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DEMOCRACIA E
DESENHOS
INSTITUCIONAIS
EM TEMPOS DE CRISE
DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA E DESENHOS INSTITUCIONAIS EM TEMPOS DE CRISE | III
DIREITOS HUMANOS,
DEMOCRACIA E
DESENHOS
INSTITUCIONAIS
EM TEMPOS DE CRISE
D598
Direitos humanos, democracia e desenhos institucionais em tempos
de crise / organizado por Lilian Balmant Emerique, Margarida
Lacombe Camargo. – Rio de Janeiro : Freitas Bastos, 2019.
386 p. ; 22 cm.
ISBN: 978-85-7987-351-5
1. Direitos humanos. 2. Democracia. 3. Desenhos institucionais.
I. Emerique, Lilian Balmant. II. Camargo, Margarida Lacombe.
III. Título.
VII
VIII | Lilian Balmant Emerique • Margarida Lacombe Camargo
Organização
anos
HISTÓRICO DO FÓRUM DOS GRUPOS DE
PESQUISA EM DIREITO CONSTITUCIONAL
E TEORIA DO DIREITO
Apresentação
A implantação da política de pós-graduação em sentido estrito, na área de
Direito no Brasil nesses últimos trinta anos consolidou, de forma definitiva, a
importância da investigação científica tanto para os fundamentos de um ensi-
no jurídico de natureza crítica e reflexiva quanto para uma formação jurídica
mais apta a “produzir” conhecimento. Apesar da existência de programas de
pós-graduação e operadores do Direito comprometidos com essa ruptura de
uma perspectiva jurídica meramente reprodutora, é fácil constatar a resistência
para consolidar a pesquisa como instrumento inovador do saber a respeito do
universo normativo ao longo desses anos. No caso brasileiro, a Constituição
Federal de 1988 impulsionou o fortalecimento da jurisprudência como um espaço
criativo do direito, que acabou por assumir um papel de discussões mais técnicas
reforçando um novo tratamento da dogmática jurídica pretensamente “mais
rigorosa” na sociedade brasileira. Entretanto, mesmo nesse contexto adverso ao
estudo mais investigativo do jurídico, não se pode deixar de registrar que esse
protagonismo da jurisprudência, emanada do Supremo Tribunal Federal, abriu
questões, pelo seu aspecto político-social, mais favoráveis para uma reflexão
crítica. Nesse sentido, ao ser encerrada a primeira década do século XXI, nos
bacharelados e programas de pós-graduação em Direito do Estado do Rio de
Janeiro, houve uma indução natural para a formação de grupos de pesquisa
voltados a estudar os temas e os impasses institucionais e o próprio contexto
político dessas decisões exaradas pela jurisdição constitucional brasileira. Há
uma consciência de que campos sempre reconhecidos como segmentados,
como é o caso das teorias social, constitucional e do direito, têm imperiosa
necessidade de se articularem, de modo interdisciplinar, para enfrentar esses
desafios referentes à forma atual de se “produzir” o universo jurídico brasileiro.
Mais ainda, conscientes de que o aspecto interdisciplinar não é o suficiente para
enfrentar as tarefas postas por esse quadro jurídico-institucional entre nós, os
grupos de pesquisa de instituições fluminenses envolvidas com o bacharelado
XI
XII | Lilian Balmant Emerique • Margarida Lacombe Camargo
Apresentação
Coordenação: Professor José Ribas Vieira. Grupos de pesquisa participan-
tes: Risco e Direito – PUC-Rio Justiça, Democracia e Constituição – UFSC
Observatório de Justiça Brasileira (OJB) – UFRJ, PUC-Rio Núcleo de Estudos
da História do Direito – Ibmec-RJ Teoria do Estado e Globalização (GP-
TEG) – UFRJ Relações Internacionais, Direito e Informação (GRIDI) – UFF,
UFRJ e FGV Novas Perspectivas em Jurisdição Constitucional – Diálogos
Institucionais e Sociais – UNESA, PUC-Rio e UGF Direitos Humanos Poder
Judiciário e Sociedade (DHPJS) – UERJ Direito Ambiental e Desenvolvimento
Social – UniFOA.
Apresentação
A realização do III Fórum de Grupos de Pesquisa em Direito Constitucional
e Teoria do Direito do Estado do Rio de Janeiro materializa o esforço de pes-
quisadores de instituições de ensino e de investigação cientifica fluminenses no
sentido de agregar experiências nos campos de estudos delineados. O último
Fórum, ocorrido no segundo semestre de 2010, já apontava, pela acolhida
da ideia de um espaço de diálogo teórico e, principalmente, de metodologia
e técnicas de pesquisa, que essa concepção era um atrativo da presença de
outros grupos de pesquisa, além das instituições do Estado do Rio de Janeiro.
Foi com grande receptividade que outros núcleos de pesquisadores mais no
nível nacional acabaram sendo integrados ao evento do III Fórum. A maior
presença de outros grupos de pesquisadores consolidou a proposta contida na
Carta do Rio de Janeiro do II Fórum da necessidade de institucionalizar esse
espaço de debate. Assim, pode contar com o apoio financeiro da Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro – FAPERJ para um dos
objetivos do III Fórum. Além de circular os ANAIS, os recursos financeiros
patrocinados pela agência de fomento de pesquisa do Estado do Rio de Janeiro
serão de extrema importância para concretizar a publicação de obra com os
textos mais representativos e expressivos apresentados durante o citado III
Fórum. Vale lembrar que a amplitude do número de participantes, cumprindo
previamente critérios seletivos de edital, fortaleceu e explicitou mais a qualidade
dos trabalhos apresentados. A grandeza do III Fórum não ficou adstrita apenas
ao aspecto qualitativo dos resultados obtidos pelos grupos de estudos. Houve
necessidade de, por temáticas próprias, dividir a apresentação dos trabalhos.
Essa divisão ficou sob a responsabilidade de um coordenador e de relatores.
Tal procedimento tem por objetivo a elaboração de um documento final com
organicidade e expressando os próximos passos das preocupações teóricas e
metodológicas assumidas. A Coordenação do III Fórum gostaria de agradecer
a todos os integrantes presentes representando suas respectivas instituições,
destacando o apoio da Faculdade de Direito Candido Mendes – Centro, na
pessoa do seu Diretor, Prof. José Baptista de Oliveira Júnior, e do Coordena-
dor do Núcleo de Pesquisa Jurídica, Prof. Farlei Martins Riccio de Oliveira.
Por derradeiro, não se pode deixar de registrar que a Profa. Flávia Martins de
Carvalho, mais uma vez, deu provas de sua generosidade e dedicação a uma
visão de um conhecimento coletivamente partilhado. Rio de Janeiro, 22 de
outubro de 2011. Prof. Dr. José Ribas Vieira Coordenador.
DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA E DESENHOS INSTITUCIONAIS EM TEMPOS DE CRISE | XVII
Apresentação
Neste ano de 2012 realizamos a quarta edição do Fórum de Pesquisas em
Direito Constitucional e Teoria do Direito. Originariamente, com a criação
do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFRJ, em 2009, os professores
José Ribas Vieira e Margarida Lacombe Camargo promoveram um seminário
interno com o objetivo de compartilhar, entre professores e alunos da UFRJ,
os projetos em desenvolvimento no âmbito daquele Programa. Percebeu-se,
entretanto, que havia interseção importante entre os trabalhos apresentados
e aqueles realizados em outras instituições congêneres e próximas territo-
rialmente. O Observatório da Justiça Brasileira, OJB-UFRJ, criado dois anos
antes, em 2007, já congregava alunos e professores da UFRJ, PUC-Rio, UERJ
e UFF. E foi assim que, no ano seguinte, resolvemos ampliar a participação
dos grupos de pesquisa, com a criação conjunta do Fórum de Pesquisa em
Teoria do Direito e Direito Constitucional, duas áreas cujos objetos e inte-
resses de investigação convergem substancialmente. O I Fórum foi sediado
na PUC-Rio, o segundo na UNESA, o terceiro na UCAM e o quarto, agora,
na UFRJ. A liderança deste processo tem sido compartilhada por represen-
tantes das várias instituições parceiras, particularmente os professores José
XX | Lilian Balmant Emerique • Margarida Lacombe Camargo
Apresentação
Originariamente, com a criação do Programa de Pós-Graduação em Di-
reito da UFRJ, em 2009, os professores José Ribas Vieira e Margarida Lacombe
Camargo promoveram um seminário interno com o objetivo de compartilhar,
entre professores e alunos da UFRJ, os projetos em desenvolvimento no âmbito
daquele Programa. Percebeu-se, entretanto, que havia interseção importante
entre os trabalhos apresentados e aqueles realizados em outras instituições
congêneres e próximas territorialmente. Afinal, o Observatório da Justiça Bra-
sileira, OJB-UFRJ, grupo liderado pelos mesmos professores, e criado dois anos
antes, em 2007, já congregava alunos e professores da UFRJ, PUC-Rio, UERJ
e UFF. Por conta disso, no ano seguinte, resolveram-se ampliar a participação
dos grupos de pesquisa, com a criação conjunta de um Fórum de Pesquisa em
Teoria do Direito e Direito Constitucional, duas áreas cujos objetos e interesses
de investigação convergem substancialmente. O I Fórum foi sediado na PUC-
-Rio, o segundo na UNESA, o terceiro na UCAM, o quarto na UFRJ, e agora,
mantendo o rodízio entre as instituições, nos valeremos nesta quinta edição
mais uma vez da receptividade da UNESA. A liderança deste processo cabe
ressaltar, tem sido compartilhada por representantes das várias instituições
parceiras, particularmente os professores José Ribas Vieira, Margarida Lacombe
Camargo, Maria Guadalupe Piragibe da Fonseca, Vanice Regina Líryo do Vale,
Farlei Martins Riccio de Oliveira, Cecília Caballero Lois, Flávia Martins de
Carvalho, bem como, dos alunos Gabriel Lima Marques, do PGGD da UFRJ, e
Carina Barbosa Gouvêa, do PPGD da UNESA. Nas duas últimas edições, vale
também a menção, contamos com o um importante financiamento da FAPERJ,
o que, renovado mais uma vez, nos permitirá publicar novamente os trabalhos
completos apresentados. Neste âmbito, enquanto no IV Fórum, os grupos es-
pontaneamente se concentraram em torno de problemas relativos à Jurisdição
Constitucional, aos Direitos Humanos, ao Direito Constitucional aplicado e a
problemas concernentes ao Estado e à Administração Pública, perpassando
a Teoria do Direito por várias questões daí decorrentes. Este ano, percebe-se
uma convergência no sentido de as pesquisas direcionarem seus esforços sobre
questões concernentes ao Meio Ambiente, englobando tanto a questão da sus-
tentabilidade quanto dos procedimentos administrativos que daí decorre; ao
perfil e a governabilidade das Instituições Democráticas; ao Multiculturalismo;
à Jurisdição Constitucional; aos Direitos Humanos; ao Direito Constitucional
Comparado; aos aspectos morais; e tantas outras temáticas que dão novo gás
DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA E DESENHOS INSTITUCIONAIS EM TEMPOS DE CRISE | XXIII
a proposta do Fórum. Por último, mas não menos importante, cabe ainda um
especial agradecimento aos nossos queridos alunos, que sempre prontos a co-
laborar, com competência, responsabilidade e dedicação, nos auxiliam a tocar
este projeto que já é de todos nós. Rio de Janeiro, 30 de novembro de 2013. José
Ribas Vieira Coordenador.
Grupos de Pesquisa Participantes: Centro de Estudos e Pesquisas Jurídicas
da Amazônia (CEJAM) – UNIR/RO Controle de Políticas Públicas de Direitos
Sociais: Possibilidades e Limites – UFRJ/RJ Direito Constitucional Sociedade,
Política e Economia – UNIT/SE Direito, Democracia e Desenvolvimento –
UNIRIO/RJ Direitos Humanos, Poder Judiciário e Sociedade – UERJ/RJ Grupo
de Pesquisa em Direito Constitucional – IBMEC/RJ Grupo de Pesquisa sobre
Epistemologia Jurídica (GRUPEJ) – UFRJ/RJ Grupo Transdisciplinar de Pesquisa
Jurídica para a Sustentabilidade (GTUS) – FURG/RS Laboratório de Estudos
Teóricos e Analíticos sobre o Comportamento das Instituições (LETACI) – UFRJ/
RJ Laboratório de Pesquisas Empíricas em Segurança Pública (LAESP) – UFF/
RJ Novas Perspectivas na Jurisdição Constitucional – UNESA/RJ Núcleo de
Estudos Urbanos e Socioambientais (NEUS) – UVV/ES Observatório da Justiça
Brasileira (OJB) – UFRJ/RJ Rede Latino-Americana de Pesquisa sobre Teoria
dos Sistemas, Direito e Política – UFRJ/RJ Temas Emergentes de Direito e Po-
lítica – UVV/ES Transformações Estruturais no Direito Urbanístico Brasileiro
Contemporâneo – UFRJ (IPPUR)/RJ.
É possível afirmar, no 25º ano de promulgação da Constituição de 1988, o
êxito daquele projeto de redesenho da ordem jurídica configuradora da Repú-
blica Federativa do Brasil? Essa foi a indagação subjacente ao transcurso daquele
marco temporal em relação à Carta de Outubro. O que faz o sucesso de uma
Constituição? O que permite afirmar o triunfo de um projeto de transformação
social que vê no Direito uma importante ferramenta para a sua concretização?
Esse é o eixo principal de cogitação acadêmica, num momento em que a hipótese
da rejeição da Carta de 1988 se vê superada por aquela da transição, antecipada
premonitoriamente por Moreira Neto. Se as origens do Texto Fundamental
permitiam à época de sua promulgação alguma discussão quanto à sua própria
legitimidade – e, portanto, de sua potencial eficácia, essa mesma dúvida se viu
superada pelo tempo. Incorporado ao imaginário da sociedade brasileira o
ideário de transformação social como objetivo da nova institucionalidade da
República Federativa do Brasil, tem-se a consolidação de premissas como a da
centralidade da pessoa e aquela do caráter democrático de que deve se revestir o
viver constitucional. Com isso, novas etapas de aprofundamento dessa empreitada
normativa se põem, num cenário que já permite cogitar qual seja a Constituição
que se deseje para 2038, quando então meio século de vigência da nova ordem
constitucional já se terá alcançado. Nesse contexto, destacam-se novos olhares
no tema do constitucionalismo brasileiro e da jurisdição que lhe é típica, com a
XXIV | Lilian Balmant Emerique • Margarida Lacombe Camargo
Apresentação
A compreensão da importância de realizarmos o VI Fórum de Grupos
de Pesquisa em Direito Constitucional e Teoria do Direito, em 2014, tem
como marco a criação do Programa de Pós-Graduação da UFRJ. Assim,
no ano de 2009, os professores José Ribas Vieira e Margarida Lacombe Ca-
margo promoveram um seminário interno com o objetivo de compartilhar,
entre docentes e alunos da UFRJ, os projetos de investigação cientifica em
DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA E DESENHOS INSTITUCIONAIS EM TEMPOS DE CRISE | XXVII
Parte 2
Direitos Humanos e Direitos Fundamentais: tensão e resistência
Página 23
– Quais Direitos Humanos? Que Universalismo? Preliminares
e Obstáculos à Universalização dos Direitos ..........................................................25
– A arte e a luta por direitos humanos no complexo da Maré.................................38
– Jurisdição constitucional e democracia: reflexões sobre a postura
do Supremo Tribunal Federal na tutela dos direitos fundamentais.....................55
– Estrutura e características da norma de vedação à censura prevista
na Constituição Federal de 1988...............................................................................69
– O Estado como agente violador: a emenda constitucional 95 e
seus impactos nos direitos sociais fundamentais....................................................83
– Análise contemporânea do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA):
conquistas e desafios....................................................................................................96
Parte 3
Democracia e política em tempos de crise
Página 109
– Democracia Autoritária: uma análise decolonial do poder no Brasil ..............111
– A solução simples (?) e antidemocrática: uma análise do ensino jurídico
da Intervenção Federal num dos principais manuais de direito
constitucional no Brasil ...........................................................................................129
– Semelhanças e diferenças entre a intervenção federal e o Estado de
Coisas Inconstitucional ............................................................................................139
XXXIII
XXXIV | Lilian Balmant Emerique • Margarida Lacombe Camargo
Parte 4
Desenhos institucionais e Supremo Tribunal Federal:
análise de casos e desafios da Jurisdição constitucional
Página 151
– Perspectiva das competências constitucionais sob a ótica
do transconstitucionalismo .....................................................................................153
– Possíveis contribuições do sistema dialógico neozelandês para o controle
de constitucionalidade no Brasil .............................................................................168
– Fatos legislativos no Supremo Tribunal Federal ...................................................183
– A audiência pública do aborto no STF: ciência ou política? ..............................196
– A doutrina Chevron e aproximações do STF no tema
da deferência como método de controle judicial .................................................209
– Um debate acerca do caso Netshoes e a vulnerabilidade dos indivíduos
no comércio virtual brasileiro .................................................................................226
– Análise do caso Netshoes sob a perspectiva de seus atores:
a atuação do Ministério Público e a minimização dos prejuízos ......................237
Parte 5
Aproximações ao Novo Constitucionalismo
Latino-Americano: diálogo, impasses e perspectivas
Página 251
– As ditaduras Latino-Americanas, o intervalo democrático brasileiro e a
pós–democracia: a primeira vez como tragédia e a segunda, como farsa .......253
– Desafios às experiências participativas na América Latina:
análise do plebiscito Colombiano e do referendo Boliviano .............................271
– Parâmetros de convencionalidade para crianças em zonas
de conflito: estudo do caso colombiano ................................................................289
– El futuro del tratado por la paz en Colombia .......................................................305
– A proposta de emenda constitucional por iniciativa popular
à luz do Novo Constitucionalismo Latino-Americano ......................................317
– Panorama do Novo Constitucionalismo Latino-Americano
Contemporâneo: breve balanço de uma década ..................................................337
PARTE 1
3
4 | Lilian Balmant Emerique • Margarida Lacombe Camargo
INTRODUÇÃO
O campo acadêmico constitui-se num espaço de interações delimitado
estruturalmente2 e nesse universo encontramos trajetórias que misturam
aspectos individuais e institucionais. Nossa proposta no presente artigo
é reconstruir alguns aspectos da trajetória acadêmica-institucional de
um importante ator do campo do ensino e da pesquisa no direito que
completou, no ano de 2018, 40 anos de docência: José Ribas Vieira. Tal
reconstrução, como toda reconstrução de trajetórias, faz parte de uma
percepção fragmentada, específica e situada, ou seja, de um olhar sobre
uma suposta “realidade” a partir da nossa percepção como atores do
campo. Nesse sentido estaremos mobilizando nossa inserção e intera-
ção no campo bem como uma entrevista com José Ribas Vieira para
apresentarmos considerações sobre alguns elementos específicos da sua
para o estudo do direito. A fala “aquilo passou a ser bíblia entre nós”
utilizada para fazer referência a uma obra de um dos integrantes do
movimento crítico7 parece dar a dimensão simbólica da importância
do contato com a teoria crítica.
