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Quando o liberal e o socialista se defrontam:

Bastiat, Proudhon e a renda do capital

Carlos Leonardo Kulnig Cinelli


Mestrando em Economia pela UnB
Rogério Arthmar
Universidade Federal do Espírito Santo

Palavras-chave Resumo Abstract


juro, capital, propriedade O artigo ocupa-se do debate travado entre This paper deals with the debate involving Bastiat
privada, crédito gratuito. Bastiat e Proudhon sobre a legitimidade da and Proudhon over the legitimacy of the capital
Classificação JEL B11, B12, renda do capital. A seção inicial apresenta income. The first section presents an overview of
B15. a conjuntura política da França à época da the French political scenario at the time of the
controvérsia. A seguir, delineiam-se as visões controversy. After that, the economic views of both
econômicas dos dois pensadores à luz das authors are sketched in light of the liberal and
doutrinas liberal e socialista do período. Na socialist doctrines at the time. The third section
terceira seção, revisam-se as contribuições introduces Bastiat’s and Proudhon’s initial contri-
iniciais ao debate formuladas por Bastiat e butions with regard to capital and interest concepts.
Proudhon sobre os conceitos do juro e do Next, their economic and methodological arguments
capital. Após, são contrapostos os seus res- concerning the nature of a profit orientated society
pectivos argumentos econômicos e metodo- are confronted. The fifth section presents the final
lógicos no tocante à natureza da sociedade discussion over Proudhon’s free credit proposal,
regida pelo lucro. A quinta seção apresenta harshly criticized by Bastiat. As concluding
Keywords
a discussão final sobre a proposta de crédito remarks, the effective length of the two protagonists’
interest, capital, private property, gratuito de Proudhon, duramente criticada divergences is evaluated..
cost-free credit. por Bastiat. Como conclusão, avalia-se a ex-
JEL Classification B11, B12, tensão efetiva das divergências entre os dois
B15. protagonistas.

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1_ Introdução já vencidos pelo tempo. Os ditos doutri-


A revolta popular que tomou as ruas de nários, representados por François Gui-
Paris, em fevereiro de 1848, ao colocar zot e Royer-Collard, mantinham-se fiéis
em fuga a família real e instalar a II Re- aos princípios da Revolução, embora re-
pública, representaria o sepultamento pudiando seus excessos, e acreditavam na
definitivo da restauração dos Bourbons evolução da sociedade rumo à igualda-
na França, erradicando os últimos ves- de plena de direitos, garantidos por uma
tígios do longo ancien régime. Desde 1815, nova realeza imbuída das liberdades mo-
após a derrota de Napoleão ao término dernas (Girard, 1985, p. 53-79).
dos Cem Dias, a monarquia constitucio- O movimento revolucionário de
nal inaugurada por Luís XVIII, continua- 1848, ao sacramentar a derrota dos aris-
da por seu irmão Carlos X, deposto pela tocratas pela burguesia bancária e indus-
Revolução de Julho de 1830 e substituído
1
Quando Paris é tomada as desapropriações de terras,
por seu sobrinho Luís Filipe I, viria a se
pelos exércitos da Inglaterra, as garantias civis e a liberdade
constituir o principal fator de divisão en- da Prússia, da Áustria e da religiosa, assegurando a
tre os pensadores liberais do país.1 Rússia, em 31 de março inviolabilidade do rei. No
Aqueles vinculados ao liberalismo de 1814, o Senado depõe campo político, determina
Napoleão e nomeia um a formação de um Senado
aristocrático, como o visconde de Cha-
governo provisório chefiado vitalício nomeado pelo
teaubriand, pretendiam conciliar a digni- por Talleyrand, que negocia soberano e de uma Câmara
dade da razão, associada à Carta Cons- com os invasores o retorno de Deputados para a qual
titucional, com a majestade de outrora, da monarquia sob um regime somente seriam elegíveis
constitucional. O Senado os cidadãos que tivessem
resgatada pelo poder real. Acomodando
redige às pressas uma primeira pago uma quantia mínima
o passado no futuro, imaginavam assim versão da Carta garantindo de mil francos em impostos,
assegurar os direitos do povo sem rom- as liberdades individuais, enquanto apenas aqueles
per com a tradição aristocrática. Os li- inclusive de culto e de com contribuição acima de
imprensa, ratificando ainda trezentos francos estariam
berais constitucionalistas de centro, por
as desapropriações de terras aptos a votar. A Câmara, além
sua vez, como o conde Molé e o duque realizadas pela Revolução. disso, poderia ser dissolvida a
de Pasquier, preocupavam-se em assegu- Após seu retorno a Paris, em qualquer instante por decreto
rar o exercício dos direitos constitucio- 3 de maio, Luís XVIII, irmão real. A Constituição de Luís
de Luís XVI, nomeia uma XVIII foi promulgada em 4 de
nais, mas livres do fervor revolucionário,
comissão de monarquistas para junho de 1814 (Martin,
perante o fait accompli de uma monarquia redigir outra Constituição. A 1885, p. 1-115).
cuja existência apoiava-se em costumes nova versão da Carta mantém

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trial, fez com que as liberdades econômi- rios pretensamente deflagrados em favor
cas da época se traduzissem em avanços da população pobre. À medida, porém,
democráticos efetivos, particularmen- que a frente contra o absolutismo viu-
te por meio da promulgação do sufrá- se vitoriosa,2 naquele exato momento
gio universal e da abolição da escravatu- se instaura a ruptura entre as suas clas-
ra nas colônias. Até então, as instituições ses constituintes, trazendo à tona as con-
políticas de inspiração liberal existen- tradições internas do ideário Iluminista,
tes na França do século dezenove apoia- particularmente entre o individualismo
vam-se num universo restrito de eleito- do mercado e o associativismo revolu-
res, cujo acesso ao voto dependia dos cionário dos trabalhadores. Os liberais,
níveis de educação e de riqueza (em 1848 nesse novo mundo, haveriam de se de-
havia 240 mil eleitores, o dito pays legal, frontar doravante com o ímpeto con-
para um total de 35 milhões de habitan- testador de um operariado que, embo-
tes). Isso significava que, até então, a in- ra imaturo e desorganizado, passava a se
terferência das massas incultas na are- expressar com a própria voz.3 Até mes-
na política se processava sob a liderança mo o moderado L’Atelier, jornal operário
de elites esclarecidas, responsáveis pe- de Paris, na sua edição de 26 de março de
la condução dos processos revolucioná- 1848, perguntava como os trabalhadores

2
Nas eleições de 1846, dos deputados e exigindo conseguem formar um novo declara o retorno da República
o ministério conservador a reforma eleitoral. Um ministério capaz de aplacar a e o fim da monarquia (Stern,
de Guizot obtém maioria banquete é programado para revolta. Na terceira jornada 1869, p. 1-140).
na Assembleia e se mostra o dia 22 de fevereiro de 1848, revolucionária, a turba dirige-se 3
Como observou Hobsbawm
insensível aos clamores por em Paris, mas proibido pelo ao Palácio das Tulherias, e Luís (1982, p. 135), no tocante à
uma reforma política e pelos governo. No dia marcado, Filipe I, pela manhã, abdica em repercussão da Revolução de
direitos de livre associação a população sai às ruas favor do neto, o infante Luís- 1848: “O segundo resultado foi que,
dos trabalhadores. Logo, confrontando as forças Filipe Alberto. Na Câmara com o progresso do capitalismo, o
o governo passa a sofrer militares. Um embate com a dos Deputados, à tarde, a ‘povo’ e os ‘trabalhadores pobres’
fortes ataques de imprensa guarda municipal resulta em população desfaz a sessão [...] podiam ser cada vez mais
democrática, multiplicando-se vários manifestantes mortos, preparada para empossar identificados com o novo proletariado
as acusações de corrupção. acirrando os ânimos do povo. como regente a nora do rei, a industrial, como ‘a classe operária’.
A oposição reformista, No segundo dia, a multidão duquesa de Orléans, e instaura Portanto, um movimento proletário-
proibida de se reunir, promove ergue barricadas pela cidade, o um Governo Provisório, sob a socialista passou a existir”.
uma série de banquetes rei derruba Guizot, mas nem liderança do deputado Dupont
pelo país, denunciando a o conde Molé ou tampouco os de l’Eure, que, reunido mais
falta de representatividade oposicionistas Thiers e Barrot tarde na Prefeitura de Paris,

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poderiam se emancipar da condição de pretendia assegurar a oferta de empre-


explorados. A resposta não deixava mar- go por meio das “oficinas nacionais” es-
gens à dúvida: tabelecidas pelo Estado, iniciativa desa-
É preciso, numa palavra, que num futuro
creditada após o seu fracasso durante o
próximo desapareçam as categorias dos pa- governo provisório de 1848. Os radicais,
trões e dos empregados, e que se tenham como Auguste Blanqui, ambicionavam
apenas por todo lugar os trabalhadores a tomada ditatorial do poder antes das
associados. Assim a parte de cada qual transformações sociais, faltando-lhes, no
não dependerá mais do capricho ou da avi- entanto, apoio efetivo das massas (Ei-
dez de um chefe de exploração (L’Atelier, 1848, chthal, 1901, p. 78-108; Hobsbawm, 1982,
p. 101, grifos no original). p. 127-149).
Indignados com a desigualdade da Desamparados pela imprensa tra-
riqueza herdada do antigo regime e con- dicional, os próprios trabalhadores, já
fiantes no poder do Estado em coibir em 1830, procuravam articular seus pon-
a concorrência irrestrita, vários autores tos de vista perante o público em jor-
franceses da primeira metade do século nais como L’Artisan e Le Journal des Ou-
dezenove viriam se alinhar ao movimen- vriers. Nesses folhetos era comum que o
to socialista em construção. Se Saint-Si- antagonismo entre patrões e assalariados
mon e seus seguidores conseguiam visu- aparecesse revestido na linguagem revo-
alizar a superação do sistema liberal por lucionária do século anterior, ou seja, co-
uma nova ordem industrial comandada mo reprodução dos privilégios e abu-
pelos cientistas e pelos homens de ne- sos feudais existentes entre aristocratas
gócios, outros se apresentavam como e servos. Os direitos ao produto oriun-
autênticos visionários. Charles Fourier, do do trabalho e à livre associação en-
por exemplo, idealizou comunidades de tre os trabalhadores, por sua vez, eram
cunho cooperativo e libertário, organi- geralmente apresentados como decor-
zadas em torno de phalanstères, enquan- rentes dos princípios fundamentais da
to Étienne Cabet não só escrevia como liberdade e da propriedade defendidos
também se engajava na instalação de co- em 1789, emprestando assim legitimida-
lônias comunistas em terras do Novo de e alcance social ao discurso das clas-
Mundo. Mais comedido, Louis Blanc ses laboriosas.

