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Capitulo2

Ver o passado

desenrola diante
de seus
história que se
Assistir à
Ter o passado. nos permitaver os
feitos dos n o s s o s
olhos. Ter uma máquina que moldaram o n o s s o
acontecimentos que
e os principais
antepassados antecede a invenção por par-
mundo. Sem dúvida,
um desejo desse tipo e revolu-
mais elegante
do equipamento
Lumière
te de Louis e Auguste anos após os
irmãos
cinematógrafo. Apenas quatro
cionário de todos, o contemporâneos no
de filmes curtos
terem primeira exibição
realizado a encenando
George Méliès estava, em 1900,
café em Paris,
porão de um c o m o em L'Affaire Dreyfus.
históricas recentes,
para a câmera cenas trabalhos que se
ambientados no passado
-

Em uma década, filmes seus

tempo que
muito e
conhecemos hoje sobretudo por
perderam há ultimi giorni
L'assassinat du Duc de Guise (1908), da França; Gli
titulos,
da Itália; e Uncle Toms
di Pompei (1908) e La presa di Roma (1905),
estavam sendo distribuídos
em
Cabin (1903), dos Estados Unidos
histórias tão diversas como
todo o mundo. Em países com culturas e
Dinamarca, alguns dos primeiros filmes dra-
Japão, Rússia, Inglaterra e

peças teatrais) envolviam a repre


maticos (muitas vezes baseados emhistóricos. Muito antes de o cinema
Sentação de eventos e personagens
filme "histórico
cOmpletar vinte anos, na metade da década de 1910, o

nas telas.
era uma
parte regular do entretenimento
achavam
No início da história desta nova mídia, algumas pessoas
nessa capa-
que parte do seu potencial de sucesso residia simplesmente
francês descreveu
dade de nos fazer ver o passado. Um crítico teatral
A história nos filmes/Os filmes na história

Ver o passado
em 1908 as aspiraçòes do cinema nao
apenas como a
29

reproduzir o mundo contemporäneo, mas também "decapacidado de


da vida de mente terão contato como mesmo
passado apenas nas telas. Em vez
Dassado, reconstruir 0s grandes acontecimentos da história de rejeitar essas obras- como muitos historiadores
por mein profissionais e jor-
desempenho do ator e da evoca_ção da atmosfera e do ambiente" (T
.

nalistas continuam a fazer -

como mera
ficção ou
"entretenimento",
dell, 2002: 15). D.W. Griffith, diretor de um dos de queixar de suas
primeiros grandes fil
ou se
imprecisões tlagrantes, parece mais sensato
mes históricos, e certamente o mais admitir que vivemos em um mundo moldado, mesmo em sua consciên-
polêmico, O Nascimento de m
Nacao foi um missionário virtual desse tópico. Em cia histórica, pelas mídias visuais e investigar exatamente como os fil-
1915, ele afirmou
que a maior contribuição do cinema havia sido "o mes trabalham para criar um mundo histórico. Isso significa se concen-
tratamento de
históricos,e gostava de mencionar "educadores que haviam dito temas trar no que podemos chamar de suas regras de abordagem dos
vestigios
(pelo do passado e investigar os cód1gos, convenções e práticas por meio dos
menos, era o que ele afirmava) que um filme
pode "infundir em um história é levada às telas.
povo, em uma noite, tanta verdade histórica quais a
quanto muitos meses de Para começar, algumas informações preliminares se fazem necessá-
estudo" (Silva, 1971: 98, 99).
rias. Assim como algumas distinções analíticas. Os primeiros filmes
Mais de umséculo após o nascimento do cinema,
historiadores, "históricos" dramáticos não eram concebidos como investigações sérias
críticos, resenhistas e o público em geral ainda se perguntam (na verda- a respeito do significado dos acontecimentos passados. Eram momen-
de, a maioria duvida) se essa promessa do filme como história foi cum- tos nacionais breves, muitas vezes não mais do que encenações teatrais,
prida. Para aqueles que se
importam com esse
tópico, as
importantes que a plateia fatalmente reconheceria-Lincoln em Gettysburg, Dreyfus
questões levantadas pela narraço do passado nas mídias visuais ainda na Ilha do Diabo, Marat estendido morto na banheira. Todavia, mesmo
precisam ser respondidas - ou até mesmo colocadas de verdade. Será
quando foram se tornando mais extensas durante a segunda década do
que essas representações realmente contam como história? Elas aumen-
cinema, tais obras não conseguiram se tornar trabalhos sérios sobre as
tam diminuem o nosso conhecimento do passado? Será que alguma
ou
questões que geralmente interessam aos historiadores. Em vez de tentar
entender ou explicar acontecimentos, movimentos ou pessoas, elas ten-
representação filmica do passado pode ser levada a sério? Será que al-
gum filme conta como "pensamento histórico" ou contribui para aigo aiam a ser romances, época" que usavam (e abusavam) do
"dramas de
passado como uma mera ambientação para histórias de aventura
e

que possamos chamar de "entendimento histórico"? Uma obra visual


de pratica-
desse tipo pode ser adequadamente rotulada como História com H amor. Filmes "históricos" desse tipo não apenas foram parte
uma tradi-
maiúsculo? mente todas as cinematografias nacionais, mas se tornaram
como Titanic
lentativas de responder a tais çao, ou genero, que sobrevive até os dias de hoje em obras
perguntas ocuparão o restante deoe e Gladiador
VTO, De início, é importante perceber que perguntas desse tipo nãoto
dramas de época não são o
do ci- Por mais que sejam, esses
populares
ramfeitas durante boa parte dos mais de cem anos de existëncia No final da década de 1910,
n a . No entanto, agora, no início do século XXI, a tentativa de respon- unico tipo de filme ambientado no passado.
Todo houve o surgimento de uma outra tradiço defilmes históricos que nao
Sperguntas
ala, tica mais
se tornou uma questão bastante importante. adores eSltam fazer perguntas e apresentar interpretações sérias
em
o sobre
claro até mesmo para o mais acadêmico dos insis
que as
histor SIgnificado do passado. Sem contestar questões
de precedência ou

midias visuais são o principal transmissor de dentre os pri


linhagem precisa, permita-me sugerir que, está O
noSsa cultura, que para cada pessoa que lê um livrohistota
sobre un ópico
ur em uma
ópico
neiros filmes desse tipo, certamente nos
Estados Unidos, Nasc
histórico abordado temos de ser cautelosos

no A Lista
por um filme, especialmente por um
avel-
mento de Nação(1915), de Grifith. Hoje,
uma
de Schindler
(1993), muitos milhões de pessoas Po
filmes na
história
filmes/Os
nos
história
30 A
Ver o passado 31

do seu caráter abertamente


nte racista, reple-
este filme por causa
20 elogiar
to de estereótipos cruéis de afro-americanos como pessoas bárbaras, inclinação para a mitificação ao pegar um pequeno incidente da revolu-

cultura. No entanto, a sua representacão da o. ção de 1905, um amotinamentoo em um encouraçado no Mar Negro,e
sem instrução e sem transformá-lo em uma surpreendente metáfora que visava mostrar co-
a sua vis o
do sul como vítima das depreda
Civil Americana,
ex-escravos e dos oportunistas do Norte durante a reconstrução, a 0S
sua
mo o proletariado pode subverter a opressão e fazer uma revolução. Três
Klan como heróis do Confit anos mais tarde, seu filme em homenagem ao décimo aniversário da
exaltação dos integrantes da Ku Kiux ra- Revolução Bolchevique, Outubro (1928)-apesar de todos os seusinter
ial e os seus estereótipos
(literalmente) afro-america
terriveis dos
lúdios inventados como a tomada do Palácio de iInverno -, permaneceu
reflexos diretos das principais interpretacäee
eram (infelizmente) fiel aos detalhes dos chamados Os Dez Dias que Abalaram o Mundo,
foi produzido- não apenas das crencas dos eta
época em que o filme embora minimizasse a contribuição de Lênin e de seu partido. Embora
dãos nas ruas, mas do saber da mais poderosa escola de historiadores
seja rotulado de propaganda por muitos e esteja cheio de tropos que
americanos daquele período. Quando o filme foi lançado, Woodro
eram (e são) incomuns em uma obra histórica- humor, repetição, me-
Wilson, cujas obras históricas são citadas como uma das fontes do
táfora visual, miniensaios, a poesia do movimento Outubro consegue
-

