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Yves Stalloni

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Os Generos
Literários
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1
A NOÇÃO DE GÊNERO LITERÁRIO

1. DEFINIÇÃO E DELIMITAÇÃO

1. A palavra e suas acepções

A palavra "gênero" não está reservada unicamente


ao domínio estético nem, muito menos, ao da literatura.
Trata-se de um termo do léxico que remete, de maneira
geral, à idéia de origem, tal como testemunha o equi~a-
lente latim do qual ela deriva, 9enus, 9eneris. Nesse senti-
do, segundo o qual designa aproximativamente "raça"
ou "tronco", é que a palavra foi empregada até a Renas-
cença. Também é essa significação que o termo conser-
vou no sintagma moderno "gênero humano", expressão
destinada a recobrir o "conjunto dos homens considera-
dos independentemente de toda e qualquer noção de
sexo, de raça, de país". (Dictionnaire alphabétique et analo-
Bique de la lanBueJrançaise.)

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Os 9êneros literários

Essa primeira definição que recobre implicitamente a


idéia de "grupo de seres" autorizou ~m desvio semântico,
numa perspectiva mais filosófica, em direção ao sentido
de regrupamento de indivíduos ou de obj~tos que apre-
sentem entre eles características comuns. E essa a defini-
ção proposta pelo dicionário filosófico de Lalande:

"Diz-se de dois objetos que pertencem ao mesmo


9ênero quando têm em comum algumas característi-
.
cas 1mpo rtant es.,,
Vocabulário crítico e técnico da filosofia,
verbete "Gênero", Paris, PUF, 1985.

Dois campos do saber recuperaram essas definições


a fim de designar classificações particulares: a gramática,
em que a palavra "gênero" permite distinguir categorias
do masculino e do feminino (e eventualmente do neu-
tro); e a literatura e a arte, que recorrem a esse termo
para qualificar classes, assuntos ou modos de criação. Na
pintura, por exemplo, separam-se o retrato, da paisa-
gem; a marinha, da natureza-morta; na arquitetura,
distinguem-se o gótico, do romano; o barroco, do clás-
sico; em matéria de cinema, que entretanto é uma arte
recente, existe a tradição de diferenciar as categorias do
westem, da comédia musical, do filme de aventuras, dos
filmes de "peplo" ou do desenho animado.
A literatura, por sua vez, obedece à mesma vontade
taxinômica, esforçando-se por classificar as obras e os

12
A noção de 9ênero literário

assuntos em função de critérios-particul-ªr~s, sejam eles


estilísticos, retóricos, temáticos ou outros. Esse é o ter- .
. ritório que constitui os gêneros literários e que nos pro-
pomos a explorar aqui.

2. A respeito de alguns pressupostos

Três pressupostos decorrem dessa definição.

• A idéia de norma
A distribuição em gêneros estabelece-se sobre uma
vontade de ordem, no duplo sentido da palavra. Por um
lado, repartindo os objetos no interior de categorias
determinadas, é possível remediar a desordem de uma
produção apresentada "a granel". Por outro lado, essa
organização funciona como uma espécie de ordem a
seguir, no sentido de que a categoria genérica predeter-
mina o conteúdo das produções que se enquadram na .
ordem estabelecida. Ela se apresenta, de fato, como um~
divisão rígida regulamentada por regras imperativas cuja -, .

observação condiciona a coerência.

• A idéia de número

O gênero é um<1 figura da pluralidade. Para que haja


gênero, é preciso que haja reunião, fundamentada sobre
critérios de semelhança, de elementos individuais toma-
dos em número indefinido, mas de importânçia bastante

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Os 9êneros literários

significativa. É pela justaPosição de diversas obras teatrais


produzidas conforme uma mesma estética que se poderá
estabelecer a categoria da comédia - mesmo se admitin-
do que autores como Moliere, Marivaux ou Courteline
são, definitivamente, muito diferentes. O gênero, além do
mais, assume toda sua significação quando relacionado
aos outros gêneros dos quais ele se distingue. Neste caso,
por exemplo, a comédia opõe-se à tragédia e ao drama.