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Ao longo do tempo, outras publi- Nesse movimento, inclusive, Proudhon


cações viriam a cimentar gradualmente a teria participação ativa, editando vários
noção de um interesse comum entre as jornais, entre eles o Representant du Peu-
diferentes categorias de trabalhadores, ple, Le Peuple e La voix du Peuple, sendo es-
fornecendo contornos mais nítidos a um te último o veículo do debate objeto do
movimento de amplitude nacional. Uma presente artigo.
vez cumprido esse estágio, a proposta de Nas novas condições políticas e
uma associação capaz de congregar a ir- sociais nascidas da queda da monarquia,
mandade do operariado pobre em geral a oratória dos liberais franceses, por sua
torna-se passível de formulação, surgin- vez, viria a se guiar não mais pelo papel
do como alternativa à sociedade existen- político do soberano, mas sim pelos pro-
te. A partir daí, especialmente do ano de gressos efetivos do movimento socialis-
1840, as ideias socialistas passam a fa- ta que ganhava autonomia. A partir de
zer parte dos debates nas fábricas, nos então, a pregação liberal assume cará-
meios literários e na imprensa em ge- ter mais pragmático do que teórico, res-
ral. Com o advento do governo provi- saltando, de um lado, a natureza utópi-
sório de 1848 e a supressão das restrições ca das propostas de reforma social e, de
à imprensa escrita e à liberdade de asso- outro, identificando o intervencionismo
ciação, proliferam os jornais de todas as socialista ao poder absolutista do passa-
tendências, entre os quais inúmeros vin- do. Doravante, os ultraliberais, na pena
culados aos trabalhadores, como L’Avenir de Charles Dunoyer e de Joseph Gar-
des Travailleurs, La Commune, Le Travail, nier, vão se contrapor a qualquer legisla-
La Organization du Travail, Le Bonnet Rouge ção voltada a regulamentar o mercado
(Sewell, 1980, caps. 9 e 11). Como ressal- de trabalho a fim de não entravar as for-
tou Schumpeter (1963, p. 465): ças da oferta e da demanda. Já os liberais
moderados, como Adolphe Blanqui, en-
[...] o cenário parisiense, até 1848, era co- campam a proposta de intervenção legal
lorido pelas atividades literárias e de outros nas relações entre trabalho e capital co-
tipos dos grupos socialistas, numa extensão mo meio de atenuar as injustiças sociais,
que não encontra paralelo contemporâneo sem que aí residisse condenação à socie-
em qualquer outro lugar. dade industrial no seu todo. Noutro ex-

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tremo, os liberais heterodoxos, como o políticos do campo da economia como


engenheiro Michel Chevalier, abandona- pretenso requisito para a sua definitiva
riam a tese liberal de um simples esta- afirmação científica, no plano concreto
do guardião para defender a execução de da ação cotidiana, verifica-se uma firme
grandes investimentos estatais em infra- postura institucional dos economistas li-
estrutura, mas mantendo-se fiéis ao prin- berais. Assim, Charles Comte e Dunoyer
cípio supremo da liberdade econômica. fundam, em 1814, a revista Le Censeur em
Independentemente de sua inclinação oposição a Luís XVIII e Carlos X. Após a
pessoal, os autores citados entendiam a Revolução de Julho, verifica-se maior in-
economia política clássica como a única teração dos liberais com o poder, quan-
ferramenta capaz de bem orientar a ação do alguns deles assumem postos minis-
do poder público, servindo, assim, co- teriais, fato que, contudo, não aplaca sua
mo garantia da ordem e fundamento úl- oposição às políticas protecionistas e co- 4
O Journal des Économistes
timo da sociedade (Breton, 1985; Lemes- loniais do governo. De qualquer forma, praticamente monopolizou o
le, 1990; Breton e Lutfalla, 1991). os economistas franceses não cessariam debate econômico na França,
Ao repudiarem liminarmente o de lutar pela instauração e pelo controle por quase meio século,
idealismo socialista, os economistas in- das cátedras de economia política nas fa- mobilizando grandes nomes
do pensamento econômico
dicados declaravam ser a economia polí- culdades de Direito e, até mesmo, no en- do país e contemplando
tica liberal a única capaz de oferecer so- sino secundário e primário. Além disso, os mais variados temas,
lução científica aos problemas sociais e em 1841, é fundado o Journal des Économis- configurando-se em verdadeiro
de proporcionar orientação efetiva à ad- tes, primeira revista regular especializada “sismógrafo de seu tempo” (De
Paula, 2002, p. 127). Quando,
ministração pública. Acreditavam eles, em economia na França do século de- em 1877, é introduzido
igualmente, que o ensino e a difusão dos zenove e mantida sob rígida supervisão o ensino obrigatório de
corretos princípios do saber econômi- editorial dos liberais,4 seguida pelo Annu- economia política nos cursos
co, legado duradouro do influente Jean- aire d’Économie Politique (1844), pelo Le Li- de Direito, fortalece-se
também o movimento dos
Baptiste Say, teriam o poder de esclare- bre Échange (1846), editado por Bastiat, já economistas com inclinação
cer a população inculta sobre a genuína então um dos expoentes do liberalismo histórica e intervencionista,
comunhão de interesses entre o capital e à época, e pelo Dictionnaire d’Économie Po- o qual culminaria, dez anos
o trabalho. Se, no plano mais abstrato da litique (1852). Eles, em acréscimo, manti- mais tarde, no lançamento de
uma publicação econômica
construção do conhecimento, observa- nham sob sua tutela as seções de econo- alternativa, a Revue d’Économie
se um movimento de exclusão dos fatos mia política e de moral da Académie des Politique, por André Gide.

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Sciences Morales et Politiques, precursoras de suas boas intenções, não passariam de


da Societé des Économistes, fundada em 1842 alquimistas sociais seduzidos por visões
(Breton, 1985 e Fontaine, 1996). fantasiosas: “Creio poder afirmar”, con-
A reação dos liberais ao levante clui Chevalier (1849, p. 29-30),
popular de 1848 não tardaria a se mani-
depois da exposição que vos apresentei, que
festar. O Journal des Économistes, em edi-
a diferença [entre a economia política e o socia-
torial ao seu número de abril do mes- lismo] é a mesma existente entre a realidade
mo ano, alerta o leitor sobre as ameaças e a aparência, entre a verdade e a ficção,
à doutrina liberal oriundas da ignorância, entre a história e o romance.
do protecionismo e, por fim,
Nesse contexto histórico de embate à
das ilusões socialistas, que empurram os luz do dia entre a mensagem liberal e as
poderes públicos a adotarem medidas ar-
ideias socialistas em formação é que te-
tificiais incoerentes, prejudiciais e ruinosas
ria lugar a controvérsia opondo Bastiat
(Journal des Économistes, 1848, p. 2).
e Proudhon,5 a ser examinada nas pági-
Em fevereiro de 1849, Chevalier, um dos nas seguintes. Transcorrida logo após o
primeiros professores de economia polí- levante de 1848, teve início com a publi-
tica no país, apresentava a refutação das cação de dois panfletos de Bastiat, Capi-
teses socialistas como tema de sua aula tal et rente, em fevereiro, e Maudit argent!,
5
Proudhon, geralmente inaugural no Collège de France. Após breve em abril de 1849, que obtiveram certa re-
considerado anarquista, caricatura das críticas dirigidas ao capital percussão entre o operariado parisien-
apresenta-se como socialista e à propriedade, proclama ele ser a livre se, motivando a publicação de uma car-
durante a discussão com
Bastiat por divergir da doutrina
operação dos mercados mera extensão ta aberta por Charles-François Chevè no
econômica dos liberais, das liberdades civis, enquanto o tão ata- jornal La Voix du Peuple, do qual era co-
apesar de opor-se também a cado “interesse próprio” atuaria na vida editor. Já no mês seguinte, Bastiat ofe-
outros autores socialistas e econômica das nações de maneira análo- recia sua réplica e, a partir desse ponto,
comunistas. É nesse sentido
mais genérico do termo ga à força da atração gravitacional no des- Proudhon assumiria o lugar de Chevé na
“socialista”, de uso comum à locamento dos corpos celestes. Os males contenda, levando os dois autores a tro-
época na França para indicar sociais da época teriam origem malthu- carem mais dez cartas públicas a respeito
os críticos do liberalismo e siana e só poderiam ser superados se o da legitimidade da renda do capital. Com
da propriedade privada, que
Proudhon é qualificado como capital se multiplicasse mais rapidamente o propósito de resgatar-se esse episódio
tal no presente artigo. que os homens. Os socialistas, a despeito deveras instrutivo sobre a prática da ar-

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gumentação econômica, revisam-se, no política. Escreve à época inúmeros en-


que segue, as concepções gerais da eco- saios sobre questões tributárias e adu-
nomia esposadas por Bastiat e Proudhon aneiras, mas com circulação local. Em
em suas principais obras. Adiante, apre- meados da década de 1840, inspira-do
senta-se o prólogo do debate, compre- pela agitação em prol do livre-comércio
endendo os folhetos de Bastiat, a contri- na Inglaterra, Bastiat assina o artigo De
buição de Chevé e a primeira intervenção l’influence des tarifs anglais et français, publi-
de Proudhon. Na continuação, cobrem- cado em 1844, no Journal des Économistes,
se as questões conceituais e de método que lhe rende reconhecimento imediato
opondo os dois pensadores no tocante dos liberais de Paris, para onde se trans-
aos rendimentos do capital. A seção final fere logo depois.6 Em 1846, funda uma
do artigo trata da polêmica sobre o cré- associação pelo livre-comércio, na cida- 6
No artigo, Bastiat critica
dito gratuito propugnado por Proudhon de de Bordeaux, e passa a realizar pa- o protecionismo francês e
e que reverteria, no seu encerramento, lestras, cursos e propaganda em prol da louva a orientação liberal do
comércio exterior britânico,
numa lastimável troca de ofensas pesso- abertura dos mercados. Apesar do esfor- o que barateava os bens
ais entre os envolvidos na discussão. ço, a iniciativa não frutifica e se extingue de consumo e o custo da
em meio ao turbilhão de 1848. Eleito pa- mão de obra no além-
ra a Assembleia Constituinte e, após, pa- Mancha, reforçando, assim, a
2_ Bastiat, Proudhon e o ra a Legislativa, assume o posto de vi-
competitividade do país. Com
isso, as barreiras tarifárias
capitalismo do século XIX ce-presidente da Comissão de Finanças. da França logo precisariam
Claude Frédéric Bastiat nasce em Bayon- Ao mesmo tempo, dedica-se ao enfren- de reajuste, aprofundando
ne, Sudeste da França, no dia 19 de junho tamento aberto dos teóricos socialistas, ainda mais o fosso de
desenvolvimento entre as duas
de 1801, filho de um próspero ne-gocian- a quem contesta numa série de panfle- nações. O protecionismo e a
te da cidade. Aos nove anos, torna-se ór- tos. Convicto de que a evolução natu- ocupação colonial levariam aos
fão, indo residir com o avô. Em 1818, ral da sociedade seria capaz de resolver conflitos, enquanto somente o
abandona os estudos na Escola Benedi- por si só os problemas materiais do ho- livre-comércio garantiria a paz:
“O regime proibitivo, portanto, é
tina de Sorèze, passa a trabalhar no esta- mem, Bastiat publica, em 1850, o primei- uma causa permanente de guerras:
belecimento comercial do tio e aos vin- ro volume de Harmonies Économiques. No e direi mais, em nossos dias ela é
te quatro anos herda a propriedade rural mesmo ano, viaja à Itália e sucumbe à tu- a única [...] Mas, para abrir os
do avô em Mugron, onde reside até 1846. mercados, não é da força que se
berculose em Roma, no dia 24 de dezem-
necessita, mas sim da liberdade”
Durante esse tempo, dedica-se à músi- bro, aos quarenta e nove anos (Fontenay, (Bastiat, [1844] 1862, p. 377,
ca, à literatura e ao estudo da economia 1862, p. 9-41; Baslé e Gélédain, 1991). grifos no original).

