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Accurso
ORGANIZADOR
Uma avaliação da ^
economia gaúcha
no paríodo 1960-1985
Volume I
editora
Este é um texto que resgata um
trabalho feito pelo Centro de Estudos
e Pesquisas Econômicas (lEPE) num
momento em que inexistia uma
avaliação ampla da economia gaúcha
capaz de dar aos fatos em curso uma
razoável interpretação de seu evolver.
Prevaleciam em seu seio estudos e
análises microeconômicos, e o Centro
estava em dívida com uma contri
buição maior, macroeconômica, que
oferecesse aos estudiosos elementos
de juízo que fundamentassem
quaisquer especulações quanto a
possibilidades futuras. Eram tão
poucas as indagações sobre o nosso
acontecer econômico em seus traços
mais globais que se fez necessária a
mobilização de especialistas setoriais
de fora com grande conhecimento
e experiência para a elaboração das
Volume I
UNIVERSIDADE
[^^1 FEDERAL DO RIO
^ Jj GRANDE DO SUL
Reitor
Carios Alexandre Netto
Více-Reitor e Pró-Reítor
de Coordenação Acadêmica
Rui Vicente Oppermann
EDITORA DA UFRGS
Diretor (interino)
Rui Vicente Oppermann
Antonio Bós Céli Regina Pinto Cláudio F. Accurso Fernando Seabra
Raymundo Ferreira Guimarães Sandra Jatahy Pesavento
Uma avaliação da
economia gaúcha
no período 1960-1985
Volume I
Cláudio F. Accurso
ORGANIZADOR
wwmm§ _ _
— C . -i r.
EDITORA
© dos autores
edição: 2014
A grafia desta obra foi atualizada conforme o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, de
1990, que entrou em vigor no Brasil em 1° de janeiro de 2009.
CDU 330(816.5)"1960-1985"
CIP-Brasil. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação.
(Jaqueline Trombin - Bibliotecária responsável CRBlO/979)
ISBN 978-85-386-0228-6
Sumário
Nota introdutória 9
Apresentação 13
1. introdução 35
2. Dados de posição na economia brasileira 36
3. A economia em movimento 39
3.1 Evolução nos diversos períodos 39
3.2 Emprego 43
3.3 Produtividade 45
3.4 Migração 48
3.5 Acumulação 50
3.6 A abertura da economia
52
4. Funcionamento da economia
59
4.1 Os estímulos autônomos 59
4.2 0 efeito ampliado 81
5. Anexo estatístico 05
1, Introdução 71
2, Definições 70
2.1 Características dos subsetores da agricultura gaúcha
3. Evolução do Produto
4. Incorporação de fatores e produtividade
4.1 Área
4.2 Trabalho
4.3 Capital
4.4 Insumos
5.2 Excedente
7. Questões futuras
7.1 Potencialidades de uso do solo
7.2 Reforma agrária
7.2.1 Potencialidades
7.2.2 Necessidades
7.2.3 Efeito sobre o produto
7.2.4 Efeito sobre o emprego
7.2.5 Demanda por fatores
7.2.6 Conclusão
7.3 Avanço tecnológico
7.4 Preservação do meio ambiente
8.Conclusão
9. Anexos ^ 150
9.1 Anexo A. Operacionalização da classificação 150
9.2 Anexo B. Dados 154
9.3 Anexo C. Cálculo do investimento anual por subsetores da agricidtura
do Rio Grande do Sul — 1960-1980 160
9.4 Anexo D. Operacionalização dos instrumentos de política econômica 163
o*-
1. Introdução 107
2. Comportamento dos gastos públicos no Rio Grande do Sul no período 1960-1973 188
2.1 Uma visão global 108
2.2 Evolução das despesas por funções 169
2.3 Evolução das despesas por categorias econômicas 171
2.4 Considerações finais e conclusões sobre o comportamento dos gastos
públicos no período 1960-1973 173
2.4.1 Considerações finais 173
2.4.2 Conclusão 175
3. Evolução do Produto
4. Incorporação de fatores e produtividade
4.1 Área
4.2 Trabalho