Em segundo lugar, do ponto de vista da trajetória acadêmica-insti-
tucional de José Ribas Vieira, o contato com o movimento crítico do
direito vai ter um desdobramento em termos de (a) publicações e (b)
agenda de pesquisa / reconfiguração de espaços institucionais de sua
vinculação. Nos limites do presente artigo estaremos sinalizando apenas
alguns aspectos de cada um dos itens anteriores que dialogam com a
fala de José Ribas Vieira.
Com relação às (a) publicações, após o contato com o movimento
crítico em 1981, José Ribas Vieira escreveu um artigo no dossiê temático
sobre as “abordagens críticas do direito na América Latina”, publicado
no segundo semestre de 1982, no número 10 da revista Procès – Cah-
iers d’analyse politique et juridique. Tal revista era uma publicação do
Centre d’épistémologie juridique et politique da Universidade de Lyon
II, e exerceu, desde a publicação de seu primeiro número em 1978,
uma função importante como espaço de socialização e divulgação
de ideias, posições, abordagens e análises vinculadas ao movimento
crítico do direito8. Tal artigo de José Ribas Vieira, intitulado “Le cadre
9 VIEIRA, José Ribas. “Le cadre constitutionnel brésilien postérieur à 1964: une
approche critique”. Procès – Cahiers d’Analyse Politique et Juridique, nº 10, Centre
d’épistémologie juridique et politique, Lyon,Université Lyon II, p. 117-131, 1982.
10 Dois exemplos bem ilustrativos desse processo são as obras de nas quais represen-
tantes do movimento crítico do direito como MIAILLE, Michel. Une introduction
critique au droit. Paris: Maspero, 1976 e JEAMMAUD, Antoine. Le droit capitaliste
du travail, PUF Grenoble, Coll. Critique du Droit, 1980, reconfiguram tradicionais
objetos de estudo de “manuais” dos campos do ensino da Introdução ao Estudo
do Direito e do Direito do Trabalho (respectivamente) para apresentar ao leitor
uma outra visão desses objetos a partir da teoria crítica.
11 MARX, Karl. O Capital – Livro I. Editora Boitempo, 2013.
12 ALTHUSSER, Louis. Lire le Capital. PUF – France, 1965.
14 | Lilian Balmant Emerique • Margarida Lacombe Camargo
13 Conforme apontamos no nosso artigo Fragale Filho, Roberto & Alvim, Joaquim
Leonel de Rezende. “O movimento « Critique du droit » e seu impacto no Brasil”,
Direito GV, nº 6, p. 139-164, jul./dez. 2007, São Paulo: Fundação Getúlio Vargas.
Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/revdireitogv/article/
viewFile/35186/33990, acesso em: 07 de novembro de 2018; esse deslocamento
para o constitucionalismo operado por José Ribas Vieira e pelo mestrado da
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ) foi acompanhado
de uma relação institucional com a Universidade de Montpellier I, no âmbito dos
acordos existentes entre a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (Capes) e o Comité Français d’Évaluation de la Coopération Universitaire
avec le Brésil (Cofecub), entre 1989 e 1995.
14 CV Lattes de José Ribas Vieira: http://lattes.cnpq.br/7976161481295330 , acesso
em 12 de novembro de 2018.
DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA E DESENHOS INSTITUCIONAIS EM TEMPOS DE CRISE | 15
provas etc. para demonstrar tal fato. Ou seja, o fato precede ao processo.
O fato não decorre de uma vontade. Dessa forma, caso uma vontade
preceda ao fato, encontraríamos uma clara violência ao modelo político-
-jurídico de verdade do mundo Ocidental. Por ter uma vontade, por se
estabelecer as condições de “termos a vontade de destituir”19 enquanto
maioria parlamentar, saímos à caça do fato. Em primeiro lugar teríamos
a vontade política, depois procuramos o fato...
Nesse mesmo sentido Margarida Lacombe Camargo e Mário César
Andrade sustentam que:
CONCLUSÃO
Conforme apontamos em nosso artigo, José Ribas Vieira já sinalizava
em 2005 para a necessidade de “revisitar” a teoria crítica:
BIBLIOGRAFIA
ALTHUSSER, Louis. Lire le Capital. PUF – France, 1965.
ALVIM, Joaquim Leonel de Rezende. “Reforma do ensino do direito – um balanço
crítico” – Plural / Revista da Faculdade de Direito da UFF, nº 4, outubro de 1998, Ed.
Síntese, Porto Alegre.
BARROSO, Luís Roberto. O Constitucionalismo Democrático no Brasil: crônica
de um sucesso imprevisto. Disponível em http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-
-content/uploads/2017/09/constitucionalismo_democratico_brasil_cronica_um_su-
cesso_imprevisto.pdf , acesso em 12 de novembro de 2018.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.
CAMARGO, Margarida Lacombe e ANDRADE, Mário César. O controle judicial
do Impeachment – As lições que vêm do Norte. Disponível em https://www.jota.info/
opiniao-e-analise/artigos/o-controle-judicial-impeachment-licoes-que-vem-nor-
te-14042016 acesso em 13 de novembro de 2018.
D’AMARAL, Márcio Tavares. A vontade de injustiça. Disponível em https://oglobo.
globo.com/cultura/a-vontade-de-injustica-19630788 acesso em 13 de novembro de 2018.
FOUCAULT, Michel. A verdade a as formas jurídicas. Rio de Janeiro: Nau Editora,
2002, conferências 1 e 3, pp. 7/27 e 53/78.
Fragale Filho, Roberto & Alvim, Joaquim Leonel de Rezende. “O movimento
« Critique du droit » e seu impacto no Brasil”, Direito GV, nº 6, p. 139-164, jul./dez.
2007, São Paulo: Fundação Getúlio Vargas. Disponível em: http://bibliotecadigital.
fgv.br/ojs/index.php/revdireitogv/article/viewFile/35186/33990, acesso em: 07 de
novembro de 2018.
JEAMMAUD, Antoine. Le droit capitaliste du travail, PUF Grenoble, Coll. Critique
du Droit, 1980.
MARX, Karl. O Capital – Livro I. Editora Boitempo, 2013.
MIAILLE, Michel. Introdução Crítica ao Direito. 2ª edição. Lisboa: Ed. Estampa,
1994.
22 | Lilian Balmant Emerique • Margarida Lacombe Camargo
DIREITOS HUMANOS E
DIREITOS FUNDAMENTAIS:
TENSÃO E RESISTÊNCIA
QUAIS DIREITOS HUMANOS?
QUE UNIVERSALISMO?
Preliminares e Obstáculos à
Universalização dos Direitos
Em vez de uma antropologia moral que deriva seu ponto de vista moral
de atitudes intrinsecamente cooperativas, é mais seguro fundar a análise
em afirmações mais realistas sobre a motivação humana nas interações
sociais. Na medida em que todos os debates públicos sobre justiça
implicam uma contestação das regras existentes de cooperação social,
todo discurso justificatório é profundamente politico e “amaldiçoado”
pelas considerações instrumentais pertinentes a parciais perspectivas do
indivíduo ou da coletividade. O grande desafio da teoria social crítica
é dar conta da possibilidade de emancipação e justiça não apesar, mas
através, de processos de contestação, a que se imbui poder (AZMA-
NOVA, 2012, p. 113) (tradução nossa).
REFERÊNCIAS
AZMANOVA, Albena. Social Harm, Political Judgment, and the Pragmatics
of Justification in Corradetti, Claudio. Philosophical Dimensions of Human Rights.
Dordrecht: Springer, 2012.
_________. The Scandal of Reason – A Critical Theory of Political Judgment.
Nova Iorque: Columbia University Press, 2012.
BENHABIB, Seyla. Dignity in Adversity – Human Rights in Troubled Times.
Cambridge: Polity Press, 2011.
COHEN, Jean. Globalization and Sovereignity. p. 60.Cambridge. Cambridge
University Press, 2012.
FLEINER-GERSTER, Thomas. Teoria Geral do Estado. São Paulo: Martins Fontes,
2006.
PETERS, Anne. Global Constitutionalism. in “The Encyclopedia of Political
Thought”. Ed. Michael T. Gibbons. 1ª Ed. John Wiley & Sons LTd., 2015.
UNGER, Roberto Mangabeira. Democracia Realizada – A Alternativa Progressista.
São Paulo: Boitempo Editorial, 1998.
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. São
Paulo: Martins Fontes. 2006.
YOUNG, Iris Marion. Inclusion and Democracy. Oxford: Oxford University
Press, 2000.
A ARTE E A LUTA POR DIREITOS HUMANOS
NO COMPLEXO DA MARÉ
INTRODUÇÃO
O projeto “A arte e a luta por Direitos Humanos no Complexo da
Maré” é desenvolvido dentro da linha Direito e Arte do grupo de pes-
quisa Teorias Críticas dos Direitos Humanos do Laboratório de Direitos
Humanos da UFRJ – LADIH. O LADIH tem como um dos seus ob-
jetivos desenvolver projetos de pesquisa e extensão que versem sobre
os Direitos Humanos em uma perspectiva interdisciplinar, abordando
de maneira crítica a atual situação desses direitos em nossa sociedade.
Como projeto de extensão, dentro de um grupo de pesquisa, temos
a convicção que em uma Universidade Pública devemos dialogar com
a comunidade e buscar por um conhecimento jurídico que vai além da
dogmática ensinada em sala de aula e que encara o Direito não apenas
como aquilo que está afeto ao ordenamento jurídico, mas também as
lutas sociais, considerando as constantes transformações de seus con-
teúdos e formas de se manifestar histórica e socialmente (LYRA FILHO,
1981, p. 6). Para a construção de um discurso jurídico é necessário
2 *
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ). E-mail: manuelagscandido@gmail.com
3 ** Mestranda em Teorias Jurídicas Contemporâneas no Programa de Pós-graduação
em Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Bolsista CAPES.
E-mail: pauladcassol@ufrj.br
4 *** Professora Titular de Direito Constitucional na Faculdade de Direito da Uni-
versidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenadora do grupo de pesquisa
Teorias Críticas dos Direitos Humanos, do Laboratório de Direitos Humanos da
UFRJ (LADIH). E-mail: vanessabberner@gmail.com
38
DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA E DESENHOS INSTITUCIONAIS EM TEMPOS DE CRISE | 39
7 Tradução livre: “Quando a arte abandona o solipsismo (ou seja, sua consideração
de atividade autônoma e separada do resto dos problemas sociais: a arte pela arte)
e se cerca dos contextos sociais, econômicos e políticos com o afã de mostrar
esteticamente a necessidade de superação criativa das desigualdades e a inclusão
das massas populares no âmbito da história, se converte em uma arma de precisão
contra toda forma de autoritarismo ou de ditadura. A arte não se dá no vazio,
mas sim no marco dos conteúdos econômicos, políticos, sociais e institucionais
que materializam as metodologias de ação social – os processos culturais – que
predominam em espaços e tempos concretos. Por isso a arte não é unicamente
espetáculo, mas sim algo que interfere nesses conteúdos, abrindo-os a outras
perspectivas, a outras leituras e outras formas de tocar e sentir a realidade em que
vivemos”.
42 | Lilian Balmant Emerique • Margarida Lacombe Camargo
2. O Projeto
O projeto “A arte e a luta por Direitos Humanos no Complexo da
Maré” desenvolvido em parceria com o Museu da Maré, local em que
ocorrem as atividades, construiu-se a partir de uma demanda apresentada
ao LADIH por uma das coordenadoras do Museu. Os participantes do
projeto são jovens de 13 a 18 anos frequentadores do Museu, que fun-
ciona como um espaço recreativo e educativo para esses jovens, sendo
alguns bolsistas da FAPERJ (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado
do Rio de Janeiro), que auxiliam nas atividades do Museu.
Os objetivos gerais do projeto são, dentro da perspectiva da Teoria
Crítica dos Direitos Humanos já apresentada, conhecer e reconhecer as
demandas do público-alvo do projeto, promovendo o debate acerca dos
Direitos Humanos a partir de um processo de produção da arte como
forma de luta por dignidade e estabelecendo um intercâmbio entre o
meio acadêmico e a sociedade. Já os objetivos específicos do projeto são:
(a) dialogar com a comunidade para diagnosticar os temas de interesse
relacionados às violações de Direitos Humanos sofridas pelos moradores;
(b) realizar ciclo de debates sobre temas de teoria crítica dos Direitos
Humanos; e (c) promover oficinas de arte (fotografia, música, literatura,
audiovisual etc.) e atividades que incentivem a produção artística crítica
DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA E DESENHOS INSTITUCIONAIS EM TEMPOS DE CRISE | 43
CONCLUSÃO
O projeto “A arte e a luta por Direitos Humanos no Complexo da
Maré”, construído e realizado pelo grupo de pesquisa e extensão de Teo-
rias Críticas dos Direitos Humanos nos permitiu enxergar no Direito,
na arte e na educação um potencial emancipador concreto, mostrando
como esses produtos culturais podem sim ser ferramentas na luta por
Direitos Humanos no Complexo da Maré. Através das atividades rea-
lizadas com os adolescentes no Museu da Maré, percebemos na prática
aquilo que debatíamos em teoria, a necessidade da contextualização
do debate sobre Direitos Humanos e da escuta dos sujeitos envolvidos
nos processos de luta para a efetivação desses direitos, realizando uma
verdadeira práxis. Dentro das suas limitações, e com todos os erros
cometidos e aprendizados realizados, o projeto mostrou a necessi-
dade de uma pesquisa acadêmica vinculada à extensão universitária,
e essencial para a integração do conhecimento acadêmico com o da
comunidade e construção de uma universidade pública competente
para atuar diretamente sobre Direitos Humanos e nos processos de
luta que eles envolvem.
REFERÊNCIAS
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Bernúncia, 2007.