• A idéia de hierarquia

A definição da palavra "gênero" fez aparecer de


maneira clara uma divisão estratificada do saber. O gêne-
ro delimita um primeiro nível em relação à espécie, ela
mesma dividida em famílias ou classes, repartidas por
sua vez em grupos ou células, essas últimas, ainda, com-
postas por unidades ou objetos, e assim por diante. A
noção reproduz portanto uma realidade social, cultural
- e quase ideológica - , que é a da organização huma-
na sob a forma piramidal.

3. A palavra "gênero" em literatura

Pelo que foi dito acima, pode-se medir a dificuldade


em se chegar a uma definição precisa do gênero em lite-
ratura. O crítico alemão Karl Vietor recomendava, nas
liminares linhas de um ensaio consagrado a essa questão,
a mais extrema prudência em matéria terminológica:

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•'
A noção de 9ênero literário

" No debate científic<? que se instaurou, no decorrer


da última década, sobre as relações dos gêneros lite-
rários, o conceito de "gênero" não tem uma utiliza-
ção tão uniforme quanto deveria para que fosse,
enfim, possível progredir nesse campo tão difícil.
Assim, fala-se de epopéia, de poesia lírica e de dra-
ma como três grandes 9ênei;os; e, ao mesmo tempo, a
novela, a comédia e a ode também são chamadas de
9êneros. Um único conceito abarca assim dois tipos
de coisas diferentes."
História dos gêneros literários, em Teoria dos
9êneros, Seuil, col. "Points", 1986, pp. 9-1 O.

O primeiro problema que se coloca aqui é, pois, de


natureza lexical: o que, exatamente, encontra-se por
detrás da palavra "gênero"? Percebe-se rapidamente que
essa pergunta banal equivale a um questionamento sobre
a natureza particular das diversas produções literárias,
sobre o ângulo escolliido para conduzir a análise, sobre o
ato de leitura, sobre a recepção reservada à obra, sobre
sua "literalidade", em sumá, sobre a própria essência da
literatura. É preciso avançar com prudência num domínio
em que as palavras são verdadeiras armadilhas e, como
dizem os especialistas da linguagem, é preciso, também,
"deixar de identificar os gêneros com os nomes dos gêne-
ros". (O. Ducrot, T. Todorov, Dicionário enciclopédico das
ciências da Íin9ua9em, Seuil, col. "Points", 1972, p. 193.)

15
Os aêneros literários

. . Ao contrário do que se passa com as outras artes,


parece ser muito difícil, para a literatura, chegar a um
consenso sobre uma teoria co«ente dos gêneros basea-
da em definições rigorosas e em delimitações precisas. É
sempre possível fazer adaptações da ~efi~ição geral ao
caso da literatura, como procede A. Kibed1-Varga:

'~O gênero é uma categoria.que permite reunir, segun-


. do critérios diversos, um grande número de textos." .
Dicionário das literaturas de lín9uajancesa, ver-
bete _"GênefOS literários", ,t3ordas, 1987.
' '

Mas que categorias? Que critérios? E quant~s? Que


textos? Quantos textos? Tais questões indispensáveis
re~etem inevitavelmente a_,nosso ponto de partida, isto
~, ~:~náHse _"poética" da produção literária.
_:· _. _Com o objetivo de escapar à tautologia, limitar-nos-e-
mos -~ ú~ica definição aceitável no momento, aquela que,
apoi~ndo-se
. - '
sobre , uma ·fo~ma,· detém-se no aspecto "es-
· trutural" da obra. E o que aconselha Riffaterre, ao afirmar
que "o gênero é a estrutura da qual as obras são variantes"•
Essa "tipologia estrutural" rudimentar, que não
pode _ser aceita de maneira simples, combina implicita-
~ente :duas abordagens: uma primeira, de natureza histó-
ricà (como é que se produziram e se distribuíram as obras
du~ante·as diversas épocas da criação?); e uma ·segunda-;
de nature--a teórica (quais os caracteres discriminatórios
que·permitem a repartição das obras em diferentes elas--