4.3 Capital
4.4 Insumos
7. Questões futuras
7.1 Potencialidades de uso do solo
7.2 Reforma agrária
7.2.1 Potencialidades
7.2.2 Necessidades
7.2.3 Efeito sobre o produto
7.2.4 Efeito sobre o emprego
7.2.5 Demanda por fatores
7.2.6 Conclusão
1. Introdução
2. Comportamento dos gastos públicos no Rio Grande do Sul no período 19BÜ-1973 168
2.1 Uma visão global 1 gg
2.2 Evolução das despesas por funções 109
2.3 Evolução das despesas por categorias econômicas 171
2.4 Considerações finais e conclusões sobre o comportamento dos gastos
públicos no período 1960-1973 1 yg
2.4.1 Considerações finais 173
2.4.2 Conclusão
6.1.2 Causas
8. Resumo
8.1 Conclusão
9. Causas do agravamento
10. Possíveis estratégias de soluções
10.1 Algumas medidas de caráter administrativo
10.2 Estratégias financeiras
10.2.1 Política de aumento de recursos
10.2.2 Uma política de gastos públicos
11. Referências
ANEXOS
1 Anexo I
2 Anexo II
Nota introdutória
CLÁUDIO F. ACCURSO 10
nível de fatores, os ritmos de inovação em disponibilidades diferenciadas de fa
tores, pondo em evidência as forças que presidem suas dinâmicas internas e suas
interações com os demais setores e o mundo circundante. Ganha-se, assim, uma
clara compreensão do quadro social com seu emprego, desemprego e migração,
associado às razões econômicas em que pontificam os motivos de mercado coadju-
vados pela acumulação de capital ao feitio de cada segmento institucional.
Pela análise levada a efeito, o trabalho se credenciou a considerações sobre
um tema desde longe reclamando encaminhamento,pondo em evidência relações
técnicas indispensáveis para o sucesso da reforma agrária. O exame sobre o modo
de produção em que se concretizarão os novos acessos a terra proporcionou p^â-
metros de combinações de fatores e de insumos importantes para a viabilização
de um empreendimento cuja importância social exige êxito absoluto. Ao mesmo
tempo, não se pode ignorar os seus efeitos líquidos no que respeita ao emprego,
ao melhor aproveitamento da força de trabalho e sobre o produto,bem como sua
repercussão no modo de produção de pecuária extensiva. Como a reforma agrária
tem sido vista apenas pelo ângulo político,em que seus aspectos técnicos e econô
micos nem sequer são equacionados,não são de admirar seus pífios resultados até
agora e a idéia que deixa de empreendimento marginal,visando apenas a acalmar
insurgências pontuais. Não obstante, a importância que assume o modo colonial
na economia gaúcha por si só serve de indicativo para os benefícios a serem colhi
dos em sua adoção numa política econômica responsável e de grande alcance num
país onde os excedentes demográficos são cada vez mais acentuados em relação às
oportunidades de emprego.
No setor industrial é apresentado um.detalhado exame de sua evolução,de sua
transformação estrutural, de seu comportamento nas fases cíclicas, dos modos com
que transforma os estímulos gerais em respostas próprias e adequadas à constelação
de seus recursos e à função de produção que lhe é peculiar, permitindo por isso um
crescimento igual ao da indústria nacional, porém com uma produtividade menor
em todos os gêneros, com exceção de dois. A indústria gaúcha não cresceu menos,
inclusive nos setores de ponta,embora com menor densidade de capital,com unida
des de porte menor e com organizações maisintensas em recursos humanos.
