Você está na página 1de 13

Diferenças de gênero – Parisotto et alii

Diferenças de gênero no desenvolvimento


sexual: Integração dos paradigmas
biológico, psicanalítico e evolucionista

Luciana Parisotto*
Katia Beirão de Almeida Guaragna**
Maria Cristina Vasconcelos***
Matias Strassburger****
Mônica Horikawa Zunta*****
Wilson Vieira Melo******

“...embora as várias ciências realmente INTRODUÇÃO


ocupem níveis diferentes, elas formam par-
te de uma única estrutura conexa. A unida- Para Freud, o instinto de vida era represen-
de desta estrutura é cimentada pelas rela- tado pela energia pulsional chamada Libido;
ções entre as partes...O empreendimento para Darwin, pelo Imperativo Reprodutivo: o
da ciência envolve a investigação destas impulso básico de deixar cópias de melhor qua-
leis em todos os níveis, ao mesmo tempo lidade possível. Constituem-se de uma mesma
que trabalha também, de cima para baixo e força, com diferentes paradigmas para compre-
de baixo para cima, para construir escadas endê-la.
entre eles”. Na física moderna, a busca de teorias unifi-
(Gell-Mann,M., 1996) cadoras das diferentes energias encontradas
no universo, desde as forças de ligação de
minúsculas partículas energéticas como os
quarks, até as energias mais densas, como a
gravidade e o eletromagnetismo, tem sido uma
meta extremamente atual na pesquisa científi-
Trabalho apresentado no XVI Ciclo de Avanços em Clínica Psiquiátrica. ca. Do ponto de vista antropocêntrico, pesqui-
* Médica Psiquiatra, Membro Efetivo da SPRS, Mestre em Ciências do sas estão sendo realizadas na ontogenia, na
Comportamento. filogenia, na fisiologia e sociobiologia, aqui tam-
** Médica Ginecologista e Obstetra. bém se almejando uma teoria unificadora. En-
*** Médica Psiquiatra, Mestre em Antropologia Social pela UFRGS. tretanto, há necessidade de se avaliar cientifi-
Candidata do Instituto de Psicanálise da SPPA.
camente possíveis pontes entre os diferentes
**** Médico Psiquiatra, Membro Efetivo da SPRS, Candidato Graduado do
Instituto de Psicanálise da SPPA. aspectos da vida humana.
***** Médica com Curso de Especialização em Psiquiatria no Hospital São Em relação à energia que motiva o desejo
Lucas da PUCRS. sexual, muitas observações já foram feitas, mas
****** Psicólogo Clínico, Mestrando em Psicologia Clínica– PUCRS. a união delas ainda é bastante obscura, pois

Recebido em 24/01/2003. Revisado em 24/01/2003. Aprovado em 11/03/2003. 75

R. Psiquiatr. RS, 25'(suplemento 1): 75-87, abril 2003


Diferenças de gênero – Parisotto et alii

nas áreas consideradas menos exatas como a genéticas aos indivíduos, para que alguns des-
da psicologia, os mecanismos não são conheci- ses pudessem adaptar-se às intempéries e
dos, tampouco os seus processos subjacentes. pressões do meio ambiente e pudessem repas-
O estudo é descritivo e fenomenológico, so- sar a herança genética (as informações básicas
mando-se ainda o fato da complexidade das da vida) para as futuras gerações.
interações dos indivíduos de sexos diferentes
um com outro e com o meio ambiente, a capaci- Seleção Natural
dade dinâmica de adaptação destes aliada à
aprendizagem e a randomicidade, sempre pre- A Seleção Natural corresponde exatamen-
sente nos fenômenos naturais. te às pressões seletivas, do meio ambiente,
O objetivo deste grupo de estudo foi des- exercidas sobre os seres vivos, que então pre-
crever as diferenças de gênero no desenvolvi- cisaram ajustar-se e adaptar-se para sobrevi-
mento sexual humano, à luz dos vértices bioló- vência 1.
gico, psicanalítico e evolucionista, buscando-se Como exemplo, tomemos o tipo de bico de
pontes de conexão entre estes paradigmas, alguns pássaros (tentilhão). Em determinados
para uma visão mais integrada do processo de ambientes, o bico curto pode ser menos adap-
ser masculino ou feminino. tativo na coleta de alimentos. O pássaro que
apresentar este tipo de bico vai ter mais dificul-
PARADIGMA EVOLUCIONISTA dade de se alimentar, morrendo com mais fre-
qüência do que outra ave de mesma espécie,
Interpretação Evolutiva de Libido mas de bico longo. A seleção natural favorece o
animal de bico longo, e quem o possuir sobrevi-
Podemos encarar os seres vivos, aqui não verá mais e terá a chance de passar seus ge-
apenas como indivíduos e sim como espécie, nes e suas características mais adaptadas para
como tendo uma programação (instinto) básica as futuras gerações.
de sobrevivência e perpetuação da espécie,
como um programa ou sistema operacional, fa- Seleção Sexual
zendo-se uma analogia com a linguagem da
computação. A vida tem sido definida como a A reprodução sexual requer a união de ga-
soma de propriedades pelas quais um organis- metas masculinos e femininos (e de seus hos-
mo se desenvolve e se reproduz, adaptando-se pedeiros) para a procriação. Mas como identifi-
ao seu meio ambiente, qualidades essas que o car e selecionar o melhor gameta/ hospedeiro
diferem de corpos orgânicos mortos ou de cor- para união?
pos inorgânicos. Estes seres vivos (ou Siste- As evidências sugerem que a seleção se-
mas Adaptativos Complexos), desde a mais xual não ocorre ao acaso, e sim sob o domínio
simples forma orgânica até a complexidade ob- de algumas leis e mecanismos psicológicos de-
servada nos primatas, seguem sua evolução pendentes de um aparelho que evoluiu segun-
sob a égide do Imperativo Reprodutivo: deixar do as regras universais que geram todos os
cópias gênicas da melhor qualidade possível. sistemas biológicos (Seleção Sexual). Aparen-
Essa programação básica de fato está impres- temente, sentimos desejo sexual por determi-
sa em todos os seres vivos. nados sujeitos. Podemos nos enganar ao tomar
essa experiência consciente como explicação
Diferenças de Gênero: por que dois sexos última de nossa própria conduta, ainda quando
e o porquê das suas diferenças? a experiência consciente não seja mais que
“uma cortina de fumaça” construída para aco-
Do ponto de vista evolucionista, a existên- modar as respostas psicológicas (mecanismos
cia de dois sexos e de suas características e psicológicos que ajustam comportamentos es-
funções distintas é considerada apenas mais pecíficos) de nossos ancestrais, bem sucedi-
uma tática em prol da sobrevivência e da perpe- dos em sua reprodutibilidade2.
tuação da espécie. A teoria Darwiniana propõe que só há sele-
No início da evolução da vida, os seres ção sexual quando existe uma variabilidade de
vivos reproduziam-se basicamente por parte- características entre indivíduos de mesma es-
nogênese. A reprodução sexual foi uma melho- pécie que possibilite seleção de um em detri-
ria evolutiva, com objetivo de gerar indivíduos mento de outro. Se todos fossem similares, não
com características levemente distintas de seus haveria razão para seleção3. Esses diferentes
ancestrais. Essas novas combinações garanti- traços podem ser selecionados e repassados a
76 riam uma maior variabilidade de combinações futuras gerações de forma desigual. Alguns in-

