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CURSO

Semiótica da Arquitetura:
o espaço arquitetônico como experiência e
signo de engendramento de condutas humana

Profa. Dra. Lucia de Souza Dantas


Outubro e novembrode 2020
AULA 5 – 28/10/2020

Fundamentos da
semiótica peirciana
Da fenomenologia à semiótica

PRIMEIRIDADE Sentimento
Objeto
SEGUNDIDADE Signo
Memória Sensação Interpretante
TERCEIRIDADE

EXPERIÊNCIA PERCEPÇÃO SEMIOSE


A passagem do
sentimento ao
signo
Pensamento é
um signo Cognição, pensamento, enquanto mediação e
representação, é signo, Peirce discorre que:

“Cada pensamento, ou representação cognitiva é da


natureza de um signo. ‘Representação’ e ‘signo’ são
sinônimos.” (CP 8.191 [1904]).

Logo, o significado de alguma coisa, i.e., um


conceito, um SIGNO, é a representação (elucidação)
do real, a partir da experiência, e a partir dos efeitos
que o signo gera na conduta (significado
pragmático).
Fundamentos da
Semiótica de matriz
peirciana
TERCEIRIDADE É
A EXPERIÊNCIA
DE SEMIOSE
O que é semiótica
[lógica] para
Peirce?
O que é semiose?
O que é
semiótica
[lógica]?
Eu defino um signo como qualquer coisa que,
de um lado, é assim determinada por um
objeto e, de outro, assim determina uma ideia
na mente de uma pessoa, esta última
determinação, que denomino o interpretante
O que é um signo? do signo, é, desse modo, mediatamente
determinada por aquele objeto. Um signo,
assim, tem uma relação triádica com seu
objeto e com seu interpretante
(CP 8.343 [1908])
Tríade semiótica
peirciana OBJETO : aquilo que é representado, a coisa em si.

SIGNO: base que fundamenta a representação, um


signo-veículo
(ÍCONES, ÍNDICES, SÍMBOLOS)

INTERPRETANTE : ideia formada na mente do


intéreprete, é algo assemelhado ao significado;
outro signo que faz a conexão interpretativa entre
a representação material e seu referente (objeto).
É o que consegue ler/decifrar o signo.
OBJETO

INTERPRETANTE SIGNO
OBJETO SIGNO INTERPRETANTE
Semiose de Peirce
“Nada é signo se não é representado como signo”

OBJETO
(coisa – conceito) Objeto pode ser real ou imaginário

Semiose

INTERPRETANTE SIGNO
(Significação do signo na mente) (ícone – índice – símbolo)
Semiose é
ilimitada
SIGNO OBJETO
SEMIOSE:
AÇÃO DO SIGNO

O SIGNO QUE
INTERPRETANTE INTERPRETA OUTRO
SIGNO OBJETO SIGNO

INTERPRETANTE
SIGNO OBJETO

INTERPRETANTE
OBJETO = O
INTERPRETANTE = I
SIGNO = S
ESPIRAL SEMIÓTICA:

I5-S6
I4-S5 I6-S7
5 6
4
I3-S4 7
I7-S8
O
3 8

I2-S3 2 I8-S9
1

I1 =S2 S
INTERPRETANTE = I SIGNO = S
A SEMIÓTICA DA
ARTE: ÍCONES,
ÍNDICES E SIGNOS
Desenho do Guinhard Desenho do Niemeyer
Objeto arquitetônico, ícone de si mesmo Desenho, índice do objeto arquitetônico, ícone de si mesmo,
enquanto objeto ‘desenho’
Os critérios de
relevância dos
hábitos
Arte dadaísta, arte
conceitual: ícone, índice
e sobretudo, símbolo
Os signos da arte e da arquitetura
Aleijadinho, c. 1738 - 1814
São Francisco de Assis, São Joao Del Rey, séc. XVIII
Museu do Amanhã, Santiago Calatrava, 2015
Frank Lloyd Wright, Guggenhein, NY

Paulo Mendes da Rocha, Mube, São Paulo Frank Gehky, Guggenhein, Bilbau
Arte como devaneio compartilhado

Nesta esteira, Danto argumenta a possibilidade de se definir a arte como ‘devaneio’


compartilhado. E a arte é um ‘sonho acordado’, que é diferente de um mero sonho, porque
pode ser compartilhado. Eis a diferença da arte e da mera imaginação. Nas palavras dele:

“Decidi enriquecer minha definição de arte anterior de significado


encarnado [embodied meaning] - com outra condição que capta a
habilidade do artista. Graças a Descartes e Platão, definirei arte como
‘sonhos acordados/devaneios’ [wakeful dreams]. O que explicaria a
universalidade da arte. Minha compreensão é que todos, em todos os
lugares, sonham. Geralmente isso exige que estejamos dormindo. Mas, os
devaneios [wakeful dreams] exigem que estejamos acordados. Sonhos são
feitos de aparências, mas precisam ser aparências das coisas em seu
mundo. É verdade que as diferentes artes do museu enciclopédico são
feitas por diferentes culturas. Eu apenas comecei a pensar sobre devaneios
[wakeful dreams], que, diferente dos sonhos que nos chegam dormindo,
têm a vantagem de poderem ser compartilhados [shared]. Eles,
consequentemente, não são privados, o que ajuda a explicar por que todos
na plateia riem ao mesmo tempo, ou gritam no mesmo
momento.” (DANTO, What Art is?, 2014, pp. 48-49, tradução minha).
Por outro lado, igualmente, Danto sugere também definir a arte
como ‘significado encarnado’ [embodied meaning]. E, neste sentido,
novamente, ele atenta para a necessidade da exteriorização da arte,
enquanto obra. Pois, nem significado, nem devaneio, se constiuem
como uma arte por si mesmos, uma vez que é preciso a realização e
a existencialização desse processo de pensamento e devaneio de
arte em produto. Por isso, a arte é ‘devaneio’ [wakeful dream]
compartilhado em significado encarnado. O que nos remete à já
citada afirmação de Peirce:

“[...] em toda a imaginação e percepção há uma tal


operação pela qual o pensamento surge; [...]”.
(CP 1.538 [1903]).
EXPERIÊNCIA
primeiridade
segundidade
terceiridade PERCEPÇÃO

Da percepção à sensibilidade
sensação

intepretação da arte repertório

ARTE
à luz da
filosofia de APREENSÃO
Charles Sanders Peirce COGNIÇÃO
signo
memória
reconhecimento
semiose
juízo perceptivo
significado
AULA 6
09/11/2020
Fundamentos da Semiótica
de matriz peirciana

PARTE 2
As classes de signos
CLASSIFICAÇÃO
DOS SIGNOS
As divisões do signos

“Os signos são divisíveis conforme três tricotomias; a


primeira, conforme o signo em si mesmo for uma
mera qualidade, um existente concreto ou uma lei
geral; a segunda, conforme a relação do signo para
com seu objeto consistir no fato de o signo ter algum
caráter em si mesmo, ou manter alguma relação
existencial com esse objeto ou em relação com um
interpretante; a terceira, conforme seu
interpretante, representá-lo como um signo de
possibilidade ou como um signo de fato ou como um
signo de razão.” (PEIRCE, 2005, p. 51)
A S S U BD IVIS Õ E S Signo em Signo em
Signo em si
Categorias relação ao relação ao
[TR ICO NO ME TR IA ] mesmo
objeto interpretante
D O S S I G NO S E M

PE IR CE
Primeiridade Qualisigno Ícone Rema

Segundidade Sinsigno Índice Dicente

Terceiridade Legisigno Símbolo Argumento


PRIMEIRA
CLASSE DOS QUALISIGNO
SIGNOS

SINSIGNO

LEGISIGNO
Primeira classe dos signos

Qualisigno é um signo que em si mesmo é uma qualidade. Uma


qualidade, que aparece como signo como sentimento.

Sinsigno é um signo de existência – prefixo sin – singular,


sintoma, significa alguma coisa que é um particular, uma
determinação.

Legisigno é da natureza de uma lei, o objeto dele é uma


convenção, uma norma (Cf. CP 2.244 [1903], grifos do autor).
O papel do qualisigno na
semiose da arte como
semiótica estética (sensível)
Da
A semiótica sensibilidade
da arte e sensação à
cognição
Qualisigno é o signo que opera a primeira quase mediação de
qualidades, como elementos de primeiridade na terceiridade.
Nas palavras de Peirce:

Um Qualisigno é uma qualidade que é um signo. Ela


não pode realmente agir como um signo até que seja
QUALISIGNO corporificada; mas esta corporificação não tem nada a
ver com o seu caráter de signo. (CP 2.244 (EP2, p. 291
DA COR [1903], grifo meu)

Logo, um qualisigno [e.g. um sentimento de ‘vermelho’] e,

Uma vez que uma qualidade é o que é positivamente


em si mesma, uma qualidade só pode denotar um
objeto em virtude de algum ingrediente comum ou
semelhança; [...] (CP 2.25 [1902]).