Essa análise, vista hoje, põe luz sobre a diversidade de situações que,juntas,
compõem o processo de desenvolvimento, com viabilidades plenas dentro da he-
terogeneidade oculta nas generalizações com que o mesmo é apresentado. Essa
diversidade abre campo para políticas que induzam ao seu aproveitamento efeti
vo,desde logo quando embebidas com as peculiaridades existentes. A comodidade
e a elegância das reflexões agregadas escondem possibilidades imanentes nessas
diversidades com que a realidade é construída. Isso também serve para pôr em
evidência a pobreza dessas políticas de desenvolvimento que acham que com o
controle apenas da inflação, da taxa de juros e da taxa de câmbio em vigência nos
últimos anos se lograrão os resultados de que o País necessita e pelos quais espera.
E sempre agradável encontrar abordagens abrangentes,porque também ins
piram a busca de mais detalhes do quotidiano que,como nos dias que correm,pode
Cláudio F. Accurso
Coordenador-Geral
CLÁUDIO F. ACCURSO 12
Apresentação
" A Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser tem uma publicação trimes
tral, "Indicadores Econômicos do Rio Grande do Sul", na qual aparece a análise conjuntural,
sendo que sua versão anual aparece como "Desempenho da Economia".
Dentro desta perspectiva ampla do trabalho, acolheram-se duas contribui
ções de cunho histórico, colocando a temática da crise numa dimensão poucas ve
zes tratada e dentro de uma focalizaçâo que, descarnando interesses e conveniên
cias, procura mostrar a questão em sua real objetividade.
Embora parte da base empírica utilizada estivesse disponível, a forma de sua
reorganização para fins analíticos e a abordagem empregada são de absoluta origi
nalidade.Além dos professores e pesquisadores mobilizados da Universidade,foram
chamados também consultores da maior idoneidade e experiência para complemen
tar o quadro técnico. Por outro lado,vários seminários foram levados a efeito sobre
cada um dos assuntos tratados na busca incessante de fazer circular o material de
trabalho e de recolher subsídios ao seu aperfeiçoamento. Esse material não só foi
apresentado no âmbito da Universidade como também na própria Fundação de Eco
nomia e Estatística (FEE)e na Sociedade de Economia do Rio Grande do Sul.
O trabalho foi passível de dois adiamentos,em parte devido ao maior aperfei
çoamento buscado sobretudo nas áreas da indústria e do setor público e em gran
de parte* devido às dificuldades que seu coordenador encontrou para concluir o
capítulo inicial da avaliação global. Suas múltiplas atribuições dentro da própria
Universidade e, neste último ano,já fora dela tornariam escassos os momentos
de dedicação que o estudo exigia para ser dado à luz. O maior tempo,contudo,foi
coadjuvante da melhor qualidade do produto final.
Não obstante os problemas,o lEPE pode apresentar à comunidade rio-gran-
dense um estudo macroeconômico que sem dúvida vem contribuir para um me
lhor entendimento da economia gaúcha. Aliás, essa era uma dívida de há muito,
pois suas contribuições acadêmicas tomaram ao longo dos anos nitidamente o
caráter parcial e pontual da realidade, até porque em sua grande maioria foram
desenvolvidas por pesquisadores individuais. Não fora a confiança do Ministério
em oferecer recursos ao lEPE para a mobilização de quadros que constituíssem
verdadeira equipe de suporte ao trabalho,com toda a certeza não se teria alcança
do a abrangência lograda.
Registre-se também a colaboração de todos os professores, alunos e consul
tores do lEPE que tornaram possível esta Avaliação. A Fundatec foi deveras efi
ciente em sua gestão administrativo-financeira. Os diversos Delegados do Minis
tério da Agricultura, os Auditores do Tribunal de Contas da União encarregados
de acompanhar o projeto e a própria Direção atual do lEPE ajudaram sobretudo
por sua paciente compreensão quanto às delongas havidas. As críticas feitas por
muitos foram valiosas.
A todos, um agradecimento muito fraterno,em particular ao então Ministro
Pedro Simon,por sua confiança na UFRGS e no lEPE.