R. Psiquiatr. RS, 25'(suplemento 1): 75-87, abril 2003


Diferenças de gênero – Parisotto et alii

divíduos, justo por possuírem determinadas ca- o comportamento dos bebês como exemplo. Os
racterísticas que sinalizam maior capacidade bebês de nossa espécie mantêm padrões de
de sobrevivência em um contexto específico, respostas estereotipados para otimizar sua so-
podem deixar maior número de descendentes brevivência nos primeiros anos de sua existên-
ao serem mais selecionados por seus pares. cia, quando dependem exclusivamente de cui-
Quanto maior a capacidade de sinalizar boa dados. Bebês com predisposição inata a sorrir
qualidade, maior chance de ser selecionado e e a fixar o olhar em seus cuidadores aumentam
de ter grande número de filhotes, aumentando expressivamente suas chances de serem ali-
a probabilidade de transmitir para as futuras mentados e cuidados, podendo se desenvolver
gerações tais características adaptativas. e passar suas cópias genéticas adiante. Tal
A seleção sexual é responsável, então, pela comportamento mostra-se vantajoso para sua
evolução de características que dão aos orga- sobrevivência, sendo favorecido pela seleção
nismos vantagens reprodutivas, em contraste natural4.
com as vantagens de sobrevivência. Assim, Da mesma forma que as combinações de
pode-se explicar por que alguns traços, como genes são criadas, os traços que elas determi-
ornamentos coloridos em pássaros ou pluma- nam e os comportamentos padronizados (ou
gens coloridas da cauda de pavões, são prefe- mecanismos psicológicos que levam a um com-
ridos pelas fêmeas, apesar de não indicarem portamento estereotipado – estratégia – expres-
nenhuma vantagem adaptativa para a sobrevi- sões cognitivas ou afetos) também o são: cria-
vência. A seleção natural por si só teria excluí- se uma variedade de combinações a serem
do tais características, se não fossem de algu- selecionadas, algumas se tornam viáveis e pro-
ma forma importantes. A sinalização da liferam; outras, se perdem, desaparecendo do
qualidade de um indivíduo como parceiro se- código genético em algumas gerações.
xual está vinculada a esses sinais1. Por exem-
plo, a plumagem colorida de um pavão macho Teoria de Investimento Parental
chama muito mais atenção de predadores que
a plumagem mais opaca. Esperar-se-ia que tal O investimento parental pode ser definido
característica não passasse para as gerações como qualquer tempo, esforço ou energia gas-
futuras, por indicar uma desvantagem desse tos para garantir a sobrevivência de um filhote
indivíduo na sobrevivência, talvez morto antes às custas de outras formas de investimento,
da idade reprodutiva. No entanto, os machos incluindo esforços alocados para competição
que sobrevivem apesar do ornamento vistoso por outros parceiros. Nos mamíferos, particu-
demonstram muito mais valor reprodutivo (ca- larmente nos seres humanos, os machos po-
pacidades e resistência), pistas mais honestas dem investir muito pouco na prole: apenas o
de uma boa genética a ser transmitida para a esperma (produzido aos milhões), necessário
prole. para a inoculação e fertilização da fêmea. Já
O sexo ou a atividade sexual vem cumprin- esta última faz um investimento bem mais signi-
do, então, essa função adaptativa. ficativo: tem poucos gametas e pode ter no
máximo vinte e cinco filhotes durante toda a
Psicologia Evolucionista sua vida. Precisa manter-se por nove meses de
gestação, além de investir em amamentação e
A psicologia Evolucionista é uma ciência desenvolvimento de cada filhote por alguns
nova que tem sua fundamentação na Sociobio- anos. Exatamente por esta assimetria é que o
logia, na Ecologia e nas Teorias da Evolução. sexo que investir mais deve ser necessaria-
Parte do princípio de que os padrões comporta- mente mais discriminativo na seleção de seu
mentais são respostas motoras pré-estabeleci- par3.
das que sofreram pressões da seleção natural
e que influenciaram o comportamento social de Teoria das Estratégias Sexuais
membros da mesma espécie. Aqui não são os
traços ou características físicas que são leva- A seleção de parceiros sexuais entre ho-
dos em consideração como primeiro plano para mens e mulheres foi similar para muitos domí-
a Seleção Natural/Sexual, e sim os comporta- nios, nos quais ambos os sexos defrontaram-se
mentos e seus mecanismos psicológicos, sujei- com os mesmos problemas adaptativos ao lon-
tos a essas mesmas pressões naturais. go da história evolutiva. No entanto, dadas as
Para compreender melhor como isso se diferenças reprodutivas entre eles do mínimo
processa, pensemos de forma análoga à pro- investimento parental em cada filhote, não se-
blemática do bico dos pássaros, agora tomando ria de surpreender que machos e fêmeas de- 77

R. Psiquiatr. RS, 25'(suplemento 1): 75-87, abril 2003


Diferenças de gênero – Parisotto et alii

senvolvessem e evoluíssem estratégias repro- homens, onde as mulheres, por mais alto valor
dutivas diferentes (mecanismos psicológicos reprodutivo que possam ter, têm de disputar a
padronizados) para lidar com tais problemas companhia de alguns poucos machos existen-
específicos, selecionando traços sexuais dis- tes8,10.
tintos5,6. O homem tenderia a estratégias de
curta duração, minimizando ao máximo o com- PARADIGMA BIOLÓGICO
prometimento com cada fêmea, tendo desejo e
freqüência sexual aumentados e sendo capaz O desenvolvimento humano inicia-se na fe-
de detectar rapidamente sinais de disponibili- cundação, quando o espermatozóide une-se ao
dade ao sexo e fertilidade feminina. A fêmea óvulo para formar um organismo unicelular, o
buscaria relacionamentos mais duradouros zigoto, célula que marca o início de cada um de
para garantir a proteção e o investimento pater- nós como indivíduo único11.
no nela e em sua prole, ou relacionamentos O zigoto contém os genes duplicados pro-
curtos com provedores de imediato retorno. venientes da mãe e do pai e se transforma
O objetivo final da estratégia sexual é o progressivamente em um ser humano multice-
sucesso reprodutivo. Ela guia o esforço repro- lular através de divisão, migração, crescimento
dutivo de ambos os sexos e é constituída: 1) e diferenciação das células. Para que ocorra a
por mecanismos psicológicos desenvolvidos fecundação, são necessárias células germinati-
para solucionar problemas adaptativos; 2) por vas especializadas, os gametas, em cujo pro-
suas diferentes manifestações comportamen- cesso de formação e desenvolvimento o núme-
tais. ro cromossômico é reduzido à metade, sendo a
Três diferenças básicas universais entre os forma destas células alterada.
sexos foram detectadas na escolha de parcei- Em relação às mulheres, tal processo é
ros sexuais. Os homens tendem a valorizar mais chamado de ovogênese e consiste na transfor-
do que as mulheres a aparência física e a ju- mação de ovogônias em óvulos. No início da
ventude (critérios de saúde e fertilidade). En- vida fetal, as ovogônias proliferam por divisões
quanto as mulheres, comparadas aos homens, mitóticas, sendo que antes do nascimento au-
valorizam mais as capacidades econômicas mentam de volume para se constituírem em
(critério de oferta de recursos)5. Isso não quer ovócitos primários, os quais iniciam a primeira
dizer que as mulheres não valorizem os aspec- divisão meiótica ainda antes do nascimento;
tos físicos. Elas também o fazem, mas menos porém, tal divisão só será completada após a
do que os homens. Tanto homens quanto mu- puberdade, quando a maturidade sexual é al-
lheres selecionam pares por vários aspectos, cançada e os ciclos reprodutivos iniciados. Ne-
dependendo da estratégia de curta ou longa nhum ovócito primário é formado após o nasci-
duração, podendo valorizar mais alguns aspec- mento; em contraposição, os homens
tos do que outros7. continuam a produzir espermatócitos após a
Novas teorias de seleção sexual sugerem puberdade.
que a mulher pode escolher de acordo com as No indivíduo masculino, este processo é
demandas do meio ambiente. Se existem mui- chamado de espermatogênese, ou seja, uma
tas ameaças naturais, como doenças (em paí- seqüência de eventos onde espermatogônias
ses subdesenvolvidos), ela escolheria pela apa- (46 xy), que permanecem “adormecidas” nos
rência e simetria do homem, buscando melhor túbulos seminíferos dos testículos desde o pe-
qualidade genética e resistência física (bons- ríodo fetal, começam a crescer em número na
genes). No caso da demanda ser de recursos, a puberdade, por volta dos 13 anos de idade, em
prioridade de preferência seria por parceiros conseqüência da estimulação dos hormônios
bons provedores8,9. gonadotróficos da adeno-hipófise, prosseguin-
Alguns outros autores compararam as leis do durante toda a vida. Após várias divisões
da economia com o mercado sexual, sugerindo mitóticas e meióticas, cada espermatogônia
que ambos sexos escolhem seus parceiros de dará origem a quatro espermatozóides (23x,
acordo com os seus próprios valores reproduti- 23x, 23y, 23y). A importância dessas divisões é
vos em um determinado nicho. Homens de boa que cada espermátide formada possui apenas
genética (simétricos) e com recursos poderiam vinte e três cromossomos, ou seja, metade dos
selecionar mais tranqüilamente suas parceiras genes da espermatogônia original. Por conse-
comparados aos que oferecem menos atribu- guinte, o espermatozóide que irá fertilizar o
tos. Também o número de indivíduos de cada óvulo fornecerá metade do material genético,
sexo poderia afetar o valor reprodutivo; como enquanto o óvulo contribuirá com a outra meta-
78 por exemplo, em uma localidade com poucos de.

