo principal a investigação qualitativa dos métodos e
técnicas utilizados por músicos a fim de prepararem-se para apresentações públicas,
relacionando-as com a bibliografia pertencente às práticas meditativas e buscando pontos
comuns. Inclusive, a hipótese levantada foi que as técnicas de preparo utilizadas,
especialmente para eventos de performance pública, contém elementos estruturais de uma
prática meditativa.
Quanto à averiguação das táticas utilizadas por músicos, a análise de conteúdo de seus
relatos foi bastante satisfatória nesse quesito. As categorias desenvolvidas permitiram que
verificações aprofundadas e mais precisas fossem realizadas.
Posto isto, foi possível apurar que os participantes deste estudo adotam diferentes
organizações de preparo para suas apresentações, mas em sua maioria, a estrutura
assemelha-se com a de Periodizações de Treinamento, por conta da divisão temporal e seleção
de táticas a serem utilizadas a depender de características do show (como data e complexidade
da performance). Além disso, especulou-se que ao decompor a preparação em períodos
longos, resulta em mais oportunidades para que diferentes estratégias de ​Coping sejam
empregadas e, por consequência, haja maior eficácia na execução da apresentação e também
maior redução de estresse e ansiedade. Com a análise final supôs-se também que, o
conhecimento leigo associa meditação, em parte, às ciências e terapêuticas da saúde mental
(pela diminuição de estresse e ansiedade), mas também à expressão de espiritualidade, ​sendo
necessários estudos mais aprofundados para entender estas associações e predominância das
questões de cuidado e terapêutica.
Ao examinar a categorização dos dados coletados, concluiu-se que as técnicas e
estratégias utilizadas pelos entrevistados associam-se com maior exatidão à utilização de
recursos de ​Coping o​ u modos mais informais de mentalização. Ainda assim, é possível fazer
alguma aproximação ao conceito operacional de Cardoso et al. (2016), entendendo que os
métodos empregados demonstram possuir, ainda que não todas, algumas características
constitutivas de meditação como: usar uma técnica específica e definida; proporcionar um
estado auto-induzido; e utilizar um artifício de auto-focalização. Dadas essas considerações, é
razoável admitir que o objetivo principal deste estudo foi totalmente satisfeito, porém há
informações insuficientes para totalmente confirmar a hipótese.
36

O presente estudo teve diversas limitações. Primeiro, nossa amostra foi relativamente
pequena, por conta da seleção de candidatos ter sido restrita à disponibilidade de professores
da escola, e uma amostra maior permitiria dados mais consistentes. Segundo, todos os
entrevistados eram pertencentes à mesma instituição de ensino musical, possivelmente
afetando a variedade das formas de aprendizado e preparo musical. Terceiro, a grande maioria
dos participantes toca o mesmo instrumento musical, influenciando novamente a diversidade
de técnicas de aprendizado e preparo. Quarto, tal homogeneidade também se manifesta em
relação aos marcadores sociais de gênero, raça, geração, condições de moradia e escolaridade
dos indivíduos. Por último, é importante levar em conta o enviesamento do pesquisador ao
verificar o material coletado nas entrevistas, e ao fazer o comparativo com a literatura
acadêmica.
Também é importante frisar que, devido ao formato deste estudo e às características da
amostra, não foram levados em consideração os aspectos citados por Papageorgi; Hallam e
Welch (2007) com relação à influência da MPA sobre musicistas. Este estudo objetivou
outros tópicos, portanto a predisposição do sujeito à ansiedade, dificuldades para executar
obras musicais e o ambiente da apresentação não fizeram parte do escopo investigado. Ainda,
não foi englobado no trabalho discussões sobre os conceitos de corpo e arte, pois são diversos
e não fez parte do enfoque desta pesquisa desenvolver aprofundar essa discussão teórica.
A despeito desse entendimento, as extensivas bibliografias revisadas contribuíram
para difusão de conteúdos e conceitos-chave ligados à área musical. Constatou-se a
importância da definição de MPA, o qual foi pouquíssimo encontrado nos trabalhos
brasileiros consultados, tendo em vista que foi um ponto crucial na construção desta pesquisa.
Também, foi possível averiguar a capacidade de aprimoramento para evolução
técnica-musical proporcionada pela meditação ​Mindfulness,​ permitindo evoluções mais
consistentes do que aquelas através de treinamento recorrente, utilizando-se de “engajamento
cognitivo” durante a preparação.
É encorajado que estudos futuros investiguem com maior rigor não só a relação entre
práticas meditativas e preparo para performance pública, mas que principalmente levem em
conta as concepções mais atualizadas sobre “ansiedade de performance musical” (Music
Performance Anxiety).
37