54 | Lilian Balmant Emerique • Margarida Lacombe Camargo
INTRODUÇÃO
Um dos temas que mais suscitam discussões na comunidade jurídica
é o poder do Supremo Tribunal Federal de declarar normas, editadas
democraticamente, inconstitucionais e como isso tem sido feito, bem
como sobre decisões, em sede de repercussão geral, onde interpreta o
ordenamento jurídico com base nos chamados “princípios”, afastando
a aplicação da “letra fria da lei”. A questão que se põe é: quem deu
legitimidade ao Poder Judiciário para afastar a aplicação da lei, ora
por meio da declaração de inconstitucionalidade, ora por meio da
hermenêutica jurídica?
55
56 | Lilian Balmant Emerique • Margarida Lacombe Camargo
Dessa forma, fica claro que essa busca pelo resultado constitucional-
mente exato envolve a análise de todo o contexto no qual está inserida
a sociedade com vistas à sua aplicação e por isso seria superior em
relação ao processo de elaboração já que sua concretização dependerá
intrinsecamente desta interpretação empregada.
Sabe-se que o texto normativo não se confunde com a norma jurí-
dica, porque esta será resultado do processo interpretativo daquele. A
norma partirá do texto, mas não ficará restrito a ele, pois considerará
um universo maior de elementos presentes na sociedade social sobre
a qual a norma deverá incidir.
O texto da norma é o sinal linguístico, a norma é o que se revela ou
designa (CANOTILHO, 1993, p. 1.204). Essa constatação justifica a
existência de normas constitucionais sem texto que as corresponda,
bem como a pluralidade de normas emanadas de apensas um disposi-
tivo. Todavia, a despeito do verdadeiro significado que a norma venha
a possuir, é costumeiro seu uso, no mundo jurídico, como referência
a dispositivos legais.
Barroso alega que há especificidades que devem ser consideradas
quando da interpretação constitucional, pois “a Constituição é a ex-
pressão da vontade superior do povo, manifestada em um momento
cívico especial. Promulgada a Constituição, a soberania popular se
converte em supremacia constitucional” (BARROSO, 2017, p. 309).
Tais peculiaridades são:
60 | Lilian Balmant Emerique • Margarida Lacombe Camargo
de que o teste não poderia ser remarcado por nenhum motivo estava
expressa no edital do concurso para a PM-PR e os candidatos deveriam
ter se organizado para o certame, por isso não se pode infligir ao estado
a acusação de discriminatório.
O ministro destacou que, ao contrário das doenças graves que im-
pedem um candidato de participar das etapas do concurso, a gravidez,
na maioria das vezes, é um projeto da família, não sendo compatível
com a inscrição em concurso para policial militar.
O ministro citou precedente (RE 630733) no qual o STF entendeu
não ser possível admitir a remarcação de prova de aptidão física para
data diversa da estabelecida em edital de concurso público em razão
de circunstâncias pessoais de candidato, ainda que de caráter fisioló-
gico, como doença temporária devidamente comprovada por atestado
médico, salvo se essa possibilidade estiver prevista pelo próprio edital
do certame (BRASIL. Recurso Extraordinário nº 1058333).
Em que pese a divergência, prevaleceu, por ora, a tese de que é pos-
sível a remarcação de teste físico em razão de gravidez, mesmo sem
previsão no edital do concurso. Tal decisão, bastante recente, conforme
exposto pelo Ministro Marco Aurélio, vai ao sentido contrário do que
vinha decidindo o próprio STF e os demais tribunais, razão pela qual
não se sabe se será mantida. O que se percebe é que o Supremo, mais
uma vez, se colocou em uma situação-limite, numa espécie de zona
cinzenta entre o que seria a afirmação dos valores democráticos (defesa
dos direitos fundamentais) e a afronta aos mesmos.
Dessa forma, vale mencionar as palavras do Ministro Barroso, para
quem “o Judiciário não pode se tornar mais um canal da política ma-
joritária, subserviente à opinião pública ou pautado pela mídia. Muitas
vezes, a solução justa não é a mais popular. E o populismo judicial é tão
ruim quanto qualquer outro” (BARROSO, 2018, p. 64.).
Assim, percebe-se um distanciamento na atuação do STF, em certos
momentos, de decisões em que as regras do jogo democrático e valores
essenciais da proteção dos direitos fundamentais são considerados me-
recedores da devida afirmação. Neste sentido, tem atuado, em algumas
situações, como verdadeira arena de deliberação.
DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA E DESENHOS INSTITUCIONAIS EM TEMPOS DE CRISE | 67
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Até o momento constatou-se que não há, necessariamente, uma con-
tradição entre os conceitos de democracia e jurisdição constitucional,
mas sim complementaridade, muito embora, em algumas situações, os
Tribunais, a exemplo do STF, no caso comentado, estejam se colocando
em posições de linha tênue entre a proteção dos direitos fundamentais
e a defesa dos valores democráticos.
A jurisdição constitucional deve proteger as regras do jogo e asse-
gurar que as promessas feitas pelo Constituinte sejam cumpridas e está
intimamente ligada com o poder do indivíduo em influir no processo
decisório e consequentemente transformar a sua realidade por meio do
Direito, mas deve sopesar até que ponto o uso imoderado poderá acabar
por desnaturalizar sua função e funcionar como verdadeira arena de
deliberação em detrimento das opções representativas.
A concretização da Constituição é alcançada por meio de sua ade-
quada interpretação. Todavia, aceitar que se use deste instrumento
como forma de legitimar um ativismo disfarçado seria uma afronta aos
princípios democráticos, de forma que é necessário que esse processo
de adequação seja feito na medida do possível, onde a Constituição
proporciona alguma margem de manobra.
A questão dos limites da interpretação imiscui-se com a possibilidade
de ocorrência de decisionismos, o que exigirá por parte dos julgadores
a devida racionalidade na verificação da ocorrência da necessidade ou
não de sua intervenção. Nesse sentido, o caso estudado é demonstrativo
dessa questão.
Isso porque decisões importantes acabam sendo tomadas fora do
campo natural de sua deliberação que é por meio da representação
popular. As instituições de justiça não podem se esquecer dos condi-
cionamentos que a representação popular oferece e que devem ser ob-
servados e respeitados por seus operadores, sob pena de desconfigurar
institutos importantes na sobrevivência do texto constitucional e sua
convivência harmoniosa com a democracia.
68 | Lilian Balmant Emerique • Margarida Lacombe Camargo
REFERÊNCIAS
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ESTRUTURA E CARACTERÍSTICAS DA NOR-
MA DE VEDAÇÃO À CENSURA PREVISTA NA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
INTRODUÇÃO
A previsão da vedação à censura consiste, inegavelmente, em uma
das mais caras garantias previstas na Constituição Brasileira de 1988,
e não sem razão, tendo em vista o regime de exceção que perdurou na
nação brasileira entre abril de 1964 e março de 1985, período esse no
qual a censura se mostrou uma das mais úteis ferramentas de controle
da liberdade de expressão.
Nota-se, todavia, que a despeito de sua importância imensurável,
poucos são os trabalhos realizados no meio acadêmico com o fim de
esclarecer exatamente o que a Constituição Federal prescreve ao proibir
a censura, como se a previsão constitucional fosse tão clara que não
necessitasse de maiores aprofundamentos.
Não raro acontece de a interpretação mais restrita do texto cons-
titucional se mostrar como a mais acertada, até mesmo por ser a que
1. Considerações Iniciais
Se estamos a tratar de censura, não poderíamos iniciar o presente
trabalho sem nos debruçarmos, ainda que brevemente, sobre o conceito
de censura, palavra essa definida pelo dicionário Aurélio de Língua
Portuguesa nos seguintes termos:
20 Muitas das matérias jornalísticas que eram censuradas pelos órgãos estatais eram
substituídas por receitas culinárias ou poesias. Muitos jornais, todavia, optavam
por manter a página em branco como um sinal de protesto. (BARROSO, 2006, p.
345).
21 Caso bastante interessante ocorreu durante a ditadura Vargas, que censurou o
livro infantil “Peter Pan: a história do menino que não queria crescer, contada por
Dona Benta”, escrito por Monteiro Lobato. Segundo os censores da época o livro
era considerado uma ameaça à segurança nacional por conter mensagens aptas a
desvirtuar a juventude brasileira (PRATES, 2015. p. 69).
DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA E DESENHOS INSTITUCIONAIS EM TEMPOS DE CRISE | 73
22 Art. 139. Na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no art. 137,
I, só poderão ser tomadas contra as pessoas as seguintes medidas: (...) III – restri-
ções relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações,
à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiofusão e televisão, na
forma da lei (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil).
76 | Lilian Balmant Emerique • Margarida Lacombe Camargo
24 Interessante notar que nem todos os autores concordam com o sistema de classi-
ficação indicativa. Para Bernardo Estellita Lins, por exemplo, tais mecanismos são
apenas meios de censura disfarçados: “a censura volta sob disfarces, dos quais a
classificação indicativa é o mais evidente. São disposições que, com o tempo, vão
sendo associadas a um rol de imposições burocráticas que cerceiam a circulação
de programas e das obras culturais. Em vez de, por exemplo, apenas informar a
idade a que um filme se destina, a classificação ficará associada a restrições de
acesso ao espetáculo, ao horário de veiculação, à determinação das mídias que
poderão exibir a obra, e por aí vai. A cada nova lei, a cada nova portaria ministerial,
a cada decisão judicial, aperta-se o torniquete” (2008, p. 156).
78 | Lilian Balmant Emerique • Margarida Lacombe Camargo
CONCLUSÕES
Ante todo o exposto, se mostra possível traçar as seguintes conclusões
acerca da estrutura e características da norma de vedação à censura:
i) A norma de vedação à censura, partindo da teoria dos direitos
fundamentais de Robert Alexy, possui a natureza de uma regra, se es-
truturando, consequentemente, como um mandamento definitivo;
ii) Segundo a melhor doutrina, o principal destinatário da norma
de vedação à censura é o Poder Executivo, ficando os poderes legislativo
e judiciário fora da hipótese de incidência dessa regra;
iii) Como consequência, podem o legislativo, através da lei, ou o
judiciário, através de decisões judiciais, estabelecerem restrições prévias
ao direito fundamental de manifestação do pensamento;
iv) A despeito de estarem fora da hipótese de incidência da regra
de vedação à censura, o legislativo e judiciário ainda se encontram
limitados pelo princípio da liberdade de expressão;
v) Como consequência, o legislativo e o judiciário só estão au-
torizados a restringir previamente a liberdade de expressão após um
rigoroso exame de proporcionalidade e em busca da realização de outros
direitos fundamentais.
REFERÊNCIAS
ACQUAVIVA, Marcos Cláudio (org.). Dicionário jurídico Acquaviva. São Paulo:
Rideel.
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2015.
BARROSO, Luís Roberto. Temas de Direito Constitucional. Tomo I. Rio de Janeiro:
Renovar, 2006.
82 | Lilian Balmant Emerique • Margarida Lacombe Camargo
INTRODUÇÃO
O presente trabalho se presta a analisar a violação dos direitos so-
ciais fundamentais pelo Estado brasileiro a partir da promulgação da
emenda constitucional 95, de 15 de dezembro de 2016 (EC 95/2016).
Assumindo governo provisório após a excisão da então Presidente eleita
Dilma Roussef, Michel Temer não se obrigou a cumprir as pautas que
o levaram, junto com a Presidente que sofrera impeachment, a ganhar
as eleições presidenciais em 2014.
No seu governo provisório, Michel Temer abraçou uma política neo-
liberal que, priorizando o mercado financeiro internacional e parte do
extrato empresarial local, avançou sobre direitos sociais historicamente
conquistados e enfim consolidados no arcabouço normativo nacional,
principalmente através da Constituição Federal de 1988. Muitos foram
26 * Doutora em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Juíza de Direi-
to aposentada pelo Tribunal de Justiça de Alagoas. Professora do Mestrado da
Universidade Federal de Alagoas. Coordenadora do grupo de pesquisa TECAL.
E-mail gracagurgel@uol.com.br
27 ** Doutorando pela Faculdade Nacional de Direito (FND). Mestre em Direito pela
Universidade Federal de Alagoas. Professor universitário. Procurador do Município
de Maceió/AL. Pesquisador junto ao TECAL. E-mail pliniobaima@gmail.com.
28 *** Mestra em Direito pela Universidade Federal de Alagoas. Professora univer-
sitária. Advogada. Pesquisadora junto ao TECAL. E-mail janaina.helena@gmail.
com.
83
84 | Lilian Balmant Emerique • Margarida Lacombe Camargo
ponto de não sobrar coisa alguma que lhe confira substância: também
a ponderação tem limites.
Krell (2002, p. 61) entende que a construção feita pela Corte Cons-
titucional Alemã extraiu do princípio da dignidade da pessoa humana
(art. 1, I, da Lei Fundamental) e do direito à vida e à integridade física,
o direito a um “mínimo de existência”. Este chamado “mínimo de exis-
tência” ou “mínimo existencial” pode ser conceituado como o núcleo
intangível da dignidade da pessoa humana, formado por condições
materiais básicas necessárias a uma existência digna. Ao se ultrapassar
esse núcleo essencial, ingressa-se em um plano não mais eminentemente
jurídico, e sim predominantemente político. Nesta seara, as decisões
políticas e deliberativas ganham espaço e os Poderes Executivos e Le-
gislativos fazem opções acerca de quais direitos serão prioritariamente
efetivados (BARCELLOS, 2002, p. 292).
Krell, ao tratar sobre o Brasil, lembra que a Constituição de 1988
possui vários dispositivos indicando a necessidade do desenvolvimento
de políticas públicas em diferentes áreas sociais, bem como a existência
de alguns parâmetros para isso. Também aponta o autor que direitos
como saúde e educação, por exemplo, possuiriam um grau de eficácia
jurídica maior que outros e neste aspecto, o conceito do mínimo exis-
tencial contribui para transformar parte de direitos fundamentais em
direitos plenamente tuteláveis (2012, p. 139).
Lobo Torres diferenciou, por sua vez, os efeitos advindos do mínimo
existencial e dos direitos econômicos sociais. Segundo ele, enquanto o
primeiro não necessita de uma lei ordinária, o segundo depende inte-
gralmente da concessão do legislador. Entende, ainda, que as normas
constitucionais sobre direitos econômicos e sociais seriam meramente
programáticas, restringindo-se a fornecer uma diretiva para o legislador,
porém sem eficácia vinculante (2008, p. 80).
A doutrina de Sarlet e Figueiredo (2008, p. 17-18) direcionou-se em
sentido contrário, entendendo que:
DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA E DESENHOS INSTITUCIONAIS EM TEMPOS DE CRISE | 91
CONCLUSÃO
O presente trabalho se propôs a realizar uma breve análise da atuação
do Estado brasileiro como agente violador dos direitos fundamentais e o
possível retrocesso social promovido a partir da EC 95/2016. Utilizou-se,
para tanto, da teoria dos direitos fundamentais enquanto orientadora
à atuação tanto do magistrado quanto do legislador em sua atividade
legiferante. Após, trouxemos a lume pesquisa realizada pelo INESC,
OXFAM BRASIL e CERSR com vistas a demonstrar eventual retrocesso
social com a mudança constitucional em apreço.
A despeito da Constituição 1988 ter trazido ampla previsão de direitos
fundamentais, verifica-se a deficiência em sua efetivação. Tal questão,
apesar de possuir forte impacto na sociedade, vem atingindo com maior
gravidade os indivíduos que vivem em vulnerabilidade social. Os mo-
tivos para esta deficiência variam: previsão orçamentária insuficiente,
94 | Lilian Balmant Emerique • Margarida Lacombe Camargo
REFERÊNCIAS
BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o
princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2011.
________. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da digni-
dade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA E DESENHOS INSTITUCIONAIS EM TEMPOS DE CRISE | 95
INTRODUÇÃO
O Programa de Aquisição de Alimentos remonta a um importante
marco na luta pela conquista da soberania e segurança alimentar e nu-
tricional no contexto brasileiro. Sua significativa importância assume
contornos visíveis devido ao fomento da produção sustentável decor-
rente do incentivo à agricultura familiar o que, de fato, contribuiu para a
saída do Brasil do mapa da fome em 2014, segundo a FAO, e a inclusão
social de diversas famílias rurais brasileiras no processo produtivo de
alimentos para a erradicação da fome e da insegurança alimentar.
Não obstante a sua estruturação e resultados eficazes no combate à
fome, após o processo de mudança política e econômica nos últimos
cinco anos, a política pública de aquisição de alimentos sofreu corte de
gastos sob o argumento da crise econômica presente no Brasil.
