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Psicologia & Sociedade; 16 (3): 35-40; set/dez.

2004

PSICOLOGIA E COOPERATIVISMO SOLIDÁRIO:


POSSÍVEIS (DES)ENCONTROS
Eveline Favero
Karen Eidelwein
UNIFRA-Santa Maria

RESUMO: O artigo trata de um relato de experiência e foi construído a partir de uma pesquisa de
iniciação científica desenvolvida junto a Cooesperança (Santa Maria –RS). O trabalho envolveu a
realização de grupos de reflexão com feirantes e entrevistas individuais, com o objetivo de compreender
como a Psicologia Comunitária pode se inserir e intervir em um ambiente cooperativo de geração de
trabalho e renda. Ainda, oportunizou um espaço para eles falarem sobre seus anseios e dificuldades. A
partir da fala dos feirantes percebemos que a Psicologia pode ter um importante papel em trabalhar na
formação dos mesmos, integrada ao trabalho de outros técnicos, antes deles ingressarem definitivamen-
te na cooperativa, ou seja, quando os futuros feirantes se reúnem em grupos de cinco famílias para se
cooperativar. Nessa etapa, misturam-se interesses individuais e coletivos que precisam ser ressignificados
diante da proposta da economia solidária.
PALAVRAS-CHAVE: Cooperativismo – Psicologia Comunitária – Economia Solidária

PSYCHOLOGY AND SOLIDARY COOPERATIVISM: POSSIBLE (DIS)ARRANGEMENTS

ABSTRACT:This article is about the report of an experience and it was written based on a scientific
initiation research, developed in an institute called Cooesperança (Santa Maria / RS). The work involved
the organization of reflexive groups with merchants and individual interviews which aimed to comprehend
how the community psychology can interfere and how it can be inserted in a cooperative environment
which produces work and income. Also, a space for a talk about the individuals’ hopes and difficulties
was provided. From the merchants’ speech, we realize that Psychology can have a very important role,
when it comes to working in the formation of the merchants themselves, integrated to the work of other
technicians, before they enroll definitely in the cooperative, that is, when the merchants gather in groups
of five families to turn into a cooperative. At this point, individual and general interests are taken into
consideration, and they need to be reorganized and rethought, considering the proposal of the solidarity
economy.
KEY-WORDS: Cooperativism - Community Psychology - Solidarity Economy