Cláudio F. Accurso
Coordenador do Projeto
CLÁUDIO F. ACCURSO 14
UMA VISÃO HISTOfilCA
Céli Regina J. Pinto
Sandra Jatahy Pesavento
Perspectiva histórica da crise i/
A idéia de crise é bastante antiga no Rio Grande do Sul e tem sido continua
mente renovada e realimentada através dos tempos. Na atualidade, o tema en
contra-se,inclusive,um tanto desgastado pelo acirramento de sua utilização pelos
grupos político-partidários interessados em fazer passar para a sociedade as suas
propostas. Segundo alguns,a crise seria tão avassaladora que o Rio Grande se tor
naria praticamente ingovernável ou inviável em termos de desenvolvimento.
Para outros, pelo contrário, o Estado teria um grande potencial, contudo estaria
sendo obstaculizado por fatores externos ao Rio Grande, como, por exemplo, a
política do Planalto,o sistema Tributário,a má vontade de algum ministro,etc.
Na análise da tão decantada crise no Rio Grande,segundo uma perspectiva
histórica,é preciso que se destaque a questão segundo duas abordagensinterligadas.
Uma delas seria a da produção ideologizada da idéia da crise, ou da sua
instrumentalização de acordo com determinados interesses historicamente cons
truídos como dominantes na sociedade. A rigor,, cada grupo que ocupa o poder
procura constituir, para si, um quadro de intelectuais que se encarrega de elaborar
e difundir a ideologia,legitimando e solidificando a posição hegemônica daquele
grupo e dando coesão ao corpo social. Criadores de ideologia da classe dominante,
os intelectuais orgânicos (para usar a consagrada expressão de Gramsci) atu
am no seio da sociedade civil (partidos, igreja, sindicatos, sistema educacional,
atividades culturais), bem como no da sociedade política, como administradores,
funcionários, militares e políticos. Nesse sentido, a idéia de crise foi instru
mentalizada por essa categoria como um recurso para solidificar posições, ocultar
a incompetência dos governantes e ignorar o conflito social.
Outra abordagem seria orientada pela compreensão de que a produção de
idéias tem uma base concreta, mesmo que a sua construção, em nível de discur
so,represente uma inversão da realidade. Em outras palavras,é preciso que sejam
analisadas as condições históricas objetivas que forneceram a base concreta para
a identificação de uma situação de crise e a sua posterior elaboração ideologizada.
Isso posto,caberia ainda explicitar o que poderia ser entendido como crise do
ponto de vista de uma análise histórica.
Parte-se da premissa de que a realidade concreta -campo de ação da história
-é uma totalidade articulada,na qual os diferentes níveis ou instâncias específicas
'Professora de História do Brasil e de História do Rio Grande do Sul da UFRGS, Mestre em His
tória pela PUCRS e Doutoranda em História pela USP.
de realização prática social dos homens se encontram em contínua interação. Des
sa maneira,em termos de história,representa a compartimentalização da realida
de em instâncias um mero recurso formal ou didático de análise.
Consequentemente, os desajustes, problemas ou estrangxilamentos ocorri
dos numa instância repercutem sobre as demais. Ou seja, mesmo que os indica
dores econômicos apresentem um bom desempenho para a indústria gaúcha num
determinado ano, fatores outros, como a descrença no sistema político-partidá-
rio, a falência de um sistema educacional, a inércia e/ou desmazelas do aparelho
administrativo ou mesmo a indefinição de um planejamento global para o Esta
do, acabam repercutindo sobre o conjunto,fazendo com que a situação geral não
apenas apareça como desequilibrada ou de crise, mas realmente seja vivida pela
sociedade como tal.
Definidos assim esses pressupostos de análise, cabe resgatar, no processo
histórico rio-grandense, aquelas condições concretas que deram nascimento à
idéia da crise.
Um dado objetivo que pode ser tomado como ponto de partida desta análise é
aquele que decorre da inserção da economia gaúcha no processo de desenvolvimen
to capitalista no Brasil e a sua progressiva defasagem com relação ao eixo Rio-São
Paulo,bem como a sua crescente perda de poder poUtico frente ao centro do País.