R. Psiquiatr. RS, 25'(suplemento 1): 75-87, abril 2003


Diferenças de gênero – Parisotto et alii

A metade dos espermatozóides contém o quais se formam as trompas, o útero e os 2/3


cromossomo y, tornando-se espermatozóides superiores da vagina. Convém ressaltar que
masculinos, e a outra metade, o x, desta forma não há secreção hormonal por parte do ovário
espermatozóides femininos. O sexo do descen- para que ocorra a diferenciação no sentido fe-
dente é determinado pelo tipo de espermatozói- minino. Ela tende a ocorrer naturalmente.
de que irá fertilizar o óvulo (que é sempre 23x); Quanto à genitália externa, esta também
logo, é o gameta paterno que determina o sexo apresenta uma fase indiferenciada e bipoten-
da prole12. cial, formando-se a partir do tubérculo genital,
Ocorrendo a fecundação do óvulo pelo es- seio urogenital e dobras lábio-escrotais, as
permatozóide x ou y, ainda na trompa de Faló- quais, na presença de testosterona (endógena
pio, iniciam-se as divisões celulares. Uma célu- ou exógena), originarão, respectivamente, pê-
la (o zigoto) dará origem a duas células, que nis, escroto e uretra peniana; na ausência de
formarão quatro células ainda indiferenciadas, testosterona, ocorrerá, respectivamente, a for-
e assim sucessivamente, até sua chegada no mação do clitóris, lábios vulvares, uretra e terço
útero, onde o embrião irá nidar (de 8 a 11 dias inferior da vagina. Há uma perfeita correspon-
após a fecundação). Neste momento, as célu- dência entre as genitálias masculinas e femini-
las indiferenciadas, denominadas totipotentes, nas.
iniciam suas diferenciações, dando origem aos Na infância, a menina não apresenta osci-
diversos tipos de tecidos e sistemas, em mo- lações hormonais significativas aproximada-
mentos distintos. Somente a partir da quinta mente até os 8-9 anos de idade, e o menino, até
semana de gestação é que ocorre a diferencia- a idade de 10 a 13 anos, quando tem início a
ção sexual. Antes disso, as gônadas são ditas puberdade.
primitivas ou indiferenciadas, podendo originar Grande parte do controle das funções se-
ovários ou testículos. xuais começa em ambos os sexos com a secre-
É a presença do cromossomo y que deter- ção do hormônio liberador das gonadotrofinas
mina a diferenciação das gônadas primitivas (GnRH) pelo hipotálamo, o qual estimula a se-
em testículos; na sua ausência, ocorrerá sem- creção pela adeno-hipófise de dois hormônios:
pre diferenciação em ovários. No embrião tam- LH e FSH.
bém estão presentes os ductos de Muller e os No homem o FSH estimula a espermatogê-
ductos de Wolff, os quais originarão, respecti- nese, e o LH estimula a secreção de testostero-
vamente, a genitália interna feminina e masculi- na pelos testículos; sua secreção é baixa nos
na. A diferenciação biológica processa-se sem- meninos até por volta dos 11 anos, quando
pre no sentido feminino, independente dos então aumenta rapidamente pelo estímulo dos
genes X ou Y. É a presença do hormônio tes- hormônios gonadotróficos da adeno-hipófise. A
tosterona que desvia o desenvolvimento para testosterona é responsável pelo desenvolvi-
uma diferenciação masculina. mento, crescimento e manutenção da funciona-
Após a diferenciação sexual e a formação lidade da genitália masculina e pelas caracte-
dos testículos, estes iniciam a produção de tes- rísticas sexuais secundárias, determinando um
tosterona já na oitava semana gestacional. Du- aumento de até oito vezes no tamanho do pê-
rante a vida fetal, os testículos são estimulados nis, da bolsa escrotal e dos testículos antes dos
pela gonadotrofina coriônica secretada pela pla- 20 anos de idade. Também se observa seu
centa, estimulando a secreção de quantidades efeito sobre a distribuição dos pêlos corporais
moderadas de testosterona, sendo que tal se- de forma masculina; sobre a voz, já que induz a
creção persiste até cerca de três semanas após uma hipertrofia da laringe e como efeito uma
o nascimento A presença de testosterona irá voz dissonante e “rachada”, que gradualmente
promover o desenvolvimento dos canais de se torna uma voz grave típica masculina, bem
Wolff, a partir dos quais se formarão o epidídi- como o aumento da espessura da pele em todo
mo, o canal deferente e a vesícula seminal. o corpo e desenvolvimento de acne, o desen-
Junto com a testosterona, ocorre a produção do volvimento da musculatura, que aumenta uma
FIM (Fator Inibidor de Muller), o qual impede o média de 50% a mais em relação à mulher. Tem
desenvolvimento dos ductos de Muller, deter- efeito sobre o crescimento ósseo e retenção de
minando a atrofia dos mesmos. cálcio12. A idade da espermarca (primeira eja-
Com a ausência do cromossomo y e conse- culação) é muito variável e não se relaciona
qüentemente com a ausência de testosterona e com a fase de maturação. A puberdade mascu-
do FIM, os ductos de Wolff não se desenvol- lina termina, em geral, por volta dos 16 anos.
vem, entram em atrofia e dão lugar ao desen- Posteriormente os testículos humanos continu-
volvimento dos ductos de Muller, a partir dos am a produzir a testosterona para manter a 79

