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Ortodoxia Integral | Pedro Lucas Dulci - 65

Capítulo 6

Tomás de Aquino e a teologia


moderna
Quando se chega ao tempo de Kant e Rousseau, o
senso de autonomia, derivado que foi de Tomás de
Aquino, já se encontra plenamente desenvolvido.
Assim, descobre-se agora que o problema se formulara
em termos diferentes.
Francis Schaeffer

A ntes de chegar ao período histórico que gostamos


de chamar de modernidade, eu preciso me demorar um pouco
em uma figura importantíssima tanto na história da Igreja quanto
na história do pensamento Ocidental, a saber: o doutor da igreja
Tomás de Aquino. Nesse aspecto concordo plenamente com
Francis Schaeffer quando ele diz que: “a origem do homem
moderno pode ser atribuída a diversos períodos. Entretanto,
partirei do ensino de alguém que transformou o mundo real. Tomás
de Aquino (1225-1274)”. 1 Eu posso explicar o porquê dessa
atribuição tão precoce do início da filosofia moderna com um
teólogo medieval. Muito antes que filósofos como René Descartes,
Jean-Jacques Rousseau ou Immanuel Kant escrevessem qualquer
linha a respeito das capacidades da razão humana, foi Aquino
que determinou substancialmente os rumos que o Ocidente iria
tomar. Ainda que a dissociação entre teoria e prática tenha
começado séculos antes, em Tomás de Aquino ela ficou clara e
praticamente irremediável. 2
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Uma das principais características de sua forma de fazer


teologia é a relação que estabeleceu entre o conhecimento natural
e o conhecimento dos conteúdos da fé. Ainda que fossem distintos,
para Aquino essas duas formas de conhecer a verdade não
estavam em conflitos. A única diferença entre as duas é que
existiam assuntos e objetos de conhecimento que poderiam ser
analisados pela razão natural dos indivíduos, enquanto que os
conteúdos da fé e da revelação de Deus estavam fora do acesso
e da capacidade racional. 3
Estabelecendo essa distinção entre dois modos de
conhecer a verdade, Aquino reforçou uma forma de enxergar a
realidade que já era defendida por Aristóteles. Tratava-se de
compreender a realidade divida em dois andares: no andar superior
estavam os assuntos e objetos divinos, isto é, Deus, sua revelação,
a fé e a salvação. No andar de baixo, estavam os objetos e assuntos
naturais, ou seja, a própria natureza, os objetos do mundo, a ética,
a estética e tudo aquilo que poderíamos conhecer com nossa razão.
Enquanto a racionalidade teórica era suficiente para decidir a
respeito das questões e objetos do mundo inferior, somente a fé e
a revelação de Deus poderiam tratar dos assuntos do andar
superior. 4 Foi em razão dessa distinção que Aquino não conseguiu
sustentar o título de ciência para a teologia – os conteúdos bíblicos
não são princípios evidentes por si mesmos, por isso, no máximo,
a teologia poderia ser uma ciência subordinada às evidências de
uma ciência superior. A teologia seria uma ciência subalterna. 5
Ou seja, foi um teólogo cristão que iniciou a desconexão
moderna entre fé e razão. Conforme coloca Schaeffer, a partir de
Aquino é que: “a filosofia tornou-se livre e separou-se da revelação...
a filosofia começou a criar asas, por assim dizer, voando por onde
queria e deixando à margem as Escrituras”. 6 Até os dias de hoje,
essa separação é percebida, quando algumas pessoas insistem
que a fé e a visão bíblica do mundo é um assunto de âmbito
privado, enquanto todas as outras questões da existência são
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assuntos de interesse público. Mais do que isso, a partir dessa