Desde a sua formação histórica, o Rio Grande do Sul já nasceu atrelado e
subordinado às exigências e demandas da economia central de exportação brasi
leira. Entretanto essa situação vivenciada pela pecuária e cbarqueada gaúchas era
atenuada, em parte pela autonomia do exercício do poder local fruída pelos gru
pos dominantes regionais, devido a sua atuação na defesa da fronteira. A posição
militar fronteiriça do Rio Grande foi, portanto, um elemento de barganha com
que pudessem contar os senhores de terra, de gado e de escravos quando tiveram
que enfrentar o poder central na defesa dos seus interesses, como no caso da Re
volução Farroupilha. Essa fase recuada do passado histórico gaúcho seria depois
relembrada como um período de ouro ou fase heróica, em que os pecuaristas
dominavam incontestes o Rio Grande, enfrentavam e negociavam com o poder
central, e a subordinação econômica e a baixa acumulação local ainda não se fa
ziam se sentir de maneira acentuada.
Foi na passagem do século XIX para o século XX,quando se processou a tran
sição capitalista no País, que se definiram as diferenças quantitativas e qualitati
vas entre a economia gaúcha e aquela do eixo Rio-São Paulo.
Nesse processo,a indústria rio-grandense teve seus pressupostos desenvolvi
dos a partir de uma outra realidade, diferente daquela do Centro-Sul,onde o Setor
Secundário surgiu acoplado ao setor de ponta da acumulação brasileira, ou seja,
a agroexportação cafeeira. Vinculado à pequena propriedade agrícola colonial e à
acumulação comercial dela decorrente, o Setor Secundário gaúcho representaria
um menor investimento inicial, um mercado de trabalho de menores dimensões
e uma mais reduzida infraestrutura de transportes. Todavia a defasagem entre as
potencialidades de ambas as economias - a gaúcha e a do Centro-Sul - não se fez
ClÁUDIO F. ACCURSO 90
sentir de maneira acentuada enquanto perdurou a etapa de acumulação agroex-
portadora. Nessa fase, o desenvolvimento industrial brasileiro se manteve atrela
do à produção de bens de consumo assalariado,e não se haviam ainda integrado as
diferentes economias regionais num só mercado de proporções nacionais.
Neste contexto,a economia gaúcha apresentava-se como um modelofecha
do; o Rio Grande, celeiro do Pais, tinha uma base diversificada e articulada, na
qual a sua agropecuária fornecia alimentos para a subsistência da região e do País,
além de matéria-prima para a indústria tradicional. Paralelamente, um modesto
porém estável setor metal-mecânico fornecia máquinas e instrumentos para a la
voura e para o próprio Setor Secundário do Estado. Desvinculada da exportação
para o mercado internacional, a economia não sofria grandes oscilações. Politi
camente, por parte dos pecuaristas, arregimentados no Partido Republicano, ga
rantiram-se no poder por 40 anos em aliança com os novos setores urbanos emer
gentes:as burguesias comercial,industrial e financeira.
Apoiada em formas autoritárias de mando,herdadas de um passado guerrei
ro,a classe dirigente gaúcha desenvolveu,ao longo da República Velha,um padrão
de comportamento conservador e autoritário,solidificado pelo endosso da ideolo
gia positivista.
De um lado,a estabilidade do governo advinha da relativa estabilidade da base
econômico-social, representada pela sua diversificada economia e pelo sistema de
alianças entre os grupos detentores do capital; de outro,retirava sua força da vincu-
lação orgânica de^seus quadros político-administrativos com o aparelho do Estado,
através da rígida filiação partidária,bem como do eficaz sistema de repressão.