R. Psiquiatr. RS, 25'(suplemento 1): 75-87, abril 2003


Diferenças de gênero – Parisotto et alii

libido até o fim da vida, também estimulando atuará na hipófise, estimulando a produção de
comportamento mais agressivo, mais territorial FSH. O FSH atuará no ovário, que aumentará
e mais competitivo, necessário para a sobrevi- progressivamente a produção de Estrogênio.
vência da espécie, juntamente com um papel Este hormônio irá provocar uma proliferação do
vital na motivação sexual e aspectos mais de- endométrio no útero, tornando-o mais adequa-
corativos das características masculinas para do à implantação do provável embrião. Os ní-
atrair as fêmeas de sua espécie13. veis crescentes de estrogênio atingem níveis
Na menina, o amadurecimento do SNC faz críticos por volta da metade do ciclo, desenca-
com que o hipotálamo, de forma pulsátil, libere deando uma liberação em pico do LH (hormônio
o GnRH (hormônio liberador de gonadotrofi- Luteinizante), responsável pela ruptura do folí-
nas), o qual vai estimular a hipófise a produzir culo e conseqüente liberação do óvulo, pronto
FSH (hormônio folículo estimulante) e LH (hor- para ser fecundado. Neste momento, o nível de
mônio luteinizante), dando início à puberdade. estrogênio torna-se estável, em platô. O folícu-
Estes hormônios vão agir nos ovários, estimu- lo roto forma o corpo lúteo, responsável pela
lando o desenvolvimento dos folículos primor- produção de progesterona que, a nível uterino,
diais a partir dos quais serão produzidos hor- vai bloquear o crescimento do endométrio,
mônios androgênicos (testosterona e transformando-o em secretor rico em glicogê-
androstenediona) e hormônios estrogênicos nio, capaz de nutrir o embrião logo após a
(estradiol e estrona). A produção estrogênica nidação, até que se estabeleçam as formações
por parte do ovário vai promover o desenvolvi- vasculares responsáveis pelas trocas mãe-feto.
mento dos chamados caracteres sexuais se- Entretanto, se a fecundação não ocorrer,
cundários. Na maioria das meninas, a primeira os níveis de estrogênio e de progesterona caem
manifestação é o aparecimento do broto mamá- bruscamente, provocando a menstruação, com
rio, chamado Telarca, e ocorre geralmente en- a qual se inicia um novo ciclo e mais uma
tre os 9-10 anos. Nessa mesma fase, tem início “tentativa”...
o estirão puberal, que atingirá seu máximo por Diferentemente das outras espécies de
volta dos 11 anos de idade. mamíferos, as mulheres não ficam no cio quan-
A supra-renal também contribui na produ- do ovulam, mas apresentam alterações com-
ção androgênica, fazendo com que, em algu- portamentais mais sutis, como por exemplo, na
mas meninas (a minoria), a chamada adrenar- linguagem corporal e no contato visual, os quais
ca, caracterizada pelo surgimento de pêlos informam aos homens que estão querendo ter
pubianos, anteceda o aparecimento do broto as mesmas relações sexuais.
mamário. Posteriormente, surgem os pêlos axi- Também um outro papel do estrogênio é o
lares, bem como o aumento do peso corporal e de manter as características sexuais secundá-
distribuição de gordura tipicamente feminina. rias (sinalizações de fertilidade), que as tornam
Após todo esse amadurecimento corporal, e mais atraentes para os homens, juntamente
com níveis hormonais capazes de estimular o com um comportamento menos agressivo e ter-
endométrio, ocorrerá a primeira menstruação, a ritorial e mais maternal13. Durante a fase estro-
chamada Menarca, ao redor dos 12 anos de gênica, ocorre a liberação dos chamados feror-
idade, momento em que também ocorre uma mônios, que são substâncias aromáticas
desaceleração do crescimento. produzidas pelas células da genitália feminina
A menarca não caracteriza o fim da puber- os quais despertam desejo sexual no macho;
dade, mas sim o início de seu último estágio, assim, esse odor liberado pelos amantes pode
que pode durar até um ou dois anos, ou seja, ser, além de excitante, bastante prazeroso tan-
até que se estabeleçam os ciclos ovulatórios, to para os homens quanto para as mulheres e
caracterizados pela sua regularidade, evidenci- parece também estar relacionado com a esco-
ando a maturidade do eixo hipotálamo-hipófise- lha do parceiro.
ovário. A partir deste momento, se tudo evoluir Como ocorre no homem, a testosterona
normalmente e o eixo hipotálamo-hipófise-ová- também tem um papel na manutenção do im-
rio não for bloqueado (através de anticoncepci- pulso sexual nas mulheres, sendo que sua se-
onais hormonais, por exemplo), ocorrerá men- creção eleva-se na puberdade, mantendo-se
salmente nesta menina-mulher e durante sua constante com pequenas flutuações durante o
vida adulta uma “preparação” para a gestação. ciclo menstrual.
Cada ciclo inicia no primeiro dia da menstrua- Os ciclos menstruais mantêm-se de forma
ção, com níveis hormonais baixos, o que pro- regular até por volta dos 45 anos, quando inicia
move por “feedback” positivo a nível hipotalâ- o período do climatério, com o esgotamento
80 mico um estímulo na produção de GnRH, que dos folículos ovarianos e diminuição da produ-

R. Psiquiatr. RS, 25'(suplemento 1): 75-87, abril 2003


Diferenças de gênero – Parisotto et alii

ção ovariana de hormônios. Com esta redução, órgãos genitais prepara-os para as funções re-
há um aumento importante das gonadotrofinas produtivas. O desejo sexual pode ser afetado
na tentativa de estimular os ovários que já não em sua intensidade pelos níveis de testostero-
respondem mais. Esta fase caracteriza-se, na na, mas sugere-se clara predominância de de-
maioria das vezes, inicialmente por ciclos mens- terminantes psicossociais na excitação sexual
truais irregulares (climatério pré-menopáusico), humana.
até a parada completa das menstruações. A Excitação: a vasocongestão difusa resulta
menopausa (data da última menstruação, iden- em lubrificação e em edema vaginal nas mulhe-
tificada de forma retroativa após um ano de res. Nos homens, ocorre dilatação das artérias
amenorréia) é o marco que divide o climatério do pênis, aumentando o influxo, e o relaxamen-
em pré e pós-menopáusico. O climatério é uma to dos músculos do corpo cavernoso impede o
fase de transição da vida reprodutiva para a efluxo, resultando na ereção peniana.
não reprodutiva. Orgasmo: ocorrem espasmos reflexos, clô-
No homem, a produção de testosterona nicos, prazerosos da musculatura genital. Nas
persiste durante a maior parte da vida adulta, mulheres, há uma expansão máxima do canal
reduzindo de forma acentuada após os 50 anos vaginal posterior, contração do terço anterior
de idade, chegando a atingir aos 80 anos um da vagina e contração do esfíncter externo do
nível que corresponde a cerca de 20-50% do ânus, assim como também há uma predomi-
valor máximo já secretado. Todavia, a maioria nância do lobo límbico, liberando neuro-trans-
dos homens começa a exibir uma redução lenta missores que vão determinar reações extrage-
das funções sexuais entre os 40-50 anos, com nitais. Nos homens, a contração dos músculos
uma média para o término das funções sexuais lisos dos órgãos de reprodução internos acu-
em torno dos 68 anos de idade, apesar da mula um bolus para ejacular na uretra posterior,
existência de grandes variações. Em um estudo enquanto as contrações dos músculos bulbo-
realizado com homens saudáveis entre 45-75 cavernosos e ísquio-cavernosos impulsionam a
anos, observou-se uma redução significativa ejaculação para o meato uretral externo15.
no desejo, excitação e atividade sexual, bem Resolução: neta fase, ocorre o retorno da
como uma diminuição nos níveis de testostero- genitália ao seu estado quiescente; há uma
na biodisponível e um aumento no LH, sendo sensação de saciedade, a qual pode estar rela-
um determinante da redução da função sexual. cionada com a liberação simultânea de ocitoci-
Não foram evidenciadas, porém, diferenças na em ambos parceiros sexuais. A ocitocina
quanto ao prazer e satisfação sexual 14 . Essa secretada pelo cérebro das mães e dos bebês,
fase de declínio da função sexual relacionada à durante a amamentação, está relacionada com
redução da secreção de testosterona é chama- a ligação materno-fetal e também é secretada
da de climatério masculino, a qual está associa- por ambos parceiros durante o ato sexual. In-
da a sintomas como ondas de calor, sufocação vestigações neuroendócrinas têm mostrado
e distúrbios psíquicos semelhantes à menopau- uma associação entre a ocitocina, a excitação
sa feminina. sexual e o orgasmo. Com isso, também se pode
Os órgãos sexuais internos e externos de especular que essa liberação de ocitocina após
ambos os sexos, juntamente com a musculatu- a estimulação sexual e o orgasmo seja parcial-
ra do assoalho pélvico e com várias outras mente responsável pela sensação de paz que
estruturas do organismo, sofrem uma série de se observa pós-coito, remanescente da expres-
modificações mediadas pelo sistema neurove- são de tranqüilidade dos bebês após terem sido
getativo, simpático e parassimpático, ocasio- amamentados 13.
nando reações que constituirão o Ciclo da Res-
posta Sexual Humana, cujas fases são: PARADIGMA PSICANALÍTICO
Desejo: nesta fase, sentidos como olfato,
visão, audição conduzem os estímulos via cór- A noção de feminilidade e masculinidade
tex e sistema límbico, desencadeando a excita- ultrapassa o sexo biológico do indivíduo. O de-
ção. O impulso sexual feminino tem também senvolvimento biológico ainda intra-útero, com
uma base hormonal. Sabe-se que a testostero- a liberação hormonal de testosterona, promo-
na é o hormônio responsável pela libido e que a verá uma diferenciação corporal no sentido
progesterona tem um efeito antilibidinoso, o que masculino. Não ocorrendo esta liberação, o feto
explica as flutuações do desejo nas diversas desenvolverá uma diferenciação feminina. O
fases do ciclo menstrual15. Os homens reque- cérebro, então, tem uma tendência biológica
rem um nível dez vezes maior de testosterona para o desenvolvimento feminino16.
comparado às mulheres. A vasocongestão dos Entretanto, no desenvolvimento do indiví- 81