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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relation between coping and mental health. Journal of personality and social psychology, v.
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39

APÊNDICES

APÊNDICE A - Tabela de separação dos dados das entrevistas em códigos e categorias

CÓDIGOS DESENVOLVIDOS À CÓDIGOS CATEGORIAS


PRIORI INTEGRADOS

Preparo para performance Pré-apresentação Percepção ampliada do processo de


pública (agudo) preparação da performance pública

Ensaios (longo prazo)

Pós-apresentação
(avaliação, resolução
de conflitos)

Objetivos e técnicas de Aquecimento para Manejo de ansiedade


aquecimento relaxamento

Aquecimento para Segurança (aquecimento)


visualização/mentaliza
ção Antecipação de problemas(futuro)

Aquecimento para
prevenção de lesões

Objetivos e técnicas das práticas Senso comum Manejo de ansiedade (abordagem


meditativas psicológica)
Prática incompatível

Objetivos de Espiritualidade e contemplação


relaxamento e manejo (abordagem espiritual)
de ansiedade

Fonte: Autoria própria.

Esta tabela mostra a relação entre “Códigos desenvolvidos à priori”, “Códigos


integrados” e “Categorias” desenvolvidos a partir da análise de conteúdo das entrevistas. Os
“Códigos desenvolvidos à priori” foram relações e reflexões postas antes das entrevistas e, de
certa forma, representadas nas questões das entrevistas semi-estruturadas. Os “Códigos
integrados” então, foram relações e reflexões que surgiram e foram evidenciadas a partir das
respostas dos entrevistados. Por fim, as “Categorias” são o cruzamento das reflexões
40

anteriores às entrevistas com as informações apresentadas pelos sujeitos entrevistados,


permitindo que os dados coletados fossem esmiuçados e aprofundados o máximo possível.
41

APÊNDICE B - QUESTIONÁRIO SEMIESTRUTURADO


Como acontecem as suas performances públicas? Existe algum tipo de processo, no sentido de “antes”,
“durante” e “depois”?
__________________________________________________________________________________________
Como você descreveria o preparo em si antes da sua apresentação? O preparo acontece coletivamente ou é
individual?
____________________________________________________________________________________________________ 
Se fossemos prescrever o protocolo com a sua preparação, quanto tempo dura cada etapa do processo, quais tipos
de exercícios fazem parte, que espaço é usado para essa preparação, que materiais você usa e em que postura
costuma fazer o preparo (em pé, sentado…)?
__________________________________________________________________________________________
Durante esse seu processo de preparo, onde costuma ficar o seu foco? O que você costuma fazer quando perde o
foco?
__________________________________________________________________________________________
Para você, como é percebida a importância dessa preparação para a sua performance? Tem algum objetivo?
(preparação física, mental ou emocional)
__________________________________________________________________________________________
Como você aprendeu ou desenvolveu essa técnica para o preparo?
__________________________________________________________________________________________
Essa forma de preparo é formalizada de alguma maneira ou foi passada através de tradição, ensinada oralmente e
repetida?
__________________________________________________________________________________________
Caso você não faça alguma forma de preparo antes de se apresentar, você acha que essa falta pode ter algum
efeito no seu desempenho durante a apresentação pública?
__________________________________________________________________________________________
Na sua rotina você pratica algum tipo de prática contemplativa? (meditação, yoga, tai chi…)
__________________________________________________________________________________________
42

APÊNDICE C - QUESTIONÁRIO FECHADO


Nome:
Idade:
Instrumento(s):
Escolaridade:
Profissão:
Tipo de vínculo com a instituição:
Bairro e cidade onde mora:
Frequência de prática de instrumento (quantas vezes por dia/semana):
Duração da prática por dia (em média):
Tempo de prática (a quantos anos toca):
Se apresenta individualmente ou coletivamente (banda/grupo):
Tipos de local onde se apresenta:
43

ANEXOS

ANEXO A - CARTA DE AUTORIZAÇÃO DA INSTITUIÇÃO DE EDUCAÇÃO


MUSICAL
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ANEXO B - PARECER CONSUBSTANCIADO


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