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A obra Sophismes Économiques, pu- cidade, o evento seria lucrativo aos bal-
blicada em 1845, é uma compilação de seiros, aos carregadores e aos hoteleiros.
diversos artigos de Bastiat contra as te- Mas, se os residentes de Bordeaux vies-
ses protecionistas correntes na França7 e sem a se beneficiar de tal lacuna na es-
veiculados no Journal des Économistes e no trada de ferro, observa Bastiat, então ci-
Le Libre Echange. Entre eles, restaria céle- dades como Angoulême, Poitiers, Tours,
bre a criativa petição dos fabricantes de Orléans, situadas no percurso, também
velas, solicitando aos deputados uma lei ganhariam se reivindicassem a mesma
determinando o fechamento das janelas coisa, resultando em tamanho fraciona-
a fim de estimular a produção doméstica mento nos trilhos que conformaria uma
de velas, abrigando-a assim da concor- “estrada negativa” (Bastiat, [1845] 1863,
rência desleal do Sol. Ainda, noutra peça, p. 57-62, 93-94).
Bastiat ironiza a sugestão de um cronis- O livro Harmonies Économiques, por
ta recomendando a interrupção, em Bor- sua vez, tem sido apontado como evi-
deaux, da estrada de ferro ligando Paris dência do otimismo ingênuo de Bastiat,
a Bayonne, uma vez que, se os passagei- por conter um repúdio às predições fu-
ros e a carga fossem obrigados a parar na nestas da economia clássica, especial-
mente o estado estacionário ricardiano e
7
O Império de Napoleão decorrendo disso resoluto
deixou como legado à França apoio ao protecionismo por
a tese malthusiana da miséria crescente
a centralização do poder e o parte dos sucessivos governos (Brunel, 1901, p. 85-88). É preciso ob-
protecionismo. Não obstante, do país. Como explica um servar a esse respeito, no entanto, que
o sucesso da união aduaneira historiador do período: “Se o próprio Bastiat já concebera, num de
alemã, o Zollverein, estimulou instala [na França] um sistema
as tratativas para a adoção original, associando liberalismo no seus mais extensos artigos, Physiologie de
de medida semelhante entre interior e protecionismo extremo la Spoliation, serem as sociedades huma-
França e Bélgica, mas que nas fronteiras. Tal construção é nas eivadas pela tendência do homem à
fracassaram em 1837 e 1842 justificada pela opinião popular pilhagem de seu semelhante.
por pressão dos industriais segundo a qual a indústria pode
franceses (Ravix, 1991, experimentar um crescimento O que previne a ordem social de alcançar
p. 494-501). A política contínuo em meio a um clima
a sua perfeição (ao menos aquela possível)
econômica do período competitivo desde que o mercado
da restauração apoiava- nacional esteja protegido dos é o esforço constante de seus membros para
se fortemente também predadores externos” viver e se desenvolver a expensas dos outros
nos proprietários rurais, (Broder, 1993, p. 63). (Bastiat, [1850] 1863, p. 128).

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Quando assim ocorresse por um gru- a sua obra final, ele explica no prefácio
po já estabelecido, explica ele com crue- não esposar um otimismo pueril ou tam-
za, tais indivíduos criariam um conjunto pouco ser insensível aos vícios e defei-
de leis e um código moral autorizan- tos da sociedade diante de si. Antes, por
do e glorificando o processo existen- ser o homem livre, mas ignorante, caber-
te de espoliação. As guerras, a escravi- lhe-ia escolher. Ao fazê-lo, ele poderia
dão, os direitos feudais, as teocracias, os se equivocar e, como consequência, so-
monopólios e os tributos excessivos re- frer. Mas esse sofrimento, para Bastiat,
presentariam distintas formas históricas possuiria caráter pedagógico, porquanto
de pilhagem, para as quais o único remé- ensinaria os indivíduos a não persevera-
dio consistiria em revelar aos povos as rem nos erros. A repetição dos compor-
vantagens decorrentes da troca justa de tamentos equivocados teria o poder de
serviços úteis, já que, para Bastiat, pilhar revelar os efeitos perversos imprevistos
significava enganar. E enganar era per- da ação humana, possibilitando o apren-
suadir quem fosse roubado de que as- dizado verdadeiro decorrente de atos
sim sucedia para a própria vantagem. Ou voluntários. O aperfeiçoamento originar-
seja, a vítima deveria aceitar voluntaria- se-ia do erro e da possibilidade de repa-
mente a troca de serviços efetivos por rá-lo livremente.
outros fictícios ou de qualidade inferior.
Por certo, não pensamos que tudo corra da
Daí a origem dos sofismas, fossem eles
melhor forma. Tenho fé integral na sabedo-
econômicos, políticos ou religiosos, os ria das leis providenciais e, por essa razão,
quais deveriam ser desmistificados pe- tenho fé na liberdade. A questão é saber se
lo entendimento universal das vantagens dispomos de fato da liberdade (Bastiat, [1850]
associadas à liberdade. 1864, p. 12).

Procure-se como quiser, verifica-se sempre No corpo do livro propriamente


ser indispensável que a opinião pública se dito, o liberal francês empenha-se na re-
esclareça. Esse é o único remédio (Bastiat,
futação das previsões cataclísmicas dos
[1850] 1863, p. 140).
economistas clássicos. Denunciando, pri-
É sob tal perspectiva que deve ser meiramente, as limitações das teorias do
entendida a visão das harmonias econô- valor trabalho e da utilidade, ele apresen-
micas de Bastiat. Já debilitado ao redigir ta como norma reguladora da vida eco-

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nômica a troca de serviços por serviços, des- duos almejariam melhorar a sua condi-
cartando, assim, toda a materialidade de ção de existência (Bastiat, [1850] 1864,
sua análise do valor. A partir daí, con- caps. 7, 9, 13, 14 e 16).
cebe o fenômeno do juro como essen- Bastiat não parece ter sido mere-
cialmente justo, visto que, ao contrário cedor de reconhecimento por parte de
da venda, na qual a troca é acompanha- autores como Marx, para quem ele não
da de pagamento à vista, nos emprésti- passaria de mero “harmonizador e apolo-
mos de capital o diferimento na liquida- gista de ofício” (1985, p. 1539), ou mesmo
ção do principal significaria a prestação Schumpeter que, não menos severo, con-
de um serviço ao devedor, demandan- siderava-o incapaz de “manusear o aparato
do, desse modo, retribuição na forma analítico da economia” (1963, p. 500). Tais
de juros. A tese ricardiana de aumento avaliações, por mais apropriadas que se
progressivo da renda fundiária, por sua afigurem numa abordagem retrospecti-
vez, é rebatida pela observação de que va, não chegam a fazer inteira justiça ao
o progresso técnico neutralizaria os efei- polemista francês pela simples razão de
tos negativos da ocupação de lotes cada procurarem em suas obras algo que ele,
vez menos férteis. O aumento resultan- declaradamente, nunca pretendeu ofere-
te no valor das terras mais produtivas se- cer. Noutros termos, o próprio Bastiat
ria, portanto, acompanhado pelo barate- sempre se apresentou como paladino,
amento dos gêneros agrícolas. Apoiado em vez de luminar, da causa liberal.
ainda na experiência histórica e na tese Nas conclusões da primeira par-
clássica de que a acumulação de capi- te de seus Sophismes, ele discorre precisa-
tal viria acompanhada de queda conco- mente sobre a sua missão vis-à-vis aqueles
mitante na taxa de juros, Bastiat lembra que considerava verdadeiros teóricos da
que a participação percentual dos rendi- ciência, como Say, na economia, ou La-
mentos dos capitais na renda total dimi- place, na mecânica celestial. O saber hu-
nuiria gradativamente em favor do traba- mano, segundo Bastiat, dividir-se-ia em
lho. A pressão populacional malthusiana dois campos: o primeiro, formado pe-
seria refreada, então, pelos ganhos das los ramos de estudo acessíveis somen-
classes inferiores que lhes permitiriam o te a alguns especialistas, embora de uti-
exercício de comedimento na multiplica- lidade geral, como a física ou a química.
ção familiar, posto que todos os indiví- Já o segundo abarcaria as áreas do co-

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520 Quando o liberal e o socialista se defrontam

nhecimento como a ética e a economia pecializada em teologia, onde atua co-


política, cujos desdobramentos práticos mo corretor e tipógrafo, especialmente
dependeriam da difusão de seus princí- de obras religiosas. Em 1837, seu Essai
pios essenciais entre o público. Nesse ca- de grammaire générale lhe rende o prêmio
so, seria preciso não apenas desenvolver Suard da Academia de Besançon, per-
a ciência, mas, da mesma forma, disse- mitindo-lhe concluir a faculdade. Em
miná-la entre os indivíduos a fim de su- 1840, Proudhon publica Qu’est-ce la pro-
primir as concepções errôneas, como o priété?, que o tornaria famoso como agi-
protecionismo e o socialismo, facilmente tador por conter o mote “a proprieda-
propaladas em meio à sociedade. de é o roubo”. No ano de 1842, assina
Que diferença faz que Smith, Say e – de o livro Avertissement aux propriétaires, ra-
acordo com M. de Saint-Chamans –, os zão de seu indiciamento por conspira-
economistas de todas as escolas tenham pro- ção contra a ordem social, acusação da
clamado, relativamente às transações comer- qual, contudo, conseguiria sair absolvi-
ciais, a superioridade da liberdade sobre a do. Já em 1846, chega às estantes a obra
coerção, se aqueles que fazem as leis e aque- Philosophie de la misère, onde Proudhon
les para quem elas são feitas estão conven- examina os principais conceitos da eco-
cidos do contrário? (Bastiat, [1845] 1863, p. 122, nomia política da época e sustenta se-
itálicos no original).
rem os mesmos incompletos e envoltos
Passando ao segundo protago- em contradição.
nista do debate em questão, Pierre-Jo- Quando estoura a Revolução de
seph Proudhon nasce em 15 de janeiro 1848, ele é eleito para a Assembleia Cons-
de 1809, em Besançon, leste da França, tituinte, de onde atacará, no ano seguin-
filho de pai cervejeiro e mãe cozinhei- te, o então presidente Louis Bonaparte,
ra. De família modesta, portanto, come- fato que lhe rende novo indiciamento e
ça a trabalhar cedo, iniciando os estudos encarceramento por três anos. Nesse pe-
somente aos dez anos, quando demons- ríodo, torna-se editor-chefe de alguns
tra grande voracidade de leitura. Aos de- jornais populares, entre eles o La Voix
zoito, ingressa no colégio de Gray, mas du Peuple, editado da prisão e no qual vi-
lá permanece por pouco tempo em vir- ria a travar o debate com Bastiat, tema da
tude da obrigação de trabalhar. Assume, seção seguinte. Liberto, Proudhon con-
então, um posto na gráfica Gauthier, es- tinua sua prolífica trajetória de escritor e