me, estava morando na Casa Branca e, em 18 de fevereiro de 1915. a


proporcionar uma interpretação global do seu tema que não é tão dife-
diretor exibiu 0 Nascimento de uma Nação na mansão presidencial
rente das apresentadas pelos principais historiadores da revolução (co-
Sulista de nascimento, Wilson ficou profundamente emocionado com mo mostrarei mais detalhadamente no Capítulo 3).
o filme e sua reação - citada em segunda mão, mas aceita pelos histo-
A Revolução Bolchevique também serviu de tópico para o que pro
riadores como mais ou menos autêntica -sugere algo a respeito do sa- vavelmente foi o primeiro dos mais importantes documentários históri-
ber histórico prevalecente e, ao mesmo tempo, se revela profética a cos, A Queda da Dinastia Romanov (1927), o filme-compilação de Esfir
respeito do papel futuro do filme histórico: "E como escrever história Shub. Com o desejo de retratar o nascimento do novo regime em que
com raios. E meu único pesar é que tudo aquilo é terrivelmente verda- vivia, Shub exumou e catalogou minuciosamente seus filmes caseiros do
deiro" (Schickel, 1984: 270). Czar Nicolau e, depois, entremeou sequências de festas reais em barcos,
Uma década após essa obra-prima moral e
politicamente regressiva, partidas de croquet e rituais religiosos com imagens factuais (cinejor-
o cineasta
russo Sergei Eisenstein começou a usar o cinema para forne- nais) de trabalhadores rurais, fábricas, políticos, paradas de cavalaria,
à nascente União Soviética sua
cer
própria história e seus próprios mitos soldados marchando, artilharia disparando e demonstrações revolucio-
fundadores sendo que, na Rússia, como em todos os nárias nas ruas. Dando destaque a essas imagens, havia cartelas fortes-
países, as duas
-

noções estão intimamente entrelaçadas. Em um esforço para criar uma um dose de uma linha de montagem de munições seguida por:"As mãos
nova e revolucionária teoria e dos operários preparando a morte de seus irmãos"- um comentário que
prática do cinema para um novo e revo-
lucionário regime, Eisenstein criou um pode ser interpretado como propagandístico ou histórico, mas que, na
a
tipo de montagem que o ajudou
construir obras verdade, é ambos ao mesmo tempo (Roberts, 1999: 50-72).
épicas que promoviam o tema duplo da entrada das
massas para a história e da chegada da história às massas. Seus filmes da Grifith, Eisenstein e Shub podem ser considerados os criadores
década de 1920 não têm (ou, para evitar discussões a respeito de precedência, alguns dos primer
heróis nem mesmo
nao ser personagens individuais, a
por aqueles poucos que (como em uma narrativa histórica escrita) ros expoentes) dos três tipos de filme histórico discutivelmente sérios
se destacam da multidão irmãos
por um momento para articular uma ideia ou que foram produzidos desde ent o: o drama comercial (e seus
Sumbolizar um de maior duração, a minissérie ou o docudrama), a história de oposição
acontecimento. O primeiro desses filmes, e sua
ma
consagrada, O Encouraçado Potemkin obra-pt ou inovadora, e o documentário de compilação. O americano criou o
(1925), apresentava uma torte
Ver o passado 33
história
filmes na
filmes/Os
nos
histona
32 A

obra "padrâo"
da.
história em filme, o (melo) introdução do som surrouna, a digital1zação da imagem ou a sua redu-
chamar de a um monitor de televisäo numa sala de estar- ne-
podemos is, iheroínas e vilões que se veem cão para adequá-la
que a luta de heróis,
realista que
retrata
ricos, homens e mulheres
históric
nhma dessas mudanças altera em nada o tipo de pensamento histórico
drama acontecimentos

envolvidos por grandes eventos na vida de cada noes- que encontramos


nas midias VISuais. As verdadeiras diferenças estão
tais
o impacto de
três tipos distintos de filmes históricos. Todos insistem, justamente,
mostram

cujas
histórias cohecemos como sinédo- nos
que
meio da figura de inguagem da imagem, mas cada um deles utiliza as imagens de uma
soa e, por histórico
oricos mais plos -
nesse caso, como os na primazia
significado histórico.
temas

que,
exemplificam
manipularam ex-escravos ign0 maneira diferente para criar
Norte supostamente
exploradores do conquistado, que foi felizmente
o Sul
e explorar
rantes para oprimir Klan. Shub é igualmente O longa-metragem dramático, dirigido pelos descendentes de Griffith,
"bravura" da Ku Klux
salvo da destruição pela dos momentos históricos reais a ser, a mais importante forma de história nas mi-
tem sido, e continua
na edição imagens
"realista" ao juntar Em todo o mundo, o ter-
do passado "como
ele realmente aconteceu', ou dias visuais em termos de público e intfluència.
uma noção
para criar toram vistos através das mo cinema significa longas-metragens dramáticos, com os documentá
de seus momentos
pelo menos como alguns de um ponto de vista específico. Eisens- rios relegados a um status marginal e o filme inovador mal sendo reco-
lentes de uma càmera partir
a

não faz nenhuma


tentativa de produzir algo que nhecido, exceto em pequenos círculos de aficionados. Este padrão cer-
tein, por outro lado, tamente se confirma nos filmes "históricos'. Obras como Gandhi (1982),
estética e o seu estilo tor-
chamar de "realismo". A sua
possamos querer
nam impossível ver a tela como alguma espécie
de janela direta para
Noite deSaoLourenço(1982),Nascidoem 4deJulho(1989),AListade
uma realidade passada.
Recusando-se a se concentrar nos indivíduos, Schindler (1993), Underground=Mentirasde GuerTa (1995) eFrida (2002)
mais cortes do que nos alcançam uma audiência vasta e muitas vezes se tornam o foco do de-
usando técnicas de ediço radicais (quatro vezes
filmes tipicos daquela época) e metáforas visuais evidentes (uma tela bate público sobre a história. Um debate que muitas vezes gira em torno
cheia de foices em riste representa o campesinato; rifles erguidos repre- da exatidão ou não dos fatos apresentados 1 filme. Como argumenta-
sentam o exército; rodas em movimento assinalam uma brigada de mo- rei mais adiante, a exatidão dos fatos dificilmente é a primeira oua mais
tociclistas; uma estátua sendo derrubada indica a queda do czar; a mes- importante pergunta a ser feita em relação ao tipo de pensamento his-
ma estátua se reconstituindo sugere que o governo provisório assumiu o tórico que acontece na tela.
papel do czar), uma obra como Outubro revela claramente que está Concentrando-se em pessoas documentadas ou criando persona-
construindo, mais do que refletindo, uma visão especifica do passado. gens ficcionais que são colocados no meio de um importante
aconteci-
Com suas várias abordagens da história na tela, cada um desses mento ou movimento (a maioria dos filmes contém tanto personagens
tipos de filme faz deduções um pouco diferentes acerca da realidade dra-
reais quanto inventados), o pensamento histórico envolvido nos
histórica, do que é importante que saibamos sobre o comerciais é, em grande parte, o mesmo: indivíduos (um, dois ou
passado. Essas mas
abordagens, junto com o tipo de mundo que cada uma delas cria na estão no centro do processo histórico. Através de
tela, serão esmiuçadas e analisadas nos umpequeno grupo)
to, é suficiente indicar
próximos capítulos. No momen Seus olhos vidas, aventuras e amores, vemos greves, invasões, revolu-
e
que as premissas históricas de tais obras não mu- ções, ditaduras, conflitos étnicos, experiências cientificas, batalhas ju-
dam com as
posteriores alterações ou aprimoramentos tecnológicos da ridicas, movimentos politicos, genocídios. Mas fazemos mais
do que
própria midia. O acréscimo de
o
diálogo falado no final da década de l1920, apenas ver: também sentimos. Usando imagem, música e efeitos sono-
aprimoramento dos efeitos sonoros, a cantarolados e
-branco para o filme
do filme em
passagem preto-ea rOs além de diálogos falados (e berrados, sussurrados,
em cores, Ele
a
ampliação e o alargamento da tela, cochichados), o filme dramático mira diretamente nas emoções.
34 Ahistória nos filmes/Os filmes 35
na história Ver o passado

não apenas fornece uma imagem do


passado, mas aceitável de representar
a

dite piamente naquela imagem- mais quer que vora. ser


considerado
uma
forma
conhecimento a seu

gens envolvidos nas situações históricasespecificamente, nos nere


acre- defensores para
com o passadoe de aumentar o nosso

representadas. Retrata relação


mundo no presente, o nossa

longa-metragem dramatico faz com respeito. d r a m á t i c o parecem


muito mais próximos
mergulhe na história, tentando destruir a diståncia que voc Outros aspectos
do filme
Assim c o m o o
acadêmico, o ci-

sado e obliterar pelo menoS entre vocea dos


historiadores.

enredo que inclui


enquantO vOcë está assistindo ao pas-
-
comum
da prática meio e fim, um

sua capacidade de
pensar a respeito do você
filme conta um
enredo com começo,
acadèmico, o do cineasta está
que está vendo. O neasta
Como o enredo do
mais do que apenas ensinar a filme teor moral. progressiva do passado, isso
quer forte e
liço de que a história um
viso
que você, o espectador, vivencie a dor (e os "dó, ele quer
quer
quase sempre
a
incorporado
uma
escravidão, o Holo-
A principal maneira como
prazeres) do passado, para temas improváveis tais como a
vIvenciamoS-ou valeaté mesmo do Khmer Vermelho, n o Camboja.