CONTEXTUALIZANDO A EXPERIÊNCIA O nosso objetivo inicial era criar um espa-


A experiência em psicologia comunitária ço de reflexão para os jovens de famílias
na Cooesperança fez parte de um projeto de pes- cooperativadas e a partir desse espaço construir
quisa vinculado ao Programa de Bolsas de Inicia- estratégias de intervenção em psicologia comuni-
ção Científica (PROBIC - UNIFRA-RS), que foi de- tária para esse tipo de clientela. A construção do
senvolvido durante o ano de 2003. A Cooesperança1 projeto de pesquisa foi feita com base em entrevis-
é uma central, que juntamente com o Projeto Es- tas concedidas pelos feirantes3 e a idéia de reali-
perança2 , congrega e articula os grupos organiza- zar grupo com os jovens foi posteriormente discu-
dos (grupos de feirantes compostos de no mínimo tida de banca em banca. Os pais manifestavam o
cinco famílias) e viabiliza a comercialização dire- desejo de um trabalho com seus filhos, visto que
ta dos produtos provenientes dos empreendimen- encontravam dificuldades destes colaborarem e
tos solidários, através de um novo modelo de valorizarem o trabalho de feirante.
cooperativismo na proposta alternativa, solidária, No primeiro encontro compareceu apenas
transformadora e autogestionária. A comer- um jovem. Conversando com ele e com outras duas
cialização é feita através de feiras tanto no termi- mulheres feirantes que se juntaram ao grupo, per-
nal de comercialização direta, como em outros pon- cebemos que talvez o desejo dos pais não fosse o
tos da cidade de Santa Maria-RS e região (Dill, in desejo dos filhos. Logo, dificilmente o grupo iria
BENTO e CASTELAR, 2001). acontecer. Falamos com a coordenação da
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Cooesperança sobre a dificuldade de montar o gru- grupo trazia relatos de acontecimentos, reflexões e
po e esta trouxe, então, como necessidade traba- atitudes experienciados durante a semana e fazia
lhar a relação com o cliente. relação com as discussões feitas nos encontros an-
Diante de demandas tão diferentes reali- teriores.
zamos grupos de reflexão4 com os feirantes, aos Realizaram-se cinco encontros de reflexão,
sábados pela manhã, ao ar livre, em frente aos pa- nos quais foram levantados aspectos positivos da
vilhões de comercialização direta, uma vez que não cooperativa e aspectos a serem melhorados. Tam-
existia sala para reuniões no local. O grupo era bém foram discutidas possíveis soluções para as
aberto a quem dele quisesse e pudesse participar dificuldades vivenciadas pela cooperativa. Partici-
em função de ocorrer no horário de funcionamen- param aproximadamente vinte feirantes no total
to da feira semanal. O convite foi feito através de dos cinco encontros. A partir do quinto encontro,
cartazes e também entregue, por escrito, em mãos, o grupo decidiu encerrar as reuniões por achar que
aos feirantes. A proposta dos grupos de reflexão a discussão sobre seus anseios e dificuldades esta-
tinha como finalidade oportunizar um espaço para va esgotada naquele momento.
eles falarem sobre seus anseios e as dificuldades Além da realização dos grupos de reflexão,
enfrentadas na cooperativa, além de ser uma ma- utilizamos como estratégia de trabalho e pesquisa
neira de compreender como a Psicologia Comuni- entrevistas semi-dirigidas, que foram gravadas5 e
tária pode se inserir em um campo alternativo de posteriormente transcritas na íntegra, com o obje-
geração de trabalho e renda. A metodologia de tivo de compreender qual o significado do traba-
pesquisa utilizada foi a da Pesquisa-ação, na qual, lho cooperativado para as pessoas que dele partici-
além do estudo, realiza-se intervenção pam e qual a importância (se é que haveria) da
(THIOLLENT, 1992). Psicologia nesse modo de organização do traba-
Escolhemos trabalhar com grupos por ser lho, além de identificar a efetiva integração dos
uma alternativa viável neste contexto estudado e feirantes com a proposta da cooperativa. As entre-
por ser uma das formas de organização da vistas foram analisadas através do método de Aná-
Cooesperança. Além disso, o grupo nos dá uma lise de Conteúdo(BARDIN, 1977).
idéia mais completa do tipo de relações A partir da análise das entrevistas, cons-
estabelecidas entre os feirantes e como é a forma truímos cinco categorias temáticas que serviram
de participação nas atividades da cooperativa. Se- de base para nossas reflexões e discussões, a sa-
gundo Campos (1996), através do grupo a Psicolo- ber: significado do trabalho, significado do traba-