desconexão, a fé cristã começou a ser encarada como “irracional”,
quando comparada com o conhecimento que poderíamos ter da
natureza, dos fenômenos do mundo e sobre nós mesmos. Hoje
em dia ninguém ousa duvidar das hipóteses de Darwin, das
afirmações de Freud ou mesmo das perspectivas de Nietzsche.
Isso porque, o resultado do trabalho desses homens é fruto da
razão. Contudo, a existência de Deus, sua ação na história e os
conteúdos da ortodoxia sempre são vistos sob suspeita. Tudo
isso porque, um dia, Aquino restabeleceu a distinção entre duas
esferas da realidade: a natureza e a graça. 7
A razão que levou Aquino a sustentar uma visão da
realidade dividida em dois andares foi sua concepção de pecado
e queda. Para o teólogo medieval, o episódio da queda narrado
em Gênesis 3 afetou apenas o relacionamento entre Deus e os
seres humanos – ou seja, a justiça original do ser humano. Contudo,
a imagem de Deus no ser humano, permaneceu intacta mesmo
depois da queda. Sendo assim, para Aquino, as capacidades da
razão não foram afetadas pela queda, fazendo com que fosse
necessário apenas acrescentar a fé para restaurar o relacionamento
entre Deus e os seres humanos. Nas suas palavras: “a inteligência
através da qual o homem compreende é incorruptível”. 8
Além disso, uma vez que a razão não foi afetada pelo
pecado, as verdades naturais da filosofia não podem contradizer
aquilo que é sobrenatural na religião e na fé cristã. Justamente por
isso, a filosofia aristotélica pode ser acomodada à doutrina cristã,
fazendo com que surja um fenômeno bastante conveniente à Igreja
Romana: “à equalização fatal da teologia com as sagradas
Escrituras, por um lado, e com a doutrina da igreja, por outro”. 9 A
partir da canonização e oficialização de todo o ensino de Aquino
em 1879, não apenas os conteúdos apresentados pela Bíblia são
encarados como normativos para a cristandade, mas também toda
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a tradição teológica elaborada na mente dos sacerdotes e feita


canônica pelo Papa.
Fica claro, portanto, como no
“Foi um teólogo Ocidente a desconexão entre vida
cristão que iniciou prática e vida contemplativa, não apenas
a deconexão surgiu, mas estabeleceu-se com força
moderna entre fé e irresistível. Além de uma compreensão
razão.” equivocada a respeito do que as
Escrituras afirmam sobre os efeitos do
pecado sobre os seres humanos, Aquino também se perdeu na
tentativa de sintetizar a narrativa bíblica com a filosofia de
Aristóteles. 10 Tudo isso fez com que Aquino não apenas repetisse
os principais erros do filósofo grego, como também fosse incapaz
de apresentar a correta cosmovisão bíblica. Como sintetiza
Dooyeweerd: “de fato, [o pensamento de Aquino] era uma filosofia
aristotélica acomodada à doutrina da igreja”. 11
Se os leitores se lembram, para Aristóteles o filósofo ou o
sábio era alguém ocupado com a vida contemplativa – sem
nenhuma preocupação com o “cuidado de si” e a integralidade de
sua vida. Transpondo para o âmbito cristão, Aquino igualmente
sustentou que: “o ofício do sábio é meditar sobre a verdade,
sobretudo a partir do primeiro princípio... quanto mais o homem
se dedica à sabedoria, tanto mais participa da verdadeira
felicidade”. 12 Em detrimento à vida prática, e sem nenhuma
preocupação com o “cuidado de si” e a integralidade da missão
ortodoxa, para Aquino, vida contemplativa é sinônima de felicidade.
Torna-se muito fácil agora perceber como essa imagem
do sábio, do filósofo ou simplesmente daquele indivíduo que está
ocupado com as coisas mais divinas e importantes (o teórico),
chegou até a modernidade. Nas palavras de Schaeffer: “Tomás de
Aquino como ponto de partida”. 13 A figura do intelectual como
aqueles que “organizam diretamente as coisas e presidem ao seu
reto governo” 14 será recuperada, e elevada ao nível mais alto, na
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modernidade. Quando essa concepção de verdade chegou a seu


período moderno, o território já havia sido, há muito, preparado
por Aquino e a filosofia aristotélica. Paulatinamente o princípio do
“cuidado de si”, que guiou toda atividade cultural da antiguidade,
foi sendo esquecido e cedendo lugar a uma concepção de
pensamento e de vida em que teoria e prática estavam
desconectadas. Tal esquecimento foi completo quando o
pensamento chegou ao “momento cartesiano” da história. Isso
não significa que René Descartes tenha sido o primeiro a conceber
o pensamento totalmente independe da vida daquele que pensa,
nem tão pouco o inventor dessa forma de pensar, mas a partir de
sua obra algo ficou explícito. Quem explica isso é Foucault:

Creio que a idade moderna da história da verdade começa no


momento em que o que permite aceder ao verdadeiro é o
próprio conhecimento e somente ele. Isto é, no momento em
que o filósofo (ou o sábio, ou simplesmente aquele que busca
a verdade), sem que mais nada lhe seja solicitado, sem que
seu ser de sujeito deva ser modificado ou alterado, é capaz,
em si mesmo e unicamente por seus atos de conhecimento,
de reconhecer a verdade e a ela ter acesso. O que não
significa, é claro, que a verdade seja obtida sem condição.
Contudo, estas condições são agora de duas ordens e
nenhuma delas concerne à espiritualidade. 15

O que Foucault quer nos mostrar aqui é que, a partir do


“momento cartesiano” algo que já havia começado com Aristóteles,
passando por Aquino e chegando até Descartes, tornou-se
evidente: a ausência de qualquer exigência para que alguém
alcance a verdade. Na máxima cartesiana “penso, logo existo”
esconde-se a crença de que o ponto mais sólido e indubitável da
existência de um ser humano é a sua capacidade de utilizar a
faculdade intelectual. 16 Não é mais exigido coerência entre vida e
pensamento, como também se acredita não ser mais necessário
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nenhuma experiência de conversão ou transformação para que


alguém tenha acesso às verdades do mundo, da vida e até mesmo
de Deus. Na verdade, todas as outras instâncias da nossa vida,
tal como nosso corpo, nossos sentidos e nossas experiências
deveriam ser colocadas em questionamento. Era preciso duvidar
de tudo aquilo que não fosse racional. Isso porque, todos os
assuntos poderiam ser conhecidos, e até mesmo a existência de
Deus provada, pela simples condução correta do entendimento.
Não existem mais condições espirituais para se chegar à verdade.
A ortodoxia deixou de ser integral, e o conhecimento por ele mesmo
é o suficiente para chegarmos à compreensão correta sobre nós
mesmos e sobre Deus. Somente a loucura, isto é, a desordem das
faculdades racionais, poderia impedir as capacidades do
entendimento humano.
Se Descartes foi aquele que disse que o pensamento por
ele mesmo seria o bastante para chegarmos à verdade, foi
Immanuel Kant o último responsável pela desconexão entre vida
contemplativa e vida prática. Isso ele fez quando sustentou que
até mesmo os limites do conhecimento estão sujeitos à própria
estrutura da sua racionalidade. Isso significa dizer que, os únicos
limites que os modernos pensadores conheceram à sua
racionalidade é a própria estrutura de nosso aparato cognitivo. O
indivíduo não precisa se transformar, passar por alguma conversão
ou modificar a forma da sua vida para que alcance o conhecimento
mais alto sobre si mesmo, sobre o mundo ou até mesmo sobre
Deus. Basta que ele continue sendo quem é e apenas utilize
corretamente sua racionalidade. A queda e o pecado não afetaram
as capacidades racionais das pessoas, antes, para que elas
possam conhecer a Deus e a condição humana, basta que “pensem
direito”. 17
Descartes, Locke, Rousseau e Kant são herdeiros do
projeto que Tomás de Aquino havia estabelecido para si mesmo:
mostrar para aqueles que não são cristãos que: “a verdade,
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estabelecida pela via demonstrativa, concorda com a fé da religião


cristã”. 18 Ou seja, ser cristão é ser racional, ou ainda, não ser
cristão é ser louco! A grande diferença entre Aquino e os
pensadores modernos é o processo de secularização que esses
últimos entraram. Uma vez que a realidade estava dividida em
dois andares – o andar superior da teologia e o andar inferior da
filosofia e da ciência – os intelectuais modernos passaram a se
ocupar muito mais com aquilo que não exigia fé, isto é, os assuntos
do “andar de baixo”. Com isso, iniciou-se um processo que
Schaeffer define da seguinte forma:
“à medida que a natureza se fazia “A verdade,
autônoma, passava a ‘devorar’ a estabelecida
graça... Ela libertou-se de Deus à pela via
medida que os filósofos humanistas demonstrativa,
começaram a operar cada vez mais concorda com a fé da
à vontade. Quando a Renascença
religião cristã. Ou
chegou ao seu clímax, a natureza
seja, ser cristão é ser
havia devorado a graça”. 19 Com
racional, ou ainda,
exceção desta modificação de
não ser cristão
temáticas em razão do processo de
secularização, a aporia em que nos
é ser louco!
encontramos é a mesma. Nunca mais
conseguiremos pensar em um testemunho da verdade que seja
uma forma de vida, ao invés de um simples acúmulo de
informações e doutrinas. 20 A ortodoxia e a missão da igreja
deixaram de ser integrais, para partir-se em duas ênfases distintas:
aqueles que pensavam e aqueles que praticavam o chamado e a
missão de Deus.