-
o
passado na tela é, obviamente, através de
imaginamos vivenciar causto ou as
atrocidades em massa

m a n t e r u m ponto
de vista desse tipo
nossos olhos. Vemos cor. Como o acadèmico,
o cineasta pode
pos, rostos, paisagens, edifícios, animais, ferramentas, a
passado: o que quer que
próprio ato de contar o
utensílios, armas, do
por meio
roupas, móveis, todos os objetos materiais que pertenceram a apenas agora está
re-
-diz a mensagem implícita
uma cul- humanidade tenha perdido históricos
tura em um determinado período histórico, testemunho dos erros
objetos que são usados e criação desta obra, pelo
abusados, ignorados e venerados, objetos que, às vezes, podem dimido pela (Rosenstone, 1995a: 54-61).
compartilhar
definir vidas, identidades e destinos. Tais
ajudar a queestefilme nos.permite
objetos, que a cåmera exige
modo de entendimento históri-
para
que uma cena pareça "real, e

com frequência,
que a história escrita facilmente,e O documentário, considerado um

longa-metragem dranmático: conta


ignora, fazem parte da textura e da factualidade do co, tem muito em comum com o

mundo nos filmes. Aquilo que, na história escrita, Roland Barthes cha- uma história linear e moral, muitas v e z e s (sobretudo recentemente)
mou de "efeitos de realidade, e de
de grandes tópicos por intermédio da experiência pequeno um
menosprezou como meras anotações, trata
produz na tela uma certa "materialidade que é importante (Ankersmith, materialidade dos
grupo de participantes, gasta muito tempo c o m a
1994b: 139-41). Por serem muito reveladores a respeito das pessoas,
pro objetos e visa suscitar emoções por meio não apenas da seleção, enqua-
cessos e épocas, os "efeitos de realidade" nos filmes se tornam fatos des- dramento e justaposição de imagens paradas e em movimento, mnas
critos, elementos importantes na criação do significado histórico. também da utilizaço de uma trilha sonora repleta da linguagem, efe
A capacidade de suscitar emoções fortes e imediatas, a ênfase no tos sonoros e música da era retratada. Ao contrário do filme dramático,
a maioria de suas imagens não é encenada para a câmera (embora
visual e no auditivo e a resultante qualidade materializada da experièn algu
cia filmica em que parecemos viver por meio dos acontecimentos que mas ocasionalmente sejam), mas coletada em museus e arquivos foto-
gráficos e cinematográficos - a grande exceção são as entrevistas com
presenciamos tela são, indubitavelmente, práticas que distinguem
na

claramente o filme histórico da história impressa, participantes dos acontecimentos históricos ou especialistas, muitas
especialmente a vezes professores de história, cujas palavras são usadas para moldar e
história produzida por acadêmicos. Ao se concentrar na experiència aos
criar o sentido mais amplo do
indivíduos em pequenos grupos, o filme se aproxima mais da biOgrand passado.
da micro-história ou da história narrativa popular do que da historia A afirmação implícita do documentário é a de
que ele nos dá aces-
so diretoà história,
produzida pela academia e, embora estes três gêneros tenham sido oc que as suas imagens históricas, meio de seu por
s1onalmente criticados por relacionamento de caráter indexativo
alguns docentes por não serem suticienie tos
com as pessoas, paisagens e obje-
mente "históricos, cada um deles conquistou um número suficientc autênticos, podem fornecer uma
experiência do passado pratica-
Ver o passado 37
filmes/Os filmes na história
A história nos
36

for-
para n o v a s
mediação -

certamente mals aureta do


que o essas que apontam
m
passado criad passado, estratégias limitadas
ficcional, que deve preparar cenas Dara vestígios do precisam ficar
os formas
histórico, que não
pelo longa-metragem pela mí-
de pensamento n e c e s s á r i a s exigidas
a e
de u m tip0 de farsa. Com mas
filmadas. Mas isso não passa ceção de m a s que
podem,
c o m a s alterações

suas entrevistas contemporäneas, o documentário, ao contrário do à tela, impressa.


lon- levadas de volta à página poucas
dessas
dia, ser diversa e oculta (já que
ga-metragem dramático, fala com uma certa regularidade não de i l m e é tão
Essa tipologia alguns de s e u s
só posso apontar
sente, mas em um tempo visual especifico que poderíamos chamar
de produções
são populares) que
aqui
a história na tela. Eisens-
emocional pode repensar
"nostalgia, um tempo cujo apelo atrair um eles tentam

público
como
e sugerir Mun-
expoentes maioria do Terceiro
enorme, como o que acompanhou a serie The Civil War, de Ken cineastas (em
sua
herdeiros,
Burns, tein teve alguns dramáticos que
colocam o coletivo ou
originariamente exibida pela Public Broadcast System, ou o que asistin longas-metragens
que criam histórico. bra-
às séries sucessivas desse mesmo diretor sobre beisebol e jazz. EsSas do) indivíduo, no centro do processo
o
as
massas, e não até mais radical em Quilombo (1984),
obras são repletas de fotos antigas, cinejornais de época e trechos de isso e algo
sileiro Cacá Diegues faz formada por escravos

velhos longas-metragens que, por meio de sua estética original, sua uma obstinada sociedade
história de Palmares,
deterioração ao longo dos anos e sua lembrança do que existia ou não
a
retratada em música e dança (samba) por atores
vestidos co
fugitivos u m a repre-
do Carnaval. Um ataque
a
em um dado período, apresentam-se imersas em uma sensação acolhe- estivessem participando
m o se semelhante foi reali-
a c o n t e c i m e n t o s históricos
dora de como os tempos mudaram, de quanto ganhamos e perdemos. dos
sentação "realista Ceddo (1977), uma
As pessoas naquelas fotos e trechos de filmes não achavam - como nós cineastas -
Ousmane Sembene em
zado por outros
achamos- seus penteados ou roupas estranhos e tanmbém não conside história altamente
estilizada de um levante religioso e tribal n o Senegal;
música, dança e u m persona
ravam os móveis em que estavam sentados, os edificios à sua frente ou
Luis Valdez em Zoot Suit (1980), que
usa

retratar a s
as ferramentas e armas em suas mãos antiquados ou fora de moda. El Pachuco, o espírito do Barrio, para
gem central mítico, a Segunda
e m Los Angeles durante
Imagens desse tipo nunca podem proporcionar uma experi ncia direta tensões e conflitos anglo-mexicanos
comédia de humoor
Guerra Mundial; Alex Cox e m Walker (1987),
s u a
da história porque os anos que as separam do presente interferem de-
mais na consciência do espectador. repleta de anacronismos (Mercedes Benz, helicópteros e termi
negro
"com
nais de computador n a década de 1850). Outras críticas a o s filmes
O filme histórico inovador ou de oposição constitui uma categoria visual de época" assumiram aforma de documentários Shoah (1985), -

ampla que contém uma grande variedade de teorias, ideologias e de Claude Lanzmann, u m a obra sobre o Holocausto que não contém
abor Hitler: Um Filme da Alemanha (1977),
dagens estéticas com potencial de impacto e impacto real no pensamen- imagens da década de 1940, ou

u s a marionetes, cenários, objetos


histó
to histórico, Trata-se em grande parte de obras de oposição ao que po- de Hans-Jürgen Syberberg, que
demos designar criaro Terceiro Reich no que é clara-
como "Hollywood'' obras criadas conscientemente ricos, atores e retroprojeção para
contestar histórias perfeitas de heróis e vitimas contadas pelos mente mostrado como um estúdio.
para as

longas-metragens e documentários clássicos. Fazem parte, ao mesno Elementos básicos dos filmes, como uma história dramática e a
tempo, de uma busca de um novo
vocabulário para representar o pd> intensificação das emoçöes, também foram colocados em questão. Em
$ado na tela, uma série de obras conscientemente desdramatizadas - dentre elas L'età
um esforço para tornar a história (dependendo do filme)
ais complexa,
interrogativa autoconsciente, tratando de perguntas
e
del ferro (1964), A Tomada do Poderpor Luis XIV (1966) L'età di Cosi- e
diiceis, até mesmo mo de Medici (1973) - Roberto Rosselliniy provavelmente o mais prolí-
irrespondiveis, mais do que de enredos agradavels
nelhores filmes desse fico diretor de filmes históricos da história do cinema, usa pessoas co-
tipo propõem novas estratégias para lidar con
O's tilmes
na historia
nos
fiimes Ver o p1,5ado
Ahistoria
38