As fontes oficiais elaboravam, nessa época, uma visão do Rio Grande que
representava, em última instância, a visão que os pecuaristas tinham de si e que
riam passar dessa maneira ideológica para o conjunto da sociedade, uma vez de
purada pelo filtro da agregação partidária governista. Ilha da prosperidade,
o Rio Grande bastava-se a si mesmo, com o seu modelo regional onde o setor
agropecuário se vinculava a uma indústria tradicional; politicamente, o Governo
mantinha-se estável e distante das articulações da política nacional. Edificou-se
o mito do gaúcho,reconstrução idealizada de um tempo em que os pecuaristas
dominavam com exclusividade o Rio Grande.
A idéia da crise era vista de forma localizada: como crise política e atribuída
ao elemento desestabilizador da oposição(a Revolução de 1893 e a Revolução de
1923),como crise social devido à ação de elementos subversivos e estrangeiros(a
greve de 1917) ou como crise específica de algum produto em determinada con
juntura(a pecuária no pós-guerra,a superprodução do arroz, da banha e do char-
que da década de 20).
A oposição maragato-libertadora, constituída predominantemente por es-
tancieiros, atribuía a situação à ditadura republicana, que se mantinha no po
der pela força e impedia que a política no Estado se orientasse com prioridade ex
clusiva para a pecuária.
CLÁUDIO F. ACCURSO 28
o cofre Berta ou a roupa Renner,etc.), enquanto a agricultura se orientou também
para o trigo, além de para a lavoura capitalista de arroz que já vinha se desenvol
vendo há mais tempo.
Politicamente,frustrou-se a aspiração do controle do poder nacional, entre
vista com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder.À queda de São Paulo e dos cafei-
cultores não se seguiu a subida do Rio Grande e dos pecuaristas à direção da Nação.
O governo que se instalou após o golpe de 30 teve de enfrentar e solucionar
problemas imediatos; tratava-se de dar continuidade à acumulação capitalista no
País, ameaçada pela crise da agroexportação,bem como garantir a continuidade da
hegemonia burguesa como um todo, que,por sua vez, enfrentava o acirramento da
chamada questão social.A solução de tais questões passava pela submissão da classe
trabalhadora e pelas pretensões políticas dos grupos regionais.Se,no primeiro caso,
a intervenção do Estado no mercado de trabalho foi o recurso imediato, no segun
do, viabilizou-se pelo processo de fechamento político da sociedade brasileira que
culminou com o golpe de 37. Nesse sentido,a saída política para o Rio Grande foi o
sacrifício das pretensões de autonomia e o endosso do Estado Novo, hipotecando
solidariedade ao Governo Central. Reforçava-se, assim,o viés autoritário,com fun
das raízes no passado histórico,bem como se aprofundava a vinculação orgânica de
suas elites com o aparelho de Estado,agora não mais regional, mas nacional.
A elaboração ideológica desse momento histórico se encontra na visão oti
mista do Rio Grande. Os intelectuais orgânicos do sistema reelaboraram a ima
gem idílica do passado, trazendò-a para o presente, atualizando-a. O Rio Grande,
celeiro do País,rompia o seu isolamento. Era cooperador do progresso econômi
co brasileiro, artífice político do Estado pós-30. Não havia defasagem, mas coope
ração e interação com o Brasil. Não havia crise, mas crença nas possibilidades eco
nômicas do Estado,cuja história passada gloriosa e cujos fatos do presente recente
(a Revolução de 30)antecipavam um futuro promissor.
A partir dos anos 50,o Brasil ingressava numa nova etapa do seu processo de
desenvolvimento capitalista, assim como se havia reorientado o quadro político
no sentido da democratização.
Tinha fim aquela etapa chamada pelo economista João Manoel Cardoso de
Mello de industrialização restringida, ou fase na qual o carro-chefe do Setor
Secundário era a produção de bens de consumo assalariados ou não duráveis. A
partir dessa época,o Brasil ingressou numa nova etapa,liderada pela produção de
bens semiduráveis e de capital. Ainda segundo o economista citado,ter-se-ia cons
tituído no País um modo de produção especificamente capitalista,quando a indús
tria de base daria a autossustentação para a economia brasileira. Nesse contexto,
o Estado interveio de forma decisiva, canalizando o desenvolvimento nacional e
orientando os investimentos para a região Centro-Sul,beneficiária da acumulação
já nas fases anteriores.
