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Deep web: saiba o que acontece na parte

obscura da internet

Leonardo Pereira

Sempre que perguntamos a vocês sobre o que gostariam de


ler aqui no Olhar Digital, boa parte diz se interessar por um
assunto bem escabroso, que costuma ser evitado devido ao
que vem acompanhado dele. É a chamada "deep web", a
camada da internet que não pode ser acessada através de
uma simples "googlada". Pois nós resolvemos fuçar lá para
entender melhor esse universo e informá-los sobre o que é, o
que tem de bom e, também, o que tem de ruim.

Quando se diz que na internet é possível aprender como construir bombas, comprar drogas e documentos
falsificados, entre outras coisas, geralmente é sobre a deep web que estão falando; assim como é lá também que
surgem organizações como Wikileaks e Anonymous, e são essas pessoas que discutem a web como um organismo
livre e democrático. Portanto, é uma via de duas mãos, em que a todo momento você pode tropeçar numa
pedrinha e cair do lado contrário.

A deep web é considerada a camada real da rede mundial de computadores, comumente explicada em analogia a
um iceberg: a internet indexada, que pode ser encontrada pelos sistemas de busca, seria apenas a ponta
superficial, a "surface web". Todo o resto é a deep web - não à toa o nome que, em inglês, significa algo como
rede profunda. "Essa parte de baixo do iceberg existe por causa das deficiências da parte de cima, por causa do
uso comercial excessivo da parte de cima. As pessoas se cansam", diz Jaime Orts Y. Lugo, presidente da Issa
(Associação de Segurança em Sistemas da Informação). Tem quem diga que a camada inferior é 5 mil vezes maior
que a superior, mas não há consenso e uma corrente acredita justamente no contrário.

O que é?

Em grande parte, a deep web existe, assim como a própria internet, graças à força militar dos Estados Unidos.
Neste caso, graças ao Laboratório de Pesquisas da Marinha do país, que desenvolveu o The Onion Routing para
tratar de propostas de pesquisa, design e análise de sistemas anônimos de comunicação. A segunda geração
desse projeto foi liberada para uso não governamental, apelidada de TOR e, desde então, vem evoluindo... Em
2006, TOR deixou de ser um acrônimo de The Onion Router para se transformar em ONG, a Tor Project, uma rede
de túneis escondidos na internet em que todos ficam quase invisíveis. Onion, em inglês, significa cebola, e é bem
isso que a rede parece, porque às vezes é necessário atravessar várias camadas para se chegar ao conteúdo
desejado.

Grupos pró-liberdade de expressão são os maiores defensores do Tor, já que pela rede Onion é possível conversar
anonimamente e, teoricamente, sem ser interceptado, dando voz a todos, passando por quem luta contra
regimes ditatoriais, empregados insatisfeitos, vítimas que queiram denunciar seus algozes... todos. A ONG já teve
apoio da Electronic Frontier Foundation, da Human Rights Watch e até da National Christian Foundation, mas
também recebeu dinheiro de empresas, como o Google, e de órgãos oficiais - o governo dos EUA, aliás, é um dos
principais investidores.
Ao acessar um site normalmente, seu computador se conecta a um servidor que consegue identificar o IP; com o
Tor isso não acontece, pois, antes que sua requisição chegue ao servidor, entra em cena uma rede anônima de
computadores que fazem pontes criptografadas até o site desejado. Por isso, é possível identificar o IP que
chegou ao destinatário, mas não a máquina anterior, nem a anterior, nem a anterior etc. Chegar no usuário,
então, é praticamente impossível.

Também há serviços de hospedagem e armazenagem invisíveis. Assim, o dono da página está seguro se não
quiser ser encontrado.

Como chegar lá?

No site Tor Project você encontra ferramentas pelas quais qualquer é possível ter contato com a rede Onion,
inclusive um compilado de produtos que inclui a versão portátil do Firefox já configurada para o acesso anônimo e
que sequer exige instalação (clique aqui para baixar o pacote). Tanta preocupação com segurança faz com que a
navegação seja muito lenta; nós conversamos com um programador que usa a rede e ele explicou que isso ocorre
principalmente por conta da triangulação do acesso. "Às vezes ele manda um request para um desvio em outro
país e redireciona para o site", disse.