rectar falas a n o se
toscamente alas que
não atores, para (ou imaginado) em obras que
combinam uma
muns, e

aulas expositivas do que de e diálogos deixa aproximam a desafio é incorporado


muito mais de que o "efcito teoria e uma
nova pratica da história.
e locaçoes suntuosas sustentem nova
de figurinos
de realidadc"
interpretação altamente
materialista do passado. A históris filmes, e não tcorias sobre filmes, e
muito menos
da sua
Cineastas criam
ica narrativa
com uma conclusão (moral) clara tamb história, o que significa que precisamos buscar em suas
teorias sobre a
declaradas, o entendi
contestada. Em Far From Poland (1984), uma obra que mistura do- produções
acabadas, e não em suas intenções
cumentário e drama, a diretora Jill Godmilow apresenta uma história encontramos na tela. A essa regra
histórico que
mento do pensamento
Solidariedade por meio de vozes e imagens contr exCeções. Eisenstein, um grande teórico, ocasional
do movimento geral há algumas à história, mas só
recusam a se amalgamar para criar uma única narrati.
a dialeética
marxista no que diz respeito
tes que se ou mente invoca
de montagem ou
11m inico sentido. Usando uma mistura semelhante de gêneros, Trinh claramente mais interessado em noções
de passagem;
o cineasta russo nunca
Sobrenome Nam (1989), dispensa a chamava de cinema "intelectual,
T. Min-ha, em Nome Viet no que ele
suas obras
linear em favor do incidente, do pastiche, da ruminação; a própria for. extensa sobre a relação entre
apresenta nenhuma explicação
ma do filme é historicamente inquetante, um tipo de tema e variacão nelas evocados ou descritos. Roberto
históricaseos eventos do passado
dúzia de filmes sobre o passado talvez
gue é assinalado na sequência de abertura, uma dança na qual um gru- Rossellini, que com mais de uma

ideias
recombina mais extensa obra histórica, apresentava
po de mulheres se
combina em padrões que se repetem e seja o diretor com a
nunca se dar
variam infinitamente. contraditórias sobre a representação da história sem
sua

invoca noções do filme


As obras de Godmilow, 1rinh e Syberberg (além de vários outros ao trabalho
de esclarecê-las. Por um lado, ele
descrever o passado e criar uma visão
filmes que analisei em outra instància, vide Rosenstone, 1995a: 198-225) didático, que pode objetivamente
insiste que suas obras se baseiam em
ao pequeno grupo de filmes passado que, mais do
sobre o direta, sem mediação; por outro,
pertencem moral inevitavelmente cria
se encaixar numa uma visão moral, sem admitir que tal visão
que qualquer coisa impressa em uma pág1na, poderia dire-
ponto devista que não pode ser objetivo. Mais recentemente,
categoria rotulada de história pós-moderna pelo menos segundo a
um

tores preocupados com a história


admitiram abertamente seus compo-
definição dos teóricos da pós-modernidade. Trata-se de histórias que
nentes subjetivos. Rainer Werner Fassbinder,
diretor na década de 1970
apresentam uma, ou várias, das características a seguir: colocam em não hesitava em
de vários filmes sobre o Terceiro Reich e seu legado,
primeiro plano sua própria construção; contam o passado de forma período especifico a
explicar: "Fazemos um filme específico sobre
um
autorreflexiva e a partir de uma multiplicidade de pontos de vista;
meia dúzia de fil-
ponto de vista". Oliver Stone, que
em
abandonamo desenvolvimento narrativo normal ou problematizam as partir do nosso

americana desde a Guerra do Vietn


narrativas que são recontadas; utilizam humor, paródia e absurdo como mes mapeou aspectos da sociedade
criando história,
até a década de 1980, inicialmente afirmava que estava
maneiras de apresentaropassado; recusam-se a insistir em um signif-
depois, recuou sob os ataques da imprensa, especialmente respei-
a
cado coerente ou único para os acontecimentos; utilizam o conheci- mas,
to de JFK-A Pergunta que Não Quer Calar (1991) e
Nixon (1995), para
mento fragmentário ou poético e nunca esquecem que o momento
uma posição subjetivista extrema, perguntando:
"O que é história? Al-
presente é o locus de todas as representações do passado. Ao usar tropos
gumas pessoas dizem que é um
monte de fofocas criadas por soldados
e tecnicas tão fora dos obras apresentam um desafio agu
padrões, essas
de fogueira" (Stone, 2000: 47).
do tanto que as espalharam em torno uma
para práticas do drama comercial e do documentario
as
história e filme, pre
tO para as
quai Para obter um raciocinio mais extenso sobre
afirmações tradicionais da história empírica um desafio -

CIsamos nos voltar para um punhado de


historiadores profissionais,
paralelo ao apresentado
pelos teóricos pós-estruturalistas, só que, aqul
na história
tilmes/Os filmes
Ahistoria nos
40
Ver o passado 41

acad micos analisaram esse tinia


pois apenas alguns poucos disciplinas e grupos feministas, minorias étnicas, teóricos pós-colo-
limites de seus interesses ou obrigaçoes. A maioria dos historiadores
niais, antropólogos, narratologistas, filósofos da história, desconstruti-
nravavelmente gostaria de usar as palavras de Oliver Stone contra s vistas e pós-modernistas- desenvolveu-se um clima que permitiu que
flmes históricos-e v-los como um monte de enredos (em sua maioria
Os acadèmicos passassem a levar a cultura popular mais sério e come-
a
os diretores colocaram na tela. Uma tal aversão
inveridicos) que aos a observar mais de perto a relação entre filme e conhecimento
çassem
filmes foi possivel porque, na maior parte do século XX, os historiada
res consideravam seu próprio trabalho como uma empreitada total.
histórico.
Só no final da década de 1960 o número de historiadores interessa-
mente empírica, uma ciéncia humana que, justamente, fazia certos t. dos em filmes atingiu um volume suficientemente grande para começar
pos de afirmações verdadeiras sobre o passado, afirmações essas que
a criar encontros, ensaios, revistas e livros, indicadores de que o tópico
dificilmente podiam ser equiparadas pelos dramas de época, filmes de no mapa dos estudiosos. Uma primeira conferència, "O
Filme e o
estava
aventura e romances que eram regularmente lançados por estúdios Historiador, foi realizada no University College, de Londres, em abril de
de todo o mundo. Portanto, os historiadores raramente comentavam o reuniões semelhantes
1968, e, no início e em meados da década de 1970,
fato de o livzo de Peter Novick, That Noble Dream (1988: 194), uma ex aconteceram em universidades em Utrecht e Göttingen, no Centro para
Universidade de Bielefeld Museu
tensa pesquisa sobre a prática histórica no século XX, conter uma única Pesquisas Interdisciplinares da
e no

estu-
referéncia a filmes. Em uma carta de 1935 altamente reveladora acerca Imperial da Guerra em Londres. requentadas principalmente por
Baixos e
das atitudes profissionais, Louis Gottschalk, da Universidade de Chica- diosos do continente (França, Alemanha, Dinamarca, Países
g0, escreveu ao presidente da Metro Goldwyn-Mayer: "Se for retirar e do Reino Unido, com alguns visitantes dos
Estados Unidos,
Bélgica)
seus temas tào generosamente da história, a arte cinematográfica deve- essas reuniões se concentravam sobretudo na produção, na recepção e
valor dos filmes de atualidade (documentários), em detrimento dos
rá, em
respeito a seus
patronos e a seus próprios ideais mais elevados, no

se tornar mais
precisa. Nenhum filme de natureza histórica deverá ser filmes ficcionais. Dessas conferèncias, nasceu a Associação Internacional
desde 1981, tem publicado o
oferecido ao público antes que um historiador
respeitável tenha a chan- para Midias Audiovisuais e História, que,
ce de
julgá-la analisá-la'".
e International Journal of Film, Radio, and Television (Fidelius, 2004).
tratavam
Outros fatores além da Os tres livros que surgiram desses primeiros encontros
qualidade dos filmes faziam com que os sobretudo de duas questões: primeiro, como o filme de atualidade po
historiadores não considerassem o cinema uma
maneira séria de recon
tar o
passado.As dia usado ferramenta de ensino na sala de aula. O primeiro a
mídias visuais caíram do lado errado do então enorme ser como
de ensaios
muro que separava a alta
da baixa cultura (ou cultura de massa). Assim, ser publicado foi The Historian and Film (1976), uma coleção
britànicos que focava ques
0S filmes só
puderam ser levados a sério quando esse muro caiu escritos (principalmente) por historiadores
pio
-