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polemista, sendo condenado novamente ver o seu sustento mediante igual aces-
à prisão em 1858 e fugindo para Bruxe- so aos recursos naturais. Tampouco o
las na ocasião. De lá é expulso em 1862 trabalho poderia ser invocado como ali-
por pregar a anexação da Bélgica à Fran- cerce último da propriedade porquanto,
ça, quando retorna a Paris por sua pena ao se extinguir a capacidade laboral do
já haver prescrito. Falece em 18 de janei- indivíduo, cessaria o direito à livre dis-
ro de 1865, abatido por sequelas da cóle- posição do que fosse seu. A proprieda-
ra que contraíra em 1854 (Spoll, 1868, p. de do produto, como afirma Proudhon,
8
“ Todos os tratados de economia
5-63; Jackson, 1963, caps. 2-9). não assegura a propriedade do instru-
política assumem a propriedade
como um dado [...] Mas Proudhon Em Qu’est-ce la propriété?, obra sau- mento que lhe deu forma, assim como
procede a uma investigação crítica dada pelo jovem Marx como um divi- o viajante não se apropria do caminho
– a primeira resoluta, séria e, ao sor de águas no tratamento do assunto,8 em que passa. Nem mesmo as diferen-
mesmo tempo, científica – da base da
economia política, a propriedade
Proudhon busca demonstrar que o úni- ças de talento poderiam justificar as de-
privada. Esse é o grande avanço co mundo possível de justiça integral se- sigualdades, dado que tudo que se faz
científico que ele realiza, um avanço ria aquele de plena igualdade, quando a depende de uma infinidade de produtos
que revoluciona a economia política e ficção jurídica da propriedade não mais e serviços ofertados pelos outros, cada
que pela primeira vez torna possível
uma ciência real da economia
existisse. Os pretensos fundamentos de qual devendo receber não pelo que exe-
política” (Marx, 1845). tal instituto, definido por ele como o cutou, mas de acordo com as suas neces-
9
A usura, tema do debate “direito individual de dispor de forma absolu- sidades. Ou, como se expressa o próprio
futuro com Bastiat, é também ta da propriedade social” (Proudhon, [1840] Proudhon, sobre as implicações trágicas
considerada por Proudhon 1873, p. 45) são um a um derrubados por da propriedade:
uma das formas institucionais
Proudhon. Assim, a propriedade como
de roubo, especialmente por A justiça, ao sair da comunidade negati-
parte de agiotas e bancos, mas direito natural do homem não possui-
va, chamada pelos antigos poetas idade do
também pelos capitalistas. ria caráter absoluto, diferentemente da
Estes últimos, contudo, por ouro, começou por ser o direito da força [...]
liberdade, da igualdade e da segurança,
se satisfazerem com taxas de Do direito da força derivam a exploração
por se confrontarem aí os privilégios e
retorno mais modestas do que do homem pelo homem ou, dizendo doutro
as dos financistas, foram por as vantagens decorrentes da propriedade modo, a servidão, a usura, o tributo impos-
ele ironizados como a “fina com o princípio social da igualdade. Já a to pelo vencedor ao inimigo vencido, e toda
flor da sociedade” em razão de ocupação original do solo como hipoté- essa família numerosa de impostos, gabelas,
conseguirem exercitar a virtude
tico substrato primitivo da propriedade revelias, corvéias, derramas, arrendamentos,
suprema da moderação em
meio ao roubo (Proudhon, não levaria em conta direito similar dos aluguéis etc., numa palavra, a propriedade
[1840] 1873, p. 207). outros homens, coagidos também a pro- (Proudhon, [1840] 1973, p. 209-210).9

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522 Quando o liberal e o socialista se defrontam

Já no convoluto Système des contra- ta, apoiada num sistema de exploração.


dictions économiques ou philosophie de la misère O equívoco fundamental da primeira li-
(1846), Proudhon mergulha nas questões nha de pensamento, segundo o discurso
centrais da economia política a fim de proudhoniano, residiria na interpretação
apresentar sua concepção do desenvol- da vida moderna como algo definitivo,
vimento social. Servindo-se de uma ver- incapaz, portanto, de vislumbrar o im-
são rudimentar do método hegeliano,10 perativo da mudança rumo a uma orga-
ressaltando a oposição entre os aspec- nização igualitária. Os socialistas, de sua
tos positivos e negativos de cada fenô- parte, pecariam por se aventurarem em
meno, ele parte do conceito de Deus co- especulações sociais fundadas na centra-
mo ideia essencial ao ordenamento da lização absoluta do poder.
evolução humana em seu estágio anti-
O erro do socialismo foi, até aqui, o de per-
go, mas que, com o passar do tempo, se
petuar o devaneio religioso lançando-se em
tornou desprovida de divindade. A eta- um futuro fantástico ao invés de capturar a
pa contemporânea da história estaria do- realidade que o esmaga, assim como o erro
minada pelo saber científico que condu- dos economistas é o de considerar cada fato
ziria a humanidade a um arranjo social positivo um impedimento a qualquer propos-
regido pela igualdade. A partir daí, Prou- ta de mudança (Proudhon [1846] 1972, p. 128).
dhon investe contra a economia política
e o socialismo, acusando o primeiro sis- É conhecida a reação crítica de
tema de promover a miséria, apesar de Marx ao livro de Proudhon, materializa-
realista, e o segundo de ser desprovido da em A miséria da Filosofia (1847). Uma
de viés prático, apesar de solidário. revisão desta última obra escapa aos pro-
pósitos do presente artigo, de modo que
Os economistas [...] são otimistas em re- se indica aqui apenas um ponto essencial 10
Proudhon não dominava
lação aos fatos consumados; os socialistas sugerido por Marx em contraposição ao o idioma alemão, tendo se
o são com relação aos fatos a consumar seu contemporâneo francês. Num lingua- utilizado de fontes secundárias,
(Proudhon [1846] 1972, p. 47). como a Histoire de la Philosophie
jar ríspido, Proudhon é acusado de igno- Allemande de Victor Cousin, e
A economia política consistiria em nada rar a genealogia histórica das categorias da versão oral de expatriados
mais do que um conjunto de discursos econômicas, como o valor de troca, as- germânicos, como Karl Grünn
e Marx, para compor o
incoerentes e apologéticos da proprie- sumindo-as surgidas unicamente de um que entendia ser o método
dade, enquanto o socialismo afirmaria rasgo de inteligência de certos produto- dialético da sociedade (Jackson,
a ordem social como transitória e injus- res. Ao contrário, não só as mercadorias, 1963, p. 41-57).

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mas também as relações sociais, afirma necessariamente com a modificação e o de-


Marx, seriam gestadas pelos homens de senvolvimento dessas faculdades produtivas
acordo com o estágio de desenvolvimen- (Marx, [1847] 2001, p. 210).

to das forças produtivas. Daí nasceriam


Numa série de artigos publicados
também as representações mentais, não
em 1848, reunidos mais tarde sob o títu-
mais na forma de princípios absolutos ou
lo Solution du problème social, Proudhon vai
eternos, mas como expressões transitó-
finalmente discorrer sobre os meios efe-
rias de determinada etapa histórica.
tivos de transformação da sociedade no
O moinho movido pelo braço humano nos contexto do movimento revolucionário
dá a sociedade com o suserano; o moinho a do período. O igualitarismo geral é por
vapor dá-nos a sociedade com o capitalista ele descartado sob o argumento de que
industrial (Marx, [1847] 2001, p. 106). a repartição dos rendimentos dos capi-
talistas acarretaria a eliminação da pou-
Em carta a P. V. Annenkov, de 28 de de-
pança e do investimento, arruinando,
zembro de 1846, Marx já destacara seu
assim, o capital nacional. Ainda, a apro-
desdém pela suposição de Proudhon de
priação estatal do solo somente faria por
ser o desenvolvimento social manifesta-
criar outra casta improdutiva a viver da
ção de certa razão universal metafísica,
renda da terra, porém, no seio do Esta-
a saber, o movimento rumo à igualda-
do. Para Proudhon, o problema efetivo
de entre os homens. Para o filósofo ale-
da sociedade capitalista situar-se-ia na
mão, essa ordem de causalidade existiria
garantia do emprego e de melhoria sa-
apenas na mente conturbada do escritor
larial dos trabalhadores. Quando consi-
francês, incapaz de vislumbrar a conca-
derados em seu conjunto, porém, os as-
tenação entre as condições de produção,
salariados jamais poderiam conformar
as relações sociais e as ideias que lhes
uma demanda apropriada para a produ-
corresponderiam:
ção por eles criada, visto que a massa dos
Assim, pois, o Sr. Proudhon, devido prin- seus rendimentos seria insuficiente para
cipalmente à sua falta de conhecimentos absorver a oferta total, incluído aí o lu-
históricos, não viu que os homens, ao de- cro correspondente.
senvolverem as suas faculdades produtivas,
isto é, vivendo, desenvolvem certas relações Com o objetivo de viabilizar o fi-
entre si, e que o modo dessas relações muda nanciamento da demanda excedente, o