Por isso é possibilidade de primeiridade, que quando


corporificada (num dado fato particular da segundidade), é
um signo quando significa alguma coisa para alguém,
tornando-se mediação na terceiridade.
Cor como qualisigno e ícone

“Primeiro: um Qualisigno [e.g. um sentimento de


"vermelho"] é qualquer qualidade na medida em que é
um signo. Uma vez que uma qualidade é o que é
positivamente em si mesma, uma qualidade só pode
denotar um objeto em virtude de algum ingrediente
comum ou semelhança; de modo que um Qualisigno seja
necessariamente um Ícone. Além disso, uma vez que
uma qualidade é uma mera possibilidade lógica, ela só
pode ser interpretada como um signo de essência, isto
é, como um Rheme.” (CP 2.254, grifo meu)
Parthenon , 438 a 432 a. C.
Da ideia à
realização Qualidades- devaneios

Sensações – choques

Mediações - conclusões
Projeto de
Frank Lloyd Wright,
Desenho de perspectiva
para Solomon R.
Guggenheim Museum,
NYC (1943-59)
As cores do Guggenhein de NY

https://www.archdaily.com/27786/compromises-for-the-guggenheim
Frank Lloyd Wright,
Hilla Rebay e
Solomon R.
Guggenheim com
uma maquete do
edifício
Museu Solomon R.
Guggenheim /
Frank Lloyd Wright
Da vivicidade do sentimento
Musée du quai Branly de
Paris, de Jean Nouvel,
2006.
Musée du quai Branly de Paris
O sentimento
“Mas é preciso admitir que um sentimento experimentado em uma sensação
externalizada, pode ser reproduzido na memória. Pois negar isso seria um absurdo ocioso.

de Vermelho Por exemplo, você experimenta, digamos, uma certa sensação da cor vermelho de

e a memória
chumbo tem um matiz, luminosidade e croma definidos. Estes são três elementos - que
não são separados no sentimento, é verdade, e não estão, portanto, no sentimento

do vermelho mesmo, mas são ditos como estado nele, como forma de expressar os resultados que se
seguiriam, de acordo com os princípios da cromática, a partir de certas experiências com
um disco de cor, caixa de cor, ou outro aparato similar. Neste sentido, a sensação de cor
da qual deriva se se olhar para o vermelho de chumbo tem um certo matiz, luminosidade e
croma que definem completamente a qualidade da cor. A vivacidade [vividness], no
entanto, é independente de todos estes três elementos; E na memória da cor, a sensação
de um quarto de segundo depois da sensação mesma é muito diferente da sensação em
si, embora esta memória é possivelmente perfeitamente verdadeira quanto à matiz,
luminosidade e croma, em que verdade constitui uma reprodução exata de toda a
qualidade do sentimento.” (Peirce CP 1.308 )
SEGUNDA
CLASSE DOS ÍCONE
SIGNOS

ÍNDICE

SÍMBOLO
“Uma progressão regular de um,
dois, três pode ser observada nas três
ordens de signos, Ícone, Índice e
Símbolo.”

(Peirce, 2005, p.72)


Segunda classe dos signos

Peirce diz que está é a “A mais importante divisão dos signos faz-se
em ícones, índices e símbolos” (CP 2.275 [1903], grifos do autor).
ÍCONE

Prescinde de um objeto
externo.

Por isso, o ícone pode •


significar independe da
existência de seu objeto.


ÍNDICE
é referente a um objeto
externo.

Por isso, é a existência


do objeto que
determina a
possibilidade
interpretante do índice.
SÍMBOLO
Necessita da existência da
redundância de conduta
um objeto (regra geral- lei)

Por isso, o símbolo


necessita da existência de
uma lei, um hábito, uma
convenção, mesmo que
incipiente.
TERCEIRA
CLASSE DOS REMA
SIGNOS

DICISIGNO

ARGUMENTO
A figura indica a
SIGNOS DE PRIMEIRIDADE
possibilidade de
conectividade Extensivos e imediatos
com o outro Relação do signo em si mesmo: QUALISIGNO – signo de qualidade de sentimento/ possibilidade
Relação do signo com o objeto: ÍCONE - conexão com o objeto como similaridade
Relação do signo com seu interpretante – REMA – sendo QUALIDADE, apresenta-se ao interpretante como mera hipótese
O que é independente em si mesmo ( 1 = 1 )