CONCLUSÕES
Este estudo teve como proposta realizar análise crítico-reflexiva
acerca do esvaziamento do programa de aquisição de alimentos (PAA),
tendo em vista a profusão de medidas de austeridade, nos últimos cinco
anos, que justificam o corte de gastos quanto ao programa e geram o
desmantelamento de pessoas em situação de vulnerabilidade.
DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA E DESENHOS INSTITUCIONAIS EM TEMPOS DE CRISE | 107
REFERÊNCIAS
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PIOVESAN, Flávia; CONTI, Irio Luiz. Direito humano à alimentação adequada.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
PARTE 3
DEMOCRACIA E POLÍTICA
EM TEMPOS DE CRISE
DEMOCRACIA AUTORITÁRIA:
uma análise decolonial do poder no Brasil
INTRODUÇÃO
“La historia es un profeta con la mirada vuelta hacia atrás: por lo
que fue y contra lo que fue anuncia lo que será.” Essa é uma das frases
do autor Eduardo Galeano no livro as veias abertas da América Latina
que serve para representar o presente trabalho. Aqui o objetivo é fazer
uma análise atual da democracia a partir de uma visão decolonial. E o
que significa analisar a democracia a partir de uma visão decolonial?
Significa agregar elementos importantes para um diagnóstico e talvez
até um possível prognóstico.
A nossa democracia se forja a partir de “três poderes, nenhum deles
democrático: capitalismo, colonialismo e patriarcado; servidos por
vários subpoderes, religiosos, midiáticos, geracionais, étnico-culturais,
regionais” (SANTOS, 2016, p. 210). Cada um deles tem seus próprios
desdobramentos, mas juntos foram capazes de formar um sistema
duradouro do nosso descobrimento até os dias atuais.
Essa ainda jovem democracia (30 anos de Constituição em 2018 e
mais ou menos 33 de democracia se tomamos 1985 como fim da dita-
dura militar) absorve as consequências históricas da nossa formação
como colônia, império e república, resultando em uma democracia
autoritária, imposta e pouco participativa.
Mas afinal, a quem serve a democracia? Essa é a pergunta principal
desse texto e para respondê-la precisamos percorrer algumas outras
1 *
Mestre em direito constitucional PPGDC/UFF. Mestre em ciências políticas
FLACSO sede Equador. Doutoranda PPGD/UFRJ. Docente pesquisadora UNESA/
RJ. E-mail ilanaalo@hotmail.com.
111
112 | Lilian Balmant Emerique • Margarida Lacombe Camargo
Ora, então temos aqui a nossa elite brasileira (os nossos donos do
poder): pautada em um ideal de superioridade racial a partir de um
fenótipo europeu. Quem eram os cidadãos brasileiros que construiriam
então a história do país a partir daí? Tendemos a entender que não se-
riam os negros alforriados e sim essa mesma elite branca que perpetua
ideais de dominação apesar de governar uma sociedade a princípio igual,
pelo menos em relação à liberdade, o que reforça o entendimento que
pós-lei Áurea todos eram livres, mas nem todos eram iguais.
REFERÊNCIAS
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A SOLUÇÃO SIMPLES (?)
E ANTIDEMOCRÁTICA:
uma análise do ensino jurídico da
intervenção federal num dos principais manuais
de direito constitucional no Brasil
INTRODUÇÃO
A luta de classes é, em alguma medida, responsável pela questão da
insegurança pública, bem como por distorções e distanciamentos no
que se espera da qualidade da democracia. Em outras palavras, a cri-
minalidade mantém relação com a distribuição de renda e é explicável
pelas assimetrias produzidas pelo capitalismo. Além disso, os processos
de tomada de decisão são afetados neste sistema em que o poder eco-
nômico muitas vezes se traduz em poder político. O capitalismo, com
seus vícios e contradições, é o pano de fundo sobre o qual funciona e
se desenvolve a maior parte das democracias atuais.
Este tipo de discussão, entretanto, não é comum no âmbito dos
cursos de Direito.
O Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, experimenta historicamente
problemas de violência e insegurança pública – sejam decorrentes de po-
líticas deliberadamente excludentes, como foi o processo de abolição da
escravidão no Brasil e a lei de Terras [fenômeno que modernamente Achille
Mbembe chamou de necropolítica (MBEMBE, 2016)], sejam decorrentes
da ausência de Estado e políticas públicas, bem como por incapacidade
6 *
Doutorando pelo Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (PPGD/FND/UFRJ). E-mail samir.dir.ufv@gmail.com. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2562716582962061.
129
130 | Lilian Balmant Emerique • Margarida Lacombe Camargo
1. Obstáculos à democracia
A democracia surge como uma resposta aos poderes monárquicos,
ditatoriais e totalitários. Vale dizer, a democracia não aparece como
saída para o capitalismo. Ao invés disso, a democracia enquanto sistema
político e o capitalismo enquanto sistema econômico coexistem, em que
pese toda tensão decorrente dessa relação, já que se tratam de fenômenos
distintos e em muitos aspectos antagônicos. Dessa forma, acabar com o
privilégio de reis e da aristocracia não significou a supressão completa
das regalias, mas sim na reorganização das relações de poder em que o
cetro das vantagens políticas passou para as mãos da burguesia.
É bem verdade que houve momentos em que as classes tradicional-
mente oprimidas conseguiram participar mais ativamente nas decisões
políticas e assim, se o Estado Social, na primeira metade do século XX,
foi uma tentativa de atenuar – e não acabar – com as contradições in-
trínsecas do capitalismo, o neoliberalismo foi a reação que se incumbiu
de frear e desfazer as conquistas sociais obtidas naquele período. Dessa
DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA E DESENHOS INSTITUCIONAIS EM TEMPOS DE CRISE | 133
CONCLUSÃO
Apesar da relação íntima e intensa entre direito Constitucional e o
campo de política, um dos principais manuais de direito constitucional
e dos mais difundidos no país trazem o tema da intervenção federal de
forma muito asséptica.
O fato é que não há solução simples para o problema da segurança
pública, que não pode ser pensada descolada das dimensões culturais,
educacionais, econômicas, políticas e institucionais do país, bem como
não pode ser elaborada sem considerar os limites do Estado e do pró-
prio Direito. Entretanto, uma postura dogmática de ensino jurídico,
que sobrevaloriza a capacidade do direito, reproduz a ilusão de que a
sociedade pode ser plenamente controlada e organizada puramente
a partir dos desígnios jurídicos. Aliás, esta mentalidade que acredita
na onipotência do direito para dar solução aos problemas sociais, não
raras vezes é ideologicamente utilizada para justificar os ataques à de-
mocracia. Assim, o direito pode ser apontado como a solução fácil para
uma questão social tão sensível como a segurança pública. Em outras
palavras, apresenta-se a intervenção federal como o mecanismo jurídico
que traz a melhor saída para a restauração da ordem, ocultando-se,
assim, alternativas mais promissoras e até mais democráticas.
REFERÊNCIAS
AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. São Paulo: Boitempo, 2004.
BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
138 | Lilian Balmant Emerique • Margarida Lacombe Camargo
INTRODUÇÃO
Entre fevereiro e dezembro de 2018, o Estado do Rio de Janeiro vive
uma situação extremamente excepcional. Sob o sistema carcerário, incide
a vigência do estado de coisas inconstitucional declarado na ADPF 347/
DF e a intervenção federal parcial reconhecida no decreto nº 9.288/18.
Ambos buscam assegurar a cláusula pétrea de respeito aos direitos da
pessoa humana da CRFB/88, art. 34, VII, b.
Dessa maneira, é patente a crise do modelo federativo brasileiro que
demanda a aplicação desses dois mecanismos de reequilíbrio federativo
para a superação da falha estrutural na democracia participativa. Nesse
sentido, a presente pesquisa busca explicar e delimitar as semelhanças
e diferenças entre o estado de coisas inconstitucional e a intervenção
federal ao efetivar os diretos de cidadania.
A metodologia utilizada para o trabalho foi a dedutiva, uma vez que
o estudo foi constituído de análises de premissas gerais para adoção de
9 *
Advogada. Autora do livro “Estado de Coisas Inconstitucional: sob a perspectiva
da saúde pública e da metáfora da árvore”, publicado pela Editora Lumen Juris.
Mestranda em Direito Constitucional na Universidade Federal Fluminense – UFF.
Pós-graduada em Direito pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro
(Emerj). Pós-graduada em Gestão Urbana e Saúde pela Fundação Oswaldo Cruz
(Fiocruz). Grupo de pesquisa sobre Estado de Coisas Inconstitucional no PPGDC/
UFF, sob a coordenação do Guilherme Peña de Moraes.
10 ** Doutoranda e mestre em direito de empresa e atividades econômicas pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professora Substituta Assistente da
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Advogada.
139
140 | Lilian Balmant Emerique • Margarida Lacombe Camargo
de ações e omissões notórias que fazem com que se tenha esse estado de
generalizada inconstitucionalidade por falha estrutural do sistema”18.
2. Intervenção Federal
Segundo Guilherme Peña de Moraes, a intervenção federal é o
procedimento politico-administrativo de afastamento temporário19
e excepcional20 da autonomia política21 da entidade federativa com
fundamento em hipóteses de cabimento enumeradas taxativamente
na Constituição da República (MORAES, 2016, pp, 370-371). É funda-
mental técnica constitucional de mecanismo de estabilização de crise
federativa, impregnada de múltiplas funções de ordem político-jurídica,
destinada a tornar efetiva a intangibilidade do vínculo da federação,
respeitar a integridade territorial das unidades federadas, promover a
unidade do Estado Federal e preservar a incolumidade dos princípios
fundamentais proclamados pela Lei Fundamental.
Segundo José Afonso da Silva, os pressupostos materiais ou de fundo
da intervenção federal “constituem situações críticas que põem em risco
a segurança do Estado, o equilíbrio federativo, as finanças estaduais e
a estabilidade de ordem constitucional” (2009, p. 485).
Dessa maneira, segundo Humberto Peña de Moraes, é “um instituto
típico da estrutura do Estado Federal, repousa a intervenção federal no
afastamento temporário da atuação autônoma da entidade federativa
sobre a qual a mesma se projeta” (2005). Michel Temer afirma que a
18 Trecho do voto do ministro Luís Roberto Barroso na ADPF 347 MC/DF (BRASIL,
2018, online).
19 A ideia de temporariedade significa que não é vitalício nem perpétuo. Logo,
fixa-se um prazo determinado ou quando cessarem as causas.
20 Além da temporariedade, há a característica da intervenção federal a excepcio-
nalidade. “O caráter excepcional denota que a intervenção federal é subordinada
a pressupostos materiais e requisitos formais esboçados no texto constitucional,
eis que o procedimento argumentativo corresponde à exceção ao princípio da não
intervenção de uma unidade da federação em outra.” (MORAES, 2016, p. 372).
21 Autonomia política é a capacidade de se autodeterminar conforma a sua vonta-
de, notadamente autogoverno, auto-organização e autoadministração. Segundo
José Afonso da Silva, “a intervenção é o ato político que consiste na incursão da
entidade interventora nos negócios da entidade que a suporta” (SILVA, 2009, p.
484).
DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA E DESENHOS INSTITUCIONAIS EM TEMPOS DE CRISE | 145
CONCLUSÕES
O Estado de Coisas Inconstitucional e a intervenção federal se apro-
ximam ao buscar o respeito aos direitos da pessoa humana na CRFB/88,
art. 34, VII, b, como mecanismo de estabilização para a crise federativa.
Ambos dotados de temporariedade e excepcionalidade. O estado de coi-
sas inconstitucional é temporário, pois perdura até a superação da falha
DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA E DESENHOS INSTITUCIONAIS EM TEMPOS DE CRISE | 147
REFERÊNCIAS
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPF) nº 397 MC/DF. Rel Min Marco Aurélio. Data de publicação no
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FERREIRA, Gustavo Sampaio Telles. Federalismo constitucional e reforma federativa:
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GARAVITO, César Rodríguez; FRANCO, Diana Rodríguez. Cortes y cambio social:
cómo la Corte Constitucional transformo el desplazamiento forzado en Colombia.
DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA E DESENHOS INSTITUCIONAIS EM TEMPOS DE CRISE | 149
DESENHOS INSTITUCIONAIS E
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:
ANÁLISE DE CASOS E DESAFIOS DA
JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL
PERSPECTIVA DAS
COMPETÊNCIAS CONSTITUCIONAIS
SOB A ÓTICA DO
TRANSCONSTITUCIONALISMO
INTRODUÇÃO
Nos Estados Unidos, muitos analistas afirmam que a natureza belige-
rante que cerca a discussão acerca do aborto, encontra-se principalmente
no modo como se criou o direito sobre tal temática¹, uma vez que em
outros países, tal legislação teve sua formação a partir de uma série de
acordos políticos e legislativos.
153
154 | Lilian Balmant Emerique • Margarida Lacombe Camargo
14 O Comitê das Nações Unidas para os Direitos Humanos, no caso Amanda Mellet
v. Ireland, entendeu que a existência de legislação nacional criminalizando a prá-
tica do aborto, constitui violação dos direitos humanos da mulher assegurados na
International Covenant on Civil and Political Rights (ICCPR). Segundo o Comitê
das Nações Unidas para os Direitos Humanos “The balance that the State party
has chosen to strike between protection of the fetus and the rights of the woman in
the present case cannot be justified. (...) The Committee notes that the author’s mu-
ch-wanted pregnancy was not viable, that the options open to her were inevitably a
source of intense suffering and that her travel abroad to terminate her pregnancy had
significant negative consequences for her, as described above, that could have been
avoided if she had been allowed to terminate her pregnancy in Ireland, resulting in
harm contrary to article 7. On that basis, the Committee considers that the inter-
ference in the author’s decision as to how best cope with her non-viable pregnancy
was unreasonable and arbitrary in violation of article 17 of the Covenant. (...) The
State party is also under an obligation to take steps to prevent similar violations
in the future”. Caso Amanda Mellet v. Ireland. Disponível em <http://tbinternet.
ohchr.org/_layouts/treatybodyexternal/Download.aspx?symbolno=CCPR/C/116/
D/2324/2013&Lang=en>. Acesso em 6 mai. 2018.
15 Open Door and Dublin Well Woman v. Ireland, envolvia o direito de transmitir
informações à população sobre a estrutura de clínicas abortivas no exterior, em
face das proibições trazidas pelo Censorship of Publications Act de 1929, e pelo
Health (Family Planning) Act de 1979, que vedam a divulgação dos métodos abor-
tivos. A Corte Europeia de Direitos Humanos entendeu que as punições trazidas
pelo Censorship of Publications Act de 1929, e pelo Health (Family Planning) Act
de 1979, eram excessivas e que o Estado irlandês falhou na aplicação do teste de
proporcionalidade, especialmente por não levar em consideração a idade das
receptoras dessa mensagem. Caso Open Door and Dublin Well Woman v. Ireland.
Disponível em <http://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-57789>. Acesso em 13 mai.
2018.
DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA E DESENHOS INSTITUCIONAIS EM TEMPOS DE CRISE | 159
23 Recentemente o PSOL ingressou com a ADPF 442, que tem como discussão o tema
do aborto em sua totalidade. Disponível em <http://portal.stf.jus.br/processos/
detalhe.asp?incidente=5144865>. Acesso em 6 jun. 2018.
DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA E DESENHOS INSTITUCIONAIS EM TEMPOS DE CRISE | 163
Mas será que já então não está claro que quando o STF, em diversos
casos, principalmente no caso em tela decidiu deliberadamente, este
estava agindo de forma ilegal, e indo além, de forma inconstitucional
e antidemocrática, já que não compete a este constitucionalmente tal
função e os juízes além de não serem eleitos, agem contra majoritaria-
mente em detrimento daquilo que acreditam ser moralmente correto e
compõe um órgão simplesmente político, que tem como função prima
facie a proteção da Constituição?
A resposta é sim. Somente tais provas comprovam a não legalidade
de tal Poder em face destas demandas, mas não o que rodeia a legiti-
midade. Nesse caso, é necessário ir muito mais longe, e analisar em um
primeiro momento a quem compete então igual exigência.
Primeiramente, deve-se traçar uma linha tênue entre os termos
legitimidade e legalidade. Acerca disso, WOLKMER assinala que “a
legalidade reflete fundamentalmente o acatamento a uma estrutura nor-
mativa posta, vigente e positiva”, e que a legitimidade “incide na esfera
da consensualidade dos ideais, dos fundamentos, das crenças, dos valores
e dos princípios ideológicos”, sua aplicação envolve, como concepção do
direito, “a transposição da simples detenção do poder e a conformidade
do justo advogados pela coletividade” (WOLKMER, 1994).