de aula e como avaliar os


cesso que
começou na década de 1960. Mais tões relacionadas a cinejornais e filmes na sala
importante, durante peio mais tarde, History and the
menos a
primeira metade do século, os acadêmicos tinham certeza ae filmes como evidência histórica. Três anos
três categorias: Proble-
que o seu
tipo de Audio-Vistual Media dividia os seus ensaios em
sOcial e
conhecimento sobre a política, a economia e a
e Televisivos como Ma-
cultural do passado era mas Didáticos, Materiais Cinematográficos
"verdadeiro", estavam convictos e
aCultura em geral aceitava as verdades
e de
terial para Historiadores, e Análise de
Conteúdo e Comunicação de
sobre o passado que os intitulado Feature
dores
profissionais podiam fornecer. historia à Massa. A esse livro seguiu-se, em 1981,
um volume

dramáticas, mais
Mas, após meados do a tratar de obras
u e afirmações da história
as secu Films as History, o primeiro livro
Yd tradicional e de suas
metanarde como conjuntos de
filmes realizados em
curocentricas começaram a especificamente da questão de
ser questionadas por uma sci
43
er o passado

42 Ahistória nos filmes/Os filmes na história

esta regra. Alguns


exceções a
certos períodos podiam servir de janelas para uma exploracan mais que há
tarde
Sembene, do
admite Ousmane
a. Ferro Rússia;
logias climas de
. -

da
ou opinião especificos antissemitismo na E ideo- surgir
(ele cita
Andrei Tarkovsky,
da Alemanha;
L u c h i n o Visconti,
da
Frente Popular na década de 1930 ou a consciência nacional na Ala a, a
diretores
Syberberg, históricas t o for-
Hans-Jürgen
lema- Senegal; c i n e a s t a s poloneses)
têm visões
nha e na França na década de 1920 (Smith, 1976; de ideológicas de
Short, 1981) Itália, e um
grupo
as forças
e tradições
Um único ensaio no volume tenta tonmar uma nova de
transcender
da histó-
independentes

Ao analisarobra clássica de Sergei Eisenstein, O


a
direção radical tes que
são capazes

Tais cineastas criam interpretações


o
entendi-

temkin, D.J. Wenden, de Oxford, analisa a questão de Encouraçado


países. original para
Pa. seus "uma contribuição
maneira, fazem o presente"
como um flo
com
dessa de sua relação
ria e, do passado e
embora o seu conteúdo seja amplamente ficcionalizado, dos
fenômenos

pode ainda mento


(1980)
assim luz sobre um acontecimento histórico.
lançar (Ferro, 1988: 158-64).
The Film in History
Depois de compa- dedica integralmente
rar o relato do filme sobre o amotinamento
n navio com relatos histó- Pierre Sorlin, que dramático
"reencena o passado,
longa-metragem
ricos escritos sobre o mesmo tópico, Wenden sugere que, em à questão
de como o
certa
ambivalência em relação ao
vez de Ferro. Uma
longe quanto do seu ca-
criar uma realidade literal, Eisenstein faz um "uso brilhante da
revolta não vai tão
história perpassa
o volume, e a confusão interna
os
no navio como um símbolo de todo o esforço revolucionário do filme como dificuldades que
povo Eisenstein, espelha a s
Outubro, de Sergei
russo em 1905" (Wenden, 1981: 40). Foi a primeira vez (ou
pelo menos pítulo sobre inevitavelmente
lidar c o m obras
têm para
sobre o passado
historiadores Inicialmen-
o primeiro exemplo publicado que conheço) que um historíador deu tão dificil de compreender.
em uma mídia que pode parecer mas uma
um passo para sugerir que os filmes podem ter uma maneira específica afirma que Outubro
não passa de "propaganda,
Sorlin
n o final do capítulo,
o
de contar o passado, que a própria natureza da mnídia e suas práticas te,
se contradiga e,
análise faz c o m que ele da
ditadas pela necessidade criam um tipo especial de história (aqui cha- longa Russa independente
autor diz que o
filme é u m a visão da Revolução
mada de história simbólica) que difere do que normalmente esperamos m e n o s , aproxima-se
u m julgamento que, pelo
ideologia bolchevique
-

encontrar na página impressa. mais geral levanta-


história" de Ferro. O problema
da "escrita filmica da são "todos
Durante a França, dois historiadores também se
década de 1970 na
do por Sorlin é que o s filmes
históricos, e m última instância,
cha- históricas "recons-
aproximaram de uma noção do filme como algo que poderíamos ficcionais" Mesmo o s que se
baseiam e m evidências
ensaios pioneiros acaba- maior parte do que m o s -
m a r de discurso histórico. Marc Ferro, cujos
troem de maneira puramente imaginária
a

sendo reunidos Cinema História (1977) concentra a maior relação a certos tópicos (a Re-
ram em e
tram. Todavia, ele demonstra como, em

não necessaria Guerra Civil Americana),


parte dos seus noção de que os filmes (mas
esforços na
volução Francesa, o Risorgimento italiano, a

mais amplo do
filmes históricos) são u m artefato cultural, artefato
esse que
se relacionam c o m o campo
mente os grupos de filmes históricos
que foi realizado,
mas que, Em u m argumento muitas
não apenas é muito revelador do período em discurso gerado por profissionais da área.
da e m dia, Sorlin suge
nos melhores casos, forneceo que ele chama de uma "contra-análise vezes ignorado por historiadores (e jornalistas) hoje
sociedade. Somente no último ensaio do livro ele confronta uma ques históricas escritas, os filmes não
re que, exatamente como as narrativas
uma escrita ou às n o s s a s in-
tão mais problemática (e interessante): "Será que
existe devem s e r julgados e m relação a o n o s s o conhecimento
Ele argumentd m a s sim e m relação ao
entendimento
tilmica da história?" A resposta inicial de Ferro é "não" terpretações atuais de um tópico,
que os cineastas incorporam cegamente uma ideologia
nacional ou es histórico da época que foram realizados. Isso significa por exemplo
em

seus filmes,porta que, quando condenamos o racismo feroz de


O Nascimento de u m a Na-
querdista em representações do passado que
suas e
história que 1o filme não
to, acabam sendo apenas transcrições "de uma visão da ção, o clássico de D.W. Griffith, devemos ter em mente que o
concebida por outros". Mas -e aqui u m a n o v a noção
radical comegaa
45
Ver o passado
44 A história nos filmes/0s filmes na históna

conceito de
com o
e plena
nem uma interpretaçao pessoal Dizarra nem uma
de lidar de
forma direta trabalho sóli-

comercial da Guerra Civil Americana e da interpretacão n e s c r e v e r algum


tentativas
ramente de
não há mais próxima

na verdade, era unm reflexo razoavel da


Reconstrucäo historiofotia.
A tentativa
trata das questões
levantadas por

melhor história
acadêmica teoricamente
f u n d a m e n t a d o

AHR é
que
Slaves on Screen,
de Natalie
de sua própria época, o início do século XX (Sorlin, 1980: do e fórum da Era Mo-
21, 159 19 Sorlin e pelo conceituada do início da
Wenden, muito filme
No quarto de século desde a publicação de The Film estudiosa um
em
in History. um Por ser uma
como
consultora

Davis. trabalhado
número cada vez maior de historiadores se mostrou por ter Retorno de Martin

disposto a enfren- derna na França, e


livro precedente,
O
tar o das mídias visuais. O primeiro grande
desafio tópico do
seu
extensa, em parte
movimento para sobre o
mesmo

merece
análise
uma
mais
fil-
abordar o tópico nos Estados Unidos foi um fórum inteiramente dedi trabalho de Davis o
debate sobre os
Guerre, o consciente de ampliar
tentativa
cado aos filmes na edição de dezembro de 1988 da revista mais
conser por
causa de sua
rumos.