Notas
1. SCHAEFFER, A morte da razão, p. 13.
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2. Conforme sustenta Foucault: “havia muito tempo já se iniciara o


trabalho para desconectar o princípio de um acesso à verdade
unicamente nos termos do sujeito cognoscente e, por outro lado, a
necessidade espiritual de um trabalho do sujeito sobre si mesmo,
transformando-se e esperando da verdade sua iluminação e sua
transfiguração. Havia muito tempo que a dissociação começara a
fazer-se e que um certo marco fora cravado entre estes dois elementos.
E este marco, bem entendido, deve ser buscado ... do lado da ciência?
De modo algum. Deve-se buscá-lo do lado da teologia. A teologia
(esta teologia que, justamente, pode fundar-se em Aristóteles -
conforme o que lhes dizia há pouco - e que, com Santo Tomás, a
escolástica, etc., ocupará, na reflexão ocidental, o lugar que
conhecemos), ao adotar como reflexão racional fundante, a partir do
cristianismo” (FOUCAULT, A Hermenêutica do sujeito, p. 36).
3. Em suas próprias palavras: “existem muitas maneiras de descobrir
a verdade. [...] As verdades que professamos acerca de Deus revestem
uma dupla modalidade. Com efeito, existem a respeito de Deus
verdades que ultrapassam totalmente as capacidades da razão
humana. Uma delas é, por exemplo, que Deus é trino e uno. Ao contrário,
existem verdades que podem ser atingidas pela razão: por exemplo,
que Deus existe, que há um só Deus, etc. Estas últimas verdades, os
próprios filósofos as provam por via demonstrativa, guiados que eram
pelo lume da razão natural” (AQUINO, Súmula contra os gentios, p.
65).
4. Conforme explica o comentador da obra de Aquino, Michel Villey:
“a maior felicidade está no ato ‘do intelecto especulativo’ (art. 5). Esse
tema ocupa lugar de honra na obra de Tomás de Aquino – e já na de
Aristóteles: primado da especulação. Não significa negação do valor
da prática. Ela tem algo de divino, pois em Deus reconhecemos outro
atributo, a bondade. Trabalhar pelo próximo impõe-se ao homem, no
estado de sua vida presente. Mas a própria ação é o caminho, e não o
atingimento da bem-aventurança. A especulação toca o objetivo.
Caberá, à maneira de Hegel ou mesmo de Aristóteles (art. 6), situar o
termo felicidade no bios theoretikos, vida científica desinteressada
[...]. Bem-aventurança será a visão da essência divina (art. 8). O homem
não a atinge na terra. Aqui ele sabe se Deus é (an est), e não ‘o que é’
(quid sit). Essa contemplação é prometida ao homem em outro estado,
por vir. Com isso termina a busca, não mais sob a égide de Aristóteles,
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mas do Evangelho de São João e do livro de Jó – Jó 17.3 [...]. Mas,