Em linhas gerais, a legalidade está intrinsecamente ligada ao cumpri-
mento exclusivo da lei, por sua vez, a legitimidade, tem suas raízes na
aceitação popular seja de um governo, de uma decisão, ou até mesmo,
como vemos em epígrafe da atuação de um órgão.
Como já foi detalhadamente demonstrado, no que concerne à legali-
dade, a discussão é totalmente infundada e desnecessária, diferentemente
do que se segue na legitimidade, pois se até hoje tal tribunal superior
profere tais decisões é porque tem ao menos o apoio popular.
Em um segundo momento, deve-se desvendar a quem compete a
função discutida em tela, ou seja, de criador de um direito, para então
entender-se de que maneira tal poder tem permitido a perda da sua
legitimidade.
164 | Lilian Balmant Emerique • Margarida Lacombe Camargo
Logo, não nos parece ser o mais adequado aferir que o Poder Judiciário
tenha a atribuição de se manifestar sob temas complexos, se imiscuindo
na função que não são propriamente desta instituição.
Mediante isso, a única grande questão é demonstrar que é do Poder
Legislativo tal aptidão, que tem seu ponto de partida na própria dispo-
sição legal da Constituição Federal de 1988:
CONCLUSÃO
Em meio ao cenário jurídico brasileiro exposto ao longo de todo o
artigo, a transferência do Poder Legislativo Federal para o Poder Legis-
lativo Estadual, seja a grande solução ao proferir decisões complexas de
importância social, como aborto, bem como ter uma maior distribuição
de competências no sistema federativo brasileiro.
No entanto, com tal transferência legal e legítima para o Estado, é
de grande probabilidade que se observe uma discrepância de decisões,
principalmente se vindas por meio de plebiscito.
Trazendo como exemplo o caso do aborto, já tratado no texto em
epígrafe diversas vezes, deve-se fazer uma simples análise. Em estados,
como Rio de Janeiro e São Paulo, cuja conjuntura social, política e
econômica é de certa forma mais liberal, a decisão pró-aborto é bem
clara. No entanto, em estados principalmente do nordeste brasileiro,
que ao contrário possuem conjuntura mais conservadora, tal certeza
de decisão pró-aborto é demasiada duvidosa.
DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA E DESENHOS INSTITUCIONAIS EM TEMPOS DE CRISE | 167
REFERÊNCIAS
BARROSO, Luís Roberto; OSORIO, Aline. O Supremo Tribunal Federal em 2017:
a república que ainda não foi, 2017.
BRANDÃO, Rodrigo. Supremacia judicial versus diálogos constitucionais: a quem
cabe a última palavra sobre o sentido da Constituição? Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012.
DWORKIN, Ronald. O domínio da vida. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
_________. O direito da liberdade: a leitura moral da Constituição norte-ameri-
cana. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2006.
MARTINS DE ARAÚJO, Luis Claudio. Constitucionalismo Transfronteiriço, Direitos
Humanos e Direitos Fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017.
NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
SARMENTO, Daniel. Legalização do aborto e Constituição. In: SARMENTO, Daniel;
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sob a perspectiva dos direitos humanos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 3-51.
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WOLKMER, Antônio Carlos. Legitimidade e legalidade: uma distinção necessária.
In: Revista de Informação Legislativa, nº 124. Brasília, 1994.
POSSÍVEIS CONTRIBUIÇÕES DO SISTEMA
DIALÓGICO NEOZELANDÊS PARA
O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
NO BRASIL
INTRODUÇÃO
Os tribunais constitucionais têm sido elogiados como os únicos
foros deliberativos, supondo-se que, graças à expectativa de que as
decisões judiciais estejam baseadas em razões públicas (uma demanda
supostamente menos rígida nos parlamentos), o tribunal teria melhores
condições para proteger os direitos e para fazer cumprir a constituição27.
Um tribunal constitucional, nessa ótica, converte-se a um candidato
primordial para a “instituição deliberativa exemplar”. No Brasil, in-
clusive, verifica-se que o processo de interpretação da Constituição,
comumente, é atribuído ao Supremo Tribunal Federal com prioridade,
realizando-se um forte controle de constitucionalidade.
Contudo, no tocante à tomada de decisão do Judiciário e ao controle
de constitucionalidade, ressalta-se que existem duas espécies de deli-
beração que devem ser consideradas: a interna e a externa. A primeira
envolve a troca de razões e argumentos dentro de um grupo para que ele
chegue a uma decisão (entre os juízes), já a segunda envolve o esforço
25 * Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universi-
dade Católica do Paraná; camila_purificacao@yahoo.com.br. Grupo de Pesquisa:
Justiça, Democracia e Direitos Humanos da Pontifícia Universidade Católica do
Paraná, coordenado pelas professoras Claudia Maria Barbosa e Katya Kozicki.
26 ** Professora nos Cursos de Mestrado e Doutorado em Direito da Pontifícia Uni-
versidade Católica do Paraná; claudia.mr.barbosa@gmail.com. Grupo de Pesquisa:
Justiça, Democracia e Direitos Humanos da Pontifícia Universidade Católica do
Paraná, coordenado pelas professoras Claudia Maria Barbosa e Katya Kozicki.
27 Nesse sentido, verificar as proposições de MENDES (2013, p. 101-103).
168
DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA E DESENHOS INSTITUCIONAIS EM TEMPOS DE CRISE | 169
que tenha voz própria, que não seja a soma de 11 vozes dissociadas”,
isso porque a unidade institucional é essencial para o diálogo entre
instituições e porque a vinculação de suas decisões depende, em certa
medida, da aludida unidade.29 Para fomentar essa mudança no âmbito
da deliberação, segundo o autor, bastariam mudanças no regimento
interno do tribunal, não sendo necessárias reformas constitucionais
(SILVA, 2017, p. 218-220).
Sua segunda ideia diz respeito à conciliação de proposições extremas,
como as de Dworkin e Waldron, para superar as ideias de todo o poder
nas mãos dos juízes ou dos legisladores, o que implica na construção de
diálogos entre poderes, factível e necessária, especialmente no controle
por omissão no que diz respeito a direitos sociais e políticas públicas
(SILVA, 2017, p. 219-220). E como bem destaca Vanice Valle (2013), a
consolidação do Estado Democrático de Direito “envolve o investimento
na faceta participativa das escolhas públicas”. Para além do amicus curiae
e das audiências públicas, nessa seara, se mostra importante o diálogo
institucional, tangenciado pelo STF em algumas ocasiões, como, por
exemplo, pelo Ministro Gilmar Mendes na audiência pública da saúde
e no Mandado de Segurança 24.781, acerca do direito ao contraditório
na análise de aposentadorias pelo TCU. Não obstante, nestes casos, o
próprio STF foi quem convidou certos atores para o diálogo, ou seja, a
reação – social ou institucional – sempre foi incorporada ao processo
decisório nos termos da Corte e não dos atores.
29 No mesmo sentido, Conrado Hubner Mendes (2016): “As “onze ilhas” do STF
continuam fortes como nunca. As decisões do Plenário, cada vez mais fragmen-
tadas, parecem uma colcha de retalhos. E, na maior parte do tempo, o Supremo
Tribunal Federal é um tribunal monocrático. Para mudar essa realidade, é preciso
um choque de colegialidade”. E, ainda: “Para Conrado Hübner Mendes, se a Corte
deseja contribuir para a democracia, o STF deve levar a sério dois problemas. Deve
definir critérios mais transparentes, racionais e menos arbitrários para a definição
da pauta do Tribunal. E precisa disciplinar o poder de obstrução dos ministros,
que individualmente podem sequestrar o Plenário por meio de pedidos de vista e
de decisões liminares. Segundo o entrevistado, não compete ao STF ser vanguarda
iluminista. O Tribunal, como Corte Constitucional, deve enfrentar sensos comuns
superficiais, lutar por preservar uma ambiciosa linguagem de direitos e desafiar os
poderes eleitos a não subestimar os valores civilizatórios da Constituição”. Consultar
em (MENDES, 2008, Tese).
178 | Lilian Balmant Emerique • Margarida Lacombe Camargo
CONCLUSÃO
Na Nova Zelândia não existe Constituição escrita, mas foi necessária
a criação do New Zealand Bill of Rights Act – NZBORA, com a garantia
de alguns dos direitos básicos. Esta Carta se robusteceu com a criação,
em 2001, de um Tribunal de direitos humanos. O que aproximou o
país de um controle de constitucionalidade das leis em relação à Carta.
Contudo, a cultura jurídica neozelandesa prima pelo princípio da
supremacia do Parlamento, como se vislumbrou no caso “Quilter”.
Neste, embora a Corte tenha se negado a reconhecer o casamento entre
180 | Lilian Balmant Emerique • Margarida Lacombe Camargo
REFERÊNCIAS
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Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>.
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________. Lei 9.882, de 3 de dezembro de 1999. Disponível em <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9882.htm>. Acesso em 18 jul. 2017.
________. Lei 13.063, de 27 de outubro de 2009. Disponível em <http://www.pla-
nalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12063.htm>. Acesso em 18 jul. 2017.
________. Lei 13.300, de 23 de junho de 2016. Disponível em <http://www.pla-
nalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13300.htm>. Acesso em 17 jul. 2017.
BARBOSA, Claudia Maria. A legitimidade do exercício da jurisdição constitu-
cional no contexto da judicialização da política. In: BARRETO, Vicente de Paulo,
SCHWARTZ, Germano; DUARTE, Francisco Carlos. Direito da sociedade policon-
textural. Curitiba, Appris, 2013, p. 171-194.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005.
BUTLER, Petra. 15 years of the NZ Bill of Rights: time to celebrate, time to reflect,
time to work harder? Human Rights Research HRR1, Nova Zelândia, 2006.
CANAVEZ JÚNIOR, Jorge Baptista. STF e o direito fundamental à saúde: judicia-
lização, ativismo e bricolagem. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: Universidade
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GARDBAUM, Stephen. O novo modelo de constitucionalismo da comunidade
britânica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
________. The New Commonwealth Model of 55 Constitutionalism: Theory and
Practice. Journal of Scholarly Perspectives, vol. 9, p. 52-63, 2013.
182 | Lilian Balmant Emerique • Margarida Lacombe Camargo
INTRODUÇÃO
O fortalecimento das Constituições contemporâneas e, consequen-
temente, da jurisdição constitucional, traz problemas que a Teoria do
Direito e a Teoria Constitucional devem resolver. Um dos principais é a
força criativa dos tribunais constitucionais em matéria de lei. A provo-
cação dos tribunais superiores, para fazerem valer a Constituição, pode
ocupar o espaço reservado ao legislador ordinário, quando aparece o
problema do ativismo. Mas, ao avaliar a constitucionalidade da lei e
decidir sobre o caso concreto, pode criar uma tese, ou precedente, a
ser seguido pelos demais tribunais. Nesse passo, cabe verificar como é
estabelecida a concordância da hipótese fática prevista na Constituição
com a hipótese fática da lei examinada. Qual parcela da realidade está
sendo regulamentada. Para isso, é preciso conhecer a realidade.
Kenneth Culp Davis, nos idos de 1940, cunha uma distinção entre
fatos adjudicativos e fatos legislativos. Os primeiros voltam-se para o
passado, no sentido de verificar quem fez o que, quando, como e por
que; e os segundos se voltam para a realidade atual e para os efeitos
futuros, numa visão tipicamente legislativa.
Os fatos legislativos ganham, assim, proeminência no âmbito da
jurisdição constitucional. O Judicial Review, de acordo com a doutrina
norte-americana, corresponde ao poder do ramo judicial do governo de
30 * Mestrando em Direito (UFRJ). E-mail: lucasrkrause@gmail.com.
31 ** Professora Associada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Coor-
dena juntamente com Prof. José Ribas Vieira o Laboratório OJB (Observatório da
Justiça Brasileira). E-mail: margaridalacombe@gmail.com.
183
184 | Lilian Balmant Emerique • Margarida Lacombe Camargo
35 Art. 9º, §1º e art. 20, §1º da Lei 9.882/99: Em caso de necessidade de esclarecimento
de matéria ou circunstância de fato ou de notória insuficiência das informações
existentes nos autos, poderá o relator requisitar informações adicionais, designar
perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão, ou fixar
data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência
e autoridade na matéria.
36 O Regimento Interno, na reforma 29 de 2009, alarga o alcance das audiências
também para os Recursos Extraordinários.
37 A primeira audiência pública realizada pelo STF foi convocada pelo Min. Ayres
Britto, Relator da ADI 3510, no dia 20 de abril de 2007.
DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA E DESENHOS INSTITUCIONAIS EM TEMPOS DE CRISE | 187
permearam todo este trabalho: o que são fatos legislativos? Qual a forma
de os ministros do Supremo Tribunal Federal requererem informações
de áreas do conhecimento que possuem pouca ou nenhuma expertise?
Como fundamentam suas decisões no caso de existirem duas ou mais
informações diferentes sobre um mesmo fato?
Caso hipotético: trata-se de uma Corte Constitucional composta
por três ministros que, em sede de plenário, precisam se manifestar
acerca da constitucionalidade de uma lei federal. Os julgadores, obri-
gatoriamente, precisam expor, ainda que brevemente, os motivos que
os levaram à decisão e apontar o fundamento legal. A decisão resulta
do somatório dos votos e vence a tese que alcança maioria.
CONCLUSÃO
No Brasil, os fatos legislativos, em sede da jurisdição constitucional,
chegam geralmente por meio de audiências públicas, nas ações que
ficam sujeitas ao Judicial Review pelo controle de constitucionalidade.
Este instituto pode funcionar como ferramenta de verificação da cons-
titucionalidade das leis infraconstitucionais, por meio da atuação dos
ministros do Supremo Tribunal Federal.
194 | Lilian Balmant Emerique • Margarida Lacombe Camargo
REFERÊNCIAS
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DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA E DESENHOS INSTITUCIONAIS EM TEMPOS DE CRISE | 195
Bernardo Burlamaqui40*
Margarida Maria Lacombe Camargo41**
INTRODUÇÃO
A teoria do direito estadunidense aponta, com cada vez maior fre-
quência, problemas relacionados ao diálogo entre Direito e Ciência nos
tribunais, com especial atenção aos julgamentos realizados no âmbito
da Suprema Corte. O destaque está nas provas, provenientes do campo
dos especialistas.
Um dos temas de destaque é o dos fatos e prognoses legislativas em
sede de jurisdição constitucional. Kenneth Culp Davis (Harvard Law
Review 364, 1941-1942) verificou, nos Estados Unidos, que não era
apenas nas agências reguladoras que dados e informações de natureza
empírica, típicos do pensamento científico e tecnológico, faziam parte
do processo regulatório. Também os tribunais, quando criam prece-
dentes, valem-se da ciência para estabelecerem o pressuposto fático
normativo próprio de suas decisões. David Faigman (2008) reacende
essa discussão, introduzindo problemas relativos à superveniência de
196
DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA E DESENHOS INSTITUCIONAIS EM TEMPOS DE CRISE | 197
CONCLUSÃO
As audiências públicas possuem, pelo que se percebe, uma natureza
dupla. O instituto é científico, na medida em que assim foi previsto pelo
legislador, e com essas intenções, mas também é político, na medida
em que assim tem sido utilizado pelos Ministros do Supremo Tribunal
46 A expressão é utilizada pela Ministra quando da abertura dos trabalhos em sede
de realização da audiência pública, ultrapassada a fase de convocação (BRASIL.
Supremo Tribunal Federal. Audiência pública descriminalização do aborto [1/4]).
O conceito é melhor trabalhado pelo filósofo Jürgen Habermas, que cunhou a
expressão, ao desenvolver parâmetros para a tomada da decisão em uma demo-
cracia constitucional. Para informações mais aprofundadas (HABERMAS, 2003).
206 | Lilian Balmant Emerique • Margarida Lacombe Camargo
REFERÊNCIAS
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2011, p. 197-219.
DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA E DESENHOS INSTITUCIONAIS EM TEMPOS DE CRISE | 207
Eliana Pulcinelli47*
Mavili de Cassia da Silva Moura48**
Paula do Espírito Santo de Oliveira Dias49***
INTRODUÇÃO
A questão do deslocamento do exercício da escolha administrativa
para o controle judicial de políticas públicas se mostra especialmente
relevante desde a mudança de paradigma no âmbito do Estado Admi-
nistrativo, eis que há uma tensão permanente entre a consecução das
ações do gestor público, a partir da delegação que lhe foi conferida, e a
eventual reconfiguração dessas escolhas administrativas por meio da
judicial review, seja no plano individual, seja no plano macro estratégico
da atuação administrativa.