Screen não é
uma

vadora e tradicional, The American Historical Review. Meu ensaio de


novos

e
levá-lo para Slaves on
mes dizer que
partir de
necessário
início, é a
Logo de
Criado
abertura, "History in images/History in words: reflections on the possi- exaustiva do seu tópico.
livro
ou o
investigação ampla de Toronto,
bility of really putting history onto film, que defendia a posição de que ministradas na
Universidade

série de palestras cinco filmes que


deveríamos começar a levar os filmes a sério como uma maneira de uma
capitulos que
examinam
cinco breves historiografica-
foi respondido historiadores, é composto por histórica e
pensar sobre o passado, por quatro dos
escravidão,
contextualizando

aventura
falam sobre Davis se

quais três concordavam comigo em grau (mas sempre


maior ou menor termo
"historiofotia,
cada obra. Sem u s a r o
pesquisa histórica" é
investigar "que tipo de
mente
com algumas críticas). Um destaque do fórum foi o ensaio de Hayden
campo. Ela visa
esse
sua ideia do
White, que aproveitou a oportunidade para cunhar um termo impor-
por
esses filmes e, em certo sentido, elaborar
como "a representação da
empreendidapor mental,.apresentada pela primeira
tante e útil, "historiofotia, que ele definia de "experiência
visuais e filmecomo um tipo consultora histórica
O Retorno de enm
história e do nosso pensamento a seu respeito em imagens trabalho como
junto c o m s e u
vez
desse tópico é exa- 2000: 121, xi).
discurso filmico" (White, 1988: 1.193). A exploração
Martin Guerre (Davis, pessoa que
livro que você está lendo. deve s e r feita por qualquer
tamente o esforço empreendido por este A primeira pergunta que haver
Estados Unidos, Aus colocada por Ferro: pode
Desde aquele fórum inicial, historiadores nos fazendo historiofotia é a que foi
está diferente:
mí- u m a linguagem
atraídos pelo tópico das da história? Davis u s a
trália e Europa se sentiram cada vez mais u m a escrita filmica
forma de re-
filmes para falar do passado.de
maneira signi
majoritariamente sob a
tem acontecido o potencial dos
dias visuais. Isso
mudança dos Qual é tentativa de fornecer
todo é uma
u m sinal da livro como um
ficativa e precisa?" Se
o
senhas de filmes específicos, que, agora
-

históricas; bem estão presentes no pri-


todas as revistas bases teóricas do argumento
tempos fazem parte de praticamente
as
uma resposta, da a u -
fazem partes de
coleta- Narrativa Histórica". A resposta
como sob a forma de ensaios, muitos dos quais meiro capítulo, "O Filme c o m o
de che-
têm por objetivo
contextua- aborda a questão da "possibilidade
neas impressas. Geralmente, tais trabalhos tora não é cristalina. Davis
limites
explicar evidências abandonando os
dramáticos, tentar
relato histórico fiel às
2 a r historicamente documentários e filmes garmos a um
e
dos aspectos visuais e
sonoros e da açãoo
é "verdadeiro favor
de u m determinado filme profissional
da prosa em
de maneira ad hoc quanto ou ideias de Homero,
ainda analisar a recepçao dramática do filme" invocando as mudanças nas

quanto está errado ou foi inventado, o u


ensaios escritos po Heródoto e Tucídides acerca de como contar opassado; depois, prosse-
de u m a obra. E, embora alguns desses
impacto por estudiosos de
distinções aristotélicas entre poesia e história,
en-
historiadores, ou trabalhos aráveis realizados gue mencionando as
"verdades
entre
que pode acontecer,
de as

Cinema ou Comunicação, toquem ocasionalmente


n a questao co tre o que a c o n t e c e u (e).. o

e onde os filmes se situam em relação a o discurso


histórico tradiclo
filmes na história
tilmes/Os
A história nos Ver o passado 47
46

gerais
do poeta e os acontecimentos específicos" do historiador. Ela trabalho", camponeses medievais
semean-

experiència de "pessoas
no
distinções clássicas"muitas vezes se
ressalta que essas

discursos issiparam na
recontados pelo supostamente rigoroso
a

do e colhendo, tintureiros
chineses colorindo tecidos em grandes tinas,
Tucidi. mulheres em fábricas
do século XX curvadas sobre máquinas. Posto

eram, emgrande parte, inventados e ele também recorria c mfre- devemos ter cuidado para não
sucumbir demais à "realida
mas do que ao real, a fim de isso, ainda
quência ao "possível,
2000: 4, 3).
completar seus rela- de" dos filmes, pois,
em última instância, eles não
exatamente mostram,

tos históricos (Davis, de c o m o o passado foi vivenciado e expres-


Os antigos pensadores säão importantes para Davis como uma ma mas
a
"especulam respeito...
e acontecimentos foram superados
neira obliqua de legitimar os filmes. Implícita está a noção de que, devi. so em ações, como grandes forças
de forma detalhada" (Davis, 2000: 7).
localmente e
do à história ter sido praticada ao longo do tempo segundo diferentes afirmação marca o restante do capitulo
A nota de precauço nessa
regras, é legitimo agora dedicar a própria energia a um estudo da prática Davis celebra
do livro. Por um lado,
de abertura na verdade,
- o restante
histórica nessa mídia (relativamente) nova. Ou, para ser especifico, um "técnicas múltiplas" quais filmes podem n a r -
com as os
o que chama de
tipo de prática. Para os propósitos daquele trabalho, Davis optou por rar o passado e torná-lo
coerente e excitante, a própria linguagem visual
analisar apenas longas-metragens dramáticos, pois os considera "um e s s a mídia tão poderosa: imagem, interpretação,
e auditiva que torna
caso mais dificil do que os documentários". Mais dificil Por outro lado, ela insiste na
porque, embora cor, edição, som, locação, design, figurinos.
os críticos costumem criar um forte contraste entre "filmes como al
ficcionais" importânciadas exigências tradicionais para contar o passado
como produtos da
"imaginação e documentários não ficcionais como go que foi
"desenvolvido ao longo de séculos" Tais exigncias incluem a

transmissores da "verdade, é exatamente essa dicotomia que a autora de- obediência aos ideais óbvios (muitas vezes violados na prática, como ela
seja questionar. Com um caráter ostensivamente mais indexativo e, por- sabe) que são ensinados aos estudantes de História nos cursos de gra-
tanto, mais verdadeiro, em sua relação com a realidade, o documentário
duação: procurar amplamente evidências, manter a mente aberta, apre
também envolve um "jogo de invenção, ao passo que sentar aos leitores as fontes das evidências, revelar suas próprias suposi-
olonga-metragem
dramático, apesar dos elementos fictícios,"pode fazer observações l6gicas ções, não deixar que julgamentos normativos atrapalhem o entendimen-
sobreacontecimentos, relações.e processos históricos" (Davis, 2000: 5). to, nunca falsificar evidéncias e rotular nossas especulações. Como o
Tais obras dramáticas se comunicam conosco através de uma mi- filme dramático, devido à sua própria natureza, n o pode satisfazer a
dia que teve
apenas um século para desenvolver os seus gêneros, um maioria dessas práticas (algo que Davis nunca consegue admitir direta-
periodo breve se comparado 2.500 mente), ele parece ficar relegado a um papel subsidiário na narração do
aos anos nos quais os OCIdentals
explorarame descartaram muitas formas diferentes de história escrita. passado. Tendo em mente "as diferenças entre filme e prosa profissional'",
Davis faz uma
distinção entre dois tipos de filmes históricos aqueles a autora diz que podemos levar os filmes a sério "como uma fonte de uma
Daseados em acontecimentos documentáveis e aqueles com tramas visão histórica valiosa e até mesmo inovadora'. Podemos até "fazer per-
naginadas, nos quais guntas sobre filmes históricos que são paralelas às que fazemos aos livros
acontecimentos verificáveis säão intrínsecos
a
açao. Para a
autora, históricos': Mas não podemos confiar plenamente nas respostas, pois, em
longa-metragem normal tem dois modos
o

recontar o passado: a biografia histórica ou a micro-história (guepaa ültima instància, os cineastas não são exatamente historiadores, mas "ar
nesma
escreveu). O primeiro pode tratar de tistas para os quais a história tem importància'" (Davis, 2000: 11, 15).
Por que decisões questões do tipo co
políticas são tomadas em diferentes Com essas ideias em mente, Davis aborda cinco filmes realizados
quais são as suas regimes nisto entre 1960 e 1998, tratando-os cronologicamente e, em geral, compa-
poae nos consequências".O segundo, como boa historia
fazer penetrar
cial,
nas dinâmicas rando-os com o contexto historiográfico dos estudos sobre escravidão
da vida familiar ou
compa
A história nos filmes/Os filmes na história 49
48 Ver o
Passado

realizados pós-guerra por estudi


no
como M.I. falas durante
as

Davis e Eugene Genovese. Cada filme também é Finley, Davic Peter Ustinov
mudaram suas

vagamente ligadoBrion
e com

Charles Laughton
não apenas
vier, do filme - criados
climasocial especifico. O espetáculo clássico, Spartacus um Os sucessos
históricos

trabalho de càmera, edição,


no romance de Howard Faste dirigido (1960), baseado
por um jovem Stanley bas
filmagens.
e
interpretação,
mas
também
e n t r e a alta
com

e a
baixa" so-

narrativa do hiato
ligado tanto à Guerra Fria quanto as
preocupações
stanley Kubrick, música
i n c l u e m "a descrição
-

homens livres;
a descrição
do treina-

a"personalidade do escravo. Dois filmes estrangeiros daacadêmicas


cor e
soh ciedade
romana,
entre escravos e

da batalha
final c o m s u a

refletem eclosão de movimentos


a
décadade 11970 escola para
gladiadores; a sequência
e legionários
eo

revolucionários de independén
e
dência
mento na
combate corpo a corpo
entre
escravos

escra-
no Terceiro
Mundo-Queimada (1969), dirigido pelo italiano Gillo Pon. luta caótica
dos
casamentos
e o

e
relacionamentos pessoais ilegais
entre

Entre as fa-
tecorvo (mais conhecido por sua obra-prima retrato
apropriado de
resistência.