R. Psiquiatr. RS, 25'(suplemento 1): 75-87, abril 2003


Diferenças de gênero – Parisotto et alii

duo, do ponto de vista do gênero a que ele através de modificações orgânicas e inibições
pertence, este aspecto biológico é apenas um psíquicas ao longo da evolução do indivíduo,
dos constituintes. Entram em jogo as represen- desemboca no comportamento sexual normal.
tações mentais, não só das percepções incons- Situa na infância a origem deste polimorfismo
cientes dos próprios pais, assim como a in- sexual: “... a pulsão sexual do adulto nasce
fluência do ambiente e da cultura a que o mediante a conjugação de diversas moções da
indivíduo pertence17. Desta maneira, entende- vida infantil numa unidade, numa aspiração com
se a sexualidade do adulto como decorrente de um alvo único”22.
um processo de desenvolvimento ordenado a Esta sexualidade infantil inicia quando a
partir de diversos aspectos, desde o biológico, pulsão é projetada na superfície do corpo como
atravessando o aprendizado cultural, até as re- um prurido, uma ação específica, como o dar de
presentações mentais que estão perpassadas mamar, por exemplo, substituindo este prurido
por conflitos referentes à situação edípica. É pela satisfação, vindo assim a constituir-se em
nesta área – dos conflitos, das representações uma zona erógena23. Estas zonas erógenas se-
mentais, das fantasias –, que está para além da guem uma evolução filogeneticamente determi-
objetividade e que está presente em toda ativi- nada.
dade sexual, que a psicanálise tem oferecido A primeira organização sexual é a oral, na
sua maior contribuição. qual os objetivos sexuais e de ingesta de ali-
Esta contribuição iniciou com Freud, quan- mentos não estão separados, sendo a mucosa
do este se deparou com a necessidade de en- oral a zona erógena correspondente. A seguir,
tender e explicar os fatores causais das neuro- tem-se a organização anal com seu fim passivo
ses. A época era o final dos anos 1800, e suas de excitação da mucosa anal e seu fim ativo de
primeiras abordagens privilegiaram os pontos controle sádico do objeto. Nesta fase, vê-se a
de vista fisiológico e químico. polarização entre o ativo e o passivo, porém
Foi somente em 1896, no rascunho K, que ainda sem uma ligação entre ativo e masculino
houve uma primeira tentativa de abordar o tema de um lado e passivo e feminino de outro. As
da sexualidade sob um vértice mais psicológi- fezes são tratadas como parte do corpo e signi-
co. Neste trabalho, Freud ocupa-se em compa- ficam para a criança algo muito valioso que vai
rar a histeria, a neurose obsessiva e a para- ser presenteado aos pais. Este presente trans-
nóia, partindo do princípio de que em todas forma-se, em fantasia, num bebê, com a teoria
haveria uma etiologia sexual. Mesmo que nesta de que este é adquirido pela alimentação e
época a sexualidade infantil já ocupasse a men- nasce via intestinal. Também as fezes, ao pre-
te de Freud, ainda era vista como algo latente, encherem o canal anal, configuram-se no pro-
à espera de um fator traumático que a trouxes- tótipo do que posteriormente será o preenchi-
se à tona. mento da vagina pelo pênis.
Falando a Fliess da sua desilusão com a Até aqui o desenvolvimento sexual entre
teoria da sedução e na sua auto-análise, com a meninos e meninas não mostra qualquer dife-
descoberta do complexo de Édipo, reconhece rença. É somente a seguir, na fase fálica, que
Freud que os impulsos sexuais estavam pre- as diferenças mostram-se evidentes. Nesta eta-
sentes nas crianças desde muito cedo e que pa, Freud apresenta sua visão intensamente
independiam de qualquer estímulo do mundo ligada à primazia do falo, tão importante em sua
externo para agirem18,19. Foi necessário algum teoria sobre a sexualidade, quanto questionada
tempo para que o próprio Freud assimilasse posteriormente.
esta descoberta. No seu trabalho “A sexualida- A fase fálica inicia-se tanto na menina
de na etiologia das neuroses” (1898) e mesmo quanto no menino por uma atividade masturba-
no “A interpretação dos sonhos” (1900), ainda tória ligada aos órgãos genitais. É deste perío-
há relatos ambivalentes sobre a sexualidade do a teoria sexual infantil que diz respeito a que
infantil 20. Ao escrever o caso Dora em 1901, tanto meninas quanto meninos possuem pênis.
fica claro que Freud já tinha convicção sobre O menino, em função de suas ansiedades
uma teoria sobre a sexualidade, porém esta castratórias, num primeiro momento, vê a mãe
aparece sistematizada somente em 1905 quan- como possuindo um pênis, o que funciona como
do publica o trabalho “Os três ensaios sobre a um atrativo sexual desta. Ao mesmo tempo,
teoria da sexualidade”21,22. pelo estímulo visual, vai constatando que as
Resumidamente, Freud, neste trabalho, mulheres não têm este pênis imaginado. Man-
parte das aberrações sexuais, como as deno- tém esta crença, entendendo o clitóris como um
minava na época, e descobre que a pulsão pequeno pênis que irá crescer; somente mais
82 sexual humana é originalmente perversa e que, tarde é que poderá fazer frente à idéia aterrori-