O objeto desse trabalho é a análise da matriz de deferência judicial
para com as escolhas administrativas desenvolvida pela Suprema Corte
Americana no caso Chevron e uma eventual aproximação desse mode-
lo de controle no Supremo Tribunal Federal (STF) a partir da análise
dos votos proferidos na Arguição de Descumprimento de Preceito
209
210 | Lilian Balmant Emerique • Margarida Lacombe Camargo
nas Cortes federais, marca muito superior àquela atingida por outros
casos importantes, como Brown versus Board Education (1.829 vezes),
Roe versus Wade (1.801 vezes) e Marbury versus Madison (1.559 vezes).
Além disso, é também superior à soma dessas três decisões tomadas
em conjunto (BREYER et al., 2006, p. 247).
Não é despiciendo registrar que o desenho de critérios de aplica-
ção da deferência judicial gera efeitos para além das Cortes, que não
são captados por estudos empíricos51, o mais significativo deles é o
de dissuasão (JORDÃO, 2016, p. 580). Dessa forma, quando há uma
firme orientação deferencial, os potenciais litigantes entendem que
não devem demandar, a menos que realmente acreditem que possuem
possibilidade de êxito no referido litígio (JORDÃO, 2016, p. 581). Em
que pese o extenso e detalhado esforço de construção de parâmetros
de escrutínio jurisdicional, o exercício diuturno do controle, ainda que
resulte numa decisão deferente para com a escolha administrativa, não
traduz numa aplicação cartesiana daquela metodologia. Importante, de
toda forma, destacar que nesses casos a decisão se baseia em alguma
contribuição informativa trazida pela agência e essa categoria de casos
é denominada de deferência consultiva.
Em estudo empírico realizado por William Eskridge e Lauren Baer
(2008, p. 1085-1226, p. 1099) verifica-se que a parcela de casos envol-
vendo o critério de deferência Chevron apenas representa 8,3% dos
1.014 casos julgados pela Suprema Corte entre 1984 e 2005 que envol-
viam controle judicial de interpretação administrativa promovida por
autoridade administrativa.
54 Registre-se que, recentemente, foi introduzido o art. 20, parágrafo único, na Lei
de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, pela lei federal nº 13.655/18, que
preconiza que não se decida “com base em valores jurídicos abstratos sem que
sejam consideradas as consequências práticas da decisão”.
DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA E DESENHOS INSTITUCIONAIS EM TEMPOS DE CRISE | 221
e avaliar qualidade do ensino até que seja editada lei sobre tema com
fundamento no artigo 209 da Carta Magna de 1988.
Ocorre que, após entender como constitucional o ensino domiciliar
e reconhecer a ausência de legislação sobre o tema, o Min. Barroso pas-
sou a tecer uma regulamentação própria do caso, ao arrepio do possível
reconhecimento da capacidade institucional dos órgãos competentes
para tanto, como o CNE, vinculado ao Ministério da Educação; exter-
nando, assim, uma postura dicotômica frente aos fundamentos de seu
próprio voto quando do julgamento em plenário da ADC nº 17 e da
ADPF nº 292. Assim, estabeleceu que os pais ou responsáveis deveriam
notificar a Secretaria Municipal de Educação da opção pela educação
domiciliar de modo a manter cadastro e registros dessas famílias que
adotaram a opção. Indicou ainda que educandos domésticos, mesmo
que autorizados ao ensino em casa, devem ser submetidos às mesmas
avaliações periódicas a que se submetem os demais estudantes de es-
colas públicas ou privadas, bem como que as Secretarias Municipais
de Educação, a partir do cadastro, deveriam indicar escolas públicas
em que a criança iria realizar avaliações periódicas com preferência
em estabelecimento de ensino mais próximo ao local de residência. As
Secretarias, então, poderiam compartilhar informações do cadastro com
demais autoridades, como o Ministério Público, Conselhos Municipais
de Direitos ou Conselhos Tutelares, e, por fim, em caso de comprovada
deficiência na formação acadêmica verificada pela avaliação periódica,
caberia a órgão público competente notificar os pais e, na hipótese em
que não houvesse melhoria no desempenho do estudante, determinar
a sua matrícula na rede regular de ensino.
Para além das incongruências existentes no texto da regulamentação
proposta, é possível observar que o voto do Min. Luís Roberto Barroso
em análise deixa de considerar a competência para a regulamentação
do ensino domiciliar, inclusive no tocante a expertise para tal assunto,
se afastando, portanto, dos critérios por ele mesmo eleitos para ser de-
ferente com a escolha administrativa no caso da fixação de faixa etária
para ingresso no ensino fundamental. De toda forma, o Plenário do
Pretório Excelso, por maioria, negou provimento ao RE nº 888.815, ao
argumento de que inexistindo legislação que regulamente preceitos
DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA E DESENHOS INSTITUCIONAIS EM TEMPOS DE CRISE | 223
CONCLUSÃO
A primeira conclusão que se extrai das duas referidas decisões re-
centes do STF é a falta de sistematicidade no tratamento da deferência
no controle da revisão judicial dos atos administrativos. Dessa forma, o
controle judicial das ações administrativas sob um prisma ou metodo-
logia deferencial ainda se revela inconsistente e incipiente. Outrossim,
no voto do Min. Luís Roberto Barroso quando do julgamento conjunto
da ADC nº. 17 e ADPF nº. 292, ainda que não haja menção expressa,
sinaliza para a aplicação de critérios formais que se aproximam do
método Chevron. Então, viu-se naquele julgado, a análise pelos ma-
gistrados das razões técnicas expendidas pelos especialistas na área e
que embasaram o corte etário, todavia, não foi possível identificar uma
abordagem que guardasse similaridade com o mencionado step-one do
modelo Chevron.
Por mais que o corte etário em 31 de março possa ser questionável
para alguns, ele não impede o acesso à educação, de forma que a postura
de deferência adotada para com essa escolha, em respeito às capacida-
des institucionais, prevaleceu no julgamento conjunto da ADC nº 17 e
ADPF nº 292 em Plenário do STF. Vale ressaltar que a deferência deve
se dar não apenas pelo reconhecimento em abstrato de especial capaci-
dade institucional, mas a esse elemento deve-se somar a racionalidade
subjacente à escolha, devendo o controle ser presidido por argumentos
objetivos e conhecidos.
Quanto ao RE nº. 888.815, este se afasta do critério Chevron de de-
ferência. Isso se diz porque a lógica no precedente estadunidense tem
por premissa o exercício dos órgãos administrativos de regulamentar
determinada matéria por delegação implícita ou explícita do Poder Le-
gislativo, preenchendo uma lacuna, ou esclarecendo uma ambiguidade.
224 | Lilian Balmant Emerique • Margarida Lacombe Camargo
REFERÊNCIAS
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UM DEBATE ACERCA DO CASO NETSHOES
E A VULNERABILIDADE DOS INDIVÍDUOS
NO COMÉRCIO VIRTUAL BRASILEIRO
INTRODUÇÃO
As relações privadas foram alteradas por meio do desenvolvimento
das novas tecnologias que viabilizaram o fluxo de informação cada vez
mais rápido, em um mundo que passa por diversas transformações no
que tange às maneiras de interação entre as pessoas58, tanto em suas
relações pessoais quanto nas relações de consumo. No ambiente virtual,
questões como privacidade, segurança, proteção e direitos fundamentais
estão sendo debatidas em diversos espaços e, sob o prisma do direito,
provocando a reforma da própria dogmática para restabelecer o equi-
líbrio das novas relações jurídicas.
A transferência das relações sociais do ambiente real para o virtual,
sob o ponto de vista do Direito Privado, por exemplo, causou impactos
capazes de alterar conceitos tradicionais como a privacidade, consideradas
as esferas de proteção à intimidade, honra e imagem, que no cenário de
55 * Graduanda em Direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Grupo de
pesquisa sobre impactos das novas tecnologias nas relações sociais. Currículo
lattes: http://lattes.cnpq.br/7580524481884343.
56 ** Graduanda em Direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Grupo de
pesquisa sobre impactos das novas tecnologias nas relações sociais. Currículo
lattes: http://lattes.cnpq.br/0911804903844467.
57 *** Professor Associado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). De-
cano do Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas (CCJE/UFRJ). Coordenador
do grupo de pesquisa sobre impactos das novas tecnologias nas relações sociais.
Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/1330862317567677.
58 Zygmunt Bauman (2001) traz estudo sobre a efemeridade de tudo, da agilidade
que as coisas se constroem e desaparecem.
226
DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA E DESENHOS INSTITUCIONAIS EM TEMPOS DE CRISE | 227
63 Art. 5º Para os fins desta Lei, considera-se: I - dado pessoal: informação rela-
cionada a pessoa natural identificada ou identificável; II - dado pessoal sensível:
dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política,
filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político,
dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando
vinculado a uma pessoa natural. (BRASIL, 2018).
232 | Lilian Balmant Emerique • Margarida Lacombe Camargo
2. Legislação pertinente
A dignidade da pessoa humana é fundamento do Estado Democrá-
tico de Direito previsto no art. 1º, III, da Constituição (BRASIL, 1988)
e, portanto, norteia todo o ordenamento jurídico brasileiro. Nesse
sentido, são garantias fundamentais a liberdade de expressão (art. 5º,
IV e IX) e o direito à informação (art. 5º, XIV), bem como a proteção
da personalidade e, em especial, com o direito à privacidade (art. 5º,
X). A privacidade ainda recebe especial proteção constitucional, ao se
resguardar especificamente a interceptação de comunicações telefôni-
cas, telegráficas ou de dados (art. 5º, XII), bem como instituiu a ação
de habeas data (art. 5º, LXXII).
Por meio da ação de habeas data, o cidadão pode acessar e retificar
seus dados pessoais em bancos de dados “de entidades governamentais
ou de caráter público” (BRASIL, 1988). E, posteriormente, ampliou-se
o sentido deste “caráter público”, incluindo-se os bancos de dados re-
ferentes a consumidores, mesmo que administrados por privados. No
entanto, a ação não é acompanhada de instrumentos que possam torná-la
ágil e eficaz o suficiente para a garantia fundamental de proteção dos
dados pessoais, uma vez que, além do seu perfil estar demasiadamente
associado à proteção de liberdades negativas – como a necessidade de
sua interposição por meio de advogado ou de demonstração de recusa
de fornecimento dos dados por parte do administrador de banco de
dados – está associada a uma tutela completamente anacrônica e ine-
ficaz à realidade das comunicações e tratamentos de dados pessoais
na Sociedade da Informação64. Nesse sentido, Luís Roberto Barroso
(2018) a entende como “um remédio de valia, no fundo, essencialmente
simbólica”, e na visão de Dalmo de Abreu Dallari (2016) “uma ação
voltada para o passado”.
64 Expressão utilizada a partir dos últimos anos do século XXI e funciona como um
híbrido de informações no qual agrega tanto a ideia de sociedade pós-industrial,
DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA E DESENHOS INSTITUCIONAIS EM TEMPOS DE CRISE | 233
CONCLUSÃO
O MPDFT agiu conforme a legislação permitia, seguindo os procedi-
mentos necessários para minimizar o impacto do vazamento de dados.
Em comunicação constante com a empresa prejudicada, garantiu que
as informações fossem divulgadas com precisão e que os indivíduos
que tiveram seus dados pessoais roubados pudessem se resguardar
e, inclusive, observar movimentações alienígenas nas suas contas e
cartões de crédito.
Ressalta-se que o ingresso no mundo virtual pressupõe a mitigação
voluntária à proteção a direitos constitucionalmente assegurados,
realizada pelo próprio destinatário da norma – o usuário, afetando de
forma direta questões atinentes à própria dignidade humana, concede
autorização contratual à plataforma para o tratamento de informações
pessoais, mesmo sem ter conhecimento do que exatamente está ceden-
do e para que seus dados serão utilizados. Os contratos normalmente
são realizados com um único click no ok e as cláusulas de política de
privacidade, caso o usuário não aceite alguma, não há como serem
questionadas, ou o usuário aceita e se cadastra, ou nega e não realiza
e finaliza o que deseja.
65 Aqui também observamos uma preocupação com a boa-fé objetiva, presente no
art. 422, Código Civil (BRASIL, 2002).
DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA E DESENHOS INSTITUCIONAIS EM TEMPOS DE CRISE | 235
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236 | Lilian Balmant Emerique • Margarida Lacombe Camargo
Júlia Tupynambá66*
Nathalia Medina Correia67**
Flávio Alves Martins68***
INTRODUÇÃO
A partir do estudo do caso de vazamento de dados da empresa
Netshoes, que vulnerabilizou milhares de usuários da plataforma pela
publicização de dados de identificação pessoal e sensíveis de cada um
dos seus consumidores clientes, gerando tráfego irregular da informação
inserida voluntariamente pelos usuários da plataforma, desdobrou-se a
pesquisa do Laboratório de Estudos sobre os Impactos da Tecnologia nas
Relações Sociais sobre o papel das instituições diante do caso concreto,
passando-se a observar quais atores tomariam as medidas necessárias e
imediatas para fazer cessar os danos causados aos usuários consumidores.
Contextualizando o andamento da pesquisa, importa trazer nesse
introito o fato de que o grupo iniciou seus trabalhos a partir da colheita
de informações acerca do tratamento dado pelo Direito Privado aos
fatos concretos decorrentes do tráfego irregular dos dados pessoais
CONCLUSÃO
O veto presidencial que impediu a criação pela Lei nº 13.790/2018
de uma autoridade responsável pela aferição da boa aplicação da Lei
de Dados e dos demais dispositivos que disciplinam as relações sociais
travadas em ambiente virtual manteve o sentimento de insegurança
quanto à observação de seus ditames no que tange à preservação dos
direitos individuais assegurados pela Constituição.
Verificou-se que no caso concreto analisado, a atuação do Ministério
Público impediu que o fato permanecesse fora da esfera de conheci-
mento dos atingidos, trazendo estes para o palco dos acontecimentos,
na tentativa de que as providências tomadas por cada um deles, no
sentido de reforço na segurança de suas senhas, acessos e demais dados,
minimizasse os impactos negativos e até criminosos que pudessem
ampliar o prejuízo.
Também é possível concluir parcialmente, a partir desta análise, que
o usuário da internet que se insere no conceito de consumidor possui
maior proteção legal, em razão da vulnerabilidade já atribuída a este
segmento específico, que traz para as relações sociais consumeristas a
atuação de um rol de legitimados com capacidade para pleitear a tutela
dos direitos coletivamente afetados, caminho utilizado pelo Ministério
DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA E DESENHOS INSTITUCIONAIS EM TEMPOS DE CRISE | 249
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Rel. Relatora Ministra Cármen Lúcia, j. em 10 maio 2011. Disponível em <www.stf.
jus.br>. Acesso em 24 out. 2018.
250 | Lilian Balmant Emerique • Margarida Lacombe Camargo
APROXIMAÇÕES AO
NOVO CONSTITUCIONALISMO
LATINO-AMERICANO:
DIÁLOGO, IMPASSES
E PERSPECTIVAS
AS DITADURAS LATINO-AMERICANAS,
O INTERVALO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO
E A PÓS-DEMOCRACIA:
a primeira vez como tragédia e a segunda,
como farsa1*
INTRODUÇÃO
Diante do abalo gerado pela crise que assolou o mercado financeiro
em 2008, governos da América Latina buscaram alternativas que pudes-
sem retomar o crescimento econômico. O corte na própria carne foi a
justificativa para a necessidade da adoção de medidas de austeridade,
algumas, com o caráter questionável sob a perspectiva democrática.
Este artigo tem como fim mostrar que a história se repete. Nesse
sentido, medidas as quais vêm sendo adotadas no decorrer desse perío-
do vestem-se com as capas do autoritarismo e da tecnocracia, aspectos
latentes nos regimes ditatoriais da segunda metade do século XX.
253
254 | Lilian Balmant Emerique • Margarida Lacombe Camargo
10 Cunhada por John Maynard Keynes, tal teoria propunha que o Estado deveria
agir, de forma objetiva, na economia. Regulando o livre-mercado e concedendo
benefícios sociais para que a população pudesse usufruir de um padrão mínimo
de qualidade de vida.
11 Segundo Habermas, a tecnocracia é uma ideologia que funciona como pano de
fundo legitimador para a consciência de uma massa despolitizada da população e
esta é eficaz, conforme expõe o autor, da seguinte maneira: “A eficácia peculiar
dessa ideologia reside em dissociar a autocompreensão da sociedade do sistema
de referência da ação comunicativa e dos conceitos de interação simbolicamente
mediada, e em substituí-lo por um modelo científico”.