gia pode utilizar métodos e processos de lho cooperativado, economia capitalista, economia
conscientização que possibilitam as pessoas assu- solidária e importância da psicologia. Destaca-se
mirem seu papel de sujeitos de sua própria histó- que as cinco categorias só foram separadas por
ria, conscientes dos determinantes sócio-políticos motivos didáticos, sendo que no contexto estuda-
e ativos na busca de soluções para seus problemas. do aparecem interligadas.
Por ser a primeira experiência em Psicolo- A categoria significado do trabalho refere-
gia Comunitária nesse contexto despertou muitas se aos sentidos que os entrevistados atribuíram ao
ansiedades e preocupações em como proceder em trabalho de um modo geral, considerando-se qual-
cada encontro. Aos poucos foi se percebendo que o quer tipo de atividade laborativa. Na categoria sig-
movimento do grupo produziu caminhos não pla- nificado do trabalho cooperativado encontramos
nejados e possíveis de serem trilhados, sendo im- os sentidos atribuídos pelos entrevistados ao modo
portante estar aberto ao desejo do grupo, que se de organização do trabalho no qual encontram-se
coloca no lugar de conhecedor de seus anseios e inseridos, no caso, cooperativo solidário. A cate-
necessidades. A perspectiva teórica e metodológica goria economia solidária diz respeito à visão que
do movimento institucionalista, que segundo os entrevistados possuem a respeito desse tipo de
Baremblitt (1994), tem como objetivo principal a organização econômica do trabalho, incluindo as
geração de processos de auto-análise e auto-ges- formas de relações interpessoais que a constituem.
tão de coletivos, auxiliou na organização do saber Na categoria economia capitalista, encontramos a
que foi dado pelo grupo e facilitou a análise e so- visão dos entrevistados em relação à organização
lução dos problemas levantados. A experiência de do trabalho e às relações sociais regidas pelo ótica
pesquisa junto à cooperativa proporcionou momen- do capital. Por fim, a categoria importância da
tos e movimentos em que a auto-análise e a auto- Psicologia refere-se à visão dos feirantes sobre o
gestão não ficassem restritas aos grupos de refle- trabalho do psicólogo.
xão, mas também, produzissem efeitos na prática
de vida diária dos cooperativados. Sobre isso, o
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“FAZER PSICOLOGIA É IGUAL A FAZER afirmam que a economia solidária não pode acon-
AGROECOLOGIA” (sic) tecer a partir de uma solidariedade forçada, ela
Sobre o significado do trabalho, um entre- deve se transformar em valor e norma interior de
vistado trouxe “sentir-se mais valorizado, o aumento vida.
da auto-estima e o estar sendo útil” (sic) como Ao contrário da economia solidária, a eco-
conseqüências importantes da atividade laborativa. nomia capitalista tem a maximização dos lucros e
O “fazer com amor” (sic) e a “preocupação com o o trabalho individual como metas, o que aumenta
futuro da humanidade” (sic), também trazidos por as diferenças entre quem tem capital e quem não
outros dois entrevistados, denotam que o trabalho tem, tornando-se difícil a sobrevivência deste últi-
não significa apenas a manutenção e (re)produção mo no mundo econômico, jogando-o num lugar
das condições materiais de existência mas tam- de exclusão social. Um feirante relata que por muito
bém a possibilidade de identidade social e valori- tempo trabalhou assim, porém, diz ele: “eu me sen-
zação pessoal, aspectos estes, reconhecidos den- tia acuado, o que está acontecendo, isso não é
tro da economia solidária. Vemos aqui o trabalho correto. Estava insatisfeito” (sic). Buscou informa-
não apenas como produção de vida material, mas ção e encontrou o seu lugar nos moldes da econo-
como possibilidade de inserção social, de reconhe- mia solidária, um lugar de “inclusão”, ou seja, um
cimento e de reconhecer-se como sujeito de sua lugar onde o produtor tem poder de decisão na
própria existência no mundo. forma de produzir e comercializar o seu produto e
Já o trabalho cooperativado tem sua im- se sente sujeito responsável pelo seu próprio traba-
portância em função da atividade que é desenvol- lho, além de possuir o compromisso social de zelar
vida em grupo, onde deve haver diálogo, reuniões, pela saúde das pessoas e pela conservação do pla-
troca de idéias e experiências, além de amizade e neta.
bom relacionamento entre as pessoas. É preciso, Em relação à importância da Psicologia ou
segundo um entrevistado, “ter consciência da im- do trabalho do profissional desta área, um dos en-