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524 Quando o liberal e o socialista se defrontam

equilíbrio dos mercados e a ampliação trar o caráter legal do juro e sua natureza
constante da riqueza e do emprego, perpétua, defendendo a renda do capital
Proudhon defende a criação de um Ban- dos ataques conduzidos por Proudhon
que du Peuple a fim de estabelecer uma es- em seu jornal. Com isso, Bastiat preten-
pécie de republicanismo financeiro. Mais dia refutar não só a ideia de gratuidade
especificamente, ele pretende a derru- do crédito, mas toda e qualquer especu-
bada do poder absolutista do ouro co- lação socialista apoiada na crença de o
mo lastro monetário, substituindo-o pe- juro configurar-se roubo. Para tanto, ele
la concessão livre de crédito segundo a se serve de breves estórias que acredita-
capacidade produtiva de cada indivíduo, va serem versões simplificadas, mas re- 11
A abordagem praxeológica
tornado sócio comanditário do banco presentativas, da realidade econômica.11 de Bastiat favorece esse
popular. Assim, teria fim o primado da Num dos exemplos descritos em seu estilo quase lúdico – que,
moeda, dos juros e das crises financeiras texto, o carpinteiro Jacques confecciona para o leitor desavisado,
sobre a vida econômica da nação, abrin- uma plaina a fim de melhorar a qualida- pode parecer ingênuo –
cujo objetivo é facilitar o
do-se espaço para o domínio final da de dos móveis que produz e obter maior entendimento da economia
troca de produtos por produtos e para as receita. Ele reserva dez dias de trabalho pelo leigo. Considerando o
reformas sociais num contexto de con- para a tarefa, projetando reaver com ga- autointeresse como motor
da ação humana, ele analisa
córdia social. Nesse novo mundo, decla- nho os rendimentos dos quais abriu mão
as reações dos indivíduos
ra Proudhon, durante o fabrico da ferramenta. Ao tér- aos incentivos dados pela
mino da empreitada, Guillaume, também conformação institucional
[r]esolveremos todas as contradições econô- em que se inserem, para daí
carpinteiro, ao deparar-se com a plaina
micas, emanciparemos o trabalho e submete- deduzir as consequências
remos o capital; o trabalhador e o capitalista reluzente, propõe a Jacques tomá-la por
de seus atos. Assim, fazia-se
estarão ambos satisfeitos e contentes um com empréstimo durante um ano, mas sem mister visualizar cenários
o outro (Proudhon, [1848] 1868, p. 130). ônus. Jacques protesta e exige que a plai- que representassem o cerne
na, caso cedida, fosse retornada nas mes- do fenômeno abordado,
abstraindo-se os elementos
mas condições em que Guillaume a re-
propensos a falsear a
3_ Primeira escaramuça: ceberia. Este último concorda, mas se percepção dos homens. Tais
os contendores se apresentam recusa a pagar qualquer coisa além disso. estórias, nas palavras do
A resposta que recebe do colega advém, liberal francês, seriam “uma
O debate objeto do presente artigo ini- representação fidedigna, o símbolo
cia-se com o panfleto de Bastiat intitula- então, nos seguintes termos:
de todo capital, [...] de todo o juro”
do Capital et rente, publicado em fevereiro Jacques: Penso o contrário. Fiz a plaina (Bastiat, [1849] 1873, p. 46).
de 1849, em que o autor busca demons- para mim e não para você. Esperava con-

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seguir algum benefício com ela, pois meu seria responsável por qualquer dificulda-
trabalho sendo de maior qualidade e mais de anterior de Guillaume, tendo a opera-
bem pago, eu melhoraria minha sorte. Não ção até contribuído para mitigar os seus
posso cedê-la gratuitamente. Qual a razão problemas econômicos. Ainda, explica
para que eu faça a plaina e você colha os lu- Bastiat, enquanto Jacques mantivesse a
cros? Eu poderia da mesma forma pedir-lhe
plaina em bom estado, ele estaria apto a
a sua serra e o seu machado. Que confusão!
renovar indefinidamente o empréstimo,
Não seria melhor que cada qual guardas-
se o que fez com as próprias mãos, assim
fazendo jus, por conseguinte, a um ren-
como guardamos nossas mãos? Servir-se das dimento perpétuo.
mãos dos outros, sem pagamento, chama-se A operação toda, quando condu-
escravidão; servir-se da plaina dos outros, zida em dinheiro, não obstante a trans-
sem retribuição, pode isso ser chamado fra- ferência de valores em vez de algo ma-
ternidade? (Bastiat, [1849] 1873, p. 45, itálicos terial, em nada alteraria as conclusões
no original).
derivadas do exemplo relatado. E, à me-
Guillaume termina por aceitar a dida que mais e mais capitais se acumu-
proposta de Jacques que, por seu tur- lassem, menor resultaria o juro a ser pa-
no, voltaria a lhe emprestar a ferramenta go, favorecendo igualmente o devedor.
por muitos anos. As lições desse exem- Para isso, seria preciso estimular tudo o
plo, segundo Bastiat, residiriam, primei- que fosse propício à poupança, no lugar
ramente, na constatação de que, acei- de se atacar a própria razão de ser dos
tando-se como justo o pagamento pelo capitais, ou seja, o juro. Daí, para Bastiat,
serviço prestado por Jacques ao colega, a origem do sofisma de Proudhon, que
então, como regra geral, se deveria acei- tomava a redução da taxa de juros, como
tar igualmente como natural o fato de ocorrera historicamente com a Holan-
o capital produzir juros. Afinal, o pró- da e outras nações europeias afluentes,
prio tomador do empréstimo, Guillau- por causa original, em vez de sintoma,
me, não resultaria prejudicado no ne- do progresso social (Bastiat, [1849] 1873,
gócio, sendo de seu interesse entrar em p. 49).
acordo com o amigo. Caso a barganha No mês de abril de 1849, Bastiat
fosse por demais dispendiosa, ele po- publica o artigo Maudit argent!, em que
deria simplesmente encerrar a conver- certo economista, indicado por F*, re-
sação. Assim, o empréstimo em si não clama da capacidade de o dinheiro pas-

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526 Quando o liberal e o socialista se defrontam

sar por verdadeira riqueza. Esse equí- como sugeria Proudhon. O economista,
voco, segundo o personagem, induziria cético, ensina que o mero avanço na cir-
filósofos e legisladores a arquitetarem os culação monetária sem contrapartida na
mais sofisticados esquemas visando ao disponibilidade de mercadorias reverte-
enriquecimento da sociedade, mas que ria unicamente numa elevação geral dos
apenas faziam por trazer sofrimento e preços, provando-se o artifício inútil pa-
guerras ao conjunto da humanidade. Is- ra o objetivo proposto. Interessante, po-
so porque a identificação mercantilista rém, é a descrição oferecida por F* para
da moeda com a riqueza, ao gerar medi- os perversos efeitos distributivos de tal
das de estímulo às exportações e restri- iniciativa, até que os preços se assentas-
ção às importações, omitia o fato de que sem de vez em novo patamar:
os demais países agiriam da forma corre-
As pessoas inteligentes se preocuparão em
lata, causando disputas comerciais que,
não entregar seus produtos a menos que
no mais das vezes, redundavam em en- obtenham um número maior de cédulas.
gajamentos bélicos. Noutros termos, eles demandarão quarenta
Após extensa conversação com francos por aquilo que antes vendiam por
um amigo, ambos os personagens con- vinte. Mas os simples se deixarão apanhar.
cordam sobre a inutilidade das práticas Passarão anos até que o ajuste seja realiza-
protecionistas, discutindo, então, a pos- do para todos os valores. Sob a influência da
sibilidade de um aumento doméstico de ignorância e do costume, a jornada de traba-
papel-moeda estimular a produção de ri- lho de nosso camponês continuará por muito
queza efetiva, a saber, os bens e serviços tempo a um franco, quando o preço efetivo
ofertados e negociados entre si pela po- de todos os objetos de consumo ao seu redor
será aumentado. Ele cairá numa terrível
pulação. A certa altura, o interlocutor de
miséria, sem poder divisar a causa (Bastiat,
F* pergunta-lhe se, em dispondo de du-
[1849] 1873, p. 89, itálicos no original).
as moedas em vez de uma, não estaria ele
mais rico do que antes. F* responde que A controvérsia em si teria início
sim, ao que o amigo lhe retruca se, nesse com a contestação a Bastiat assinada por
caso, o que se aplicava ao indivíduo não Charles-François Chevé, um dos redato-
valeria igualmente para todos, de modo res de La Voix du Peuple, em artigo pu-
que a emissão geral de moeda resulta- blicado em 22 de outubro de 1849. Com
ria num incremento da riqueza nacional, certa ironia, Chevé declara concordar

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Carlos Leonardo Kulnig Cinelli_Rogério Arthmar 527

com os princípios de Bastiat, ressalvan- Mas não, graças à renda e a sua monstruo-
do, porém, que os argumentos do próce- sa perpetuidade, o lazer é proibido precisa-
re liberal conduziriam de fato à conclu- mente a todos os que trabalham do berço ao
são oposta, a saber, a abolição do juro túmulo, tornando-se ela privilégio exclusivo
e da renda. E o motivo para tanto seria de alguns ociosos que, por meio dos juros do
capital, sem nada fazer, apropriam-se dos
singelo, de acordo com Chevé, estando
frutos da labuta massacrante dos trabalha-
radicado na confusão entre os conceitos
dores. Quase toda a humanidade é reduzida
de uso e de propriedade. Assim, no caso re- à estagnação, numa vida vegetativa e esta-
ferido de Jacques e Guillaume, em vez cionária, na ignorância eterna (Chevé, [1849]
de um pagamento pela utilização da plai- 1873, p. 102).
na, o segundo deveria conceder ao pri-
meiro um serviço equivalente, qual seja, Bastiat aceita de bom grado a pro-
o uso em tempo igual de uma plaina ou vocação. Em sua réplica, inserida no
de algo com valor de mesma magnitude. exemplar de 12 de novembro de 1849 de
Nisso, raciocina Chevé, residiria La Voix du Peuple, lembra ele que se o
a verdadeira troca de serviços por ser- uso de uma casa pudesse ser realizado
viços, como pretendido por Bastiat. Se sem outro requisito que não a devolu-
as coisas sucedessem de tal maneira, po- ção das chaves, existiriam, então, apenas
der-se-ia dizer, então, a rigor, ser o paga- locatários e nenhum locador. Além dis-
mento de juros contrário à natureza do so, caso determinado serviço devesse ser
capital. Ademais, a figura do juro seria pago por meio de serviço igual, ou seja,
nociva tanto ao devedor, por represen- se a cessão de uma residência requeres-
tar espoliação, quanto ao credor, que de- se a cessão recíproca de outra residên-
la cairia vítima quando viesse a necessitar cia, não haveria motivo para a transação,
de crédito. A própria sociedade, em seu pois as partes já disporiam das próprias
conjunto, seria atingida pela prática da moradias. Posto que Chevé reconhecera
usura devido ao aumento dos custos da o imperativo de retribuição por parte do
produção em geral e à redução do con- devedor, o pagamento, para adquirir sen-
sumo, causa de desemprego e, por fim, tido, precisaria suceder por meio de algo
pelo decorrente aprofundamento das de- distinto do que foi emprestado. Mas es-
sigualdades de renda. Ou, como descre- se algo, que Bastiat explica haver desig-
ve Chevé: nado juro para conformar-se ao vocabu-