SIGNOS DE SEGUNDIDADE
A figura indica a
conexão entre
dois elementos Determinados e imediatos
Relação do signo em si mesmo: SINSIGNO - signo de existência (fato)
Relação do signo com o seu objeto: ÍNDICE - signo em conexão com o fato, IMEDIATO - não cognitivo
Relação do signo com seu interpretante: DICISIGNO – sendo FATO, apresenta-se ao interpretante como outro (predicado / conclusão / conflito)
O que está conectado a outro ( 1 + 2)

A figura indica a
SIGNOS DE TERCEIRIDADE
multiplicidade de
relações entre
Determinado e mediado
elementos
Relação do signo em si mesmo: LEGISIGNO – signo de HÁBITO / lei
Relação do signo com o objeto: SÍMBOLO - signo em conexão com o objeto por meio regularidades, redundâncias
Relação do signo com seu interpretante : ARGUMENTO – sendo LEI, apresenta-se ao interpretante como argumento ( inferência/ raciocínio:
abdução, indução e dedução)
Aquilo que faz mediação (1+2=3)
Terceira classe dos signos
DEDUÇÃO E INDUÇÃO
Abdução
ABDUÇÃO
COMO
HEURÍSTICA E
INSIGHT
ABDUÇÃO
ABDUÇÃO É A
INFERÊNCIA DA
NOVIDADE
Abdução e
repertório
Semiótica aplicada à Arquitetura: os signos
arquitetônicos
Como opera a semiose no
campo da arte?
Como se define a experiência
estética na semiose?
Abdução e o jogo lúdico do prazer
estético
Jean Nouvel,
Instituto Árabe de
Paris, 1987
Instituto du
Monde
Árabe tem
240
aberturas
sensíveis à
luz.
Moucharabieh
Muxarabis
O processo
de abdução
criativa:
das
muxarabis às
janelas
metálicas do
Nouvel
O processo de abdução criativa:
dos padrões geométricos dos arabescos às rosáceas das janelas metálicas do Nouvel
Louvre, Abu
Dhabi, de Jean
Nouvel
2009-2017
Louvre
“A ilha oferece uma paisagem rigorosa, temperada pelo
encontro com o canal, uma imagem impressionante da
aridez da terra versus a fluidez das águas [...] O prédio é
coberto com uma grande cúpula, uma forma comum a todas
as civilizações. […] A água tem um papel crucial, tanto na
reflexão de cada parte do edifício como na psique, e na
criação de um microclima confortável com uma ajuda do
vento”
Jean Nouvel

(disse ao Dezeen apud


https://casaclaudia.abril.com.br/arquitetura/louvre-abu-
dhabi-de-jean-nouvel-e-inaugurado-nos-emirados-arabes/)
Experiência
estética e fruição
• DANTO, Arthur. (2014) What art is? New York: Yale University Press.

BIBLIOGRAFIA • PEIRCE, Charles Sanders. (1931-35 e 1958) The Collected Papers of Charles Sanders
Peirce. Edited by Charles Hartshorne, Paul Weiss, and Arthur W. Burks.
CITADA Cambridge, Massachusetts, Harvard University Press, 1931-35 e 1958. 8 vols.
Eletronic Edition. [citado CP, seguido pelo número do volume e número do
parágrafo]
As traduções dos textos de • ______. (1903/2017) SOUZA DANTAS, Lucia Ferraz Nogueira de. Telepatia e
Peirce (referenciadas por CP percepção. In: Cognitio: Revista de Filosofia, [S.l.], v. 18, n. 2, pp. 344-375, fev.
(Collected Papers), são minhas. 2018. ISSN 2316-5278. Disponível em:
<http://revistas.pucsp.br/cognitiofilosofia/article/view/35754/24679>. Acesso em:
10 ago. 2019. doi:https://doi.org/10.23925/2316-5278.2017v18i2p344-375.

• DANTAS, Lucia F. N. de; GHIZZI, Eluiza B. (2018) Experiência Estética e


Continuidade na Obra de Arte: A Pintura de Lucian Freud à Luz do “Hiato no
Tempo” e das “Coisas sem Nome” de Ivo Ibri. In: GHIZZI, Eluiza Bortolotto et al.
(org.). Sementes de pragmatismo na contemporaneidade: homenagem a Ivo
Assad Ibri. São Paulo: FiloCzar (pp.119- 132).

• DANTAS, Lucia Ferraz Nogueira de Souza. (2019) Contribuições da filosofia de


Charles S. Peirce para uma investigação acerca de questões de fenomenologia e
ontologia das obras de arte. 2019. 309 f. Tese (Doutorado em Filosofia) -
Programa de Estudos Pós-Graduados em Filosofia, Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo, 2019.

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