R. Psiquiatr. RS, 25'(suplemento 1): 75-87, abril 2003


Diferenças de gênero – Parisotto et alii

zante, pela ameaça de castração conseqüente, ma que o desejo da menina não é o de possuir
de que as mulheres não têm um pênis e que um pênis enquanto um atributo de masculinida-
este pode ter-lhes sido cortado. A partir de de, mas sim de incorporar o pênis do pai, para
então, passa a temer a mesma punição e a obter deste a satisfação do desejo de fazer um
perda de sua masculinidade. O resultado é uma filho29. Assim sendo, para a autora, este desejo
polarização entre o masculino, que detém o é a expressão dos componentes pulsionais fe-
pênis, e o feminino, como um ser castrado. mininos da menina, mais do que a inveja do
Pela castração, o menino enfrentaria e re- pênis no sentido de transformá-la em menino
solveria seu conflito edípico, tanto na sua forma (tendência masculina).
positiva, ameaçado de castração pelo pai, Um aspecto conseqüente a este questiona-
quanto na sua forma negativa, pelo temor de se mento é a sugestão de vários autores quanto à
transformar num ser castrado como a mãe24,25,26. existência de sensações vaginais por parte da
Instala-se como herdeiro do complexo de Édipo menina, promovendo uma percepção do corpo
um severo superego27. como contendo um espaço interno, o que favo-
Na menina, a evolução da fase fálica tam- receria o desenvolvimento de uma postura mais
bém inicia com a fantasia de que as mulheres receptiva que no menino30.
possuem um pênis. Ainda intensamente ligada A impossibilidade de visualizar e explorar a
à mãe, vive a fantasia de dar um filho a esta ou vagina tem importantes implicações na repre-
de gerar um filho dela27. Com a constatação de sentação mental de seus genitais. A possibili-
que a mãe não possui pênis e nem ela, sente- dade de tocar e observar a vulva, o clitóris e a
se injuriada narcisicamente e invadida por uma genitália externa pode ser o precursor da con-
intensa inveja do pênis. Ressente-se com a ceitualização da vagina, levando a menina a
mãe por esta não possuir e nem lhe ter dado um perceber seus genitais como tendo uma abertu-
pênis e volta-se para o pai, num primeiro mo- ra e um espaço interno em potencial31.
mento, para recuperar este pênis perdido e, A impossibilidade da percepção concreta
posteriormente, com o intuito de ter um bebê do da vagina, como é o pênis para o menino, vin-
pai. O bebê assume o lugar do pênis, e a ativi- cula o investimento narcísico da menina a todo
dade dá lugar à passividade. Diferente do meni- seu corpo, de maneira diferente do menino, que
no, a castração na menina introduz o Édipo 27,28. o focaliza em seus genitais. Decorre desta im-
A próxima etapa é a da latência, que divide possibilidade de percepção concreta da vagina
a sexualidade humana em dois pólos: o pré- o desenvolvimento de ansiedades, que podem
genital e o genital. É um período de intensa tomar um caráter persecutório, quanto ao esta-
repressão da sexualidade, porém que mantém do preservado ou destruído do interior do pró-
latente uma quantidade muito grande de fanta- prio corpo, com as quais a menina vê-se envol-
sias sexuais, que na puberdade voltam à tona. vida durante todo seu desenvolvimento. Já o
A puberdade caracteriza-se por um novo menino, com a possibilidade de visualizar o
incremento dos impulsos sexuais estimulados próprio pênis, tem um auxílio do teste da reali-
pelas alterações hormonais. Surge um novo dade para aplacar estas ansiedades29.
alvo sexual para onde convergem todas as pul- Chasseguet-Smirgel não questiona a exis-
sões parciais sob o primado da genitalidade. O tência da inveja do pênis na mulher, como pro-
prazer do órgão é substituído pela busca do posta por Freud, mas propõe outro sentido à
objeto, e a obtenção pura e simples do prazer, mesma32. Não seria uma reivindicação viril, mas
agora um pré-prazer, coloca-se a serviço da o desejo de contrapor-se à ferida narcísica pro-
função reprodutora e da descarga dos produtos vocada pela mãe onipotente, através da pos-
sexuais. Institui-se o orgasmo genital, sendo sessão de algo que a faça sentir-se superior,
que na mulher o clitóris é substituído pela vagi- como ocorre com o menino. Assim sendo, a
na. O ativo-clitoridiano dá lugar ao passivo- inveja do pênis origina-se do desejo de sepa-
vaginal. A masculinidade combina os fatores de rar-se da mãe a fim de tornar-se mulher. Segun-
sujeito, atividade e posse do pênis e a feminili- do a autora: “a menina sentiria, ao mesmo tem-
dade os de objeto e passividade22,26. po, inveja de um pênis e vontade de voltar-se
Uma das questões de maior debate na psi- para o pai, ajudada nesse intento por seus de-
canálise tem sido os elementos constituintes do sejos – poderosos e fundamentalmente femini-
Édipo feminino e o estabelecimento das dife- nos – de libertar-se da mãe. A inveja e o desejo
renças no desenvolvimento da menina e do erótico do pênis não se contrariam, mas seriam
menino. profundamente complementares – e permitir a
Em relação à inveja do pênis, Klein, posi- satisfação simbólica da primeira seria um pas-
cionando-se de modo diferente de Freud, afir- so para a integração do segundo”32. 83

R. Psiquiatr. RS, 25'(suplemento 1): 75-87, abril 2003


Diferenças de gênero – Parisotto et alii

O menino não compete com seu principal Por identidade de gênero nuclear, enten-
cuidador – a mãe –, na configuração edipiana de-se a noção que o indivíduo tem a respeito de
positiva. Isto confere uma complexidade dife- seu próprio sexo, não tendo implicações de
rente ao desenvolvimento da menina, em que papel do gênero ou relações de objeto. É um
as relações pré-edipianas com a mãe terão um nexo central, em torno do qual serão acresci-
papel fundamental. A natureza das fantasias das a masculinidade e a feminilidade35. Segun-
sádicas da menina em relação a esta mãe oni- do este mesmo autor, a identidade de gênero
potente oferecerá grande influência na possibi- nuclear é o resultado de:
lidade de efetuar esta separação, de ultrapas- 1. Uma “força” biológica, ou seja, de um
sar a conflitiva edípica33. efeito, que se origina ainda intra-útero da ação
A relação do papel das atividades mastur- hormonal que estimulará o desenvolvimento no
batórias, bem como as experiências sensoriais sentido masculino ou feminino. Esta ação pode
iniciais da criança contribuem na capacidade estar ligada ao estímulo cromossômico, mas
desta lidar com seu próprio corpo e de separar- fatores outros que interfiram no estímulo hor-
se da mãe. Diz a autora: “O conflito edípico monal poderão desviar este comando genético.
precoce subjacente pode ser entendido como 2. O sexo que é atribuído ao bebê quando
inevitavelmente levando a um ponto no desen- de seu nascimento, que está relacionado à apa-
volvimento em que a consciência da realidade rência de sua genitália externa. Isto independe
– a separação da mãe e a colisão das fantasias do desejo dos pais quanto ao sexo do seu
onipotentes da criança do papel de não rivali- bebê, pois independente deste desejo não há
dade do pai em relação à mãe – tem que ser um questionamento quanto ao sexo atribuído.
reconhecida por ambos, meninas e meninos34. 3. As atitudes dos pais em relação ao sexo
Para a menina, a possibilidade de estabe- da criança, originadas da percepção que estes
lecer relações de objeto, assim como uma rela- pais têm a respeito do sexo de seu bebê, e que
ção favorável com o próprio corpo, decorre da irão construindo as percepções do mesmo a
possibilidade de ver a si própria como perten- respeito do seu próprio sexo.
cendo ao mesmo sexo da mãe – e, portanto, 4. Os fenômenos biopsíquicos que estari-
diferente do seu pai –, o que entra em choque am ligados a efeitos causados por padrões de
com a organização narcísica anterior. É neces- cuidado da criança, após seu nascimento, e
sário ver a si mesma como tendo um corpo que que irão modificando seu cérebro e comporta-
não é o masculino, e isto só é possível com o mento. Isto ocorre através de mecanismos
abandono da fantasia de ter o amor de sua mãe como condicionamento, imprinting, ou outras
para si, o que implica a noção de que há uma formas de aprendizado, de maneira que a crian-
satisfação que a mãe só poderá obter do pai e ça não tem processos mentais que a capacitem
que a menina não será capaz de substituir34. a proteger-se da ação destes estímulos senso-
Estes autores salientam a ligação libidinal riais.
para com o pai, muito antes do que proposto 5. O desenvolvimento do ego corporal que
por Freud, tanto para o menino quanto para a se refere às sensações, especialmente de seus
menina. Mas enfatizam no conflito edípico, es- genitais, que vão definindo seu físico e as di-
pecialmente para a menina, a importância da mensões psíquicas do próprio sexo.
ligação com a mãe enquanto cuidadora. É nes-
te contexto que a ligação com o pai ocorre, Além da identidade de gênero nuclear, con-
promovendo um “abandono” da ligação libidinal forme referida acima, Kernberg propõe outros
com o mesmo, colocando uma identificação em dois determinantes e constituintes da experiên-
seu lugar. Para a resolução do complexo de cia sexual: a identidade do papel de gênero e a
Édipo, é importante o abandono de ambas liga- escolha de objeto dominante16.
ções, permitindo apenas a ligação afetiva e as Segundo o autor, a identidade do papel de
identificações com ambos os pais, que levam a gênero refere-se a diferenças bem estabeleci-
uma bissexualidade psíquica madura, favore- das nos papéis que são atribuídos a cada gêne-
cendo a capacidade de investir objetos de am- ro, como uma maior capacidade verbal para as
bos os sexos. meninas e uma maior capacidade visual, espa-
A resolução destes conflitos, assim como o cial e matemática para os meninos. Há achados
estabelecimento das identificações com os pais, que sugerem que este comportamento na in-
serão aspectos de importância na constituição fância possa ser influenciado por fatores hor-
da identidade de gênero nuclear do indivíduo, monais pré-natais, mas entende-se que, em
muito embora não sejam os únicos elementos sua maioria, os traços que diferenciarão meni-
84 que intervêm. nos de meninas são provavelmente determina-