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528 Quando o liberal e o socialista se defrontam

lário econômico, tratar-se-ia, de fato, de ca da força de trabalho pelos meios de


assunto a ser acertado livremente entre subsistência adiantados pelo capitalista
as partes, podendo se efetivar na forma não se apresentava voluntária, mas com-
de dinheiro, de produtos ou de serviços pulsória, regida pela necessidade. Sendo
de qualquer natureza. Assim ocorrendo, o valor oriundo do trabalho, o capital em
os negócios restariam verdadeiramente si resultaria improdutivo e o capitalista
estimulados, inexistindo aí gravame pa- só o emprestaria porque, caso o manti-
ra qualquer parte. O capital e seu ren- vesse em mãos, “[...] o capital, estéril por sua
dimento não representariam, como ale- natureza, permaneceria estéril” (Proudhon,
gava Chevé, falso ônus à produção ou [1849] 1873, p. 125). Destarte, essa ativi-
prejuízo ao trabalhador. Antes, o capital, dade não se configuraria como verda-
o real agente de democracia da riqueza, deira abstenção do capitalista, mas mera
mobilizaria as forças naturais em substi- apropriação de trabalho alheio.
tuição ao esforço humano, fazendo por Conforme Proudhon, a contradi-
multiplicar e baratear os artigos de con- ção do assunto ocultava-se no imperati-
sumo da população (Chevé, [1849] 1873, vo de se conciliar a supressão do abu-
p. 111-120). so representado pela prática do juro com 12
Os autores, principalmente
Proudhon entra em cena em 19 o reconhecido direito de sua existência. Proudhon, utilizam
de novembro de 1849, quando publi- A partir desse impasse é que se afirma- indistintamente os termos
ca sua primeira carta criticando Bastiat ria a proposta socialista, formulada no “juro”, “lucro” e “renda”
por tentar convencer os trabalhadores da contexto de avançada divisão do traba- no debate. Cabe ressaltar,
entretanto, que o objeto da
veracidade de suas ideias pessoais sem, lho, de diversificação das indústrias, de disputa é a renda proveniente
contudo, conhecer as teses socialistas. O crescente circulação dos capitais e de se- do direito sobre a propriedade
juro,12 assevera Proudhon, apesar de lou- gurança institucional. Em tais condições, em geral, abrangendo lucros,
vado pelos economistas, desde o seu sur- prossegue Proudhon, a constituição de juros e aluguéis. A ênfase na
renda derivada da propriedade
gimento fora condenado como ilegítimo um Banco Nacional, dotado de fundos do dinheiro – e daí a utilização
pelos filósofos e pelos eclesiásticos me- oriundos da tributação de um por cen- do termo “juro”, mesmo
dievais. O capital, do ponto de vista téc- to sobre os capitais do país e destinado quando se quer dizer “lucro”
– recai por conta da proposta
nico, teria sido em realidade fator de estí- a concessão de empréstimos à taxa de
proudhoniana de um banco
mulo ao progresso da riqueza social. Na meio por cento, derrubaria os juros das nacional como solução para a
sociedade moderna, porém, convertera- transações comerciais e das hipotecas ao contradição da renda do capital
se em instrumento de exploração. A tro- mesmo patamar, tornando o crédito pra- em geral.

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ticamente gratuito para todos. Como, de sustentar posições ambíguas. Proudhon,


outra parte, os preços das mercadorias por seu turno, sem qualquer condescen-
seriam formados pela adição dos salários dência, recorrerá a toda a sorte de mu-
e da renda do capital, os trabalhadores nição retórica e até mesmo histórica pa-
jamais disporiam de recursos para adqui- ra fundamentar sua crítica ferina à usura.
rir a totalidade da produção, muito me- Cada qual, além disso, busca limitar o
nos para o pagamento de juros, ocultan- confronto à sua área própria de argu-
do-se aí a origem do desemprego e das mentação, Bastiat, insistindo em justifi-
bancarrotas. Erradicando-se a usura, de- car a existência do juro do capital, en-
sapareceria o capital como fonte de es- quanto Proudhon mantém-se adstrito a
poliação e de crises e, com ele, o seu pro- reafirmar a conveniência do crédito gra-
prietário ocioso, restando apenas uma tuito. Vejamos em maior detalhe esse es-
sociedade de produtores e suas merca- tágio da discussão.
dorias. Ou ainda: Na carta de 26 de novembro de
Se o crédito comercial e hipotecário, noutros 1849, Bastiat responde a Proudhon recri-
termos, se o capital dinheiro, o capital cuja minando o labirinto de contradições em
função exclusiva é circular, tornar-se gratui- que este último arrastara o argumento,
to, o capital residencial também logo o será; lembrando que os leitores desejavam uma
as casas não mais serão capital; elas serão resposta peremptória, isto é, sim ou não,
mercadorias, cotadas nos mercados como os para a questão da legitimidade do juro.
licores e os queijos, e alugadas ou vendidas –
Ainda, a esse respeito, ele contesta a tese
termos convertidos em sinônimos –, a preço
proudhoniana de que o capitalista de na-
de custo (Proudhon, [1849] 1873, p. 130).
da se absteria ao ceder seu capital por em-
4_ O debate se aprofunda: conflito préstimo, uma vez que, de outra forma,
ou harmonia de interesses? seus recursos permaneceriam estéreis. O
Após a escaramuça inicial, a controvérsia mesmo, sustenta Bastiat, poderia ser di-
ganharia amplitude teórica e metodoló- to de qualquer produtor, considerando-
gica. Bastiat, de sua parte, vai se contra- se que as suas mercadorias não lhe propi-
por ao uso recorrente da lógica das con- ciariam utilidade, circunstância essa que,
tradições por seu interlocutor, alegando contudo, não aniquilaria o valor da mer-
não ser possível estabelecer um deba- cadoria em questão e tampouco exigiria a
te honesto com um contendor capaz de abolição dos rendimentos do trabalho.

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530 Quando o liberal e o socialista se defrontam

O erro de Proudhon decorreria de instituição de âmbito nacional. A preten-


uma má percepção sobre a divisão so- sa justeza da remuneração do capital dei-
cial do trabalho, isto é, a argumentação xava de ser relevante no momento em
do socialista não passaria “de um subterfú- que se afigurava viável a distribuição gra-
gio sobre um efeito necessário da separação das tuita de crédito, convertendo o juro, nes-
indústrias” (Bastiat, [1849] 1873, p. 138). se caso, em um roubo para todo aquele
De outra parte, a concessão gratuita de coagido a pagá-lo.
crédito não deveria ser interpretada co- A intenção original do credor ao
mo causa de enriquecimento social, mas criar o capital, tão enfatizada por Bastiat,
antes como consequência de uma sé- não mais importaria quando o devedor
rie de condições precedentes, especial- estivesse liberto do açoite da usura e ca-
mente a disponibilidade de capital re- paz de se servir do crédito gratuito pro-
al produzido por pessoas industriosas vido por uma instituição oficial:
e econômicas: Vosso crédito lembra aquele, feito pelo cor-
A fim de que o capital circule, ele precisa sário ao escravo, quando o primeiro concede
existir; e, para que ele exista, é preciso que a liberdade ao segundo por meio de um res-
seja incentivado a nascer pela perspectiva de gate (Proudhon, [1849] 1873, p. 151).
recompensas associadas às virtudes que lhe Em vez de primeiramente mudar os ho-
dão origem (Bastiat, [1849] 1873, p. 140). mens e torná-los industriosos e poupa-
Proudhon, na carta de 3 de de- dores, como preconizara Bastiat, seria
zembro de 1849, lamenta a dificulda- necessário livrar o mundo dos ladrões
de de Bastiat em compreender a filoso- sustentados pelos juros a fim de que im-
fia alemã, recorrendo, então, ao método perasse entre todos a virtude e a felicida-
mais simples da distinção (distinguo) pa- de. Do contrário, proclama Proudhon,
ra explicar ao adversário inculto que al- [...] isso não será uma sociedade, mas uma
go poderia apresentar certa propriedade conspiração dos capitalistas contra os traba-
em determinadas condições e deixar de lhadores, um pacto de rapina e assassinato
possuí-la noutras circunstâncias. Ou se- (Proudhon, [1849] 1873, p. 154-155).

ja, para Proudhon, o juro fora necessário Bastiat voltaria à carga em 10 de


e legítimo no passado, mas deixara de sê- dezembro de 1849, agradecendo aos céus
lo no presente em vista da possibilidade por jamais haver lido Hegel ou Kant, da-
de sua centralização democrática numa do que sua mente não conseguiria enten-

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der como o dia poderia ser noite ou o ju- locais eram propriedade dos trabalha-
ro legítimo e ilegítimo ao mesmo tempo. dores, que neles também buscavam em-
Se Proudhon buscava se livrar do Esta- préstimos, e nem por isso o juro deixara
do, a ‘Sociedade’ que ele invocava co- de existir. De resto, a proposta de Prou-
mo responsável pelo provimento geral dhon seria apenas uma reencarnação do
de crédito seria constituída pelos pró- sistema irresponsável de John Law.13
prios cidadãos credores e tomadores de Antes, o capital real da sociedade consis-
empréstimos. Mesmo que os custos de tiria de material de todos os tipos, pro-
circulação do capital fossem eliminados visões, ferramentas, mercadorias, ouro e
pela multiplicação dos bancos e de ou- coisas do gênero, e seu uso sempre im-
tras facilidades monetárias, ainda assim plicaria uma retribuição. O crédito fácil
o juro subsistiria. Nos Estados Unidos, não mudaria a natureza humana, nem se-
lembrou Bastiat, os numerosos bancos quer transformaria os pródigos em ava-
ros ou os preguiçosos em trabalhadores.
13
John Law (1671-1729), conversibilidade com o O grande equalizador das fortunas, em
financista escocês exilado na ouro. As notas originadas na
França, defendia a substituição instituição saem, então, de um verdade, seria o capital, e sua eventual
do ouro pela moeda fiduciária patamar de 38 milhões em abril abolição remeteria o homem aos tempos
e a conversão da dívida de 1717 para atingir 2,3 bilhões imemoriais da barbárie, quando tudo era
pública em ativos de um de livres em junho de 1720. feito com as mãos. Num lampejo de em-
grande conglomerado colonial. Nesse último ano, a companhia
Mediante suas relações com e o banco são fundidos e polgação, apregoa Bastiat:
o regente Filipe de Orléans, Law torna-se controlador- Marcha, marcha capital: segue o teu cami-
obtém em 1716 a carta patente geral das Finanças da França.
nho, realizando o bem para a humanidade.
para o Banque Générale, que Numa de suas primeiras
alcança grande sucesso inicial. medidas, ele desvaloriza a livre Foste tu que libertaste os escravos; foste tu
Em 1717, Law assume a (unidade de medida monetária que derrubaste as fortalezas do feudalismo;
Compagnie d’Occident, recebe o conversível em louis d’or, o engrandeça-te ainda, subjuga a natureza;
monopólio de desenvolver a dinheiro da época), gerando faça a gravitação, o calor, a luz, a eletricida-
Louisiana e logo absorve toda grande indignação popular de, concorrerem para a felicidade humana;
a arrecadação do governo. Em que o leva à prisão. Solto
toma para ti o que degrada e embrutece o
dezembro de 1718, o banco pouco depois, suas tentativas
de Law é nacionalizado e de reduzir o estoque de notas trabalho mecânico; eleva a democracia,
convertido no Banque Royale, do Banque Royale fracassam e, transforma as máquinas humanas em ho-
responsável por larga emissão em dezembro, ele é obrigado a mens, homens dotados de lazer, de idéias,
monetária, a qual deveria, refugiar-se em Veneza de sentimentos e de esperanças! (Bastiat, [1849]
supostamente, manter estrita (Velde, 2004). 1873, p. 167, itálicos no original).