É preciso cautela para se aventurar nesse mundo. Em primeiro lugar, tenha em mente que os principais caminhos
estão em inglês, e é essencial compreender exatamente o que está escrito antes de clicar num link. Além disso, a
deep web é feia, porque ninguém ali está preocupado com o layout, então o inglês é duas vezes mais importante,
já que não há imagens que te levem a entender o contexto. É tudo bem direto.

O programador nos alertou que alguns dos vírus mais arrojados são testados na deep web, portanto, antivírus e
firewall têm de ser bons e estar atualizados. Aqui na redação nós usamos um netbook ligado a um modem 3G
para poupar a nossa rede de eventuais problemas; se você não tiver como fazer isso, a dica é criar uma máquina
virtual. Há, inclusive, uma versão do Linux, a "Tails", feita especificamente para esse tipo de coisa. As operações
financeiras por lá não são feitas com dinheiro ou cartão de crédito; a maioria dos sites nem aceita opções como
PayPal, é tudo em Bitcoin.

E há ainda um outro detalhe. O endereço do que talvez seja o principal site por lá é
kpvz7ki2v5agwt35.onion/wiki/index.php/Main_Page e não adianta tentar acessá-lo pelo navegador convencional,
ele precisa ter uma configuração específica (como a do Tor) para que o link abra. Trata-se da Hidden Wikki, uma
espécie de indicador de sites com cara de Wikipédia que te ajuda a navegar por tema. As URLs são decodificadas
dessa maneira e algumas páginas mudam constantemente para não serem achadas, enquanto outras dependem
de informações específicas para se modificar e, assim, conceder acesso ao que realmente importa ali.

A maioria dos sites tem o .onion no meio por conta do Tor, mas há scripts que configuram o navegador para que
ele abra outras extensões, afinal, essa não é a única forma de driblar o monitoramento da surface web. No ano
passado, por exemplo, quatro pesquisadores das universidades de Michigan e Waterloo criaram o Telex, que
permite acesso a páginas bloqueadas, embora a tecnologia dependa de aprovação do governo ou provedor para
funcionar. Outra alternativa é a Freenet, uma plataforma pela qual se pode compartilhar arquivos, navegar e
publicar "freesites" - estes, assim como os .onion, só são acessíveis com o programa específico.

Uma vez na deep web, basta caçar conteúdo. Tem de tudo ali e nós, como dito lá no começo do texto, fomos do
bom ao ruim para informá-los. A próxima reportagem da série trará a parte legal e, na sequência, mostraremos o
que há de preocupante nesse pedaço quase invisível da internet. Acompanhe conosco, se tiver curiosidade.
Twitter, livros e música: o lado 'cult' da deep
web

Stephanie Kohn

Navegar pela internet tinha um sentido único para mim


até algumas semanas atrás. Uma busca no Google, a
fuçada no Facebook, o dia a dia no Olhar Digital, uma
passeada por outros sites... os hábitos não diferem muito
dos seus. Mas uma tal "deep web" desembarcou na
redação como sugestão de pauta e, desde então, o
velejar de antes virou uma prática submersa, um
mergulho longe da rede convencional.

Resolvemos fazer uma série para desvendar este mundo


ao qual só se tem acesso com navegadores específicos. Na matéria inaugural, publicada ontem (leia
aqui), o repórter Leonardo Pereira explica o que é esta camada paralela, o que acontece por lá e como
chegar até ela. Coube a mim apurar a parte boa e construtiva do conteúdo que circula ali, às vezes
deixado de lado por quem trata do tema.

Não é fácil e nem rápido achar conteúdos interessantes ali (as páginas demoram para serem carregadas
devido ao longo caminho que percorrem até chegarem a sua máquina). Mas, com a ajuda do Torch, um
dos buscadores da oculta web, ou da Hidden Wiki, diretório da web, basta digitar palavras de seu
interesse para encontrar conteúdos que vão além de bizarrices, como mutilações e pedofilia. Claro que
é preciso cuidado com as palavras e atenção para ler os links listados nos resultados de buscas.