portância de trabalhar assim” (sic). Para outros, a trevistados nos relata que o psicólogo seria “uma
cooperativa tornou-se a realização de um sonho, a pessoa que tem a possibilidade de fazer um
concretização de um desejo e um lugar de infor- aconselhamento, traduzir de uma maneira que seja
mação. fácil de perceber ou entender as tuas emoções, os
Em relação à economia solidária foi teus sentimentos” (sic). Essa característica do psi-
enfatizado por um entrevistado que o mais impor- cólogo de um tradutor remete-nos ao trabalho de
tante não é visar o lucro, mas a “otimização da ressignificação da própria palavra dita pelo sujei-
produção, valorizar o ser humano e valorizar o tra- to, de ouvir o não dito, ou seja, de dizer em essên-
balho” (sic). Segundo ele, na prática isso se dá cia aquilo que é desejado comunicar. Essa habili-
através da parceria, troca, ajuda mútua de um com dade faz do psicólogo comunitário uma peça im-
o outro, diálogo com o consumidor, além de vín- portante na facilitação da comunicação entre os
culos de amizade. Esse tipo de relacionamento não membros de um grupo, uma vez que pode traduzir
seria meramente comercial, mas se constroem re- não apenas mensagens individuais, mas também
lações de troca onde todos devem se sentir co-par- coletivas.
ticipantes da proposta da economia solidária, seja Alguns feirantes disseram não saber qual
ele consumidor, produtor ou fabricante de produ- a importância do trabalho do psicólogo, o que pode
tos utilizados na fabricação de outros produtos. demonstrar a distância da psicologia enquanto pro-
As formas de se relacionar surgem espontaneamen- fissão da população em geral. Uma das entrevista-
te, são criadas e recriadas aos poucos (SINGER & das falou também que o “psicólogo é uma pessoa
SOUZA, 2000). Trabalhar com economia solidária estranha, e por isso tem como auxiliar” (sic), isto
para esse feirante é uma “questão de formação, é, uma pessoa isenta, que não vai tomar partido
um ponto quase cultural” (sic). Essa situação nos da situação. Nesse caso, vê-se a importância de
faz pensar que talvez seja necessário, para esse tipo um olhar de fora, não contaminado pela proble-
de trabalho, um processo de formação crítico e re- mática do grupo, um olhar que vê “que a proble-
flexivo, baseado em relações dialógicas6 e uma mática não é tão grande” (sic) e que o grupo têm
identificação do cooperativado com os princípios meios possíveis de solucionar. Para Vasconcelos
da economia solidária. Lembrando Sawaia (in CAM- (1989), o trabalho comunitário possibilita colocar
POS, 1996, p. 49): “os valores comunitários devem a saúde mental numa perspectiva preventiva e ine-
ser interiorizados como projeto individual para se rente à vida social. Visa também, atuar sobre as
transformar em ação. Devem ser pensados e senti- contradições internalizadas nas pessoas e nos gru-
dos como necessidade”. Singer e Souza também pos sociais, contribuindo para a explicitação des-
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ses mecanismos, possibilitando assim situações nas de serem desenvolvidas dentro de um processo de
quais os grupos possam assumir e criar novas for- formação para as pessoas que desejam se
mas de comportamento social mais democráticas, cooperativar.
participativas e solidárias. A partir da Análise de Conteúdo das entre-
Para um agricultor feirante “fazer psicolo- vistas, identificamos o desconhecimento de alguns
gia é igual a fazer agroecologia” (sic). Essa frase feirantes em relação a aspectos essenciais da orga-
foi dita por ele durante uma conversa informal em nização da cooperativa, tais como: o estatuto. Não
um dos pavilhões da cooperativa. Segundo ele, a havia lembrança deste, sendo que um dos entre-
prática da agricultura ecológica exige um conhe- vistados verbalizou “nem me lembro mais do esta-
cimento prévio transmitido ao agricultor de forma tuto” (sic). Nos encontros em grupo, percebemos
que ele tenha condições de compreender como se que nem todos possuem uma participação ativa na
dá o preparo e o cultivo do solo nessa modalidade análise das dificuldades e na busca de soluções,
de produção. Diz respeito a todo um trabalho de talvez por não terem clareza do tipo de organiza-
recuperação do solo, que leva em média três anos ção cooperativada em que estão inseridos. Junto a
para começar a dar resultados positivos. O agricul- isso, foram trazidos problemas de relacionamen-
tor utiliza ao máximo seus próprios recursos natu- tos, tanto dentro dos pequenos grupos como entre