lha de Argel), a história de um revolucionário


anticolonialista, A Bat vos,
considerados um
símbolo
composição e do
funcionamento do
fracassado em uma ilha um retrato
impreciso da de re-
fictícia produtora de açúcar; e A Ultima Ceia, do cubano lhas, estão ser
mencionada a longa tradição
Tomás Gutiér- romano; o
fato de não discurso
Senado de Espártaco e o
rez Alea, baseado num livro
premiado (pela Associação Histórica Ame- no Império
Romano antes

voltas de
escravos nascido
u n i v e r s a l i s m o anacronístico,
ricana) da historiadora Morena Fraginal, El Ingenio, que descreve herói, que exibe
um
uma final do nosso
do mundo antigo. compara- Na
revolta numa plantação em 1790. Duas produções americanas da Iluminismo, mais do que
déca- das ideias do "parecer misto
a o filme u m
da de 1990 pertencem ao que Davis chama de nosa crescente o registro
histórico, Davis atribui
preocupa- çãocom oportunidades perdidas, alguns
fracassos"
ção com os horrores da vitimização Amistad (1997), de Steven Spiel-
-

-
s u c e s s o s , algumas
alguns
berg, a história da tomada do controle de um navio negreiro por parte (Davis, 2000: 36).
a o s outros fillmes,
mas
de escravos africanos e os subsequentes julgamentos de seus lideres em Uma avaliação mista semelhante é atribuída
recebem notas muito mais
Massachusetts, e Bem-Amada (1998), a produção de Jonathan Demme as duas obras
realizadas fora de Hollywood
e m parte a o
histórica complexa. Isso s e deve
(baseada no romance de Toni Morrison) que explora as cicatrizes psí- altas por s u a consciência
movimentos de câmera
quicas deixadas nos ex-escravos após a sua libertação. Nas palavras de aspecto visual -o olhar nada sentimental, os de cineastas (europeus
Davis, esses filmes foram produzidos "sob a sombra do Holocausto" arriscados e as escolhas inusitadas de montagem
uma plateia
(Davis, 2000: 70). e dispostos a ampliar a experiência de
do Terceiro Mundo)
de Hollywood,
A estratégia para analisar cada obra se divide em trés partes.
Pri acostumada ao conforto da linguagem cinematográfica
na tela é sempre clara-
meiro, a gênese - quem teve a ideia para o filme, quais foram as suas na qual o posicionamento de lugares e pessoas
eventos que aconteceram
fontes, como vários produtores-roteiristas-diretores o levaram para a mente demarcado. Queimada, baseado em
mas ficcional em
tela e quais eram suas intenções. Segundo, uma sinopse que destaca os em u m a dúzia de países do Caribe e da América Latina,

sua narrativa central, é uma "experiência bem-sucedida" que evoca os


personagens e os acontecimentos,também indica os principais
e
des rituais e cerimônias de uma sociedade de escravos e consegue retratar
V1OS em relação ao registro histórico. Terceiro, o(s)
julgamento(s)-por como os acontecinmentos s o vivenciados tanto por grupos pessoas de
que devemos dar importância ao filme, o que ele contém que nos taz
meio da rivalidade pessoal de dois homens
pensar de maneira séria a respeito do quanto por indivíduos. Por
passado e como ele poderld d - o lider nativo da revolução e o oficial británico (Marlon Brando)
modificado para se tornar mais valioso como obra histórica:
on viado para suprimi-la
en-
- o filme fornece um esplêndido exemplo do
partacus, por exemplo, aprendemos como o ator Kirk Douglas, o rote
"potencial micro-histórico dos filmes. O mesmo vale para A Ultima
ista Dalton Trumbo eo diretor Kubrick fizeram para levar o romance
Ceia. "Estreitamente ligado a evidências do passado cubano e à sua
de Howard Fast Dli-
para a tela; e também descobrimos que Laurene
50 A história nos filmes/Os filmes na
história
Ver o passado 51
fonte, El Ingenio,
a obra
se
na
plantação conde de desenrola
do
Casa
durante a Sema
ana causado "pelas
gosta da humildade dos
"ritos.de Bayona. Esse conde Santa de 1790 e
comovente do trauma
duradouro

meio da
seus escravos,
sforma-se
inversão" que o fazempio idoso, que
« um
relato poderoso
escravid o, infligidas depois, autoinfligidas
e,
por
Davis muitas
vezes

rapidamente
quando aqueles mesmos escravos lav; s pés de
em um tirano sangre
tiran
feridas da
resistência".
Ao descrever
Bem-Amada, a prosa de
ficcionais, os per-
com eficiência inclemente e lideram uma ao extático. Apesar de
serem

com a revolta. aue do t o m


acadèmico
histórico" em relação a even-

lado, o retrato do conde execução de todos os seus aprimida


passa um "insight
or um nos
proporcionam
e esperanças
do
não é, sonagens "com as tragédias
matizado, por outro, ela aplaude a
segundo Davis, suficientlider tos
traumáticos,
atormentando-nos

119).
(Davis, 2000: 108,
uma galeria de
tipos sociais-feitores,representação que o filme fay d passado"
perguntar: "O que mais esperar de um filme histórico?".
seu
corajoso retrato do mundo cotidianopadres, técnicos, escravos -eo
do trabalho
Podemos
apenas que
ele se concentre
em "Contar a Verdade, o

Aparentemente, verdade factual,


engenho (Davis, 2000: 52, 62). na
plantacãoe.eno final Mas que
de Davis. verdade? A
a

título do capítulo verdade


Sem dúvida, é de certa forma a verdade emotiva,
a verdade psicológica,
a

o nosso
estado de verdade narrativa, histórica nem na
da
-

autora) que faz única verdade


com
que Davis espírito atual (ou simbólica? Pois n o
há apenas uma

filmes que ela considera encobertos dedique capítulo mais longo aos tela. Tendo conhecimento disso,
o
nem certamente na

pela sombra do Holocausto. página impressa todos o s his-


como no caso de Assim final ocupa do tópico
se atormenta que
Spartacus, o parecer sobre
Amistad misto. Os espec- é
Davis n o capitulo
trabalham filmes dramáticos: o fato de tais obras
tadores podemsair do filme "com uma toriadores que
c o m

de personagens, inci-
noção geral do movimento dos u s a r criações e invenções-
acontecimentos, dos interesses em jogo, dos sempre se permitirem e n ão
momentos, diálogos, c e n á r i o s - apenas
tados e contestados e da excitação e fervor argumentos
sendo apresen- dentes, acontecimentos,
suscitados" pelos julgamentos comerciais o u palatáveis para u m público
tornar as narrativas mais
dos africanos e pela questo de sua para
libertação ou da volta à escravidão, mais amplo, m a s porque quanto
tanto a mídia o gênero garantem que
mas o filme não é, como tela. Isso
prometido pelo diretor Spielberg, o "espelho... tal invenção está intimamente envolvida e m cada momento na