No passeio pela DW encontrei uma biblioteca com livros raros, serviços de mensagens instantâneas,
cerca de 50 GB de livros sobre religião, psicologia e outros assuntos curiosos, além de acervos de
músicas e filmes - dos quais não sabemos a procedência. Há ainda uma espécie de Yahoo! Respostas,
onde pessoas anônimas perguntam e respondem sobre os mais diversos temas, e o Tor Status, uma
versão privada do Twitter.
Existem muitos fóruns com discussões que vão de política internacional a técnicas de programação,
porém, todos precisam de cadastro, que pode ser feito por meio do Tor Mail. Este é um serviço criado e
totalmente mantido dentro da Onion (nome dado à rede), e possui encriptação refinada e segurança
máxima. Com este endereço de e-mail que os usuários da DW se identificam em fóruns ou semelhantes.
Assim como na web tradicional, a inscrição é gratuita.

Privacidade

O especialista em segurança digital Jaime Orts Y Lugo afirma que a teia surgiu de uma necessidade de se
obter mais privacidade, já que na web normal, tudo o que fazemos pode ser facilmente rastreado. Muita
gente acaba usando a DW simplesmente por não estar de acordo com as regras impostas por gigantes
como o Google.

Com a alta privacidade, a DW atraiu grupos famosos. O Wikileaks e o Anonymous, por exemplo,
refugiaram documentos sigilosos ali. E alguns revolucionários, que participaram da Primavera Árabe,
usaram a rede paralela para facilitar a articulação dos rebeldes e complicar o trabalho da inteligência
policial. Jornalistas, militares e políticos também se comunicam pela teia misteriosa e acobertam suas
ações na rede - o que a torna um local muito mais rico em informações do que se imagina e é
comentado.

Obviamente, o ambiente reservado também chamou atenção de criminosos, que gostaram da ideia de
não serem rastreados, mas, assim como na web tradicional, na DW nos deparamos com coisas ruins e
boas. Basta ter discernimento e cautela para acessá-la.

"O pessoal prefere apontar apenas as coisas ruins, como contrabandos, drogas, pedofilia, armas, mas
estes conteúdos existem para quem procura. Eu entro lá e busco coisas diferentes",
defende o especialista. "Não dá para navegar como na surface [web tradicional], clicando em tudo e
baixando qualquer arquivo, é preciso cuidado. Mas, as pessoas não devem deixar que o medo as privem
de obter privacidade e ter acesso a coisas novas", completa.

Outro especialista da área, Rafael Maia (nome fictício), conta que aprendeu a programar na parte de
baixo da rede. Ele afirma ter tido contato com todo o tipo de técnicas. Coube a ele escolher o que faria
com aquelas informações nas mãos. Maia optou por ajudar empresas a se protegerem de ataques e
fraudes, que ele conheceu nas camadas mais profundas da web.
A máxima da rede Onion, como é conhecida a rede, é tão atrativa que até mesmo os menos
simpatizantes já caíram na graça do conceito. O especialista afirmou que não costuma acessar sites
disponíveis, mas usa o navegador Tor, especialmente desenvolvido para velejar no lado profundo da
web, em páginas tradicionais. Os browsers da DW usam uma rede anônima de computadores que fazem
pontes criptografadas até o site desejado. Assim, nenhuma informação do internauta é armazenada,
como acontece com os navegadores tradicionais.

"Não gosto da deep web, mas acho o conceito do Tor incrível. Decidi usá-lo para acessar bancos e redes
sociais, pois não quero que minhas ações sejam vigiadas", conclui.

Há ainda aqueles que fazem da DW um local para armazenar informações que não precisam gerar
tráfego. O filho de Lugo hospedou uma pesquisa sobre toxinas nos níveis profundos da web enquanto
não finaliza a apuração. Somente depois que o artigo estiver pronto, será indexado na web tradicional,
podendo ser encontrado nos buscadores.

A deep web possui duas faces, a boa e a casca grossa. Saber se vale a pena se aventurar por estas águas
é uma decisão individual. Na sequência desta série especial, você confere a próxima reportagem que
trará a parte alarmante da deep web. Não deixe de ler e opinar sobre o assunto.
Nas entranhas da deep web: o que há de
bizarro na 'parte de baixo' da internet
Leonardo Pereira
Nós já explicamos o que é a "deep web" e o que ela
tem de bom, mas chegou a hora de tratar sobre a parte
pesada dessa camada praticamente invisível da rede
mundial de computadores. Antes, é preciso deixar claro
que o Olhar Digital não está incentivando vocês a
procurarem por conteúdo estranho, nossa intenção
com esta série é justamente informá-los sobre o que
existe por aí. A DW não é ilegal e, como mostrado pela
Stephanie Kohn na reportagem anterior, há bastante
coisa interessante por lá.