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532 Quando o liberal e o socialista se defrontam

Proudhon, de sua parte, mostra- juro, oriundos, em verdade, do emprego


se insensível aos arroubos de seu anta- indiscriminado do direito da força. Prou-
gonista. Em carta de 17 de dezembro de dhon, inspirado no seu oponente, con-
1849, reclama do fato de Bastiat não ha- ta, então, a estória do homem rico traga-
ver considerado na devida conta a via- do por um rio e que grita por socorro a
bilidade do crédito gratuito no contex- um proletário próximo, o qual lhe exige
to das transformações sociais nascidas um milhão pela ajuda. O diálogo preten-
do movimento de 1848. Irritado, chega de ilustrar a desigualdade em que se en-
mesmo a sugerir o fim do debate. Mo- contram trabalhadores e capitalistas no
vido, todavia, pela crença no poder do mercado e é por demais interessante pa-
convencimento, Proudhon mantém a ra ser omitido:
discussão e procura mostrar como o ju-
Proletário: Sim, quero um milhão; é meu
ro passara, ao longo da história, da con-
preço derradeiro. Não vou lhe forçar, não
dição de legitimidade para a de ilegitimi- farei nada que você não queira nem tam-
dade ou, ainda, como a usura encontraria pouco lhe impedir de gritar socorro e chamar
seu fim no instituto do crédito gratuito. qualquer um. Se o pescador, que vejo lá
Em síntese, na sua forma de ver, a liber- adiante, a uma légua daqui, lhe salvar sem
dade dos escravos na Antiguidade fizera retribuição, recorra a ele; será mais cômodo.
com que o cultivo da terra pelos eman- O milionário: Miserável! Você abusa de minha
cipados reproduzisse as práticas comer- posição. A religião, a moral, a humanidade...
ciais do dinheiro, de modo que o servo Proletário: Isso tem a ver apenas com a
veio a dividir os frutos da colheita com minha consciência. Mas meu tempo é curto.
o proprietário da terra, surgindo assim a Decida-se logo. Viver proletário ou mor-
rer milionário: qual a sua escolha, afinal?
renda fundiária em suas várias formas.
(Proudhon, [1849] 1873, p. 186).
Com o tempo, a cobrança de juros entre
os detentores de propriedade e os des- Na carta de 24 de dezembro de 1849, Bas-
possuídos espalhou-se pela sociedade, tiat desqualifica como atípica a narrati-
dando origem a toda a sorte de misérias va de Proudhon por envolver exclusiva-
e de benesses entre os homens. A teoria mente esforço individual, e não a cessão
de Bastiat serviria apenas para desmora- de capital, de modo que o caso obrigaria
lizar os trabalhadores, ao procurar con- a concluir, para seguir a lógica distorci-
vencê-los dos benefícios falaciosos do da do socialista, pela necessária gratuida-

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de do trabalho. Ninguém ousaria negar, liberal. A proeminência de Bastiat nos


aduz Bastiat, que sob certas circunstân- meios intelectuais, dispara Proudhon, se-
cias fosse inevitável sacrificar-se o capi- ria infundada, porquanto o liberal, a ri-
tal, o juro ou o trabalho – isto é, o au- gor, entenderia tanto de economia políti-
tointeresse – pelo bem do próximo. Tais ca quanto de metafísica alemã. Ademais,
circunstâncias, entretanto, seriam estra- a tese de que o acúmulo de capitais ba-
nhas às transações ordinárias da econo- ratearia os juros, “mistificação insípida”,
mia. O juro, insiste Bastiat, seria fenôme- restaria negada pelo próprio Banco da
no atemporal, verdade universal imune França que, ao longo do tempo, multi-
às eras e aos costumes, pois assentado na plicara imensamente o seu lastro em ou-
produtividade técnica do capital e no in- ro, aumentando ainda ao bel-prazer a
teresse próprio do homem. O capital so- circulação de suas notas fiduciárias sem
mente deixaria de requerer remuneração que a sua taxa de desconto caísse abaixo
quando chegasse ao mundo espontanea- de quatro por cento. Onde, então, per-
mente, sem interferência da mão huma- gunta Proudhon, estaria a verdade eu-
na, ou se porventura ele deixasse de fru- clidiana propugnada por Bastiat a res-
tificar o trabalho futuro. Doutra forma, peito do caráter benéfico do avanço do
bastaria deixar o tempo agir e zelar pelas capital? Se os juros do Banco da Fran-
instituições promotoras da liberdade pa- ça declinassem de fato, os negócios, a ri-
ra que o capital crescesse naturalmente queza e o emprego da nação progredi-
e reduzisse cada vez mais o seu próprio riam, melhorando a condição de todas as
rendimento. Isso significaria dizer que a classes. Com base nesse raciocínio, con-
parcela dos salários na produção viria a clui Proudhon,
crescer, atenuando gradualmente, por- [...] não está claro, agora, que não é a mul-
tanto, as tensões sociais (Bastiat, [1849] tiplicação dos capitais que faz baixar o juro,
1873, p. 191-204). mas, ao contrário, que é a baixa dos juros
que multiplica os capitais? (Proudhon, [1849]
Em 31 de dezembro de 1849,
1873, p. 219).
Proudhon reclama novamente da des-
cortesia de Bastiat em recusar-se a deba- 5_ O final do debate: o crédito
ter a proposta do crédito gratuito, apesar gratuito no centro do palco
de todos os seus esforços para tornar o As etapas anteriores da controvérsia em
argumento inteligível à mente estreita do pauta, como visto, compreenderam a

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534 Quando o liberal e o socialista se defrontam

discussão em torno de conceitos como transações admitidas por Bastiat em seus


capital, juro e renda, mobilizando recur- exemplos contemplavam unicamente com-
sos argumentativos das mais distintas pensações voluntárias.
ordens como a filosofia alemã, a lógi- A situação do Banco da França,
ca discursiva, a história econômica e até no juízo de Bastiat, envolvia o uso con-
mesmo a religião. Já a sequência final denável de um privilégio que somente
de correspondências entre os dois auto- poderia ser derrogado pela livre disse-
res, a partir da décima carta assinada por minação de novos bancos pelo país de
Bastiat, assumiria tom mais pragmático. modo a suprimir de fato o monopólio
Por insistência de Proudhon, a sua pro- virtual da instituição no desconto de pa-
posta de crédito gratuito passa a ocupar péis comerciais. Se a tese da gratuidade
lugar central nos argumentos apresenta- dos empréstimos professada por Prou-
dos, embora ao custo de um distancia- dhon apresentasse fundamento con-
mento irreconciliável na posição teórica creto, o sistema de liberdade nas tran-
de ambos os autores e que transbordaria, sações creditícias, por si só, haveria de
no fechamento do debate, para o terreno fazer aflorar esse resultado. Doutro mo-
movediço das considerações ad hominem. do, a imposição de tal ideia no mundo
Assim, em sua carta de 6 de ja- dos negócios somente faria por desba-
neiro de 1850, Bastiat investe novamen- ratar os credores, arruinando o arranjo
te contra o método de Proudhon, insis- institucional existente. Ou, em termos
tindo que o seu contendor, não satisfeito mais alegóricos:
com a evidência de o Sol demonstrar a
Posto que o homem não necessitará mais de
existência do dia, exigir-lhe ainda, por
suas pernas quando tiver o dom da onipre-
obra da filosofia das antinomias, a pro- sença, para que ele seja onipresente, corte-
va de que tais condições excluíam a pos- mos-lhe as pernas! (Bastiat, [1849] 1873, p. 235).
sibilidade de ser noite. Os casos men-
cionados por Proudhon, ao descrever o Proudhon, em carta de 21 de janeiro de
milionário em perigo ou os juros pratica- 1850, dá mostras de haver esgotado sua
dos pelo Banco da França, não poderiam paciência com Bastiat, acusando-o no-
ser aceitos como evidência da iniquidade vamente de nada entender a respeito da
do juro por se tratarem de situações en- economia política. Não obstante a indis-
volvendo compensações forçadas, quando as farçável irritação, Proudhon logra en-

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caminhar lúcida digressão sobre o sig- em conta a impossibilidade de os traba-


nificado do capital que acabaria por se lhadores adquirirem integralmente o que
revelar o ponto alto de sua contribuição produziram graças à existência do juro e
à controvérsia. Assim, após comentar as do lucro, somente seria possível pela ex-
lacunas de uma série de definições sobre tinção do rendimento do capital. Nes-
o conceito enunciadas por economistas se novo contexto, trazido pela gratuida-
célebres como Say, Rossi e Garnier, to- de do crédito ou pela transformação do
das elas gravitando em torno da ideia do Banco da França numa instituição pú-
acúmulo de objetos para uso reproduti- blica cobrando apenas uma taxa irrisória
vo, Proudhon dá um passo adiante e es- de intermediação, o que alguns perdes-
clarece que a existência efetiva do capital sem como capitalistas ganhariam como
somente adquiriria sentido no contexto trabalhadores, pondo-se fim, portanto,
das trocas econômicas entre os indivídu- de uma vez por todas, às odiosas distin-
os, ou seja, por meio da sanção efetiva ções de classe (Proudhon, [1849] 1873,
do mercado. Em suas palavras: p. 243-245).
Bastiat, em carta de 4 de fevereiro
Isso quer dizer que o produto, para tornar-
de 1850, diz finalmente haver entendido
se capital, precisa ter passado por uma valo-
ração autêntica, ter sido comprado, vendido, a proposta de Proudhon, a qual consis-
apreciado, seu preço debatido e fixado por tiria, unicamente, em derramar dinheiro
uma espécie de convenção legal. De modo na economia. Mas essa moeda fiduciá-
que, portanto, a idéia de capital indica ria, para ser aceita por todos, exigiria cre-
uma relação essencialmente social, um ato dibilidade, ou seja, um lastro em capital
recíproco, fora do qual o produto permanece capaz de resgatá-la a qualquer momento
produto [...] Em síntese, a noção de capi- por seu eventual detentor. Ora, continua
tal, em oposição àquela do produto, indica Bastiat, o Banco da França ou seu con-
a situação das partes no mercado, umas gênere precisaria pagar juros sobre o ca-
em relação às outras (Proudhon, [1849] 1873, pital constituinte de suas reservas, mas
p. 243-244, 245).
como fazê-lo sem repassar esse encargo
Dessa perspectiva, continua Prou- aos devedores? Ainda que isso fosse fac-
dhon, considerando-se a economia como tível, e aqui Bastiat avança em relação a
um sistema geral de trocas, o equilíbrio Proudhon, não seria previsível igualmen-
entre as suas inúmeras partes, tendo-se te que o barateamento do crédito empur-