[dos] eventos reais como aconteceram". Como muitos (todos?) filmes se deve em restrições temporais, à necessidade de
parte a comprimir
históricos, esse filme, para aumentar o suspense ou acrescentar desdo- à avidez da
grandes acontecimentos e m sequências curtas; em parte,
bramentos aos personagens, abre espaço para invenções. Davis tem duas especificidade de detalhes superior ao conheci-
camera, que exige uma

mento de qualquer historiador a respeito de um cenário ou incidente


opiniões a respeito de tais artificios ficcionais não faz objeções às in-
-

venções que acrescentam profundidade à história, apenas às que pare do passado; em parte, ao fato de que os nossos atores, a despeito de seu
cem ser arbitrárias ou desnecessárias. De fato, ela ocasionalmente sugere talento (Davis admira em especial Anthony Hopkins como John Adams),

invenções que, a seu ver, teriam sido mais plausíveis ou adequadas do são intérpretes que usam um vocabulário de gestos, movimentos e pa-
lavras para criar figuras históricas cujos movimentos e vozes, na maio-
2000: 79).
que as que foram criadas pelos diretores (Davis, ria das vezes, se perderam no tempo e que, portanto, têm de ser total-
Bem-Amada, pois,
Nenhuma invenção é colocada em dúvida em mente inventados.
ser baseado em u m romance, o filme
é inteiramente inventado e
por
portanto, está duplamente afastado dos
acontecimentos históricos da em
lgnorando
todos filmes
em que medida a ficção está profundamente envolvida
os desse tipo, Davis se concentra nas invenções patentes
escravidão. Pior ainda, do ponto de vista de
um historiador tradicional, que parecem desnecessárias ou, pior ainda, derivam de um
de uma garotinha
assassinada desejo de
eque um dos personagens é o fantasma Todavla,
tornar as crenças de uma era
passada mais parecidas com as do presen-
de escravos.

para protegê-la
dos apanhadores te (por exemplo, discurso universalista de
pOr
sua me
o filme rorue
o
Espártaco). Ela culpa os

impedemde forma alguma que


ficçöes tão óbvias não
na
historia Ver o passad 53
filmes
fiimes/0s

nos
histona

52 A

condescendent
te demais em relaçãoàs evi- mático do filme, o fato de um roteiro ser uma espécie de máquina intri-
atitude
"uma do" ee por
do passado" por "subestimar as
"subestin cada que, se privada de uma peça, pode não funcionar mais corretamen-
cincastas por comportamentos

as vidas
e
um film stórico, "os espectadore te) e em sua insistência nos padróes tradicionais da história escrita. As
cativados por
serem

plateias
Para modelado para parecer exatamente
remodela vezes, parece que a sua resposta às deficièncias dos filmes seria torná-los
passado seja
os diretores. sejam mais francos
o
precisam que mais parecidos com livros -ou pelo menos fazer com que eles seguissem
não
Ela também quer
que
igual ao presente" créditos) e que admitam as in mais de perto as regras da história tradicional. Mas nós já temos livros,
fontes (listá-las nos
respeito de suas equivalentes filmicos para expressões bem como uma longa tradição de avaliação de suas evidéncias, argu-
trando equivalentes
encontrando
tezas do passado nte" usadas na prosa. Para isso, ela suger mentos e interpretações. O que anda não temos é uma noção muito boa
"possivelmente"

como talvez e utilizar recursos


reç como ostrar um repórter que dos filmes históricos e, mais precisamente, das suas coordenadas no es-
diretor poderia
que o uma Versao a ser contada, encher paço-tempo dos nossos pensamentos acerca do passado; não sabemos
busca uma
matéria e encontra mais ae
documentos que se contradizem ou adotar onde se situa a história representada nas mídias visuais - com seu movi-
e
de testemunhas
tela
a
múltiplas, usada no mento, som e cor - em relação à história tradicional.
experimental, de perspectivas
tipo de narração relatos do mesmo aconte- "Os filmes históricos deveriam deixar que o passado seja o passa-
clásico japons Rashom0n, com
seus quatro
do lenente frances, Com suas narrativas para- do', diz Davis na última página do livro (Davis, 2000: 136). Mas isso é
cimento, ou em A Mulher
passado (Davis, 2000: 130-31). certamente algo que nós, historiadores, nunca fazemos. A nossa tarefa
lelas ambientadas no presente e no
0 argumento do livro éé que aqueles cin- é exatamente não deixar que o passado seja o passado, mas colocá-lo à
Mesmo sem tais recursos,
vários sistemas de escravidão mostra para que ele seja usado (moral, política e contemplativamente)
co filmes têm
muito a nos dizer acerca dos
vislumbrar as lutas políti. no presente. Ficamostentados a responder a Davis: "Deixe que os filmes
ao longo dos
séculos. Spartacus nos permite
de uma importante revolta social históricos sejam filmes. Ou seja, em vez de presumir que o mundo
cas de Roma e ver o desenvolvimento
Ceia mostrado nos filmes deveria de alguma maneira aderir aos padrões da
poder imperial. Queimada e A Ultima
nos mostram um
contra o
sistema colonial de investimento, mo de obra e política no contexto história escrita, por que não deixar que os filmes criem seus próprios

dos costumes, histórias, canções e danças dos povos africano e caribe- padroes, adequados às possibilidades e práticas da mídia. (Não é isso
nho. Amistad e Bem-Amada nos envolvem nas terríveis condições psi- que acontece quando um tipo de história ofusca outro?) Melhor ainda,
cossociais da travessia oceånica dos escravos e do sistema de plantações por que não admitir que os cineastas estão trabalhando nesses padrões
no sul dos EUA e nos ensinam que as noções de liberdade podem nascer há um século e consideram que o trabalho de inmvestigar, explicar e cri-
de raizes não apenas ocidentais, mas também africanas. Embora falhas ticar esses mesmos padrões cabe a nós, que fazemos nossa história na

em algum nível possam ser apontadas em todos eles, esses filmes, quan- página impressa? Como pessoas de fora ou teóricos dos filmes histó-
contar
prescrever a maneira certa ou errada de
doplovistos em conjunto, interagem com o discurso histórico mais am-
e, por intermédio do poder da mídia em que são apresentados, ate
TicOs, n o podemos
o passado, mas temos de extrair a teoria da prática, analisando como
acrescentam algo ao nosso entendimento dos custos dos sistemas escra o passado foi, e está sendo, contado -
nesse caso, na tela. Davis começa a
vagistas tanto para os senhores quanto aZer 1so e, por esse motivo, temos uma divida com ela. Mas
ela não nos
para os escravos.
Apesar deste argumento, Davis revela por vezes um certo descon- leva longe o bastante. Seus julgamentos contêm elementos demais deri-
forto em
relação aos filmes históricos, um sentimento vados dos parâmetros de evidência da história acadêmica. O peso que é
no seu
balanço de erros e acertos das obras
que transparece jogado sobre os cineastas é o mesmo que jogaríamos sobre os histor1a
Oes para individuais, em suas suges do
invenções melhores (que muitas vezes dores se tivéssemos de julgar em termos filmicos suas representaçães
ignoram o aspecto uta
filmes na história
A história nos filmes/Os
54

passado e, depois, perguntássemos por que tais obras, quando co


paradas com as cores, os movimentos e a exCitação dos filmes, são t
ão
lentas, enfadonhas, comedidas, desbotadas e silenciosas.
Em um certo sentido, é como se Davis tivesse esquecido que a his
tória não é um processo natural como comer, respirar ou dormir -
mas
uma atividade aprendida. Temos de aprender a transformar o passado
em história e a ler o que fizemos. Uma nova midia, como as
imagens em em
movimento em uma tela acompanhadas de sons, cria uma
mudanca
enorme na maneira como contamos e vemos o
passado e também na-

aneira como pensamos o seu significado. Ao chamar os


cineastas de
artistas que se preocupam com a história", Davis
parece ignorar sua
própria evidência de que os melhores dentre eles são mais do que
ape-
nas isso. Eles já são (ou
podem ser) historiadores, se, com essa palavra,
nos referirmos a
pessoas que confrontam vestígios
os do
passado (ru-
mores, documentos, edificios, lugares, lendas, histórias orais e
e
escritas)
os usam
para contar enredos que fazem sentido para nós no
E claro, os códigos, presente.
convenções, regras práticas que permitem que eles
e

tragam passado para a tela diferem dos da história


o

isso poderia ser diferente? E


escrita. E como
bastante evidente que os filmes usam os
dados de uma maneira muito mais solta
do que a história acadêmica.
Também é evidente que o
passado na tela não visa ser literal (a história
visa?), mas sim sugestivo, simbólico, metafórico. No
res filmes históricos, entanto, os melho-
como a
própria Davis
podemmostra, estabelecer
interseções, tecer comentários e acrescentar
mais amplo do algo ao discurso histórico
qual originam e ao qual se dirigem.
se
nos, que nos Esse"algo" é o que
importamos com o passado, precisamos aprender a ver. Ao
estudar o que os melhores cineastas históricos
der melhor fizeram, podemos enten
as
regras de
interação do
Os
vestigios do passado e começar a longa-metragem dramático cO
-

ao nosso vislumbrar o que isso acrescenla


entendimento histórico. Essa será a
capítulos restantes tarefa empreendida no
deste livro.

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