R. Psiquiatr. RS, 25'(suplemento 1): 75-87, abril 2003


Diferenças de gênero – Parisotto et alii

dos pela cultura. do, muito maior que os outros de sua espécie e
Quanto à escolha do objeto dominante, há é o responsável pela fertilização de todas as
uma relação íntima com a identidade de gênero fêmeas do território. Ao se retirar o super-ma-
nuclear, pois a identificação da pessoa com um cho de seu nicho, o maior peixe restante da
gênero está intimamente ligada ao conceito de mesma espécie assume suas funções reprodu-
um outro gênero, incluindo o relacionamento toras, mesmo que este seja uma fêmea. Em
com este outro como objeto sexual desejado16. uma semana, o novo peixe dominante transfor-
Ainda se fazem necessárias algumas pala- ma-se, inclusive mudando o sexo, se necessá-
vras quanto ao Ciclo da Resposta Sexual Hu- rio, e começa a sua função de reprodução.
mana, no sentido de integrar os vários aspectos Caso o antigo super-macho seja re-introduzido
relativos ao desenvolvimento, que entram na no nicho, o seu substituto retorna ao seu estado
constituição de cada fase deste. inicial.
O desejo é afetado pelos níveis circulantes Ao se constatar a versatilidade biológica
de testosterona, não ocorrendo quando há ní- desse animal, em prol da perpetuação da espé-
veis inadequadamente baixos. Mas salienta-se cie, deparamo-nos com inúmeras possibilida-
que estando esta condição hormonal preserva- des de comparação com o ser humano. De
da, este tem como determinantes os fatores certo que não mudamos de sexo (não de forma
cognitivo-afetivos16. Ainda segundo o mesmo natural, ao menos), mas dispomos de uma plas-
autor, o desejo erótico está vinculado ao desejo ticidade cerebral que nos capacita a uma dife-
de relacionamento sexual com um objeto deter- renciação, não apenas dos outros animais,
minado, mais especificamente, a “excitação se- como também dentre os próprios seres huma-
xual vinculada ao objeto edípico”. nos ao longo de todo o seu desenvolvimento36.
Já a excitação é considerada por Kernberg Partimos então do princípio de que temos
como um afeto específico. Diz o autor: “ Parece um sistema nervoso com um substrato mais
óbvio que ela tem raízes em funções biológicas básico equivalente às espécies menos evoluí-
e em estruturas que servem ao instinto básico das (do ponto de vista antropocêntrico) e um
da reprodução no reino animal”16. Descreve-a mais complexo, muito provavelmente mediado
como sendo um afeto mais próximo daqueles pelo neocórtex. Tal aparelhagem especializada
mais complexos, não se manifestando muito vem se refinando, a princípio sob a égide do
cedo na vida do indivíduo. Está vinculada às Imperativo Reprodutivo (deixar cópias gênicas
primeiras experiências de prazer, mais especi- de melhor qualidade possível para perpetuação
ficamente na sensibilidade corporal ligada à da espécie). Desenvolve-se através da relação
relação do bebê com seus cuidadores iniciais e, mãe-bebê, capacitando o novo indivíduo a lidar
posteriormente, ao estímulo das zonas eróge- com as suas próprias necessidades e com as
nas. Salienta-se a vinculação destes estímulos exigências do meio ambiente. ”Conforme avan-
corporais com as fantasias correspondentes a çamos na escala biológica do reino animal (par-
cada zona, assim como aos imprints cognitivos ticularmente quando comparamos mamíferos
a eles ligados. inferiores com os primatas e os seres huma-
No orgasmo, encontramos diferenças nos), as interações psicossociais entre o bebê
quanto ao gênero. Uma vez que o orgasmo e seu cuidador desempenham um papel cada
masculino está ligado à ejaculação, ele tem por vez mais significativo na determinação do com-
característica a funcionalidade, sendo a satis- portamento sexual, associadas a uma relativa
fação ligada ao funcionamento fisiológico. Já o diminuição do controle por fatores genéticos e
orgasmo feminino, estando destituído da fun- hormonais”16.
ção reprodutiva, é essencialmente erótico. Não Poderíamos supor que esse desenvolvi-
está especificamente vinculado à zona eróge- mento dos afetos visaria primordialmente a
na, como no masculino, ligado ao pênis, sendo atender ao Imperativo Reprodutivo?
imprecisa a sua localização. Tal interpretação seria considerada redu-
cionista se não levasse em consideração as
COMENTÁRIOS FINAIS múltiplas conexões e redes de influências entre
as partes representadas aqui nesse trabalho
Existe um tipo de peixe de águas tropicais sob diferentes paradigmas e caso se estivesse
chamado parrot fish (peixe papagaio). Ele tem propondo que o Imperativo Reprodutivo fosse a
uma particularidade muito interessante. Os ma- única ou principal razão do desenvolvimento
chos não dominantes e as fêmeas são muito humano. Contrariamente a isso, nossa tentati-
semelhantes em aparência. No entanto, o ma- va foi apenas a de compreender o comporta-
cho dominante (super-macho) é azul-esverdea- mento sexual, dando importância equivalente a 85

R. Psiquiatr. RS, 25'(suplemento 1): 75-87, abril 2003


Diferenças de gênero – Parisotto et alii

todos os seus níveis, tanto biológico, quanto cultural de cada era39.


psíquico, enfocando o desenvolvimento de um Do ponto de vista reducionista, faltaria ain-
único indivíduo, como o de toda a espécie, num da uma peça nesse quebra-cabeça para expli-
ecossistema diversificado. Não sabemos a que car, por exemplo, por que motivos um indivíduo
senhor serve qualquer uma das partes, se é saudável permaneceria como casal ao lado de
que existe de fato uma tal hierarquia de impor- outro infértil, por qual outra razão que não pro-
tância. priamente o Imperativo Reprodutivo. Tentando
Passa a ser então um exercício bastante compreender os aspectos mais profundos do
interessante tentarmos compreender determi- comportamento humano, damo-nos conta de
nados aspectos do desenvolvimento e do com- que algo mais está por trás (ou adiante) da
portamento sexual sob esse prisma mais abran- matriz biológica, que pode ter deixado de servir
gente. A infidelidade, por exemplo, poderia ser exclusivamente ao Imperativo Reprodutivo, indo
considerada, levando-se em conta os aspectos mais além em busca de qualidade de vida, lon-
evolucionistas, como “normal” ou, no mínimo, gevidade e prazer, não apenas sobrevivência e
esperada, existindo em ambos os sexos e numa continuidade da espécie.
freqüência bastante grande. A compreensão Cada um de nós é um ser único que duran-
das razões naturais da procura por prazer “fora te seu desenvolvimento físico e emocional atra-
do casamento” (impulso que leva a uma opção vessa “processos” muito semelhantes, mas
genética diferente) poderia, quem sabe, facili- também com diferenças muito significativas,
tar o enfrentamento desses acontecimentos. principalmente no desenvolvimento sexual. As
Sabe-se que mulheres em período fértil são características genéticas de cada indivíduo,
biologicamente bem mais suscetíveis à infideli- nossas vivências, nossas sensações e emo-
dade quando comparadas a elas mesmas em ções tornam-nos absolutamente distintos. Tem
período não-ovulatório, e que suas preferênci- sido uma tarefa árdua do ser humano o controle
as por homens mudam nessa fase do ciclo (bus- dos impulsos mais básicos em prol da evolução
ca por homens simétricos, de bons-genes)37,38. e da civilização. Talvez exatamente por essa
Do ponto de vista do desenvolvimento psicos- força de vontade é que tenhamos nos distingui-
sexual, não seria esperada a infidelidade, con- do e sobrevivido como espécie.
siderada em nossa cultura ocidental como fruto
de conflitos intrapsíquicos não elaborados. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Na adolescência, a partir de modificações
hormonais, ficam bastante ilustrativas as tantas 1. Darwin C. The descent of man and selection in relation to
motivações direcionadas à atração pelo sexo sex. Murray.London, England., 1871.
oposto, com distintas manifestações em cada 2. Kacelnik A. Sexualidade e biologia. In: Pellanda, NMC,
Pellanda, LEC (eds) O olhar biológico. Vozes, Petrópolis,
sexo. Observamos os comportamentos territori- 1996, 671-689.
al, agressivo e competitivo dos rapazes, expon- 3. Trivers R. Parental investment and sexual selection. In:
do-se muitas vezes ao risco, como exibição de Campbell B (ed) Sexual selection and the descent of
seus atributos. Descer uma rua movimentada man. 1871-1971. Aldine-Atherton, Chicago, 1972, 136-
179.
de skate, pegar ondas perigosas, submeter-se
4. Flores RZ. Um filhote de primata. Rev Psiquiatr Rio Gd
a brigas de gangues são alguns dos exemplos Sul 19, 1997, 124-129.
comuns em nosso meio. Nas moças, corres- 5. Buss DM, Schmitt DP. Sexual strategies theory. An evo-
pondem a uma atitude provocativa e atraente, lutionary perspective on human mating. Psychol Rev 100,
1993, 204-232
do tipo balançar os cabelos, usar roupas deco-
6. Buss DM. The evolution of disere. Strategies of human
tadas e curtas e oferecer olhares furtivos. Po- mating. BasicBooks, New York, 1994.
demos compreender tais atitudes como ritos de 7. Buss DM. Sex differences in human mate preferences.
passagem, fundamentais para o indivíduo al- Evolutionary hypothesis tested in 37 cultures. Behav
cançar a sexualidade madura. Esta somente se Brain Sci 12, 1989, 1-49.
torna possível na medida de um adequado in- 8. Gangestad SW, Simpson JA. The evolution of human
mating. Trade-offs and strategic pluralism. Behav Brain
vestimento parental prévio, bem como de ela- Sci 234, 2000, 573-587 discussion 587-644.
boração de etapas anteriores de desenvolvi- 9. Gangestad SW. Human sexual selection, good genes,
mento. A dicotomia do gênero observada and special design. Ann N Y Acad Sci 907, 2000, 50-61.
nessas atitudes e nas fantasias ou daydreams 10. Pawlowski B. Dunbar, R.I. Impact of market value on
(Cinderela X Simbá) vai surgindo ao longo de human mate choice decisions. Proc R Soc Lond B Biol
Sci 266, 1999, 281-285.
todo o processo de maturação, sendo muito
11. Moore KL. Embriologia Clínica. 4ª edição. Rio de Janeiro:
influenciada pelos fatores ambientais. O ser Editora Guanabara, 1990.
masculino ou feminino em aspirações e em ati- 12. Guyton AC. Tratado de Fisiologia Médica. 8ª edição. Rio
86 tudes pode ir variando conforme o constructo de Janeiro: Editora Guanabara, 1992.