afinal, essa conclusão já não estava presente na literatura pagã? Nos
herméticos, na gnose, no neoplatonismo, de que Tomás de Aquino
tributário? Ele não pretende ser original” (VILLEY, Questões de Tomás
de Aquino sobre direito e política, p. 6-7).
5. Nas palavras do competente pastor e professor Jonas Madureira:
“Tomás utiliza essa teoria da subalternação das ciências para
fundamentar a teologia como ciência subalternada. Por isso, de acordo
com Tomás, a teologia (doutrina sagrada) é uma ciência descritiva,
i.e., descreve apenas o fato (o quê). Para explicá-lo, a teologia tem
que se fundamentar em outra ciência (subalternante), uma ciência
capaz de dar os fundamentos explicativos das causas. Nesse caso, a
ciência subalternante da teologia é a ciência do próprio Deus
(conhecimento que somente Deus possui) e dos bem-aventurados
(conhecimento daqueles ‘que contemplam a Deus face a face’)”
(MADUREIRA, Tomás de Aquino e Duns Scotus: sobre a possibilidade
da teologia como ciência, s/p.).
6. SCHAEFFER, A morte da razão, p. 16.
7. Somos informados sobre alguns detalhes do surgimento dessa
questão tão importante na cultura ocidental. Na verdade, a questão
entre natureza e graça foi uma crise no percurso teológico ocidental.
Segundo Michel Villey: “Paris continuava, contudo, sendo o coração
dos estudos teológicos. Ali surgiu uma crise. Sigério de Brabante e
Boécio de Dácia deixaram-se subjugar pelas teses do ‘Comentador’
(Averróis), ameaçadoras para a fé cristã, com o risco de professar o
sistema da ‘dupla verdade’: uma para a Razão natural, outra imposta
aos cristãos pela Revelação. O poder espiritual percebe o perigo dessas
doutrinas; elas arruínam a crença no Deus criador, assim como em
nossa liberdade, sem a qual não há moral. Eis que Tomás de Aquino é
enviado a Paris por seus superiores (1269); vai refutar os erros dos
averroístas, sem nenhuma concessão à facção contrária, dos
detratores da filosofia. Bastará restabelecer a verdadeira doutrina de
Aristóteles, travestida por Averróis, sobretudo os textos autênticos. Não
existe ‘dupla verdade’. Posição saudável e equilibrada que teve pouco
sucesso na Faculdade Parisiense de teologia. Várias teses de Tomás
de Aquino serão condenadas, de cambulhada com as dos averroístas,
pouquíssimos anos depois da sua morte, pelo bispo Etinne Tempier;
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logo depois em Oxford” (VILLEY, Questões de Tomás de Aquino sobre


direito e política, p. 10).
8. AQUINO, Compêndio de teologia, p. 93. Na verdade, todo o seu
raciocínio está impregnado por um dualismo grego de matéria e forma,
sustentando que a matéria é corruptível e afetada pela queda, enquanto
as faculdades do espírito (responsáveis pela forma e entendimento do
mundo) não são. Em suas próprias palavras: “é necessário que a
inteligência, com a qual o homem compreende, seja incorruptível,
pois cada coisa age segundo o seu ser. Ora, a inteligência tem um tipo
de operação que não age pelo corpo [...] donde segue que opera por
si mesma, sendo, portanto uma substância que subsiste no seu ser.
[...] Consequentemente, a inteligência através da qual o homem
compreende é incorruptível” (AQUINO, Compêndio de teologia, p. 93).
9. DOOYEWEERD, No crepúsculo do pensamento ocidental, p. 181.
10. Quanto a essa questão, ninguém é melhor do que Dooyeweerd
para nos explicar que: “essa é a razão por que a teologia, em seu
sentido científico, necessita de um fundamento filosófico. Pois apenas
a filosofia pode fornecer um insight teórico sobre a estrutura interna e
a coerência mútua dos diferentes aspectos ou modos da experiência
humana. A única pergunta a se fazer é se esses fundamentos filosóficos
estão sujeitos ao motivo básico religioso bíblico ou a motivos básicos
religiosos não bíblicos originados de uma apostasia completa ou
parcial. Os móvitos básicos apóstatas certamente redundam no
emaranhamento do pensamento filosófico ao absolutista aspectos
especiais, de forma que um insight sobre sua estrutura e coerência
real com os outros é excluída em princípio. É uma vã ilusão imaginar
que tais visões filosóficas possam se tornar inofensivas ao serem
acomodadas de uma forma externa à doutrina eclesiástica à qual o
teólogo adere” (DOOYEWEERD, No crepúsculo do pensamento
ocidental, p. 219).
11. DOOYEWEERD, No crepúsculo do pensamento ocidental, p. 220.
12. AQUINO, Súmula contra os gentios, p. 64.
13. SCHAEFFER, A morte da razão, p. 12.
14. AQUINO, Súmula contra os gentios, p. 63.
15. FOUCAULT, A Hermenêutica do sujeito, p. 22.
16. Em seu projeto de fundamentação de todo o conhecimento, René
Descartes começa a duvidar de tudo aquilo que não estava sob bases
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sólidas do conhecimento, inclusive sobre si mesmo: “não conheço