12 Antonio Delfim Netto, economista formado pela USP em 1951, foi ministro da
Fazenda dos governos militares de Costa e Silva (1967-1969) e Médici (1969-1973),
e ministro da Agricultura do governo Figueiredo (1979-1984), gestão durante a
qual também foi secretário do Planejamento, controlando o Conselho Monetário
Nacional e o Banco Central. Além disso, foi integrante do Conselho Consultivo de
Planejamento do governo Castelo Branco (1964-1967). É lembrado, ainda, por ter
sido um dos signatários do Ato Institucional Nº 5, de dezembro de 1968, medida
que endureceu o regime militar. Disponível em <http://memoriasdaditadura.org.
br/biografias-da-ditadura/delfim-netto/index.html>. Acesso em 03 ago de 2018.
DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA E DESENHOS INSTITUCIONAIS EM TEMPOS DE CRISE | 259
16 A wave must begin in a year in which the number of competitive regimes increases
and ends when 1) the number of competitive regimes decreases to mark the start
of a counterwave or of a period of stagnation; or 2) a period of stagnation begins.
For consistency, a counterwave is operationalized as a statistically significant
decline in the proportion of competitive regimes. A wave of democratization
stagnates if the number of competitive regimes declines slightly or remains the
same continuously for ten or more years (MAINWARING, PÉREZ-LIÑÁN,
2013, p. 104).
DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA E DESENHOS INSTITUCIONAIS EM TEMPOS DE CRISE | 261
3. Conclusão: há alternativas?
O presente trabalho procura menos oferecer uma resposta definitiva,
mas propor uma lente de análise profunda e crítica sobre a sucessão dos
fenômenos históricos na Latino-América por uma chave econômica:
parte-se dos golpes militares que acometeram a região latino-america-
na, a indignação e reação popular – com o Novo Constitucionalismo
Latino-Americano; e o seu retorno nas novas crises e instabilidades
contemporâneas das democracias, especialmente a brasileira.
No Estado Pós-Democrático a ascensão de partidos conservadores,
a crise migratória, acentuação da violência do Estado, hostilidade a mo-
radores de rua e populações minoritárias (indígenas, negros, mulheres)
e incluso o aparelhamento do Estado nas operações contra a corrupção
são fatos concretos que evidenciam a identificação do poder político ao
econômico por uma nova gestão política: o “novo”, que visa eliminar
268 | Lilian Balmant Emerique • Margarida Lacombe Camargo
REFERÊNCIAS
BALLESTRIN, Luciana. América Latina e o giro decolonial. Revista Bra-
sileira de Ciência Política, n˚ 11. Brasília. Maio – Agosto de 2013, p. 89-117.
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zembro de 2016. Altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias,
para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc95.
htm>. Acesso em 13 set. 2018.
DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA E DESENHOS INSTITUCIONAIS EM TEMPOS DE CRISE | 269
INTRODUÇÃO
Um dos processos mais promissores das democracias latino-ameri-
canas nos últimos anos foi a criação de diversas experiências e espaços
de participação do povo na deliberação de assuntos públicos. Estas
experiências constituíram inovações democráticas significativas nas
relações entre Estado e sociedade dentro de uma região onde histori-
camente os sistemas políticos têm sido autoritários e pouco inclusivos.
Em que pese ser notório que as transformações constitucionais e
legislativas desses países avançaram em pressupostos jurídicos funda-
mentais para o empoderamento popular, não se pode perder de vista
que na prática não são raras as ocasiões nas quais a abertura para essa
modalidade de participação tem sido desvirtuada pelos detentores do
poder.
Seus procedimentos, muitas vezes visam garantir a estabilidade e
legitimidade das instituições, geralmente obedecendo à essência da
democracia representativa formal, pois não incluem a igualdade so-
cial entre as suas preocupações nem a consideram pré-requisito nem
objetivo da participação.
Com o fim de evidenciar os empecilhos que surgem à participação
popular, o presente trabalho se propõe a analisar duas situações ocorridas
23 * Doutoranda da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Mestre em Ciências
Jurídicas Contemporâneas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail
marianamusse@gmail.com.
271
272 | Lilian Balmant Emerique • Margarida Lacombe Camargo
As quase trezentas páginas do acordo de paz foram resumidas através
do questionamento: “Você apoia o acordo final para finalização do
conflito e a construção de uma paz estável e duradoura?”
O problema é que por trás desse questionamento havia muitas
polêmicas que acirravam a polarização na população e foram pouco
debatidas. Assim, boa parcela das pessoas posicionada contra o acordo
de paz agiu assim por entender que o acordo concedia vantagens demais
aos guerrilheiros e de menos a suas vítimas29.
29 Uma das questões controversas foi o acerto mediante o qual o Estado pagaria
um valor correspondente a 90% do salário mínimo colombiano, durante dois
anos, para que os guerrilheiros entregassem suas armas, possibilitando, assim, a
reintegração destes à sociedade e ao mercado de trabalho. Outro ponto polêmico
foi o compromisso do Estado em investir 70 milhões de dólares para preparar os
líderes guerrilheiros para transformar as FARC em partido político, sendo-lhes
asseguradas cinco cadeiras no Senado e cinco na Câmara, nos dois anos seguintes
ao do acordo. Por fim, um dos pontos mais problemáticos do acordo foi o que
tratou da verdade, justiça e reparação das vítimas. A proposta previa que os cul-
pados de crimes de guerra, tanto do lado das FARC, quanto das forças do Estado,
desde que reconhecessem seus crimes voluntariamente, não seriam apenados com
prisão. Não é muito difícil entender como um povo que foi vitimado por mais de
cinquenta anos de conflito não aceitou bem semelhante proposta.
DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA E DESENHOS INSTITUCIONAIS EM TEMPOS DE CRISE | 279
3. O referendo na Bolívia
Em 21 de fevereiro de 2016 foi realizada uma consulta popular
(Referendo 21-F) na Bolívia acerca da concordância em alterar o artigo
168 da Constituição. A Lei convocatória 757/2016 propôs o seguinte
questionamento:
32 Evo Morales e seu vice, García Linera, iniciaram seu primeiro período de go-
verno em 2006, o segundo em 2010 e o terceiro em 2015. Contudo, de acordo
com o Tribunal Constitucional Plurinacional (TCP), o mandato inicial deve ser
computado a partir de 2010, pois em 2009 a Bolívia foi refundada como Estado
plurinacional por meio da Constituição elaborada no mesmo ano e aprovada por
61,4% dos votos.
282 | Lilian Balmant Emerique • Margarida Lacombe Camargo
Colômbia Bolívia
Iniciativa Executivo Executivo
Complexidade do tema Trezentas páginas reduzi- Consulta: modificação do
das a um questionamento: artigo 168 da Constitui-
ção para ampliar de dois
“Você apoia o acordo final para três os mandatos pre-
para finalização do conflito sidenciais consecutivos
e a construção de uma paz permitidos, ao substituir
estável e duradoura?” o termo “uma só vez” por
“duas vezes”.
Participação Chama atenção a absten- Baixa abstenção.
ção de participação (63%)
e a pequena margem de Rejeição da alteração da
vitória do NÃO Constituição (51,3%)
CONCLUSÕES
A participação não constitui uma via unidirecional e as interpretações
e resultados dela derivados são multíplices e repletos de matizes, que
incidem ou podem incidir sobre o resultado da justiça social. Uma das
imprecisões da participação procede da própria variedade de contextos
em que esta é levada a cabo.
Porém, é inegável que o pior dos cenários consiste na falta de opor-
tunidade para participação ou a ausência de canais abertos para diálogo
e aproximação entre a sociedade e o Estado.
Entretanto, há de se ter em vista que para que a democracia direta
funcione ao menos dois pressupostos devem ser observados: abertura
de espaços de deliberação pública para que ambas as posturas sejam
apresentadas e confrontadas, bem como o respeito e execução da de-
cisão popular.
Assim, as experiências colombiana e boliviana devem ser objeto de
análise não para rechaçar a participação popular no processo político,
mas sim para fortalecer as bases de seu desenvolvimento, contribuindo
para concretizar um dos pilares do Novo Constitucionalismo Latino
Americano. A partir dos êxitos e fracassos dos casos concretos é que se
torna possível verificar os limites e redefinir alternativas.
REFERÊNCIAS
Academia Boliviana de Estudios Constitucionales (ABEC). Los claroscuros
de la acción de inconstitucionalidad que busca la ruptura del sistema constitu-
cional boliviano. Enero: Kipus, 2018.
288 | Lilian Balmant Emerique • Margarida Lacombe Camargo
INTRODUÇÃO
O presente artigo pretende apontar o conjunto de normas jurídicas
existentes para a proteção das crianças e, mais especificamente ainda,
das crianças-soldados em território colombiano.
Isso porque, no plano territorial colombiano, fruto de um conflito
armado que, apesar de parecer seguir para a pacificação depois de mais
de 50 anos de lutas internas, há uma miríade de questões jurídicas a
envolver o status jurídico destas crianças ou daqueles recrutados ainda
como crianças que ainda precisam ser resolvidas.
Tal trabalho de busca de toda esta normatividade, assim, passa por
normas jurídicas derivadas do sistema global de proteção de direitos da
longe de se entender sob uma ótica restritiva nos limites das confron-
tações estritamente militares, ou a um grupo específico de atores com
exclusão de outros, se interpretou em sentido amplo que se inclui
toda a complexidade e evolução fática e histórica do conflito armado
colombiano (COLOMBIA, 2012).
CONCLUSÃO
Os padrões jurídicos internacionais e domésticos, sejam de caráter
obrigatório ou de soft law, podem ajudar a construir uma sociedade
REFERÊNCIAS
ALIVERTI, Ana. La protección de los niños en los conflictos armados bajo el
derecho internacional humanitario. Lecciones y Ensaios nº 80. Buenos Aires,
2004.
BRANT, Leonardo Nemer Caldeira; SOARES, Larissa Campos de Oliveira.
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_________. Caso de las Masacres de Ituango vs. Colombia, Sentencia de
1 de julio de 2006. Disponível em <http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/
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COLOMBIA. Colombia Constitutional Court. C–781, 2012.
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_________. C-253, 2012.
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DUTLI, María Teresa. La protección de los niños en los conflictos armados,
en particular la prohibición de la participación de los niños en las hostilidades
y el régimen jurídico aplicable. Lecciones y Ensaios nº 78, Buenos Aires, 2003.
Disponível em <https://www.icrc.org/spa/assets/files/other/04_dutli.pdf>.
304 | Lilian Balmant Emerique • Margarida Lacombe Camargo
INTRODUCCIÓN
Partiendo de que este articulo pretende mostrar como el tratado de
paz de Colombia que fue firmado en el año 2016 está lejos de ser solo
de interés del gobierno de turno que se encargó de realizar las nego-
ciaciones con las ya desarmadas Fuerzas Armadas Revolucionarias de
Colombia – Ejército del Pueblo – FARC-EP, y como este se podría ver
afectado con la elección de un nuevo presidente que como detractor
del ya saliente gobierno, no comparte la forma como fueron dirigidos
ideales que incentivaron la firma de este acuerdo, abordándose desde
la perspectiva de material académico aportado por autores y autoras
de Colombia y otros suramericanos que analizan el tema, además, del
estudio de la producción jurisprudencial de la Rama Judicial colombiana
debe entenderse que este Acuerdo de Paz no fue una idea que surgió
sin fundamentos.
Como se ha empezado a evidenciar, Colombia está atravesando por
momento de transición, está saliendo de cincuenta años de constante
41 ∗ Profesora-pesquisadora de Derecho, Ciencias Políticas y Relaciones Internaciona-
les, adjunta al Programa de Pos- graduación en Derecho de la Universidad Federal
de Rio de Janeiro. Coordinadora del Grupo de Investigación INNPODERALES
de la Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: <lilamarcia@gmail.com>
42 ∗∗ Estudiante de maestría en Ciencias Jurídicas y Contemporáneas del Programa de
Pos-graduación en Derecho de la Universidade Federal do Rio de Janeiro. Miembro
del Grupo de Investigación INNPODERALES de la Universidade Federal do Rio
de Janeiro. E-mail: <alejacoes89@hotmail.com>
305
306 | Lilian Balmant Emerique • Margarida Lacombe Camargo
guerra con las FARC-EP hacia un momento donde serán los diálogos
de paz lo que caracterice al país, por lo menos es lo que se espera.
“Colombia es un Estado social de derecho, organizado en forma de
República unitaria, descentralizada, con autonomía de sus entidades
territoriales, democrática, participativa y pluralista, fundada en el respeto
de la dignidad humana, en el trabajo y la solidaridad de las personas
que la integran y en la prevalencia del interés general”43, un país ubi-
cado al noroccidente de Suramérica, bañado por dos océanos, casa de
49.292.00044 habitantes, fue por más de cincuenta años un país bañado
por mares de sangre, fue por más de cincuenta años el hogar de escenas
tortuosas, de dolor infinito y de una historia de permanente guerra,
fue el escenario de batallas ideológicas y políticas que perseguirían el
poder y donde el censo de victimas recayó en el pueblo; los mismos casi
cincuenta millones de colombianos que por más de cincuenta años que
hoy expectantes esperan por el triunfo de la paz firmada.
Debe saberse, entonces, que debido a diversos sucesos históricos
este país fue el lugar de manifestaciones de violencia política-estatal,
empezando por los levantamientos armados por medio de los cuales
el poder político monopolizado por la clase burguesa y el destierro de
campesinos que fue ejecutado por los fuertes latifundios; conjunto de
eventos que terminó por obligar a los despojados de sus tierras a la
formación de colonias agrícolas, agrupaciones consideradas Repúblicas
Independientes cuya respuesta ante la persecución fue la toma de armas
para rebelarse en contra de su opresor, el Estado.
De la violencia surgió más violencia, y ese ha sido el tortuoso pasado
de Colombia y una vergüenza que lo ha llevado a la necesidad de por
fin creer en la terminación del conflicto armado interno.
De este conflicto interno ha surgido la inspiración de soñar por la
Paz, entendiéndose este no sólo como un derecho fundamental reco-
nocido para los colombianos en la carta política vigente, pues también
entendida como una necesidad, un objetivo de los pasados gobiernos
1964 en las montañas del sur del departamento del Tolima; sus líderes principales
fueron Manuel Marulanda Vélez y Jacobo Arenas quienes comandaron las filas
hasta su muerte. Su último líder fue Rodrigo Londoño, Alias Timochenko.
46 En el Informe Central al Congreso Fundacional del Nuevo Partido Político publi-
cado el 26 de agosto de 2017, el Estado Mayor Central de las FARC-EP escribe: “
La constitución de nuestro Partido ocurre en un contexto político en el que se disputa
la perspectiva de una paz negativa, de simple silenciamiento de los fusiles, o de una
paz encauzada a transformaciones políticas, económicas, sociales y culturales más
profundas, derivadas de un posible desencadenamiento de la potencia transfor-
madora de los acuerdos y de las múltiples luchas y movilizaciones de resistencia y
reivindicación en franca confrontación con las políticas neoliberales. Y en el que,
por otra parte, persiste la guerra sucia que sigue asesinando a dirigentes sociales y
populares, y por cuenta del odio y la mentira pretende enrarecer y atravesársele a
la perspectiva de construcción de la paz que se viene abriendo paso.” Disponible
en: <https://www.farc-ep.co/comunicado/informe-central-al-congreso-fundacio-
nal-del-nuevo-partido-politico.html>
DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA E DESENHOS INSTITUCIONAIS EM TEMPOS DE CRISE | 309
49 Jurídico. A. Corte amplía término para revisión de decretos legislativos sobre la paz.
Marzo 23 de 2017. Disponible en: -<https://www.ambitojuridico.com/noticias/general/
constitucional-y-derechos-humanos/corte-amplia-termino-para-revision-de-decretos>
312 | Lilian Balmant Emerique • Margarida Lacombe Camargo
CONCLUSIONES
Ya sabiendo que el Acto legislativo 1 de 2016 fue diseñado por medio
de un procedimiento especial con el objetivo de buscar la paz, la esta-
bilidad y seguridad jurídica para la población colombiana, de la mano
de los fines de Estado, y que la Corte Constitucional en ejercicio de las
facultades que le otorga la Constitución Política de 1991 y a través del
control automático y único que realiza a los decretos con fuerza de ley
expedidos por el presidente de la república y las leyes oficiadas por el
Congreso en obediencia al mecanismo fast track, debe recordarse que
esta corporación (Corte Constitucional Colombiana) mediante sus
providencias judiciales debe acogerse a los criterios de conexidad y de
carga argumentativa en pro de la perduración de lo pactado.