R. Psiquiatr. RS, 25'(suplemento 1): 75-87, abril 2003


Diferenças de gênero – Parisotto et alii

13. Kaplan H. Transtornos do Desejo Sexual. Porto Alegre: nossas vidas. Rocco, Rio de Janeiro, 1997 pp 372. 218-
Artmed, 1999. 250.
14. Schiavi R, Segraves RT. The Biology of Sexual
Function.The Psychiatric Clinics of North America. Vol. RESUMO
18, numero 1, pg 7-21, 1995.
15. Chedid S. Etiologia Orgânica e Mista dos Transtornos O desenvolvimento sexual masculino e feminino
Sexuais Femininos & Tratamento. Carmita Helena Najjar
tem sido fonte de incontáveis questionamentos em
Abdo (org). São Paulo: Ed. Lemos, 1997.
várias áreas do conhecimento humano ao longo da
16. Kernberg O. F. Psicopatologia das relações amorosas.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. história da humanidade. Diversas especialidades têm
estudado o tópico da sexualidade de forma dissocia-
17. McDougall J. As Múltiplas Fases de Eros: Uma Explora-
ção Psicoanalítica da Sexualidade Humana. São Paulo: da, dificultando a sua compreensão global e a abor-
Martins Fontes, 1997. dagem terapêutica de seus transtornos. A busca de
18. Freud S. As neuroses de defesa. Vol. 3. Rio de Janeiro: integração de diferentes teorias oriundas, tanto dos
Imago, 1896, 307-317. processos fisiológicos básicos que originam a vida,
19. Freud S. Carta 69. Vol. 1. Rio de Janeiro: Imago, 1897, quanto dos campos mais complexos da psicanálise,
357-359. tem sido um dos grandes desafios da prática clínica.
20. Strachey J. Nota do editor inglês. Vol. 7. Rio de Janeiro: Propõe-se, então, um artigo com o objetivo de des-
Imago, 1949, 119-122. crever as diferenças de gênero no desenvolvimento
21. Freud S. Fragmentos da análise de um caso de histeria. sexual humano, à luz dos vértices biológico, psicana-
Vol. 7. Rio de Janeiro: Imago, 1901, 12-117.
lítico e evolucionista, buscando-se pontes de cone-
22. Freud S. Os três ensaios dobre a teoria da sexualidade. xão entre estes paradigmas, para uma visão mais
Vol. 7. Rio de Janeiro: Imago, 1905, 118-228.
integrada do processo de ser masculino ou feminino.
23. Freud S. Carta 52. Vol. 1. Rio de Janeiro: Imago, 1896,
254-259.
Descritores: sexualidade, diferenças de gênero, bio-
24. Freud S. Análise de uma fobia em um menino de cinco
anos. Vol. 10. Rio de Janeiro: Imago, 1909, 13-154. logia, psicanálise, evolução.
25. Freud S. Leonardo da Vinci e uma lembrança da sua
infância. Vol. 11. Rio de Janeiro: Imago, 1910, 54-124.
26. Freud S. A organização sexual infantil. Vol. 19. Rio de ABSTRACT
Janeiro: Imago, 1923, 177-184.
27. Freud S. Conferência XXXII – Feminilidade. Vol. 22. Rio Male and female sexual development has been
de Janeiro: Imago, 1933, 139-165. source of many controversies through the human
28. Freud S. Sexualidade feminina. Vol. 21. Rio de Janeiro: history. Many specialties have studied the sexuality
Imago, 1931, 259-279. from a disconnected point of view, raising difficulties
29. Klein M. Os efeitos das situações de ansiedade arcaicas to its integral understanding and therapeutic approa-
sobre o desenvolvimento sexual da menina. In: Klein M. ch. The search for integration between physiology
A psicanálise de crianças. Rio de Janeiro: Imago; 1997.
213-257.
and psychoanalysis has been one of the major chal-
lenges in clinical practice. In this article we describe
30. Squitieri LM. Problemas da sexualidade feminina: a fun-
ção defensiva de determinadas fantasias a respeito do gender differences in sexual human development un-
corpo. Livro Anual de Psicanálise, 2001; XV:49-63. der the biological, psychoanalytical and evolutionary
31. Mayer EL. ‘Everybody must be just like me’: observations perspectives, searching connections between these
on female castration anxiety. Int J Psycho-Anal, paradigms in order to find a more integrated vision of
1985;66:331-347. male and female development.
32. Chasseguet-Smirgel J. A sexualidade feminina. Petrópo-
lis: Vozes; 1975. Keywords: sexuality, gender differences, biology,
33. Kulish N, Holtzman D. Perséfone, a perda da virgindade psychoanalysis, evolution.
e o Complexo de Édipo feminine. Livro Anual de Psicaná-
lise, 2000; XIV: 53-66.
Title: Gender differences in sexual development:
34. Laufer ME. The female Oedipus complex and the relati-
onship to the body. Psychoanal Study of the Child, biologic, psychoanalytic and evolutionary paradigms
1986;41:259-276. integration
35. Stoller RJ. Primary femininity. In: Blum HP. Female
Psychology. New York; IUP, 1976: 59-78.
36. Marx e Silva, M e cols. Revista de Psiquiatria do Rio Endereço para correspondência:
Grande do Sul. Algumas bases neurobiológicas da com- Luciana Parisotto
pulsão à repetição e da mudança psíquica. 24 (1): 18-25, Rua Padre Chagas, 185/1105
jan./abr. 2002.
90570-080 – Porto Alegre – RS
37. Gangestad SW, Thornhill R (1998) Menstrual cycle varia-
E-mail: luparis@portoweb.com.br
tion in women’s preference for the scent of symetrical
men. Proc Soc Lond B Biol Sci 265:927-933
38. Penton-Voak IS et al. (1999) Menstrual cycle alters face
preference. Nature 388:741-742 Copyright  Revista de Psiquiatria
39. Person ET. O Poder da Fantasia: como construímos do Rio Grande do Sul – SPRS

87

R. Psiquiatr. RS, 25'(suplemento 1): 75-87, abril 2003

Você também pode gostar