rais para fazer esse trabalho e conta com a respos- os grupos que fazem parte da cooperativa. Diante
ta da natureza que segundo ele é “prodigiosa e dessas questões, pensamos que a Psicologia pode
reage a um trabalho desses” (sic). Ainda, a ficar disponível aos coooperativados, realizando um
agroecologia visa a “otimização da produção” (sic), trabalho de intervenção centrado nas interações
ou seja, produzir alimentos saudáveis, puros, sem entre os vários integrantes da Cooesperança, con-
produtos químicos que danificam o homem e a tribuindo dessa forma, na promoção de saúde men-
natureza. tal.
O fazer psicologia remete-nos a um traba- O trabalho do psicólogo com os feirantes
lho de promoção de saúde, em que os sujeitos do durante a formação dos grupos e antes deles in-
processo sejam levados a encontrar recursos inter- gressarem como sócios da cooperativa é importan-
nos que os capacitem a criar alternativas para so- te pelo fato de poder trabalhar não somente ques-
lucionar seus problemas. Esse pensar nos lembra a tões individuais, mas também culturais e sociais
capacidade de resiliência, definida por Rutter (apud que foram construídas historicamente através de
ANTONI & KOLLER, 2001, p. 22) como “a capaci- modelos de relacionamento fundamentados em um
dade de buscar alternativas eficazes que auxilia- modo de produção capitalista. A intervenção psi-
rão a enfrentar de forma satisfatória os eventos de cológica pode se constituir em uma estratégia im-
vida negativos”. Sugere também um trabalho de portante de escuta, que possibilite o esclarecimen-
autoconhecimento que exige tempo e disposição to de dúvidas, a formação de cultura de participa-
interna do sujeito. O psicólogo precisa de um bom ção e relacionamento econômico dentro da pro-
embasamento teórico para planejar, executar e ava- posta da economia solidária, prevenindo proble-
liar sua prática profissional, pois ela produz efei- mas futuros de não adequação de alguns feirantes
tos no sujeito e nos grupos envolvidos. Assim como à organização da cooperativa.
o agricultor precisa esperar a reação do solo, ou a Como essa cooperativa trata-se de um lu-
resposta do seu trabalho, o psicólogo também pre- gar onde circulam inúmeros técnicos como agrô-
cisa desenvolver a capacidade de confiança e es- nomos, químicos, engenheiros civis, veterinários,
pera, pois nem todas as pessoas e grupos produ- dentre outros, o psicólogo não pode ignorar a im-
zem a mesma resposta, dentro do mesmo tempo. portância desses profissionais e deve procurar rea-
POSSÍVEIS (DES)ENCONTROS lizar um trabalho articulado com eles. Segundo
A partir da experiência na Cooesperança Vasconcelos (1989, p. 43), “os psicólogos comuni-
pensamos ser importante o psicólogo trabalhar na tários não são donos de campos de trabalho onde
formação dos feirantes, antes deles se associarem só eles atuam”. Essa consciência permite estabele-
na cooperativa, na direção da melhoria das rela- cer uma relação diferenciada nos lugares por onde
ções, da construção da autonomia e da participa- o psicólogo passa, de respeito à autonomia dos gru-
ção consciente como membros de uma cooperativa pos e de incentivo à participação de todos.
que tem como pilares a cooperação e a solidarie- É papel do psicólogo adequar e avaliar sua
dade. Nesse caso, informar sobre a proposta da eco- prática constantemente, segundo as peculiarida-
nomia solidária, confrontar os interesses individu- des do local onde atua. É possível que entre as
ais e coletivos e escutar as expectativas dos futu- teorias psicológicas e o campo de atuação aconte-
ros feirantes podem ser estratégias interessantes çam encontros e desencontros, pois ao mesmo tem-
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po em que nem todo saber se aplica, é indispensá- da ABRAPSO, em 16 de outubro de 2003, Porto
vel um conhecimento teórico amplo que possibilite Alegre –RS e também no 7º SEPE (Simpósio de
ao menos saber o que é apropriado ou não desen- Pesquisa e Extensão) da UNIFRA – RS, no mesmo
volver em determinada realidade. A atuação tam- ano. O artigo é decorrente do projeto de iniciação
bém promove a construção de um novo saber que científica intitulado “O grupo como espaço de
não se encontra pré-estabelecido e que se constitui reflexão para o jovem trabalhador rural”.
a partir do próprio fazer.
Finalizando, é importante destacar que nem REFERÊNCIAS
todas as pessoas aderem à proposta da ANTONI, Clarisse de; KOLLER, Sílvia Helena. O
Cooesperança, nos gerando alguns questio- psicólogo ecológico no contexto institucional: uma