bastante claramente o que sou, eu que estou certo que de que sou; de
sorte que doravante é preciso que eu atente com todo cuidado, para
não tomar imprudentemente alguma outra coisa por mim,e assim para
não equivocar-me neste conhecimento” (DESCARTES, Meditações
metafísicas, p. 24). Nesse processo de buscar uma característica
indubitável sobre o que ele era, o filósofo chegou a seguinte conclusão:
“mas o que eu sou, portanto? Uma coisa que pensa. Que é uma coisa
que pensa? É uma coisa que duvida, que concebe, que afirma, que
nega, que quer, que não quer, que imagina também e que sente”
(DESCARTES, Meditações metafísicas, p. 27). Será, portanto a partir
de uma percepção totalmente racionalista de si mesmo que Descartes
procurará, não apenas fundamentar todo o conhecimento verdadeiro,
como também a própria existência de Deus. Contudo, não é o Deus de
Abraão, de Isaque e de Jacó. Trata-se do deus dos filósofos, ou ainda,
“a ideia de Deus” (DESCARTES, Meditações metafísicas, p. 39). Não
mais uma pessoa que se relaciona comigo e com você, mas tão
somente uma ideia ou o um conceito, foi no que a modernidade
transformou Deus.
17. É importante mostrar que, o próprio Kant deu testemunho da
fragilidade do seu próprio projeto filosófico de determinar o terreno
mínimo do uso adequado da razão. Após estabelecer as bases de seu
projeto, ele abre um parêntesis para dizer que, a revelia deste
procedimento, “a Metafísica é, contudo real como disposição natural
(metaphysica naturalis). Com efeito, sem ser movida pela mera vaidade
da erudição, mas impelida pela sua própria necessidade, a razão
humana progride irresistivelmente até perguntas que não podem ser
respondidas por nenhum uso da razão na experiência nem por
princípios daí tomados emprestados, e assim alguma metafísica sempre
existiu e continuará a existir realmente em todos os homens, tão logo
a razão se estenda neles até a especulação (KANT, Crítica da razão
pura, B 21). Martin Heidegger irá sustenta a mesma posição: “enquanto
o homem permanecer animal rationale é ele animal metaphysicum.
Enquanto o homem se compreender como animal racional, pertence
a metafísica, na palavra de Kant, à natureza do homem” (HEIDEGGER,
Que é metafísica?, p. 245). Em tudo isso, percebemos como o projeto
filosófico moderno é, por princípio, insuficiente para determinar o real
ponto de partida do conhecimento e das convicções do ser humano.
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Por essa razão que a tradição filosófica inspirada na reforma protestante,


em especial no agostiniano-calvinismo, mostra-se como uma
abordagem muito mais adequada a respeito do tema, uma vez que
compreende que: “a impulsão religiosa inata do coração humano de
transcender a si mesmo em busca de descanso na origem divina”
apenas demonstra que: “o verdadeiro conhecimento de Deus e de nós
mesmos ultrapassa todo o pensamento teórico” (DOOYEWEERD, No
crepúsculo do pensamento ocidental, p. 203 e 183).
18. AQUINO, Súmula contra os gentios, p. 64.
19. SCHAEFFER, A morte da razão, p. 18.
20. Quanto a isto, Dooyeweerd explica: “o dualismo interno causado
no ponto de partida central do pensamento grego por esses dois motivos
opostos [matéria e forma, física e metafísica, natureza e graça] fez
surgir uma visão dicotômica da natureza humana como composta de
um corpo material perecível e uma alma racional, imortal. [...] A função
lógica do pensamento teórico foi considerada como completamente
independente do corpo material, uma vez que é direcionada para as
formas eternas do ser devendo, consequentemente, ser da mesma
natureza dessas formas imperecíveis. Desse modo, a tese de que a
função lógica do ato teórico de pensamento seria independente do
corpo material tornou-se um argumento recorrente na prova metafísica
da imortalidade da alma racional” (DOOYEWEERD, No crepúsculo do
pensamento ocidental, p. 232-234).

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