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A noção de 9ênero literário

ses?). Essa perspectiva.~upla que reproduz uma distinção


bastante conhecida pelos lingüistas, por exemplo, que é
da diacronia e da sincronia, vai delimitar nosso percurso
rumo à elucidação dos gêneros literári~~- ·

II. A PERSPECTIVA HISTÓRICA

Não é nada exagerado pretender que a noção de


gênero literário é um marco fundamental na história da
análise literária. Todos os especialistas concordam sobre
a existência dessa preocupação permanente, pontuada
por alguns momentos ·de eclipse. Por exemplo, vejamos
o que dizem disso Ducrot e Todorov:

"O problema dos gêneros é um dos mais antigos da


.poética, e, desde a Antiguidade até os dias de hoje, à
definição dos gêneros, seu número ·e suas relações
mútuas nunca deixaram de provocar discussões."
Op. cit., p. ·193_,

, . O modelo grego: Platã_o e Aristóteles

Se considerarmos a questão de um ponto de vista


histórico, parece evidente que o texto fundador em
matéria de gênero literário, aquele a_o qual se atribui a
maior autoridade, é o de Aristót_eles, sua Poética, obra
que, infelizmente, ch~gou até nossos dias num "a~pecto

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Os 9êneros literários

lacunar e desordenado". (Michel Magnien, Introdução à


Poética, Le Livre de Poche, 1990, p. 19.) O livro se abre
por uma definição de seus objetivos:

"Trataremos da própria arte poética e de suas espé-


cies, do efeito próprio a cada uma delas, da maneira
pela qual é preciso agenciar as histórias para a compo-
sição das quais se deseja obter êxito; trataremos, além
do mais, do número e da nature1.a das partes que a
constituem e, igualmente, de todas as questões que
pertencem ao domínio em foco, começando pelo que
vem primeiro e, depois, seguindo a ordem natural."
Poética, 1447a, trad. de M. Magnien,
op. cit., p. 85.

Ao utilizar a palavra "espécies", Aristóteles, que na


verdade retoma diversas discussões esparsas em vários
diálogos de Platão (A República, Fedro, Íon), introduz de
maneira brutal a idéia de distinguir categorias e de descre-
ver, de forma teórica, as regras que as regem. O conceito
de "gêneros" aparece isolado, assim, pela primeira vez.
Em seguida, Aristóteles passa a duas distinções
essenciais:

- as "espécies" estudadas pela poética enqua-


dram-se todas elas numa mimese (imitação);
- a distinção das "espécies" entre elas pode ser fei-
ta a partir das formas dessa imitação.

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A no~ão de 9ênero literário

Examinemos o texto:

"Tanto a epopéia, quanto a poesia trágica e igualmen-


te a comédia, bem como a arte do poeta do ditiram-
bo e, na maioria dos casos, a do tocador de flauta ou
cítara, são, de maneira geral, imitações. Mas umas
diferem das outras devido a três aspectos: ou bem elas
imitam por meios diferentes, ou bem imitam objetos
diferentes, ou ainda imitam segundo modos diferen-
tes e não da mesma maneira."
Ibidem.

Os capítulos seguintes vão explicar e desenvolver os


princípios definidos nesse preâmbulo, propondo, espe-
cialmente, um comentário sobre esses três modos de
imitação:

- os meios (critério formal) que permitem distin-


guir, por exemplo, a prosa do verso ou de uma
combinação entre ambos;
- os objetos (critério temático) a partir dos quais
se define a matéria mais ou menos "nobre" das
pessoas representadas (é por esse meio que se
distingue a comédia da tragédia);
- o modo de representação (critério enunciativo),
estabelecido pelo fato de os objetos serem imita-
dos no âmbito da narrativa (o que supõe uma
enunciação na primeira ou terceira pessoa), ou

19
a

Os 9êneros literários

por serem representados diretamente (sob a for,


ma do diálogo de teatro) .