Em termos do Rio Grande do Sul,as décadas de 50 e 60foram caracterizadas
por um despertar para a crise, generalizou-se a conscientização de que o Rio
Grande do Sul ficara para trás e experimentara uma defasagem com relação ao
CLÁUDIO F, ACCURSO 3(
mente, a retomada do passado: glorioso, idealizado e fantasioso, num contraste
entre a realidade concreta e as idéias produzidas.
As tentativas de acertar o passo com o Brasilforam dadas durante o sistema
autoritário. As saídas para o Estado não ficar de fora da nova realidade econômica
e do modelo de desenvolvimento adotado foram o estímulo às exportações, que
beneficiavam o Setor Primário (agricultura de soja) e ramos da indústria tradicio
nal(couro e calçados), assim como o ingresso em setores de ponta, com a produ
ção de intermediários. Paralelamente, acentuou-se a chamada desgauchização
da economia,que resultou na compra do controle acionário das empresas gaúchas
por empresas de fora do Estado,ou da prática de associações ou compra de fábricas
locais por empresas estrangeiras.
Politicamente,o ingresso no período autoritário reforçou no Sul a tendência
da vinculaçâo com o aparelho do Estado,atrelando a política e os políticos locais às
decisões do Planalto e a seus altos escalões burocráticos.
A tônica do período, mais uma vez,foi a idéia da euforia, do Brasil grande,
do progresso nacional e não a de uma crise regional.
A nova realidade nacional dos anos 80 veio restaurar a idéia da crise genera
lizada,tal como ocorrera nos anos 50. Não que as condições históricas objetivas se
repitam, mas o uso ideologizado da noção de crise renova-se no momento em que
o quadro geral da situação gaúcha contemporânea se agrava.
Por um lado, a reatualização do discurso da crise é sintoma do agravamento
daquelas tendências acima apontadas em nível econômico e político.
Mantém-se a defasagem potencial capitalista do Sul com a relação ao eixo
dinâmico da economia nacional, o que,em si, não é desastroso ou crítico. É antes
indicador da disparidade entre regiões com bases qualitativas e quantitativamen
te diferenciadas desde os seus primórdios. Grave realmente foi o descompasso po
lítico do Estado com a articulação de forças que instalou a Nova República,na qual
o Estado ficou à margem dos centros de decisão. Poder-se-ia mesmo dizer que o
grande desafio contemporâneo é levar o Rio Grande a estabelecer um projeto po
lítico que rompa a sua tradicional e estreita vinculaçâo com o aparato estatal,indo
ao encontro dos anseios da sociedade civil e,com isso,legitimando sua proposta.
Por outro lado, a retomada do discurso da crise é denunciadora da incapaci
dade dos atuais grupos dirigentes de equacionarem os problemas com que se de
frontam.A própria ênfase do conteúdo regional da crise merece consideração. Não
se leva em conta que,nas atuais condições de desenvolvimento capitalista no País,
com uma economia integrada, não há lugar para saídas regionais, ou para o en
tendimento de que a situação global do Rio Grande possa ser analisada de forma
isolada da situação do País. Além disso, com a idéia de crise regional, exercita-se
a noção de que os problemas vêm de fora, sendo o Rio Grande do Sul o grande
injustiçado ou o grande explorado. Tal visão, que indiscutivelmente se apresenta
como não crítica da realidade, exclui a ação dos agentes sociais, expurga o conflito
e, finalmente, não analisa os problemas do Estado a partir de um processo mais
amplo. Dessa forma, impede ou mesmo oculta as questões fundamentais e não
CliUDlO F. ACCURSO 31
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