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536 Quando o liberal e o socialista se defrontam

raria todo o tipo de potenciais devedores expansão na demanda, o resultado se-


para os balcões da instituição? Noutros ria um só: inflação. E não fosse isso o
termos, não seria de se antecipar que, ao bastante, prossegue Bastiat apreensivo,
cair o preço do capital, a demanda por a continuidade de tal sistema creditício
crédito se ampliaria desmesuradamente, desaguaria na insolvência do Banco, de-
atraindo indivíduos com duvidosa capa- flagrando uma crise financeira cujo efei-
cidade de pagamento? to maior consistiria no desaparecimen-
to generalizado de todas as operações de
Porque, enfim, seu Banco não terá a virtude
crédito, descambando a sociedade para a
de mudar a natureza humana, de reformar
nossas inclinações perversas. Ao contrário, é desordem social. Ou, como adverte o li-
forçoso reconhecer que a extrema facilidade beral: “Fique atento, senhor, vós não pretendeis
de se obter papel-moeda, pela simples pro- tornar o crédito gratuito, mas sim assassiná-
messa de trabalhar e reembolsar posterior- lo” (Bastiat, [1849] 1873, p. 279).
mente, constituirá poderoso encorajamento Em sua carta final, de 11 de fe-
ao jogo, aos empreendimentos suspeitos, às vereiro de 1850, Proudhon não mais se
operações imprudentes, às especulações teme- contém e qualifica Bastiat como mero
rárias, às despesas imorais ou intempestivas. animal falante, cujo intelecto jamais pre-
Trata-se de coisa grave colocar os homens em senciara a luz. Faltava ao liberal, na opi-
situação de dizer: ‘Tentarei a fortuna com nião do socialista, capacidade de percep-
os bens alheios; se der certo, melhor para
ção, de julgamento, de comparação e de
mim; se falhar, pior para os outros’ (Bastiat,
memória, requisitos indispensáveis ao
[1849] 1873, p. 275-276).
florescimento da inteligência.
Assim ocorrendo, alerta Bastiat,
todos os devedores acorreriam ao Ban- Quando um homem que se denomina econo-
co de Proudhon para obter recursos e mista, que pretende raciocinar, demonstrar
e conduzir um debate científico chega a tal
saldar seus compromissos, inclusive o
ponto, ouso chamá-lo, senhor, um desesperado
Estado, sequioso por liquidar sua imen-
(Proudhon [1849] 1873, p. 294).
sa dívida a custo simbólico, de sorte que
poucos relutariam em socorrer-se do di- A ira de Proudhon pode ser explicada
nheiro fácil para concretizar os mais ou- pela circunstância de haver ele tomado a
sados sonhos e fantasias. Na ausência argumentação de Bastiat como indicati-
de produção compatível com tamanha va de associação do crédito gratuito com

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os malfadados assignats da época da Re- ria ao assunto numa última contribuição,


volução.14 A esse propósito, Proudhon é adicionada ao material completo do de-
enfático ao declarar ser responsabilida- bate por ele reunido no livro Gratuité du
de do Banco do França, uma vez con- crédit (1850). Assombrado com a virulên-
vertido ao novo sistema, conduzir seus cia de seu interlocutor, o liberal compara
empréstimos com a prudência e a severi- as invectivas do socialista com o rito ca-
dade de costume, assunto que extravasa- tólico da excomunhão, atribuindo a rai-
ria os limites do debate. De qualquer for- va de seu antagonista à falta de argumen-
ma, possivelmente conhecedor da frágil tos racionais. Após resumir o conteúdo
condição de saúde de Bastiat por have- da discussão, Bastiat comenta ainda o fa-
rem ambos integrado a Câmara dos De- to de Proudhon recomendar a continui-
putados, Proudhon comete o desatino, dade da prudência comercial na distri-
em suas últimas palavras, de considerar buição do crédito gratuito, o que, ao fim
o colega, do ponto de vista científico, co- e ao cabo, significaria apenas que os ri-
mo homem morto. cos e abastados, capazes de apresentar as
Embora a controvérsia tenha se garantias habituais aos bancos, usufrui-
encerrado nas páginas de La Voix du Peu- riam da gratuidade do crédito, enquan-
ple com a carta anterior, Bastiat retorna- to os pobres seriam barrados nas portas
da instituição por incapacidade de hipo-
tecarem algo além de sua palavra. De ou-
14
Os assignats foram criados terras confiscadas aos nobres
pela Assembleia Nacional, evadidos e nos futuros botins tra maneira, o caos social decorrente do
em abril de 1790, para serem de guerra, provocaram a crédito irrestrito acarretaria a fuga dos
utilizados na compra de desvalorização continuada do capitais, o desemprego, a desorganiza-
terras confiscadas à Igreja. papel, motivando tentativas
Pretendia-se, assim, resolver fracassadas de controles dos
ção social e, como consequência, o bar-
os graves problemas de preços (Loi du maximum général, barismo. Em contraposição, somente o
caixa do governo, ao mesmo 1793) e desbordando, por fim, crescimento seguro e progressivo do ca-
tempo em que se formava um na hiperinflação. No ano de pital, insiste Bastiat, garantido por uma
amplo segmento de pequenos 1796, o Diretório criou uma
proprietários fundiários nova moeda, os mandats, mas
remuneração justa, porém, declinante,
que serviriam de suporte que teria vida curta. No ano poderia responder não só pelos interes-
à Revolução. As emissões seguinte, os assignats e os ses dos capitalistas, mas, principalmente,
sucessivas dos assignats, porém, mandats foram definitivamente pelos dos mais necessitados, os próprios
apoiadas adicionalmente nas abolidos (White, 1933, p. 1-68).
trabalhadores.

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538 Quando o liberal e o socialista se defrontam

6_ Considerações finais trabalho e exige remuneração pelo ser-


Bastiat e Proudhon, não obstante a dis- viço prestado. O juro, incentivo legíti-
cordância acerca do juro, eram adeptos mo à criação de capital, faria ainda por
exacerbados da liberdade, tendo estado aumentar a poupança e, consequente-
várias vezes ombreados em votações na mente, a oferta de capital, concorrendo
Câmara dos Deputados. Cada qual, con- para o avanço da riqueza e da participa-
tudo, entendia o conceito à própria ma- ção dos salários na renda. Numa pers-
neira. Enquanto o liberal não via ou- pectiva temporal mais ampla, terminaria
tro modo de alcançá-la senão por meio por prevalecer, segundo Bastiat, a har-
de um ambiente capaz de garantir o es- monia de interesses entre trabalhadores
tado democrático, a justiça e a seguran- e proprietários.
ça, o socialista acreditava ser necessária Proudhon, por seu turno, enxer-
a criação de instituições que limitassem gava a renda do capital como historica-
os excessos dos mercados livres, de mo- mente determinada. Se em tempos idos
do a não ferir a igualdade de condições. o juro fora justificado, no contexto da
Do contrário, para Proudhon, estabele- sociedade moderna ele deveria ser con-
cer-se-ia apenas uma liberdade formal e siderado ilegítimo, já que sua origem es-
não real. taria apoiada na coerção, fruto da desi-
Apanhado entre essas duas con- gualdade de condições entre os atores
cepções, a figura do juro assumiria po- sociais. Além disso, o capitalista não se
sição central no debate estabelecido en- absteria de coisa alguma ao emprestar o
tre os dois autores. Por um lado, Bastiat seu capital, vez que essa seria a única fi-
concebe a renda do capital como técni- nalidade do mesmo, desaparecendo as-
ca e universal, proveniente tanto da ca- sim a justificativa para a retribuição por
pacidade do instrumento produtivo de parte do devedor. O juro, quando bem
aumentar o resultado do trabalho quan- examinado, convertera-se em empeci-
to do homem autointeressado, que bus- lho à formação de capital ao desequili-
ca incessantemente melhorar sua condi- brar o balanço indispensável entre oferta
ção. Sendo assim, o juro seria legítimo e demanda, ocasionando crises econô-
por configurar-se o empréstimo ato vo- micas periódicas e separando a socieda-
luntário, no qual o indivíduo exerce o di- de em duas classes antagônicas, traba-
reito de propriedade sobre o fruto de seu lhadores e capitalistas. Haveria, por fim,

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uma alternativa institucional superior, o


banco provedor de crédito gratuito, que
preservaria o desenvolvimento produti-
vo, resolvendo as contradições da socie-
dade capitalista assentada na proprieda-
de privada.
Dessa maneira, vê-se que, quando
o liberal e o socialista se defrontaram, vi-
síveis tornaram-se as divergências teóri-
cas e metodológicas entre ambos acerca
da compreensão da realidade do período
e, difícil, portanto, o diálogo. Mesmo em
casos como o de Proudhon e Bastiat, em
que pese a aparente concordância quan-
to à defesa intransigente da liberdade,
suas concepções distintas sobre os me-
canismos de funcionamento da econo-
mia de mercado terminaram por lançá-
los em trincheiras opostas. Se Proudhon
pode ser visto, em retrospecto, como um
“reformista social”, no embate com Bas-
tiat transparece sua refutação categórica
do discurso liberal, polarizando, assim, a
controvérsia examinada e na qual emer-
gem, em sua forma abstrata, mas tam-
bém pragmática, os traços fundamentais
de duas visões conflitantes sobre a natu-
reza do capitalismo.

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540 Quando o liberal e o socialista se defrontam

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Os autores agradecem as valiosas


sugestões dos pareceristas da Nova
Economia e assumem inteira
responsabilidade pelas falhas
do artigo.

E-mail de contato dos autores:


carloscinelli@hotmail.com
arthmar.vix@terra.com.br

Artigo recebido em agosto de 2009;


aprovado em março de 2010.

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