namentos: o que faz com que algumas pessoas abra- experiência com meninas vítimas de violência. Re-
cem a causa d cooperativismo solidário mais facil- vista Psicologia, Ciência e Profissão, ano 21, nº 1,
mente do que outras? Isso decorre de valores e p. 14-29, 2001.
características individuais? De questões culturais?
De experiências de vida? Para Guimarães (2002, p. BAREMBLITT, Gregório. Compêndio de Análise
31), “uma economia capitalista de liberalismo eco- Institucional e outras correntes. São Paulo: Edito-
nômico incentiva as iniciativas de cunho pessoal, ra Rosa dos Ventos, 1994.
com a finalidade central de incentivar o lucro. Não
há na sociedade a idéia do cooperativismo, até BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa:
porque o cooperativismo que está sendo desenvol- Edições 70, c 1977.
vido tem aspecto conservador e cunho empresari-
al”, assim como é nova a idéia do cooperativismo CAMPOS, Regina H. de Freitas (org). Psicologia
solidário. Seria a dificuldade de adaptação, então, Social Comunitária: da solidariedade à autonomia.
fruto de uma organização econômico-social? Es- Rio de Janeiro, Petrópolis: Vozes, 1996.
sas questões ficam em aberto o que sugere um ou-
tro tipo de estudo relacionado aos modos de orga- DILL, Lourdes. Os desafios atuais do mundo do
nização coletiva, isto é, as formas que essas orga- trabalho. In: BENTO, Maria A. Silva; CASTELAR,
nizações encontram para resolver seus problemas Marilda. Inclusão no trabalho: desafios e perspec-
e transformar sua realidade. tivas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001, p. 105-
114.
NOTAS
1
Cooperativa Mista dos Pequenos Produtores Rurais FREIRE, Paulo. A educação como prática da liber-
e Urbanos, vinculados ao Projeto Esperança. dade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
2
O projeto Esperança é um dos setores do Banco
da Esperança da Diocese de Santa Maria –RS, que GUIMARÃES, Gonçalo (org). Sindicalismo e
realiza um trabalho junto a Cooesperança. Cooperativismo: a economia solidária em debate –
3
A palavra “feirantes” se refere a todos os membros transformações no mundo do trabalho. São Paulo:
dos grupos que expõem seus produtos no terminal Unitrabalho, 2002.
de comercialização direta da COOESPERANÇA e
em outros pontos fixos na região de Santa Maria. SAWAIA, Bades Burihan. Comunidade: a
4
A terminologia “grupo de reflexão” foi proposta apropriação científica de um conceito tão antigo
pelo psicanalista argentino Dellarossa devido a sua quanto a humanidade. In: CAMPOS, Regina H. de
etimologia composta de re + flexão, ou seja: sugere Freitas (org). Psicologia Social Comunitária: da
que cada um e todos do grupo façam uma renovada solidariedade à autonomia. Rio de Janeiro,
e continuada flexão sobre si próprios, assumindo Petrópolis: Vozes, 1996, p. 35-53.
as responsabilidades que lhes são próprias. Ainda,
pelo fato de que também este tipo de grupo SINGER, Paulo; SOUZA, André Ricardo de (Orgs.).
comporta-se como uma “galeria de espelhos” onde A economia solidária no Brasil: a autogestão como
cada um pode refletir-se de forma especular, nos resposta ao desemprego. São Paulo: Contexto, 2000.
demais e vice-versa (ZIMERMAN, 2000, p. 92).
5
As entrevistas tiveram duração média de quarenta THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-
minutos cada uma. ação. São Paulo: Autores, (Temas Básicos de
6
FREIRE, Paulo. A educação como prática da Pesquisa), 1992.
liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
7
Trabalho apresentado no XII Encontro Nacional VASCONCELOS, Eduardo M. O que é Psicologia
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Favero, E..; Eidelwein, K.“Psicologia e cooperativismo solidário: possíveis (des)encontros”

Comunitária? São Paulo: ed. Brasiliense, 4ªed., 1989.

ZIMERMAN, D. Fundamentos Básicos das


Grupoterapias. Porto Alegre: ARTMED, 2000.

Eveline Fávero é Acadêmica do Curso de


Psicologia da UNIFRA/Santa Maria-RS e Bolsista
do Programa de Bolsas de Iniciação Científica
(PROBIC). O endereço eletrônico da autora é:
evelinefavero@yahoo.com.br

Karen Eidelwein é Mestre em Psicologia Social e


Institucional/UFRGS. Docente do Curso de
Psicologia da UNIFRA/Santa Maria-RS.
Orientadora do Projeto de Iniciação Científica.
O endereço eletrônico da autora é :
karen@unifra.br

Eveline Fávero e Karen Eidelwein


Psicologia e cooperativismo solidário:
possíveis (des) encontros.
Recebido: 18/03/2004
1ª revisão: 2/06/2004
2ª revisão: 15/09/2004
Aceite final: 17/09/2004

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