É possível reproduzir esse sistema no interior de um


quadro:

..
..
Mimese
Meio Objeto Modo
'
Prosa Verso Superior Inferior Narrativo Dramático

Primeira Terceira
pessoa pessoa

Essa classificação, aliás, pode, de acordo com o


modq de imitação visado,. levar a "gêneros" diferentes
(comédia versus tragédia, poesia versus prosa, narrativa
versus teatro ...). Dessas diversas classificações, porém,
apenas a terceira parece inaugurar uma tipologia de for-
ma clássica.
Enfim, o teórico grego atribui apenas uma impor-
tância relativa a uma distinção que consideramos capital
e que já se encontrava na obra de Platão (A República),
que é a que opõe a dié9ese (a história, a narrativa) à mime-
se (a imitação dialogada). Ou, melhor, Aristóteles só
·aceita essa nuança no interior de uma mesma espécie
definida pelo terceir~ modo, distinguindo uma mimese
narrativa (que compreenda narrativa e diálogo, como no

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A noção de 9ênero li terário

caso de Homero) de uma mi.mese dramática (limitada à


troca de falas e ao estilo direto).
Essa imprecisão tem origem no projeto geral da Poé-
tica, que é movido pela intenção de legiferar .em .matéria
de teatro - como propunha fazer em matéria de elo- _
qüência o outro tratado simétrico à Poética, a Retórica-, e
pelo desejo de demonstrar a superioridade de uma for-
ma artística em especial, a tragédia. Se desejarmos -.
extrair mais claramente os elementos tipológicos que .
permitem chegar até os gêneros, precisamos lançar mão
de um texto de Platão, A República, em que o filósofo ~
movido por intenções muito diferentes daquelas que
animavam Aristóteles, chega a uma distinção de três
níveis, esta, bastante clara:

"Há um primeiro tipo de poesia e de ficção inteira-


mente imitativa que compreende, como disseste, a
tragédia e a comédia; um segundo, em que os fatos.
são relatados pelo próprio poeta - . tu a encontra- .
rás, sobretudo, nos ditirambos - ; e, enfim, um ter~ .
ceiro tipo formado pela combinação dos dois prece-
. dentes, utilizado principalmente na epopéia_~01 -
muitos outros gêneros."
A República, III, 394b, trad. R. Baccou,
Garnier-Flammarion, p. 146.

Aí estamos, agora, diante de uma tríade fundamen-


tada sobre o modo da enunciação, na qual se distingue
entre:

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r
Os 9êneros /Jtt!rdrios

- a arte da inlitaçâo, ou seja, o teatro (con1édia


tragédia);
- a arte da narrativa, no caso o ditir,uubo (escrito
em verso, evidenten1ente);
- a arte mista, a epopéia (especialn1ente a de
Hon1ero).

Outro quadro pode esquematizar tal sistema:

Memeff yun"1o imll'1Civa)


Enunciação zero Enunciação din~ta Enunciaçlo mista

Dramático Narrativo Narrativo

Epopéia Outros

-
Tragédia Comédia Ditirambo
gêncros
narrativos

Notamos, entretanto, que a poesia continua não


aparecendo nessa distribuição, já que ela se baseia em
outro tipo de critério, que é o dos "meios" utilizados
pelo artista, e concerne ao conjunto dos discursos reti-
dos. Se se negligencia a terceira categoria, que não passa
de uma mistura das duas precedentes, chega-se ainda a
uma divisão binária - a de Aristóteles, definitivamente
- entre dois grandes gêneros: o teatro, baseado na
mimese, e a narrativa, baseada na dié9ese.

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