A Hidden Wiki, citada na primeira reportagem, não é o diretório central da DW, é apenas o caminho
mais conhecido, mas mesmo lá os primeiros links destacados são sobre tráfico de drogas. Além dela há
buscadores que vão aonde o Google não chega e, por isso, encontram de tudo - principalmente no que
se refere a material pornográfico. Talvez o mais impressionante seja os sites com conteúdo relacionado
a parafilias: neles se vê pedofilia, necrofilia, zoofilia... Tudo comercializável.

Bizarro

Passei um tempo navegando entre páginas com URLs intermináveis que, ao serem carregadas,
revelavam nada mais do que uma imagem estática, ou uma porção de códigos ininteligíveis, ou, então,
nada. Às vezes recarregava o endereço e a página simplesmente não existia mais. Há muito disso na
deep web, principalmente quando se trata de conteúdo inapropriado - para proteger tanto quem
publica, quanto quem foi parar ali por acaso.

Há, sim, links que chegam facilmente a conteúdo pouco usual, mas a maioria do material está bem
escondida por esse esquema de camadas. Quando você se depara com uma página aparentemente sem
sentido, provavelmente há algo a mais para ser mostrado, mas que só pode ser acessado com a chave
certa - que pode ser, por exemplo, uma letra ou um número diferente na URL. E nem sempre basta
passar da primeira camada para chegar ao conteúdo; há quem diga que existem sites com até oito
páginas falsas na frente.

Por trás disso existem sites com grupos cujo "passatempo" é matar outras pessoas das formas mais
bizarras, outros que exibem méritos enquanto pedófilos, diversos tipos de extremismo, canibalismo
(com quem come e quem se voluntaria a ser comido). Tráfico humano, terrorismo, nazismo e muitos
outros temas, digamos, sensíveis, estão na DW. "Nada do que tem lá eu considero relevante para uma
pessoa normal", criticou um programador com quem conversamos.
Comércio alternativo

Superficialmente, o que parece fazer mais sucesso é o tráfico de drogas, tanto que existem listas de
vendedores recomendados, de acordo com a confiabilidade de cada um. Mas o comércio de armas corre
solto, assim como o de contas do PayPal e de produtos roubados - existem lojas específicas para marcas
como Apple e Microsoft, por exemplo. Também dá para contratar assassinos de aluguel que possuem
valores para cada tipo de pessoa (celebridades, políticos etc.), com preços que vão de US$ 20 mil a US$
150 mil.

Cibercriminosos e espiões oferecem seus serviços, e tem gente que garante fazer trabalhos acadêmicos
sobre qualquer assunto, sem copiar de lugar algum. Sites promovem turismo sexual e, por menos de
US$ 1 mil, prometem buscar o comprador no aeroporto. Outro destaque é a venda de documentos
falsos, com páginas que oferecem até cidadania norte-americana. O dinheiro é abolido na DW e poucos
negociantes confiam no PayPal, a bola da vez é mesmo a Bitcoin, uma moeda digital que torna as
transações mais seguras.

Autoridades do mundo inteiro estão na deep web observando os passos de quem está lá dentro, talvez
até com agentes se passando por usuários para obter informações e tentar antecipar ações ou
desmascarar criminosos. É muito mais difícil encontrar os diretórios e identificar os internautas por lá,
em função dos nós de acesso criados pelo Tor e dos serviços de hospedagem e armazenamento
invisíveis da rede Onion. Mas nada é impossível, tanto que o Anonymous já expôs dados de milhares de
pedófilos que usavam a DW (veja aqui).

Por mais que as coisas ali soem bizarras demais para o internauta comum, o especialista em segurança
Jaime Orts Y Lago lembra que nada do que consta na rede alternativa está longe de ser encontrado nas
ruas, cabe à pessoa decidir o caminho que lhe interessa. "Você não pode perder a oportunidade de viver
neste mundo por medo", comentou, se referindo ao que há de positivo na DW. "Tem que se proteger,
fazer as coisas com consciência, mas deixar de fazer por medo é perder uma vida."

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