Mantener estos criterios hacia las normas que, inspiradas en la
ejecución del Acuerdo Final, la presidencia de la República y el Con-
greso implementen, es, para los ojos de la C.C.C. el secreto para la
consecución del éxito de lo acordado con las FARC y de lo firmado el
24 de noviembre de 2016. Sin embargo, debe también concluirse que
la C.C.C. está en la obligación de respetar los lineamientos constitu-
cionales e internacionales anexados en el bloque de constitucionalidad,
pues serán estos los que enmarquen el campo de acción de los órganos
jurídicos e instituciones estatales, procurando un bienestar duradero
y la estabilidad a la que llevaría la real consecución de la Paz, esa es la
política de Estado, y es ahora el objetivo de un gobierno que aunque
detractor del proceso de paz ahora debe respetar cada línea de las 310
páginas del acuerdo.
REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS
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dico-internacional de los Acuerdos de Paz y sus consecuencias en la implementa-
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tuyentes latinoamericanos y el nuevo paradigma constitucional. Revista del
Instituto de Ciencias Jurídicas de Puebla, México, 2016.
A PROPOSTA DE EMENDA
CONSTITUCIONAL POR INICIATIVA
POPULAR À LUZ DO NOVO
CONSTITUCIONALISMO
LATINO-AMERICANO
INTRODUÇÃO
As ideias esboçadas no presente trabalho têm como pressuposto
teórico a concepção de que os processos revolucionários liberais do
século XVIII trouxeram à baila uma nova espécie de constitucionalismo
que culminou na hegemonia do poder constituinte, centro de legiti-
midade das Constituições Democráticas e determinante para o avanço
das sociedades, em direção ao Novo Constitucionalismo Democrático.
A doutrina liberal do poder constituinte encontra sua atualização no
metaconceito poder constituinte e poder constituído, entendendo que
o povo é o único sujeito constituinte legítimo em qualquer hipótese
e detém soberania absoluta, pois, do contrário, se estaria negando o
fundamento democrático da sociedade constituída. Quer isto dizer
que a Constituição só pode estar legitimada por um poder prévio, de
317
318 | Lilian Balmant Emerique • Margarida Lacombe Camargo
política de tais segmentos populares, que, por muito tempo foram ali-
jados do direito de manifestação nos processos de tomada de decisões.
No bojo dessa nova teoria, repise-se, existem elementos que remontam
as vivências históricas da Idade Moderna. Trata-se do ressurgimento de
um constitucionalismo democrático, cujo arcabouço teórico se constrói
sobre os pilares conceituais de povo, soberania e poder constituinte.
Com supedâneo nesses ideais, o NCLA promove um duplo objetivo:
1. O Constitucionalismo Democrático
Com os pés fincados na atual realidade latina, a criação de um
Estado Constitucional em sentido material implica a superação das
bases teóricas do antigo constitucionalismo do Estado Social, a fim
de que haja o verdadeiro avanço das sociedades, assentadas no caráter
emancipatório da democracia enquanto soberania popular, respeitado
a autodeterminação das nações.
O constitucionalismo democrático, fonte das duas últimas correntes
mencionadas supra, possui traços originários do século XVIII, oriundos
da França e dos EUA. Foi a partir das revoluções liberais que as noções
DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA E DESENHOS INSTITUCIONAIS EM TEMPOS DE CRISE | 321
3.1. Colômbia
A Constituição Colombiana, promulgada em 1991, após instalação de
Assembleia Constituinte eleita por votação popular, classifica o Estado
como Social de Direito, cuja organização se dá sob a forma republicana
unitária, descentralizada, com autonomia de suas entidades territoriais,
democrática, participativa e pluralista (art. 1º).
Ela também é distinguida como a “Constituição dos Direitos”, pois
reconhece e consagra não somente os direitos fundamentais clássicos,
desde a Revolução Francesa, mas também os direitos econômicos e
sociais, peculiares ao Estado Social de Direito, e os direitos coletivos,
ou de terceira geração, se destacando a moralidade pública e o direito
a um sadio meio ambiente. Além disso, cria os mecanismos necessá-
rios para a proteção de tais direitos, dentre os quais a Ação de Tutela,
3.2. Equador
A Constituição equatoriana de 2008 prevê três modalidades de refor-
ma constitucional pelos cidadãos: uma delas é a emenda Constitucional
pelo referendo por iniciativa popular, a outra é a reforma constitucional
parcial por iniciativa popular e, por fim, a Assembleia Constituinte por
iniciativa popular (art. 442 a 444).64
63 Colômbia – Artículo 377 – “Deberán someterse a referendo las reformas constitu-
cionales aprobadas por el Congreso, cuando se refieran a los derechos reconocidos
en el Capítulo 1 del Título II y a sus garantías, a los procedimientos de participa-
ción popular, o al Congreso, si así lo solicita, dentro de los seis meses siguientes a
la promulgación del Acto Legislativo, un cinco por ciento de los ciudadanos que
integren el censo electoral. La reforma se entenderá derogada por el voto negativo
de la mayoría de los sufragantes, siempre que en la votación hubiere participado al
menos la cuarta parte del censo electoral.”
64 Equador – “Capítulo tercero: Reforma de la Constitución – Art. 441.- La enmienda
de uno o varios artículos de la Constitución que no altere su estructura fundamental,
o el carácter y elementos constitutivos del Estado, que no establezca restricciones
a los derechos y garantías, o que no modifique el procedimiento de reforma de la
Constitución, se realizará: 1. Mediante referéndum solicitado por la Presidenta o
Presidente de la República, o por la ciudadanía con el respaldo de al menos el ocho
por ciento de las personas inscritas en el registro electoral. 2. Por iniciativa de un
número no inferior a la tercera parte de los miembros de la Asamblea Nacional. El
proyecto se tramitará en dos debates; el segundo debate se realizará de modo im-
postergable en los treinta días siguientes al año de realizado el primero. La reforma
sólo se aprobará si obtiene el respaldo de las dos terceras partes de los miembros de
la Asamblea Nacional.
Art. 442.- La reforma parcial que no suponga una restricción en los derechos y
garantías constitucionales, ni modifique el procedimiento de reforma de la Consti-
tución tendrá lugar por iniciativa de la Presidenta o Presidente de la República, o a
328 | Lilian Balmant Emerique • Margarida Lacombe Camargo
3.3. Bolívia
Em dezembro de 2007, a Assembleia Constituinte, instada pela Lei
Especial de Convocatória nº 364, finalizou seus trabalhos, entregando
um anteprojeto que tramitaria por mais de um ano até a aprovação
popular, dando origem à Constituição Boliviana de 2009.
O processo constituinte boliviano foi árduo, com atuação de forças
conservadoras contrárias à ruptura institucional. Essa mudança foi se
desenhando desde a década de 90, traduzida numa inquietude popular,
que deu origem a diversas revoltas populares, marchas campesinas e
concentrações indígenas.
O processo de reforma constitucional prevê a participação do sobe-
rano no artigo 411.65 O primeiro inciso, versando sobre a possibilidade
de reforma total da Constituição ou aquela que afete as suas bases
fundamentais, os direitos, deveres e garantias, ou verse sobre o próprio
procedimento de reforma constitucional, afirma que esta ocorrerá por
meio de uma Assembleia Constituinte originária plenipotenciária,
ativada pela vontade popular, mediante referendo. A convocatória
do referendo se realizará por iniciativa cidadã, com a assinatura de,
pelo menos, 20% do eleitorado, por maioria absoluta dos membros da
65 Bolívia – “Artículo 411 – I. La reforma total de la Constitución, o aquella que afecte
a sus bases fundamentales, a los derechos, deberes y garantías, o a la primacía y
reforma de la Constitución, tendrá lugar a través de una Asamblea Constituyente
originaria plenipotenciaria, activada por voluntad popular mediante referendo. La
convocatoria del referendo se realizará por iniciativa ciudadana, con la firma de
al menos el veinte por ciento del electorado; por mayoría absoluta de los miembros
de la Asamblea Legislativa Plurinacional; o por la Presidenta o el Presidente del
Estado. La Asamblea Constituyente se autorregulará a todos los efectos, debiendo
aprobar el texto constitucional por dos tercios del total de sus miembros presentes.
La vigencia de la reforma necesitará referendo constitucional aprobatorio. II. La
reforma parcial de la Constitución podrá iniciarse por iniciativa popular, con la
firma de al menos el veinte por ciento del electorado; o por la Asamblea Legislativa
Plurinacional, mediante ley de reforma constitucional aprobada por dos tercios del
total de los miembros presentes de la Asamblea Legislativa Plurinacional. Cualquier
reforma parcial necesitará referendo constitucional aprobatorio.”
DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA E DESENHOS INSTITUCIONAIS EM TEMPOS DE CRISE | 331
CONCLUSÃO
Ante todo o exposto, se conclui que a iniciativa popular para proposta
de emenda constitucional encontra guarida na sistemática de nosso
ordenamento, com supedâneo nos seguintes fundamentos:
a) Os postulados do Constitucionalismo Democrático, consubs-
tanciados no Novo Constitucionalismo Latino-Americano,
cujas proposições remetem à soberania popular a legitimidade
dos processos constituintes e cujas orientações visam arredar as
ações impróprias dos poderes constituídos, em favor do crescente
desígnio da participação popular;
b) As experiências participativas prevista nas Constituições dos
países que hasteiam a flâmula do Novo Constitucionalismo
Latino-Americano exemplificam e articulam uma compreensão
mais aberta e amigável à participação popular, inclusive em
referência expressa aos processos de reforma constitucional
(Colômbia 1991, Equador 2008 e Bolívia 2009);
c) A titularidade do povo no Poder Constituinte (originário e re-
formador), no bojo teórico como fonte legitimadora primeira
e última de toda Constituição e, por fim.
d) A interpretação sistemática das disposições da CRFB/88, que
colocam a soberania popular inserida no art. 1º, inciso I e pa-
rágrafo único, os direitos fundamentais do art. 5º, os direitos
sociais e os políticos, principalmente aqueles dispostos no art.
14, caput e incisos, como fundamentos do Estado brasileiro e a
fonte de toda organização do Estado, posto que a Constituição
se revela um sistema de normas que se entrelaçam para atingir
um único objetivo: a concretização dos direitos fundamentais de
todas as gerações e, em consequência, a salvaguarda do Estado
Democrático de Direito (BONAT, 2016. p. 63-87).
O cenário jurídico político pelo qual o Brasil passa é de patente crise.
A descrença que se tem diz respeito à capacidade das instituições de
DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA E DESENHOS INSTITUCIONAIS EM TEMPOS DE CRISE | 335
REFERÊNCIAS
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BONAT, Debora; SCHIRMER, Laura Auler. Emenda à constituição e
participação popular: um exame da possiblidade de propositura através da
iniciativa popular. Argumenta Journal Law, Jacarezinho – PR, Brasil, nº 25.
jul/dez 2016. p. 63-87.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malhei-
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CARVALHO, Kildare Gonçalves. Técnica legislativa. Belo Horizonte: Del
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DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo. Curso de direito constitucional.
São Paulo: Atlas, 2013.
FREITAS, Juarez. A Interpretação Sistemática do Direito. São Paulo: Ma-
lheiros, 2010.
336 | Lilian Balmant Emerique • Margarida Lacombe Camargo
INTRODUÇÃO
A América Latina não é mais a mesma de uma década atrás. Tal fato
trás em si não apenas a constatação da passagem física do espaço-tempo,
mas também a constatação da própria dialética histórica, onde aspi-
rações e sonhos se contrapõem a interesses de diferentes agentes e ao
realismo fático da luta de classes e da ascensão hegemônica neoliberal.
A última década na América Latina foi identificada por um forte
otimismo geral, decorrente da euforia causada pela convergência de fa-
tores e acontecimentos positivos únicos para uma região historicamente
subserviente aos interesses do norte político – centro do capitalismo
global –, o que gerou uma série de expectativas em relação ao futuro
decorrente da melhoria geral da vida, principalmente dos hipossufi-
cientes, muitas das quais restaram-se frustradas.
Portanto, o elemento racial sempre foi visto pela elite europeia crioula
local como elemento de dominação e inferiorização dos grupos raciais
subalternos.
Nesse contexto, como destaca Quijano, “A independência na Amé-
rica Latina sem a descolonização da sociedade foi uma rearticulação da
colonialidade do poder sobre novas bases institucionais” (QUIJANO,
2000, p. 135).
Assim, o racismo se manifesta na atual sociedade latino-americana
de forma estrutural e por meio da necropolítica. Como define Achille
Mbembe (2018, p. 123), importante pensador camaronês, “a necropo-
lítica se manifesta como submissão da vida ao poder da morte, onde
máquinas de guerra dominam populações” pobres e de pele negra.
Em nações latino-americanas como o Brasil e a Colômbia, milhares
de jovens pretos e pardos morrem diariamente em nome da violência
da guerra às drogas.
No Rio de Janeiro, moradores das favelas afastados dos principais
pontos turísticos da cidade balneário se veem sujeitos ao necropoder,
manifestado na intervenção militar promovida pelo presidente ilegítimo
Michel Temer diante do colapso fiscal do estado do Rio de Janeiro. Di-
reitos são subtraídos e garantias violadas, helicópteros matam crianças
ao caminho da escola a partir do ar75, sem direito de resistência, e até
mesmo autoridades públicas, como a vereadora negra e ativista dos di-
reitos humanos, Mariele Franco76, não estão protegidos do necropoder
e da necropolítica e de seu ódio aos corpos negros.
O colonialismo nessas sociedades se expressa desde o processo de
transplante da arquitetura institucional eurocêntrica para os textos
constitucionais das nações latino-americanas após os movimentos de
independência no século XIX e assim permanece até o surgimento das
primeiras constituições reivindicantes do Novo Constitucionalismo
Latino-americano e seu experimentalismo, com o ulterior contra-ataque
75 O jovem Marcos Vinicius, de 14 anos, foi alvejado com um tiro na barriga, no
complexo da Maré, quando ia para a escola, no dia 20/06/2018.
76 Após ser covardemente assassinada em uma emboscada, Marielle Franco se
tornou símbolo de resistência e desencadeou grandes manifestações de revolta
pelo Brasil.
346 | Lilian Balmant Emerique • Margarida Lacombe Camargo
El fin de los fascismos a partir de los años setenta con la caída de las
tres últimas dictaduras europeas, la griega (1974), la portuguesa (1974)
y española (1975), incorporó a Europa del sur al grupo de los países
democráticos; toda alternativa al Estado liberal desde el conservadurismo
había quedado derrotada. Por su parte, la caída del muro de Berlín (1989)
y la vertiginosa e inesperada disolución de la Unión Soviética (1991),
después de casi cincuenta años de guerra fría, demostró la derrota de la
alternativa comunista, que quedaba reducida al capitalismo de Estado
chino y a países periféricos (Corea del Norte, Cuba, Vietnam, Laos)
que, salvo la extravagancia coreana, mantienen un sistema de partido
único con un mercado cada vez más liberalizado. Desaparecidas las
amenazas al Estado liberal, éste toma conciencia de su exclusividad
y hegemonía; al no existir una alternativa viable, pierden motivación
buena parte de las razones que, con la construcción del Estado social
después de la II Guerra Mundial, buscaban disminuir la desigualdad y
acercar al Estado liberal al estándar de protección social de los países
comunistas o, en menor medida, fascistas (DALMAU, 2017, p. 4)
CONCLUSÃO
A emergência de uma nova onda neoliberal na América Latina, dentro
dos limites democráticos de alternância do poder constitucionalmente
previstos, fazem parte dos revezes enfrentados pela esquerda ao optar
pela disputa democrática liberal.
Não obstante, em países como Brasil e Paraguai, a nova razão global
se manifesta com total desprezo aos parâmetros democráticos, impondo
reformas destruidoras de direitos, sem que aja a devida legitimidade
adquirida pela disputa de consciência dos eleitores.
O fenômeno da desdemocratização é uma realidade latino-americana
e se transforma em grande entrave para os países do Novo Constitucio-
nalismo Latino-americano e para a própria sobrevivência do estado de
bem-estar social tardio forjado por estes textos constitucionais.
O neoextrativismo como motor de desenvolvimento das nações
latino-americanas reflete apenas a manutenção do padrão de inserção
350 | Lilian Balmant Emerique • Margarida Lacombe Camargo
REFERÊNCIAS
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DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA E DESENHOS INSTITUCIONAIS EM TEMPOS DE CRISE | 351